Legalização do aborto em Moçambique: "A nova lei visa a assegurar os direitos sexuais e reprodutivos", diz ativista por Por Dentro da África - Por dentro da África - http://www.pordentrodaafrica.com
Legalização do aborto em Moçambique: "A nova lei visa a
assegurar os direitos sexuais e reprodutivos", diz ativista
por Por Dentro da África - terça-feira, abril 14, 2015
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Rosalina na Marcha das Mulheres - Divulgação
Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio - Há cinco meses, Moçambique sancionou a legalização do aborto, tornando-se o quarto país do
continente africano a permitir que as mulheres façam o aborto até a 12ª semana de gestação. A decisão
ocorreu após longo debate entre organizações feministas na busca por reduzir a mortalidade das mulheres.
Por ano, pelo menos, 11% das mulheres que se submetem ao aborto morrem
devido às complicações causadas pela interrupção da gravidez em centros clandestinos, de acordo com
dados de ONGs de saúde que atuam no país.
- Precisamos popularizar o código penal e a questão dos direitos sexuais e reprodutivos como direitos
humanos. Há um longo caminho para atingir essa fase - disse a ativista Rosalina Nhachote em entrevista
exclusiva ao Por dentro da África, lembrando que as estatísticas de aborto no país são variadas, já que o
aborto clandestino não tem como ser mapeado, embora muitas pessoas conheçam alguém que já tenha
feito.
O ex-presidente Armando Guebuza promulgou, em dezembro, o novo Código Penal do país, que libera a
interrupção voluntária da gravidez. A legalização foi fruto da parceria entre o movimento feminista e
médicos como Mário Machungo (como diretor do hospital central, ele redigiu um regulamento
permitindo a interrupção voluntária da gravidez até 12ª semana) e Fernanda Machungo, que escreveu
vários estudos sobre o aborto clandestino e seus efeitos para a saúde das moçambicanas. O percentual de
mortalidade em 11%, inclusive, parte desses estudos.
Essas pesquisas foram aliadas fortes para que o movimento de mulheres tivesse conhecimento de causa.
Rosalina, vice-presidente do Movimento Feminista Jovem de Moçambique e comunicadora da Marcha
Mundial das Mulheres em Moçambique, conta que a maioria da população ainda recorre aos hospitais de
referência para ter acesso ao aborto seguro dentro das 12 semanas.
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Marcha das Mulheres - Divulgação
- Este Código Penal é bastante recente. Foi um passo iniciado há vários anos, mas que ainda carece de
trabalho para que possa proporcionar um acesso mais fácil e seguro por parte das mulheres. Em
Moçambique, é importante realçar o papel desempenhado pela rede de direitos sexuais e reprodutivos
nesta luta, que inclui organizações da sociedade civil. Esta rede trabalhou bastante para influenciar
mudanças no Código Penal - contou a ativista, lembrando que Cabo Verde, África do Sul e Tunísia são os
outros países africanos a legalizarem o aborto.
Em 2006, os Estados-membros da União Africana adotaram o plano de ação de Maputo a fim de
implementar o mecanismo de política de direitos e saúde sexual e se comprometeram a reduzir a
incidência do aborto inseguro. Rosalina destaca que o artigo 14 do Protocolo de Maputo diz que os
Estados tomarão medidas apropriadas para: proteger os direitos reprodutivos das mulheres, autorizando
os abortos médicos em casos de violência sexual, incesto e quando a continuidade da gravidez ameaçar a
saúde física e mental da mãe, da vida da mãe ou do feto.
- Muitos países africanos, com destaque para o Quênia, buscam o exemplo de Moçambique, reforçada no
Protocolo de Maputo, que prevê o aborto seguro como responsabilidade do Estado. A questão principal é
como pressionar os estados a implementarem este protocolo - lembrou a ativista.
O aborto e seus tabus
Marcha das Mulheres - Divulgação
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 19 milhões dos abortos são realizados
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anualmente de forma insegura, resultando na morte de 70 mil mulheres. De acordo com a ONU
(Organização das Nações Unidas), leis mais restritivas contribuem para aumentar a mortalidade por
abortos inseguros.
A moçambicana conta que o termo aborto ainda não é bem debatido no país. A influência da religião
influencia o debate. Para ela, a sexualidade está no campo da saúde e não dos direitos.
- Ainda é tabu, uma vez que o Código Penal ainda não foi popularizado e a população das zonas rurais,
majoritariamente analfabeta, recorre aOS meios inseguros com base em conhecimentos locais (plantas,
raízes e outros produtos). Com certeza, essa nova lei pode influenciar, tendo em conta os direitos sexuais
e reprodutivos - disse Rosalina.
Marcha das Mulheres - Divulgação
Antes da aprovação, houve um feito importante alcançado por conta da pressão exercida pela Marcha
contra as violações dos direitos humanos. No Código Penal moçambicano, o artigo 223 dizia que o
homem que violasse uma mulher, desde que se casasse com a vítima, ficaria livre de pena ou sanção.
Agora, com a retirada do artigo, lugar de violador é na cadeia.
Exemplo da África do Sul
Considerada a constituição mais avançada da África, a Constituição da África do Sul (de 1996) permite
que mulheres façam abortos. O procedimento é gratuito para as gestantes que não têm condições de pagálo. Para as que podem financiar um serviço mais rápido e confortável, existem centenas de clínicas
privadas.
Neste caminho, há uma organização não-governamental que oferece serviços e
informações relacionados à saúde, sexo e reprodução. Somente na África do Sul, a Marie Stopes, que atua
em 38 países, tem 14 clínicas. A instituição é a única do país com certificado do governo e a primeira a
levantar a voz contra os abortos inseguros.
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Marie Stopes - Divulgação
Marie Charlotte Stopes (1880 / 1958) foi uma escritora britânica, ativista pelos direitos das mulheres e
pioneira no campo de controle de natalidade. Ela foi a primeira acadêmica do sexo feminino no corpo
docente da Universidade de Manchester.
A partir de 1996, a lei (Choice on Termination of Pregnancy - número 92 de 12 de novembro de
1996) deu às mulheres sul-africanas o direito de escolher pela interrupção da gravidez. Ela ratifica os
direitos de cada um sobre decisões reprodutivas e determina que homens e mulheres devem ter acesso a
procedimentos seguros e eficazes.
Após a entrada da lei em vigor, o número de abortos cresceu, segundo dados do governo. A maior
diferença foi na província de Gauteng, onde fica Jonhanesburgo. Em 1996, o número de abortos foi de
13.505. Em 2004, segundo as estatísticas do governo, chegaram a 36.845, um crescimento de mais de
200%.
A África do Sul está no grupo dos países com as leis mais liberais sobre o tema, ao lado da França,
Alemanha, Grécia, Bélgica, Itália, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, México, Canadá e Austrália. O
Brasil está no grupo das legislações mais conservadoras, ao lado de Senegal, Iraque, Palestina, Iêmen e El
Salvador. No Brasil, o Código Penal prevê duas hipóteses em que o aborto poderá ser realizado por
médico (“aborto legal”): (i) quando a gravidez significar risco à vida da gestante; ou (ii) quando a
gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante, ou, se incapaz, por seu
representante legal - de acordo com o Instituto Saúde e Sustentabilidade.
- Nós fazemos cerca de 37 mil abortos por ano. Mulheres de todas as idades procuram nossos
serviços por uma série de razões. Para algumas mulheres, é uma questão de necessidade de continuar os
estudos, o progresso em sua carreira sem filhos. Para outras, os motivos são: a violência sexual ou um
relacionamento abusivo. Não importa o motivo, nós apoiamos o direito à autonomia sobre o corpo das
mulheres - disse ao Por dentro da África, Andrea Thompson, chefe de comunicação da Marie Stopes.
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Andrea lembra que as mulheres ainda estão morrendo desnecessariamente de abortos inseguros no país.
Nas áreas rurais, métodos de auto-indução são comuns, enquanto nos centros urbanos, muitas vezes, as
mulheres se voltam para os abortos que usam métodos perigosos.
- Apesar de uma das leis de aborto mais progressistas do mundo, a interrupção voluntária da gravidez
ainda é cercada por estigmas na África do Sul. Um estudo do Centro Pew descobriu que 61% dos sulafricanos ainda consideram o aborto "inaceitável" e que 8% de todas as gestações na África do Sul são
encerradas - disse Andrea, lembrando que muitas mulheres ainda atravessam as fronteiras dos países
vizinhos para realizar um aborto na África do Sul.
De acordo com Andrea, na Marie Stopes, aborto e planejamento familiar estão intimamente ligados com a
contracepção. Todas as prestadores são orientadas a aconselhar as mulheres sobre a importância do
planejamento familiar pós-aborto.
- Na África do Sul, somos gratos por uma lei de aborto com visão de futuro, mas, infelizmente,
enfrentamos diariamente as lacunas significativas entre política e prática. Temos um longo caminho a
percorrer para garantir a justiça reprodutiva para todos.
Com a nova lei em seu país, a ativista moçambicana considera que é uma vitória não só pelos direitos
humanos, mas porque a legalização irá influenciar as novas gerações conscientizando-as sobre as políticas
em relação ao papel do Estado em garantir serviços de saúde e acesso no campo da sexualidade e
reprodução.
Por dentro da África
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