PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Claudia Silva Fernandes Cenografia e ethos discursivo em o Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA SÃO PAULO 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Claudia Silva Fernandes Cenografia e ethos discursivo em o Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob a orientação do Professor Doutor Jarbas Vargas Nascimento. SÃO PAULO 2013 Banca Examinadora ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ Por que é que vocês estão procurando entre os mortos quem está vivo? Ele não está aqui, mas foi ressuscitado! Lucas 24:5b-6 a A ilusão leva o homem a se julgar corpo carnal. Mas o corpo carnal não é o homem. Na sua imagem verdadeira, o homem é filho de Deus, é Vida imortal. Sutra Sagrada Palavras do Anjo, Masaharu Taniguchi. AGRADECIMENTOS A Deus, Pai querido, que sempre ouve minhas orações e me orienta; A Cristo Jesus, que me guia amorosamente; Ao meu orientador e admirável, Dr. Jarbas Vargas Nascimento, que me recepcionou, amigavelmente, na PUC-SP e me apresentou a Análise do Discurso; À minha mãe querida, Maria do Carmo Silva Fernandes; A minha admirável irmã, Simone Silva Fernandes; Aos Mestres do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, pela dedicação; À Banca Examinadora do Exame de Qualificação, pelas preciosas orientações; À CAPES, pela bolsa de estudos que me proporcionou realizar mais um sonho: cursar o Mestrado; Aos meus amigos, especialmente, Nair Feld, Jorge Torresan, Patrícia Gimenez Camargo e Rodrigo Leite, por me ajudarem e por terem palavras motivadoras, sempre que precisei. Dedicatória À minha filha amada, Gabriela Fernandes de Melo. RESUMO Este trabalho está inserido nos postulados da Análise do Discurso de linha francesa e tem como tema o exame da constituição da cenografia e do ethos discursivo no processo de revelação do sujeito enunciador em o Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, publicado na revista Pomba Branca da Seicho-No-Ie. Esse tema mostrase relevante, pois buscamos entender a forma como os sujeitos interagem em um discurso utilizado para a propagação e a manutenção de valores e conceitos institucionais. Para tanto, tomamos como base as abordagens de Dominique Maingueneau sobre interdiscurso, cena enunciativa e ethos discursivo. A investigação realizada utiliza um procedimento teórico-analítico, em que analisamos a cena enunciativa, em sua tripartição em cena englobante, genérica e cenografia, bem como a forma de desvelamento do ethos discursivo. Nosso estudo apontou o papel da interdiscursividade na organização do discurso da Seicho-No-Ie, principalmente, o atravessamento dos campos discursivos da religiosidade, do pedagógico, do científico, entre outros e a imagem construída pelo sujeito enunciador que é a de um mestre que atua em uma cenografia de sala de aula para conseguir a adesão do co-enunciador. Palavras-Chave: Análise do Discurso, interdiscurso, cenografia, ethos discursivo. ABSTRACT This study is based on the postulates by the French line of the Theory of Disiscourse and has as theme the examination of the scenography as well as the discourse ethos in the process of revelation of the enunciator subject in Master Masaharu Taniguchi's Article, published in Seicho-No-Ie’s Pomba Branca (White Dove) magazine. Such theme proves to be relevant, since we aimed at understanding the way how subjects interact in a discourse used for the propagation and maintenance of institutional values and concepts. For this purpose, we elected as basis Dominique’s Maingueneau approach on interdiscourse, enunciative scene and discoursive ethos. The carried out investigation deals with a theoretical analytical procedure in which we analyze the enunciative scene, in its tripartition in englobing scene, generic and scenography as well as the form of unveiling of the discoursive ethos. Our study emphasized the role of interdiscoursivity in the organization of Seicho-No-Ie’s discourse, especially the crossing of the discoursive fields of religiosity, pedagogical and scientific ones, among others, as well as the fact that the image constructed by the enunciator subject is the one of a master who acts in the scenery of a classroom with the target of achieving the adhesion of the coenunciator. Key words: Discourse Analysis, interdiscourse, scenography, discoursive ethos. SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................... 1 CAPÍTULO I – CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DA SEICHO-NO-IE 1.1 A construção da Seicho-No-Ie no Japão ........................................................... 4 1.2 Masaharu Taniguchi: as ‘revelações divinas’ do fundador ................................ 8 1.3 As bases filosóficas e religiosas da Seicho-No-Ie ............................................ 10 1.4 Práticas filosófico-religiosas e seus desdobramentos ...................................... 16 1.5 A construção da Seicho-No-Ie no Brasil............................................................ 21 1.6 A religiosidade na Seicho-No-Ie........................................................................ 32 1.7 Pomba Branca – A Revista da Mulher Feliz .................................................... 36 CAPÍTULO II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. A Análise do Discurso e seu enfoque interdisciplinar .................................... 48 2.2. Discurso e Interdiscurso ................................................................................ 54 2.3. Gênero de Discurso ....................................................................................... 63 2.4. Gênero de Discurso: artigo de revista ........................................................... 73 2.5. Cena enunciativa ........................................................................................... 77 2.6. Ethos discursivo ............................................................................................. 81 CAPÍTULO III - CENAS DA ENUNCIAÇÃO E ETHOS NO DISCURSO DE O ARTIGO DO MESTRE MASAHARU TANIGUCHI 3.1. Constituição da amostra .................................................................................... 86 3.2. Procedimentos metodológicos .......................................................................... 98 3.3. Análise ............................................................................................................... 98 3.3.1 Interdiscursividade ............................................................................... 99 3.3.2 A cenografia e o ethos discursivo ....................................................... 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 135 GLOSSÁRIO DE TERMOS ESPECÍFICOS DA SEICHO-NO-IE ........................... 145 ANEXOS.................................................................................................................. 147 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS As interações dos sujeitos, em sociedade, são, sempre, permeadas pela linguagem e o resultado dessas trocas, nas mais variadas esferas sociais, é a produção de discursos. Dessa forma, considerando-se o contexto, no qual seus sujeitos se encontram inseridos e suas finalidades específicas, temos o discurso da Seicho-No-Ie, na revista Pomba Branca – A revista da Mulher Feliz que se trata de uma produção discursiva, muito peculiar, dentro da esfera do religioso, possível de ser examinado do ponto de vista da Linguística, com seus métodos específicos de análise. Consideramos para a análise, desse discurso, o arcabouço teórico da Análise de Discurso (AD), de orientação francesa. A Seicho-No-Ie (doravante SNI) é considerada uma ‘nova religião japonesa’ que se baseia numa postura filosófica de otimismo na vida e que tem como objetivo despertar o Divino, inerente ao ser humano, por meio da palavra, a fim de concretizar o modelo perfeito de vida, a imagem verdadeira, o Jissô. A SNI teve, inicialmente, uma abrangência étnica e, em seguida, expandiu-se entre os não-descendentes de japoneses, por meio de suas publicações, que, ainda, são o principal veículo de doutrinação. O sincretismo, sua marca peculiar, também, tornou viável a aproximação com os brasileiros, os quais, em si, já estão inseridos em uma tendência sincrética, no plano religioso, que engloba católicos, evangélicos, cultos de origem africana e religiões de procedência oriental. Apesar de uma produção vasta, a SNI possui poucos estudos sobre seus discursos, principalmente, sob o ponto de vista da Linguística. Um dos instrumentos de divulgação de seus ensinamentos é a revista mensal Pomba Branca publicada pela Associação Feminina Pomba Branca, que traz artigos que particularizam aspectos da vida cotidiana, sob o ponto de vista filosófico e espiritual. Dessa publicação, selecionamos da seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, os discursos O pecado não existe, do exemplar número 320, de março de 2012 e O pensamento iluminador e as ciências naturais, do exemplar número 332, de março de 2013. 2 Fizemos tais escolhas, pois esses discursos apresentam a fala de Masaharu Taniguchi, fundador da SNI, foram produzidos em outro momento histórico e social, no Japão, foram recortados e inseridos na revista Pomba Branca, no mês em que se homenageia as mulheres, com o propósito de doutrinar e de conseguir a adesão das leitoras. Examinamos a construção da cenografia e a constituição do ethos discursivo, no processo de revelação do sujeito enunciador, com o intuito de verificarmos em que medida os indícios textuais, que constroem a cenografia, fazem emergir o ethos discursivo, legitimando-o e conferindo credibilidade ao discurso materializado na coluna selecionada. Esse estudo se justifica, tendo em vista que o discurso, assinado por Masaharu Taniguchi e produzido, segundo ele, sob inspiração divina, serve para manter e para transmitir valores e conceitos da instituição. Além disso, trata-se de um rico material de pesquisa, na medida em que os discursos funcionam como propagadores de sentidos e de informações tão aceitos pelos analistas, que tratam dos diversos tipos de discursos que circulam na sociedade. Nesse exame, ultrapassamos os aspectos formais para chegarmos aos efeitos de sentido, aliando as condições sócio-históricas de produção e as formações discursivas materializadas. Para tanto, selecionamos a Análise do Discurso de linha francesa, nas perspectivas apontadas por Dominique Maingueneau, que trata do ethos ligado, crucialmente, ao ato enunciativo e da cenografia. Postulamos como objetivos: identificar os indícios textuais que constroem a cenografia e a forma de desvelamento do ethos discursivo no discurso da SNI; verificar como esse discurso projeta a imagem do enunciador e como tal imagem articula valores e modos de vida na dimensão religiosa proposta pela instituição. Essa dissertação estrutura-se em três capítulos. No Capítulo I, apresentamos as condições de produção do discurso da SNI, como a sua história, no Japão e no Brasil, a trajetória de seu fundador, Masaharu Taniguchi, as bases filosóficas e religiosas, bem como seus conceitos e práticas. Além disso, discorremos sobre a Revista Pomba Branca, de onde extraímos o corpus. 3 No Capítulo II, apresentamos o arcabouço teórico ao qual nos filiamos. Inicialmente, enfatizamos o caráter interdisciplinar da Análise do Discurso, focando nos estudos de Maingueneau sobre o interdiscurso, as cenas enunciativas e o ethos discursivo. Por fim, no Capítulo III, explicamos a constituição do corpus e os procedimentos metodológicos empregados para o exame e para a seleção de nosso objeto de estudo, desenvolvemos, também, as análises da cenografia e do ethos discursivo no discurso da coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi.. Ao final são apresentadas as Considerações Finais, seguidas das Referências Bibliográficas, do Glossário de termos usados na SNI e dos Anexos. 4 CAPÍTULO I CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO DA SEICHO-NO-IE 1.1 A construção da Seicho-No-Ie no Japão Para adentrarmos na coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, objeto de análise desta pesquisa, temos, antes, que compreender as feições mais gerais da doutrina, o seu início, no Japão e o seu desenvolvimento, no Brasil, bem como refletir sobre a estruturação da Revista Pomba Branca, instrumento de divulgação de seus ensinamentos, na qual se veicula a mencionada seção. A SNI surgiu no Japão, em 19301, mais, precisamente, na cidade de Kobe, principal cidade portuária do país. A doutrina tem origem nas ‘revelações divinas’ que seu único fundador, Masaharu Taniguchi (1893-1985), diz ter recebido por Deus e que se empenhou em divulgá-las por meio das revistas intituladas Seicho-No-Ie 2. Tais publicações resultaram na confecção da obra Seimei no Jissô (A Verdade da Vida), em 1932, uma coleção de 40 volumes, que apresenta a doutrina fundamental. Taniguchi nasceu em Kobe, em 22 de novembro e, aos quatro anos de idade, foi adotado e criado por uma tia. Aos 37 anos, casou-se com Teruko Emori (18991988), atuou como tradutor de livros técnicos na empresa americana Vacuum Oil Company e, com essa idade, lançou sua doutrina por meio de revistas com o apoio da esposa. A utilização da imprensa escrita, por ele, insere-se em um aspecto comum da sociedade japonesa, já acostumada ao letramento e à leitura de 1 A doutrina surgiu, em um período de instabilidade econômica e social, no Japão. Ao longo dos anos 1930 a 1940, diante da política territorial expansionista instituída pelos seus Imperadores, o país buscou por matériaprima para o seu desenvolvimento industrial e por pontos geográficos no Pacífico, os quais eram considerados importantes para a comercialização e para os negócios com os países do Ocidente. Dentro dessa política expansionista territorial japonesa, esse país enfrenta a China e, em diversos momentos, a Indochina, a Malásia, a Filipinas, a Birmânia e alguns outros pontos geográficos que possuem portos marítimos e comerciais na região do Pacífico. Paralelamente, a esses fatos, o Japão já era reconhecido como um país importante na região da Ásia e articulado com países da Europa, como Alemanha, Itália, Holanda, da América, como os EUA. No entanto, essa política imperialista sofreu retaliações de países ocidentais, os quais praticaram o embargo de exportações de matéria-prima ao Japão e, mais adiante, na Segunda Guerra Mundial, o bombardeio de seus territórios. 2 Em uma tradução livre “Lar do Progredir Infinito”. 5 publicações3; bem como revela a inclinação do próprio idealizador à produção de textos, possibilidade reforçada pela escolha do curso de literatura inglesa iniciado, mas não concluído, na Universidade de Waseda, em Tókio. Ele estudou diferentes áreas do conhecimento como a Filosofia, a Psicologia e a Religião. Taniguchi, em suas obras, relata que passou por problemas familiares, econômicos, existenciais e que vivenciou muitos problemas sociais. Com o intuito de entender o porquê do sofrimento humano, buscou esclarecimentos para suas dúvidas em diversos tipos de filosofias e religiões e sentiu-se atraído pelas obras de Oscar Wilde, Arthur Schopenhauer, Willian James e pelas teorias de Psicanálise. Entrou, ainda, em contato com os ensinamentos do Dr. Franz Anton Mesmer (fundador do Mesmerismo), de Phineas Parkhurst Quimbye (fundador do Novo Pensamento Americano), de Ernest Holmes (fundador da Ciência Religiosa). Foi membro das seitas Oomoto, Itto-em e estudou os ensinamentos do Budismo, Cristianismo entre outros. Segundo Taniguchi (2012, p. 6), a intenção não era iniciar um movimento religioso, mas veicular, na sociedade japonesa, princípios filosóficos, como revelam os escritos, ainda de hoje, os quais traduzem e transmitem as ideias originais do fundador, acerca da SNI: é uma filosofia que transcende o sectarismo religioso, pois acredita que todas as religiões são luzes de salvação que emanam de um único Deus. À medida que se publicavam as edições da revista, surgidas da necessidade de seu fundador em compartilhar suas revelações, Taniguchi começou a receber um grande número de cartas de leitores que relatavam que, após lerem os exemplares, curas milagrosas de doenças ocorriam. De acordo com Albuquerque (1999), devido 3 O papel e o ideograma são tradições chinesas milenares, nas quais o Japão se baseou, inicialmente, para veicular seus contos e suas poesias. A educação japonesa, aberta a todas as classes, o que inclui o letramento, data de meados de 1800. A imprensa periódica, como conhecida, atualmente, surgiu, aproximadamente, em 1860. Na década de 1930, o Japão possuía uma educação universal, com preceitos nacionalistas, cuja literatura enfatizava os feitos dos Imperadores. 6 a essa repercussão, as atividades dele começaram ser consideradas religiosas, pelo governo e palestras foram proferidas em outras cidades, como Tókio. Após 11 anos da impressão da primeira revista e diante da quantidade de adeptos, no Japão 4 , em 1941, a instituição foi, oficialmente, registrada pelo Ministério da Cultura como entidade religiosa. Albuquerque (1999) afirma que isso ocorreu para fortalecer o governo imperial diante das crises internas e das guerras com as quais o país se envolvia e que outras denominações, que também apoiavam o governo, passaram por isso, convivendo com as já religiões tradicionais como o xintoísmo e o budismo. Contudo, o fundador Taniguchi (2007, p. 317), ao longo de sua produção literária, continuou a considerá-la como um movimento de iluminação da humanidade. Sobre essa oficialização como religião, Albuquerque (1999) apresenta que a SNI surgiu em um contexto de reconstrução do Japão, durante as guerras com os povos do Pacífico e a II Guerra Mundial. Nesse sentido, a doutrina fortalecia a tradição japonesa e valorizava a imagem do Imperador, reforçando a estrutura ideológica do sistema familiar japonês. Segundo Albuquerque (op.cit., p.20), desde a sua origem, a instituição acompanhou as oscilações sociopolíticas e deu apoio às ideologias dominantes. Nesse contexto, Taniguchi prega que o homem virtuoso adapta-se às circunstâncias, ou seja, vive conforme as diretrizes sociais, culturais, econômicas, políticas e, também, religiosas do seu presente – a ideia de sincretismo religioso será desenvolvida mais adiante. Ainda cabe mencionar que o surgimento de novas doutrinas e práticas espirituais, no Japão, bem como a oficialização delas, levou os estudiosos, como Paiva (2005, p.210), a chamarem esses movimentos de ‘novas religiões japonesas’ por se caracterizarem como: 4 Ao longo de sua existência, no Japão, a SNI atingiu números expressivos de adeptos: até 1954, por exemplo, teve 1.461.604 membros. In: <http://en.wikipedia.org/wiki/Statistics_for_major_new_religions_in_Japan>. Acessado em 17 de janeiro de 2013. 7 grupos religiosos que surgiram desde os anos finais da era Tokugawa5, têm seu centro espiritual na pessoa e no ensinamento pretensamente singular de um fundador, proveniente do povo comum, e se orientam para a conquista de novos membros a partir das massas. Nesse sentido, a SNI, por meio de um fundador comum, transmite ensinamentos únicos, para além das filosofias e religiões existentes, para a grande massa urbana e rural japonesa. André (2008, p.10) lembra que a instituição converteu-se numa das ‘novas religiões japonesas’ mais populares no país, ao lado de alguns templos budistas. A organização tem seu pleno estabelecimento, na década de 1970, com o crescimento no número de adeptos e assinantes, acompanhado pelo aumento de núcleos locais. Seu objetivo era alcançar um milhão de assinantes. Conforme afirmam Mullins & Kisala 6 , é difícil saber com precisão quem é “adepto" de uma nova religião japonesa, pois os padrões para se tornar um membro ou para ser considerado um, diferem entre os movimentos. Dados estatísticos mostram que a SNI tinha três milhões de adeptos, em 1985, e que, em 1989, tinha 80.000. Segundo os autores, essa discrepância nos números não foi devido à perda massiva de adesão, mas a diferentes maneiras de calcular o número de membros. Assistir a algumas palestras ou a rituais ou preencher um formulário para tal fim, por exemplo, pode ser critério para uma pessoa ser considerada uma adepta. Segundo levantamento feito, em 31 de dezembro de 2010, pela sede, no 7 Japão , há, na SNI, 1.683.227 adeptos, desses, 1.032.108 são de outros países e 5 Era Tokugawa ou período Edo, tem seu final em meados de 1860 e é marcada pela transição do período feudal para o período industrial. 6 Problemas estatísticos semelhantes foram encontrados na Kofuku no Kagaku, que afirmou, no início de 1990, ter-se tornado o maior movimento no Japão (10.000.000), superando Soka Gakkai (considerada a maior e com milhões de seguidores). De fato, em 1991, funcionários da Kofuku admitiu que, aproximadamente, 90% de seus membros, apenas, eram assinantes de sua revista mensal. Uma estimativa mais realista desse movimento, em meados dos anos de 1990, revelou que havia entre 100.000 e 300.000 membros ativos ( Mullins, R. MARK & KISALA, ROBERT. Social crisis and religion in contemporary Japan. In: <http://cla.calpoly.edu/~bmori/syll/Hum310japan/KisalaandMullins.html>. Acessado em 20 de outubro de 2012. 7 In: <http://www.jp.seicho-no-ie.org%2Findex.html>. Acessado em 19 de janeiro de 2013. 8 651.119 são do Japão. Há, ainda, 22.995 preletores: 7.202, em outros países e 15.793 atuam no Japão. Desde a sua oficialização, a SNI conseguiu se estabelecer pelo Japão, contudo, não foram encontrados dados precisos sobre as cidades receptivas da filosofia. De acordo com Pizzinga8 (2009), a partir de 1962, Taniguchi iniciou várias viagens internacionais, pela Europa e pela América, para divulgar seus trabalhos e suas revelações, pessoalmente. Visitou os Estados Unidos, por três vezes, o Canadá, o México e o Brasil, este, por duas vezes, acompanhado de sua esposa Teruko. 1.2 Masaharu Taniguchi: as ‘revelações divinas’ do fundador Taniguchi comenta, em suas obras, que em sua busca pela paz interior e pela compreensão de alguns de seus problemas, começou a meditar e, que após pedir a Deus, que revelasse a Verdade, recebeu a seguinte revelação divina: A matéria é nada. O corpo físico é nada. Todos os fenômenos, no mundo da matéria, são nada. O que existe verdadeira e eternamente é Deus e Sua manifestação. O homem é, na realidade, um filho de Deus. Ele não é matéria, mas existência espiritual. O homem já é um ser perfeito. Tudo em nosso ambiente é simplesmente o reflexo de nossa própria mente (Revista Pomba Branca, número 284, p.35). Taniguchi (2007, p.272) afirma que, após receber as ‘revelações’, compreendeu que ele: 8 Doutor em Filosofia, Mestre em Educação, Professor de Química, membro da Ordem Maaat, membro dos Iluminados de Kemet, membro da Ordem Rosacruz, Iniciado do Sétimo Grau do Faraó. In: <http://svmmvmbonvm.org/aum_muh.html>. Acessado em 15 de novembro de 2012. 9 era um ser divino, um ser búdico, desde o princípio dos tempos e que, a partir daí, apesar das muitas dificuldades enfrentadas, dedicaria-se à transmissão de suas revelações. Desde então, ele se denominou ‘mestre’, sendo, até os dias de hoje, identificado, assim, pelos praticantes de sua filosofia. Em 13 de dezembro de 1929, dia em que, pela segunda vez, fora roubado e perdera suas economias, para a divulgação de seus ensinamentos, ele decidiu criar a Fundação da Sociedade para a Difusão do Pensamento Iluminador. Sobre essa situação, ele diz que: aquele momento crucial fez com que eu alcançasse o verdadeiro despertar e tomasse a firme decisão de começar a trabalhar para a divulgação da Verdade, mesmo não tendo vigor físico nem dinheiro. (TANIGUCHI, 2007, p.292). Em primeiro de março de 1930, Taniguchi9 redige e elabora a primeira Revista Seicho-No-Ie, cujo trabalho de comunicação e distribuição gratuita foi feito por sua esposa. Dessa forma, é dado início ao que ele denomina: Movimento de Iluminação da Humanidade. O objetivo da SNI, segundo ele (2007b, p.19), em palestra proferida, em 1934, na sede Central no Japão, é dizer à humanidade que no Jissô (ser verdadeiro) do homem já existe de tudo e que, portanto, ele deve buscar tudo no seu interior e não no exterior. Após seu falecimento, em 1985, Seicho Taniguchi, seu genro, torna-se o Supremo Presidente da SNI. Hoje, o atual vice-presidente da instituição é Masanobu Taniguchi, neto do líder. André (2008, p. 5) enfatiza que essa continuidade da 9 Taniguchi produziu os 40 volumes da coleção A Verdade da Vida (obra que possui a base do ensinamento da SNI) e mais de 400 livros, escritos, segundo ele, sob ‘inspiração divina’. 10 estrutura de poder e o nome familiar tornam-se um capital simbólico e conferem legitimidade aos especialistas/sacerdotes do campo religioso. 1.3 As bases filosófico-religiosas da Seicho-No-Ie O termo Seicho-No-Ie, literalmente, significa “a casa do desenvolvimento”, porém, costuma-se interpretar como “o lar do progredir infinito”. Taniguchi (2008, p.11) afirma que não se trata do lar dele, mas de todos os lares que obedecem ao princípio da manifestação da vida e destaca que quando um membro de uma família se torna leitor da revista Seicho-No-Ie, todos os demais membros tornam-se SeichoNo-Ie. Nesse sentido, o próprio leitor passa a se tornar um ‘lar’, um locus de desenvolvimento constante. A sua proposta é estabelecer o reino do céu na Terra, porém para que isso aconteça, é preciso que todos se empenhem e progridam espiritualmente. Sobre o estabelecimento do “paraíso”, neste mundo terreno, Taniguchi (2008, p.60) afirma que: isso dependerá muito do esforço dos fervorosos adeptos e leitores que se reuniram inicialmente na Seicho-No-Ie. Todo desenvolvimento é gradual [...] como obra inicial da construção do paraíso na Terra, a Seicho-No-Ie divulga à humanidade, através de publicações, a correta filosofia de vida, o correto modo de viver e o correto modo de educar. Segundo o líder, pelo correto modo de viver, ou seja, pela correta filosofia, os sofrimentos deixarão de existir e, por meio do método educacional da SNI, as pessoas, desde a infância, viverão de acordo com a natureza divina delas e manifestarão talentos que lhe são inatos. Para tanto, ele preconiza que é preciso saber utilizar a mente, pois por meio da conscientização da ‘imagem verdadeira’ (filho de Deus) é que os problemas serão dissipados. 11 Da apresentação dessas características, compreendemos como afirma Osaki (1990, p.37), que a doutrina se fundamenta em um princípio filosófico do idealismo que afirma supremacia absoluta do espírito sobre a matéria. O corpo humano é visto como uma construção do pensamento, assim como a realidade social o é também; por conseguinte, as doenças, os males físicos, os percalços da vida e o pecado são frutos, também, dessa construção. Dessa maneira, Taniguchi acredita que a prática de seus ensinamentos pode fazer com que o ser humano, por meio do autocontrole mental, projete imagens de saúde, bondade, gratidão, dentre outros, que proporcionarão bem-estar e satisfação para si, para o próximo e para o meio onde vive/convive. Sobre essa realidade, criada pelo pensamento, o fundador a chama de espiritual e explica, em suas obras, que somente existe Deus, que é a Suprema Realidade e o que Ele criou. Devido a Deus ser espírito, sua criação, somente, existe no mundo espiritual, que é denominado de Jissô. Ademais, nesse ensinamento, o que é apreendido pelos cinco sentidos do ser humano é considerado como se fossem sombras ou reflexos da mente e, a realidade material, ou seja, a realidade concreta seria a imagem de um filme cinematográfico projetada em uma tela. No diálogo entre as obras originais do fundador e as pesquisas de estudiosos sobre a SNI, (OSAKI, 1990, ALBUQUERQUE, 2001 e CASTILHO, 2006), averiguamos que, para a criação desse ensinamento, foram utilizados diversos conhecimentos. Das religiões, foram usados elementos do Budismo, do Cristianismo e do Xintoísmo; das crenças populares japonesas, a adoração aos antepassados e o culto à alma dos mortos. Taniguchi recebeu influência, também, da Ciência Cristã, corrente do Novo Pensamento americano e de correntes do pensamento ocidental, entre elas a psicanálise freudiana, que serviu de apoio na elaboração de sua psicologia de educação infantil e a filosofia idealista alemã que foi reinterpretada com base na filosofia panteísta do Budismo. Além dessas correntes, o líder introduziu conhecimentos das ciências físicas, dando, dessa forma, em seus princípios, um caráter científico. Sobre isso, Taniguchi afirmou que: 12 até o século XIX, a religião e a filosofia podiam se fundamentar em princípios alheios à ciência, mas a partir do século XX, principalmente da segunda metade, já não está sendo possível pregar arbitrariamente crenças dissociadas das ciências (Prefácio do livro Mistérios da Vida, 1951). Esse sincretismo é justificado pelo fundador, ao pregar que o papel da religião é reconciliar os homens entre si. Daí a SNI divulgar que sua função é promover a reconciliação entre os homens e, também, reconciliar as religiões entre si. A reconciliação das religiões e a intenção de ser o centro integrador delas são traduzidas no emblema (Enkan) da SNI, figura 1, é composto por três elementos que estão relacionados, por sua vez, a três grandes religiões: o Xintoísmo, o Budismo e o Cristianismo. figura 1 Na parte externa, existe o sol que representa o Xintoísmo. No nível intermediário, há a lua que simboliza o Budismo. No último nível, há a estrela que representa o Cristianismo. Sobre a suástica (swastica – antigo símbolo oculto de poder) representada na lua, os líderes dizem que ela exprime a ideia de movimento com suas setas, identificando as leis universais em que o esquerdo avança e o direito recua. O lado esquerdo simbolizaria o positivo, o masculino; o direito, o 13 negativo, feminino10. O verde simboliza a Vida e o florescimento do homem na terra. As trinta e duas linhas do halo do Sol representam as trinta e duas boas fases de Buda. Paiva (2005, p.211), ao analisar a referência às três religiões nesse emblema, explica que, mesmo com essa união, a SNI continua sendo considerada uma das ‘novas religiões japonesas’ e comenta ainda que: essa tripla referência não coloca a Seicho-No-Ie na esteira de nenhuma dessas formas religiosas, pois sua doutrina provém de revelação pessoal ao fundador e a organização do grupo religioso é autônoma. O termo ‘novas religiões japonesas’ é definido por Arai (apud Paiva 2005, p.210) como: grupos religiosos que surgiram desde os anos finais da era Tokugawa, têm seu centro espiritual na pessoa e no ensinamento pretensamente singular de um fundador, proveniente do povo comum, e se orientam para a conquista de novos membros a partir das massas. Paiva (2005) acrescenta, ainda, que as ‘novas religiões’ fazem suas orientações para o momento presente, o mundo de agora e não para o futuro, por meio de práticas de aparência mágica. 10 A distinção entre positivo (masculino) e negativo (feminino) é fundamentada no Taoismo, tradição filosófica e religiosa originária da China, que enfatiza a vida em harmonia com o Tao. Para essa filosofia, o mundo é composto pelos elementos opostos Yin e Yang que se complementam, que estão em infinito movimento e que são equilibrados por Tao. Yang é considerado a força positiva do bem, da luz e da masculinidade, já o Yin é a essência negativa do mal, da morte e da feminilidade. Os taoistas acreditam que esses elementos não podem existir separados e que nenhum deles é mais importante ou melhor que o outro ( BLOFELD, 1995 & TSAI,1997). 14 A intenção da SNI, ao integrar várias religiões em seus ensinamentos, é receber pessoas de várias crenças, sem que elas abandonem sua religião de origem, pois, de acordo com o fundador (2008a, p.18): a filosofia da Imagem Verdadeira é uma filosofia que prega a identidade de todas as religiões na sua essência. Do mesmo modo que o alimento nutre as pessoas, a nossa filosofia nutre alma de todos que a assimilam, qualquer que seja sua religião. Ainda sobre esse sincretismo religioso que permeia a instituição, Davis (1970, p.55), ao escrever a biografia de Masaharu Taniguchi, diz que o fundador recorreu às escrituras de todo o mundo para modelar uma filosofia praticável que possa ser aceita pelas pessoas de todas as crenças religiosas. Outro motivo que pode ter levado a adesão das pessoas à SNI, é a diluição da ideia de pecado, que é considerado fruto do pensamento e uma ilusão. Segundo os ensinamentos do líder, estudos no campo da psicanálise, afirmam que os problemas enfrentados pelas pessoas são formas de autopunição, devido o ser humano ter sedimentado no subconsciente tal ideia. As dificuldades são, para ele, o resultado da projeção de uma punição (social ou do próprio eu) por alguma atitude/ação apreendida, socialmente e/ou espiritualmente, como negativa pelo indivíduo. Para Taniguchi (2008, p. 27), se esse conceito for eliminado do subconsciente, os infortúnios deixarão de acontecer. Para tanto, é necessário que o homem se conscientize de que ‘é filho de Deus, perfeito em sua essência, para que ele consiga, assim, mudar a realidade em que vive’. Dessa forma, a tese sustentada pela SNI é a de que a ‘imagem verdadeira’ do homem é ‘filho de Deus’, é o ‘Jissô’, já que: 15 o conscientizarmos o fato de que a Imagem Verdadeira da Vida é perfeita e harmoniosa, passa a atuar a força curadora da Grande Vida e se processa a cura metafísica (cura divina). Cura metafísica é, para ele, a maneira de curar as infelicidades sem a necessidade de recorrer a métodos materiais. Taniguchi (2008) explica, ainda, que escolheu usar esse termo, a fim de evitar que o seu método fosse equiparado aos métodos de cura espiritual ou de cura pela aplicação da palma da mão. Sobre esses métodos de cura, Davis (1970) afirma que eles não têm identificação com a hipnose, a sugestão, o magnetismo ou com outra forma de cura mental ou magia. Para ele, a idéia central dessa filosofia é mostrar que somente o despertar espiritual pode libertar as pessoas da limitação. Nesse âmbito, segundo os ensinamentos, as pessoas traçam suas vidas por meio da mente, tendo em vista que os cinco sentidos trabalham na perspectiva da captura das projeções da mente humana, chamadas de ilusão. Esse mundo captado pelos sentidos, ou seja, o mundo material é identificado como ‘mundo fenomênico’, de ‘sombra’, conforme observamos em Taniguchi (2010, p.62): os cinco sentidos do homem não veem senão o ‘mundo da projeção’. Desejando purificar o ‘mundo da projeção’, deveis purificar a matriz da mente e eliminar as nódoas da ilusão. Diante desse aspecto, para Taniguchi (2010), existem duas verdades: a vertical e a horizontal. Ele prega que a primeira é a existência infinita, apenas, de Deus e de Sua criação e que, devido ao ser humano fazer parte dessa criação, ele é possuidor da mesma natureza de seu Criador. Dessa convicção, veio a seguinte afirmação: ‘o homem é filho de Deus’. O que não tiver a natureza divina trata-se de manifestação da mente humana, não tendo, assim, existência eterna, mas temporária. 16 A segunda verdade ensinada é sobre o mundo apreendido pelos sentidos, ou seja, ‘o mundo fenomênico’ que, para ele, trata-se de projeção da mente humana, ou seja, uma ‘ilusão’ com começo, meio e fim, sendo, portanto uma realidade efêmera. São exemplos de ‘ilusões’: o envelhecimento, as enfermidades, a morte, o pecado, entre outras. As práticas propostas pela SNI seriam o meio para purificar a mente, para que, assim, o homem ‘projete’, ‘crie’ uma realidade sem tais infortúnios. 1.4 Práticas filosófico-religiosas e seus desdobramentos A base doutrinária da SNI, como dito, consiste em fazer o ser humano manifestar sua natureza divina de filho de Deus, seu aspecto real, o Jissô. Para tanto, são organizadas práticas para difundir seus ensinamentos e para compartilhar suas crenças, que se aliam a características pedagógicas, pois, segundo Davis, (1990, p.115): o propósito da organização é o de educar o povo através da palavra escrita, preleções, aulas, conselhos pessoais e pela instrução na arte e na prática da Meditação Shinsokan. Para que o ‘mundo da projeção’ seja modificado, é ensinado aos seguidores a ‘purificação da mente’, ou seja, o Shinsokan, definido como ‘a arte da meditação contemplativa’. Trata-se de uma prática diária que deve ser feita ao acordar e à noite, ao dormir, com o intuito de se estabelecer uma conexão com a natureza divina que, por sua vez, será refletida na vida cotidiana. Além dessa meditação, é necessário que os adeptos leiam, também, diariamente, a Sutra Sagrada Chuva de Néctar da Verdade que contém a síntese dos ensinamentos e é considerada a ‘escritura sagrada’ da SNI. Nela, há as revelações divinas, que Taniguchi diz ter recebido, em forma de poema, que estão organizadas em nove capítulos: Vida, Deus, Espírito, Matéria, Realidade, Sabedoria, Ilusão, Pecado e Homem. 17 Sobre livros sagrados, vale lembrarmos sua frequente presença nas principais religiões e que seus autores, geralmente, afirmam que receberam ‘revelações divinas’ para produzí-los. Esses escritores são considerados, muitas vezes, pelos adeptos, pessoas iluminadas, profetas que se comunicam com Deus, com anjos, com deuses, entre outros. Para exemplificarmos, citamos os livros sagrados das principais religiões: a Bíblia, no Cristianismo; o Alcorão, no Islamismo; a Torá e a Bíblia, no Judaísmo; a codificação de Allan Kardec, no Kardecismo. A importância da leitura da sutra e da prática da Meditação Shinsokan é enfatizada nas obras e incentivada em palestras, em cursos, como sendo responsáveis por uma série de ‘milagres’. Essa divulgação estimula os adeptos a inserirem essas práticas, no dia a dia, por serem o meio utilizado para purificar a mente e, por conseguinte, mudar o ambiente, que, conforme já dissemos, é uma ‘projeção da mente’. Dentre as técnicas acima citadas e outras apresentadas aos adeptos, destacamos: o agradecimento constante a todas as pessoas, coisas e fatos, o elogio, as repetições de frases, a purificação da mente, a maratona de leitura de sutras, o oferecimento de cultos aos familiares falecidos ou não e às crianças abortadas. Os frequentadores são incentivados, ainda, a irem às Academias de Treinamento Espiritual para aprimorarem os ensinamentos, pois lá são oferecidos seminários, cursos, palestras e, também, são organizadas várias cerimônias. Merece, também, destaque, por ser muito divulgada, a Oração para a Cura Divina, mais conhecida como Forma Humana. Trata-se de um formulário de pedido de orações, em duas vias. A primeira fica na sede central e a segunda, com o interessado. Nele, há uma relação de quinze ‘desejos’ para que o solicitante opte por aquele(s) que atende a seus anseios, como por exemplo: manifestar a imagem verdadeira (manifestar o Deus interior), ter saúde, alcançar a prosperidade, ter harmonia entre outros. Feita a(s) escolha(s), ele é quem decide o tempo de duração da oração: um mês, três meses, seis meses ou um ano. Em horários determinados, as orações são feitas seis vezes por dia, sendo, a última, realizada pelo presidente doutrinário da América Latina. 18 Em todas as práticas estabelecidas, a leitura de alguma obra de Taniguchi ou de trechos dela estão, frequentemente, presentes. Nesse sentido, não é por acaso que a literatura seja o meio de divulgação predominante da doutrina, havendo centenas de livros publicados e vendidos para os adeptos, na sede e nos núcleos ou, ainda, no próprio site. Dentre essa vasta produção, destacamos as revistas Fonte de Luz, direcionada para os homens; Pomba Branca, para as mulheres e Mundo Ideal, para os jovens. Há ainda os jornais, Querubim, para as crianças e Círculo da Harmonia (Enkwan) para divulgar as principais atividades da SNI, que apresenta, também, uma versão on-line. Sobre a comercialização das obras, fora desse ambiente, verificamos que nas livrarias11, os poucos livros comercializados são encontrados na seção religiosa ou de autoajuda. Isso nos mostra que a doutrina não fica restrita a um único campo. Para que a instituição acompanhe as transformações, pelas quais a sociedade passa e para que divulgue seus ensinamentos para um grande número de pessoas, os dirigentes e os preletores fazem uma releitura da vasta obra do fundador, adaptando-a ao momento atual. No que se refere às adaptações feitas, é importante destacarmos que apesar das mudanças, relacionadas às questões cotidianas, os dirigentes, para validarem o próprio discurso, baseiam-se na tradição do sensei (que significa professor e, literalmente, quer dizer aquele que veio antes), tendo como fundamento o retorno às origens e aos vários textos sagrados ou que foram sacralizados, posteriormente (DINIZ, 2005). Ao visitarmos a sede e os núcleos da SNI, verificamos que, além das publicações, são utilizados, para propagar seus ensinamentos, CD’s com gravações de palestras proferidas, com canções e com orações, calendários de mesa ou de parede, chamados Palavras de Luz, muito conhecidos por terem, para cada dia, frases extraídas das obras. São usados, ainda, pingentes, fitas cassetes e kits, para homens, para mulheres ou para crianças, organizados por temas, como: prosperidade, saúde, amor etc. 11 Informações obtidas nos sites: <http://www.livrariasaraiva.com.br/pesquisaweb/pesquisaweb.dll/pesquisa?ID>, da livraria Saraiva e http://www.livrariacultura.com.br/Produto/Busca?Buscar=masaharu%20taniguchi> da livraria Cultura. Acessados em 19 de janeiro de 2013. 19 Além dessas estratégias de divulgação, os membros, para aderirem ao que é propagado, recebem orientações acerca de “As Sete Declarações Iluminadoras” que, conforme Taniguchi (2008), contêm os valores maiores da doutrina e servem de base para o trabalho de difusão da organização. Nesse âmbito, transcrevemos as declarações, a seguir: 1. Declaramos transcender todo sectarismo religioso e, reverenciando a Vida, viver em fiel obediência à Lei da Vida. 2. Acreditamos que a lei da manifestação da vida é o caminho do progredir infinito e acreditamos também que é imortal a Vida que se aloja em cada indivíduo. 3. Estudamos e publicamos a Lei da criação da Vida, para que a humanidade possa seguir o verdadeiro caminho do progredir infinito. 4. Acreditamos que o amor é o alimento da Vida e que a oração, as palavras de amor e o elogio constituem o poder criador da palavra que concretiza o amor. 5. Acreditamos que, como filhos de Deus, possuímos em nosso interior a possibilidade infinita e que podemos atingir o estado de absoluta liberdade com o uso controlado do poder da palavra. 6. Para melhorarmos o destino da humanidade por meio do poder criador das boas palavras, publicamos a revista Seicho-No-Ie e livros sagrados, que contém boas palavras. 7. Baseados na correta filosofia da vida, no correto modus vivendi e no correto modo de educar, organizamos movimentos concretos que dominem doenças e todas as demais formas de sofrimento humano, para construir na face da Terra o Reino dos Céus de amor mútuo e cooperação. Essas declarações são lidas e explicadas, pelos preletores, para o público, em reuniões, em seminários, em treinamentos, sendo, também, elucidadas, em algumas obras e, comumente, servem de tema de palestras. Diante desse cenário, para reiterar o compromisso dos adeptos com a instituição e reforçar sua ideologia, Taniguchi (1995, p.39) elaborou, ainda, as oito normas fundamentais dos praticantes que são lidas, em voz alta, nas reuniões: 20 1º. Agradecer a todas as coisas do Universo. 2º. Conservar sempre o sentimento natural. 3º. Manifestar o amor em todos os atos. 4º. Ser atencioso para com todas as pessoas, coisas e fatos. 5º. Ver sempre as partes positivas das pessoas, coisas e fatos e nunca suas partes negativas. 6º. Anular totalmente o “ego”. 7º. Fazer da vida humana uma vida divina e avançar crendo sempre na vitória infalível. 8º. Iluminar a mente, praticando a meditação Shinsokan todos os dias sem falta. Notamos que essas normas prescrevem o comportamento que os adeptos devem ter, diante das situações do cotidiano, para que eles adotem uma postura passiva, diante dos percalços do dia-a-dia, diferenciando-se, assim, daqueles que não são praticantes dos ensinamentos. Assim, no que tange as práticas filosófico-religiosas, Osaki (1990, p.43) comenta que a SNI é considerada, à primeira vista, uma super-religião muito rica em todos os aspectos religiosos. No entanto, ele a avalia como sendo bem pobre nas suas manifestações, rituais e cerimônias de culto. O pesquisador justifica sua opinião, pois leva em conta a recomendação feita, pela doutrina, aos adeptos de outras religiões, para que se mantenham fiéis aos cultos de sua religião de origem. Ele lembra, ainda, que essa ‘nova religião japonesa’ não possuía um objeto especial de culto e que, somente depois de muito tempo, adotou como objeto de culto e veneração pública um símbolo sagrado: a palavra Jissô. Essa palavra está inscrita em um quadro (explicitado pela figura 2) afixado no alto da parede central do salão, onde ocorrem as palestras, de maneira bem visível, com o intuito de fazer os adeptos recordarem a presença de Deus. Ao entrarem no local, eles fazem um sinal de reverência diante do Jissô, fazem preces e participam das cerimônias. 21 Figura 2 Vale ressaltar que, durante o ano, ocorrem festividades especiais, em datas consideradas consagradas, que são revestidas de solenidade, no aspecto religioso bem como no aspecto social. Entre elas, destacamos: a festa de Ano Novo, em primeiro de janeiro; a fundação da SNI, comemorada em primeiro de março; a data natalícia do fundador, em 22 de novembro; a comemoração dos mortos, no começo da primavera e do outono e as grandes purificações nos meses de junho e de dezembro. 1.5 A construção da Seicho-No-Ie no Brasil A trajetória da SNI, no Brasil, iniciou em 1932, quando um imigrante japonês recebeu a Revista Seicho-No-Ie12 e a distribuiu para algumas pessoas. Em 1933, Daijiro Matsuda, lavrador japonês, residente perto de Duartina, interior de São Paulo, 12 A revista pode ter chegado com outros imigrantes japoneses e ter se disseminado no Brasil, timidamente, já que Kobe, a cidade das primeiras manifestações dessa doutrina, possui o maior porto do Japão e é o local de onde partiu o primeiro navio de imigrantes japoneses em 1908, assim, como os demais até os idos de 1941. A imigração de japoneses, para o Brasil, tem como marco oficial 18 de junho de 1908, quando o navio Kasato-maru aportou em Santos. No período de 33 anos, até 1941, cerca de 1.500 japoneses chegaram ao Brasil com o propósito de enriquecerem, rapidamente, para assim regressarem à terra natal. Cabe ressaltar, que esses imigrantes japoneses partiram de um Japão, cujo cenário político-religioso caracterizava-se pelo retorno do poder imperial, com o término do regime feudal e pela proclamação do Xintoísmo como religião do Estado e da Nação, pelo imperador Meiji, dessa forma, o budismo deixou de ter liberdade de ação sobre a sociedade. Nesse período, que compreende de 1904 a 1941, Osaki (1999) diz que os santuários e as celebrações de cultos eram de total responsabilidade do governo, o cristianismo era perseguido e a crise econômica se lastreava, por conta de embargos e gastos com guerras. 22 após a leitura do livro A Verdade da Vida (Seimei no Jissô), disse ter sido curado de disenteria amebiana. Ele e o irmão Miyoshi Matsuda entraram em contato com a SNI, do Japão, para obterem uma assinatura da revista. A partir de então, eles começaram a tratar das doenças de seus vizinhos e a disseminarem o movimento, atraindo japoneses da região. Os originais das primeiras revistas que aportaram, no Brasil, eram em japonês. Com isso, a leitura feita, por esses primeiros imigrantes, não sofre com as interferências de uma tradução para outra língua, sem ter, portanto, as marcas locais e temporais da língua portuguesa. Vale ressaltar que a primeira revista foi editada no Japão, em 1930, portanto a distância temporal entre o produzido e o publicado é pequena, de dois anos, o que nos faz pensar sobre uma concomitância de tempos entre o Brasil e o Japão, quanto à difusão dos ensinamentos de Taniguchi, pela SNI, nesses países. Devido aos exemplares chegarem sem tradução e à difusão dos ensinamentos ser fruto de uma iniciativa individual desses primeiros irmãos japoneses, Albuquerque (1999) ressalta que, no início, os imigrantes japoneses eram o público principal e que não havia a supervisão da sede, no Japão. As regiões de Gália e Duartina13 se tornaram o centro de difusão e os divulgadores que surgiam interpretavam, livremente, os ensinamentos sem receber orientação da matriz. No entanto, as reuniões organizadas pelos pregadores retraem-se, durante a Segunda Guerra, e o contato com a doutrina restringe-se à leitura das revistas, pois ocorre um desligamento da sede nesse período. Não obstante, ocorre, nesse momento, a formação de novos grupos de adeptos ao movimento14. 13 Os dois municípios de Gália e Duartina, respectivamente, tornaram-se unidades administrativas, em 1928 e 1930, eles juntos somam 10.000 habitantes. O reconhecimento público, dessas cidades, coincide com a ida de imigrantes japoneses para a região que, apesar de serem poucos, trabalhavam na produção de seda e no desenvolvimento da agricultura nessas cidades. 14 Em relação ao Brasil, a SNI surge, em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas. Dentre as diversas características do Estado brasileiro, salientamos aquelas que coibiram as práticas da difusão da doutrina japonesa, com a perseguição ao comunismo, no Brasil, principalmente, no campo, onde a política era latifundiária. Com a Segunda Guerra Mundial, os adeptos, ainda, enfrentavam dificuldades na chegada de novas revistas da SNI. 23 Por conseguinte, Osaki (1990, p.18), ao estudar o surgimento das religiões japonesas no Brasil, lembra a existência de três momentos históricos 15 que mudaram a vida religiosa do povo japonês. Aqui, destacaremos o terceiro momento, marcado pela derrota do Japão, na Segunda Guerra Mundial (1938-1945) e pela divulgação da nova Constituição que decretou a liberdade de culto no país, bem como a separação entre religião e Estado e a oficialização das ‘novas religiões japonesas’. Dentre essas novas religiões que surgiram, no Brasil, Osaki (1990) destaca a Instituição Religiosa Perfect Liberty (PL), a Igreja Messiânica do Brasil, a Tenrikyo, a Sokagakkai, a Oomotokyo, a Sukyo Mahikari, no entanto, a SNI, por ser a pioneira, conseguiu o maior número de seguidores. Esse momento de transformação, pelo qual o Japão passou, refletiu na organização da colônia japonesa que se estabelecia no Brasil, pois, após a Segunda Guerra, os imigrantes dividiram-se em dois partidos: os que aceitavam a derrota do Japão e os que consideravam o Japão invencível. De acordo com Davis (1990), essa divisão provocou vários conflitos, com vítimas fatais, porém, com o término dessa situação, a maioria dos imigrantes preferiu permanecer no Brasil a voltar para o Japão e sofrer as consequências da Guerra. Esse, portanto, foi o momento ideal para as ‘novas religiões’ agirem em favor desses estrangeiros. Os encontros são reiniciados, em 1946, e o centro das atividades da SNI é transferido para a cidade de São Paulo, devido o movimento migratório dos japoneses para a capital e o aumento de imigração de estrangeiros, em decorrência dos conflitos no Japão, no final da II Guerra Mundial. 14 No primeiro momento, século VII, houve a introdução e domínio do Budismo, no país, que resultou na fusão xintô-budismo. O poder era militar e a figura do imperador não se destacava, trata-se do regime feudal que teve a duração de seis séculos. No segundo momento, de 1908 a 1941, houve o retorno do poder imperial com o término do regime feudal e a proclamação do Xintoísmo, como religião do Estado e da Nação pelo imperador Meiji e, assim, o Budismo deixou de ter liberdade de ação sobre a sociedade. Nessa época, os santuários e as celebrações de cultos eram de total responsabilidade do governo e o cristianismo era perseguido. No terceiro momento, o Xintoísmo deixou de ser a religião oficial, ocorrendo o ressurgimento das religiões, que eram oprimidas pelo governo imperial. O Cristianismo teve seu espaço conquistado e o Budismo pôde reabrir seus templos. Nesse cenário, da reforma Meiji, houve o surgimento de várias novas religiões japonesas – dito, anteriormente, sobre a oficialização de outras denominações, como a própria Seicho-No-Ie. 24 Nesse sentido, conforme Albuquerque (1999), em 1951, a matriz japonesa reconhece a sede brasileira e envia o representante, Katsumi Tokuhisa, para a unificação dos grupos existentes. Nesse período, é estabelecida a Sociedade Religiosa Seicho-No-Ie do Brasil, na cidade de São Paulo. As atividades começam a ser supervisionadas pela sede nipônica e esse intercâmbio aumenta. São habilitados 39 pregadores regionais e, após treinamento, Miyoshi Matsuda - irmão de Daijiro Matsuda, curado em 1933 - retorna do Japão com o título de “Pregador Residente”. Diante desse aspecto, segundo Castilho (2006), em agosto de 1952, o governo brasileiro, ao reconhecer a SNI como sociedade religiosa, impulsiona a propagação dos ensinamentos da SNI aos não-descendentes de japoneses. Sobre isso, Albuquerque (1999, p.22) lembra que a instituição, até então, configurava-se no Brasil como uma religião voltada para o patrimônio étnico-cultural da comunidade nipônica e que, com sua oficialização no país, ela iniciou sua abertura para a sociedade brasileira. No período, de 1950 a 1960, houve iniciativas de integração com a sociedade brasileira que enfatizavam o patriotismo com a intenção de preservar os valores na colônia japonesa. Em 1955, foi criada a Academia de Treinamento Espiritual, em Ibiúna, interior de São Paulo e a Associação de Moços (Seinen-Kai). Em 1956, realizou-se o primeiro Congresso Nacional da Associação das Senhoras (ShirohatoKai) e, a partir de 1958, houve a preocupação de se traduzir as sutras e as revistas. Notamos que, nessa época, os preletores pregavam, ainda, em língua japonesa, os ensinamentos doutrinários sistematicamente. Por conseguinte, Albuquerque (1999) observa que, a partir da década de 60, do século XX, a instituição empenhou-se em aumentar o número de adeptos e a diversificar suas atividades. Em virtude disso, houve um crescimento significativo no número de pessoas que se filiavam à SNI: de aproximadamente 8.500 adeptos, em 1961, para 15.630, em 1966. A maior parte deles é da classe média, mulheres e jovens, brasileiros e nisseis, sendo a maioria, ligados ao espiritismo kardecista e à teosofia 16 . Devido a essa demanda, a instituição começou a organizar reuniões, 16 Teosofia se constitui na sabedoria presente nas grandes religiões, filosofias e nas principais ciências da humanidade. Pode ser encontrada, em maior ou menor grau, na origem dos variados sistemas de crenças ao longo da história (BLAVATSKY, 2004). 25 especialmente, para esse público e criou o Departamento de Divulgação em Português. Essas ações mostram que esses novos membros eram importantes para o movimento. Nesse âmbito, Albuquerque (2001) e Castilho (2006), ao tratarem das formas usadas pela SNI, para ganhar espaço no Brasil, dizem que a instituição utilizou três estratégias em períodos distintos para alcançar seu objetivo. A primeira, de 1950 a 1960, em que se adotou uma postura nacionalista, durante e após a Segunda Guerra, no Brasil e no Japão, além disso, foi priorizado o alinhamento à situação política brasileira pós-1964: elogiando o governo militar e o apoiando, em suas publicações, como sendo fonte de estabilidade e ordem social – tal qual a doutrina fazia no Japão. Essa postura se tratava de uma maneira de buscar a legitimação na sociedade brasileira, tendo em vista que a instituição começava seu trabalho de expansão, no Brasil e, por isso, precisava negociar, com as autoridades, o desenvolvimento de suas atividades. A partir daí, André (2008, p. 7) ressalta que esse aspecto se diferencia do que acontecera, na primeira metade do século XX, quando o Estado Novo de Getúlio Vargas empreendeu uma política repressiva em relação aos imigrantes japoneses, considerados súditos do eixo comunista. A segunda estratégia era do ponto de vista doutrinário e consistia em publicar, na revista Acendedor, traduções de artigos de Taniguchi que tratavam de temas cristãos comuns aos brasileiros, como, por exemplo, os significados da cruz, da ressurreição, da Páscoa etc. Nesse âmbito, Castilho (2006) afirma que, no período de1970 a 1980, intensificaram-se, as traduções e os seminários em língua portuguesa e que, além disso, a SNI permitia que as pessoas tivessem duas religiões, o que era comum no Japão, porém, pouco praticado e/ou assumido no Brasil. Sendo assim, conforme os estudos de Waragai (2008), acerca das interferências culturais, na tradução de textos das religiões nipônicas, da mesma forma que aconteceu com os missionários jesuítas, os missionários japoneses encontraram dificuldades para propagarem sua religião para além dos imigrantes do 26 Japão e de seus descendentes. Eles perceberam que mudar o idioma – do japonês para o português – não era suficiente, pois, mesmo com essa mudança idiomática, as mensagens não tinham sentido, uma vez que contextualizavam o universo japonês. Diante disso, para resolver esse problema, foi decidido que, para ultrapassar essa barreira, seria necessário adaptar os textos religiosos para o contexto dos brasileiros sem ascendência japonesa. Para Waragai (2008), assim como os jesuítas, esses missionários, para atingirem seus objetivos, tiveram que abrir concessões como, por exemplo, criar ou suprimir ritos para atender às necessidades dos adeptos. Waragai (2008), ao discorrer sobre os textos traduzidos da SNI, afirma, ainda, que os tradutores, sempre, estão atentos ao contexto brasileiro e que, apesar de, muitas vezes, a tradução não ser feita de maneira literal, há a preocupação em se manter o cerne dos ensinamentos, adaptado à realidade do Brasil. A terceira estratégia foi adequar a doutrina aos problemas e demandas locais, para que se adaptasse ao contexto brasileiro, a partir de 1990. Diferentemente, de outras religiões orientais, que não se abriam para os brasileiros, a SNI executou muitas ações, com o intuito de buscar a aproximação e a identificação com quem não tivesse familiaridade com a cultura do Japão ou com brasileiros e nãodescendentes de japoneses, dentre elas destacamos: a tradução de trechos que implicam a compreensão dos ensinamentos, como Jissô (Imagem Verdadeira), a entoação do canto da Shinsokan (meditação) em língua portuguesa, deixando de ser obrigatório em japonês, em 2004, a inauguração da Academia de Treinamento Espiritual, em Curitiba, Paraná e a iniciativa de trabalhos sociais e filantrópicos. Ao observar este cenário, Albuquerque (1999) ressalta que, com o intuito de validar suas práticas e de obter maior adesão, houve uma grande dedicação em campanhas de distribuição de revistas em repartições públicas, em delegacias, no Corpo de Bombeiros, em hospitais, entre outros, que teve como lema o agradecimento aos serviços prestados. Ademais, a SNI fundou a Liga dos Novos Educadores para atingir os professores e procurou inserir, na política, pessoas formadas por ela. 27 A SNI, também, tentou atrair mulheres e empresários, organizando seminários. Para eles, os temas abordados eram sobre prosperidade, para elas, os assuntos discorridos considerados importantes se organizavam em temas relacionados à culpa sexual dos cônjuges, à finalidade da mulher, entre outros. Nesse sentido, Albuquerque (1999) e Castilho (2006) lembram que o desenvolvimento, junto aos brasileiros, foi marcado por visitas da liderança da sede japonesa, do fundador, com sua esposa (em 1973) e do sucessor, seu genro, Seicho Taniguchi (em 1970 e em 1977). Houve, também, a adesão dos primeiros preletores brasileiros, em 1978, a inauguração das Academias de Treinamento Espiritual em Santa Tecla, no Rio Grande do Sul, em 1982 e em Santa Fé, na Bahia, em 1989. Aconteceu o lançamento da revista Pomba Branca, em 1985, ano da morte do fundador, e houve a 1ª Convenção Nacional de Educadores, em 1989. Dessa forma, Paiva (2005), ao pesquisar sobre a fenomenologia da pertença à SNI, em jovens e adultos brasileiros de ambos os sexos, verificou que aqueles são atraídos, conscientemente, para essa ‘nova religião’ pela libertação da culpa e do clima de pecado. Já os adultos, mais especificamente, os homens, foram atraídos pela ampliação da visão religiosa, enquanto as mulheres tinham interesse de melhorarem interiormente. Após analisar as informações obtidas, ele descreve, resumidamente, o adepto brasileiro como sendo: alguém outrora mortificado e diminuído pela consciência de ser pecador; essa consciência é aguçada pela representação de um Deus exterior, distante e arbitrário. Ser pecador inclui não só um profundo sentimento de culpa, mas também a desestima pessoal. Nos jovens, esse sentimento se prolonga em desânimo […]. Nos adultos, o sentimento se revela na crítica ao negativismo católico perante a vida (PAIVA & NAKANO, 1987, p. 56 apud Paiva, 2005). 28 Ele explica, ainda, que as diferenças constatadas decorrem de motivações particulares: os jovens, aparentemente, procuram uma elevação da autoimagem; os homens, por outro lado, estão em busca da verdade e as mulheres buscam a solução de problemas pessoais e familiares. Diante dessa realidade, Paiva (op.cit., p.212) comenta que não foi encontrada nessa ‘nova religião’ a xenofilia, que disporia os convertidos a aceitarem, positivamente, ‘coisas do Japão’, não foi encontrada nenhuma predisposição particular favorável à cultura japonesa. Assim como no Japão, a SNI sincretizou elementos da cultura e da sociedade, na qual estava inserida, por serem necessários para o desenvolvimento da doutrina, para a tradução dos textos e para a compreensão dos conceitos difundidos. Para esta modalidade de sincretismo, que vai muito além da religião, como explorado anteriormente, Paiva (op.cit., p.215), em seu estudo sobre a inserção das novas religiões no Brasil, sob a perspectiva da psicologia, afirma que o sincretismo favorece à produção de novos insights, a partir do encontro entre culturas, capazes personalidade, a de favorecer tolerância entre a os expansão grupos da e a diversidade de modos de ser. Nesse âmbito, sobre o conceito de sincretismo, assim como Clarke (2008, p. 4), entendemos que não seja, apenas, uma mistura. Em seus estudos acerca das diversas formas de sincretismo e antissincretismo praticadas pelas religiões japonesas, no Brasil, ele acredita que a definição de sincretismo como mistura requer mais explicações, por não dar conta do que ocorre quando as religiões se encontram e participam dos rituais umas das outras ou quando chegam a se respeitar e, de certa forma, compartilhar as mesmas crenças. Para ele, do ponto de vista dos atores envolvidos geralmente não existe a intenção de simplesmente reunir, sem uma atenção cuidadosa, diferentes crenças. 29 Por conseguinte, Clarke (op.cit., p.25) defende que, muito mais que ‘misturar’, as religiões descobrem similaridades subjacentes muito significativas, que tornam, assim, as diferenças irrelevantes ou que mantêm o compartilhamento de rituais como algo separado da aceitação intelectual que diz respeito à doutrina, não ocorrendo, nos adeptos, nenhuma mistura em nível intelectual, em suas mentes, pois eles sabem quando alguma prática não tem a ver com a sua doutrina. À vista disso, Verger (apud Clarke, 2008, p.35), ao discorrer sobre esse envolvimento, considera-o mais como um processo de “justaposição” do que como sincretismo e cita, para exemplificar, os praticantes do Candomblé, religião afrobrasileiras, pertencentes, por exemplo, das tradições católicas, que se esforçam em não misturar o que consideram católico com o que consideram ser de origem africana, por terem consciência das diferenças entre o catolicismo e sua religião. Assim sendo, o crescimento fenomenal dos adeptos das novas religiões japonesas, entre as décadas de 70 e 80, do século XX, segundo Clarke (2008) começou a diminuir, no início dos anos 90 e, em meados dessa década, começaram aparecer sinais visíveis de declínio. A partir daí, vieram novas maneiras de se pensar a questão do recrutamento e da expansão, já que algumas das novas religiões se reformularam para aparentarem ser mais budistas do que antes, pois acreditavam que essa nova imagem seria mais atraente, agora, aos brasileiros, enquanto outras, despiram suas roupagens budistas ou xintoístas. A SNI, da mesma forma que muitas novas religiões japonesas, não quer que o movimento se descreva como uma religião, sob o argumento de o termo religião ter sido, conforme Clarke (op.cit., p.42), corrompido pelo uso que dele fizeram os sucessivos governos, desde os tempos de Meiji (1868-1912) até o fim da II Guerra Mundial. Para o estudioso, isso torna a identidade da SNI no Brasil ambígua, permitindo, assim, uma maior flexibilidade no que diz respeito ao recrutamento e filiação. Pessoas de outras religiões sentem-se à vontade ao ouvir ou praticar o que é ensinado, no entanto, ele afirma que, seguramente, a ambiguidade pode, também, afugentar aqueles que estão buscando, logo de início, uma identidade religiosa, claramente, definida. Diante desse aspecto, para se aproximar mais dos brasileiros, atualmente, a SNI utiliza o rádio, a televisão, a internet e as redes sociais como o orkut, o facebook 30 e o twiter para a divulgação de seus ensinamentos, sendo a única, das novas religiões japonesas, a usar a mídia no cenário religioso brasileiro. Essa visibilidade atrai um público variado e aumenta o desafio da organização que é o de estar atualizada para auxiliar as pessoas que a procuram, sem perder a conexão com a base da doutrina: despertar a natureza divina, por meio da palavra, a fim de manifestar a perfeição da vida, a imagem verdadeira, o Jissô. Existem regionais, núcleos e associações locais que divulgam a doutrina na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, além de estar presente em São Paulo e no interior, a SNI atua em, aproximadamente, 20 estados e tem como diretora-presidente, a preletora Marie Murakami. Em todos esses locais, assim como na sede, há livrarias para que os adeptos ou os visitantes adquiram as diversas publicações ou outros produtos como pingentes, broches, adesivos, entre outros. Sobre a distribuição de adeptos, ela é sentida na posição que a SNI ocupa em alguns censos. Considerada uma ‘religião oriental’, em alguns casos 17 , é a mais popular dentre a Soka Gakkai e a Igreja Messiânica Mundial, possuindo 27.784 adeptos. Somando essas informações com os dados do censo de 2000 e 201018, constatamos um aumento na diversidade religiosa, no Brasil, de 462 mil adeptos dessas ‘novas religiões’, nesse período. Desse modo, percebemos que esse crescimento tem uma peculariedade: a grande quantidade de não-japoneses e de mulheres – o que desperta o nosso interesse em analisar uma coluna dedicada a esse público feminino19. 17 Segundo o Novo Mapa das Religiões (2011), análises feitas pela FGV em 2011. In: <http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf >. Acessado em 20 de janeiro de 2013. 18 IBGE / Censo 2000 e 2010. In: <http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=sp&tema=censodemog2010_relig>. Acessado em 20 de janeiro de 2013. 19 Dados do censo 2000, pela primeira vez, mostraram a presença de cerca de 151 mil brasileiros que se autodeclararam fiéis de seis “novas religiões japonesas”: da Igreja Messiânica, 109.310 pessoas; da Seicho-NoIe, 27.784; da Perfect Liberty, 5.465, da Tenrikyo, 3.785 da Mahicari, 3.054 e da Hare Krishna. A pesquisa do IBGE revelou, também, que as mulheres lideram a adesão a essas novas religiões: para cada 100 adeptas, há, apenas, 64 homens” (O ESTADO DE S. PAULO, 2003). Já, o último censo, realizado em 2010, pelo IBGE, revelou que há cerca de 311 mil adeptos nas ‘novas religiões japonesas’: 184 mil mulheres e 127 mil homens e, na pesquisa organizada por cor ou raça, segundo os grupos de religião, os dados mostraram que há 171 mil brancos e 44 mil amarelos. Não foram citadas as igrejas do censo anterior, com exceção da Igreja Messiânica (incluída nesses números), pois as estatísticas, ainda, não foram liberadas pelo IBGE. 31 Ainda sobre sua participação no Brasil, em janeiro de 2010, a SNI recebeu a Certificação ISO 14001- International Organization for Standardization, que estabelece diretrizes sobre a área de gestão ambiental dentro de empresas. Essa preocupação com assuntos ambientais provoca simpatia entre adeptos e nãoadeptos que, por meio de reuniões e pela mídia, são conscientizados e estimulados sobre a cultura de defesa do meio ambiente. Em seu slogan (figura 3): o modo feliz de viver em harmonia com a natureza é evidenciado o seu interesse pela preservação ambiental: Figura 3 Com o intuito de preparar pessoal para assumir a responsabilidade pelo Movimento Internacional de Paz e de dar continuidade à propagação de seus ensinamentos, a SNI oferece, desde 2011, bolsas de estudo no Japão20 para todos os líderes ou membros da Missão Sagrada que tenham participado de reuniões, na associação local, por mais de um ano. Assim, para preservar sua história, foi inaugurado, em 11 de novembro de 2006, o Museu Histórico da SNI no Brasil, na Academia Sul-Americana de 20 Informação obtida no site da Seicho-No-Ie: <http://www.sni.org.br/materia-bolsa-de-estudos.asp>. Acessado em 02 de fevereiro de 2012. 32 Treinamento Espiritual em Ibiúna, SP. Lá estão expostos objetos utilizados por Taniguchi em sua estada, no Brasil, em 1963 e 1973, há, também, fotos, referentes ao início do movimento, no Brasil, entre outras lembranças que mantém a memória viva entre os japoneses. Diante desse contexto, Castilho (2006) diz que a SNI, ao se expandir no Brasil e ao se aproximar da sociedade brasileira, não tem, somente, dado destaque às características da cultura nipônica, mas, concomitantemente, tem mantido os princípios da doutrina preconizados pelo fundador. Ademais, essa aproximação proporciona o contato com os mais variados temas, como alimentação, comportamento, educação, saúde, meio ambiente, política, entre outros. 1.6 A religiosidade na Seicho-No-Ie Apesar de a SNI não ser vista como religião, notamos a presença da religiosidade em seu discurso, ou seja, encontramos uma disposição para abordar temas religiosos e para usar elementos de diversas religiões. Essa tendência se justifica, pois segundo Masaharu Taniguchi (2007c, p. 16): a Seicho-No-Ie não defende o sectarismo, opondo-se a outras religiões. Para ela o xintoísmo é ótimo, o budismo é ótimo, o cristianismo também é ótimo [...]. Vindo à Seicho-No-Ie, qualquer pessoa sendo, budista ou xintoísta, passa a entender a essência de sua respectiva religião. Por não ser considerada uma religião sectária, essa religiosidade é legítima e atraente para sua atuação. Essa estratégia está relacionada às relações de poder, já que seus representantes se tornam livres para criarem meios que a legitima. Ademais, ao serem utilizados temas que fazem parte do universo religioso, são definidos os modos de produção de sentido de seu discurso. 33 Taniguchi (2007c) explica que recorre aos ensinamentos de várias religiões, pois todas são vistas como luzes de salvação irradiadas de um único Deus. Assim, na Judéia, irradiou-se há dois mil anos a luz da salvação, nascendo Jesus; e na Índia irradiou-se essa mesma luz há três mil anos, nascendo Sakyamuni (TANIGUCHI, op.cit., p. 17). Tendo como característica, essa aceitação religiosa, são comuns, nas obras, em palestras e em cerimônias referências à Kojiki (mitologia japonesa), à Bíblia, às escrituras budistas, aos ensinamentos e as práticas de seitas japonesas como Shin, Zen, Shingon. Conforme Taniguchi (2008, p. 21), devido a esse “acolhimento”, não se deve falar mal delas, pois a SNI se funde com a essência de todas as religiões. Como exemplo dessa identidade religiosa, foi publicado, em 1960, o livro Preleções sobre a interpretação do Evangelho segundo João: à luz do ensinamento da Seicho-No-Ie. Nesse livro, há a transcrição de várias preleções, sobre o Evangelho de João (Novo Testamento), feitas na Academia de Treinamento Espiritual em Akasaka, Tóquio. No prefácio dessa obra, o autor afirma que o Evangelho segundo João deve ser lido dezenas e centenas vezes, para que se compreenda os ensinamentos e a personalidade espiritual de Cristo. Além disso, ele comenta que apesar de não pertencer a nenhuma igreja cristã, ele leu a bíblia, sob inspiração divina, e apreendeu sobre a Vida de Cristo, e complementa, afirmando que as pessoas que pertencem às igrejas tradicionais, talvez, não estejam conseguindo apreender a Vida de Jesus. Consequentemente, conforme Taniguchi (2009) argumenta, muitas religiões cristãs ocultam o valor da Vida de Jesus e, por isso, movimentos, como a SNI, pregam o valor intrínseco de Cristo, ou seja, pregam a Verdade comum a todas as religiões. Além disso, ele adverte que a SNI não deve ser considerada uma miscelânia de religiões, já que: a sua doutrina se baseia em interpretações inéditas que se manifestaram em forma de revelações divinas e que 34 dão vida à Bíblia como também às escrituras budistas (TANIGUCHI, 2009, p. 255). Assim sendo, para o autor (op.cit., p. 239), por exemplo, é uma blasfêmia dizer que o homem, um impuro filho do pecado, seja filho de Deus. Ele faz referência ao ensinamento cristão, que se baseia no antigo testamento (Gênesis 3:23), que afirma que o homem passou a ter o pecado original desde a expulsão de Adão e de Eva do paraíso. Ele afirma que o homem não é descendente de Adão e Eva, que desobedeceram às ordens de Deus para não comerem o fruto proibido e postula que o homem não é pecador, pois nasceu de Deus e é filho de Deus e que, portanto, nesse ensinamento cristão, a relação homem/Deus está comprometida, devido a ambos estarem separados. Taniguchi (2007, p. 155) comenta que devido a essa ideia de pecado original a humanidade passou considerar o ser humano “pó da terra” - um mero corpo material - e a considerar o mundo um aglomerado de elementos materiais, sendo essa crença, a origem do sofrimento das pessoas. Sobre a materialidade, na SNI, ensina-se que o homem não é matéria, pois ele é espírito, é a Imagem Verdadeira (Jissô) e que, por isso, ele é perfeito, é harmônico, é saudável, é feliz, é livre de sofrimento e de dor. Essa convicção é decorrente da seguinte interpretação do primeiro texto da Bíblia - Gênesis: o primeiro capítulo de Gênesis refere-se à Imagem Verdadeira perfeita do homem espírito. Já o segundo capítulo vê o homem como uma criatura imperfeita, formada do pó da terra. Isso constitui a primeira ilusão da humanidade, o primeiro pecado (TANIGUCHI, 2007, p. 155). Dessa forma, para o fundador, as religiões cristãs não cumprem o papel de fazer surgir o Cristo interior inerente em todos os homens, pois, sem esse 35 conhecimento, o ser humano não conseguirá iniciar o processo de modificação de sua realidade exterior. Para ele, o não reconhecimento dessa natureza espiritual do ser humano, implica cometer o mesmo pecado praticado por Adão e por Eva. Nessa perspectiva religiosa, a relação homem/religião estaria comprometida, por não desempenhar o seu papel. No entanto, para Taniguchi, o homem não precisa abrir mão de suas convicções religiosas, para praticar o que lhe é ensinado. As pessoas devem incorporar os seus ensinamentos ao cotidiano. Notamos, assim, a presença do sincretismo, da pluralidade, que nos remete à heterogeneidade. Nessa interação com um público que possui credos distintos ou na divulgação da ideia de um convívio harmonioso entre todos, com suas diferenças e/ou semelhanças, percebemos a forma pela qual é representado o sincretismo na SNI, pois ao igualar o “nós” e os “outros”, preconiza-se que não há separação entre as pessoas, mas uma continuidade, uma parte de nós e, por isso, não ocorre a categorização de raças nem de religiões. Sobre a palavra religião, etimologicamente, ela vem do latim relegere (reler) e quer dizer aqueles que cumpriram cuidadosamente com todos os atos de culto divino e, por assim dizer, os reliam atentamente (ABBAGNANO, 2001, p. 814). Esse vocábulo pode ter sua origem da palavra religare (religar, ligar novamente) ligar novamente valores religiosos dos quais as pessoas haviam se afastado em meio às diversas opções oferecidas pela realidade (WILGES, 1994, p.15). Nessa perspectiva, na SNI, é explicado que as religiões, ao pregarem a existência de um único ‘eu’, separado do ‘outro’, transmitem a existência de uma única cultura, de uma raça, de um único Deus, o que impossibilita o convívio com a diversidade, principalmente, com o vasto campo religioso. Para que ocorra a interação, é ensinada a necessidade de se reconhecer a existência do outro como sendo um ser criado por Deus e a sua semelhança. Dessa forma, prega-se que o ‘eu’ e o ‘outro’ somos um. Deus e eu somos um (TANIGUCHI, 2009, p. 43). Ao ser feita essa afirmação, todas as pessoas são igualadas, dando a entender que não há separação entre nós e os outros, mas uma continuidade. Sendo assim, prega-se que os homens estão perpassados uns pelos outros. 36 Percebemos, dessa maneira, que a instituição se caracteriza pelo não seguimento restrito das doutrinas das demais religiões, no entanto, em seu discurso, é criado um efeito de sentido que, leva o leitor a inferir um sincretismo. Além disso, as orientações espirituais e a relação com Deus não são tratadas de forma autoritária (Deus manda), pois o homem é ensinado a não ser ver como um ser inferior ao Criador, mas como alguém que consegue interagir com Deus de maneira livre, sem as ‘ameaças’ concretizadas pela figura do inferno, de castigo, de punição, caso a doutrina não seja obedecida. Ademais, ensina-se que o homem deve controlar, racionalmente, sua vida e, com esse “ideal libertário”, deve enxergar a possibilidade de se reconhecer como uma nova criatura, sem culpa, livre, independente, enfim, deve-se enxergar como criador e não como criatura, já que é filho do Criador. 1.7 Pomba Branca – A Revista da Mulher Feliz Um dos instrumentos de divulgação dos ensinamentos filosóficos e religiosos da SNI é a revista Pomba Branca. Nela se encontra a coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi que será o objeto de análise para nossa pesquisa. Essa publicação destina-se a mulheres e contém matérias relacionadas ao lar e assuntos considerados como pertencentes ao universo feminino, como educação dos filhos, culinária entre outros. Nela, há artigos, que particularizam aspectos da vida da mulher do ponto de vista espiritual, de autoria do fundador; de sua esposa, Teruko Taniguchi; de sua filha, Emiko Taniguchi; de sua neta Junki Taniguchi e de seu genro e atual presidente, Seicho Taniguchi. Cabe ressaltar, ainda, que os artigos produzidos, pelos demais membros da família do fundador, são de transferência de ‘sabedoria’ entre o ‘mestre e seus discípulos’ o que permite que a SNI prossiga. Em todas as obras, escritas por outros autores, são feitas menções aos ensinamentos de Taniguchi ou por meio de relatos, de testemunhos, de experiências vividas na doutrina ou por referências a outros títulos traduzidos ou não para a língua portuguesa. Enfim, nenhum autor se posiciona como transmissor de suas próprias revelações, apenas reproduzem, com uma linguagem mais atual, a vivência espiritual do líder-fundador. 37 No Japão, a Associação Shirohato (figura 4), tradução Pomba Branca, surgiu em 1935 e de acordo com relato da senhora Tsuneko Matsumoto 21 , sobre o surgimento da entidade, ele ocorreu a partir de reuniões informais com algumas mulheres e, entre elas, estava Teruko Taniguchi, esposa do fundador da SNI. Ela ressalta, ainda, que, a partir da segunda reunião, que passou a ser na “casa da colina”, residência da família Taniguchi, o esposo estava presente nos encontros e não obstante de intensos afazeres, passamos a receber orientações, pessoalmente. Slogan Associação Pomba Branca - Japão Figura 4 Ela lembra, também, que veio do “mestre” a seguinte orientação de expandirem as reuniões: a Associação Pomba Branca veio até o momento efetuando atividades internas. [...] doravante, deverá atuar, também, do lado horizontal, trabalhando ativamente em atividades externas, de mãos dadas, seguindo mais as características femininas de amor e paz, assim mantendo um equilíbrio entre o interior e o exterior (Revista Pomba Branca – edição especial – 2004, p.39). 21 Relato extraído da revista Pomba Branca (2004, p.38), edição especial, da comemoração do Jubileu de Ouro da Associação Pomba Branca (1954-2004). 38 Após ouvirem dele o que tanto esperavam, as senhoras se reuniram, informalmente, na ‘casa da colina’ e, após debates, na presença dele e de sua esposa, decidiram “fazer da Associação Pomba Branca a Associação das Senhoras da Seicho-No-Ie, em âmbito nacional”. A partir daí, surgiu o Departamento das Senhoras e a associação separou-se, da SNI, em 13 de fevereiro 1936. O nome Pomba Branca, conforme relato da senhora Teruko22, presente em diversas obras e no site da organização, surgiu na seguinte ocasião: eu usava, na ocasião, um broche com o formato de pomba branca, para prender a faixa do quimono. O Mestre observou o broche e disse:- Que tal o nome de “Pomba Branca?” Ela simboliza a pureza, a delicadeza a paz [...] uma figura realmente feminina. - Ótimo! Acho muito bom! – respondi. E assim surgiu a denominação Associação Shirohato (Revista Pomba Branca 23 - em japonês – nº. 424, p. 58). 22 23 Informação obtida no site <http://www.sni.org.br/pomba_branca/>. Acessado em 11 de novembro de 2012. Capa da revista Pomba Branca, em japonês, de fevereiro 2013. Extraída <http://www.ssfk.or.jp/gekkansi/backnom/b/sirohato.htm>l. Acessado em 10 de fevereiro de 2013. do site 39 Revista Pomba Branca – Japão – fev.2013. Sobre a importância da revista Pomba Branca, Masaharu Taniguchi (2004, p.6), 24 no artigo Ensinamentos de Luz para as Mulheres, publicado na primeira edição dessa revista, diz que é uma publicação que visa a levar felicidade a todas as mulheres, iluminando-as e promovendo a união delas e que, apesar dele não ser mulher, está disposto a liderar um movimento que vise à felicidade de todas as mulheres, porque sou dirigente da Seicho-No-Ie. O lar do crescimento infinito. Ele, nesse primeiro artigo, orienta as leitoras sobre como deixarem seus maridos satisfeitos em seus lares, afirmando que o segredo de um lar feliz está na expressão sorridente que a mulher mostra quando fala com o marido e com os demais membros da família e que um lar é infeliz quando a mulher, em vez de se mostrar satisfeita com o marido e os filhos, fica reclamando deles o tempo todo. 24 Destacamos, também, que o fundador escreveu centenas de textos para o público feminino e, muitos deles, estão reunidos, hoje, em obras que contém coletâneas de seus artigos. Entre eles, destacamos as obras A Razão de ser da Mulher, volumes 1 e 2, que contêm artigos que abordam questões diversas, referente à vida cotidiana, como divórcio, maternidade, sexo, trabalho, traição, entre outros; A felicidade da mulher, volumes 1 e 2, neles há 365 itens, destinado à cada dia do ano, que abordam, do ponto de vista espiritual, a postura mental para a mulher ser feliz. 40 Destacamos, ainda, que os textos produzidos, para a revista, eram direcionados a mulheres japonesas, da década de 40 do século XX, especificamente, do final, da Segunda Guerra, de 1945, em diante, época, classificada por ele, no prefácio dos volumes 1 e 2, da obra A Razão de ser da Mulher como conturbada, de transição da era antiga para a moderna e por conta disso, são cometidos muitos exageros. Sua constatação, de que se trata de um período ‘conturbado’, explica-se pelo fato de que a mulher japonesa, até o início dos 1930, aprendia a ser subordinada aos homens (pais, irmãos, esposos, sogros). Mesmo que letrada, os ensinamentos escolares, religiosos e familiares orientavam-nas para que fossem obedientes e servis à sociedade, então, machista. Além disso, as leis constitucionais, do Japão, reforçavam a diferença entre direitos masculinos e femininos25, bem como outros aspectos culturais, também, o fazem, como o casamento arranjado, antes da mulher completar 20 anos e a responsabilidade integral diante da sua família e de seu marido, dando-lhes toda a assistência. A partir da Segunda Guerra Mundial, a participação do Japão nas lutas, com seus homens indo à frente de batalha, é criado um ambiente favorável à participação feminina, no mercado de trabalho, em crescente industrialização e há um encorajamento pelas notícias do Ocidente, sobre a emancipação feminina. Por conseguinte, a inserção no mundo produtivo, desperta, nas mulheres japonesas, que eram submetidas a condições precárias, o desejo de lutarem por direitos sociais mais igualitários. Nesse sentido, apesar da ‘conturbação’ social, Taniguchi (2010) diz estar admirado, também, com a conscientização feminina do pós-guerra, pois, a partir desse momento, houve vários movimentos de valorização da mulher, de ampliação dos seus direitos e de defesa à livre expressão. 25 A Constituição, de 1947, e o Código Civil, de 1948, favorecem a instituição de igualdade entre homens e mulheres. Em 1985, a título de exemplo, tem-se a primeira lei que prega a igualdade no trabalho entre homens e mulheres, em 1999, houve revisão dessa mesma lei, ampliando os artigos para outros aspectos da sociedade. 41 Todavia, ele adverte que tal mudança não deve ser apenas de reação ao sistema machista do passado, já que em toda mobilização reacionária, sempre se acaba cometendo excessos (TANIGUCHI, 2010, p. 7). Assim, no que se refere ao movimento feminista, ainda, no prefácio, de 1966, do livro A Razão de ser da Mulher, volume 2, ele, ao continuar sua análise, afirma que: o verdadeiro movimento [...] deve ser aquele em que a mulher se posiciona em seu devido lugar de mulher e desenvolve naturalmente sua condição feminina, tal como foi criada pela Natureza, reconhecendo a essência da mulher verdadeira e vivificando corretamente essa mulher verdadeira. Taniguchi (2010, p. 7) explica, ainda, que a verdadeira mulher é aquela que conhece sua missão e vive de acordo com essa missão, pois ela é antes de tudo, um ser humano que é, ao mesmo tempo, do sexo feminino; ela não é um homem. Ele postula, também, que ela se tornou um ser humano deformado que não é homem nem mulher, quando decidiu reagir ao sexo masculino e, para que não existam essa deformação e a desigualdade feminina ou masculina, é preciso que haja a união das características de ambos os gêneros e não o domínio de uma sobre a outra. Para ele, devido a essa confusão de papéis, as pessoas não têm discernimento sobre o modo correto de viver nem sobre a correta razão de ser das mulheres. Diante desse contexto, para ensinar sobre esse modo correto de viver e de ser, Taniguchi recorre à mitologia japonesa (2008b, pp. 18-19), segundo a qual da união do deus Izanagi com a deusa Izanani, nasceram as oito ilhas que compõem o Japão e os mais de trinta deuses que nelas habitam, como dos ventos, dos rios, das montanhas etc. Ele explica, também, que o mundo é formado pela união do polo negativo com o positivo, respectivamente, identificados como natureza Izanani (feminino) e natureza Izanagi (masculino). Dessa união, sobressai a natureza 42 feminina, tal qual ela é, pacífica e com o dom superior no amor; e a masculina, conquistadora e com o dom superior na sabedoria. Taniguchi, como vimos, recorre, também, à Bíblia para conscientizar a mulher sobre seu papel, fazendo referência a Adão e à Eva – elemento do sincretismo que dá base à composição textual da SNI. Nesse sentido, dos 40 livros da coleção A Verdade da Vida, escrita por Taniguchi, o volume 29, intitulado Educação da Mulher, é específico para as mulheres. Ele explica, no prefácio dessa obra, que dedicou esse volume às mulheres, devido aos anteriores se destinarem a todos os seres humanos (homens, mulheres, crianças, adultos ou idosos) e não abordarem o “caminho específico da mulher”. Assim, o autor comenta que o subconsciente de toda a humanidade, durante séculos, admitiu a ideia de que o homem é superior à mulher e exemplifica, citando que no Japão era costume dos pais tratarem as filhas como criaturas frágeis e inferiores, pois na doutrina budista, a mulher não pode alcançar o Nirvana e que na doutrina cristã a mulher (Eva) se deixou enganar pela serpente e seduziu o homem para o caminho do pecado (TANIGUCHI, 2011). Dessa forma, é preciso tirar a influência negativa dessas idéias que subjugam a mulher para que ela possa evoluir ainda mais, logo orienta as senhoras membros da Associação Pomba Branca que expulsem do subconsciente da humanidade o velho mito de que a mulher é fraca e inferior (TANIGUCHI, 2011, p.28). No Brasil, a revista Pomba Branca foi traduzida a partir de 1985 (ano do falecimento do fundador). A primeira revista a circular no país foi a Acendedor (1965), hoje, denominada Fonte de Luz, direcionada ao público masculino que aborda assuntos como saúde, prosperidade e harmonia familiar; a terceira, Mundo Ideal, para jovens de 13 a 35 anos. A partir de 2011, foi inserido, na capa dos exemplares, o slogan: A Revista da Mulher Feliz. 43 A revista manteve as características originais e conseguiu a adesão dos brasileiros, inclusive, dentre aqueles que já professavam outras religiões. Ademais, tornou-se um eficiente meio de divulgação e de arregimentação de novos fiéis, pois essa publicação, assim como toda a literatura da SNI, sistematiza e divulga a doutrina em todo território nacional. Sobre a importância dos exemplares, Godoy & Castilho (2007, p. 11), em seus estudos sobre a espiritualidade e a cura nas novas religiões japonesas, ao discorrerem sobre a SNI, afirmam que: esse movimento religioso [...], por meio de uma revista, tornou-se significativo pelo centramento e cultivo da palavra em diferentes direções. Criou-se uma marca de distinção das demais NRJ26: a religião da palavra. Por ter esse enfoque, a instituição possui associações que são responsáveis por essas publicações. No caso da revista de onde extraímos o nosso corpus, a Associação Pomba Branca é o departamento responsável por sua edição e que atua no Brasil, desde 1954, oferecendo atividades e divulgando os ensinamentos ao público feminino com mais de 35 anos. Inicialmente, os assuntos abordados, nos exemplares, estavam relacionados ao desempenho da mulher no lar como esposa e como mãe. Nos dia de hoje, temas como atuação no mercado trabalho, ganham destaque. Há ainda, nessa associação, os departamentos da Sabedoria, dirigido para mulheres, na 3ª idade, das Mães e o departamento Infantil. 26 NRJ – abreviatura de Novas Religiões Japonesas. 44 Slogan Associação Pomba Branca - Brasil Os assuntos tratados, na versão brasileira da revista, são, em sua maioria, os mesmos na versão japonesa. Ainda que a sociedade feminina brasileira apresente nuances diferenciadas como, por exemplo, a luta pelos direitos civis mais igualitários, que datam do final do século XIX, que ocorreu, muito, antes dos direitos femininos japoneses, bem como a participação feminina, em manifestações públicas, por melhores condições de trabalho, já em meados de 190527, e, tantas, outras características, relativamente, mais avançadas, em contraposição à cultura japonesa, a Associação, nos idos de 1950, e a revista, em 1980, consegue atingir as leitoras-adeptas à doutrina da SNI. Em seus aspectos gerais, a revista Pomba Branca possui um total de 35 páginas e é oferecida, na matriz e nas sedes regionais, a um custo de R$ 2,0028, sendo vendida, também, no site da SNI e por assinatura. Nas palestras proferidas, bem como nas demais publicações, a revista é divulgada e os adeptos são estimulados a adquirirem-na, tanto para uso próprio quanto para serem doadas a outros leitores. Eles, ainda, são orientados a deixarem exemplares, em lugares de acesso público, para que possam ser lidas, como, por exemplo, em balcões e em mesas de consultórios médicos, em salões de beleza, dentre outros. Nessa média de 35 páginas, a revista é composta, pela capa, geralmente, ilustrada com a imagem de uma flor e, em seu verso, há um fragmento de texto, 27 Não é nosso intuito, detalharmos a situação feminina, no Japão e no Brasil, já que, para uma pesquisa comparativa, são necessários estudos, mais aprofundados sobre a questão, o que envolve uma leitura, mais atenta, sobre aspectos culturais de um país e de outro. Aqui, apenas, a título de exemplo, são citadas ocorrências factuais, como a da conhecida eclosão, em São Paulo, da greve das costureiras, ponto inicial para o movimento por uma jornada de trabalho de 8 horas, em todo o Brasil, em 1907; como o voto feminino, no Japão, em 1945 e, no Brasil, em 1932. 28 Valor estipulado, em 2013, na capa. 45 extraído de uma das obras de Taniguchi, que pode ser utilizado como mentalização e/ou oração. Na contracapa, são divulgados os eventos dos meses seguintes. No que se refere à organização dos exemplares, há as seguintes colunas: Editorial, Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, Artigo do Professor Seicho Taniguchi, Artigo da Professora Junko Taniguchi, Aprimoramento das Mães, Educação, Gastronomia, Nova visão do casamento, Relato de Experiência, Meditação Shinsokan, Cartão de Bênçãos e Biografias do fundador e de sua esposa. Essas seções estão presentes com regularidade, com exceção, de um ou outro exemplar com temas especiais. Há, no rodapé, das páginas ímpares, situadas do lado direito, frases para reflexão que são extraídas das obras do fundador. Além disso, no espaço publicitário, são divulgadas as programações da SNI existentes nas emissoras de rádio, de televisão e do site e, ainda, são vendidos alguns livros e assinaturas das revistas Fonte de Luz, Pomba Branca e Mundo Ideal, além do Jornal Querubim. No site da instituição, no link Associação Pomba Branca, é mencionado que há, na organização, um conteúdo vasto para todas as fases da mulher e, além disso, é divulgado que esse departamento ensina, para o público feminino, como manter um clima saudável, no ambiente em que se vive, por meio de uma ‘fisionomia alegre’, pois a face reflete o que se passa no interior das pessoas. É pertinente destacarmos que, ainda hoje, são feitas traduções de muitos textos originais do fundador e de seus ‘discípulos familiares’ para a língua portuguesa. Contudo, outros textos de colaboradores são veiculados na revista, os quais fazem uma releitura das obras de Masaharu Taniguchi e selecionam temas que mais se adaptam às questões atuais, como aborto, desentendimento entre casais, educação dos filhos etc. Os vestígios culturais e sociais da época em que foram escritos, originalmente, em meados de 1936, no Japão, e traduzidos, em 1985, no Brasil, pelos seus ‘discípulos’, não afastam as leitoras brasileiras. A cooptação, dessas ‘leitoras-adeptas’, dá-se mais pela maneira discursiva da própria revista, como um todo e pela coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, objeto desta pesquisa. 46 Diante desse aspecto, destacamos que uma das características dessas leitoras é a religiosidade, já que, normalmente, as mulheres são mais religiosas que os homens, mesmo diante das mudanças sociais pelas quais lutaram, como por exemplo, a participação no mercado de trabalho. Pesquisas censitárias demonstram que elas são mais sensíveis à mudança de religião, não deixando, assim, de praticarem uma crença – seja ela qual for29. Isto posto, contata-se que a SNI comercializa, nas livrarias da sede e dos núcleos, obras cujo conteúdo visa ensinar, na prática, o correto modo de viver, que conforme Taniguchi prega seria viver como um ser espiritual, como um filho de Deus, isento de doença, de pecado e da morte. No site da SNI, no link, intitulado mulher, são divulgadas a assinatura Revista Pomba Branca e diversas obras do fundador e de alguns preletores. Ressaltamos, ainda, que as publicações de outros autores, apenas, reproduzem os ensinamentos, adaptando-os a contextos do universo feminino, como o desejo de casar, de ter filhos, a sexualidade, entre outros. Dessa forma, é mantida a essência da doutrina, que tem, como já foi dito, base nas ‘revelações divinas’ que o fundador afirma ter recebido. Em suma, o discurso produzido pela revista Pomba Branca é originado, de acordo com os ensinamentos transmitidos na SNI, por intermédio de uma ‘revelação divina’ e transmitido de ‘mestre’ para ‘discípulos’. Pautado pelo sincretismo religioso e científico, os textos produzem, no leitor, a crença da evolução constante do ser, independente de sua realidade social e cultural – aliás, lembramos que a realidade, para a SNI, é a projeção objetiva de categorias mentais do sujeito, que dão margem para a construção de uma realidade saudável ou não. Logo, para o analista do discurso, é importante estudar esse conteúdo discursivo, a fim de compreender como o sujeito enunciador se mostra, como ele se constrói e de que forma ele evoca o co-enunciador para que haja a interação. Além dessa análise, examinar como esse co-enunciador se manifesta e como ele adere a 29 Segundo o Novo Mapa das Religiões (2011), análises feitas pela FGV em 2011. In:< www.fgv.br/cps/religião>. Acessado em 10 de fevereiro 2013. 47 esse conteúdo, sendo questões que serão aprofundadas no capítulo dedicado à análise da coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi. Para tanto, fizemos um levantamento teórico-metodológico, para subsidiar nosso estudo, que será apresentado a seguir. 48 CAPÍTULO II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Análise do Discurso e seu enfoque interdisciplinar Para examinarmos como se dá a construção da cenografia e a constituição do ethos discursivo, na seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, da revista Pomba Branca, apresentaremos os pressupostos teórico-metodológicos que darão suporte para a análise dos discursos selecionados por esta pesquisa. Para dar conta de nossa proposta, recorremos à Análise do Discurso de linha francesa, mais especificamente, aos postulados de Maingueneau sobre o primado do interdiscurso, a cenografia e o ethos discursivo. A Análise do Discurso (doravante AD) surgiu na década de 60 do século XX, época de grandes transformações políticas, culturais e intelectuais, que coincide, também, com o auge do estruturalismo linguístico. Nesse período, a língua era estudada como uma estrutura formal, submetida ao rigor do método e aos pareceres da ciência e com uma deliberada exclusão do sujeito, não sendo, assim, apreendida na sua relação com o mundo, ou seja, em funcionamento. Nesse sentido, Castanho (2009) explica que o cenário para o surgimento da AD foi de uma França abatida pela segunda Guerra Mundial e que estava inserida em um continente dividido pelo capitalismo, representado pelos Estados Unidos e pelo socialismo, da União Soviética. Nesse contexto de transformação socioeconômica, ela desponta para revolucionar os paradigmas do estruturalismo que, naquela conjuntura, não atendiam aos novos objetivos de estudos que surgiam. Vale destacar que não ocorreu uma total ruptura com as teorias vigentes, pois, inicialmente, houve uma fase de continuidade das correntes teóricas existentes. Assim, segundo Mussalim (2003), nessa época, ocorria a relação entre três domínios disciplinares: a linguística, o marxismo e a psicanálise. Nesse contexto, o lexicólogo e linguista Jean Dubois e o filósofo Michel Pêcheux, apesar de serem 49 pesquisadores de áreas distintas, vislumbraram a possibilidade de estudar as relações de poder estabelecidas, politicamente, na sociedade dessa época. A partir desse cenário, Pêcheux (apud Mussalin, 2003) realiza, inicialmente, rupturas com as pesquisas estruturalistas, que consideram a língua como objeto de estudo, não sendo apreendida em sua relação com o mundo, mas apenas na estrutura interna, de um sistema fechado sobre si mesmo. Para o filósofo, o sujeito e os sentidos não são individuais, pois há a intervenção de questões sociais, históricas e ideológicas. Para ele, as condições de produção do discurso – contextos – são constitutivas de significações. Ele contempla, assim, a linguagem em uso, como prática social e a produção de sentido do discurso, como sendo o resultado do processo de interação social. Assim, constata-se que a AD recebe influências da Sociologia, mais especificamente, de Althusser que faz uma releitura de Marx, ao afirmar que a ideologia tem existência material e deve ser estudada em sua materialidade. Assim, a linguagem é considerada o lugar privilegiado para a ideologia se manifestar (materialismo histórico). Segundo Mussalin (2003), a AD é influenciada, também, pela psicanálise lacaniana. A autora explica que Lacan recorre ao estruturalismo linguístico para fazer uma releitura de Freud e tentar abordar com mais precisão o inconsciente. À vista disso, Lacan considera que o inconsciente se estrutura com uma linguagem e que é dele, que emanam os discursos de pai, de mãe, de família, enfim, do Outro. O sujeito lacaniano (dividido, mas estruturado a partir da linguagem) ocupa um lugar social e concebe textos como produto de um trabalho ideológico não consciente. A tarefa do analista é fazer vir à tona esse discurso do Outro, já que é esse sujeito que será estudado. Nesse sentido, esse conjunto de trabalhos da linguística, do materialismo histórico e da psicanálise contribui para o surgimento de uma disciplina como a AD, que privilegia os efeitos de sentido, as condições de produção e a recepção textual. Diante desse aspecto, Mussalim (2003) e Brandão (2004) explicam que a AD, inicialmente, procura entender o momento político no qual surgiu, ao analisar os discursos produzidos. Além de estudos puramente linguísticos, ou melhor, além de 50 apreender a língua sem se relacionar com o mundo, os analistas, em uma abordagem discursiva, passam a considerar aspectos externos à língua, como, por exemplo: os elementos históricos, sociais, culturais, ideológicos que cercam a produção de um discurso e nele se refletem; o espaço que esse discurso ocupa em relação a outros discursos produzidos e que circulam na comunidade (BRANDÃO, p. 6). As pesquisas querem ir ao encontro do sujeito que, até então, era descartado, para abrir, dessa forma, um campo de questões no interior da própria Linguística, sobretudo, nos conceitos de língua, historicidade e sujeito, deixados à margem pelas correntes em voga na época. Assim sendo, Maingueneau (2007) postula que a AD não é uma extensão da Linguística, mas uma reconfiguração do conjunto de saberes e que, devido a esse traço interdisciplinar, ela oferece muitas possibilidades para os analistas do discurso. Daí, o linguista francófono afirmar que, por muitos pesquisadores acreditarem que esse campo é heterogêneo, ele pode ser considerado como um espaço constituído por um amplo leque de abordagens que competem entre si em um mesmo nível, ou melhor, há tantas análises do discurso quanto há analistas, existindo, assim, uma dificuldade em defini-la (MAINGUENEAU, 2007, p. 13). Ao levar em consideração essa heterogeneidade e as transformações pelas quais a linguagem passou e passa, a AD está em constante crescimento, não sendo, portanto, uma disciplina estática e inflexível nem muito menos fechada. Por conseguinte, Marcuschi (2008, p. 38), ao estudar o surgimento das novas tendências hifenizadas ou genitivas, a partir dos anos de 1950 e 1960, por meio de estudos com perspectivas interdisciplinares, comenta que a Linguística, do século XX, foi multifacetada e plural e que, apesar de ter inúmeros desdobramentos, não é conclusiva. Por isso, existem, ainda, muitas questões que deverão ser aprofundadas pelos estudiosos do século XXI, devido aos desafios de se entender os usos linguísticos, ainda desconhecidos, no campo tecnológico e nas interações virtuais, por exemplo. 51 Nesse âmbito, ao caracterizar os desmembramentos teóricos do século XX, Marcuschi (2008) cita que vários estudos de natureza discursiva, dedicados em analisar o discurso bem como suas condições enunciativas, interagem com outras linhas de pesquisas como a etnografia da comunicação, a análise da conversação, a linguística de texto, entre outras, o que revela, para ele, a presença da interdisciplinaridade e o interesse na observação da linguagem em funcionamento. Por conseguinte, o estudioso lembra que a AD, em sentido estrito, inicialmente, era comprometida, como vimos, com o estruturalismo de Pêcheux, e alimentada pela teoria linguística, pelo marxismo e a psicanálise, porém, hoje, existem várias análises do discurso, como a Análise Crítica do Discurso (ACD) e a AD francesa. Serão os procedimentos teórico-metodológicos desta última que utilizaremos para atender aos objetivos delimitados nesta pesquisa. Dessa forma, Cano (2012, p. 7), ao refletir sobre a essência interdisciplinar da AD, afirma que: a interdisciplinaridade não pressupõe apenas uma reflexão teórica ou metodológica, mas também um sujeito interdisciplinar, que olha o mundo numa perspectiva mais integralista e menos fragmentada. Nesse sentido, ao analisarmos o discurso da SNI, não conseguiríamos cumprir nossos objetivos apenas com os fundamentos da linguística, por isso, faz-se necessário acessarmos outros conhecimentos para atingirmos nossas metas. Assim, Cano (2012) lembra que esses conhecimentos não estão justapostos, somente, pois eles se entrelaçam e dão espaço para uma nova análise. No entanto, eles são submetidos às restrições da AD, da mesma forma que a Linguística, e deverão atender aos seus objetivos para tratar de seu objeto: o interdiscurso. Para ele, de maneira geral, a AD objetiva examinar os lugares sociais dos 52 coenunciadores 30 , por meio dos dispositivos de enunciação, e estudar o uso da linguagem nas situações reais de comunicação, tendo em vista que a interação social é responsável por determinar as escolhas linguísticas por parte dos interlocutores. Devido a sua amplitude, é difícil apreender a diversidade de estudos existentes sobre o discurso: para alguns, as pesquisas se dividem em diversas abordagens e para outros em diversas disciplinas. Dessa maneira, para Maingueneau (2007), as pesquisas sobre discurso implicam uma interação entre dois grandes princípios de agrupamento dos pesquisadores que devem coexistir: um é o agrupamento por disciplinas do discurso e por correntes e o outro é o agrupamento por territórios (por objetos de estudo). Todavia, eles não são isentos de problemas, pois dão a falsa impressão de que cada estudioso possui seu grupo. Portanto, devido a sua complexidade, não há um procedimento único. Por isso, Maingueneau (2007, 2008 a) postula que os analistas do discurso lidam com dois tipos de unidades: a tópica (territorial e transversa) e a não tópica, enfatizando a heterogeneidade da AD dividida em dois procedimentos: o analítico e o integrativo. Consequentemente, a unidade tópica (territorial ou discurso tópico) refere-se a um recorte no fluxo de palavras que estão em circulação em alguns setores da sociedade, como os discursos político, publicitário, jurídico etc. Essa unidade equivale ao que é dito do campo discursivo, no entanto, os discursos utilizados precisam recorrer a outros para se autolegitimarem. Trata-se, portanto, de um espaço de entrada para os discursos validados (paratópicos) e os não validados (atópicos). Além disso, os diversos gêneros, típicos desses discursos, precisam de espaços legitimados para sua circulação, produção e recepção, pois discursos tópicos englobam variados gêneros e tipos de discursos que: 30 Serão usados os termos: co-enunciador para se referir ao destinatário do discurso e coenunciador para designar tanto enunciador como co-enunciador como corresponsáveis pela cena de enunciação. 53 são tomados numa relação de reciprocidade: todo tipo é um agrupamento de gêneros, todo gênero só se define como tal por pertencer a um determinado tipo (MAINGUENEAU, 2007, p.30). Nesse momento, a unidade transversa (discursos atópicos) também é utilizada pelo analista, tendo em vista que ela atravessa os textos pertencentes a variados gêneros de discurso. Trata-se de discursos não validados, não legitimados, já que vivem à margem e atravessam os discursos legitimados. Esses discursos não se configuram como campo, pois não existem sozinhos, no entanto, é possível usálos, já que foi a sociedade que os criaram como, por exemplo, o discurso da violência, o discurso racista, o machista ou o pornográfico. Assim sendo, as unidades não tópicas ou discursos paratópicos têm um modo de dizer que se autodefine e, por isso, não precisam de outros discursos. São discursos que dão o sentido da vida, possuem um dizer absoluto como o religioso, o filosófico, o literário, o científico e o bíblico, não necessitam recorrer a outros discursos para se justificarem, pois eles por si só fazem isso. Essas unidades são construídas pelo analista e não dependem de fronteiras pré-estabelecidas pela sociedade, ou seja, não coincidem com a atividade social, embora englobem enunciados inscritos na história, o que a diferencia da unidade transversa. Desse modo, segundo Maingueneau (op.cit., p.37), a AD não se limita às unidades tópicas, pois considera a relação do discurso com o interdiscurso tendo em vista que o interdiscurso trabalha o discurso que, a seu turno, redistribui esse interdiscurso que o domina. Ele lembra que, na sociedade, percorrem várias palavras com grande poder de ação que atravessam vários espaços discursivos e que é preciso, portanto, aceitar a instabilidade da AD. Essa disciplina, por estudar esses espaços nas inúmeras práticas sociais, é empírica e altera suas hipóteses de análise de acordo com a evolução dos diferentes tipos de discursos que circulam na sociedade. Logo, para estudarmos o interdiscurso, Maingueneau propõe a tríade: universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo que serão abordados mais adiante. 54 2.2 Discurso e Interdiscurso O discurso não se refere a pronunciamentos, a um texto, a uma frase proferida nem à retórica ou a outras formas de uso da língua em contextos sociais diversos. Não obstante, ele não ser nem a língua, nem o texto, nem a fala, o discurso precisa dos elementos linguísticos para se materializar. Dessa forma, ele se encontra na exterioridade, no social, e envolve questões que não são, exatamente, de natureza linguística. Nesse âmbito, Fernandes (2008, p.13), ao discorrer sobre discurso, comenta que, quando são pronunciadas, as palavras estão impregnadas de aspectos sociais e ideologias, sendo possível, dessa maneira, observarmos, no dia a dia, sujeitos em discordância sobre um mesmo assunto. Essas posições divergentes revelam-nos que eles assumiram lugares socioideológicos e que a forma material desses lugares é a linguagem. Portanto, percebemos que o discurso precisa da língua e da linguagem para se materializar, ou seja, para exteriorizar-se. Diante desse contexto, Charaudeau & Maingueneau (2008, pp.170-172) comentam que o termo “discurso” tem sido muito propagado nas ciências da linguagem e que tal proliferação é o sintoma de uma modificação na maneira de se conceber a linguagem. Para eles, o “discurso” tem, implicitamente, uma posição contrária à concepção da linguagem e da semântica e essa alteração é resultado da influência de várias correntes da pragmática. Consequentemente, Maingueneau (2008, p.15) diz que, devido à noção de discurso ser utilizada, com acepções distintas; para aproximar-se da perspectiva da AD, o discurso será entendido como uma dispersão de textos, cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas. Esse conceito admite que o falante seja constituído como sujeito dentro do discurso. A partir desse cenário, Maingueneau (2010, p. 26) e Charaudeau (2008, p.128) consideram que o discurso é ao mesmo tempo uma atividade condicionada (pelo contexto) e transformadora (desse mesmo contexto) dada a abertura da interação e, por isso, precisamos pensar além da oposição texto/contexto, pois a atividade linguageira é determinada pelo contexto e social e é em si uma prática social, sendo um fenômeno social. 55 Dessa forma, Fernandes (2008, p.13) afirma que as escolhas lexicais e seu uso revelam a presença de ideologias que se opõem e, além disso, revelam a presença de discursos diferentes, que expressam o posicionamento de grupos de sujeitos sobre um mesmo tema. Tais escolhas, inseridas em discursos específicos, ultrapassam os significados prescritos nos manuais, pois para os sujeitos os sentidos decorrem de sua ideologia, da maneira pela qual eles compreendem a realidade política e social da qual fazem parte. Então, para a constituição do sentido, que é integrante do discurso, a linguagem não deve ser vista como um suporte para transmitir informações. Maingueneau (1997, p. 20) salienta, ainda, que ela permite construir e modificar as relações entre os interlocutores, seus enunciados e referentes. Para ele, a linguagem deve ser considerada como interação social, na qual o outro tem um papel fundamental na constituição do sentido. Essa concepção surgiu de uma dependência em relação às questões da enunciação e da pragmática, que apesar de diferentes, convergem para recusarem a concepção de linguagem, como sendo um simples suporte para transmitir informações e a aceitam como o que permite construir e modificar relações entre interlocutores, seus enunciados e seus referentes. Isto posto, constata-se que o discurso, como vimos, constitui-se no social e implica uma exterioridade à língua, não sendo, somente, de natureza linguística, pois estão presentes nele aspectos ideológicos e sociais. Nesse âmbito, Fernandes (2008) comenta que, em diversas situações, o sujeito se posiciona, podendo haver, assim, posições divergentes, conflituosas e esses posicionamentos implicam diferenças quanto à ideologia dos sujeitos, dos grupos sociais em uma mesma sociedade. Em virtude disso, existem os conflitos, já que o sujeito, ao escolher inscrever-se em um espaço socioideológico e não em outros, enuncia a partir de sua inscrição. Fernandes (2008, p. 17) ressalta que, nessa exterioridade, coexistem, concomitantemente, diferentes discursos, o que implica diferenças quanto à inscrição do sujeito em um espaço socioideológico e não em outro. Dessa escolha, por um e não por outro, surgem os conflitos, pois o sujeito, quando se mostra, enuncia a partir de sua inscrição ideológica; de sua voz surgem discursos que se 56 encontram na exterioridade. É interessante destacar que o que nos possibilita falar de discurso é o social e o ideológico que existem na história. Portanto, pensar os discursos, é pensar em seus processos histórico-sociais de constituição. Acerca do discurso visto como uma ação social do sujeito, Orlandi (2010, p.16) observa que ele (o discurso) é um objeto sócio-histórico em que o linguístico intervém como pressuposto, por conseguinte, estudá-lo, na perspectiva da AD, implica pensar o sentido, saber como um texto, como uma música, por exemplo, produzem efeitos sentidos. Para ela, é preciso ver como eles estão investidos de significância para e por sujeitos e não, somente, analisar o significado de palavras, já que implica interpretar os sujeitos em ação, produzindo sentido em suas atividades sociais. Esses sentidos são produzidos devido aos sujeitos ocuparem lugares sociais diferentes e, por isso, uma palavra ou uma figura, por exemplo, pode ter sentidos diferentes em conformidade com o local ocupado por aqueles que a usam. Dessa forma, Fernandes (2008, p.19) explica que a noção de sentido é interligada ao lugar de onde o sujeito enuncia e é compreendida como um efeito de sentidos entre sujeitos em interlocução. Conforme a posição assumida pelos sujeitos, a enunciação tem um efeito de sentido e não outro, dessa forma, o sentido é um efeito de sentido da enunciação entre A e B, é o efeito da enunciação do enunciado. Isto, considerando que A e B representam diferentes sujeitos em interlocução, inscritos em espaços socioideológicos específicos. Diante desse aspecto, constatamos que o discurso, para produzir sentidos, insere-se na história e a constrói. A análise de um discurso, na língua materializada, visa, portanto, identificar os sentidos dos discursos, considerando suas condições sócio-históricas, ou seja, as condições de produção. O analista tem que ultrapassar as estruturas linguísticas para chegar ao discurso, a outros espaços, para que possa compreender do que se forma essa exterioridade. Para Maingueneau (2008, p. 20), não se deve analisar o discurso por si mesmo, mas o espaço de trocas entre vários discursos, convenientemente, escolhidos, ou seja, o interdiscurso. 57 Fernandes (2008, p. 19) explica que os sujeitos enunciadores31 do discurso estão em lugar histórico-social que envolve o contexto e a situação e intervém a título de condições de produção do discurso. Esse lugar se trata de um objeto imaginário socioideológico e, não de uma realidade física e o sujeito mencionado não é o ser empírico, com existência particular, mas um ser social. Assim, o discurso, utilizado pelo sujeito, revela o seu lugar social e transmite outros discursos que fazem parte de uma realidade histórica e social. Dessa forma, para compreendermos o sujeito discursivo, é preciso entender quais são os discursos utilizados para sabermos sua inscrição socioideológica. Logo, quando o sujeito faz uma escolha lexical, ele integra um conjunto de sujeitos cuja natureza ideológica revela seu posicionamento. Esses sujeitos se opõem a um outro conjunto de sujeitos dispersos, no âmbito social, contrários ao seu posicionamento, estes, por conseguinte, utilizarão outra palavra para mostrar sua posição. Notamos, assim, que o sujeito discursivo é heterogêneo. Desse modo, Maingueneau (2011, pp. 53-55) e Charaudeau (2008, pp. 170172), ao discutirem essa noção de discurso, enumeram oito características essenciais. A primeira, é que o discurso supõe uma organização que se situa além da frase, pois ele mobiliza estruturas de outra ordem, não se manifestando somente por sequências de palavras de dimensões superiores à frase. Os discursos, enquanto unidades transfrásticas, submetem-se a regras de organização, vigentes em um grupo social determinado: regras para produção de uma narrativa, de um diálogo etc. A segunda característica é que o discurso é “orientado” não apenas porque é concebido em função de uma perspectiva assumida pelo locutor, mas por se desenvolver no tempo em função de uma finalidade, podendo, supostamente, chegar a algum lugar. Ele, também, pode se desviar durante o seu curso, retomar a direção inicial, fazer antecipações e retomadas, evidenciando, assim, um locutor que monitora sua própria fala. Todavia, esse desenvolvimento acontece em condições 31 Enunciação, aqui, é tratada como posição ideológica no ato de enunciar e que integra a enunciação, lugar sócio-histórico-ideológico de onde os sujeitos dizem e marcam o momento e ato de dizer (ORLANDI, 2010, p. 20). Enunciação, na concepção discursiva, é um acontecimento, em um tipo de contexto, apreendido na multiplicidade de suas dimensões sociais e psicológicas (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2008, p. 193). 58 diferentes: se o enunciado é dito e controlado por um único enunciador, ele é monologal, se o enunciador se inscreve em uma interação na qual possa ser interrompido, ele é dialogal. A terceira característica é que o discurso é uma forma de ação, já que falar é uma forma de agir sobre o outro e não somente uma maneira de representar o mundo. Nesse sentido, Maingueneau (2005) diz que foi difundida a ideia, na década de 60 do século XX, pelos filósofos Austin e Searle, de que toda enunciação constitui um ato que visa a modificar uma situação. Esses atos, em um nível superior, integram-se em discursos de um gênero que tem como objetivo provocar uma mudança no destinatário. De forma mais ampla, a própria atividade verbal encontra-se relacionada com atividades não verbais (MAINGUENEAU, 2011, p. 53). A quarta característica é que o discurso é interativo, tendo em vista que são mobilizados dois parceiros (coenunciadores). Mesmo que não haja destinatário (coenunciador), toda enunciação é marcada pela interatividade constitutiva, uma troca implícita ou explicita, em que se admite a presença de uma outra instância de enunciação, a que produz o próprio discurso. Os estudiosos ressaltam que, nessa perspectiva, a conversação é um dos modos mais importantes de manifestação do discurso, não sendo considerado o discurso propriamente dito. A quinta característica é que o discurso é contextualizado, pois ele existe somente dentro de um contexto e contribui para defini-lo, podendo modificá-lo. A sexta característica é que o discurso é assumido por um sujeito que se põe como fonte dos pontos de referência pessoais, temporais, espaciais, remetendo-se a um eu (o enunciador) e, indicando, concomitantemente, a atitude a um tu (o seu coenunciador). Estudar essa subjetividade presente nos discursos é um dos diferenciais da AD. A sétima característica é que o discurso tem normas, denominadas de leis do discurso. Portanto, todo ato de linguagem implica determinadas normas particulares, até mesmo uma pergunta envolve regras; dessa forma, todo ato de enunciação deve ser elaborado, justificando seu direito de apresentar-se da maneira como se apresenta. Trata-se de um trabalho de legitimação indissociável do exercício da palavra. 59 A oitava característica é que o discurso é assumido no interdiscurso, já que ele só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, por meio do qual ele constrói seu sentido. Todo enunciado é interpretado na relação com todos os outros tipos de enunciados, que estão sendo parafraseados, citados, comentados. Situar um discurso em um gênero implica colocá-lo em relação com a infinidade de outros discursos, ou seja, implica uma atividade interdiscursiva. Assim, os discursos, por se constituírem na heterogeneidade, somente, são apreendidos pelo confronto (embate/polêmica) estabelecido com outros discursos. Logo, para compreendermos melhor a constituição do discurso, entenderemos sua origem, que se dá no interior do interdiscurso. Para a AD, o falante se inscreve em lugares sociais nos quais alcança sua identidade e as escolhas de suas palavras revelam seu lugar e seus posicionamentos (formações discursivas) em que coexistem diversos posicionamentos, aparecendo, assim, o interdiscurso. Por estar relacionado à memória, esse espaço de trocas permite que o que já foi dito tenha sentido em suas palavras, pois o sujeito não é a fonte de seu dizer e o discurso, somente, adquire sentido, ao se relacionar com outros discursos em uma relação de confronto/embate/polêmica. Daí ser impossível definir exterioridade entre o sujeito e seu discurso. Diante desse aspecto, Maingueneau (2008, p. 31), para estudar o discurso, elabora sete hipóteses, das quais destacamos a primeira: o primado do interdiscurso, que está inscrita na perspectiva de uma heterogeneidade constitutiva, que amarra o Mesmo do discurso e seu Outro, e se aproxima do princípio dialógico de Bakhtin que revela o caráter constitutivo da interação enunciativa, ou seja, o discurso como interação entre sujeitos. Para o autor, propor esse tipo de primado é: incitar a construir um sistema no qual a definição da rede semântica que circunscreve a especificidade de um discurso coincide com a definição das relações desse discurso com seu Outro. No nível das condições de possibilidade semânticas, haveria, pois, apenas um 60 espaço de trocas e jamais de identidade fechada (MAINGUENEAU, 2008, pp. 35-36, grifos do autor). Assim, ao afirmar que a interdiscursividade é constitutiva do discurso, reconhece-se, também, que todo discurso resulta de um trabalho sobre outros discursos. O “outro” é o não-dizível de um discurso é aquela parte de sentido que foi necessário sacrificar para constituir a própria identidade (MAINGUENEAU, 2008, p.37). Nesse sentido, Maingueneau explica, ainda, sobre essa interação, que cada discurso: introduz o Outro em seu fechamento, traduzindo seus enunciados nas categorias do Mesmo e, assim, sua relação com esse Outro se dá sempre sob a forma do “simulacro” que dele constrói (MAINGUENEAU, op.cit., p. 21). O autor, ao postular que o interdiscurso precede o discurso, propõe a análise de um espaço de trocas entre diversos discursos, adequadamente, escolhidos. Para ele, o discurso não se origina sozinho; por isso, deve ser posto em relação com outros, além disso, os diversos discursos, que compõem o espaço de troca, constituem-se de forma dependente uns dos outros e adequada no interior do interdiscurso. Como o discurso se constrói em uma rede de outros discursos, Orlandi (2010, p. 33) afirma que interdiscurso é todo conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. A autora esclarece que para as palavras terem sentido, é preciso, que elas já façam sentido. Sendo assim, o interdiscurso está relacionado à memória, uma vez que ele permite que os dizeres, que já foram ditos, tenham sentido em nossas palavras. Notamos, então, que o discurso se manifesta 61 em outra dimensão que ultrapassa o som, a sintaxe, o texto escrito, não sendo, dessa forma, apreendido, concreto, palpável. Devido ao discurso ser atravessado por outros discursos, ele, dificilmente, será homogêneo e a manifestação dessa heterogeneidade discursiva pode ocorrer de duas maneiras: por meio da heterogeneidade mostrada e da heterogeneidade constitutiva. Conforme explicam Charaudeau & Maingueneau (2008, p. 261), a primeira é localizável, de fácil apreensão, ou seja, são deixadas ou não, marcas na superfície linguística como, por exemplo, as aspas entre as palavras, o discurso citado. A segunda não deixa marcas de sua relação com outros enunciados, não sendo, então, apreendida linguisticamente, o discurso é dominado pelo interdiscurso [...] ele se constitui através de um debate com a alteridade. Portanto, Maingueneau (2008), ao associar o interdiscurso à gênese do discurso, considera a existência de um já dito que se constitui no outro do discurso. Dessa forma, todo discurso faz circular o que já foi enunciado, ou seja, o primado do interdiscurso pressupõe a presença do Outro, que se manifesta por meio da heterogeneidade enunciativa. O postulado do primado do interdiscurso tem como diferencial considerar as condições sócio-históricas de produção. Consequentemente, para a orientação dialógica não se limitar somente aos enunciados que se referem a citações, Maingueneau (op.cit. p. 37) diz que é preciso ir além da distinção de heterogeneidade mostrada e constitutiva é preciso revelar a relação com o Outro, independentemente, de qualquer forma de alteridade marcada. O Outro, que não precisa ser localizável, encontra-se na raiz de um Mesmo que não tem plenitude autônoma. Esse Outro é a unidade de sentido que o discurso sacrificou para constituir sua identidade. Dessa forma, para que o interdiscurso não se inscreva na perspectiva de uma heterogeneidade constitutiva, como postula Bakhtin, Maingueneau propõe um quadro metodológico, para que se entenda melhor essa noção, substituindo o termo pela tríade universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo. A noção de universo discursivo refere-se ao conjunto de formações discursivas que interagem em um momento dado, à totalidade dos discursos, ao conjunto de todos os discursos existentes. É de pouca utilidade para o analista, pois 62 representa um conjunto finito e, por isso, serve para definir o horizonte, a partir do qual serão construídos domínios possíveis de serem estudados, os campos discursivos (MAINGUENEAU 2008, p. 33). Campo discursivo é definido como um conjunto de formações discursivas que se encontra em concorrência. Trata-se de um recorte feito pelo analista, de acordo com seus objetivos. Devido aos campos discursivos não serem evidentes, delimitálos implica operar com escolhas e enunciar hipóteses. Por exemplo, se pensássemos no discurso religioso, poderíamos colocá-lo no interior de um campo do discurso publicitário, já que se trata de uma abstração. Nesse sentido, Maingueneau (2008, p. 34) explica que: é no interior do campo discursivo que se constitui um discurso, e levantamos a hipótese de que essa constituição pode deixar-se descrever em termos de operações regulares sobre formações discursivas já existentes. O que não significa, entretanto, que um discurso se constitua da mesma forma com todos os discursos desse campo; e isso em razão de sua evidente heterogeneidade. Como o campo discursivo não existe sozinho, porque todo enunciado do discurso dialoga com outro, é impossível analisá-lo em sua totalidade, sendo necessário, assim, que o analista isole, no campo, os espaços discursivos. O espaço discursivo, por sua vez, é um subconjunto de formações discursivas que o analista põe em relação, da maneira que julgar importante, para confirmar ou não as hipóteses levantadas por ele. 63 2.3 Gênero de discurso Os estudos de Bakhtin (2006, p. 262) são importantes para as pesquisas relacionadas a gênero. O estudioso utiliza o termo gênero de discurso e o define como tipos relativamente estáveis de enunciados que podem ser orais ou escritos, além disso, ele acrescenta que a natureza do gênero de discurso está relacionada à esfera da atividade humana a que ele pertence. Para ele, o ser humano se comunica, fala e escreve, por meio de um grande repertório de gêneros. Tais gêneros nos são dados quase da mesma forma com que nos é dada a língua materna, a qual dominamos, livremente, até começarmos o estudo da gramática. Essa grande variedade de gêneros de discurso, que vai desde um breve diálogo do cotidiano a produções literárias e científicas, decorre da necessidade de atender às mais variadas esferas sociais, que fazem uso da língua com fins específicos. Devido a essa heterogeneidade, Bakhtin (2006) classificou os gêneros de discurso de primários (simples) e secundários (complexos). O primeiro é espontâneo e está relacionado à fala, às conversas do dia a dia; o segundo, por sua vez, surge de um convívio cultural mais complexo e está relacionado à escrita, sendo, dessa forma, mais elaborado, mais organizado, como um romance, texto científico, entre outros. Muitas vezes, o gênero primário, ao ser incorporado e transformado em gênero secundário, perde sua relação com o mundo, é o caso, por exemplo, de um diálogo inserido em um romance, que passa a ser um acontecimento artístico-literário e não da vida cotidiana. Nesse âmbito, o estudioso deve levar em consideração, para uma análise eficiente, a inter-relação entre os dois gêneros, bem como, seu processo histórico, já que a historicidade é constitutiva de todo enunciado. A partir de sua análise, é possível apreender efeitos de sentidos e maneiras de se ver o mundo. Por conseguinte, os gêneros de discurso, por serem estáveis, são constituídos de regularidades que estão interligados, como o conteúdo temático, o estilo e a estrutura composicional, que os tornam reconhecíveis em um determinado campo de atividade humana. O conteúdo temático refere-se aos temas que possam ser abordados; o estilo trata-se das escolhas linguísticas feitas pelo enunciador para 64 a produção de um gênero; a estrutura composicional está relacionada aos aspectos textuais e formais do gênero, é a forma do que pode ser dito. Desse modo, Bakhtin (op.cit., p. 272) postula, ainda, que os gêneros são elo da cadeia muito complexa de outros enunciados, evidenciando o caráter dialógico de seus estudos. Para o autor, o dito já-aqui possui partes do dito antes, ou seja, partes de outros enunciados usados para a interação humana e implica uma resposta do outro, assim como ocorre no diálogo. Essa dialogia liga o enunciado a outros elos, na corrente complexa da comunicação/interação, sendo, a historicidade, a marca constitutiva do enunciado concreto. Nessa perspectiva, esse princípio dialógico não considera o outro passivo, no momento da interação, pois, no enunciado concreto, o momento do outro interagir dá-se pela alternância dos sujeitos falantes, que, por sua vez, somente ocorre devido ao enunciado pressupor um sujeito falante, um destinatário dotado de atitude responsiva. Conforme Bakhtin (2006), cada ato de enunciação é composto por várias “vozes”, ou seja, cada discurso é composto por diversos discursos. A polifonia (vozes que “dialogam” dentro do discurso), é construída, historicamente e socialmente e, a partir dela, é estabelecida/construída a consciência individual do falante. As pessoas pensam devido ao contato permanente com os pensamentos dos outros e estes são expressos no enunciado. Podemos afirmar, então, que os gêneros de discurso mantêm diálogos com outros, produzidos anteriormente a eles e que assim, eles não são criados pelo homem, mas apreendidos por ele. Nesse sentido, os gêneros mudam e têm mais flexibilidade que a língua. A partir desse cenário, o linguista considera, assim, o enunciado resultante de uma “memória discursiva”, ou seja, repleto de enunciados usados em outras épocas, em outras situações, que o locutor inconscientemente utiliza para formular seu discurso. A enunciação caracteriza-se, dessa forma, pela alternância de atos de fala, numa relação dialógica, sendo esse princípio dialógico da linguagem que orientará a AD. Verifica-se, então, que Maingueneau segue a noção bakhtiniana para descrever uma variedade de enunciados produzidos na sociedade, no entanto, ele 65 propõe reflexões sobre o conceito e a categorização dos gêneros de discurso. Para ele, a categoria gênero de discurso é considerada, para além da simples exterioridade entre “texto” e “contexto”, como um dispositivo de comunicação ao mesmo tempo social e verbal, historicamente definido (MAINGUENEAU, 2008a, p. 137). Maingueneau (op.cit., p. 138) explica, ainda, que serão chamados de gêneros as práticas verbais como o jornal do cotidiano, os programas de televisão entre outros, que estejam relacionadas a uma determinada sociedade e não as categorias como a narrativa, a descritiva, a polêmica etc. Ele privilegia as condições materiais de comunicação, os papéis dos participantes, os contratos implícitos entre eles, o suporte material, entre outros. Diante dessa perspectiva, para Maingueneau (2011), o texto pertence a uma categoria de discurso e devido à grande quantidade de produções textuais em uma sociedade, sua denominação é apoiada em critérios heterogêneos. As categorias variam conforme o uso que se faz dela e, algumas denominações não pertencem ao léxico corrente, por serem próprias de certas profissões. Para ele, devido ao gênero estar ligado ao cotidiano das pessoas, ele não pode ser desconsiderado pelo analista, pois este deve receber as diferentes maneiras de apreensão do discurso que dão origem a diferentes tipologias. Ele defende que os gêneros pertencem a tipos de discursos diferentes, que estão associados a muitos setores do cotidiano. O autor explica, ainda, que as categorias correspondem às necessidades do cotidiano e, por isso, os analistas do discurso devem dar atenção a elas, todavia, não podem se contentar com esses gêneros, se quiserem definir critérios rigorosos. O rigor não impede, no entanto, que sejam aceitos variados critérios que correspondam a diversas formas de apreender o discurso, visto que há tipologias de diferentes ordens. Destacaremos as tipologias comunicacionais e as tipologias de situação, já que, para Maingueneau (2011), o analista do discurso não deve ignorálas. Para Maingueneau (2011, p. 59 e 2008a, p. 42), as tipologias comunicacionais ou funcionais indicam a orientação comunicacional do enunciado e são classificadas em funções da linguagem e funções sociais, ou seja, os discursos são divididos de acordo com sua finalidade. Essas classificações oscilam entre a 66 atualização de funções abstratas, como a tipologia de Jakobson (1969): as funções referencial, emotiva, conativa, fática, metalinguística e poética e de funções de ordem social em que antropólogos ou sociólogos distinguem as funções necessárias à sociedade: a charada tem função lúdica, o sermão, a função religiosa. Por conseguinte, as tipologias de situação de comunicação ou situacionais são construídas a partir de gêneros de discurso definidos a partir de critérios sóciohistóricos (Maingueneau, 2008a, p. 42), ou melhor, são dispositivos de comunicação que aparecem quando estão presentes em setores da atividade social, como o telejornal, o sermão, o editorial etc. Apesar dessa noção de gênero ter vindo dos antigos poetas e retóricos gregos e ser bastante recente, por influência de Bakhtin, tem sido usada para descrever uma multiplicidade de enunciados produzidos na sociedade, conforme comenta Maingueneau (op.cit. p.152). Assim, como a sociedade está em constante mudança, os gêneros de discursos, por seu caráter historicamente variável, diferemse, desse modo, das tipologias comunicacionais. O estudioso explica que: ‘tipo’ e ‘gênero’ são assim duas faces da mesma realidade: um tipo de discurso é constituído de gêneros, todo gênero se destaca sobre o fundo de um tipo de discurso determinado (MAINGUENEAU, op.cit., p. 42). Sobre os gêneros de discurso, Maingueneau (op.cit., p. 151), também, explica que essa noção tem papel de destaque nas análises de discurso, já que refletir sobre os textos sem levar em conta os lugares sociais aos quais pertencem ou refletir sobre os lugares sem considerar o texto, significa que o discurso não está sendo abordado a partir do ponto de vista da análise do discurso. Nesse âmbito, os gêneros de discurso pertencem a diversos tipos e não se limitam a apenas alguns, já que os tipos de discurso são associados a inúmeros setores de atividade social (MAINGUENEAU, 2011, p. 65). Para conceber um 67 gênero e sua tipologia de discurso, um conjunto de condições de êxito deve ser atendido, para que possa fazer parte de uma atividade de forma eficiente, como: • uma finalidade: todo gênero é produzido com uma finalidade que é definida, ao se responder à indagação implícita: “estamos aqui para dizer ou fazer o quê?”. Identificá-la é importante para que o destinatário tenha um comportamento adequado perante a uma prática social (gênero de discurso); • o estatuto de parceiros legítimos: corresponde aos papéis que o enunciador e o co-enunciador devem assumir, daí a necessidade de se determinar de quem parte e a quem se dirige o discurso; • o lugar e o momento legítimos: correspondem ao lugar e ao momento em que o gênero está inserido: a missa ocorre na igreja, a aula em uma escola, mas, dependendo, da finalidade, esses locais podem ser transgredidos. Em relação ao tempo de um gênero de discurso, ele implica uma periodicidade: um curso, um telejornal, por exemplo, são periódicos; no entanto, um panfleto não tem essa periodicidade; uma duração de encadeamento, que é a duração da realização de um gênero de discurso, em um jornal impresso, tem, pelo menos, duas durações de leitura de um artigo: verificam-se os elementos destacados em negrito, maiúsculas, para, eventualmente, ser feita uma leitura. • o suporte material: trata-se do modo de existência, do modo de manifestação material dos discursos. • uma organização textual que se refere aos modos de encadeamento dos constituintes de um gênero de discursos, em diferentes níveis, da frase a suas partes maiores. Compete à linguística textual estudar essa organização que todo discurso possui. Notamos a presença desse conjunto de condições de êxito na coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, conforme demonstramos a seguir: 68 • finalidade: transmitir os ensinamentos de Taniguchi para a captação de seguidores; • papéis assumidos: são de mestre, de professor para o enunciador e de aluno para o co-enunciador; • lugar e momento legítimos: o texto foi inserido na coluna Artigo do Mestre, no entanto, os coenunciadores se deparam com uma aula; • tempo: a periodicidade da revista Pomba Branca é mensal. No entanto, as obras de onde foram extraídos os textos - que compõem o corpus para o desenvolvimento dessa pesquisa - podem ser lidas em qualquer época (atemporais). Sobre a duração de encadeamento, são verificadas, inicialmente, as imagens, o ‘olho’ do texto, frases no rodapé das folhas do lado direito, para, depois, se ler os textos. Em relação à continuidade, pode-se ler o texto inserido na revista de uma só vez ou lê-lo de onde ele foi recortado, já que no final da coluna é mencionada a fonte de onde o texto foi extraído. Sobre a duração de validade presumida, ela é indeterminada, pois tanto a revista quanto a coluna podem ser lidas em qualquer período. Diante desse aspecto, Maingueneau (2011), ainda, aponta três metáforas para caracterizar o gênero: o contrato, o papel e o jogo, tomados, respectivamente, de três domínios: o jurídico (contrato), o teatral (papel) e o lúdico (jogo) que serão explicados a seguir. • O contrato refere-se às normas de sistematização do discurso, que são usadas pelo locutor e reconhecidas pelos interlocutores. Caso essas regras sejam desobedecidas, o interlocutor precisará saber o motivo. • O papel se refere aos diversos papeis sociais desempenhados nas atividades sociais, como por exemplo, uma mulher em casa exerce o 69 papel de mãe, no entanto, na empresa onde trabalha exerce o papel de executiva. • O jogo é o cruzamento das duas metáforas citadas acima: existe um contrato (as regras) e há papeis (os jogadores). Assim como em um jogo, um gênero implica certas regras preestabelecidas, todavia, suas normas não são rígidas como a de um jogo, pois: elas (as regras do gênero) possuem zonas de variação, os gêneros podem se transformar. Além disso, o gênero de discurso raramente é gratuito, ao passo que um jogo exclui as finalidades práticas, visando apenas ao lazer (MAINGUENEAU, op.cit., p. 70). Notamos que o discurso inserido na revista é apresentado como sendo do gênero artigo - Artigo de Mestre Masaharu Taniguchi. O contrato está bem claro entre os coenunciadores, pois o enunciador assume o papel de quem detém o poder, ao se autodenominar mestre e o co-enunciador assume o papel de aprendiz. Nesse âmbito, devido à diversidade de gêneros de discursos, o autor distingue três regimes para essa noção: os gêneros autorais, impostos pelo autor ou pelo editor; os gêneros rotineiros que são os favoritos para os analistas do discurso como as revistas, as palestras, entre outros, e os gêneros conversacionais, que são instáveis, já que sua estrutura se modifica durante a conversação (Maingueneau, 2008a, p. 155). O linguista francófono afirma que essa divisão dos gêneros em três regimes pode ser utilizada para fins didáticos, no entanto, não está correta dos pontos de vista terminológico e empírico, por isso ele modifica essa tripartição e propõe dois regimes genéricos, submetidos a regras distintas: gênero conversacional e gênero instituído, este no lugar dos gêneros autorais e dos gêneros rotineiros. Para ele, esses regimes podem estar juntos em um mesmo ato de fala. 70 Sobre os gêneros instituídos, Maingueneau (2008a, p.155) diz que eles formam um conjunto heterogêneo e que estão associados a uma “cena genérica” que: atribui papéis a atores, prescreve o lugar e o momento adequados, o suporte e a superestrutura textual para um texto de um gênero particular. Nesse sentido, o discurso analisado neste trabalho se enquadra como gênero instituído, pois se constitui a partir de um quadro enunciativo formalizado institucionalmente. O estudioso lembra, ainda, que muitos desses gêneros possuem outro tipo de cena, que depende das escolhas de quem os produz: a cenografia. Para ele, a cena genérica é parte de um contexto, trata-se da cena o que gênero indica, e a cenografia é produzida no texto, no entanto, nem todos os textos a possuem. A lista telefônica, por exemplo, obedece às regras de sua cena genérica, por outro lado, a publicidade escolhe as cenografias conforme as estratégias do marketing. O estudioso, ao levar em conta a variedade de gêneros instituídos, distingue vários graus: - gêneros de primeiro grau são aqueles que não variam: certidões de nascimento, listas telefônicas, entre outros; - gêneros de segundo grau são produzidos pelos falantes e obedecem a um rigoroso roteiro: notícias na TV, correspondência de negócios etc; - gêneros de terceiro grau são tolerantes a variações e dão ao falante a possibilidade de criarem cenografias: um guia de viagens pode ser elaborado por meio de uma conversa, por exemplo; - gêneros de quarto grau requerem a invenção de cenografias, obedecendo às estruturas do gênero escolhido: propaganda, programas de entretenimento etc.; 71 - gêneros de quinto grau não seguem formatos preestabelecidos, pois isso depende da maneira pelo qual o autor coloca sua identidade em jogo. Um autor religioso pode chamar seu texto de meditação, por exemplo. Dessa forma, a proposta feita por Maingueneau, para que partamos para esse “regime de genericidade” em duas categorias, tem como propósito a possibilidade de distinguir regimes de produção textual, no contexto da interdiscursividade, pois assim saberemos que a escolha de um gênero e não de outro, nas atividades discursivas, não é aleatória, mas, com objetivos específicos. Para Maingueneau (2008), todo gênero modifica a situação da qual participa e, para ele, o coenunciador tem seu comportamento influenciado pela finalidade do gênero produzido. Então, escolher uma categoria genérica é muito mais que escolher uma estrutura textual, pois é impossível elaborar um gênero de interação a cada situação da qual fazemos parte, para tanto buscamos a estabilidade de alguns gêneros, pois eles podem tornar a interlocução mais eficaz. Diante desse cenário, as características do gênero de discurso são ampliadas pelo pesquisador, ao estudar as cenas da enunciação, a saber: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia, que serão aprofundadas mais adiante. Percebemos assim que, para ele, não se deve priorizar somente os aspectos estruturais do texto, mas o gênero também, pois é por meio dele que enunciador e co-enunciador interagem e desempenham papéis sociais. No que se refere ao corpus selecionado, vimos que os editores da revista escolhem e recortam textos de obras do fundador e os inserem na seção denominada Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi: - do livro Lições para o cotidiano, foi extraído O pecado não existe. A obra data de 1954, foi escrita em Tókio, teve sua primeira edição em português, em 1979, sua 11ª edição foi revisada em 1996, estando, hoje, na 16ª impressão. Esse texto foi inserido na revista Pomba Branca de março de 2012. - do livro Comande sua vida com o poder da mente, foi extraído O pensamento iluminador e as ciências naturais. A obra foi escrita em 1948, editada em 1988, sua 72 1ª edição, em português, foi em 1998 e está, hoje, na 16ª impressão. O texto foi posto na revista Pomba Branca de março 2013. Apesar de não serem artigos, de não serem produzidos para o suporte revista Pomba Branca, de não serem escritos para as mulheres do século XXI e não pertencerem ao momento histórico, político e social em que foram publicados os exemplares, eles são inseridos nas publicações, em uma ‘moldura’, em uma estrutura de artigo de revista e recebidos como tal. Os editores não explicitam seus critérios nem objetivos em relação às escolhas feitas para a publicação, todavia há uma intenção em optar por um texto e não por outro e inseri-lo na seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi que tem um propósito implícito. Essa coluna poderia ser identificada como: aula do Mestre Masaharu Taniguchi, dicas do Mestre Masaharu Taniguchi, palestras do Mestre Masaharu Taniguchi etc., no entanto: sobram, ainda, alguns gêneros para os quais as finalidades, como critério primeiro, são inadequadas, que desafiam as atribuições de propósitos comunicativos (SWALES, apud Maingueneau, 2008a, p. 157). Sendo assim, a seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi não é apenas um espaço para a publicação de textos extraídos de obras do fundador, falecido em 1985, ou uma estrutura textual. Trata-se de uma prática social, já que o gênero artigo de revista traz papéis que são desempenhados por quem escreve e por quem lê. No discurso em análise, como já mencionamos, o enunciador assume o papel de mestre, de quem sabe o que diz e o co-enunciador assume o papel de aprendiz. 73 2.4 Gênero de discurso: artigo de revista Antes de aprofundarmos nossos estudos no gênero de discurso artigo de revista, abordaremos a questão do suporte, uma vez que para Maingueneau (2011, pp. 71-83) é preciso reservar um lugar importante ao modo de manifestação material dos discursos, ao seu suporte, bem como a seu modo de difusão: enunciados orais, no papel, radiofônicos, na tela do computador etc. O suporte ou mídium é uma dimensão essencial da comunicação verbal, não obstante ser desprezada pelos analistas que estavam habituados, nas análises literárias, apenas, a considerarem o texto como sequências de frases possuidoras de sentido. Sobre essa indiferença, Maingueneau (op.cit., p. 71) observa que o mídium não é um simples ‘meio’, de transmissão do discurso, mas que imprime um certo aspecto a seus conteúdos e comanda os usos que dele podemos fazer. Dessa forma, por não ser um mero instrumento que serve para transportar mensagens, é relevante que o observemos, pois, se houver uma modificação nele, modifica-se o conjunto de um gênero de discurso. O autor orienta que, apesar de ser importante, não podemos, somente, considerá-lo, é preciso levar em conta o todo, ou seja, o conjunto do circuito que organiza a fala. Um gênero sempre será transportado por um suporte e o modo de transporte e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto, modela o gênero de discurso (Maingueneau op.cit., p. 72). Dessa forma, a revista impressa Pomba Branca, da qual extraímos nosso corpus, é um suporte genérico mensal que contém: artigos, relatos de experiência, receitas, reportagens acerca de algum evento da SNI, notícias, divulgação de produtos e de eventos. Trata-se, assim, de uma publicação para mulheres, que difere de outras para esse público, já que seu objetivo é divulgar os ensinamentos e as práticas da instituição. Dessa forma, ela não possui o mesmo posicionamento de outros exemplares femininos que circulam na sociedade. Como vimos, anteriormente, os textos são recortados e inseridos na revista como se fossem do gênero artigo e podem, nesse suporte, influenciar muitas pessoas, todavia não se tratam de artigos produzidos para a revista, tratam-se, 74 muitas vezes, de transcrições de palestras proferidas, de orientações sobre como fazer meditação, de consultas e orientações espirituais etc., todos extraídos de capítulos de livros do fundador. Por analisarmos o discurso extraído dessa coluna, julgamos relevante aprofundar nossos estudos sobre o gênero artigo de revista. Nesse sentido, Rodrigues (apud Cano, 2012, p. 126) lembra que existem pesquisas que mostram que os gêneros que circulam na mídia são denominados de artigo, sem o serem. Sobre isso, ele comenta que, por várias vezes o termo artigo é usado para designar qualquer material que aparece nos jornais ou revistas, não estando, nesses casos, vinculado à concepção de gênero. Para Rabaça & Barbosa (2001), o artigo é um texto jornalístico interpretativo e opinativo, não muito extenso em que uma ideia é desenvolvida ou um assunto é comentado a partir de uma fundamentação. Nesse âmbito, devido a esse gênero circular em jornais e revistas, debates sobre temas polêmicos são comuns e, por isso, desperta o interesse de muitas pessoas para a leitura, todavia, Silva (2008, p. 70) ressalta que: os leitores do artigo de opinião, de modo geral, são pessoas que frequentemente leem determinado jornal ou revista e estão, de algumas forma, interessadas na questão polêmica por ele abordada, ou porque as afeta de maneira direta, ou porque se interessam pela discussão dos assuntos em pauta no meio social. No Brasil, país em que a leitura é um hábito de poucos cidadãos, pode-se afirmar que os leitores de artigos de opinião constituem uma elite sociocultural. Contudo, os leitores da seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi são, predominantemente, mulheres, pois a revista Pomba Branca é direcionada para esse público. As leitoras que não são adeptas encontram o posicionamento do fundador da SNI acerca de vários assuntos do cotidiano e conhecem, assim, os 75 ensinamentos divulgados na SNI. Para as leitoras adeptas/seguidoras, a leitura é uma prioridade, já que Masaharu Taniguchi representa ‘o mestre espiritual’ que transmite os ensinamentos, ou seja, elas leem para receberem um direcionamento, uma orientação sobre a maneira de agir nas situações do cotidiano. Assim, sobre o papel dos leitores, Maingueneau (2008a, p.174) diz que os destinatários podem significar muitas coisas: o público real (as pessoas que leem o texto), o público genérico (o público para quem o texto é destinado), o leitor modelo (o tipo de leitor que pode ser inferido das propriedades do texto), o leitor invocado aquele, explicitamente, especificado pelo texto. Para ele, o modo como o gênero circula evidencia o público. Dessa forma, o autor afirma que os vários gêneros existentes são feitos para serem lidos por dois públicos: um de primeiro grau, que lê significados literais e outro de segundo grau, que é capaz de extrair proposições implícitas de um texto, que para pessoas comuns, pode parecer unívoco. É o público especialista que compartilha do mesmo código que os produtores dos textos e, também, podem fazer interpretações, para, posteriormente, transmiti-las para o público de primeiro grau. Isto posto, os textos da seção apreendidos como artigo de revista, podem, influenciar leitores de primeiro grau (simpatizantes) e de segundo grau (praticantes), no sentido de fazê-los refletir sobre determinado assunto ou alterarem pontos de vista sobre alguma situação ou tomarem posição, no que diz respeito a uma religião, por exemplo. Por conseguinte, a ‘moldura’ de gênero artigo de revista, na qual os textos estão inseridos, pode organizar e direcionar o modo de as leitoras receberem as mensagens transmitidas na revista. Essa influência se dá, também, por meio do conteúdo temático religioso, pelo suporte revista, pelo seu enunciador em um papel de mestre e pelo seu caráter opinativo (persuasivo). Diante disso, Reis (2009, p. 52) comenta que devido aos gêneros se apresentarem como tipos relativamente estáveis de enunciados, é esse ‘relativamente’ que garante seu caráter de indefinição. Para ela, é preciso levar em conta o fato de o gênero não ser algo “engessado” em uma forma pré-estabelecida, daí a importância da situação comunicativa para a sua configuração. 76 Portanto, o discurso de Masaharu Taniguchi, inserido na seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, pode gerar diferentes efeitos de sentido e pode produzir ações nos leitores, tais como: refletir sobre um comportamento, modificar conceitos relacionados à igreja, ao pecado, à morte, à família, entre outros, devido ao seu conteúdo divino/sagrado, a seu enunciador e aos tons pedagógico e religioso que são, predominantemente, opinativos e autoritários. Consequentemente, Reis (2009, p. 49), em sua análise sobre as características do gênero artigo de revista, observou que esse texto de circulação pública, apesar de ser pouco fluido, pertence ao tipo dissertativo32 e se caracteriza, principalmente, pelo fato de possibilitar a exposição de ideias, o desenvolvimento de raciocínios, o encadeamento de argumentos bem como a tomada de conclusões. Mesmo não sendo possível encontrar nenhuma constante sobre seus prováveis elementos constituintes, no que se refere à sua estrutura, Reis (2009) notou, no entanto, que a maioria tem em comum: a assinatura do texto pelo seu autor, que pode estar no momento que o inicia, ou em seu término, a presença do nome da seção da revista, de um título e, no jargão jornalístico, um ‘olho’33 (pequeno enunciado retirado do texto que aparece após o título) ou ‘bigode’ (um enunciado, com uma informação complementar que não está presente ao longo do texto). Em sua pesquisa, Reis (2009) observou, também, a existência de artigos divididos em tópicos, assemelhando-se em alguns momentos a cartas de leitores respondidas por escritores de uma redação, mas que mesmo assim receberam o nome de artigo. Outros, ainda, eram formados por duas colunas, cada uma contendo posicionamentos contrários acerca de um tema. Quanto ao tamanho, parece não haver consenso: há artigos que possuem uma, duas, ou mesmo meia página. Alguns possuem fotografias que ilustram os textos, outros não. Quanto à função geral do gênero artigo de revista, ou seja, quanto à sua forma de circulação social, Reis (2009) afirma que ele se fundamenta na discussão 32 33 Consideramos o artigo um texto argumentativo, porém mantivemos a tipologia apresentada pela autora. Sobre ‘olho’, Lage (2001, p.53) afirma que algumas vezes, em matérias muito longas de revistas ou suplementos, destacam-se frases do texto como elemento gráfico inserido no meio da composição, em corpo maior. O objetivo, aí, é duplamente estético e de motivação da leitura. 77 de um tema qualquer, escolhido pelo autor e que, geralmente, apresenta um caráter crítico-discursivo que leva o leitor, muitas vezes, a produzir reflexões. Logo, para a autora, o artigo de revista refere-se a uma matéria escrita, na qual, frequentemente, o autor expressa uma opinião sobre algum tema ou sobre o resultado de estudos ou de pesquisas que tenha sido feitos sobre ele. Portanto, trata-se de um texto, predominantemente, opinativo, que pode se dirigir ao público, em geral, como é o caso dos artigos das grandes revistas de circulação semanal ou pode, ainda, se dirigir a um público específico como, por exemplo, nas publicações sobre áreas específicas do conhecimento, tais como revistas científicas. 2.5 Cena enunciativa Para verificarmos como se dá a organização do discurso da coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi e de que forma o co-enunciador a apreende, consideraremos os estudos sobre a cena de enunciação. Inicialmente, levaremos em conta a noção de texto postulada por Maingueneau (2011, p. 85), para quem texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada. Para ele, o enunciador constrói o cenário de seu dizer, encenando sua própria fala. Sobre essa encenação, Charaudeau & Maingueneau (2008) afirmam que o discurso se coloca em cena e instaura um espaço instituído no qual o enunciado ganha sentido. Nesse sentido, Maingueneau (2005, 2008a, 2011) postula que o discurso pressupõe uma cena de enunciação para poder ser enunciado e o discurso deve validar essa cena em sua própria enunciação. Vale ressaltar, que analisaremos esse quadro, porém o foco não está na situação empírica (a revista, o fundador da SNI ou as leitoras da revista), em primeiro plano está a análise de como os coenunciadores se constroem e se revelam na cena de enunciação. Para tanto, o estudioso propõe que se observe as três cenas, que compõem a cena de enunciação: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia. Para Maingueneau (2005), a cena englobante se refere ao tipo de discurso: religioso, publicitário, político, entre outros e é de onde surge o estatuto pragmático 78 do texto (estatuto de parceiros), o tempo e o espaço. É por ela que olhamos a cena de enunciação e, por isso, deve oferecer condições para que o co-enunciador identifique o tipo de discurso produzido, porém, essa cena sozinha, não é suficiente para garantir as especificações das atividades discursivas (verbais) em que os sujeitos estão envolvidos. Devido a todo discurso ser enunciado, pelo gênero do discurso, essa cena não oferece mais elementos para a análise. Será a cena genérica que revelará outros elementos. A cena genérica corresponde aos gêneros de discurso particulares, socialmente conhecidos e que as pessoas de determinado grupo têm na memória. Maingueneau (2011, p. 86) afirma que cada gênero de discurso define seus próprios papéis, no entanto, uma carta comercial, uma receita médica, por exemplo, podem ser planejados com outros objetivos, além daqueles que lhe são comuns. Essa estratégia é utilizada, comumente, pela publicidade que utiliza, em anúncios, diferentes estruturas genéricas, como telefonemas, receitas, entre outras, com a finalidade de interagir com determinado público. Esses dois tipos de cenas são chamados por Maingueneau (op.cit., p. 87) de quadro cênico do texto. Nele é definido o espaço estável no interior do qual o enunciado adquire sentido – espaço do tipo e do gênero do discurso. Todavia, o leitor não se depara com ele, diretamente, mas com a cenografia, ou seja, com uma espécie de “cilada” que desloca o quadro cênico para um segundo plano. Dessa forma, para Maingueneau (2008 a) a situação de enunciação não é, com efeito, um simples quadro empírico, um objeto de decoração, como se o discurso ocupasse o interior de um espaço já construído e independente desse discurso, ela se constrói como cenografia por meio da enunciação. Para ele, é a enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para construir progressivamente o seu próprio dispositivo de fala (MAINGUENEAU, 2011, p. 87). 79 A cenografia se refere ao processo de inscrição que envolve um enunciador, um co-enunciador, um ethos, um código linguageiro, um lugar e um momento da enunciação. Ela é, ao mesmo tempo, quadro e processo e não uma simples cena, conforme esclarece Maingueneau (2008a, p. 51): aqui - grafia é um processo de inscrição legitimante que traça um círculo: o discurso implica um enunciador e coenunciador, um lugar e um momento da enunciação que valida a própria instância que permite sua existência. Por esse ponto de vista, a cenografia está, ao mesmo tempo, na nascente e no desaguadouro da obra. Dessa forma, a cenografia é instituída pelo discurso, adaptando-se a ele, não sendo imposta pelo gênero de discurso. Nesse sentido, trata-se de um espaço em construção, que vai surgindo no próprio acontecimento e envolvendo o coenunciador, que deve se persuadir de que é aquela cenografia e nenhuma outra, que corresponde ao mundo configurado pelo discurso (op.cit., p.118). Assim, cenografia é: ao mesmo tempo, origem e produto do discurso; ela legitima um enunciado que, retroativamente, deve legitimá-la e estabelecer que essa cenografia, de onde se origina a palavra é precisamente a cenografia requerida para contar uma história, denunciar uma injustiça etc. Nesse âmbito, Maingueneau (2011) ressalta que, em muitos casos, a cena de enunciação reduz-se às cenas englobante e genérica, porque existem gêneros pouco suscetíveis de cenografias variadas, como o que ocorre em gêneros como o 80 despacho administrativo, a receita médica, a correspondência administrativa, entre outros. Por outro lado, há gêneros (publicitários, literários, filosóficos) que, devido a seus propósitos comunicativos, exigem a escolha de uma cenografia que não é imposta pelo tipo ou pelo gênero de discurso, sendo criada pelo próprio discurso: trata-se da cena apropriada para um determinado discurso, para validá-lo, torná-lo pertinente. Isso ocorre, pois a cenografia é uma dimensão criativa do discurso, na qual se engendra o simulacro de um momento, de um espaço e dos papéis sociais conhecidos e compartilhados, culturalmente. Se a cenografia for bem explorada, o leitor pode ser pego em uma armadilha de, por exemplo, receber um texto como se fosse uma poesia e não como uma receita. Por conseguinte, a cenografia de um discurso é reconstruída pelo coenunciador com a ajuda de diversos indícios: o reconhecimento do gênero do discurso, os registros e níveis de linguagem, o ritmo etc., além disso, nela, a figura do enunciador, o fiador e co-enunciador são associadas a um momento (cronografia) e a um lugar (topografia), dos quais o discurso supostamente surge. Portanto, a cenografia será desenvolvida, plenamente, se puder controlar seu próprio desenvolvimento, mantendo uma distância em relação ao co-enunciador, já que este não poderá agir imediatamente sobre o discurso, como é o caso da escrita. O mesmo não ocorre, por exemplo, em um debate, no qual os participantes devem reagir, rapidamente, a situações inesperadas provocadas pelo interlocutor. Nesse caso de interação viva, o que passa ao primeiro plano é, na maioria das vezes, a ameaça das faces e o ethos (MAINGUENEAU 2008 a, p. 118). Nesse sentido, Cano (2012, p.74) afirma que a cenografia trata-se de uma estratégia que se utiliza de uma série de recursos linguístico-discursivos de envolvimento do co-enunciador. Por isso, julgamos ser relevante identificar os indícios textuais, no discurso na seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, que constroem a cenografia pedagógica, pois se trata de uma estratégia escolhida pelo enunciador que pretende conseguir a adesão do co-enunciador. 81 Além disso, notamos, nesse discurso, que há uma interação na cena (que a leitura propiciou) que constrói uma imagem para a SNI e para Masaharu Taniguchi, criando, assim, uma instância de enunciador. O co-enunciador interage com essa imagem, corporifica-a e a incorpora, em outras palavras, ele entra em contato, na cenografia, com o ethos discursivo que será abordado a seguir. 2.6 Ethos discursivo Abordaremos a noção de ethos discursivo, a fim de verificarmos como a imagem do enunciador é projetada no discurso da SNI e como ela articula os valores e os modos de vida, na dimensão religiosa, proposta pela instituição. Diante desse aspecto, Amossy (2011 a, p. 9) afirma que todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Ressaltamos que a imagem não está relacionada a papeis sociais, mas ao que se diz no discurso. Desse modo, Charaudeau & Maingueneau (2008), para esclarecerem essa noção, explicam que o termo ethos vem da retórica aristotélica e, traduzido, significa personagem. Trata-se da imagem de si que o orador constrói na interação com o outro, não de sua pessoa real. Consequentemente, Eggs (2011), ao discorrer sobre o ethos na retórica Clássica, diz que essa ideia começou a ser discutida por Aristóteles em seus trabalhos sobre a Arte Retórica, nos quais ethos corresponde a um meio técnico de persuasão, em que o orador, por meio de sua maneira de dizer, pode conquistar a confiança do público, mostrando, em seu discurso, um caráter honesto. Nota-se que essa perspectiva se distancia da definição apresentada pelos retóricos tradicionais romanos para quem ethos corresponderia ao caráter real do locutor, um dado preexistente fundado na autoridade individual e institucional do orador (sua reputação, seu estatuto social) e não ao caráter representado por meio do discurso, conforme explicam Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 220). Por isso, Eggs (op.cit., p. 40) comenta, também, que Aristóteles inovou ao incluir essa noção como uma possibilidade persuasiva, ao postular que o ethos constitui praticamente a mais importante das provas. Para o retórico, o discurso é 82 construído com base na trilogia comunicativa: logos, pathos e ethos. O logos referese à linguagem, ao discurso; o pathos diz respeito ao convencimento do ouvinte e o ethos refere-se ao aspecto moral ou ético que o orador deixa ‘transparecer’ pelo discurso. Essa trilogia das provas de persuasão mostra que um discurso se apoia no orador que revela uma imagem ao auditório e esse público, por sua vez, é sensibilizado por emoções e por paixões movidas por quem está com a palavra. O orador, dessa forma, alcança o seu objetivo: conseguir a adesão dos ouvintes, devido a seu discurso ser eficiente. É nesse sentido que o ethos corresponde ao caráter do orador representado por meio do discurso e não essencialmente ao seu caráter real. A partir desse quadro, Eggs (op.cit., p. 31) explica, também, que, nessa perspectiva, o lugar que engendra o ethos é, portanto, o discurso, o logos do orador, e esse lugar se mostra apenas mediante às escolhas feitas por ele e as formas de se expressar resultam de escolhas entre as inúmeras possibilidades linguísticas e estilísticas. Segundo o autor, ainda, para Maingueneau, essas escolhas referem-se às maneiras do orador se exprimir, ou seja, o ethos é mostrado e não dito, explicitamente. Assim, essa ideia inspira as ciências da linguagem, devido à evolução ocorrida nas condições de exercício da palavra proferida em público e Maingueneau (2008 a, 2008 b, 2010, 2011) leva essa noção para a AD, reinterpretando-a e acrescentando a ela um caráter discursivo. Logo, segundo Maingueneau (2008 a, 2008 b), o ethos é uma noção discursiva, pois se constitui por meio do discurso, não sendo uma imagem do locutor exterior à fala; é um processo interativo de influência sobre o outro e é uma noção híbrida (sociodiscursiva), um comportamento socialmente avaliado, já que está integrada a uma conjuntura sócio-histórica determinada. Por conseguinte, o ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas é inegável que o público construa uma imagem (ethos) do enunciador antes que ele se manifeste (MAINGUENEAU, 2008 b, p. 15, 2011 a p. 71). Por isso, o linguista distingue o ethos discursivo (mostrado) do ethos pré-discursivo ou ethos 83 prévio, sendo esse entendido como imagem construída antes do enunciador tomar a palavra. Ressaltamos, ainda, que o estudioso reconsiderou essa diferença e não contempla mais a distinção ethos discursivo/ethos pré-discursivo, pois para Maingueneau, tudo se dá no discurso, devido a termos uma noção prévia de quem é o enunciador e, com esse conhecimento, criamos uma instância com a qual se interage. Nesse sentido, Maingueneau (2008 a, p. 64 e 2008 b, p. 17) deixa clara sua perspectiva de estudo ao afirmar que o ethos será considerado para além da persuasão por meio de argumentos, essa noção de ethos permite refletir sobre o processo mais geral de adesão dos sujeitos a determinado posicionamento, trata-se de uma noção discursiva constitutiva da cena de enunciação. O foco da AD não é o orador ou escritor empírico, pois se analisa, observa-se a imagem construída pelo enunciador com a qual o co-enunciador interage na cena de enunciação. Dessa forma, Maingueneau (2008a, 2011) postula que a noção de ethos permite articular corpo e discurso em uma dimensão diferente das oposições empíricas: oral e escrito. A instância subjetiva que se manifesta por meio do discurso é concebida como uma ‘voz’, associada a um ‘corpo enunciante’. Para ele, todo texto escrito possui, mesmo quando o nega, uma vocalidade que pode ser relacionada a um ‘fiador’, uma instância subjetiva (não se trata do locutor extradiscursivo) que, por meio de seu tom, atesta o que é dito. O tom serve para o oral e o escrito, sendo responsável por fazer o co-enunciador construir uma representação do corpo do enunciador, ou seja, por fazer emergir essa instância que afiança o que diz. Percebemos, assim, que, enquanto a retórica relacionou o ethos à oralidade, Maingueneau (2008 a, p. 65) aborda-o em uma concepção mais encarnada, pois além de recuperar a dimensão verbal, considera o conjunto de determinações físicas e psíquicas associadas ao fiador pelas representações coletivas. Dessa forma, ao fiador são atribuídos um caráter e uma corporalidade, a esse último, está associada uma aparência física, ao primeiro, traços psicológicos. Ademais, o ethos implica uma forma de mover-se no espaço social, uma disciplina tácita do corpo, apreendida por 84 meio de um comportamento. Ele é apreendido pelo co-enunciador que possui representações sociais, estereótipos, que são reforçados ou transformados na enunciação. Diante dessa circunstância, a apreensão do co-enunciador implica um “mundo ético”, sendo muito mais que uma simples identificação a uma personagem fiadora, pois o co-enunciador “incorpora” o fiador que, por sua vez, acessa e faz parte de um “mundo ético”, ativado por meio da leitura, que se trata de um estereótipo cultural composto por determinado número de situações estereotípicas relacionadas a comportamentos. Sendo assim, Maingueneau (2008a,) cita, como exemplo, a publicidade moderna que se apóia em estereótipos (mundo ético dos executivos, dos artistas entre outros) e explica que se incluíssemos um cantor em um clip, ou seja, em um mundo musical, isso teria o efeito de inserir o fiador em um mundo ético específico. Logo, a maneira pela qual o co-enunciador, em posição de intérprete, apropria-se do ethos ou a ação do ethos sobre o co enunciador, é chamada por Maingueneau (2008 a, p. 65, 2011, p. 99) de incorporação, que ocorre em três registros: a enunciação da obra dá um corpo ao fiador; o destinatário, por sua vez, incorpora-o e essas duas incorporações permitem a constituição de um corpo da comunidade imaginária daqueles que aderem ao mesmo discurso. O corpo do fiador nem sempre está explicitado, todavia, o texto o “mostra” por sua maneira de dizer, ao fazer o co-enunciador entrar em determinado mundo ético que, por sua vez, ativa o fiador pelos estereótipos existentes. Para o pesquisador, o fiador é uma imagem construída pelo co-enunciador com base em indícios textuais de diversas ordens, pelos estereótipos que ele traz e pelo tom do discurso. Nesse sentido, em nível discursivo, é possível criar uma imagem de um fiador que não tem semelhanças com o enunciador. Portanto, não se trata de um autor empírico, que decide desempenhar um papel de sua escolha, em função dos efeitos que pretende produzir sobre seu auditório. Tudo está em nível do discurso, pois é o posicionamento, no qual o enunciador está inserido, que o faz assumir um determinado modo de enunciação, um ethos. O discurso “cria” o corpo de um fiador que, por meio de sua enunciação, 85 produz certos efeitos na comunidade discursiva pressuposta que, ao mesmo tempo, é validada por aquele discurso. Para Maingueneau (2008b, p. 29) não se deve reduzir a interpretação dos enunciados a uma simples decodificação, já que alguma coisa da ordem da experiência sensível se põe na comunicação verbal. O co-enunciador é: apanhado por um ethos envolvente e invisível [...] ele participa do mundo configurado pela enunciação, ele acede a uma identidade de algum modo encarnada, permitindo ele próprio que um fiador encarne. Nesse âmbito, o ethos implica uma experiência sensível do discurso que mobiliza a afetividade do co-enunciador. Trata-se de um comportamento que articula verbal e o não-verbal, provocando, no co-enunciador, efeitos multissensoriais. Maingueneau explica, ainda, que essa adesão ocorre pelo apoio recíproco do conteúdo apresentado e da cena de enunciação. Para ele, a AD deve se interessar pelo construído, com seus possíveis efeitos de adesão, e não com a persuasão exercida por ele. Assim, Cano (2012), ao comentar sobre a adesão, afirma que o coenunciador adere a um ethos, a um fiador e não a uma ideia e essa percepção não está em um nível linguístico, mas em um nível interdiscursivo. O corpo aderido está no interior de formações discursivas que possuem traços ideológicos que se opõem a um corpo localizado em outras formações discursivas que possuem outros traços. Diante do exposto, esse trabalho visa a depreender os efeitos de sentido da seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, por meio da construção da cenografia e do ethos discursivo, pois esse discurso, marcado, predominantemente, pela presença do discurso pedagógico e de outros, influencia o comportamento das leitoras. Terminado esse percurso teórico, iniciaremos a análise do corpus, a seguir. 86 CAPÍTULO III CENAS DA ENUNCIAÇÃO E ETHOS NO DISCURSO DE O ARTIGO DO MESTRE MASAHARU TANIGUCHI 3.1 Constituição do corpus Neste capítulo, apresentaremos o corpus selecionado para nossa pesquisa e analisaremos os discursos da seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, da revista Pomba Branca. Para tanto, foram considerados os fundamentos teóricometodológicos expostos nos capítulos anteriores, para apreendermos os efeitos de sentido provocados pelo interdiscurso e para verificarmos como o enunciador constrói as cenas que servem como legitimantes de seu próprio discurso e a maneira pelo qual é revelado o ethos discursivo. Por conseguinte, selecionamos, para nossa análise, dois discursos extraídos da revista mensal Pomba Branca: O pecado não existe e O pensamento iluminador e as ciências naturais, respectivamente, de março de 2012 e de 2013, por ser o período do ano em que se comemora o dia da Mulher. Essa seleção se deu por meio da leitura de alguns exemplares que circularam no período de janeiro de 2008 a maio de 2013. Nesse sentido, escolhemos essa revista por ser um veículo doutrinário mensal, com uma tiragem de 200.000 exemplares, por ser escrita para mulheres e por ser bem aceita por tal público; e a coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi por conter textos produzidos nas décadas de 1940 e de 1950, extraídos de obras do fundador e inseridos no contexto atual, por meio dessa publicação. Diante desse quadro, a seleção dos artigos foi realizada com o intuito de apresentarmos um recorte significativo do discurso elaborado na SNI, visto que a coluna se marca como um gênero de discurso que atende a funções específicas da doutrina quer sejam as de ordem pedagógica, simbólica, reparadora ou mobilizadora, para dar conta de seus objetivos institucionais. 87 O recorte O pecado não existe trata do tema pecado e, nele, Taniguchi postula que, para se eliminar a ideia de pecado, é preciso adquirir a convicção de que temos boas qualidades e de que possuímos a natureza divina em nosso interior. Abaixo, segue a transcrição do texto: O PECADO NÃO EXISTE Muitas pessoas afirmam que a religião é necessária porque existe o pecado no homem. Entretanto, nós afirmamos que o homem não é pecador e que não há pecado. Muitos religiosos são contra essa nossa afirmação. Mas, se o mundo foi criado por Deus e se Deus é absoluto e perfeito, não existe o pecado. O pecado não existe porque nunca foi criado. Se existisse o pecado no mundo criado por Deus, a culpa seria do próprio Deus. E um ser tão imperfeito não seria Deus. No entanto, muitos religiosos insistem em que o homem é pecador e repetem sem cessar: “Pecadores..., pecadores...”. Se a humanidade pudesse melhorar com a afirmação de que é pecadora, não teríamos nenhuma objeção; mas o fato é que com isso jamais poderá melhorar. A ideia de que “há pecado” está causando inúmeras doenças. Isto se explica como uma forma de autopunição. O dr. Karl A. Menninger, em seu livro O Homem Contra Si Mesmo, destaca os efeitos da autopunição, atribuindo inclusive a causa das guerras ao desejo inconsciente de autopunição. É comum a toda humanidade a ideia de que “o pecador não poderá pagar seus pecados a não ser através de sofrimentos”. Por isso, enquanto não for eliminada da mente humana a ideia de pecado, os homens continuarão a punir a si próprios e a sofrer, fazendo guerras, realizando lutas de classe, provocando atrito no lar e contraindo doenças. O referido livro do dr. Karl A. Menninger traz uma história interessante. Um menino, certo dia brincava inocentemente atirando pedras, e uma delas acertou e danificou uma imagem de Cristo que havia no parque. “Céus! Que maldade eu fiz!” – pensou o menino, que foi tomado de profunda consciência de culpa. Ficou 88 fortemente gravada no seu subconsciente a convicção: “Eu cometi uma falta grave contra Cristo. Oh! Que Pecado! Sou um grande pecador!”. Passaram-se vários anos. Ele já era adulto, quando, uma tarde, tomou um bonde. O sol da tarde refletiu-se na cruz de uma igreja e brilhou ofuscante. A intensa luz vinda dessa cruz penetrou nos olhos do moço, que então se lembrou de que, quando criança, havia danificado com uma pedra a imagem de Cristo. Ele não se lembrou com nitidez. A recordação não veio claramente à tona do seu consciente, mas a ideia “eu sou pecador”, que estava oculta no subconsciente, foi despertada pela luz vinda da cruz. E, devido à consciência de que o pecador deve ser punido, ele ficou cego no primeiro instante em que o raio de luz ofuscou seus olhos. Deus, que é amor, jamais iria castigar um homem e torná-lo cego só porque uma pedra acertou casualmente a estátua de Cristo quando ele, na infância, simplesmente, brincava de jogar pedras. O fato de ele ter ficado cego não se deve a uma punição de Deus; deve-se à sua própria convicção de pecador e à sua ideia de punição segundo a qual o pecador deve pagar os seus pecados através de sofrimento e infelicidades. Se fosse eliminada da sua mente a convicção de pecador, os seus olhos seriam curados. Muitas pessoas sofrem de doenças e outras formas de infelicidade para punirem a si próprias. Como vimos, quando o homem mantém o pensamento de que ele é pecador, chega inevitavelmente a ferir a si próprio. Logo, torna-se necessário eliminar da mente da humanidade a ideia de pecado. Religiões e religiosos surgiram para eliminar o pecado, mas será impossível eliminá-lo se eles continuarem a insistir na ideia de pecado. Cristo nos ensina o seguinte no Evangelho Segundo João: “No princípio era o Verbo (Palavra) e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e nada do que foi feito se fez sem ele”. A palavra é criadora. Por isso, se ficarmos constantemente falando que o pecado existe, ele jamais poderá ser extinguido. Por exemplo, se todo mundo se dirigir a um ex-presidiário que já cumpriu sua pena e lhe disser: “Você é um criminoso, é um mau elemento, é um pecador...”, ele nunca poderá regenerar-se. 89 Terá dificuldades para conseguir emprego, e não lhe restará outra alternativa senão a voltar à prática do crime. Segundo o comentário de um juiz, aquele que foi preso e condenado várias vezes por reincidência não consegue regenerar-se e geralmente volta a cometer crimes porque manteve gravado em sua mente o pensamento de que é um criminoso; mas aquele que obtém uma suspensão de pena quando comete um crime pela primeira vez, dificilmente volta a delinquir. Uma vez recebida a marca de “criminoso”, a tendência é piorar cada vez mais. Há anos, li sobre o caso de um menino chamado Eddie, assaltante de oito anos de idade, recolhido na “Cidade das Crianças” dirigida pelo padre Flannagan. Como não podia permanecer preso por ser menor de idade, foi levado para essa “cidade de recuperação”. O padre Flannagan, mesmo diante de um criminoso, não via o crime e, vendo-o como filho de Deus, afirmava: “Você é um filho de Deus”. Pelo poder desse pensamento e dessas palavras, ele conseguia recuperar meninos delinquentes; mas as suas palavras não ecoavam no menino Eddie. Ele dizia: “Eddie, você é filho de Deus, você é perfeito e bondoso, é uma criatura maravilhosa”, mas o menino se rebelava: “Qual filho de Deus?! Eu sou criminoso. Não sou perfeito nem bondoso. Se pensa que vai me ‘enrolar’ em esses absurdos e disparates, está muito enganado!” O padre Flannagan já não sabia o que fazer e orou: “Senhor, que devo fazer para orientar este menino?” Nesse momento, recebeu a inspiração divina e então disse ao menino: - Eddie, você sabe se a obediência é uma qualidade ou um defeito? - É claro que a obediência é uma qualidade. Quem é que não sabe disso? Só que eu não possuo nem um pingo de qualidade porque sou um malfeitor. Esta foi a resposta do menino. O padre disse, então: - Não é verdade. Não existe ninguém tão obediente como você. Se você praticou uma maldade, foi simplesmente porque você teve “professores” maus. Você teve como “professores” os criminosos e malandros e agiu obedecendo fielmente ao que eles mandaram. Se consegue obedecer fielmente até aos malfeitores, é 90 porque você é muito obediente. Portanto, basta você trocar de professor, você só terá que ser bom, pois é muito obediente. Ao ouvir isso, o menino percebeu: “É verdade! Eu tenho essa qualidade! Sou obediente! Eu obedecia fielmente às ordens daquele chefe de malandros. Sou obediente, tenho espírito de obediência dentro de mim. Tenho uma coisa boa dentro de mim. Eu não sou mau, não sou pecador; eu sou bom!”. Assim ele despertou. Quando percebeu que não era pecador e que possuía boas qualidades dentro de si, começou a manifestar a natureza divina que habita o interior do ser humano, regenerou-se e tornou-se uma pessoa exemplar. Esta é uma prova de que o pecado se extingue quando o homem é libertado da ideia de que ele é pecador e adquire a convicção de que possui boas qualidades, a natureza divina, em seu interior. TANIGUCHI. M. O pecado não existe. In: Pomba Branca – A Revista da Mulher Feliz. Ano: XXVII, nº. 320, março 2012, pp. 4-7. No recorte, O pensamento iluminador e as ciências naturais, o autor afirma que o Espírito é Deus e que Ele está presente em tudo e em todos, sendo onipresente, amor e sabedoria. Transcrevemos o texto a seguir: 91 O PENSAMENTO ILUMINADOR E AS CIÊNCIAS NATURAIS Que é espírito? Deus é espírito. E o espírito é a origem de tudo, é a essência, é a força que cria todas as coisas. Ele é a força que coloca em ação as eletricidades negativa e positiva, é a força da gravitação universal, é força que mantém a atração entre o Sol e seus planetas, é o amor invisível de Deus que une os seres humanos. É a Vida invisível que faz desabrochar as flores de cores variadas. O Espírito é invisível justamente por ser onipresente. Tudo quanto vemos é a concretização do Espírito. Por trás de todas coisas existe a força superior que as criou cada qual com a forma própria e as mantém em seus respectivos estados. Diante desta afirmação, o leitor certamente compreenderá que o Espírito é a força superior que existe no âmago de tudo, transcendendo a força da matéria e do homem. E essa força superior é de natureza mental. Ela já existia antes mesmo do surgimento do Universo físico – portanto só pode ser força de natureza mental e não de natureza física. Podemos, pois, dizer que o Espírito é força cognitiva, é mente que raciocina, é Vida que detém o poder de criar. Por conseguinte, podemos também dizer que o princípio da Vida, que confere força vital a plantas e animais e promove o seu crescimento, é a corrente da sagrada Vida imanente no Universo. Essa corrente da Vida é o próprio Espírito, é a própria mente do Universo. O Universo está vivo. Nele sentimos a pulsação de Deus. Nele sentimos a respiração de Deus. O que sustenta este mundo é a mente dotada de sensibilidade. Alma do mundo é Deus. Todos os fenômenos da Natureza são manifestações da Vida. Na seiva que flui no tronco da videira, Nas células germinadores que existem nos grãos, 92 Nos botões de flores que brotam nas ramagens, Pulsa vigorosamente a Vida de Deus. O Espírito é um e é onipresente Vivemos no Universo vivo, onde a Vida pulsa incessantemente. Este Universo foi criado pelo Espírito único que rege a criação. A Vida latente nas rochas, a Vida que flui nas plantas, a Vida que pulsa no homem e nos outros seres vivos – toda forma de Vida provém de uma única fonte; portanto, tudo e todos são fundamentalmente uma só Vida. Se a base que sustenta todas as existências reais não fosse uma só, nós, seres vivos, teríamos de viver em mundo caótico onde agiriam separadamente e a esmo diversas forças contraditórias. E, se os seres vivos tivessem surgido de origens completamente diferentes, não seria possível nenhum entendimento entre eles e teriam de viver em eterna desarmonia. E não haveria, também, nenhuma interação entre os átomos e a matéria, não haveria princípios de fissão e fusão, e os átomos se manteriam “isolados” uns dos outros. Mas as pesquisas científicas da era moderna tornaram claro que os átomos agem segundo o princípio da fissão e da fusão, interagindo de modo harmonioso, e que a estrutura molecular das microscópicas partículas materiais é idêntica a do gigantesco sistema solar. Este fato comprova que a “essência que constitui a base do Universo” – o Espírito – é uma só. Espírito é amor O Espírito do Universo é Vida onipresente, e é também amor, pois as leis da Natureza por ele criadas são generosas e podemos aproveitá-las em nosso benefício. O fogo nos beneficia proporcionando-nos calor e possibilitando-nos preparar nossa comida. O Sol, generoso, dá-nos luz, calor e Vida. A eletricidade é nossa aliada e nos proporciona luz, calor e força motriz. Há casos em que o fogo destrói casas, o Sol mata as pessoas com seu calor abrasador, e a eletricidade fulmina as pessoas. Isso ocorre quando o ser humano contraria as leis da Natureza (ou seja, as leis que regem a ação do Espírito do Universo). Portanto, 93 podemos dizer que o Espírito, isto é, a força do Universo, é basicamente força do amor. Contanto que não transgrida as leis da Natureza, o Espírito beneficia todas as pessoas fazendo nascer o Sol sobre bons e maus e mandando a chuva sobre justos e injustos. Ele é o bom pastor; é o sábio conselheiro; é o nosso Pai eterno. O nosso pensamento iluminador não conflita com as ciências naturais, pois as ciências naturais descobrem as leis que regem as ações do Espírito do Universo e contribuem para que possamos desfrutar as dádivas generosas provenientes Dele. O Espírito é sabedoria O Espírito está dentro de nós, constituindo a sagrada força vital, e nos guia em todas as circunstâncias. Ele é nosso pastor, e quando buscamos sua orientação, nos conduz a verdes pastos e a águas tranquilas. Recebendo do Espírito a sabedoria, podemos descobrir novas e maravilhosas leis do mundo natural, bem como ter idéias para novos inventos e, assim, desfrutar da mais ampla vida. O Espírito é, portanto, Vida que nos vivifica, amor que nos consola, sabedoria que nos orienta. O imenso amor do Universo, manifestando-se em nós através da estrutura cósmica, pulsa em nosso coração. Assim, vivemos envoltos pelo sagrado amor de Deus, que nos acalenta em Seu colo e jamais nos abandona. Mentalização para captar a admirável sabedoria de Kannon (Kanzeon Bosatsu), a deusa da misericórdia. Quem quiser visualizar o poder de Kanzeon Bosatsu durante a meditação deve mentalizar como segue: Neste momento, contemplo este mundo em que vivo como sendo manifestação da admirável sabedoria de Kannon. As estrelas que cintilam no céu são os olhos de Kanzeon Bosatsu que zela por mim. O vento que sussurra entre as copas das árvores, o murmúrio das águas dos riachos, esses e outros sons da Natureza são palavras que Kanzeon Bosatsu 94 usa para se comunicar comigo. Todas as forças da Natureza manifestam-se para me vivificar. O mundo em que vivo não é um mundo desconhecido para mim. Eu compreendo este mundo, e ele me compreende. Por isso, nada tenho a temer. Nesse momento abasteço-me na fonte da força imanente no Universo. Estou em perfeita sintonia com todas as forças do Universo e sigo pelos caminhos tranquilos orientado pelo amor e pela sabedoria do próprio Universo. Na Sutra de Kannon está assim escrito; “Mesmo quando fores cercados por malfeitores prestes a te atacar brandindo as espadas, se mentalizares os poderes de Kanzeon Bosatsu, brotará misericórdia no coração deles; mesmo que alguém tente envenenar-te, se mentalizares os poderes de Kanzeon, o veneno se voltará contra essa pessoa; mesmo que sejas acuado por uma fera e te vires na iminência se ser atacado por terríveis garras, se mentalizares os poderes de Kanzeon, a fera se afastará e, rapidamente, tomará outro rumo”. Kanzeon Bosatsu é a sabedoria que purifica o Universo e é a grande misericórdia que protege todas as coisas do Universo. Como sigo ao lado de Kanzeon-Bosatsu, não deparo com nenhuma força que se oponha a mim. Com sua grande misericórdia, Kanzeon me ama, me orienta e me infunde nova força vital. A admirável sabedoria de Kanzeon está presente em todos os seres e em todas as coisas. Por isso, tudo e todos neste mundo estão em perfeita harmonia. TANIGUCHI. M. O pensamento iluminador e as ciências naturais. In: Pomba Branca – A Revista da Mulher Feliz. Ano: XXVIII, nº. 332, março, 2013, pp. 4-7. Ao examinarmos dezenas de revistas, constatamos a seguinte diagramação: - nas folhas pares, do lado esquerdo, há em cima, à esquerda, um ideograma dentro de um semicírculo, ao seu lado há a identificação do nome da seção em itálico (em cada exemplar, as cores variam) que possui um traço horizontal em toda sua extensão. Logo abaixo, quando se trata da seção artigo, há uma foto de rosto do autor, em uma moldura redonda ou quadrada. Do lado direito do retrato, está o título do artigo, em itálico, com fontes maiores e coloridas e, abaixo, no centro das folhas, 95 estão os textos formatados em colunas. No rodapé, à esquerda, estão o número dá pagina, o nome da revista, o mês e o ano. - nas folhas ímpares, do lado direito, em cima, há o nome da seção, sublinhado, à direita. Está no rodapé, à direita, uma frase que contém um ensinamento como, por exemplo, O que me amarra é a minha própria mente, e, ao seu lado, há o número da página. Em dezenas de revistas examinadas, ao analisarmos a seção, encontramos: na primeira página, a foto de rosto, de Masaharu Taniguchi, idoso, grisalho, calvo na fronte e, aparentemente, com um kimono preto. Ao lado do retrato, o título e, abaixo, o texto. Na próxima página, localizada no rodapé, à direita, está uma frase que contém um ensinamento como, por exemplo, O que me amarra é a minha própria mente. Sobre a diagramação da coluna escolhida, de acordo com Silva (1985), quando recebemos uma comunicação escrita, nossa visão se fixa no lado superior, à esquerda do papel, instintivamente, pois fomos condicionados a isso, devido à escrita ocidental começar sempre por esse lado. 96 Diferentemente da escrita japonesa, antes de se ler textos em japonês, é preciso conhecer o estilo de escrita e ter indicações de onde começa e termina o texto. Há o estilo de escrita vertical, que é a forma mais tradicional, em que os textos são escritos em colunas, lidos de cima para baixo e da direita para a esquerda, conforme vemos na figura abaixo: Figura extraída do site: <http://www.linguajaponesa.com.br/estilos-deescrita-japonesa.html>. Acessado em 05.02.2013. Devido à tecnologia e à influência do ocidente, esse estilo, aos poucos, está deixando de ser utilizado. Nesse sentido, em textos de língua portuguesa, principalmente, em jornal ou revista, Silva (op.cit., p. 47) afirma que é possível identificar o que ele chama de zonas de visualização, pois: assim como a visão, instintivamente, se desloca com rapidez em diagonal para o lado inferior oposto, a rota básica da vista se projeta do lado superior esquerdo para o lado inferior direito. Para isso o diagramador terá o cuidado de preencher as zonas mortas e o centro ótico da página com aspectos atrativos para que a leitura se torne ordenada, com racionalidade, sem o deslocamento brutal da visão. [...] É importante lembrar que o centro ótico ou o 97 centro real de qualquer peça impressa está situado um pouco acima do centro geométrico, quando do cruzamento das diagonais. A altura do centro ótico varia de acordo com a dimensão da página, dependendo da relação entre a largura e a altura. A figura abaixo ilustra essa organização: Zonas de visualização da página (SILVA,1985, p. 49). 1. Principal ou primária; 2. Secundária; 3. Morta; 4. Morta; 5. Centro ótico; 6. Centro geométrico. Na zona primária, segundo Silva (1985), tem que haver um elemento forte um texto, uma foto, um título grande - para que atraia a atenção e o interesse dos leitores. A diagramação deve preencher os espaços mortos com elementos de grande atração visual, a fim de proporcionar e conduzir a leitura de forma confortável e, ao mesmo tempo, rápida. 98 Essa diagramação não está presente nos volumes de onde foram extraídos os textos, no entanto, está em toda a revista e na seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi. 3.2 Procedimentos Metodológicos Para analisarmos os artigos escolhidos nesta pesquisa, em uma perspectiva discursiva, cumprimos o seguinte procedimento: - em um primeiro momento, para termos uma visão geral do discurso, fizemos algumas leituras nos textos, para, em seguida, levantarmos as condições de produção do discurso como: circunstâncias enunciativas (tempo/quando e espaço/onde) e o contexto sócio-histórico de produção; - em um segundo momento, observamos o gênero, as encenações, a relação autor/escritor e enunciador bem como as intencionalidades, os estranhamentos e os embates construídos no interior do discurso. Foram feitos o levantamento dos interdiscursos e uma listagem de possíveis efeitos de sentidos gerados no/do texto. Levantamos, ainda, nessa fase, as pistas propostas pelo sujeito-enunciador, observando as opções interpretativas, decorrentes do posicionamento do sujeito, e identificamos o tom do enunciador e dos outros sujeitos que se posicionam nos artigos. O léxico e as construções linguísticas foram analisados com o objetivo de caracterizar a instância do sujeito, as suas intencionalidades e a sua forma de buscar a adesão, por parte do co-enunciador; - em uma terceira leitura, relacionamos os efeitos de sentido construídos com uma visão social e não individual, considerando o conhecimento prévio e as previsões; - após essas etapas, avaliamos o resultado da análise e produzimos a redação final. 3.3 Análise Aplicaremos os seguintes princípios da AD, sob a perspectiva francófona: o interdiscurso, o ethos discursivo e a cenografia, por serem eficientes para nossa 99 proposta de compreender como os discursos selecionados se manifestam, orientam e geram sentidos. Ressaltamos, ainda, que não fizemos nenhuma análise sob o ponto de vista jornalístico, no entanto, para compreendermos os efeitos de sentidos, recorremos aos estudos sobre o gênero artigo de revista e sobre a diagramação. 3.3.1 Interdiscursividade Examinaremos, a seguir, a relação interdiscursiva que constrói os efeitos de sentido do discurso, ou seja, os atravessamentos e a ideologia na voz do enunciador, pois devemos olhar para o espaço discursivo (espaço de trocas) e, para atingir nosso objetivo, escolhemos e pusemos em relação às formações discursivas (posicionamentos) para podermos compreender os discursos selecionados. Nesse âmbito, para procedermos à análise do corpus, entramos no universo discursivo pelo campo do discurso pedagógico. O espaço discursivo será o discurso da coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, publicado na revista Pomba Branca, pois se trata de uma prática discursiva, na SNI, com as seguintes condições de produção: os discursos são recortados de obras do fundador e inseridos nessa coluna. São editados muitos exemplares da revista, que são direcionados, especialmente, às mulheres que, hoje, têm ocupado espaços que, tempos atrás, jamais poderiam ocupar e que, também, participam mais ativamente da sociedade. Além disso, os ensinamentos veiculados, em O pecado não existe e em O pensamento iluminador e as ciências naturais, por serem de autoria do fundador, de uma forma ou de outra, influenciam o co-enunciador que, por meio dos discursos recortados de obras, das décadas de 1940/1950, e inseridos nas revistas de 2012 e 2013, recebe as mensagens como se fossem atuais. Assim sendo, consideradas as condições de produção, analisamos os discursos utilizados pelo enunciador para obter a adesão dos co-enunciadores, por meio dos recortes abaixo que recorrem aos discursos religioso, científico e pedagógico, articulando-os como interdiscurso, para legitimar o posicionamento do enunciador. Nota-se, então: 100 Interdiscursividade com o campo religioso – unidades não tópicas ou discursos paratópicos. Ao usar discursos desse campo, o enunciador evidencia uma das características da SNI: o sincretismo religioso. Apesar desses discursos não terem sido produzidos, exclusivamente, para a revista Pomba Branca, acreditamos que eles se adaptem a esse suporte e a esse público, devido aos atravessamentos que acessam a memória discursiva religiosa. Como veremos, a seguir: • Marcas do Budismo: Quem quiser visualizar o poder de Kanzeon Bosatsu34 durante a meditação deve mentalizar como segue (O pensamento iluminador e as ciências naturais). Conforme Carlos Alberto Silva 35 , Kanzeon Bosatsu, conhecida, ainda, por Kannon, é uma das divindades do budismo que simboliza o que Nossa Senhora representa para os fieis do catolicismo: o espírito que orienta a Igreja Católica Apostólica Romana. • Marcas do discurso cristão: 34 Taniguchi, na Sutra em 30 capítulos, menciona que cada religião dá um nome diferente ao Salvador (Cristo, Buda etc.), porém todos eles são a grande manifestação do amor de Deus. E acrescenta: Todos eles são, portanto Kanzeon Bosatsu, e todas as religiões são uma só. Rendo o meu louvor a Kanzeon Bosatsu, que é a divindade padroeira da Seicho-No-Ie (TANIGUCHI, 2001, pp.19-22). 35 Preletor da sede internacional e presidente da Associação dos Jovens, SNI. In: <http://carlosalbertodasilvasni.blogspot.com.br/2010/04/kanzeon-bosatsu-deusa-da-misericordia.html>. Acessado em 10.7.2013. 101 Discurso cristão O Pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais Orou, Senhor, padre, cruz, igreja, Deus, Espírito, Vida, onipresente, religião, Deus, culpa, punição de alma, Criação, Pai eterno, sagrado e Deus, Cristo, pecados, religiosos, amor. divina, pecador, Evangelho, castigar, filho de Deus e espírito. • Marcas do discurso bíblico: Discurso bíblico36 O pecado não existe O pensamento iluminador ciências naturais e as Em Mateus 5:45: Dessa forma vocês estarão agindo como verdadeiros filhos do seu Pai que está no nos céus. Porque ele envia a luz do sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e derrama a chuva sobre os justos e sobre os Cristo nos ensina o seguinte no injustos. Evangelho de João: “No princípio era o Verbo (Palavra) e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Todas as [...] fazendo nascer o Sol sobre bons e coisas foram feitas por ele, e nada do maus e mandando chuva sobre justos e injustos. que foi feito se fez sem ele”. Em João 1:1: No princípio era aquele que é a Palavra, e ele estava com Deus e era Deus. Ele estava com Deus no princípio. Em Salmos 23, versículos 1,2: Senhor é o meu pastor. Ele me dá tudo de que preciso. Ele me leva aos pastos de grama verde e macia para descansar. Quando sinto sente, ele me leva para os riachos de águas mansas. 36 As referências bíblicas foram extraídas de: Nova Bíblia Viva - São Paulo: Mundo Cristão, 2010. 102 Ele é o bom Pastor que nos conduz a verdes pastos e a águas tranquilas. Em 1 João 4:8 : Mas se alguém não ama demonstra que conhece a Deus, porque Deus é amor. No que se refere ao discurso bíblico em O Pecado não existe, o enunciador menciona a fonte de onde extraiu o texto, acessando pela memória discursiva de que se trata de um discurso cristão. No que diz respeito a esse discurso em O pensamento iluminador e as ciências naturais, o enunciador se apropria dos discursos de Mateus, de João e dos Salmos 23, adapta-os a sua formação discursiva, todavia, o co-enunciador consegue recuperá-los no interdiscurso, pela memória discursiva. Notamos que o enunciador busca nesses discursos do campo religioso o que quer ensinar: devemos obedecer a Deus, porque ele é bom e, também, para mostrar sua formação discursiva (posicionamento) de educador e a da instituição a que ele se filia, para poder conseguir a adesão do co-enunciador. Além disso, por meio desses discursos, o co-enunciador tem sua crença acionada e, esta, serve como uma espécie de ponte, que irá levá-lo a confiar e, por conseguinte, a acreditar no que está sendo ensinado pelo enunciador: Campo religioso crença cristã (co-enunciador) acreditar nos ensinamentos 103 Interdiscursividade com o campo científico (unidades não tópicas ou discursos paratópicos). O enunciador utiliza, ainda, discursos desse campo para validar seu dizer e para construir uma imagem favorável de si, como detentor de muitos conhecimentos, conforme vemos a seguir: Discurso da ciência O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais Marcas da medicina Marcas da biologia O dr. Karl A. Menninger, em seu livro O [...] Confere força vital às plantas e Homem Contra Si Mesmo, destaca os animais [...]. efeitos da autopunição, atribuindo inclusive a causa das guerras ao desejo inconsciente de autopunição. Células germinadores que existem nos Marcas do jurídico grãos Segundo o comentário de um juiz, Se os seres vivos tivessem surgido de aquele que foi preso e condenado várias origens, completamente, diferentes [...]. vezes por reincidência [...]. Marcas da Física As pesquisas científicas da era moderna tornaram claro os princípios de fissão e de fusão [...]. Não haveria princípios de fissão e de fusão e os átomos se manteriam isolados. Estrutura materiais molecular de partículas 104 Interdiscursividade com o campo pedagógico Ao utilizar o discurso pedagógico, o enunciador acessa na memória discursiva a obediência e o respeito a quem ensina. Ao integrar esse interdiscurso, ele valida o papel de mestre, de professor, bem como a sua autoridade, como veremos a seguir: • Marcas do pedagógico Discurso pedagógico O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais no Quem quiser visualizar o poder de Kanzeon Bosatsu durante a meditação deve mentalizar como se segue Se você praticou uma maldade, foi simplesmente porque você teve “professores” maus. Você teve como “professores” os criminosos e malandros e agiu obedecendo fielmente ao que eles mandaram. Cristo nos ensina o seguinte Evangelho Segundo João Nessas distintas manifestações da discursividade, verificamos a importância da presença da interdiscursividade com os campos religioso, científico e pedagógico para a constituição da identidade do enunciador e para a adesão do co-enunciador. Ao usar o discurso do Outro, o enunciador o faz de um modo, que pode ser visto na materialidade discursiva, caracterizando a heterogeneidade mostrada, conforme vimos. Desse modo, o discurso da SNI, para ter existência, precisa dialogar com outros discursos, não estando, portanto, isolado. Confirmamos, assim, a hipótese do primado do interdiscurso, pois, esses discursos, podem ser vistos como um conjunto de discursos que mantém uma relação discursiva entre si e que estão relacionados 105 à memória do coletivo, por ser o espaço no qual os sujeitos estão inscritos e o discurso funciona. Assim, como vimos, um discurso se relaciona com um discurso Outro e, quando o identificamos (heterogeneidade mostrada) no espaço discursivo, ele delimita o seu discurso e o discurso do Outro. Porém, verificar apenas essa relação, seria ingênuo, já que os discursos se constituem na interdiscursividade, que não é tão evidente, por se imbricar no discurso (heterogeneidade constitutiva), e, conforme Maingueneau, (2011, p.31) amarra, em uma relação inextricável, O Mesmo do discurso e seu Outro. Em relação ao discurso de O pecado não existe, fizemos os seguintes recortes para mostrarmos a imbricação com o campo feminino: A palavra é criadora. Por isso, se ficarmos constantemente falando que o pecado existe, ele jamais poderá ser extinguido. Por exemplo, se todo mundo se dirigir a um ex-presidiário que já cumpriu sua pena e lhe disser: “você é um criminoso, é um mau elemento, é um pecador...”, ele nunca poderá regenerar-se. Terá dificuldades para conseguir emprego, e não lhe restará outra alternativa senão a voltar à prática do crime. Há anos, li sobre o caso de um menino chamado Eddie, assaltante de oito anos de idade, recolhido na “Cidade das Crianças” dirigida pelo padre Flannagan. Como não podia permanecer preso por ser menor de idade, foi levado para essa “cidade de recuperação”. Esses discursos são utilizados, pelo enunciador, para elucidar as explanações acerca do poder do pensamento negativo sobre o destino das pessoas. Porém, apesar de a revista ser dirigida para mulheres, percebemos que o discurso presente na coluna Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi não é feminino. 106 Essa forma de explicar, no entanto, pode acessar a memória discursiva feminina do co-enunciador que, no papel feminino, sabe que muitas mulheres (mães) procuram as religiões para resolver problemas com os filhos, com os maridos e, ao se deparar com essas situações, estabelece-se um diálogo entre os coenunciadores, facilitando, dessa forma, o ensino e a aprendizagem, por meio de exemplificações. Essa maneira de ‘ensinar’ acessa essa memória do co-enunciador que pode relacionar o ex-presidiário ou o menino assaltante de 8 anos a um marido ou a um filho, por exemplo, pois tanto a criminalidade quanto a deliquência juvenil estão presentes na sociedade e nos lares. Além de promover essas associações, por meio do uso dos pronomes pessoais Eu e Nós, o enunciador se aproxima do co-enunciador. Ao usar o plural, ele dá a entender que ambos sabem a influência das palavras na vida das pessoas: A palavra é criadora. Por isso, se ficarmos constantemente falando que o pecado existe, ele jamais poderá ser extinguido. Ao usá-lo no singular, o enunciador compartilha sua experiência sobre o assunto e faz com que o co-enunciador associe-a a um outro fato ou a uma outra pessoa: Há anos, li sobre o caso de um menino chamado Eddie, assaltante de oito anos de idade, recolhido na “Cidade das Crianças”. Portanto, essa identificação faz com que o co-enunciador se aproxime mais do discurso e tenha a impressão de estar vendo sua vida diante de seus olhos. A aproximação, por meio da religião, é, também, identificada no discurso de O pecado não existe, quando o enunciador narra a história de um homem que ficou 107 cego ao se lembrar de que quando era criança tinha acertado, com uma pedra, a estátua de Cristo, conforme vemos no recorte abaixo: Deus, que é amor, jamais iria castigar um homem e torná-lo cego só porque uma pedra acertou casualmente a estátua de Cristo quando ele, na infância, simplesmente, brincava de jogar pedras. O fato de ele ter ficado cego não se deve a uma punição de Deus; deve-se à sua própria convicção de pecador e à sua ideia de punição segundo a qual o pecador deve pagar os seus pecados através de sofrimento e infelicidades. Essa história remete o co-enunciador à expressão religiosa ‘jogar pedra cruz’ que, popularmente, é usada quando a situação não está boa ou como sendo a causa/o motivo pelo qual surgem problemas na vida de uma pessoa e ao discurso bíblico, presente em João, capítulo 8, versículo 8, que narra a história de uma mulher que adulterou e foi levada, pelos fariseus e pelos mestres da lei, para ser apedrejada. Jesus Cristo, ao ser consultado pela multidão sobre a lei de Moisés, diz “quem de vocês estiver sem pecado, que seja o primeiro a atirar uma pedra nela”. Diante dessa circunstância, o enunciador acessa, na memória do coenunciador, o sentido do ato de jogar pedra (ser pecador), e, por conseguinte, a consequência desse ato (ser punido, castigado). Assim, há a interação entre o enunciador (aquele que ensina) e co-enunciador (aquele que aprende) e surge a oportunidade de serem apresentados os ensinamentos da SNI. Vemos essa ideia de castigo, de punição, nos seguintes recortes de O pensamento iluminador e as ciências naturais: Há casos em que o fogo destrói casas, o Sol mata as pessoas com seu calor abrasador [...]. Isso ocorre quando o ser humano contraria as Leis da Natureza. 108 Portanto, podemos dizer que o espírito, isto é, a força do Universo [...] é a força do amor. Contanto que não se transgrida as leis da Natureza, o espírito beneficia todas as pessoas, fazendo nascer o sol sobre os bons e maus e mandando a chuva sobre justos e injustos. Ele é o bom pastor, é o sábio conselheiro, é o nosso Pai eterno. Como sigo ao lado de Kanzeon- Bosatsu, não deparo com nenhuma força que se oponha a mim. Nesses recortes, vemos, novamente, o enunciador acessar a memória do coenunciador para reforçar as ideias de que transgredir, contrariar, não traz benefícios e que obedecer é estar protegido e é ser merecedor dos benefícios divinos. O coenunciador é induzido a perceber que o sofrimento não é castigo de Deus, mas a consequência de suas ações ou o resultado de atitudes de outras pessoas, pois Deus não castiga. Notamos, assim, que o enunciador pretende ensinar um modo correto de agir e que a obediência é o melhor caminho para ser merecedor de algo. Nesse papel de mestre, de professor, ele utiliza como estratégia para a aprendizagem, diversas experiências que a sociedade, na qual vivemos, oferece e que fazem sentido para o co-enunciador, para que, dessa forma, a aprendizagem ocorra. O enunciador consegue atingir seu objetivo: ensinar/doutrinar, quando o coenunciador faz associações com o que está sendo enunciado, ou seja, quando faz sentido o que está sendo enunciado. Sabemos que, da mesma forma, os professores apresentam, em sala de aula, exemplos, do cotidiano ou de outras áreas do conhecimento, para poderem atrair o aluno e, assim, conseguirem ensinar o que está sendo proposto. Diante desse cenário, o enunciador se utiliza desse recurso para propagar seus ensinamentos, pois ele traz, para seu discurso pedagógico, os discursos científico, religioso, entre outros, além de acontecimentos do dia a dia, como: o menino que brinca de jogar pedras, o caso do ex-presidiário que não consegue se regenerar, o juiz que condena, os fenômenos da natureza, as leis da física etc. Tais 109 ilustrações podem ser usadas, em qualquer momento sócio-histórico, a fim de colaborar com o processo ensino-aprendizagem. Notamos, ainda, que o Mesmo se constitui no Outro para ensinar o correto modo de viver da SNI - obedecer aos ensinamentos do mestre - construindo, dessa forma o simulacro. Os discursos selecionados vão ao encontro da ideologia dominante cristã: obedecer é melhor, quem desobedece é punido, é castigado. Nesse sentido, devido ao ensinamento de submissão do sujeito e aos atravessamentos, o discurso da SNI propicia que haja a manipulação por meio de uma autoridade que é construída pelo enunciador. Esse discurso pode ser visto, portanto, como uma forma de controlar os instintos do homem e de anulá-los, em outras palavras, o sujeito permite ser comandado, pois, é ensinado que ao fazer suas vontades, elas prejudicarão a si próprio e/ou ao outro. O co-enunciador, então, não reflete sobre a palavra, mas reflete em si as palavras do enunciador, como um espelho ou uma repetição. 3.3.2 A cenografia e o ethos discursivo Os textos da coluna são considerados, por nós, como o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada (MAINGUENEAU, 2011, p.85) e o discurso, como sendo composto por três cenas: a englobante, a genérica e a cenografia. Com base nisso, veremos o modo como os discursos instauram a cenografia que, por sua vez, possibilita o desvelamento do ethos discursivo e observaremos a forma como as ações se desenvolvem nela, tendo em vista que o enunciador tem o objetivo pedagógico de ensinar um novo modo de vida ao co-enunciador. Nesse âmbito, o discurso analisado se coloca em cena, constrói seu espaço de enunciação e é recebido pelo co-enunciador como sendo do tipo filosófico (cena englobante). Essa cena desempenha, metaforicamente, conforme Cano (2012, p.63) a função de um portal de entrada para o interdiscurso que a cena propicia, pois devido à dificuldade de apreender o interdiscurso, em sua dispersão, essa cena nos ajuda apreendê-lo e colabora, também, na identificação dos papéis dos coenunciadores e dos gêneros. 110 Dessa forma, o gênero de discurso artigo de revista instaura, por sua vez, uma cena genérica que impõe papéis, socialmente, legitimados, pois eles evidenciam posicionamentos e imagens que são determinados pelo campo no qual se desenvolve o discurso. Nesta análise, por exemplo, o gênero artigo, no interior de campo filosófico, traz papéis para quem o produz (defender uma opinião) e para quem o lê (concordar ou discordar do ponto de vista). Diante desse quadro, à primeira vista, nosso objeto de análise pertence ao gênero artigo e foi produzido para a revista, mas, como vimos, foram os editores da revista que selecionaram os textos de obras de Masaharu Taniguchi e os publicaram como se fossem artigos, como vimos em: Textos O pecado não existe Extraídos de: Lições para o cotidiano: obra que contém transcrições de palestras radiofônicas. O pensamento iluminador Comande sua vida com o poder da mente: obra organizada para que o leitor pratique mentalizações por e as ciências naturais trinta dias para conseguir concluir o treinamento básico de Meditação Shinsokan. Devido a essa coluna ter o formato, ‘a moldura’ de artigo de revista, os editores têm liberdade para selecionarem discursos que se adaptem a essa estrutura e manipularem de forma criativa com essa cena, conseguindo, assim, avançar para uma cenografia de aula, sem deixar de lado o objetivo do artigo que é o de expressar uma opinião. O co-enunciador, dessa forma, está diante de opiniões, no papel de aceitá-las ou não, e está diante de uma aula, de uma palestra, no papel de aluno, aprendiz, para aceitar o que está sendo ministrado. Os coenunciadores, portanto, são inseridos não apenas dentro de um cenário, mas, no lugar de onde o discurso surge, a cenografia. 111 Portanto, a cenografia de aula e a cena validada: ‘quem desobedece é castigado’, remetem-nos a um lugar (topografia) e a um tempo discursivo (cronografia). Esses elementos espaço-temporais fazem parte do quadro cênico e compõem a cenografia que não se trata de um cenário de onde ocorre a enunciação, mas da própria enunciação que se constitui e se desenvolve em si mesma. Portanto, os textos, da coluna analisada, não servem de um simples ‘pano de fundo’ para o que está sendo enunciado, mas colaboram para a construção dos sentidos. Consequentemente, da cenografia, em análise, depreendemos que o efeito de sentido construído é de uma aula, de palestra, na qual o co-enunciador assume o papel de aprendiz e o enunciador, o papel de mestre, de professor. Isso se dá, pois o enunciador oferece elementos para que o co-enunciador construa e assuma esse papel na cenografia e para que ocorra, assim, a adesão, pois este assume as características de discente, como já vimos em O pensamento iluminador e as Ciências Naturais, no qual o co-enunciador se depara com a indagação O que é Espírito? que aguça a curiosidade do co-enunciador, para que, assim, preste ‘atenção à aula’. Nesse sentido, com o intuito de ‘prender’ a atenção do co-enunciador (aluna), são apresentadas, como vimos, anteriormente, várias definições para espírito para que, uma delas, esteja de acordo com as expectativas do co-enunciador para, dessa forma, criar-se um vínculo, uma conexão. Nesse artigo, ainda, o co-enunciador é orientado a praticar uma mentalização para captar a sabedoria da deusa da misericórdia (Kannon), como se fosse “uma lição de casa” para assimilar o conteúdo transmitido: Quem quiser visualizar o poder de Kanzeon Bosatsu durante a meditação deve mentalizar como se segue [...]. Em O Pecado não existe, o enunciador, estrategicamente, para enfatizar a cenografia e para chamar a atenção do co-enunciador, de modo que ele assuma o 112 papel de aprendiz, apresenta o tema de “sua aula” com uma afirmação polêmica: O pecado não existe. A curiosidade do “aprendiz” é acionada, já que ele traz a idéia de que o pecado existe e relaciona pecado a castigo, à punição, pois aprendeu que são consequências da desobediência ou de uma atitude que contrarie os ensinamentos religiosos, a Deus. O enunciador, para conseguir a aproximação do co-enunciador, confirma essa relação, relatando os seguintes casos: • O menino que brincava de jogar pedras e, acidentalmente, danificou uma imagem de Cristo e quando adulto, ao ver a luz do sol da tarde refletida cruz da torre de uma igreja, lembrou-se daquele incidente e a ideia de que era pecador, por ter quebrado aquela imagem na infância, e que estava oculta em seu subconsciente, veio à tona, deixando-o cego. (...) Se fosse eliminada de sua mente a convicção de pecador, os seus olhos seriam curados. • O menino Eddie, de oito anos que era delinquente e, por isso, era sempre “castigado”. Por se julgar desobediente, seria natural ser punido, todavia, ao se conscientizar de que não era pecador, regenerou-se e as punições não foram mais necessárias. Verificamos, assim, que a crença de que ‘sou castigado por ser pecador/desobediente’ é acionada para que o co-enunciador participe da cenografia, preste atenção ao que está sendo explicado. Isso ocorre, também, em O pensamento iluminador e as ciências naturais quando o enunciador afirma que: [...] o Sol mata com seu calor abrasador e a eletricidade fulmina as pessoas, quando o ser humano contraria as leis da natureza. 113 Ele explica, ainda, que se as leis não forem transgredidas, o Espírito beneficia todas as pessoas, ou seja, o enunciador ensina que ser obediente vale à pena, reforçando a ideia propagada em todos os setores da sociedade, inclusive nas religiões. Dessa forma, o enunciador, por meio da cenografia, ensina o “caminho para a liberdade”, ou melhor, que não há pecado e, por isso, não é preciso a punição, o sofrimento. Todavia, para conseguir se libertar dos infortúnios é preciso “estar preso”, é preciso obedecer aos ensinamentos. A cenografia, portanto, apoia-se na seguinte cena validada, que facilita a interação entre os coenunciadores: quem desobedece deve ser punido, castigado. Portanto, a diluição da ideia de pecado impregnada na humanidade, é um dos objetivos da SNI, pois, segundo os ensinamentos, as religiões ensinam, exatamente, o oposto, ou seja, que todos são pecadores. Todavia, o estereótipo religioso de obediência é mantido, conforme vemos em: O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais Se consegue obedecer fielmente Contanto que não se transgrida as até aos malfeitores, é porque você leis da Natureza, o Espírito beneficia é muito obediente. Portanto, basta todas as pessoas. você trocar de professor. Se tiver um bom professor, você só terá que ser bom, pois é obediente. O sincretismo religioso, marca da SNI, enquadra-se em uma estratégia do enunciador, pois são utilizados ensinamentos de várias religiões, porém, com uma “roupagem” diferente, para, assim, ocorrer uma aproximação do co-enunciador: 114 Religiões - afirmações SNI –faz a mesma afirmação, porém, de outra forma. Se você desobedecer será Se castigado. você obedecer será beneficiado. Vemos essa ideia, por exemplo, em Gênesis 3:3 Deus disse que não podemos comer da fruta daquela árvore, nem sequer tocála, senão morreremos. Você é pecador. Você não é pecador. Vemos essa ideia em Lucas 11:4: perdoe nossos pecados, porque nós também perdoamos aqueles que pecaram contra nós. Deus está no céu. Deus está dentro de nós. Em Lucas 11: 1: Pai-Nosso que estais no céu O sincretismo se dá, também, quando o enunciador utiliza os seguintes enunciados, na parte inferior, das páginas, no lado direito: O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais 1 - O que me amarra é minha própria 2 - Renasça diariamente. mente. 3 - Viva o amor de Deus agora. No enunciado 1, o co-enunciador assume o papel de ser responsável, de ser o agente da situações ruins em que vive, ou seja, ele se vê como alguém que faz as 115 escolhas erradas, além disso, há uma certa semelhança com a afirmação de Jó 3:25 o que eu tanto temia acabou me acontecendo. Nos enunciados 2 e 3, o co-enunciador se depara com ordens, pois o verbo está no modo imperativo, e, ao ser acionada e reforçada, em sua memória, a importância de se obedecer para conseguir o melhor, o enunciador, toma a palavra e com a sua autoridade (de quem sabe o que diz), dá ordens. O enunciado 2 pode ser relacionado ao que João 3:5 diz para Nicodemos: se alguém não poder nascer de novo, nunca poderá ver o Reino de Deus. Além disso, o enunciador se inclui no discurso ao usar o pronome pessoal nós, sugerindo que não seja, somente, ele que pense desse modo, mas todos que fazem parte da SNI ou não, revelando, desse modo, a ideologia da instituição. Esse uso proporciona uma maior aproximação com o co-enunciador, dando a entender que ambos (enunciador e co-enunciador) estão aprendendo juntos acerca da inexistência do pecado e que possuem o mesmo ponto de vista. Esse sentimento de pertencimento a um grupo colabora para que o co-enunciador aceite o que está sendo postulado, como vimos em: O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais Como vimos, quando homem Vivemos em um Universo vivo. mantém o pensamento de que ele é pecador, chega [...] a ferir a si próprio. [...] as leis da Natureza, por ele criadas são generosas e podemos aproveitá-las em nosso beneficio. Por isso, se ficarmos constantemente falando que o pecado existe, ele jamais poderá ser O espírito está dentro de nós. extinguido. Ao co-enunciador, são apresentados, ainda, palavras generalizantes, que podem se referir tanto a homens quanto a mulheres, como em: 116 O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais muitas pessoas leitor o homem tudo quanto vemos ser humano quem quiser visualizar mente humana a humanidade o leitor E são feitas referências a situações comuns em qualquer época, ou seja, atemporais como em: O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais deparar com malfeitores desabrochar das flores delinquência infantil resultados de pesquisas cientificas da era moderna rejeição da sociedade a um expresidiário fogo que destrói casas aluno desobediente O enunciador, no papel de quem ensina, lança mão desses recursos para se aproximar do co-enunciador, no papel de aprendiz e para seu discurso se adaptar a qualquer contexto histórico-social e alcançar, assim, um grande número de pessoas, como, geralmente, os professores fazem: pesquisam o conteúdo, planejam e elaboram a aula para transmiti-la a vários alunos e utilizam, muitas vezes, situações do cotidiano como exemplos, a fim de tornar claro o conteúdo. 117 Notamos que o enunciador faz isso, de maneira semelhante, para que seja visto no papel de professor conhecedor e bem atualizado sobre os acontecimentos da sociedade. Portanto, essa é a maneira pela qual o enunciador se apresenta ao coenunciador e organiza seu discurso, construindo cenas onde os atores desempenham papéis sociais, que possibilitam a transmissão da ideologia da instituição representada pelo enunciador. Diante desse cenário, nessa análise, depreendemos que o espaço para aprender os ensinamentos se dá no íntimo da pessoa (mudar a mente, o modo de pensar), ou seja, a topografia é o interior do co-enunciador. Na cronografia, observamos que o tempo de aprender é o da obediência ao que está sendo ensinado, porque será essa submissão que trará resultados positivos. A cenografia reforça, portanto, o efeito de sentido de que pelo próprio esforço, pela própria dedicação consegue-se pôr em prática o que se ensina. A cenografia, dessa forma, revela-nos o ethos discursivo com traços estereotipados de um homem que pode falar como articulista e como um professor, ou seja, profissionais que têm autoridade e seriedade e que, ainda, fazem parte de campos, socialmente, legitimados, como o jornalístico e o pedagógico, respectivamente. Comprovamos isso pelo próprio nome da coluna: Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi. Além disso, esses campos estão atravessados pelos discursos religioso, científico, pedagógico, jurídico, entre outros, que fazem parte do posicionamento do enunciador ‘ensinamos a viver corretamente’, ao qual haverá ou não a adesão do co-enunciador. Baseando-nos no primado do interdiscurso, para identificarmos o ethos discursivo, veremos suas características enunciativas que colaboram para traçarmos um perfil do sujeito enunciador e de seu fiador. Segundo Maingueneau (2008 a, 2008 b, 2011), ethos se refere às características do sujeito enunciador que são reveladas pelo seu modo de enunciar e não as que ele próprio atribui a si. Sobre as características enunciativas, vimos que o discurso pedagógico constitui o discurso da seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, devido à sua 118 ideologia: transmitir conhecimentos para a formação de sujeitos, influenciando-os. Essa transmissão se dá por meio de um especialista em um assunto que, com base em sua diretriz orientadora, escolhe maneiras e métodos específicos para atingir seu objetivo: ensinar. Nesse âmbito, o ethos discursivo, da coluna analisada, aproxima-se do ethos pedagógico, do ethos de professor, pois o enunciador se manifesta como aquele que tem o conhecimento, a sabedoria sobre o que ensina. Percebemos essa semelhança no artigo O pensamento iluminador e ciências naturais, quando o enunciador começa seu discurso com uma indagação: O que é Espírito? Esse modo de iniciar uma explanação trata-se de uma estratégia muito utilizada em sala de aula, pelos docentes, que formulam uma pergunta para os alunos e ouvem suas respostas para, a partir daí, discorrerem sobre o assunto que será estudado no dia. Após esse questionamento, são apresentadas várias respostas, por meio de uma longa explicação, repleta de informações complementares, para enriquecer “sua aula” e, assim, atingir seu objetivo: O que é espírito? Deus é Espírito. E o espírito é É a Vida, a origem de tudo, é a essência, é a força, Ele é É a força superior, invisível. É a força cognitiva, É onipresente, É amor, É sabedoria. 119 Isso, também, ocorre em O pecado não existe, quando o enunciador, no papel de professor, de mestre, começa sua ‘aula’ com um tema polêmico: o pecado não existe, a partir de uma afirmação genérica: Muitas pessoas afirmam que a religião é necessária porque existe o pecado no homem. Feito isso, o enunciador começa as explicações: Explicações: Nós afirmamos que o homem não é pecador e que não há pecado. Se o mundo foi criado por Deus e se Deus é absoluto e perfeito, não existe pecado. O pecado não existe porque nunca foi criado. A ideia de que há pecado está causando inúmeras doenças. Deus é amor, não criou o castigo. O pecado se extingue quando o homem é libertado da ideia de que ele é pecador. Notamos, portanto, que o conhecimento é transmitido sem dar margem à contestação, pois são utilizados, pelo enunciador, discursos incontestáveis (paratópicos) como o bíblico e o científico, conforme vimos em: 120 Discurso bíblico Discurso científico Artigo: O pecado não existe Artigo: O pensamento iluminador e as ciências naturais Cristo nos ensina o seguinte no Evangelho Segundo João: “No princípio era o Verbo (Palavra) e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e nada do que foi feito se fez sem ele”. A palavra é criadora. Por isso, se ficarmos constantemente falando que o pecado existe, ele jamais poderá ser extinguido. E, se os seres vivos tivessem surgido de origens completamente diferentes, não seria possível nenhum entendimento entre eles e teriam de viver em eterna desarmonia. E não haveria também nenhuma interação entre os átomos e a matéria, não haveria princípios de fissão e fusão, e os átomos se manteriam “isolados” uns dos outros. Mas as pesquisas científicas da era moderna tornaram claro que os átomos agem segundo o princípio da fissão e da fusão, interagindo de modo harmonioso, e que a estrutura molecular das microscópicas partículas materiais é idêntica a do gigantesco sistema solar. Apesar de serem discursos antagônicos - no bíblico, predomina o uso da emoção, da subjetividade e no científico, a razão, a objetividade - ambos são utilizados para ensinar ‘o correto modo’ de agir sem criar sofrimentos. Percebemos o uso de discursos paratópicos em sala de aula, em palestras, em conferências etc., por ser um recurso que confere credibilidade ao discurso e ao sujeito enunciador, de tal modo que o co-enunciador sente-se convencido de que o que está sendo proferido é confiável, é a verdade. Para que haja esse convencimento é necessário um tom, que confere credibilidade ao enunciador. Assim, um professor, ao mencionar, por exemplo, sua formação acadêmica e os cursos que participou ou ministrou ou, ainda, ao demonstrar seu domínio sobre determinado assunto, com o intuito de reforçar que é conhecedor, é “expert” em sua ou outras áreas, quer influenciar seus alunos, envolvê-los. De forma semelhante, o enunciador, na construção da imagem de si, utilizase de recursos para conseguir a adesão, conforme demonstramos, a seguir: 121 • em todos os exemplares, na seção, em análise, há uma foto de Masaharu Taniguchi, do lado esquerdo da página. Nela, temos a imagem de um senhor japonês com, aproximadamente, 65 anos, usando óculos e que, aparentemente, está vestido de kimono. Dessa imagem, depreendemos um sujeito que tem conhecimentos, experiência de vida e seriedade. 122 • além disso, para reforçar tal idéia, em todas as páginas há o nome da seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, que possui o nome do fundador da SNI. Essa repetição, por quatro vezes, na coluna, enfatiza o papel de mestre e a autoridade do enunciador e, por ser a primeira coluna nas revistas, sua importância é mais evidenciada. A enunciação da SNI pode ser descrita, então, como sendo uma enunciação de conhecimento, de sabedoria, de autoridade, de credibilidade e, esse tom de confiança, está ligado ao caráter do professor, do mestre ou do palestrante, assim como está no discurso da SNI, como vimos em O pecado não existe: Como vimos, quando o homem mantém o pensamento de que ele é pecador, chega inevitavelmente a ferir a si próprio. Logo, torna-se necessário eliminar da mente da humanidade a ideia de pecado. Por isso, se ficarmos constantemente falando que o pecado existe, ele jamais poderá ser extinguido. Por exemplo, se todo mundo se dirigir a um ex-presidiário que já cumpriu sua pena e lhe disser: “Você é um criminoso, é um mau elemento, é um pecador...”, ele nunca poderá regenerar-se. Terá dificuldades para conseguir emprego, e não lhe restará outra alternativa senão a voltar à prática do crime. E como em O pensamento iluminador e as ciências naturais: Tudo quanto vemos é a concretização do Espírito. Por trás de todas coisas existe a força superior que as criou cada qual com a forma própria e as mantém em seus respectivos estados. Diante desta afirmação, o leitor certamente compreenderá que o Espírito é a força superior que existe no âmago de tudo. 123 Podemos também dizer que o princípio da Vida, que confere força vital a plantas e animais e promove o seu crescimento, é a corrente da sagrada Vida imanente no Universo. É esse ethos discursivo de professor, de mestre que garante a credibilidade do discurso, pois o sujeito enunciador, nesse papel, tem um modo de dizer que faz com que ele se mostre assim no ato da enunciação. Essa ‘aparição’, ao ser captada pelo co-enunciador, mobiliza a sua afetividade e, por meio desse processo interativo, ocorre a adesão. Dessa forma, o enunciador busca a adesão ao seu discurso, ao transmitir informações novas e ao oferecer meios para que o co-enunciador seja o agente de mudança de sua própria vida e de outras pessoas, como percebemos nos artigos: O pecado não existe O pensamento iluminador e as ciências naturais Se fosse eliminada de sua mente a Diante dessa afirmação, o leitor certamente convicção de pecador, os seus olhos compreenderá que o Espírito é a força superior (...) transcendendo a força da seriam curados. matéria. Quando o homem mantém o pensamento de que ele é pecador, Quem quiser visualizar o poder de Kannon chega, inevitavelmente, a ferir a si (...) deve mentalizar como se segue. próprio. Para que a imagem de um sujeito possuidor de conhecimento para ensinar seja construída e haja a adesão, ocorre um processo de incorporação em que o coenunciador, com base nesses indícios linguísticos, fornecidos pelo enunciador, incorpora essa imagem de professor, de mestre. Esse processo de incorporação, somente, ocorre devido aos estereótipos partilhados, ou seja, o mestre detém o conhecimento, tem credibilidade e 124 compartilha o que sabe para quem quer aprender, para quem quer conhecer determinado assunto para poder estar no comando de sua vida, dessa forma, o ethos é corporificado por um tom de seriedade, de confiabilidade, de autoridade, pela voz da enunciação. Nesse sentido, a imagem do sujeito enunciador, apreendida pelo coenunciador por meio desse tom, desempenha o papel de fiador, que se responsabiliza pelo discurso e que garante a autoralidade (autoria) da “aula”. Esse fiador não se trata de um ser empírico, mas discursivo, ou seja, ele é o enunciador que se revela no discurso ao assumir a palavra. Dessa forma, não existe ethos prédiscursivo, pois tudo se dá no discurso. Como podemos ver em O pensamento iluminador e as ciências naturais: Mas as pesquisas científicas da era moderna tornaram claro que os átomos agem segundo o princípio da fissão e da fusão, interagindo de modo harmonioso, e que a estrutura moléculas das microscópicas partículas materiais é idêntica a do gigantesco sistema solar. Este fato comprova que a “essência que constitui a base do Universo” – o Espírito – é uma só. O nosso pensamento iluminador não conflita com as ciências naturais, pois as ciências naturais descobrem as leis que regem as ações do Espírito do Universo e contribuem para que possamos desfrutar as dádivas generosas provenientes Dele. E em O pecado não existe: Se a humanidade pudesse melhorar com a afirmação de que é pecadora, não teríamos nenhuma objeção; mas o fato é que com isso jamais poderá melhorar. A ideia de que “há pecado” está causando inúmeras doenças. Isto se explica como uma forma de autopunição. 125 Ademais, como o discurso está no suporte revista Pomba Branca, da instituição SNI, que não se mostra como religião, mas como filosofia de vida e, por haver, também, a foto de um senhor de idade, vimos que o enunciador afiança a si próprio por meio da instituição e da revista, que sustentam o seu dito. Portanto, como já dissemos, a revista é direcionada para mulheres, porém não abordamos as características empíricas das leitoras, mas seus papéis, que são estipulados pelo enunciador, que não se trata de Masaharu Taniguchi, mas de um mestre, de um professor, de uma pessoa que conhece o que explana e está ‘amparado’ por uma instituição e por uma revista importante naquele meio. Nesse âmbito, o co-enunciador projetado é, inicialmente, feminino, como vimos nas capas dos exemplares, que sempre contém a imagem de flores e o slogan: A Revista da Mulher Feliz e pelas imagens que estão nas colunas, como paisagens ou flores: Culturalmente, sabemos que flores, geralmente, são associadas ou apropriadas a mulheres, sendo assim, a feminilidade está relacionada a comportamentos socialmente adquiridos. Muitas vezes, esses traços são categorizados pela oposição homem/mulher, por exemplo, fisicamente, elas têm quadris largos, menos pelos no corpo, os homens têm mais pelos, costas largas; 126 psicologicamente e comportamentalmente, elas se preocupam mais com a famílias, com os filhos, com a casa, são empáticas, cuidam mais de si etc., eles, por sua vez, passam muito tempo fora de casa, cuidam menos de si. Ressaltamos que não queremos generalizar tais diferenças, pois sabemos que os papéis, que eram, somente, de homens, atualmente, no século XXI, são assumidos pelas mulheres ou vice-versa. Notamos, também, uma supervalorização da imagem feminina, representada na figura de deusa Em O pensamento iluminador e as ciências naturais, na Mentalização para captar a admirável sabedoria de Kannon (Kanzeon Bosatsu), a deusa da misericórdia: Quem quiser visualizar o poder de Kanzeon Bosatsu. Neste momento, contemplo este mundo em que vivo como sendo manifestação da admirável sabedoria de Kannon. [...] se mentalizares os poderes de Kanzeon Bosatsu, brotará misericórdia no coração deles; mesmo que alguém tente envenenar-te; se mentalizares os poderes de Kanzeon, o veneno se voltará contra essa pessoa; mesmo que sejas acuado por uma fera e te vires na iminência se ser atacado por terríveis garras, se mentalizares os poderes de Kanzeon, a fera se afastará e, rapidamente, tomará outro rumo”. Kanzeon Bosatsu é a sabedoria que purifica o Universo e é a grande misericórdia que protege todas as coisas do Universo. O co-enunciador, ao ter sua feminilidade acionada e supervalorizada, atua como uma aluna que está tendo aula com um professor de idade avançada que domina o assunto abordado. Por conseguinte, devido ao discurso estar inserido em um suporte (revista feminina) e ao enunciador construir uma imagem de si, de mestre, de professor, o co-enunciador, estrategicamente, é induzido ser submisso, pois, culturalmente, os 127 professores são autoridade máxima em sala de aula e, por isso, os alunos devem submeter-se às regras estipuladas pelo docente, para não serem punidos. Essa autoridade é reforçada em O pecado não existe, quando o enunciador deixa evidente a importância do mestre na vida de seus alunos: [...] se tiver um bom professor, você só terá que ser bom, pois é muito obediente. O co-enunciador, no papel feminino submisso, entende que se for obediente, ele será considerado bom, será aceito. Essa obediência é à figura masculina, pois é mencionado professor, no masculino. Além disso, o enunciador, nesse papel de mestre, de professor (homem) - imagem reforçada pela foto de um senhor - reforça, ainda mais, a idéia de submissão. Em O pensamento iluminador e as ciências naturais, essa idéia é reforçada, também, quando o enunciador explica que se não transgredir as leis da Natureza: o Espírito beneficiará todas as pessoas (...) Ele é o bom pastor; é o sábio conselheiro; e o nosso Pai eterno. Ele reforça, novamente, mais adiante: Ele é nosso pastor e, quando buscamos a Sua orientação, nos conduz a verdes pastos e a águas tranquilas. Portanto, mais uma vez, a submissão e a obediência à figura masculina são ativadas, pois, devido ao co-enunciador ter o desejo de melhorar sua vida, ou seja, 128 querer ser o sujeito de sua vida, ele terá que se assujeitar ao discurso masculino. Os papéis, culturalmente, femininos são reforçados, assim como os papéis masculinos: os homens mandam, têm autoridade, tem a última palavra e as mulheres obedecem. Esses papéis, atualmente, foram modificados, devido à luta pela igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, no entanto, ressaltamos que os discursos analisados são das décadas de 40 e 50 do século XX, época em que as diferenças entre homens e mulheres eram enaltecidas. Dessa forma, o coenunciador tem sua memória discursiva de submissão acionada e reformulada: ser submisso não é ruim, é bom. Observamos, ainda, em O pensamento iluminador e as ciências naturais, esse papel da mulher, na Mentalização para captar a admirável sabedoria de Kannon (Kanzeon Bosatsu), a deusa da misericórdia, na qual se depreende que se trata de uma mulher que desempenha o papel de mãe devota, que zela, protege, abastece, tem compaixão, orienta, perdoa, ama etc., como notamos em: As estrelas que cintilam no céu são os olhos de Kanzeon Bosatsu que zela por mim. [...] se mentalizares os poderes de Kanzeon Bosatsu a fera se afastará [...]. Nesse momento abasteço-me na fonte da força imanente do Universo. Kanzeon Bosatsu [...] é a grande misericórdia que protege todas as coisas do Universo. Com sua grande misericórdia, Kanzeon me ama, me orienta, me infunde nova força vital. As imagens de dependência e de abnegação são reforçadas duplamente. A primeira vez é quando o co-enunciador, ao receber o discurso como uma meditação e praticá-la, sentir-se-á como uma filha dependente e amparada por uma mãe que atende prontamente ao filho: 129 Mesmo quando fores cercado por malfeitores preste a te atacar brandindo as espadas, se mentalizares os poderes de Kanzeon Bosatsu, brotará misericórdia no coração deles; mesmo se alguém tenta envenenar-te, se mentalizares os poderes de Kanzeon, o veneno se voltará contra essa pessoa [...] A segunda vez, quando o co-enunciador aceita/obedece fazer a mentalização que o enunciador sugere, conforme verificamos em: Quem quiser visualizar o poder de Kanzeon Bosatsu durante a meditação deve mentalizar como segue. O enunciador no papel de mestre, de professor ativa diversos papéis no coenunciador, ora de criador de sua realidade, ou seja, responsável pelo seu destino, porém, nesse papel de fazer a sua vontade, sua realidade não é boa. Ora de obediente à vontade divina, nesse caso, a vida se torna melhor, como podemos ver a seguir: 130 O pensamento iluminador e as ciências naturais Papéis acionados no co-enunciador: Criador de sua realidade Obediente à vontade divina Há casos em que o fogo destrói casas, o Tudo quanto vemos é a concretização Sol mata as pessoas com seu calor do Espírito. Por trás de todas coisas abrasador, e a eletricidade fulmina as existe a força superior que as criou pessoas. Isso ocorre quando o ser cada qual com a forma própria e as humano contraria as leis da Natureza (ou mantém em seus respectivos estados. seja, as leis que regem a ação do Espírito Diante desta do Universo). Portanto, podemos dizer que certamente afirmação, o compreenderá leitor que o o Espírito, isto é, a força do Universo, é Espírito é a força superior que existe no basicamente força do amor. Contanto que âmago de tudo, transcendendo a força não transgrida as leis da Natureza, o da matéria e do homem. Espírito beneficia todas as pessoas fazendo nascer o Sol sobre bons e maus e mandando a chuva sobre justos e injustos. Este Universo foi criado pelo Espírito único que rege a criação. Recebendo do Espírito a sabedoria, podemos descobrir novas e maravilhosas leis do mundo natural, bem como ter ideias para novos inventos e, assim, desfrutar da mais ampla vida. O pecado não existe Papeis acionados no co-enunciador: Criador de sua realidade Obediente a vontade divina O dr. Karl A. Menninger, em seu livro O O padre Flannagan já não sabia o que Homem Contra Si Mesmo, destaca os fazer e orou: “Senhor, que devo fazer efeitos da autopunição, atribuindo para orientar este menino?” Nesse inclusive a causa das guerras ao desejo momento, recebeu a inspiração divina e inconsciente de autopunição. então disse ao menino: - Eddie, você sabe se a obediência é uma Muitas pessoas sofrem de doenças e qualidade ou um defeito? outras formas de punirem a si próprias. infelicidade para - É claro que a obediência é uma qualidade. Quem é que não sabe disso? Só que eu não possuo nem um pingo 131 Por isso, enquanto não for eliminada da de qualidade porque sou um malfeitor. mente humana a ideia de pecado, os Esta foi a resposta do menino.O padre homens continuarão a punir a si disse, então: próprios e a sofrer, fazendo guerras, realizando lutas de classe, provocando atrito no lar e contraindo doenças. - Não é verdade. Não existe ninguém tão obediente como você. Se você praticou uma maldade, foi simplesmente porque você teve “professores” maus. Depreendemos, assim, a imagem de um co-enunciador incapaz de criar, sozinho, uma realidade satisfatória para si. Dessa forma, o enunciador é aquele que ensinará um modo melhor de construí-la, segundo ‘a vontade divina’. Após essa verificação de como os sujeitos se mostram, vimos o quanto é importante a noção de ethos discursivo, pois permitiu-nos avaliar a imagem que os coenunciadores apresentam de si e descobrirmos qual imagem se apreende dos enunciadores nos discursos veiculados na revista. 132 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao término dessa pesquisa, podemos tecer algumas considerações acerca do estudo feito sobre o discurso presente na seção Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, da revista Pomba Branca, publicada pela Seicho-No-Ie do Brasil. Nesse âmbito, inicialmente, destacamos que o discurso analisado é, predominantemente, perpassado por discursos tópicos, como o pedagógico, por exemplo, e por paratópicos, como o religioso, o científico, entre outros, para poder ser aceito e legitimado. Assim, o discurso da SNI se constitui na referência que faz a outros discursos e essa relação, permite-nos localizar as formulações que esse discurso repete, refuta, transforma e denega. Diante dessa circunstância, a presença desses discursos traz credibilidade ao que está sendo enunciado, uma vez que, por meio dessa relação interdiscursiva, os coenunciadores interagem. Porém, apesar de o discurso estar em uma revista feminina, na edição do mês de março (período de homenagem às mulheres), ele pode ativar diversos co-enunciadores, pois não encontramos relação com esse momento do ano nem a predominância de marcas femininas. Por conseguinte, verificamos a presença de uma relação de interdiscurso complexa, porque para veicular os ensinamentos e práticas da SNI, no alcance de novos adeptos e manutenção dos que existem, os textos selecionados e veiculados possuem os mais variados discursos que servem de apoio para o enunciador se posicionar. Em nosso estudo, entendemos que os discursos foram, estrategicamente, selecionados e inseridos nessa coluna da revista, por trazerem posicionamentos que vão ao encontro do momento histórico-social em que estão sendo veiculados e por estarem em consonância com a ideologia da instituição, da revista e dos adeptos. Portanto, trata-se de um recurso planejado para se conseguir a adesão do coenunciador. Nesse sentido, ao aderir o posicionamento do enunciador, que traz em sua base o discurso pedagógico, entendemos que o co-enunciador adota um modo de 133 viver permeado pela submissão, pois nessa relação, de um lado, há o detentor e multiplicador de conhecimentos e, de outro, há aquele que se submete a esse poder. Todavia, apesar de os coenunciadores assumirem papéis diferentes, os posicionamentos de ambos vão ao encontro um do outro. Analogamente, isso se dá no discurso religioso, pois diante da presença da palavra de Deus, o co-enunciador é colocado em uma posição inferior ao poder instituído por meio da palavra divina e, dessa forma, ele não questiona nem duvida acerca do que está sendo enunciado. Isso acontece, pois reconhecemos o interesse, por parte do homem, em buscar explicações sobre sua identidade e sua missão nesta vida. Sendo assim, ele não reflete sobre o discurso, mas ele reflete em si o discurso. Devido a essa marca de submissão do sujeito, o discurso religioso, assim como o discurso pedagógico, propicia a manipulação. Dessa forma, a religião ou a educação podem ser vistas como um modo de controlar os instintos dos homens. Consequentemente, o suporte revista Pomba Branca, no qual o discurso analisado está inserido, também, contribui para que ocorra essa adesão e essa forma de dependência ao que está sendo enunciado, uma vez que se trata de um veículo doutrinário que traz em si, valores de uma instituição que tem como objetivo influenciar o comportamento das pessoas, nesse caso, as leitoras. Assim, devido ao ethos ser constitutivo da cena de enunciação, consideramos a cena englobante como sendo filosófica, a cena genérica como o gênero artigo de revista e a cenografia de aula. Nesse sentido, ao verificarmos a cenografia construída, identificamos a maneira pela qual o ethos discursivo se mostrou: um sujeito, no papel de professor, que tem características masculinas e que está comprometido em mudar o modo de pensar de seus co-enunciadores. Portanto, a adesão ao discurso se dá nessa cenografia que nos permite depreender a construção dessa imagem (ethos). Diante desse aspecto, esse sujeito, situado além do texto, tem o perfil esperado por quem assume uma abordagem pedagógica e tem uma voz que sustenta a coluna. Esta, por sua vez, encarna, por sua própria enunciação, 134 características que estão associadas à personalidade do enunciador, ou seja, ao ethos. Dessa forma, por meio dos tons pedagógico, didático e autoritário, o coenunciador constrói uma imagem do enunciador que faz emergir uma instância subjetiva com a finalidade de atuar como fiador do que está sendo enunciado e, além disso, atribui um caráter e uma corporalidade a quem afiança a enunciação analisada no percurso dessa pesquisa. A qualidade, a eficiência do ethos depende dessa imagem construída, pois será ela que gerará uma ação sobre o coenunciador, ou seja, a incorporação. Verifica-se, então, que o discurso presente na coluna revela o modo como a instituição quer que a leitora da revista seja: submissa e religiosa. Com essa visão, acerca do sexo feminino, a SNI, no Brasil, constrói e apresenta uma doutrina autoritária que quer ensinar o correto modo de viver: obedecer para não criar desarmonia. Isso é confirmado no slogan da instituição: Seicho–No-Ie - o correto modo de viver em harmonia com a natureza. Apesar de a SNI se adaptar à cultura brasileira, vimos que os discursos recortados são os mesmos que foram produzidos no Japão, no século XX, apenas com algumas adaptações feitas no momento da tradução para a língua portuguesa. Dessa maneira, traços da cultura japonesa, como a submissão da mulher à figura masculina transparecem no discurso, que se mostra autoritário e masculino. Nesse cenário, mediado pelo slogan A revista da Mulher Feliz, o discurso da obediência, da submissão é reforçado, uma vez que, na SNI, mulher feliz é aquela que se submete aos ensinamentos e que se anula diante de suas vontades para viver em harmonia com tudo e com todos. Isto posto, a ideia de que obedecer é a forma correta de se viver é, mais uma vez, ratificada quando o discurso é colocado na coluna identificada como Artigo do Mestre Masaharu Taniguchi, construída, estrategicamente, com a foto do fundador e com uma diagramação que conduz o modo de receber a mensagem transmitida. Portanto, o perfil autoritário de quem está no poder de transmitir os ensinamentos e a postura submissa esperada por quem recebe o discurso são reforçados. 135 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicole. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ALBUQUERQUE, Leila Marrach B. Seicho-No-Ie do Brasil: agradecimento, obediência e salvação. São Paulo: Annablume, 1999. ___________________________. Dominós da Ditadura: Seicho-No-Ie do Brasil. In: Anais do III Simpósio sobre Histórias das religiões, 2001. ___________________________. Seicho-No-Ie do Brasil: Estratégias de Poder Legitimadas no Discurso Ideológico e Religioso. In. XIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, 2005. AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. In: AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de Si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2011. pp. 9-23. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 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Budismo – sistema ético, filosófico e religioso fundado por Siddharta Gautama (Buda) na Ásia Central 563 a 483 a.C. Ensina que pelo autoconhecimento chegamos ao nirvana. Jissô – significa imagem verdadeira. Trata-se do aspecto real do ser humano, é o ser espiritual feito a imagem e semelhança de Deus. Matéria – siginifica o nada, trata-se de uma ilusão, projetada pela mente. Meditação Shinsokan – prática contemplativa diária para contemplar o mundo da imagem verdadeira. Movimento de Iluminação da Humanidade – designação dada a Seicho-No-Ie pelo fundador. Mundo da Imagem Verdadeira - mundo perfeito criado por Deus, tal qual descrito no primeiro capítulo e no começo do segundo capítulo de Gênesis. Mundo fenomênico – mundo da projeção, captado pelos cinco sentidos, descrito em Gênesis a partir do segundo capítulo. Preletor – pessoa que, após cursos e avaliações, está habilitada para ministrar palestras, dar orientações etc. Revelações divinas – mensagens recebidas de Deus, em meditações, por Masaharu Taniguchi. Seimei no Jissô - significa A Verdade da Vida, obra com 40 volumes - a bíblia da Seicho-No-Ie - escrita por Masaharu Taniguchi. Seicho-No-Ie – filosofia religiosa de aplicação prática diária sem sectarismo religioso. Em uma tradução livre significa lar do progredir infinito. Sutra – significa ‘palavras da verdade’, não se trata de uma expressão do Budismo. 146 Sutras Sagradas – compilação de poemas escritos por Masaharu Taniguchi sob inspiração divina. Xintoísmo – religião do Japão, anterior ao Budismo. 147 ANEXOS Texto: O pecado não existe 148 149 150 151 152 Texto: O pensamento iluminador e as ciências naturais 153 154 155 156