O controle de preços não é uma alternativa à austeridade fiscal e monetária". A busca vã do santo guerreiro Ricardo Braule jornal Valor Econômico de 18/12/2004 Em seu artigo de 9/12 no Valor, 'Como enfrentar o dragão', o Prof. Paul Singer argumenta que "o modo convencional de combater a inflação é cortar o crédito e o gasto público, de modo a induzir uma deflação de demanda, para se opor à inflação de oferta (...). Mas o estrangulamento da demanda é claramente recessivo, e a contenção do processo inflacionário se faz pagar com mais desemprego, mais pobreza e exclusão social e mais violência criminosa". Assim, defende que o governo - o atual e o próximo - encontre meios não recessivos de enfrentar o dragão. Segundo ele, para "retardar e moderar o repasse de aumentos de custos a preços recomenda-se instituir um processo de negociação de preços entre os elos de cada cadeia produtiva, desde os produtores da matéria-prima até os varejistas, que vendem o produto final. Este processo deveria ser convocado e arbitrado pelo governo federal e deveria ter por base a elaboração de planilhas confiáveis de custos, de modo que fiquem claras as margens de lucro e os custos salariais em cada estágio de produção. Com estas informações será possível negociar com todas as partes - empresários e trabalhadores de todos os estágios - a contenção e o adiamento dos repasses de custos a preços". Em primeiro lugar, o controle, ou acordo, de preços só é teoricamente justificável se funcionar como um redutor da inflação esperada. Assim, ele não pode ser visto como uma alternativa à austeridade fiscal e monetária: não há acordo de preços capaz de melhorar as expectativas dos agentes econômicos se, por outro lado, há expansão do gasto público, como tem defendido o Prof. Singer em vários artigos. Em segundo lugar, deve-se ter presente que a simples notícia do acordo pode ter efeito oposto ao desejado, já que as empresas podem antecipar aumentos de preços, de modo a compensar os constrangimentos futuros, decorrentes do acordo. Ademais, uma vez aberto o processo de negociação, o acordo pode, simplesmente, não ocorrer, o que implicaria um imenso desgaste para o governo com a conseqüente piora das expectativas inflacionárias e das condições para condução da política econômica. Não é difícil imaginar o efeito que uma manchete como "Fracassa acordo de preços do governo!" teria sobre as expectativas. E isso é praticamente certo que ocorra, dadas as dificuldades operacionais do acordo. Um acordo de preços não se faz da noite para o dia e, definitivamente, não é o santo guerreiro que nos livra do dragão Para mostrar essas dificuldades, é útil recuperar um pouco da história do controle de preços no Brasil, que pode ser dividida em quatro fases. A fase do tabelamento, que tem como marco a criação da Superintendência Nacional de Abastecimento - SUNAB, em 1962, e como característica principal o congelamento, no varejo, dos gêneros de primeira necessidade. Em fevereiro de 1965 começa a segunda fase; através da Comissão Nacional de Estimulo à Estabilização de Preços - CONEP inicia-se a primeira tentativa de controle de preços ao nível do produtor. O controle, previsto como transitório, consistia em conceder estímulos fiscais, creditícios e cambiais às empresas que voluntariamente se comprometessem a não aumentar seus preços até o final de 1965. Como a inflação nesse ano chegou à casa de 90%, é fácil perceber que o sistema fracassou. Na fase seguinte, prevista para outubro/1966 a dezembro/1967, o controle passa a ser compulsório, permanece um estímulo - redução de 20% no imposto de renda para as empresas que aumentassem seus preços em proporção inferior a 70% do IGP - e é introduzida uma penalidade: multa de 2% sobre o faturamento para as empresas que elevassem seus preços acima de 110% do IGP. Na quarta fase o controle passa a ser permanente, o esforço à estabilização passa a ser encarado como um dever da empresa (na medida em que são retirados os incentivos fiscais), e cria-se o Conselho Interministerial de Preços - CIP, que viria a ter um peso político muito maior que o da CONEP, já que as decisões passariam a ser tomadas por um colegiado de ministros de estado. No tocante à parte técnica, instituiu-se a obrigatoriedade de apresentação das planilhas de custo padronizadas para cada produto e consagrou-se a regra de conceder aumentos de preços proporcionais aos respectivos aumentos de custo. A fase mais ativa do controle de preços vai até 1979, quando é criada a Secretaria Especial de Abastecimento e Preços - SEAP, que substitui o CIP em suas funções e vai, pouco a pouco, perdendo importância. Voltemos às sugestões do Prof. Singer. Diante desse breve histórico pode-se ter idéia das inúmeras dificuldades na costura desse tipo de acordo. A primeira questão é: feita a convocação pelo governo, o que fazer com as empresas que não aderirem ao processo? Dependendo da quantidade e porte das que ficarem de fora, pode ser que o processo acabe aqui. E por que alguma empresa se negaria a participar? Ora, pelo histórico, percebe-se que os controles foram endurecendo progressivamente, passando de temporários e voluntários (tal como no acordo proposto) para permanentes e obrigatórios; gato escaldado... A segunda questão diz respeito às planilhas de custos: poucos empresários estariam dispostos a abrir um tipo de informação confidencial e estratégica se não fossem obrigados a isso. Como vimos, as planilhas só foram exigidas na quarta etapa, quando o órgão controlador já havia consolidado sua base jurídica e técnica, além do poder político. Mais uma vez: como tratar as empresas que se recusarem a apresentar as planilhas? O que é uma planilha "confiável", é aquela checada pelo governo? Se for, quanto tempo tomará essa checagem? (o CIP se obrigava a responder a um pleito de reajuste em 45 dias). A terceira questão remete ao sacrifício de cada agente: o que significa "moderar o repasse de aumentos de custos a preços"? Aumentar os preços abaixo do aumento de custos? Se sim, lembremo-nos que nem o CIP se propôs a tanto; em princípio, os aumentos percentuais de preços e custos deveriam ser iguais. Por último, ficam algumas dúvidas sobre a proposta do Prof. Singer, como a definição dos "elos da cadeia produtiva" (por exemplo, o que é isso no caso de cabeleireiros; quantas pessoas e empresas terão de ser consultadas só nesse segmento?) e que papel ele vislumbra para o atual governo, a 20 dias do seu término, na montagem desse acordo. Enfim, um acordo de preços não se faz da noite para o dia e, definitivamente, não é o santo guerreiro que nos livraria do dragão inflacionário; pelo contrario, só iria revigorar suas chamas. Ricardo Braule, é consultor.