CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
JACQUELINE DA COSTA ARAÚJO DE SOUSA
UMA ANÁLISE SOBRE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
REINCIDENTES RECEPCIONADOS NA UNIDADE DE RECEPÇÃO
LUÍS BARROS MONTENEGRO EM FORTALEZA-CE
FORTALEZA/CE
2014
1
JACQUELINE DA COSTA ARAÚJO DE SOUSA
UMA ANÁLISE SOBRE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
REINCIDENTES RECEPCIONADOS NA UNIDADE DE RECEPÇÃO
LUÍS BARROS MONTENEGRO EM FORTALEZA-CE
Monografia submetida à aprovação
Coordenação do Curso de Serviço Social
do Centro Superior do Ceará, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Graduação.
Orientador: Prof. Ms. Alberto dos Santos
Barros Filho.
FORTALEZA/CE
2014
2
JACQUELINE DA COSTA ARAÚJO DE SOUSA
UMA ANÁLISE SOBRE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
REINCIDENTES RECEPCIONADOS NA UNIDADE DE RECEPÇÃO LUÍS
BARROS MONTENEGRO EM FORTALEZA-CE
Monografia apresentada ao curso de Serviço
Social como pré-requisito para obtenção do
título de Bacharelado em Serviço Social,
outorgado pela Faculdade Cearense – FaC,
tendo
sido
aprovada
pela
banca
examinadora composta pelos professores.
Data de aprovação: ____/ ____/____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Ms. Alberto dos Santos Barros Filho (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________
Ms. Jane Meyre Silva Costa
Faculdade Cearense (FAC)
____________________________________________
Ms. Lara Denise Oliveira Silva
Universidade Federal do Ceará (UFC)
FORTALEZA/CE
2014
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, por me ajudar a vencer os obstáculos,
dando-me força e apaziguando o meu coração, ajudando-me e orientando-me nos
momentos de cansaço e reafirmando minha profissão.
A meus pais, que contribuíram para minha formação, fazendo-se sempre
presentes e vibrando pela minha vitória, muito obrigada.
A minha irmã, Danielle da Costa Araújo, que esteve sempre disposta a me
ajudar cuidando do meu filho, durante a trajetória do meu trabalho, muitíssimo
obrigada.
A meu esposo Gilberto Pedro de Sousa pela paciência, compreensão e por
me ajudar a trilhar mais uma etapa da minha vida, muito obrigada.
Ao meu orientador, prof. Alberto dos Santos Barros Filho, pela sua atenção,
paciência, pelas palavras encorajadoras, pelo seu empenho em tornar esse trabalho
uma realidade, muito obrigada!
Meu agradecimento à Banca, composta pela professora Jane Meyre Silva e
pela professora Lara Denise Oliveira Silva, pela disponibilidade, pela leitura, pelas
sugestões e críticas e por terem contribuído nessa etapa da minha formação
acadêmica. Obrigada!
Ao
Laboratório
de
Inclusão
Social
da
Secretaria
de Trabalho
e
Desenvolvimento Social do Estado do Ceará – STDS, pela orpotunidade de estágiar
na Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro, um campo rico de informações
para meu aprendizado dentro do campo acadêmico, referente ao campo da violência
juvenil.
À diretora da URLBM, Maria Cecilia Guimarães, por seu apoio, dedicação e
acompanhamento, por estar sempre disposta a ajudar os estagiários. Muito
obrigada.
A minha supervisora de estágio, Lourdes Falcão, que me ensinou na prática
como reger a relação teoria/prática, mostrando-me os percalços e as estratégias
utilizadas para trilhar uma vida profissional com ética e comprometida com a
profissão. Meus sinceros agradecimentos.
Meus agradecimentos aos adolescentes, por participaram da minha
pesquisa na Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM , que, direta
4
ou indiretamente, auxiliaram e inspiraram essa investigação, tornando possível a
realização deste trabalho.
Às minhas colegas, Eliane Almada, Luciana Mendes, Maria Regina, Herlem
Kelma, Rita Gaspar, pelo apoio, amizade e companheirismo durante essa
caminhada, muito obrigada a todas.
5
“Toda Criança sonha em ser feliz, jogada no
mundo do crime um aprendiz, cheiro de morte
espalhada no ar, papai Noel de preto veio me
buscar. Deus ilumine o paraíso da criança,
mesmo se os problemas veio do jardim de
infância, mesmo se a polícia não matasse se
fosse o bem, mesmo se o pastor do psico
rouba alguém. Porque a vida sempre
ofereceu pra mim a morte, a morte me
chamou pra brincar me oferecendo a sorte,
nunca ninguém me deu um ponto positivo,
quando fui roubar me chamaram de
agressivo. Vim de uma família desestruturada
que a fome fez da mão do homem uma
empregada... foi nessa que o tiozinho veio me
dizer, primeiro um oitão e umas paradas pra
vender na esquina e viciar a molecada,
depois darão um carro, uma casa com piscina
bar, depois o diabo vem na porta me chamar.
Brinquedo Assassino não sai da minha mente, era de
ferro, com doze balas no corpo.
Brinquedo Assassino não sai da minha mente, e o fim
de ano foi melhor pra muita gente.
Brincava vídeo game quando alguém de chamou, levantei
abri a porta, nem vi quem atirou.
Minha mão tá gelada, não sinto meu braço, não
posso me mover do pescoço pra baixo.
Pelo corpo todo o gelo amargo do fio, o eco da
quadrada do monstro me feriu, se eu tivesse tido
chance, seria jogador, cantor de rappe para expressar
minha dor. Sei o que o mundo sempre ofereceu pra
nós, vem da parte podre, muitos contra nós, pobreza
e frustação na alma a revolta, na calma você sente o
trauma em sua falta, o paraíso é meu paradeiro,
normal pra mim é refém morrer de fome no cativeiro,
o mesmo que me arrasta e amordaça na tragédia da
classe média sou mais uma atração circense da
comédia. Meu mundo foi construído tipo castelo de
areia lapidado com muita droga na veia, abandonei a
escola, da rua fiz abrigo, na malandragem um
discurso agressivo, eu vi meu próprio sangue no meu
rosto escorrer, lembro que um casal de crente disse:
vai morre! Depois de alguns segundos a multidão veio
me olhar com um olho saindo pra fora e o corpo
agonizar.
Brinquedo Assassino não sai da minha mente, era de
ferro, com doze balas no corpo.
Brinquedo Assassino não sai da minha mente, e o fim
de ano foi melhor pra muita gente [...]
BRINQUEDO ASSASSINO – A FAMÍLIA
Música ouvida pelos adolescentes da Unidade.
6
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo a discussão em torno da reincidência dos
adolescentes no ato infracional recepcionados na Unidade de Recepção Luis Barros
Montenegro – URLBM, órgão vinculado a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento
Social – STDS, com o intuito de buscar compreender os possíveis fatores sociais
que contribuem para o fato de cometerem delitos novamente. Com base em autores
como Mione Apolinario Sales, Silvia da Silva Tejadas, Antony Giddens, dentre outros,
busca compreender os protagonistas deste trabalho. A metodologia utilizada guiouse pela abordagem de vários meios de pesquisas que são: pesquisa de campo,
pesquisa bibliográfica, pesquisa documental. Durante o percurso da pesquisa de
campo, foram coletados dados, como indicadores quantitativos, documentos e a
realização de entrevistas semiestruturadas. Estas tiveram a finalidade de analisar as
falas e narrativas dos personagens abordados como também seus familiares. Esse
trabalho contemplará a trajetória dos adolescentes, como foi sua infância até a
chegada ao primeiro delito, seus sentimentos e suas perspectivas em relação ao
futuro, além de buscar saber o papel da medida socioeducativa na sua trajetória.
Palavras-chave:
socioeducativas.
Adolescente.
Atos
infracionais.
Reincidência.
Medidas
7
ABSTRACT
The present work aims at discussion of recidivism in adolescent infraction approved
in Unity Reception Luis Barros Montenegro - URLBM, an organization linked to the
Secretariat of Labor and Social Development - STDS. In order to try to understand
the possible social factors that contribute to the fact commit crimes again. Based on
authors like Suze Apolinario Sales, Silva da Silva Tejadas, Antony Giddens, and
others seeking to understand the protagonists of this work. The methodology was
guided by various means of research approach are: field research, literature,
documentary research. During the course in field research, data, and quantitative
indicators, documents and conducting semi-structured interviews were collected.
These had the purpose of analyzing the speeches of the characters and narratives
addressed as well as their families. This work will include the trajectory of
adolescents, as was his childhood until the arrival of the first offense, your feelings
and your prospects for the future, and seek to know the role of socio-educational
measures in its path.
Keywords: Adolescent. Offenses. Recidivism. Educational measures.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fluxograma 1 – Fluxograma de apuração do ato infracional ................................... 19
Gráfico 1 – Os 10 atos infracionais cometidos pelos adolescentes.......................... 50
Gráfico 2 – Medidas socioeducativas em meio aberto ............................................ 52
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Linha de pobreza e faixa etária .............................................................. 21
Tabela 2 – Reflexo das famílias uniparientais .......................................................... 22
Tabela 3 – Número de crianças e adolescentes analfabetos .................................. 29
Tabela 4 – Com quem moram? ............................................................................... 31
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEDECA – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
DCA – Delegacia da Criança e do Adolescente
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
LA – Liberdade Assistida
PSC – Prestação de Serviços à Comunidade
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
STDS – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social
URLBM – Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12
1.1 Aproximações com o objeto de estudo .................................................. 12
1.2 Metodologia ............................................................................................... 15
2 A URLBM E O PERFIL DOS ADOLESCENTES ACOLHIDOS NA “TRIAGEM” 17
2.1 Unidade Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM ......................... 17
2.2 O adolescentes em conflito com a lei: alguns conceitos ...................... 19
2.3 Dados estatísticos do envolvimento dos adolescentes no ato
infracional ...................................................................................................... 23
3 TRAJETÓRIA DOS ADOLESCENTES INFRATORES NA URLBM: DA
INFÂNCIA AO PRIMEIRO DELITO ......................................................................... 31
3.1 Sentimentos e sensações: as relações familiares e o momento da
apreensão ...................................................................................................... 31
3.2 O uso das drogas como forma de alívio e coragem .............................. 39
3.3 Abordagem policial e o abuso de poder ................................................. 41
4 PERCEPÇÕES DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI SOBRE AS
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ............................................................................ 47
4.1 Percepções dos adolescentes sobre as medidas socioeducativas ..... 56
4.1.1 Pontos negativos ................................................................................. 56
4.1.2 Pontos positivos e perspectivas para o futuro ..................................... 61
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 63
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 66
ANEXOS ................................................................................................................. 71
12
1 INTRODUÇÃO
1.1 Aproximações com o objeto de estudo
A pesquisa possui o intuito de analisar o processo social que leva à
reincidência, procurando compreender as trajetórias dos agentes investigados, bem
como as teias de relações sobre as quais encontram-se envolvidos. A minha
inquietação nasceu da vontade de conhecer e entender os motivos que levam os
adolescentes a reincidirem no ato infracional.
Um dos objetivos deste trabalho é analisar a reincidência dos
adolescentes no cometimento de atos infracionais acolhidos na “triagem”, como é
chamada a Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro – URLBM.
A motivação para essa pesquisa surgiu após um estágio de 2 anos na
URLBM, vinculada à Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS, no
qual tive a oportunidade de aproximação com os adolescentes acolhidos na Unidade
para serem ouvidos pela promotoria e pelo Juizado.
O número de adolescentes reincidentes que estão nessa unidade
aumentou nos últimos três anos, segundo os dados da própria URLBM. Também de
acordo com alguns dados publicados no Jornal o Povo (CASTRO, 2013a; 2013b),
nos últimos três anos, tem-se observado um crescente número de delitos praticados
por adolescentes, o qual teve um aumento de 52,96%, num salto de 3.557 registros
em 2011 para 5.441 no ano 2012. O que demonstra a precoce inserção de
adolescentes no chamado mundo do crime.
De acordo com o Art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(BRASIL, 1990), “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescentes aquele entre doze e dezoito anos de
idade”. Também em casos especiais em lei, aplica-se excepcionalmente este
Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Diante desta definição e dos dados acima, como pode-se definir um
adolescente infrator ou delinquente? Conforme Loureiro (2009) em um comentário
sobre o livro A adolescência de Calligaris, o adolescente delinquente é:
13
Aquele que, ao perceber que não conseguiu seu devido
reconhecimento no mundo dos adultos, usa da ignorância e violência
para tentar ser levado a sério: gritando, quebrando coisas, colocando
fogo em casa. Para os adultos é uma situação difícil já que não cabe
fazer muita coisa a respeito, pois se os ignoram, eles acabam
fazendo mais e mais delinquências e sendo mais violentos, pois
acham que não estão sendo valorizados como pessoa, e seus direitos
não estão sendo respeitados, e são reprimidos por seus gestos que
não são devidamente interpretados, então para serem ouvidos eles
acabam agindo com mais violência.
Segundo o ECA (Art. 103) “o ato infracional é a conduta” da criança e do
adolescente que pode ser “descrita como crime ou contravenção penal”. Se o infrator
for pessoa com mais de 18 anos, o termo adotado é crime, delito ou contravenção
penal. Então, conforme o ECA, a criança (pessoa de até 12 anos incompletos) que
praticar algum ato infracional será encaminhada ao Conselho Tutelar, que procurará
os responsáveis legais pela criança, que também estará sujeita às medidas de
proteção previstas no Art. 101 do referido Estatuto. O adolescente (pessoa entre 12
de 18 anos incompletos), ao praticar um ato infracional, estará sujeito a processo
que lhe é cabível, com ampla defesa. Após o processo legal, poderá receber uma
medida socioeducativa, prevista no Art. 112, do ECA que dispõem:
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação
de reparar o dano; III – prestação de serviços a comunidade; IV – liberdade
assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em
estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I
a VI. §1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua
capacidade em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. §2º
Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado. §3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência
mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado
às suas condições. (BRASIL, 1990)
Conforme corrobora Tejadas (2008, p. 80):
O cometimento do ato infracional possui, certamente, inúmeras
determinações, não sendo possível atribuí-lo a um único fator
desencadeante, na medida em que é construído socialmente. Compõem o
fenômeno aspectos estruturais relacionados ao contexto social mais amplo,
às oportunidades de vida e acesso aos serviços sociais, aspectos subjetivos
e familiares relacionados à constituição da identidade e à socialização do
sujeito, bem como aspectos comunitários relacionados ao grupo de iguais,
no qual o adolescente está vinculado e outras estruturas sociais que
contribuam quanto à constituição da identidade. [...]
14
O adolescente infrator inimputável é aquele que não poderá ser
penalmente responsabilizado por seus atos, seja em que circunstância foi praticada
o ato, conforme o Art. 104 do ECA, que dita: “São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos as medidas previstas nesta Lei. Parágrafo Único.
Para os efeitos desta Lei deve ser considerada a idade do adolescente à data do
fato”, e também o Art. 27 do Código Penal, “Os menores de dezoito anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação
especial”.
De acordo com a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) de
Fortaleza, roubo, porte ilegal de armas de fogo e tráfico de drogas correspondem a
70% dos casos que chegam à 5ª Vara da Infância e da Juventude. Os outros 30%
são referentes a homicídio, latrocínio, furto e receptação. A consequência desses
dados é percebida pela superlotação das unidades de internação do Estado, pois,
conforme a informações da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social
(STDS) publicadas no dia 7 de outubro de 2013, 1.026 adolescentes cumpriam
medidas socioeducativas nas unidades da capital (RIBEIRO, 2013a, p. 3).
Os dados acima apontam o alto índice de reincidência desses
adolescentes, ressalta-se que, em alguns casos, esse número aumenta devido à
falta de informação, pois, por vezes, os adolescentes não comparecem na audiência
marcada e, quando isso acontece, é expedido um Mandado de Busca e Apreensão
dos mesmos, ocasionando uma nova entrada no sistema por quebra de medida.
Muitos já cumprem os 45 dias no Centro Educacional, mas como não são julgados
no período estabelecido ficam em liberdade e não comparecem a audiência
agendada, causando, assim, a reincidência.
O Código Penal brasileiro, em seu Art. 63, define a reincidência nos
seguintes termos: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime,
depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior” (BRASIL, 1998). Já o ECA não tem uma definição
sobre a reincidência, mas a aborda em seu artigo 122 quando trata da medida de
internação:
A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato
infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II – por
reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por
15
descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá
ser superior a três meses. 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a
internação, havendo outra medida adequada.
Desde que foi criado, há mais de 20 anos, o ECA ainda não foi implantado
na sua totalidade no Brasil, devido à ineficácia das políticas públicas implementadas
pelo Estado, e a resistência da sociedade que considera o Estatuto demasiadamente
protetivo para a criança e o adolescente, dando-lhes mais direitos do que deveres.
1.2 Metodologia
Os recursos metodológicos utilizados foram pesquisa bibliográfica, diário
de campo, pesquisa documental da Unidade, entrevistas semiestruturada com os
adolescentes e seus familiares, recortes dos principais jornais de circulação de
Fortaleza, O Povo e Diário do Nordeste, que nos últimos meses têm abordado
assuntos sobre a reincidência e os índices de adolescentes que praticam atos
infracionais em Fortaleza.
As entrevistas junto aos adolescentes e aos seus familiares abordaram a
suas trajetórias até o cometimento do delito, ou seja, um pouco de suas vidas dentro
do ambiente familiar e o que pensam sobre a medida socioeducativa à qual foram
submetidos, bem como a percepção de seus familiares.
Por se tratar de uma pesquisa empírica, baseou-se na observação
sistemática da realidade, no recolhimento de informações e dados com o intuito de
descrever, compreender e analisar o campo de investigação. Segundo Queiroz
(2008, p. 17), a busca da verdade está, pois, embutida nesta maneira de pensar,
uma vez que são procuradas conclusões independentes tanto das opiniões, quanto
do tempo e do espaço, pois a pesquisa nos faz ter uma compreensão mais
detalhada da realidade.
Meu intuito era fazer 07 entrevistas incluído duas adolescentes do sexo
feminino, mas devido a algumas dificuldades encontradas para essa realização, pelo
fato das minhas visitas à Unidade não pude encontrar o perfil desejável que era os
adolescentes com os respectivos familiares, a entrevista com os familiares tem como
16
objetivo entender seu comportamento desde a infância até o primeiro delito e fazer
um comparação entre as falas, então, foram realizadas 05 entrevistas com
adolescentes entre 15 e 17 anos do sexo masculino, e também com familiares dos
respectivos adolescentes, procurando analisar as falas e o comportamento dos
mesmos durante a entrevista. Foram utilizados nomes de pássaros na identificação
dos adolescentes, pois os mesmos são como pássaros, tem seu voo rompido pelas
transgressões.
Após a coleta dos dados obtidos na Unidade, foram estudados os
discursos apresentados, buscando articular os mesmos com a pesquisa bibliográfica
sobre o tema, bem como com conceitos que possam contribuir para o alargamento
da compreensão do fenômeno aqui abordado.
No primeiro capítulo, está a descrição do perfil dos adolescentes
recepcionados na Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro na qual serão
abordados: faixa etária e sexo contendo também um breve histórico dessa Unidade
que recepciona os adolescentes até o momento da sua audiência com o promotor e
a sentença final com o Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude.
O segundo capítulo apresenta a trajetória dos adolescentes com o intuito
de problematizar a relação entre o cometimento do ato infracional e o contexto social
em que vivem, marcados muitas vezes pela miséria, pela desigualdade social e pela
violência. Assim, buscou-se analisar o comunitário e escolar.
O terceiro capítulo engloba a análise relacionada aos relatos dos
adolescentes com a sua experiência junto à medida socioeducativa e às suas
perspectivas para o futuro, com o desafio de dialogar com a diversidade de
significados, buscando desvelá-los em suas opiniões expressas no momento da
entrevista.
17
2 A URLBM E O PERFIL DOS ADOLESCENTES ACOLHIDOS NA “TRIAGEM”
2.1 Unidade de Recepção Luis Barros Montenegro – URLBM
A Unidade de Recepção Luís Barros Montenegro (URLBM), local da
pesquisa de campo, é uma Unidade vinculada ao Governo do Estado Ceará por
meio da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do
Ceará (STDS). Inaugurada em Julho de 1993, a Unidade surgiu como forma de
atender ao Artigo 88, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que
dispõe “integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social” e a URLBM serve para que
todos estejam no mesmo local para que o atendimento inicial desses adolescentes
autores de atos infracionais seja agilizado (Fonte: Histórico da URLBM).
A Unidade tem como objetivo principal acolher os adolescentes de ambos
os sexos, na faixa etária de 12 a 18 anos incompletos, e em casos especiais, até 21
anos incompletos, acusados da prática de ato infracional, encaminhados pela DCA
pelo Juizado da Infância e da Juventude de Fortaleza, bem como pelos provenientes
das comarcas do interior do Estado do Ceará para cumprimento de medida
socioeducativa de internação.
A sede da Unidade é um local cuja primeira impressão que se tem é de
uma residência, em que você vê uma pequena varanda com cadeiras e televisor,
onde ficam os familiares dos adolescentes, muitos deles chegam desesperados por
notícias do filho, chorando e várias outras formas de angústias que os mesmos
passam. Depois, fica uma grande sala, na qual somente entram pessoas
autorizadas. Nesta sala, os adolescentes permanecem por alguns minutos para
preenchimento da ficha de recepção que contém alguns de seus dados principais,
para que sejam inseridos na base de dados da instituição. Após esse procedimento,
eles são revistados, tomam banho e vão para os dormitórios que parecem “celas” e
possuem três beliches, comportando seis adolescentes, dependendo da quantidade
de apreensões podem ficar até mais, pois a estrutura do local é precária.
Na Unidade os adolescentes têm cinco refeições diárias, todas dentro do
dormitório, usam um vestuário próprio da Unidade quando vão para audiência,
18
também são fornecidos para cada adolescente material de higiene, seus pertences
ficam guardados dentro de uma sacola com a devida identificação, a audiência com
o promotor sempre é realizada pela manhã e com o Juiz a tarde, fazendo com que
os familiares passem o dia lá, mas a Unidade fornece o almoço para os presentes
que esperam pela decisão final do Juiz e quando necessário podem conversar com
os familiares feito somente na presença da Assistente Social ou da estagiária.
Outro fato grave que atesta a falta de estrutura adequada é o fato de não
possuir uma ala para as meninas, elas são obrigadas a dividirem o mesmo local que
os meninos, até o banheiro é compartilhado, os dormitórios tem um odor
desagradável, pois muitos adolescentes fazem suas necessidades fisiológicas
dentro dos alojamentos quando o educador não atende ao chamado dos mesmos,
as meninas são alojadas no primeiro dormitório, quando a capacidade da Unidade
está ultrapassada, se tiver mais meninos que meninas as mesmas são transferidas
para o Centro Educacional Aldacir Barbosa, para no dia seguinte serem ouvidas pelo
promotor e pelo juiz.
Quando acontece uma lotação da Unidade, cuja capacidade é de no
máximo 30 adolescentes, parte desses adolescentes é encaminhada com a devida
autorização, tanto da direção da Unidade como do Juizado para um dos Centros
Educacionais, ficando lá no máximo 12 horas para que sejam ouvidos pela
promotoria e pelo Juizado.
De acordo com o fluxograma de Bandeira (2006, p. 54) o atendimento dos
adolescentes autores de atos infracionais é feita na seguinte ordem:
19
Fluxograma 1 – Fluxograma de apuração do ato infracional.
Fonte: Bandeira (2006), adaptado.
2.2 O adolescente em conflito com a lei: alguns conceitos
Definir adolescência se torna um grande desafio, visto que o termo em si
evidencia um atestado de muitas definições, como mostram Martins e Trindade
(2003, p. 556) que afirmam ser a adolescência um “período e um processo
psicossociológico de transição entre a infância e a idade adulta e que depende das
circunstâncias sociais e históricas para a formação do sujeito”.
Porém, Rosa, Ribeiro Júnior e Rangel (2007, p. 54), ao analisarem e
definirem adolescência, ressaltam que não se deve resumir somente a uma fase de
transição, mas essa deve receber a valorização por suas “características específicas
20
no marco do desenvolvimento humano.” Nesse período da vida, ocorrem várias
mudanças e transformações que contribuem para essa construção, com suas
alegações e seus comportamentos. Ainda conforme os autores “[...] seria mais
prudente nomearmos ‘adolescências’ a esta etapa da vida marcada por enormes
disparidades sociais e econômicas no Brasil”.
Nessa fase de transição entre a infância e fase adulta, esses
adolescentes passam por um processo de identificação, eles procuram se identificar
com o ambiente em que convivem. Hall (2005, p. 38) explica como tal construção
ocorre por meio de diversos processos ao longo da vida.
Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através
de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado
sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em
processo”, sempre “sendo formada.”
Numa perspectiva semelhante, Bourdieu (1996) aponta que as formas de
percepção do mundo, bem como as formas de agir são incorporados ao longo de
nossa existência, o que ele denominou de habitus:
O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à
consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado,
um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de setor
particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção
desse mundo como a ação nesse mundo. (p. 144)
Os adolescentes infratores também sofreram e sofrem esse processo,
pois seu ambiente familiar vai se transformando e suas maneiras de perceber o
mundo e suas formas de ação são oriundas da interação com os grupos, sejam eles
familiares ou sociais, com os quais socializam.
A adolescência contemporânea assume uma nova condição, os
adolescentes estão exigindo seu próprio espaço, buscam uma visibilidade através
dos seus próprios atos e práticas para se destacarem em seus grupos.
A maioria desses adolescentes se defronta, desde a sua infância, com a
pobreza e se encontram numa situação econômica, em muitos casos, muito
precária. Conforme Sales (2007, p. 68) exemplifica:
21
No caso das crianças e adolescentes brasileiros, isto levou, historicamente,
à discriminalização da sua parcela mais pauperizada e insubmissa que vive
nas ruas como “menores”, “delinquentes”, “marginais”, “infratores”, e a de
suas famílias taxadas como em “situação irregular”.... Dentre eles,
trabalhadores temporários, mendigos, assaltantes e também crianças.
Consequências passadas e presentes desta lógica: o pauperismo de um
lado, e o incremente de alternativas repressivas do outro, como a
criminalização da miséria.
A Tabela 1 traz uma pesquisa do IPECE (2013) sobre a linha de pobreza
que tem sua renda na faixa de até R$ 140,00 e a linha de extrema pobreza com
renda de R$ 70,00. Esses indicadores foram dados pelo programa “Brasil sem
Miséria” do Governo Federal. Os resultados refletem que as SERs I, V e VI
concentram a maior parte da população de 0 a 14 anos na condição de pobreza em
Fortaleza. E na condição de extrema pobreza, as SERs I, II e V.
Tabela 1 – Linha de pobreza e faixa etária.
Com esse diagnóstico, pode-se inferir que essa condição influencia a
entrada no mundo da transgressão. Como afirma Vaz (2010, p. 3), “O adolescente,
um sujeito construído historicamente pela realidade sociocultural, se vê inserido num
contexto contraditório”.
22
Nesse sentido, o SINASE (SEDH, 2006, p. 18) faz uma observação sobre
os adolescentes que vivem na pobreza, num contexto de desigualdade e
vulnerabilidade social:
A realidade dos adolescentes em conflito com a lei não é diferente dos
dados ora apresentados. Estes também têm sido submetidos a situações de
vulnerabilidade, o que demanda o desenvolvimento de politica de
atendimento integrada com as diferentes politicas e sistemas dentro de uma
rede integrada de atendimento, e, sobretudo, dar efetividade ao Sistema de
Garantia de Direitos.
Como salienta Cavalcante (2011), “É a sandália da moda, a bermuda ao
estilo surfista, o modo de andar com os braços abertos e balançando-os. Tão
importante quanto o dinheiro obtido e os bens que se podem adquirir com eles”.
Grande parte desses adolescentes vive dentro de um ambiente familiar
monoparental1, sendo também um dos responsáveis pelo sustento da família e, em
outros casos, no cuidado com os irmãos menores. Como muitos deles não
conseguem um emprego de carteira assinada, por não estarem estudando, acabam
sendo influenciados pelos “amigos” que arranjam uma forma “fácil” de ganhar
dinheiro e sustentar a família.
A Tabela 2 do IPECE (2013) mostra um pouco desse reflexo das famílias
monoparentais em que crianças e adolescentes de 0 a 14 anos vivem ou sem o pai
ou sem a mãe, apontando essas condições uma vulnerabilidade familiar,
principalmente no SERs V e VI, local de bairros cujo índice de pobreza é elevado:
Tabela 2 – Reflexo das famílias uniparentais.
1
A família monoparental foi reconhecida pela Carta Magna como entidade familiar e de acordo com a
mesma é conceituada como “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Fonte: Familia Monoparental brasileira. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revista
juridica/Artigos/PDF/jonabioBarnosa_Rev92.pdf>.
23
A maioria dos familiares sabe da procedência do dinheiro e, quando esses
adolescentes são apreendidos, a família participa da audiência, pedindo ao promotor
para não interná-los, alegando que ele trabalha para o sustento da família, fato esse
que presenciei muitas vezes quando ainda estava no período de estágio na Unidade.
Martins (2004) faz uma observação a respeito dos adolescentes autores
de ato infracional
[...] visto que em primeiro lugar antes de tudo são adolescentes [...] Em
segundo lugar, estão em conflito buscando definição de uma identidade, de
padrões éticos e morais. Estão muitas vezes em conflitos com a escola,
com a família, enfim com o mundo [...]. Todos os adolescentes passam por
estes conflitos, porém alguns passam por este período rodeados por
intensas dificuldades e desafios, que além de gerar conflitos consigo,
podem ocasionar e levá-los ao conflito com a lei. (MARTINS, 2004, p. 38)
Nasio (2011, p. 39) relata que esse conflito parte, muitas vezes, do
relacionamento que o adolescente tem com os familiares.
Ora, quando a relação com os pais é falseada por esse imaginário
maniqueísta, invariavelmente o conflito explode no seio da família [...] a
maioria dos conflitos que irrompem, entre o adolescente e seus pais é
motivada por seu medo, ainda que inconsciente de expor-se a humilhação e
mostra-se incompetente aos olhos deles, aos olhos de todos e, acima de
tudo, de si próprio. Assim, para não se sentir fraco, ele é agressivo.
2.3 Dados estatísticos do envolvimento dos adolescentes no ato infracional
No Ceará, o número de adolescentes envolvidos em atos infracionais
passou de 4.857 em 2012 para 5.4442 em 2013, segundo dados da Unidade de
Recepção Luís Barros Montenegro (URLBM). O aumento de aproximadamente de
13%. A maior incidência de atos infracionais tem se dado dos 15 aos 17 anos, na
maioria dos casos praticados por meninos, que não estão estudando e têm
envolvimento com drogas.
Segundo o SINASE (SDH, 2013, p.11), no Brasil:
2
Os números são imprecisos, pois a forma de coleta de informações da URLBM está sendo
informatizada, sofrendo alguns ajustes, contendo alguns erros nos seus dados estatísticos.
24
A população adolescente (12 a 18 anos incompletos) soma pouco mais de
20 milhões de pessoas. Menos de um adolescente em cada mil (0,094%)
cumpre medidas socioeducativas. Em números absolutos, em 2011 havia
19.595 adolescentes cumprindo medida em regime fechado e 88.022, em
meio aberto (prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida).
O Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, Manuel Clístenes,
aponta como causas da reincidência dos adolescentes a ausência dos responsáveis
e a escola que não ocupa o tempo todo deles, ficando, assim, uma parte ociosa e,
com isso, voltam para o mesmo ambiente vulnerável. E, assim, após um período no
Centro Educacional, eles começam a reincidir (CASTRO, 2013c, p. 2).
De acordo com a análise feita por Firmino (2013):
Entretanto, não é por nascer em bairros da periferia ou ser filhos de pais
separados que a pessoa esteja predestinada a cometer delitos e ser usuária
de drogas. Toda história de vida depende do ambiente onde vive, das
oportunidades que se tem, dos cuidados, da atenção. Os tutelados pelo
ECA não têm recebido a atenção que lhes é garantida por lei. (FIRMINO,
2013, p. 8)
Sales (2007, p. 26) afirma que “[...] o contato com o mundo da
criminalidade, sem dúvida, implica uma piora da qualidade de vida para o grupo
doméstico como um todo, o qual combinado à exploração do mundo do trabalho e
ao desemprego conduz a uma fatal perda de horizontes.” Ainda de acordo com a
autora, alguns fatores podem contribuir para a inserção e reincidência dos
adolescentes na prática do cometimento de atos infracionais, consistindo muitas
vezes em atitudes violentas, são elas:
Os adolescentes gostam de ser vistos [...], e, querem ser vistos associados
à beleza, à irreverência e ao reconhecimento e prestígio social que ícones
do mundo da cultura (música, teatro, cinema, etc.) e do esporte desfrutam;
Na impossibilidade de gratificação imediata em termos de consumo, prazer,
lazer, reconhecimento social (estimulados pela cultura de massas), devido
às dificuldades de acesso a oportunidades sociais (escola, trabalho,
remuneração digna, etc.), muitos jovens aderem aos apelos da
criminalidade em seus diversos matizes: furtos, assaltos, tráfico, etc.; Os
adolescentes compreendem o poder e a força da imagem que os associa à
rebeldia, a comportamentos transgressores e à violência, e tiram partido
dela; [...]. (SALES, 2007, p. 29-30)
Conforme a titular da DCA (Delegacia da Criança e do Adolescente),
Yolanda Fonseca, “a quantidade de meninos e meninas reincidentes é grande e
25
crescente”. Ainda conforme sua afirmação, não existe uma conscientização dos
adolescentes “sobre a necessidade de seguir as determinações judiciais à risca, e
que, para muitos, a medida socioeducativa se restringe à assinatura dos termos que
comprovam o comparecimento aos atendimentos e nada mais” (MADEIRA, 2013b).
A minha experiência dentro da Unidade me levou a vários diálogos com
esses adolescentes que contaram um pouco de suas vidas, muitos deles cometem
atos infracionais devido a várias influências, uma delas é o fato de ter familiares
envolvidos em crimes, como pais, tios e irmãos.
Também muitos não têm um diálogo com a família, sendo um dos motivos
a ausência dos pais que saem cedo para o trabalho e só voltam à noite, chegam tão
cansados que não se preocupam em perguntar como foi o dia dos seus filhos, que
passam a maior parte do seu tempo ociosos, e isso acaba por acarretar a procura
dos “amigos” que incentivam no cometimento do delito. Desta forma, a falta do
envolvimento afetivo dos pais, negligência de cuidados físicos fazem com que o seu
envolvimento com pares desviantes, nos anos precoces da sua infância e
adolescência, aumente o risco da atração para o ato infracional. Complementando a
fala do Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude, Manuel Clístenes, “com família
desestruturada, tempo ocioso e voltando pro mesmo ambiente vulnerável, eles
reincidem” (CASTRO, 2013c).
Segundo os dados estatísticos da URLBM, a quantidade de adolescentes
do sexo masculino que foram recepcionados nesta Unidade somam no total de
2.555 e do sexo feminino no total de 313, considerando que um mesmo adolescente
pode dar várias entradas durante o ano, elevando, assim, o número de reincidentes
que totaliza 2.6103 adolescentes em 2013.
As
adolescentes
estão
tendo
um
crescimento
considerável
no
cometimento de ato infracional. Conforme apontam os dados da URLBM, em 2012
foram 210 adolescentes para 313 em 2013 tendo um crescimento de 14% em
relação a 2012.
Acompanhando essas adolescentes na sala do serviço social muitas
delas relatam que já são mães com filhos pequenos que são levados para Unidade
3
Os números são imprecisos, pois a forma de coleta de informações da URLBM está sendo
informatizada, sofrendo alguns ajustes, contendo alguns erros nos seus dados estatísticos.
26
pela família para serem amamentados por elas. Um dos motivos que levam a sua
apreensão e reincidência são seus companheiros, pois para defendê-los assumem a
culpa pelo delito. Outra variável percebida é o fato de terem pais separados,
entrando em conflito com a madrasta ou padrasto saem de casa para morarem com
os amigos ou companheiros que já cometeram algum delito.
Em entrevista publicada no Jornal O Povo de 29 de outubro de 2013, o
referido Juiz, Manuel Clístenes, fala um dos motivos que levam os adolescentes à
reincidência:
Na cabeça deles, eles vão cometer crimes e não vai dar em nada. Então,
não pensam duas vezes antes de dar uma facada ou atirar. Eles têm uma
tendência de serem mais irresponsáveis do que os adultos. Isso associado
a legislação que, indiscutivelmente, é mais frouxa para os jovens faz o ECA
(Estatuto da Criança e Adolescente) levar ao descrédito a legislação. Os
jovens não levam o ECA a sério. A sociedade não leva o ECA a sério.
(CASTRO, 2013c)
Como dito anteriormente, o ECA não está funcionando em sua plenitude,
contendo algumas falhas na sua execução, fazendo com que a sociedade e os
próprios adolescentes não acreditem na sua eficácia, como afirmou Clístenes,
comprometendo, assim, toda a legislação, levando muitos adolescentes a agirem
com naturalidade quando são apreendidos, muitos falam para os pais “não se
preocupa não mãe vou só para a engorda, estou magrinho e volto logo”, fala
presenciada durante meu estágio, no momento em que os adolescentes estão indo
para a audiência com o promotor, acompanhados dos familiares.
Praticamente todos os dias são presenciadas as mesmas cenas, muitos
deles não estão se importando em serem apreendidos, virando até uma “rotina”,
quando chegam à Unidade e são recepcionados muitos falam “ei, tio, estou aqui de
novo, vim passar uma temporada para engordar um pouquinho” sempre tendo a
mesma fala, isso demonstra que as medidas socioeducativas não são eficazes da
forma que estão sendo executadas.
A assessora comunitária do Centro da Criança e do Adolescente do Ceará
(CEDECA), Cecília Góis, fala um pouco sobre a reincidência e também das medidas
em entrevista publicada pelo Jornal O Povo de 29 de outubro de 2013:
Não adianta cuidar da família se a escola não tem como recebê-lo. Mas
27
também não adianta cuidar da escola se a família não tem como cuidar
desse jovem [...]. Se o menino tem uma LA (Liberdade Assistida) bem
cumprida, se é acompanhado, se a escola dá amparo e a família se
envolve, a possibilidade de ele reincidir é praticamente zero. Se a equipe
falha [...]. (CASTRO, 2013c)
No jornal Diário do Nordeste de 12 de junho de 2013, há uma reportagem
sobre a lotação nos centros educacionais e a falta de uma estrutura para atender. O
levantamento feito pelo Fórum DCA em 2011 revela muitas falhas na vida desses
adolescentes, principalmente quando seus direitos básicos e fundamentais são
completamente negligenciados.
Aurilene Vidal que coordena o Forúm DCA – Ceará destaca:
Não são dadas condições para que o adolescente saia diferente de como
ele entrou. Quando você cria um espaço adequado para que o jovem
repense o que fez, certamente ele muda, porque foi instigado a isso.
(MADEIRA, 2013a, p. 9)
Um deles é a atenção à saúde, pois muitos admitem ter problemas
relacionados ao uso de drogas e ao alcoolismo, mais da metade das instituições
(57,9%) admitiu não realizar trabalhos e atividades voltadas para o tratamento dos
vícios. O acesso à educação, que por lei, é obrigatório a todos e está previsto no
próprio nome dos centros, também tem sido comprometido
Segundo Lucita Matos, assistente técnica de medidas socioeducativas da
Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), há muitas falhas no
sistema no qual está inserido a prevenção e o combate à violência:
Existem lacunas nos atendimentos e em todos os compromissos dos órgãos
que formam o sistema de garantias dos direitos do adolescente. Nós temos
falhas no atendimento em meio aberto, no poder judiciário, no nosso
trabalho pedagógico e nas condições das famílias de estarem
acompanhando e organizando uma orientação e um cuidado em relação
aos filhos. Tudo isso contribui para que a sociedade desenvolva um
sentimento de ódio do adolescente, muito mais acirrado do que a própria
preocupação. (MADEIRA, 2013a, p. 9).
Outra questão ligada à reincidência no ato infracional é o uso e a busca
das drogas, pois, para possui-las e não tendo condições para tal, praticam-se roubos
e furtos para conseguir dinheiro. Esses tipos de delitos também estão entre os
motivos que elevam a taxa de homicídios na faixa etária entre 12 e 18 anos
28
incompletos como aponta o Jornal Diário do Nordeste que em 2013 foram
executados 286 adolescentes todos envolvidos com drogas. Na fala de um delegado
que ficou no anonimato ele relata: “Para obter o dinheiro necessário para comprar
drogas, os menores assaltam, furtam, traficam, sequestram e até matam” (RIBEIRO,
2013b).
Diante desse fato, o IPECE (2014) fez um levantamento em 2012 sobre o
uso de drogas entre estudantes do Ensino Fundamental em Fortaleza e demais
capitais brasileiras no qual Fortaleza aparece em 17º posição no ranking de
adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental que utilizam maconha, também
mostra que o crack, na capital, ocupa a 10º posição, sendo que seu consumo é de
até 10 vezes mais, principalmente entre os estudantes que estão na escola pública,
um fato alarmante, pois essa incidência no uso de drogas ilícitas acaba por acarretar
a ação de muitos adolescentes no cometimento do ato infracional.
Segundo Nasio (2011, p. 23), os adolescentes antes de qualquer
cometimento do ato infracional fazem o consumo de drogas para o que não tenham
medo do perigo:
A respeito dos atos delituosos, devo dizer-lhes que a maioria dos menores
encarcerados são garotos sem escolaridade e abandonados a si mesmos
que, antes do delito, ingerem um coquetel de drogas e bebidas alcoólicas
para suprir toda consciência e todo medo do perigo.
Ainda de acordo com o autor, são adolescentes que não se incomodam
com os riscos aos quais expõem sua vida, pondo-se a prova para afirmar-se dentro
de um grupo. “Quer sentir-se existindo, distinguir-se dos adultos e ser reconhecido
pelos colegas” (NASIO, 2011, p. 22), comprovando assim a inserção de
adolescentes em gangues que causam medo aos moradores de alguns bairros
principalmente os que moram na periferia da cidade. Segundo o Jornal O Povo do
dia 10 de fevereiro de 2014 (CASTRO, 2014), as gangues em Fortaleza impõem
uma “Lei” de violência em 16 bairros na capital, esses dados são da Delegacia Geral
de Polícia Civil, conforme o Diretor do Departamento de Polícia Especializada (DPE),
“o aumento desses conflitos, atribui principalmente à capitalização do tráfico”,
fazendo com que os adolescentes da classe pauperizada aumentem sua
participação no tráfico de drogas.
29
Conforme Giddens (2005, p. 190), a relação dos adolescentes com as
gangues ocorre da seguinte forma:
Os altos níveis de criminalidade [...] nas áreas mais pobres das grandes
cidades estão relacionados particularmente às atividades de jovens do sexo
masculino. Por que razão tanto jovens nessas áreas voltam-se para o
crime? [...] Os meninos geralmente fazem parte de gangues desde muito
cedo, uma subcultura na qual algumas formas de crime constituem um
modo de vida. E, uma vez que os membros de uma gangue são rotulados
de criminosos pelas autoridades eles descambam em atividades criminosas
regulares.
Grande parte desses adolescentes não frequenta um ambiente escolar
por estar envolvida com gangues, pois, conforme alguns relatos dos adolescentes da
Unidade, não vão à escola por não poderem andar em algumas ruas do seu bairro
por causa de inimigos ou da gangue rival, fazendo com que a taxa de analfabetismo
desses adolescentes cresça. Os dados do IPECE (2012), sobre os números de
crianças e adolescentes de 6 á 14 anos que não sabem ler e escrever de cada
regional, mostra que duas dessas SERs têm uma elevada taxa de vulnerabilidade
educacional, conforme a Tabela 3:
Tabela 3 – Número de crianças e adolescentes analfabetos.
Essas tabelas são apenas uma amostra de como a vulnerabilidade
educacional, financeira e familiar está afetado esta pequena parte da população de
crianças e adolescentes, tendo seu direito a educação, garantido tanto pelo ECA
como pela Constituição Federal, totalmente negligenciado, conforme o Art. 53 e 54
30
do ECA que dispõem:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo
pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade. (BRASIL, 1990)
A Constituição da República Federativa do Brasil, com relação aos
direitos sociais, dispõe:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. (BRASIL, 2014)
São adolescentes sem perspectiva de um futuro e estigmatizados pela
sociedade, pois, passando uma única vez pelo ato de apreensão, esses
adolescentes ficam marcados, uma mancha que não sai e depois que saem da
internação ou cumprem o ato infracional em liberdade na convivência com as
pessoas tanto da família, como os vizinhos, vão ter sempre um olhar discriminatório
contra eles, fato esse revelado pelos próprios adolescentes na Unidade quando
passam pela sala do Serviço Social.
31
3 TRAJETÓRIA DOS ADOLESCENTES INFRATORES NA URLBM: DA INFÂNCIA
AO PRIMEIRO DELITO
3.1 Sentimentos e sensações: as relações familiares e a momento da
apreensão
A vida dos adolescentes recepcionados na Unidade, em grande parte, é
marcada e dilacerada desde a sua infância, tendo seus direitos negligenciados pela
própria família. Alguns são abandonados pelos pais que não tendo condições para
criá-los, deixando-os aos cuidados dos avós, tios e parentes mais próximos. Tal fato
vai de encontro ao que prevê o ECA no Art. 4 (BRASIL, 1990):
É dever da família, da comunidade, de sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade
compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Os dados estatísticos da URLBM referentes a 20124 mostram com quem
os adolescentes moram, são números coletados em 2012, não tendo os de 2013, na
ocasião dos novos dados da Unidade não mostrarem esse perfil, devido ao novo
sistema de coleta de dados. Conforme a Tabela 4, a grande maioria mora com a
mãe, evidenciando, assim, a incidência das famílias monoparentais.
Tabela 4 – Com quem moram?
Com quem moram?
Mães
2. 196
Pais
1. 337
Tios/avós
487
Pai
169
Irmãos
121
Fonte: URLBM
4
Não foi possível utilizar dados mais recentes devido ao novo sistema de coleta de dados da
instituição não mostrar esses indicadores.
32
Entrevistei cinco adolescentes recolhidos na URLBM e seus familiares,
são trajetórias de vida diferentes, mas com o mesmo contexto de vínculos com a
criminalidade. São criados não só pelo pai ou mãe, mas também pelos avós, tios,
irmãos, primos, parentes próximos e até vizinhos. Dos entrevistados, três moram
com a mãe.
É na família que o adolescente constrói sua identidade para a maturidade,
tendo os exemplos dos familiares para sua construção de valores. Conforme Muniz
(2008, p. 3), o adolescente passa por processo de descobertas e sem a presença da
família ele perde o referencial, como mostra em seu artigo sobre o adolescente
infrator:
A assistência familiar é de fundamental importância, a base para a formação
do indivíduo maduro, adulto. É através da família que o adolescente
aprende a subordinar-se à autoridade, que o adolescente inicia suas
relações sociais e a partir desse aprendizado é que ele irá compor as
demais interações. É a partir da palavra dos pais que o adolescente irá
progredir rumo à maturidade. Quando um adolescente é criado num
ambiente familiar dilacerado, sem base de valores, perde o referencial mais
importante que iria norteá-lo à sua maturidade. O adolescente precisa criar
uma identidade, [...]. Para estabelecer esta identidade leva um tempo e o
processo é árduo.
Portanto, a família como primeiro espaço de socialização possui
fundamental influência no desenvolvimento do indivíduo. Quando esse ambiente é
caracterizado pela ausência de condições favoráveis a uma adequação às normas
sociais vigentes, os adolescentes têm maiores probabilidades de se envolverem em
atividades transgressoras e ilícitas.
Desse modo, não tendo um bom convívio familiar, sem lazer, sem
frequência escolar, sem diálogo com os pais, que é de extrema importância, esses
adolescentes acabam descobrindo outras formas de se socializar, que pode ser o
envolvimento na criminalidade. Segundo Giddens (2005, p. 184), “O aumento do
crime e da delinquência estava relacionado à degeneração moral, ao declínio da
família e ao desgaste dos valores tradicionais”.
Outra característica desses adolescentes é que eles vivem o “agora” e
poucos são os que têm uma perspectiva de um futuro, como enfatiza Muniz (2008,
p. 3) sobre essa fase confusa e de muitos conflitos, na qual surgem dúvidas e
preocupações:
33
A adolescência é uma fase em que a pessoa é tomada por conflitos internos
e externos. É nesta fase que surgem as dúvidas e as experiências que irão
conduzir as pessoas rumo à fase adulta. É uma fase da vida em que o que
importa é o agora, não há preocupações com o amanhã. Adolescente é
imediatista, não faz plano para o futuro como um adulto que planeja suas
economias para tempos difíceis.
Durante a pesquisa de campo, um dos entrevistados foi Azulão, de 16
anos, que já estava na sua 7ª apreensão. Ele é um adolescente marcado pelo
abandono dos pais, no dia em que nasceu seu pai deu duas escolhas para sua mãe:
jogar a criança num contêiner de lixo ou dar para alguém criar. Sua mãe preferiu
jogá-lo num contêiner de lixo, mas ele foi resgatado por uma prima, conforme relato
da avó paterna. Outro fator relevante em sua trajetória foi o assassinato do pai
quando ele era pequeno, bem como a morte rápida do tio que ele tinha como pai.
Tudo isso gerou uma revolta, ele pensa que todas as pessoas que ele
gosta estão morrendo, como foi relatado pela avó. Todo esse percurso de perdas e
abandonos em sua vida prejudicou todo seu desenvolvimento durante uma fase tão
conflitante que é a adolescência, tornando-se aparentemente uma pessoa fria, não
pensando nas consequências dos seus atos. Conforme Goffman (1975, p. 9), “[...]
ele carrega um estigma, mas não parece impressionado ou arrependido por fazê-lo”.
Pouco antes da entrevista, antes do adolescente adentrar a sala, o
orientador fez a seguinte recomendação: “tome cuidado, esse menino é muito
perigoso, ele matou duas pessoas”. Então, antes da sua entrada tomei certo cuidado
ao fazer as perguntas, principalmente com relação aos pais, pois como já tinha
ouvido o relato da sua avó, não queria ter nenhum problema com o entrevistado
sobre alguns fatos da sua infância. No momento da entrevista, ele conta com clareza
e muita frieza os delitos que cometeu e sem esboçar nenhum arrependimento.
Ainda de acordo com sua avó, quando ele tinha cerca de uns 10 anos,
começou a vender drogas em vez de ir à escola como ela pensava, pois ele saia
todo fardado, foi nesse período que um vizinho aproximou-se dele e, então, o
mesmo agia da seguinte maneira: dava a volta no quarteirão e entrava na casa do
vizinho, trocava de roupa e saia para vender drogas. A avó o seguiu e descreveu sua
ação. Logo sua vida foi estigmatizada por atos infracionais, o adolescente não mora
mais com a família e sim com uma companheira. O seu último delito cometido foi um
duplo homicídio o qual ele me relatou com muita frieza:
34
Matei duas pessoas no dia só... Porque um roubou meu tio e o outro me
furou um mês atrás, tenho até a marca ó... Foi matei de pedrada. E o
outro de Paulada... um as 5 horas da manhã e o outro de madrugada... eu
chamei ele para cheirar pó, ele veio mais eu, mas quando ele passou por
mim dei logo uma paulada na cabeça dele, que ele caiu e na hora que ele
caiu eu terminei o resto.... O segundo foi depois, ele me chamou e
quando ele se virou, na hora que ele olhou pra mim, na hora que chamei
ele e na hora que ele olhou dei uma pedrada na cara dele que ele caiu,
quando ele caiu eu terminei o resto. (Azulão, 16 anos)
O segundo adolescente entrevistado, Rouxinol, tem um perfil diferenciado
do adolescente acima, ele não foi abandonado pela mãe, mas sofre rejeições diárias
da mesma, que trabalha como diarista. Ele pede várias coisas a mãe e a mesma o
rejeita dando mais atenção ao irmão mais velho. Seus pais são separados. Ele
gostaria de morar com o pai, mas, segundo seu relato, não mora com o pai porque
seu pai não quer e também por achar que sua madrasta não gosta dele, assim,
como ele não faz o necessário para que isso aconteça, mas ambos rejeitam esse
adolescente.
Sua mãe tem consciência disso, pois relatou chorando sua negligência
em ajudar o filho, até a matrícula da escola ela se recusou a fazer. A mesma diz não
saber por que faz isso, mas prometeu mudar e dar mais atenção a ele. O seu
primeiro delito foi um roubo de carro, pois estava revoltado com o irmão que lhe
negou um pouco da sua comida.
A primeira eu assumi porque realmente fiz...ai a primeira eu acho que fiz
também mas por causa também da “rohypnol”5 e a influência que a
5
Conhecido vulgarmente por “Ripinol”, “Rupinol” e “Aranha”. É, muitas vezes, utilizado em
superdoses e associado ao álcool e outras substância psicoativas. “Sua substância ativa é a
flunitrazepam, que é um agonista benzodiazepínico com alta afinidade por receptores centrais. É
indicado para o tratamento de curta duração da insônia. Os benzodiazepínicos são indicados apenas
quando a insônia é grave, incapacitante ou submete o indivíduo a extremo desconforto. O uso de
benzodiazepínicos e similares pode levar ao desenvolvimento de dependência física e psíquica. O
risco de dependência aumenta com a dose e a duração do tratamento; também é maior em pacientes
com história de abuso de álcool ou outras substâncias. O uso concomitante de álcool deve ser
evitado. Os efeitos sedativos e as reações adversas do flunitrazepam podem ser potencializados, se
ele for associado a álcool. A superdosagem de benzodiazepínicos geralmente se manifesta por
depressão do sistema nervoso central, variando da sonolência ao coma. Em casos discretos, os
sintomas incluem sonolência, confusão mental e letargia. Nos casos mais graves, os sintomas podem
incluir ataxia, hipotonia, hipotensão arterial, depressão respiratória, coma (raramente) e morte (muito
raramente). Entretanto, como com outros benzodiazepínicos, a superdosagem não apresenta risco de
vida, a não ser quando associada a outros depressores do Sistema Nervoso Central (inclusive
álcool).” Disponível em: <http://www.medicinanom.br/bula/4565/rohypnol.htm>. Acesso em: 02 jun.
35
pessoa chama... ai meu irmão trabalha com quentinha... chegava com a
quentinha eu pedia a ele, ele não macho, vou dar não, ai eu via, e quando
chegava lá, eu via a quentinha estragada e dava tipo uma coisa assim,
não tinha comida em casa, então fui roubar. (Rouxinol, 17 anos)
Rouxinol é um adolescente simpático e muito falante, me relatou com
muita clareza a sua vida e disse que gosta de cantar rap e que já tem músicas no
youtube6 que retratam a sua realidade e da comunidade onde mora, colocadas por
seu pai que é professor de capoeira. Sua última apreensão foi por receptação.
O terceiro adolescente entrevistado, Gaivota, estava na sua 4ª apreensão.
Ele tem dois filhos, não trabalha e não estuda, pois não pode se locomover em seu
bairro livremente por causa das gangues que existem por lá, são três gangues no
mesmo bairro. Ele confirma que praticou dois atos infracionais por tráfico de drogas,
entretanto, segundo o mesmo, os dois últimos delitos foram forjados por um policial
da reserva que frequentemente andam pelo bairro. Ele alega que esse policial não
gosta dele e deu-lhe até um apelido de 12 que o adolescente não sabe o motivo e
também não gosta de ser chamado assim. De acordo com seu relato, esse policial já
forjou alguns delitos e o colocou como culpado de porte ilegal de arma de fogo e de
latrocínio. Sobre o primeiro ato infracional, ele relata que “estava precisando de
dinheiro e não tinha como trabalhar... influencia mesmo”. Já o segundo, no qual foi
apreendido novamente por tráfico, ele diz que “Estava sem dinheiro, estava a fim de
comprar leite pro meu filho...” (Gaivota, 17 anos).
O adolescente, no momento da entrevista, se mostrava muito preocupado
com sua situação devido a sua apreensão pelo latrocínio de uma grávida no bairro
de Messejana, fato que teve uma grande repercussão tanto na TV como também
nas redes sociais. Ele chorou muito dizendo que ele não tinha feito esse delito, que
não sabe andar de moto e nunca pegou numa arma. Dizendo que ia para o interior
estudar e mudar de vida para criar seus filhos, mas esse policial “não o deixa
sossegado”.
Seus pais estão separados há nove anos. Seu pai relatou que a infância
do filho sempre foi boa, que ele deixou de ir ao colégio aos 12 anos por causa das
gangues existentes no bairro que controlam a área, impedindo a locomoção dos
2014.
6
Site de compartilhamento de vídeos, cujo endereço eletrônico é <http://www.youtube.com>.
36
moradores pelos seus arredores. Também disse que ele era tranquilo até “que um
rapaz da outra gangue mexeu na bicicleta dele, ai pronto esse menino ficou doido, ai
brigou com esses caras...”. Disse que, depois desse incidente, o adolescente entrou
na gangue rival para se vingar. Perguntei ao gaivota se ele participava de algumas
dessas gangues, ele disse que não, contrariando o que seu pai tinha dito
anteriormente.
O pai ainda relatou que seu filho nunca roubou, pois ele dá tudo o que ele
precisa, justamente para que ele não cometa o ato infracional do roubo. Também
reforçou que essas duas últimas infrações foram forjadas por esse policial da
reserva que anda a paisana pelo bairro invadindo as casas sem ter um mandando
expedido pelo juiz, tanto o pai como o adolescente dizem que esse policial sempre o
persegue, fazendo com que ele assuma crimes que não cometeu.
O quarto adolescente entrevistado, Sabiá, foi pego junto com gaivota por
latrocínio, tem a mesma história, pois moram na mesma rua e são amigos, ambos se
dizem perseguidos pelo mesmo policial. Ele mora com os pais, estudava, mas saiu
da escola por causa das gangues no bairro e agora trabalha com o pai. É um
adolescente calmo, fala pouco, mas relatou seu primeiro delito: “eu estava numa
cinquentinha7 roubada... era do meu tio, eu fui preso ele não”. (Sabiá, 17 anos).
Ele relata que é perseguido pelo mesmo policial da reserva e que, desde
a primeira apreensão, esse policial já lhe forjou dois delitos de roubo, relatou a
última apreensão na forma de um desabafo:
A lei, mas essa é a segunda vez que sou preso por um ato que não
fiz...tem a pessoa dizendo que fui eu... o que essa pessoa ganha com
isso, por causa que ele perdeu um ente querido né e tudo. É difícil perdeu
um ente querido, mas tá acusando a pessoa errada, fazendo a pessoa
pagar pelo crime que não cometeu. (Sabiá, 17 anos).
Sabiá também chorou muito no momento da entrevista por estar
novamente dentro do sistema socioeducativo e, principalmente, por um ato que ele
alega não ter cometido. Sonha em ter paz e diz: “quero acordar e sair desse
pesadelo, voltar a estudar e andar tranquilo”, falou também em morar no interior,
7
O termo “cinquentinha” refere-se a um modelo de motocicleta com motor de combustão interna, cuja
capacidade cúbica não ultrapasse 50 cm³ e a velocidade final não exceda os 50 quilômetros por hora.
Disponível em: <http://www.motonauta.com.br/?p=20799>. Acesso em: 02 jun. 2014.
37
querendo se livrar da perseguição do policial, o adolescente acha que é perseguido
pelo policial por causa do seu amigo gaivota.
O quinto adolescente entrevistado, Curió, tem uma história quase
parecida com a dos adolescentes acima, morava com a mãe e agora mora com a
companheira que está grávida. Seu pai é falecido, tem mais dois irmãos sendo que
não tem mais contato com os mesmos. Trabalha em dois lugares, não estuda porque
é perseguido pelo traficante que o acusa de ser um delator, pois o mesmo foi preso
e acha que Curió que o denunciou a polícia.
Ele me falou do seu primeiro delito: “fiz nada não, eu comprei, mas não
sabia não que era roubada... uma moto.” (Curió, 17 anos). O segundo delito foi pelo
mesmo motivo, “não era roubada, só a placa que é adulterada, ela tinha documento
e tudo... comprei ela em dezembro...” (Curió, 17 anos).
A mãe do Curió, no momento da entrevista, chorou duas vezes, relatandome o comportamento do filho que, desde pequeno, tem problemas neurológicos,
dizendo que ele começou a se envolver em atos infracionais por causa da
companheira, mas me pediu para não comentar isso com ele. Afirmando que sofre
muito devido ao envolvimento do filho com as “amizades”, que vive mudando de
bairro, tentando ter paz, relatando que não tem nada, foi tudo destruído por conta
dessas “amizades” e também pelos policiais que quando fazem busca de drogas em
sua residência quebram tudo.
As famílias, principalmente de classes menos favorecidas e as que
moram nas periferias da cidade, pela precarização de recursos e informações, pelo
excesso de trabalho e escassez de tempo e também o desemprego, encontram-se
em relações de abandono, insegurança e dúvidas na educação dos filhos. Muniz
(2008, p. 3) relata essa problemática com clareza:
No Brasil, onde o desemprego assola o país, sobretudo nas classes baixais
em que as pessoas não possuem qualquer qualificação para o trabalho,
onde um curso superior parece ser uma realidade distante, o crime se
apresenta como uma forma de emprego muito atraente a estes jovens.
Na dinâmica da Unidade, durante as conversas com os adolescentes,
percebia a necessidade que alguns deles têm em ajudar seus familiares, como
muitos não estudam e também não querem, buscam através do delito ajudar seus
38
familiares. Como afirma Feijó e Assis (2004, p. 158), “O jovem, seja por abandono
ou por pobreza extrema, entraria pelo caminho da infração como forma de
sobreviver e aumentar a renda familiar”.
Observei, no meu período de estágio na Unidade, que os adolescentes
não expressam sentimentos, são raros os momentos em que vi adolescentes no
atendimento esboçando um arrependimento ou choro sobre o ato que cometeram,
eles demonstram certa dificuldade em falar sobre o assunto, principalmente sobre
eles e seus familiares, quando perguntados como é o convívio dentro do ambiente
familiar.
Dentre os entrevistados, apenas um soube expressar o que estava
sentido, que foi o Rouxinol, um adolescente tranquilo que tenta entender porque sua
mãe lhe despreza tanto, ele acha que é por ser “diferente” dos demais, por causa da
sua cor, pois se considera mais “moreno” do que seu irmão que tem um cabelo loiro
e suas irmãs que são mais branquinhas. Relata com tristeza que tenta fazer tudo
que sua mãe pede, mas ela não lhe dá atenção.
Muitos desses adolescentes mesmo dentro do convívio familiar se sentem
rejeitados, sentindo ausências dos pais, sentem necessidade de serem aceitos,
valorizados, tendo, assim, uma grande dificuldade de se identificar com alguém da
família. Desse modo, seu percurso vai ser marcado com o envolvimento com as
drogas ilícitas e muitos desses entram para o tráfico de entorpecentes. Dessa forma,
eles acabam se inserindo num grupo, acabando, assim, com sua rejeição dentro do
convívio familiar, sendo introjetado nele uma identidade baseada no convívio com os
pares, uma vez influenciado vai ser difícil se desvincular.
Sem uma base familiar, os adolescentes se apoiam nos seus pares que
como eles buscam uma identidade, como afirma Muniz (2008, p. 3).
Com isso, a supressão da família neste tocante irá transferir aos
pares a busca pela identidade. Os pares são pessoas ligadas, mais
próximas, grupos, geralmente da mesma faixa etária, que se unem
em busca de identidade. São formados, justamente pela identificação
comum. Logo, a personalidade do adolescente será formada a partir
dos valores dos seus pares, já que lhes faltou o apoio dos pais. A
influência dos pares é tão forte que mesmo em famílias bem
estruturadas, estes exercem sua influência, mas não de forma tão
intensa, como em famílias dilaceradas, de vínculo frágil ou
inexistente.
39
Esses adolescentes carregam dentro de si uma marca, uma característica
que só pertence a eles, passando uma vez pelo sistema das medidas
socioeducativas, sofrem preconceitos não só da sociedade, mas também por
membros da família, não lhe dando crédito, estão sempre lhe julgando, como
Goffman (1975, p. 6) aponta:
Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que
ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa
categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos
desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa
ou fraca....Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu
efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é
considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma
discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social
real.
3.2 O uso das drogas como forma de alívio e coragem
A porta de entrada dos adolescentes no chamado mundo do crime está
muitas vezes associado às drogas ilícitas (maconha, crack, cocaína, dentre outras),
acabando por adentrar na delinquência com o apoio dos “amigos” e até de alguns
familiares que, já envolvidos no crime, influenciam a entrada deste adolescente no
mesmo caminho.
Como afirmam Sá e Santiago Neto (2011, p. 10):
No cotidiano dos adolescentes se faz presente o envolvimento com o tráfico
de drogas, assassinato de parentes significativos, envolvimento de parentes
no crime, além do risco que envolve o adolescente de perder sua vida a
qualquer momento.
Os adolescentes entrevistados na URLBM relataram o uso de drogas no
cometimento do crime. O azulão começou a usar ainda criança aos 10 anos por
meio de um vizinho, como falado anteriormente. Uma criança marcada pelos
acontecimentos em sua vida, começou pela maconha, depois o crack e, agora, diz
que está no pó (cocaína). Ele é muito temido no bairro onde mora, pelo seu
envolvimento com o tráfico de drogas. Tejadas (2005, p. 48), em seu artigo, ressalta
“A droga como meio de se inserir em um grupo e de lidar com o sofrimento, o crime
como meio de conquistar a afirmação e o pertencimento”.
40
A família também pode ser uma porta para a iniciação no mundo das
drogas, através de um depoimento de uma menina que começou a fazer uso da
maconha por incentivo de seu padrasto e, agora, de acordo com ela, está viciada em
tudo:
Eu comecei a usar drogas, eu não tinha nem 8 anos direito... porque minha
mãe usava e o marido dela usava... o primeiro cigarro que eu fumei eu não
tinha nem 8 anos, foi meu padrasto que me deu, pra espantar mosquito do
interior... quando tinha 12 anos de idade, eu já estava viciado em tudo:
crack, maconha, bebida... e, quando tinha 12 anos de idade eu fui presa
pelo conselho tutelar, por que minha vó me denunciou dizendo que eu
8
queria matar ela”. Joana Maria 13 anos.
O Rouxinol começou a usar drogas por influência do irmão mais velho, no
seu relato, dizia que queria ajudar o irmão a sair das drogas e acabou utilizando e
ainda fuma maconha várias vezes ao dia, principalmente à noite para relaxar e
dormir. Como explicam Pereira e Sudbrack (2008, p.155) sobre esse consumo, “há
uma relação com a droga na qual o jovem já não dá conta de fazer suas ações
diárias sem estar sob o efeito dela”. Conforme seu relato, quando cometeu o
primeiro delito, pela raiva, utilizou o “repinol” para lhe dar coragem e cometer o ato
infracional.
Assim como o Rouxinol, outros adolescentes se utilizam da droga para
perder o medo do perigo, agindo, assim, com agressividade e ameaças para
conseguir o que desejam, como afirmam Pereira e Sudbrack (2008, p. 155):
Em um contexto de pobreza e exclusão, em que os problemas enfrentados
são os mais diversos, agravados pela introjeção de uma auto-imagem
negativa, pela descrença em si mesmo e pela ausência de esperança de
melhores condições de vida, esses jovens, além de desejarem esquecer os
problemas e encontrar momentos de prazer, passam a acreditar que com a
droga podem tudo, que a droga é capaz de lhes oferecer “poder” e
“coragem” para desafiarem, conquistarem ou violarem: “as pessoas buscam
‘ibope’ e um desabafo.”
O Gaivota usava maconha, como ele queria ter roupas boas, começou a
traficar drogas e relatou que somente fumava maconha durante o período em que
traficava, agora com dois filhos, deixou de usar, para não influenciá-los.
8
Depoimentos de adolescentes infratores sobre as medidas socioeducativas e atos infracionais.
(TERRE DES HOMMES, 2010, p. 33).
41
O Sabiá não disse como se envolveu com as drogas, relatou dizendo que
usava maconha e como via a mãe dele sofrendo parou de usar. Já o Curió, de
acordo com o relato da mãe, começou a se envolver com drogas depois que o pai
morreu, despertou para o uso da maconha, em seguida, foi para a cocaína, parou de
usar depois que passou pelo processo da medida socioeducativa, pelos conselhos
que ouvia e também porque descobriu que sua companheira está grávida.
Na análise de Pereira e Sudbrack (2008, p. 155), as autoras afirmam que
os adolescentes buscam nas drogas o alívio para vários problemas relacionados em
sua vida:
No entanto, o fato de cometerem o ato infracional para usarem drogas é
apenas um sinal de dependência da droga ou poderia ser também uma
estratégia de sobrevivência? Em contextos desfavorecidos, não podemos
deixar de pensar também nas estratégias que esses jovens desenvolvem na
tentativa de eliminar o frio, a fome, como também a dor, o sofrimento, o
abandono e a solidão.
Os atos infracionais mais cometidos pelos adolescentes quando estão
sob o efeito da droga é o roubo e o furto. Fazem isso para obterem o dinheiro para a
compra da droga, como relatam alguns adolescentes da Unidade em atendimento
com o serviço social. São adolescentes que vivem num contexto de exclusão,
tornando-se vulneráveis, com isso, acabam por adentrar no mundo obscuro que é o
da droga, como corroboram Pereira e Sudbrack (2008, p. 155):
Esses jovens encontram-se vulneráveis pelo contexto de exclusão em que
vivem. Passam por situações altamente frustrantes e tensas e não
encontram um modo de expressar os sentimentos de raiva e revolta que são
despertados. A droga aparece como “válvula de escape” para suas tensões,
mas ao invés de controlar o sentimento, libera-o em maior intensidade, pois
ela rompe com todos os mecanismos de censura.
3.3 Abordagem policial e o abuso de poder
As abordagens policiais de acordo com os adolescentes e familiares é de
muita agressividade, chegando a agredir até familiares nas “batidas”, que os
mesmos fazem nas residências quando procuram drogas, armas ou material de
roubo. De acordo com Sá e Santiago Neto (2011, p. 148):
42
São os usos sociais de punições físicas praticadas por policiais contra
os corpos de pessoas recorrentemente concebidas como
indesejáveis, tanto pela população citadina quanto pelos policiais, e,
portanto, categorizadas em situações de conflitualidade cotidiana
como “vagabundos”, principalmente flanelinhas, guardadores de
carros, jovens usuários de drogas, jovens moradores de favelas se
deslocando de bicicleta pela cidade, usando roupas que são
identificadas no “crime” e pela polícia como marcas de ladrões,
ocasiões que resultam nos chamados “baculejos”, uma forma local de
revista policial.
O Azulão relata sua relação com a polícia, pois por ser considerado, no
bairro em que reside, um adolescente de alta periculosidade, qualquer crime que
acontece no local, a polícia vai atrás dele para agredi-lo, segundo o mesmo, até
quando se trata de crimes que não cometeu. Sobre o duplo homicídio, ele comenta:
“Estavam a fim de me pegar, meter a peia em mim, é tetra pra mim tirar, mas não
conseguiram não”.
Ele foi preso depois de cinco dias, mas antes disso, no dia do delito, os
policiais foram atrás dele, como relata:
Os cana9 já sabia que era eu, foi lá em casa pegaram minha irmã,
arrombaram lá o barraco onde eu dormia, foram lá na minha tia atrás de
mim, e não conseguiram me pegar, nesse mesmo dia que fiz o homicídio,
passou uns dias, passou uns dias, ai eles conseguiram me pegar cinco
dias depois... essa queda agora não apanhei não triscaram nenhum dedo
em mim não.
No relato do Rouxinol, a violência dos policiais foi mais extrema. De
acordo com ele, na primeira apreensão, os policiais lhe agrediram com pedradas:
“tem um rombo aqui que abriu, me bateram totalmente com pedrada”, já na segunda
ele falou:
A polícia me pegou me batendo, dizendo que é dá...eles falaram assim:
“Ei macho, olha pra aquele teu amigo, ele vai levar um tiro e quando ele
levar um tiro, ai tu num instante vai entregar, ai se tu não entregar, tu vai
levar o teu também.” Aí eu no meu pensamento: “Vixe! Vocês vão me
matar porque não sei de nada desse roubo, vocês vão me matar”. Tem
até um calombo na minha cabeça, pancada de rifle, telha, pedaço de pau,
a telha fazia era quebrar.
9
Gíria para denominar a polícia ou os policiais.
43
Os adolescentes Curió, Sabiá e Gaivota sofrem abuso de poder de
policiais não somente pelo fato de terem sido apreendidos uma vez, mas também
pelo fato de que eles não entendem o motivo de tal perseguição. São abordados
constantemente pelos tais policiais e forjadas prisões para eles, caracterizando,
assim, abuso de poder.
Como comprovam Sá e Santiago Neto (2011, p. 156)
Possivelmente, os que possuem passagem pela polícia são considerados
um forte suspeito durante as batidas policiais, mesmo tendo sido julgado e
absolvido. Já os que estão com algum processo em andamento, correm o
risco redobrado de sofrer algum tipo de punição momentânea por parte dos
policiais durante o baculejo. Uma das estratégias criadas pela polícia para
identificar determinados sujeitos e combater o crime, que foi constatada nas
nossas pesquisas, foi o uso do celular, utilizado por policiais, para tirar
fotografias de alguns sujeitos. Os sujeitos escolhidos, em algumas batidas
policiais, para serem registrados em fotografias, eram jovens que já
responderam ou estavam respondendo por algum crime.
Todos os adolescentes que passam pela Unidade relatam o fato de serem
fotografados pelos policiais que fazem sua apreensão e isso vai de encontro com o
ECA que proibi qualquer tipo de fotografia tirada por policiais, ou qualquer outra
pessoa sem a devida autorização, conforme o Art. 247 e parágrafo 1º sobre as
infrações administrativas do ECA:
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por
qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento
policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se
atribua ato infracional... § 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou
parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato
infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos
que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou
indiretamente. (BRASIL, 1990)
Esse procedimento só poderá ser realizado na DCA na sua ficha criminal.
Esse tipo de procedimento realizado pelos policiais aumenta ainda mais a
perseguição contra esses adolescentes.
O Curió comenta o assunto sobre abordagem policial com muita revolta.
De acordo com ele, esses policiais têm uma rixa com o mesmo:
Eles iam do outro lado da avenida, ai eu vinha assim, eles olharam, ai não
deram voz de abordagem, foram logo atirando, não sei se era pra cima ou
44
pra mim, eu se aperreei e estiquei, sai e segui em frente, com medo de
pegar um tiro em mim, eles não falaram no microfone para parar, só
faziam atirar, quando me viram foram logo atirando, ai pra casa da mãe
dela (companheira) era umas dez horas da manhã tava até chovendo.
Deram pau em mim estou todo marcado de pau... foram me perseguindo
até em casa, eles invadiram a nossa casa, invadiram a casa da minha
mãe, chamaram eu e deixaram ela (companheira) dentro da viatura e
pediram arma e eu dizendo que não tinha arma não, eles: “é vocês ficam
roubando”. Roubando onde se eu trabalho, ai só sei que desde a primeira
vez eles têm uma rixa comigo, a primeira levaram o dinheiro do aluguel e
a segunda vez roubaram o celular dela.
Sá e Santiago Neto (2011, p. 158) constatam que:
[...] esta é a forma como os policiais acreditam que estão combatendo o
tráfico de drogas, e que o meio da agressão, embora ilegal, seja uma
alternativa de impor respeito e ordem. A medida como muitos deles tentam
impor a lei é, na maioria das vezes, baseada na força e nas regras das ruas,
motivada por uma empolgação, ações enérgicas, vibração, que visa combater
o mal das drogas e da criminalidade.
Os depoimentos de Sabiá e Gaivota são parecidos, pois os mesmos
moram no mesmo bairro e são amigos. Gaivota relata que o policial da reserva que
anda a paisana vive andando pelo bairro, na entrevista, ele disse: “ele pegou uma
rixa em mim... foi no tempo que disse que meu apelido era 12” o adolescente não
sabe dizer o motivo do tal apelido. Dizendo ainda: “eu disse não man 10, para de
chamar desse apelido... só ele me chama de 12... quer me forjar de alguma coisa,
quer me bater, jogou até gasolina em mim, ele me ameaça”. Nessa apreensão, o
policial invadiu sua casa, segundo relatou, dizendo que ele deveria comparecer à
delegacia sem ao menos dizer qual o motivo, quando chegaram lá ele e o Sabiá
estava sendo acusados de latrocínio.
No depoimento de Sabiá, ele relata que está vivendo outro pesadelo e
que não aguenta ver sua mãe chorando toda vez que ele é apreendido por crimes
que não cometeu, ele declara “a primeira foi o ronda, o roubo foi o policial da reserva
que me pegou... por que no bairro a gente tem rivalidade com outra gangue... tem
boatos que a gente fez isso e fez aquilo... fica nessa fama ai a polícia bota pra mim e
para o Gaivota”.
10
Corruptela da expressão “macho”, bastante usada no Ceará para se referir as pessoas do sexo
masculino, independente da idade.
45
Realidade essa que ocorre todos os dias, principalmente nas periferias e
favelas de Fortaleza, os familiares contam, aos prantos, os abusos de poder que
esses policiais exercem dentro dos bairros e comunidade, colocando medo e terror
nos moradores, de preferência nos adolescentes infratores, que, abordados por eles,
são marcados e o fato de estarem simplesmente numa praça ou calçada e,
principalmente, se estiverem em algum lugar suspeito na hora da ronda policial,
podem retornar à DCA, pois é possível que seja forjado algum delito para eles, como
os próprios adolescentes e familiares comentam.
Sendo assim, a grande parte dos adolescentes infratores como seus
familiares que passam por esses abusos e violências não fazem uma denúncia na
Corregedoria por medo de represália dos policiais que não só ameaçam os
adolescentes como toda a família.
Como descreve Machado e Noronha (2002, p. 209) sobre a violência
policial contra as famílias e adolescentes que vivem nas mãos dos policiais.
Assim, mesmo que a maioria dos soldados venha da parte excluída da
sociedade, eles absorvem esquemas discriminatórios e desenvolvem
condutas violentas contra pobres e não-brancos. Estes por sua vez, como
não dispõem de recursos materiais e políticos para modificar a imagem
produzida sobre eles, nem para agir contra os abusos, constituem presas
fáceis para a violência policial.
O pai do Gaivota, em seu relato, diz que a polícia é conivente com os
marginais do bairro e que tudo o que acontece a polícia sabe, ele comenta que: “A
polícia ganha dinheiro do outro lado, o ronda e esses reservados que são militares
que trabalham com roupa de civil”, sendo contrário ao que prevê, sobre os deveres
dos militares, o Art. 8º11:
IV- Servir a comunidade, procurando no exercício da suprema missão de
preservar a ordem pública e de proteger a pessoa, promover, sempre o bem
estar comum, dentro da estrita observância das normas jurídicas e das
disposições deste artigo.
Retratando o abuso e a extorsão que essas pessoas sofrem com o
convívio de policiais onde moram, Noronha e Machado (2002, p. 219) afirmam:
11
Disponível em: <www.cb.gov.br/html/coletanea/coletanea_html/coletanea_lei13407.html>. Acesso
em: 02 jun. 2014.
46
Entretanto, como a violência policial tem uma dinâmica própria, fundada em
concepções e políticas social e racialmente discriminatórias, é inevitável que
pessoas comuns, inocentes sejam objeto da brutalidade policial, que não se
justifica mesmo contra os chamados “marginais”. Para estes, existe a lei,
que devia existir também para o policial que mata sem motivo legítimo, que
humilha, agride, espanca, tortura.
Uma mãe também fez um desabafo quando foi falar com seu filho na
Unidade. Ele foi apreendido em Horizonte, onde moravam, também com as mesmas
características dos adolescentes acima citados, ela disse que: “ele não pode pôr os
pés em Horizonte que a polícia prende, eles não gostam do meu filho, já forjaram
vários delitos”. Esse adolescente, quando apreendido, não chega a falar com o
Delegado e muito menos com o Promotor ou Juiz, a única coisa que eles pedem é
que ele assine um documento, sendo obrigado a isso, então, é mandado para
Fortaleza para cumprimento da medida socioeducativa de internação, como relatou
sua mãe que se desespera com a situação de seu filho. Não só ele passa por isso,
mas toda a família vem sendo ameaçada constantemente pelos policiais, até seu
irmão mais novo passa por esse constrangimento, ela relata isso chorando, pois não
aguenta essa perseguição.
Sendo assim, Noronha e Machado (2002, p. 1) comentam:
A violência policial contra indivíduos e grupos, também chamada de
violência oficial, é uma constante nas sociedades modernas e
contemporâneas. Contudo a sua forma varia conforme o grau de tolerância,
governamental ou popular, levando a que, em certos lugares, haja mais
vigilância sobre a ação policial do que em outros.
De acordo com uma matéria publicada no Jornal O Povo de 2013, o
comportamento do policial durante a abordagem vem do treinamento autoritário
baseado em aulas teóricas e exercícios que são realizados nas academias para sua
formação, tendo uma disciplina rígida chamada “Cultura Militarizada” que se baseia
na atuação do policial como se ele estivesse em guerra, combatendo um inimigo.
Diante desse aspecto, ainda conforme a matéria:
Práticas de tortura, violação de direitos e abuso de poder são chagas que
atingem também delegacias e seus agentes desfardados. No Ceará, a
situação é grave. Hoje, do total de investigações que estão em andamento
na controladoria de disciplina dos órgãos de Segurança, cerca de 30% são
contra policiais civis. (REBOUÇAS, 2013)
47
4 PERCEPÇÕES DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI SOBRE AS
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
As medidas socioeducativas a que os adolescentes estão sujeitos a
cumprir são divididas em dois grupos: as que incluem medidas não privativas de
liberdade (advertência, obrigação da reparação do dano, prestação de serviços à
comunidade e liberdade assistida) e as que incluem as medidas que são privativas
de liberdade (semiliberdade e internação). Abordarei os dois grupos nesse trabalho,
devido ao fato de que alguns dos adolescentes entrevistados já passaram por
medidas socioeducativas nos referidos grupos.
As medidas socioeducativas, em conformidade com o SINASE (SDH,
2013, p. 6), têm como objetivo interromper a trajetória do ato infracional, restituir os
direitos que são garantias dos adolescentes, permitir sua inclusão social,
educacional, cultural e profissional.
Conforme o Levantamento Nacional sobre o atendimento socioeducativo
ao adolescente em conflito com a lei em 2010 (SDH, 2010), o Brasil teve uma
estimativa em média de que para cada 10.000 adolescentes entre 12 e 17 anos, 8,8
encontram-se privados de liberdade. A comparação, em média, entre as medidas em
meio aberto e fechado é de um interno para dois em meio aberto.
Comparando as estatísticas de 2010 e 2011 feitas pelo levantamento
Anual da Coordenação-Geral do SINASE (SDH, 2012, p. 11) é indicado um aumento
de 4,5% em 2010 para 10,6% em 2011 em privação de liberdade, mostrando
também um grande aumento no tráfico de drogas que em 2010 era de 7,5% para
26,6% em 2011, afirmando também que um dos principais motivos para a internação
está diretamente relacionada à vulnerabilidade social a que são expostos os
adolescentes.
Existem falhas no sistema socioeducativo, pois o mesmo não dá conta do
crescimento
de
adolescentes
envolvidos
com
atos
infracionais,
gerando
consequências graves, fazendo com que grande parcela da sociedade comece a
discriminar tais adolescentes, propiciando o estabelecimento de estereótipos, que
podem ser exemplificado em uma frase comum como: “esses adolescentes não tem
jeito”, como Goffman (1975, p. 124), explica:
48
As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um estigma, e
os atos que empreendemos em relação a ela são bem conhecidos na
medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta
suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um
estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários
tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes
sem pensar, reduzimos suas chances de vida [...].
De acordo com Madeira (2013a), em matéria no Jornal Diário do Nordeste
de 12 de junho de 2013, a superlotação dentro das Unidades está fazendo com que
os trabalhos para essa reintegração seja comprometida, uma vez que 50% dos
internos que estão nos Centros Educacionais em Fortaleza já foram sentenciados
outras vezes e já haviam passado por medidas socioeducativas. Entretanto, o
mesmo jornal, no dia 09 de outubro de 2013, retrata que, com toda essa demanda
dentro dos centros educacionais, torna-se impossível uma ressocialização, “pois o
sistema está piorando esses adolescentes. Tudo passa a ser comprometido, a
dormida, o número de visitas, de aulas ofertadas, atividades lúdicas. Tudo é de
menos, por que tem gente demais”, destaca o Juiz da 5ª Vara da Infância e
Juventude, Manuel Clístenes (LIMA, 2013).
Conforme o SINASE (SDH, 2013, p. 12), a quantidade das Unidades
Socioeducativas no país:
Existem 448 unidades socioeducativas no país, das quais 286 possuem
destinação exclusiva a um único programa (63,8%) e 162 mistas (36,2%),
que envolvem mais de um programa de atendimento. Quanto à destinação
por gênero, 77% (346) das instituições são exclusivamente masculinas, 54
exclusivamente femininas e 48 são instituições mistas. Do total de unidades,
263 (58.7%) têm destinação específica de faixa etária e 185 não têm faixa
etária especificada. São Paulo concentra 136 unidades (30% do total
nacional).
A quantidade de Unidades é insuficiente para a demanda, com isso,
ocorre a ineficácia das medidas socioeducativas, os direitos que são garantidos aos
adolescentes em regime de internação não são cumpridos a rigor, assim, não trazem
garantias para que a medida faça seu papel de ressocializar o adolescente, para que
ele volte ao convívio familiar e tenha uma rotina diferente da que tinha antes. Como
afirma o Levantamento Nacional sobre as Unidades Socioeducativas:
49
Ao longo dos últimos anos a SDH procurou apoiar os Estados na superação
da falta de vagas pela insuficiência no número de unidades socioeducativas
de privação de liberdade, por inadequação dos espaços e das estruturas
físicas aos parâmetros do SINASE e especialmente para superar questões
de superlotação e presença de adolescentes em delegacias públicas. (SDH,
2011, p. 16)
Sales (2007, p. 320) comenta que medida socioeducativa de internação
deveria ser uma privação de liberdade, sendo, assim, uma “suspenção temporária
do seu direito de ir e vir” e aponta a necessidade de investimentos nas outras
medidas:
Isso porque os objetivos primordiais almejados pelo ECA, em seu Livro II,
são a responsabilização e a reparação da transgressão cometida,
combinadas à perspectiva de educação e reinserção social desses
adolescentes. O uso excessivo de tal medida encobre, porém, muitas vezes,
a incapacidade de setores governamentais em lidar com o problema dos
delitos e da criminalidade juvenil, e a dificuldade em aplicar com criatividade
e investimento social as demais medidas presentes no ECA [...].
Os Centros Educacionais estão trabalhando com superlotação, não
conseguindo atingir o seu objetivo que é trabalhar a ressocialização do adolescente.
Em 2013, foram mais de 4 rebeliões nos centros educacionais, já em 2014, estão
contabilizadas 5 rebeliões no primeiro semestre. De acordo com os dados da DCA,
em 2014, o índice de adolescentes infratores aumentou e nos dois primeiros meses.
Esse aumento foi de 23%, totalizando mais de 1.000 adolescentes apreendidos, fato
publicado por Paiva (2014c) no Jornal O Povo de 25 de abril de 2014, que aponta os
dez atos infracionais mais cometidos por adolescentes em 2013 conforme o Gráfico
1, a seguir:
50
Gráfico 1 – Os 10 atos infracionais cometidos pelos adolescentes.
Fonte: Paiva (2014c).
Diante dos fatos apresentados, Kodato e Silva (2000, p. 511) falam dos
problemas existentes dentro das Unidades de Internação que comprometem a
ressocialização dos adolescentes:
A ressocialização depende muito mais de esforços pontuais de profissionais
da instituição e das particularidades de cada adolescente do que da
existência e manutenção de um programa pedagógico articulado e
consistente com os objetivos de uma internação, tal qual apregoa o ECA e
as normas internacionais na área. Não há um programa claro e
fundamentado com diretrizes, conteúdos e atividades, sendo ócio a
característica central na rotina de grande parte dos internos.
Como apregoam os parâmetros da gestão pedagógica no atendimento
socioeducativo do SINASE (SDH, 2013, p. 46):
O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que
contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo
e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e
com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos
infracionais.
Segundo Feitosa (2014), as medidas em meio aberto também contém
falhas, fazendo com que a reincidência dos adolescentes infratores chegue a
51
91,43%. Esse dado indica que as medidas socioeducativas em meio aberto não
surte o efeito esperado, como afirma o Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude de
Fortaleza, Manuel Clístenes, em relação à Liberdade Assistida.
Este levantamento mostra que praticamente 100% dos garotos descumprem
as medidas de Meio Aberto. Isto é uma piada. É uma prova de que a
Liberdade Assistida não funciona em Fortaleza. O resultado é
absolutamente nulo. (FEITOSA, 2014)
O
SINASE
(SDH,
2013,
p.
14)
afirma
que
foram
ampliados
significativamente, em 2010, os programas para o atendimento em meio aberto:
De 40.657 adolescentes atendidos em 2009, para 88.075 em 2011. Por
meio da Resolução nº 7, da Comissão Intersetorial Tripartite (CIT),
promoveu-se uma expansão da oferta do Serviço de medidas
socioeducativas em Meio Aberto no SUAS, passando de 388 para 903 o
número de municípios com cofinanciamento federal.
Não adianta aumentar o número de atendimentos se não há profissionais
multidisciplinares suficientes para atender à demanda, o CREAS – Centro de
Referência Especializado de Assistência Social, órgão responsável por atender as
medidas em meio aberto, não conta com uma equipe de atendimento psicossocial
que seja suficiente para atender tantos adolescentes que chegam diariamente na
Unidade.
Entretanto, o SINASE (SEDH, 2006, p. 19) afirma:
A realidade dos adolescentes brasileiros, incluindo aqueles no contexto
socioeducativo, exige atenção do Estado e evidencia a necessidade de uma
agenda de urgência no sentido de se efetivar politicas públicas e sociais e
sobretudo, ampliar os desafios para a efetiva implementação da politica de
atendimento socioeducativo.
Segundo Feitosa (2014), sobre a equipe de profissionais do CREAS: “as
equipes profissionais estão completas, atendendo as demandas e fazendo os
acompanhamentos necessários”, afirma a assessoria de comunicação do CREAS.
Fato esse que, segundo os relatos dos adolescentes atendidos na Unidade, não
procede, eles afirmam que nunca receberam visitas de nenhum profissional e que só
vão assinar a presença para ficarem livres do processo. Nesse caso, refere-se aos
adolescentes atendidos na Liberdade Assistida, já que, na Prestação de Serviço
52
para Comunidade – PSC, o adolescente tem que comparecer na Unidade
estabelecida para trabalhar.
Entretanto, na matéria do Diário do Nordeste de maio de 2014, Feitosa
(2014) aponta o aumento de adolescentes que reincidem dentro das medidas em
meio aberto. Como mostra o Gráfico 2.
Gráfico 2 – Medidas socioeducativas em meio aberto.
Fonte: Feitosa (2014).
Um dos problemas apontados para que as medidas em meio aberto não
funcionem é o que se refere às drogas. Como atesta Jânia Perla Aquino, professora
e integrante do laboratório de estudos de violência da UFC, “O Estado tem um
equipamento para prendê-los e não tem como tratar. É muito caro manter uma
pessoa presa e mesmo assim, não se leva em conta que esse dinheiro pode ser
gasto em políticas de tratamento e prevenção” (FEITOSA, 2014).
No que se refere às drogas, Sales (2007, p. 317) constata que:
As consequências sociais do tráfico de drogas são assim enormes, à
medida que ele provoca a expulsão de crianças do seio de suas famílias,
53
realizam atentados contra escolas, contra patrimônio público... Ele é
responsável também pelo aumento do número de adolescentes a cumprir
medida socioeducativa de “internação”, a ponto desta ser a segunda causa
de detenção em razão de atos de transgressão cometidos. Todavia, é
preciso reconhecer que há jovens que assumem como suas as regras do
mundo do tráfico de drogas e da violência, um mundo fora-da-lei e dos
direitos de cidadania.
Esse é um de muitos percalços que fazem aumentar a entrada dos
adolescentes na reincidência, comprovando que eles não são submetidos a um
tratamento que lhes é de direito. Muitos relatam que querem se livrar das drogas,
mas, sem tratamento e tendo um ambiente favorável para o consumo, é provável
que ele volte à transgressão. Como afirmam Kodato e Silva (2000, p. 511), “a
ausência de trabalhos como, por exemplo, o desenvolvido no formato de
comunidades terapêuticas, deixa uma lacuna para aqueles adolescentes que
porventura desejariam abandonar as drogas”.
Sobre isso, Sales (2007, p. 320) declara:
Significa ainda que é preciso investir maciçamente numa cultura de direitos
e numa política pública, inteligente e universal, assim como em valores –
direito à vida e à integridade física e mental, mais desenvolvimento pessoal
e social – que sirva de contraponto à secular injustiça brasileira, à
desigualdade e à miséria coletiva que corrói o caráter, e que faz de muitos
adolescentes meros “sobreviventes sociais”.
O ECA, no Art. 124, expõem os direitos dos adolescentes privados de
liberdade. Dentre eles, destacarei os seguintes:
V – Ser tratado com respeito e dignidade;
X – Habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;
XVI – Receber, quando da sua desinternação, os documentos pessoais
indispensáveis à vida em sociedade;
XI – Receber escolarização e profissionalização;
XII – Realizar atividades culturais, esportivas e de lazer.
(BRASIL, 1990)
O artigo acima cita alguns direitos que são negados aos adolescentes na
URLBM, por exemplo, pois muito dos alojamentos não estão em condições
adequadas devido à baixa luminosidade e ao mau cheiro, em decorrência de alguns
adolescentes fazerem suas necessidades no alojamento devido muitas vezes à má
vontade dos educadores em levá-los ao banheiro. Fato esse que presenciei no meu
54
período de estágio. Também existe a ocorrência de perda dos documentos dos
mesmos. Acontece geralmente nos Centros Educacionais devido à grande
quantidade de adolescentes internos, causa apontada pelos adolescentes e
familiares que voltam à URLBM, pensando que os documentos estão por lá.
Por fim, a falta de escolarização, de cursos profissionalizantes e de
realização de atividades esportivas e lazer, que dentro dos Centros Educacionais
estão comprometidas devido à superlotação das Unidades, fazem com que haja
rodízios e que só participem das atividades os adolescentes que tiverem bom
comportamento.
Nas diretrizes presentes no SINASE (SDH, 2013, p. 9) sobre o
funcionamento das medidas socioeducativas, destacam-se:
Focar a socioeducação por meio da construção de novos projetos
pactuados com os adolescentes e famílias, consubstanciados em Planos
Individuais de Atendimento. Incentivar o protagonismo, participação e
autonomia de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e
de suas famílias. Humanizar as Unidades de Internação, garantindo a
incolumidade, integridade física e mental e segurança do/a adolescente e
dos profissionais que trabalham no interior das unidades socioeducativas.
Garantir a oferta e acesso à educação de qualidade, à profissionalização, às
atividades esportivas, de lazer e de cultura no centro de internação e na
articulação da rede, em meio aberto e semiliberdade. Garantir o direito à
educação para os adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas e egressos, considerando sua condição singular como
estudantes e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do
sistema socioeducativo.
Essas diretrizes estão muito aquém da realidade. Com a superpopulação
de adolescentes infratores dentro dos Centros Educacionais, a convivência torna-se
perigosa, gerando muitos conflitos, ocasionando, assim, as rebeliões. Um dos
fatores que reproduz as rebeliões noticiadas nos jornais, tanto televisivos como os
impressos, são os casos de torturas e maus tratos que os adolescentes sofrem
dentro dos Centros Educacionais, como noticia Paiva (2014b) para o Jornal O Povo
de 13 de abril de 2014, de acordo com os representantes das ONGs de Defesa dos
Direitos de Crianças e Adolescentes – Fórum DCA:
Segundo levantamentos da instituição, desde julho de 2013, cinco grandes
rebeliões foram realizadas na capital. Para a entidade, todos os conflitos
são reflexos do “desrespeito às previsões legais” dos adolescentes. A
entidade denuncia que os jovens estariam sendo torturados e, até mesmo,
sendo vítimas de casos de estupro, que estariam sendo cometidos por
agentes públicos, dentro das casas de internação.
55
Todos os fatos descritos acima geram um descontentamento dos
adolescentes internos, ocasionando os motins, as rebeliões e as reincidências,
ratificando essa informação Rafael Barreto, assessor jurídico do CEDECA e do
Fórum DCA, comenta:
São várias denúncias que recebemos, diariamente, seja dos familiares ou
dos próprios jovens. E, geralmente, estas são as principais motivações para
as rebeliões no Estado. Ouvimos relatos de violência física cometida pelos
instrutores. São casos de surras diárias que são cometidas [...]. (PAIVA,
2014a)
O artigo 125 do ECA dispõe que “É dever do Estado zelar pela integridade
física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de
contenção e segurança”. Com os casos de denúncias de torturas e até de estupro
dentro dos Centros Educacionais, o presente artigo está longe de corresponder a
essa determinação legal, pois os funcionários dos Centros, que são de
responsabilidade do Estado, em especial os Educadores, não estão zelando pela
integridade dos adolescentes internos.
Os centros educacionais deveriam trabalhar de acordo com o Regimento
Interno das Unidades Socioeducativas. Dentre os artigos desse regimento, citarei o
Artigo 4º, seção I, dos direitos dos adolescentes que pontua:
Serão garantidos aos adolescentes os seguintes direitos, dentre outros:
I.
Ter respeitada a sua individualidade e estar livre de preconceito e
julgamento moral.
II.
Estar salvo de qualquer tratamento desumano, vexatório ou que
atente contra a dignidade da pessoa em desenvolvimento.
III.
Participar de atividades escolares, pedagógicas, profissionalizantes,
culturais, esportivas e de lazer.
IV.
Receber assistência medica e odontológica, priorizando os serviços
públicos e comunitários.
V.
Ter direito à ampla defesa e ao contraditório quando lhe for atribuída
conduta faltosa, antes de lhe ser aplicada a medida disciplinar.
VI.
Ter a garantia e convivência familiar e comunitária, respeitando os
critérios previamente definidos neste Regimento.
VII. Receber atendimento técnico, no mínimo, quinzenalmente.
VIII. Ter garantido os documentos indispensáveis à vida em sociedade.
IX.
Ter acesso aos meios de comunicação social, a partir de critérios
predefinidos pela equipe socioeducativa.
X.
Receber visitas, obedecendo a critérios estabelecidos pela direção e
pela equipe técnica da Unidade de Medida Socioeducativa, salvo em caso
de suspensão temporária desse direito pela Justiça da Infância e da
Juventude.
XI.
Ter acesso a condições adequadas de higiene e asseio pessoal.
XII. Habitar em alojamentos em condições de higiene e salubridade.
XIII. Receber, quando do seu desligamento, os documentos pessoais.
56
XIV. Ter acesso, quando necessário, a atividades psicoterapêuticas.
XV. Ser ouvido pela direção e equipe técnica em suas queixas,
problemas, dúvidas e reivindicações.
XVI. Corresponder-se com os familiares.
XVII. Receber assistência religiosa, segundo sua crença, desde que assim
o deseje, e que não coloque em risco sua segurança física e mental.
XVIII. Avistar-se e entrevistar-se com o representante do Ministério Público
e Defensoria Pública.
XIX. Peticionar diretamente a qualquer autoridade.
XX. Ser informado, sempre que solicitar, sobre sua situação processual.
XXI. Ter acesso a atividades e serviços fora dos limites da instituição, nas
condições estipuladas pela direção, salve expressa determinação judicial
em contrário. (CEARÁ, 2013, p. 19-20)
4.1 Percepção dos adolescentes sobre as medidas socioeducativas
4.1.1 Pontos Negativos
Dos adolescentes entrevistados na URLBM três disseram que a medida
não ressocializa devido aos maus tratos e à falta de atenção e acompanhamento
dos profissionais dos Centros Educacionais, como psicólogos e assistentes sociais.
De acordo com Carvalho (2013, p. 13),
[...] entende-se que a equipe multidisciplinar é fundamental para auxiliar o
adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, pois ele pode ser
atendido em respeito a suas necessidades e receber apoio profissional de
advogados, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos e demais
profissionais dispostos a contribuir com a sua formação.
O Azulão durante a entrevista relata que é muito maltratado no Centro
Educacional. Tudo o que acontece, a culpa recai sobre ele, sendo espancado
constantemente pelos educadores, disse também que os psicólogos e assistentes
sociais não fazem nada a respeito. Quando lhe perguntei se a medida lhe
ressocializou ele foi bem taxativo: “... não que quando saí, saí mais ruim, porque fica
muito tempo preso”.
A avó do Azulão tem esse mesmo argumento, pois, das vezes que seu
neto ficou interno, ela não viu uma melhora no seu comportamento. Ela relata da
seguinte maneira: “minha filha ele voltou foi pior, muito pior”. Mas a mesma o prefere
internado a “solto”, “ele lá está guardado, melhor do que ficar cometendo crimes”.
Sendo totalmente contrárias as Regras das Nações Unidas para a
57
Proteção dos Menores privados de liberdade (1990) que ratifica no inciso II na
aplicação das regras no item 12 que os adolescentes devem passar por programas
que ressocializem o interno:
A privação da liberdade deve ser efetuada em condições e circunstâncias
que assegurem o respeito pelos direitos humanos dos menores. Os
menores detidos devem poder exercer uma atividade útil e seguir
programas que mantenham e reforcem a sua saúde e o respeito por si
próprios, favorecendo o seu sentido de responsabilidade e encorajando-os a
adotar atitudes e adquirir conhecimentos que os auxiliarão no
desenvolvimento do seu potencial como membros da sociedade.
De acordo com Sales (2007, p. 64), “[...] a prática da tortura para
obtenção de confissões [...] e também do expediente rotineiro de surras e outras
formas de castigo [...] nas unidades de internação para adolescentes infratores”, são
constantes na rotina dos internos, mostrando a precariedade na capacitação dos
educadores. As denúncias são relatadas constantemente tanto pelos adolescentes
como também pelos seus familiares no CEDECA – Centro de Defesa da Criança e
do Adolescente, quando ocorre a visita dos familiares nos Centros Educacionais.
Já o Rouxinol fala “... porque o pessoal só fala em maldade (adolescentes
internos e os próprios educadores) ... Assim por que, os orientador tem uma de...”
(relatando que os educadores impõem suas regras de convivência dentro do centro
educacional). Diz ainda não se envolver com outros internos “para não entrar em
confusão”.
A mãe do Rouxinol fala sobre a medida de internação que foi aplicada em
2012 para seu filho, ela diz que: “ressocializou 80%” não sabendo me explicar direito
os 20% restantes.
O Sabiá, sobre a medida socioeducativa, argumenta “... porque tipo
assim... a sociedade quando a gente é preso uma vez... já olha pra nós com outra
cara... esse menino já roubou e vai continuar roubando”. No Centro Educacional,
relata não se envolver com outros adolescentes para não entrar em confusão.
Sobre esse assunto, Tejadas (2008, p. 264) destaca:
Apresenta-se a perspectiva do etiquetamento do adolescente no Sistema,
provocado pela reincidência e reforçador de sua continuidade. O
adolescente reincidente ocupa lugar específico no Sistema, com unidade de
internação própria, na qual os controles e a perspectiva prisional são
58
acentuados. [...]. Dessa forma, ao adolescente reincidente é atribuído um
status: o do reincidente, que passa a defini-lo como pessoa, carregando o
estigma de ser alguém que não é mais passível de mudança, como portador
de maior periculosidade.
O Gaivota diz que não gosta dos Centros Educacionais por causa dos
maus tratos, e quando soube que ia voltar para lá relata chorando: “a gente não é
bem-vindo não”, falando sobre os reincidentes que voltam para a mesma Unidade.
Os familiares de Gaivota e de Sabiá relatam que ressocializou, mas, como
sempre são perseguidos pelo policial da reserva, a ficha criminal dos seus filhos está
crescendo pelos delitos forjados por ele, fazendo constantemente ameaças
conforme os familiares dos adolescentes.
O Curió nunca passou pela internação, está na segunda Liberdade
Assistida, não sabe me explicar como é aplicada a medida socioeducativa, e que só
fazia assinar. A Liberdade Assistida para os adolescentes infratores se resume no
termo “assinar”, pois nem eles e seus familiares sabem como funciona a medida.
De acordo com o Regimento Interno das Unidades Socioeducativas, a
medida que os adolescentes cometem transgressões disciplinares podendo ser
classificadas entre leve à gravíssimas sofrem punições. Destacarei algumas
punições que estão previstas no capítulo VI das medidas disciplinares: a suspensão
da prática recreativa, de lazer e esportiva. Essa medida pode atingir até sete dias e
ocorre com advertência verbal ou escrita, nos casos graves ou gravíssimo os
internos podem ficar restritos aos dormitórios por no máximo cinco dias e também
são restritos ao seu espaço de reflexão no prazo máximo de sete dias (CEARÁ,
2013).
Diante dos indicativos acima, como relatam os adolescentes, muitas
vezes não é preciso descumprir as regras, devido a alguns dos educadores
“cismarem”, como os adolescentes falam, com alguns deles para que algumas
dessas medidas serem aplicadas sobre eles. Reforçando os relatos, Paiva (2014b)
mostra:
Em algumas Unidades os educadores estariam fazendo uso de
equipamentos como a chamada “tranca”, prática que consiste no isolamento
dos internos, os deixando incomunicáveis, como instrumento de punição.
Até mesmos as visitas de familiares estariam sendo suspensas.
59
Constatando a afirmação acima, no período do estágio, a mãe de um
adolescente relatou que quando foi visitar seu filho no Centro Educacional, o mesmo
estava isolado na “tranca”, que é um quarto totalmente escuro, com pouca ventilação
e a porta é toda fechada, os adolescentes permanecem dentro desse quarto
somente de trajes íntimos. No dia da visita, o diretor avisou a mãe do adolescente
que ele se encontrava nesse quarto por desobediência, mas como já conhecia sua
história resolveu liberar o filho para visita.
Retratando um pouco mais sobre os internos, colocarei depoimentos de
outros adolescentes que não foram entrevistados mas que passaram por essas
torturas, fazendo com que repensem suas convicções a cerca da medida aplicada,
tornando-se adolescentes perigosos e com desejo de vingança:
“somos humilhados, chamados de “elementos”, “marginais” e outras coisas
muito piores”. (Luiz, 15 anos)
“Só sei que quando sair, vou fazer justiça com as próprias mãos. Aprendi
bem com o que sofri por aqui”. (Tomaz, 17 anos)
“Aqui se falarmos qualquer coisa que não gostem, nos golpeiam de
cassetete até se cansarem e nós não aguentarmos mais”. (Manoel, 16
anos)
“A medida socioeducativa aqui senhora, não corrige ninguém não... só faz é
piorar.” (Thiago, 16 anos)
(TERRE DES HOMMES, 2010)
Sobre esse fato, muitos adolescentes sentem revolta não pela medida
que lhes é aplicada, pois sabem que devem cumprir, mas pelos tratamentos a que
estão sujeitos, como reforça Frasseto (2006, p. 323):
A manutenção da internação porque persistentes ou presentes, por exemplo
traços de impulsividade, influenciabilidade, agressividade, imaturidade,
intolerância à frustação, baixa auto-estima, falta de projetos de vida, de
limites, de crítica acerca da conduta criminosa embute operação com alto
teor de discricionariedade uma vez que inexiste correlação necessária ou
mesmo probabilidade relevante entre elas é uma futura reincidência.
No período de estágio dentro da URLBM, presenciei várias cenas de
discriminação não só com os adolescentees apreendidos mais também com os
familiares. Essa discriminação parte dos próprios funcionários da Unidade que, sem
nem conhecer a realidade desses adolescentes e muito menos dos familiares que ali
se encontram, chamam-nos de “marginais”, afirmam “que eles não têm jeito”, “que a
60
família é responsável” pelo que está acontecendo com o adolescente.
Portanto, pude perceber diversas formas de preconceito e de estereotipar
que machucam muito os familiares que estão ali e reclamam desse tratamento na
sala do Serviço Social da Unidade.
Segundo Kodato e Silva (2000, p. 513):
Desprovidos de condições, não assistidos em seus direitos elementares,
não reconhecidos na singularidade de suas demandas, não tiveram os
adolescentes a possibilidade de atingir a vida adulta. Não tiveram acesso às
politicas sociais básicas, definidas enquanto prioridades no Art. 4 do ECA e,
ao que tudo indica, não sofreram a ação das politicas de assistência social e
nem das medidas de proteção (Incisos II e III, Art. 87 do ECA). Não
puderam ainda beneficiar-se efetivamente das medidas socioeducativas,
propostas no sentido de se evitar a escalada no mundo da delinquência e
de promover a ressocialização do adolescente. Em suma, as vitimas, na
grande maioria, não tiveram condições infra-estruturais favoráveis ao
desenvolvimento pleno, não receberam a assistência necessária,
enveredaram-se pela delinquência e incapacitados para a reabilitação
social, continuaram a infracionar, acabando por ser mortas.
Dentro da mesma perspectiva, o livro Vozes (TERRES DES HOMMES,
2010, p. 51) mostra um relato de um adolescente chamado Ariel com 16 anos, que
passou pelo processo de internação e fala que a medida socioeducativa não
ressocializa pelo simples fato da Unidade não ter uma estrutura adequada para isso,
segundo o adolescente:
Nós sabemos que isso não deve acontecer... a medida socioeducativa, às
vezes, é bom, mas, as vezes, é ruim, pois as mães da gente acha que a
gente tá bem estruturado, mas não tá, e assim é igual a uma família
desestruturada, é como um adolescente numa família, ele vai ficar rebelde.
Desse jeito é numa Unidade dessa, mandam a gente pra uma Unidade
dessa, senão tiver uma estrutura legal, o que é que vai acontecer, a
tendência é o adolescente piorar... eu acho que para a medida
socioeducativa acontecer como deve, é preciso cuidar logo da Unidade.
(Ariel, 16 anos)
Com o aumento de adolescentes cometendo delitos, também cresce o
número de adolescentes que são assassinados por causa dos crimes cometidos,
muitos desses adolescentes que passam pela Unidade por um determinado ato
infracional que cometeram, principalmente contra pessoas “poderosas”, passam a
ter um prazo de vida muito curto. Presenciei um fato ocorrido na Unidade em que um
adolescente foi apreendido por tráfico e foi lhe dado a medida de Liberdade
61
Assistida, no momento da sua saída da Unidade, havia dois homens em uma moto
aguardando-o e, no momento em que o carro que estava saiu, um dos homens que
o aguardavam atirou. O adolescente sabia que eles estavam ali para pegá-lo, pois,
antes de ser atingido, ele havia declarado isso para seus familiares. Ele acabou
morrendo perto da Unidade, pois o carro em que estavam retornou para dentro do
complexo das Unidades pedindo socorro.
4.1.2 Pontos positivos e perspectivas para o futuro
Todos os adolescentes que passam pelas medidas, tanto as em meio
aberto como as de privação de liberdade, tiveram experiências, geralmente,
desagradáveis e poucos são os que gostaram.
As medidas socioeducativas têm como principal objetivo a prática
pedagógica, ofertando para os adolescentes cursos profissionalizantes e oficinas
para que o adolescente, depois de cumprir as penalidades previstas na lei, possa se
reinserir dentro do seio da sociedade, comprovando uma das afirmativas do SINASE
(SDH, 2013, p. 8) que reforça que as práticas pedagógicas estão “criando
oportunidades de construção de projetos de autonomia e emancipação cidadã”.
O Azulão relata que, nos centros educacionais, o que ele prefere é ficar
nas oficinas, “aprendo muita coisa lá”, não gosta de ir à escola, dizendo também que
sua perspectiva para o futuro é ser motorista de ônibus, um sonho desde a infância.
Sobre esse ponto positivo, Konzen (2006, p. 345) ratifica “as experiências positivas
ainda não tem a sinergia suficiente para iluminar o caminho e para contaminar a
resistência às transformações”.
Por mais que Azulão goste de fazer as oficinas e ter um sonho de ser
motorista de ônibus, ele não tem vontade de mudar, estando na sua sétima
apreensão, ele não demonstra querer transformar sua situação infracional.
Rouxinol, quando passou pela internação, disse que gostou de fazer os
cursos profissionalizantes e que tem um certificado de curso de garçom, falando
com muito entusiasmo. Ele também diz querer investir na carreira de cantor de rap,
algo que gosta muito, e terminar os estudos.
62
Curió relatou que, quando passou pela Liberdade Assistida, nunca foi
interno, o que ele mais gostou foi dos conselhos que recebeu, fato pelo qual disse
que deixou de utilizar drogas, do mesmo modo que pretende terminar os estudos,
comprar uma moto e trabalhar para sustentar a família que agora está crescendo
com a chegada do seu filho.
Os adolescentes Sabiá e Gaivota não relataram os pontos positivos pela
ocorrência de serem apreendidos novamente sem terem praticado nenhum ato
infracional. Eles relatam a falta de perspectivas para o futuro devido à perseguição
sofrida pelo policial já citado, mas dizem não perder a fé, querem terminar os
estudos, viver em paz. Sabiá pretende comprar uma moto para trabalhar com seu
pai, Gaivota almeja mudar de vida morando no interior, trabalhar e criar seus dois
filhos.
Todos os adolescentes que passam pela medida socioeducativa pensam
em mudar, ter nova vida, um emprego, ser qualificado, sair da sua situação precária
e ter perspectivas positivas. Esses adolescentes precisam ser ouvidos, pois são
desprovidos de diálogo, abandonados, falta espaço promocional que os instigue a
ter um horizonte repleto de expectativas que aprimore seu desenvolvimento como
pessoas de direito, também na ênfase da garantia e da efetivação de políticas
públicas e uma visão amplificada para o exercício da cidadania e uma vida social
mais saudável.
63
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho possibilitou identificar alguns fatores que contribuem
para a efetivação do fenômeno estudado, é uma pesquisa com singularidades
buscando compreender o relacionamento dos adolescentes com o ato infracional e a
medida socioeducativa. O trabalho mostra uma gama de elementos em que os
sujeitos estão inseridos, como a exclusão, a negligência, o abandono, dentre outros,
revelando, assim, sua condição de vítimas e não de agressores, dentro de um
sistema que viola e nega a sua inserção dentro das políticas públicas, causando
uma diminuição do seu espaço dentro da sociedade, rompendo com a construção de
cidadãos dignos e merecedores de direitos.
São adolescentes, em grande parte, oriundos de classes subalternas, nas
quais existe um estereótipo de que as pessoas nessas condições estão sujeitas a
cometerem atos infracionais, porém, são adolescentes que possuem um estigma
perverso que não vislumbra um sujeito violado estruturalmente, na condição de
encontrar-se fora da escola, sem trabalho, e até sem um horizonte, não tendo a
quem recorrer.
A maioria dos adolescentes que passam na URLBM sofrem com a
ausência de afetos, principalmente em relação à família, porque eles não
presenciam isso em suas casas, pelo simples fato de seus pais ou cuidadores não
passarem isso para eles. Muitos vivem abandonados dentro de sua própria moradia,
sem ter ninguém como referência. Um exemplo disso foi uma conversa com um pai
de um adolescente apreendido por roubo. Como passa o dia trabalhando, não tem
tempo de conversar com o filho. Segundo ele, a escola era responsável por seu filho
ter sido apreendido, pois considera que é na escola que seu filho será educado, se
eximindo de sua responsabilidade.
Outro fator relevante para a incidência e reincidência desses adolescentes
são as drogas, muitos são presos por tráfico simplesmente para manter o consumo
do vício, outros cometem roubos com o mesmo sentido. Dos entrevistados, dois
deles utilizam a droga para cometerem o ato infracional, sendo que a maioria dos
adolescentes, quando cometem o ato infracional, beneficiam-se do consumo da
droga, tornam-se mais agressivos e perdem o medo no momento do delito.
64
Ao ouvir os adolescentes e familiares, compreendemos que eles
procuram cumprir a medida, pretendem ter uma nova vida, mas terão certas
dificuldades, pois enfrentarão situações como: ameaças e perseguições de policiais,
grupos rivais, perseguições e ameaças de morte por traficantes, discriminação pela
situação de egresso, dentre outros fatores que afastam o adolescente da mudança
social.
Com base na pesquisa realizada, foi observado que as medidas
socioeducativas têm se mostrado ineficazes, não cumprindo sua finalidade, a
ressocialização do adolescente infrator, visto que está acontecendo um total
desrespeito às condições humanas e psicológicas dos adolescentes, principalmente
daqueles que estão na medida de internação, sofrendo constantes maus tratos e
agressões, como relata uma mãe que teve um filho interno em entrevista a Lêda
Gonçalves para o Jornal Diário do Nordeste de 05 de fevereiro de 2010, “é um
inferno na terra. Ali ninguém se reeduca sai ainda mais revoltado” (GONÇALVES,
2010), conta também que os adolescentes passam pelo que eles chamam de
“corredor polonês”, em que os adolescentes são obrigados a passar entre duas
fileiras compostas por educadores em que são submetidos à sessões de socos,
pontapés, agressões e cassetetes.
Deduzimos que os educadores não têm numa capacitação para lidar com
esses adolescentes, visto que são jovens com histórias de vida, idade, atos
infracionais
completamente
diferentes,
mas
Renata
Sofia
Andrade
Reis,
coordenadora de Proteção Social Especial da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social – STDS, diz que “todos os educadores que atuam nos
Centros educacionais são capacitados para oferecer um atendimento pedagógico e
humanitário” ao adolescente interno (GONÇALVES, 2010), fato esse totalmente
contrário aos relatos dos adolescentes e familiares. Um exemplo são os educadores
da URLBM, muitos deles são remanejados dos Centros por indisciplina, nenhum faz
curso de capacitação, quando estagiava, no máximo duas educadoras se
interessavam, a grande maioria maltrata tanto o adolescente como os familiares com
palavras de discriminação, dentre outras, rebaixando ainda mais a condição em que
os adolescentes se encontram. Isso foi presenciado várias vezes no período de
estágio.
Concluo que os adolescentes atendidos, tanto na medida socioeducativa
65
de internação como em meio aberto, devem ser alvo de um conjunto de ações
socioeducativas que atuem na sua formação, fazendo com que eles possam se
tornar cidadãos autônomos e tenham capacidade de tomar decisões fundamentadas
para o seu próprio interesse e para o bem comum.
A questão, portanto, é discutir com urgência, repensar e questionar a
metodologia pedagógica proposta dentro dos Centros de Internamento, baseada em
punições que tornam os adolescentes mais agressivos, fazendo com que cometam
rebeliões e fugas dentro dos Centros Educacionais. O que deve ser feito é seguir o
que está proposto no ECA e no SINASE, com adoção de práticas pedagógicas
respaldando a autonomia e também a participação ativa dos adolescentes, suas
ações devem exercer uma influência dentro da vida desses adolescentes,
contribuindo, assim, para a formação de uma identidade baseada num projeto de
vida e seu pertencimento social.
Por fim, a temática estudada tem um intuito de abrir novos caminhos e
questionamentos a cerca dos sujeitos analisados, um tema tão polêmico na
atualidade, gerando na sociedade um clamor pela redução da maioridade penal, um
contexto tão diverso e cheio de peculiaridades. Enquanto não efetivarem o ECA em
sua plenitude, para esses adolescentes, sempre lhes será negado um futuro, como
ratifica Espíndula et al. (2006, p. 19) “permanecendo apenas uma perspectiva de
contenção mascarada pelos projetos de ressocialização”.
66
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Marcos Antônio Santos. Atos infracionais e medidas
socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus,
2006.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP:
Papirus, 1996.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de jul. de 1990.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 02
jun. 2014.
______. Código penal. Decreto-Lei N. 2.848/40 alterado pela Lei nº 9.777 em 26
dez.
1998.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848.htm>. Acesso em: 15 abr. 2014.
______. Constituição (1988). Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2014. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/
17519>. Acesso em: 05 maio 2014.
CARVALHO, Márcia Helena de. Medidas socieducativas: controle social ou
ressocialização do adolescente autor de ato infracional? In: III SIMPÓSIO MINEIRO
DE ASSISTENTES SOCIAIS. Anais... [online], Belo Horizonte, 7 a 9 jun. 2013.
Disponível em: <http://www.cress-mg.org.br/arquivos/simposio/MEDIDAS%20SOCI
EDUCATIVAS%20CONTROLE%20SOCIAL%20OU%20RESSOCIALIZA%C3%87%
C3%83O%20DO%20ADOLESCENTE%20AUTOR%20DE%20ATO%20INFRACION
AL.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2014.
CASTRO, Bruno de. Violência: Apreensões e assassinatos de jovens crescem no
Ceará. Jornal O Povo, 25 fev. 2013a.
______. Apreensões: Filho da Classe Média não está nesta estatística. Jornal O
Povo, 25 fev. 2013b.
______. Jovens em conflito com a lei. Justiça: Por que os jovens voltam ao crime.
Jornal O Povo, 29 out. 2013c.
______. Violência: Gangues impõem “lei” em 16 áreas. Jornal O Povo, 10 fev. 2014,
p. 4.
CAVALCANTE, Ricardo Moura Braga. Vidas Breves: investigação acerca dos
assassinatos de adolescentes em fortaleza. 2011. 156f. Dissertação (mestrado
em Políticas Públicas e Sociedade) – Centro de Estudos Sociais Aplicados,
Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2011
67
CEARÁ. SECRETARIA DO TRABALHO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
Regimento Interno: Unidades de Medidas Socioeducativas do Estado do Ceará.
Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 2013.
ESPÍNDULA, Daniel Henrique Pereira et al. "Perigoso e violento": representações
sociais de adolescentes em conflito com a lei em material jornalístico. Psicologia,
São Paulo, v. 7, n. 2, dez. 2006. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1676-73142006000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso
em: 02 jun. 2014.
FEIJÓ, Maria Cristina; ASSIS, Simone Gonçalves de. O contexto de exclusão social
e de vulnerabilidades de jovens infratores e de suas famílias. Estudo de psicologia,
v. 9, n. 1, p.157-166, 2004.
FEITOSA, Márcia. Atos infracionais: Reincidência de adolescentes que cumpre
medidas chega a 91%. Jornal Diário do Nordeste, 26 maio 2014.
FIRMINO, Erilene. Adolescentes infratores: Mães compartilham difícil e doloroso
caminho dos filhos. Jornal Diário do Nordeste, 13 jun. 2013, p. 8.
FRASSETO, Flávio Américo. Execução da medida sócio-educativa de internação:
primeiras linhas de uma crítica garantista. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
MAGISTRADOS E PROMOTORES DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.
Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São
Paulo: ILANUD, 2006. p. 303-341.
GIDDENS, Antony. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.
Rio de Janeiro: LTC, 1975.
GONÇALVES, LÊDA. Superlotação causa conflitos. Jornal Diário do Nordeste, 05
fev. 2010.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
IPECE – INSTITUTO DE PESQUISAS DO CEARÁ. Perfil Municipal de Fortaleza,
Tema XI: Perfil de Analfabetismo nos bairros. Informe nº 47, dezembro 2012.
______. Perfil Municipal de Fortaleza, Infância em Fortaleza, aspectos
socioeconômicos a partir dos dados do censo 2010. Informe nº 61, junho 2013.
______. O Uso de drogas ilícitas entre estudantes do ensino fundamental em
Fortaleza e demais capitais brasileiras – 2012. Informe nº 74, fevereiro 2014.
KODATO, Sérgio; SILVA, Ana Paula Soares de. Homicídios de Adolescentes:
Refletindo sobre alguns fatores associados. Psicologia: Reflexão & Crítica, v., n.,
p., 2000.
68
KONZEN, Afonso Armando. Reflexões sobre a medida e sua execução: ou sobre o
nascimento de um modelo de convivência do jurídico e do pedagógico na
socioeducação. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MAGISTRADOS E
PROMOTORES DE JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. Justiça,
adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo:
ILANUD, 2006. p. 343-365.
LIMA, Luana. Dez atos infracionais por dia são registrados em Fortaleza. Jornal
Diário do Nordeste, 09 out. 2013.
LOUREIRO, Arthur. A adolescência de Contardo Calligaris – comentários. Rede
Social
Psicologia
da
Educação,
05
jun.
2009.
Disponível
em:
<http://www.ufrgs.br/psicoeduc/comunidade/pg/blog/arthurmloureiro/read/45/aadolescncia-de-contardo-calligaris-comentrios>. Acesso em: 02 out. 2013.
MACHADO, Eduardo Paes; NORONHA, Ceci Vilar. A polícia dos pobres: violência
policial em classes populares urbanas. Revista, Porto Alegre, p. 188-221, 2002.
MADEIRA, Vanessa. Centros Educacionais: Estruturas e Planejamentos falhos
comprometem ações. Jornal Diário do Nordeste, 12 jun. 2013a.
______. Medidas em aberto revelam ineficácia e são alvo de descrédito. Jornal
Diário do Nordeste, 12 jun. 2013b.
MARTINS, Fabíula Gonçalves. Adolescente autor de ato infracional x mercado
de trabalho: expectativas e entraves à sua inclusão. 2004. Trabalho de
Conclusão de Curso (graduação em Serviço Social) – Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2004.
MARTINS, P. O., TRINDADE, Z. A. O Ter e o Ser: representações sociais da
adolescência entre adolescentes de inserção urbana e rural. Psicologia: Reflexão
& Crítica, v. 16, n. 3, p. 555-568, 2003.
MUNIZ, Adriano Sampaio. O adolescente infrator. Direitonet, 04 jan. 2008.
Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3987/O-adolescenteinfrator>. Acesso em: 20 ago. 2013.
NASIO, Juan David. Como agir com um adolescente difícil? Rio de Janeiro: Ed.
Zaluar, 2011.
PAIVA. Thiago. Fórum DCA denuncia violação de direitos dos adolescentes. Jornal
O Povo, 12 abr. 2014a.
______. Centros Educacionais. Fórum denuncia violação de direitos dos
adolescentes. Jornal O Povo,13 abr. 2014b.
69
______. Atos infracionais: evasão escolar e repressão como causa. Jornal O Povo,
25 abr. 2014c.
PEREIRA, Sandra Eni Fernandes; SUDBRACK, Maria Fátima Olivier. Drogadição e
Atos Infracionais na Voz do Adolescente em conflito com a Lei. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, v. 24, n. 2, p. 151-159, 2008.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo:
Editora: Humanitas, 2008. [Coleção Textos, Série 2, Número 10.]
REBOUÇAS, Hébely. Crise da segurança aquece debate sobre fim da polícia
militarizada. Jornal O Povo, 10 nov. 2013.
RIBEIRO, Fernando. Envolvimento de adolescentes em delitos nunca foi tão grave.
Jornal Diário do Nordeste, 10 out. 2013a.
______. Criminalidade em alta: Assassinatos de adolescentes na RMF aumentam
24,8 por cento. Jornal Diário do Nordeste, 9 dez. 2013b.
ROSA, Edinete Maria; RIBEIRO JÚNIOR, Humberto; RANGEL, Patrícia Calmon. O
Adolescente: A lei e o ato infracional. Vitória, ES: EDUFES, 2007.
SÁ, Leonardo; SANTIAGO NETO, João Pedro de. Entre tapas e chutes: um estudo
antropológico do baculejo como exercício de poder policial no cotidiano da cidade. O
público e o privado – Revista PPG em Políticas Públicas da Universidade Estadual
do Ceará – UECE, n. 18, 2011.
SALES, Mione Apolinário. (In)visibilidade perversa: adolescentes infratores como
metáfora da violência. São Paulo: Cortez, 2007.
SDH – SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Levantamento nacional:
atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei – 2010. Brasília:
SDH, 2011. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio
/33/Documentos/LEVANTAMENTO%20ANUAL%20OFICIAL%202010.pdf>. Acesso
em: 02 jun. 2014.
______. Atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei:
levantamento nacional – 2012. Brasília: SDH, 2012. Disponível em:
<http://www.anajure.org.br/wp-content/uploads/2013/04/LEVANTAMENTO-NACIONA
L-2011.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2014.
______. Plano nacional de atendimento socioeducativo: diretrizes e eixos
operativos para o SINASE. Brasília: SDH, 2013. Disponível em:
<http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/plano-nacional-de-atendim
ento-socioeducativo-diretrizes-e-eixos-operativos-para-o-sinase>. Acesso em: 30
mar. 2014.
SEDH – SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília: CONANDA, 2006.
70
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato Infracional: o sistema socioeducativo e a
produção da reincidência. Revista, v., n., p., 2005.
______. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência.
Porto Alegre: Edipucrs, 2008.
TERRE DES HOMMES. Vozes: que pensam os/as adolescentes sobre os atos
infracionais e as medidas socioeducativas. s/c: s/ed, 2010. [livro digital] Disponível
em: <http://www.calameo.com/read/000788872e6e11a746cc3>. Acesso em: 02 jun.
2014.
VAZ, Nathalia Naly de Almeida. Um Olhar sobre as trajetórias de vida dos
adolescentes autores de atos infracionais em cumprimento de medida
socioeducativa no Centro Educacional Dom Bosco. 2010. 68f. Monografia
(graduação em Pedagogia) – Centro de Educação, Universidade Estadual do Ceará.
Fortaleza, 2010.
71
ANEXOS
72
ANEXO A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
Nome:
Idade:
Com quem mora:
Tem filhos?
Estuda?
Trabalha?
Usa algum tipo de droga?
1. Como era seu convívio antes de cometer o delito?
2. Sente revolta em relação á sua família ou a sociedade? Por que?
3. O que você e sua família fazem para se divertir?
4. Quantos delitos foram cometidos por você antes e depois de ser apreendido?
5. Já esteve internado em regime de privação de liberdade outras vezes?
6. O que sente quando comete o delito?
7. O que te levou a reincidência no ato infracional?
8. Alguém o chantageou, ameaçou ou obrigou a cometer algum delito?
9. Onde você é mas bem tratado em casa ou na instituição? Por que?
10. Já foi agredido dentro da instituição? Qual o tipo de agressão e por quem?
11. Quais suas perspectivas para o futuro?
12. Se sente injustiçado socialmente? Por que?
13. Acredita que ser agressivo ou competitivo é necessário para conseguir o que
deseja?
14. Qual a sua percepção sobre a medida socioeducativa, você acha que ela está
fazendo o papel que é de ressocializar o adolescente?
15. Como é o seu relacionamento com a policia?
Familiares
1. Como foi a infância do seu filho?
2. Como ele se comporta dentro de casa?
3. Vocês costumam ter um diálogo em casa?
4. Antes do delito você percebeu algo errado com o comportamento dele?
5. Depois do delito, como ficou seu comportamento?
6. Na escola como era seu convívio com os alunos, professores e as pessoas que
trabalham lá?
7. Ele já lhe agrediu?
8. Na família tem algum familiar envolvido em crimes?
9. Qual a sua justificativa para que seu filho cometa atos infracionais?
10. Você acha que as medidas socioeducativa ressocializam os adolescentes?
11. Como é o relacionamento com a policia?
Download

uma análise sobre adolescentes em conflito com a lei reincidentes