CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE – FAC CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ADRIANA NUNES DA SILVA BRANDÃO DOS SANTOS AGENTES FUNERÁRIOS NO SEU COTIDIANO PROFISSIONAL: SENTIMENTOS, PERCEPÇÕES E DESAFIOS FORTALEZA 2014 ADRIANA NUNES DA SILVA BRANDÃO DOS SANTOS AGENTES FUNERÁRIOS NO SEU COTIDIANO PROFISSIONAL: SENTIMENTOS, PERCEPÇÕES E DESAFIOS Monografia submetida à aprovação do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Cearense – Fac, como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª. Ms. Mariana de Albuquerque Dias Aderaldo. FORTALEZA 2014 ADRIANA NUNES DA SILVA BRANDÃO DOS SANTOS AGENTES FUNERÁRIOS NO SEU COTIDIANO PROFISSIONAL: SENTIMENTOS, PERCEPÇÕES E DESAFIOS Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – Fac., tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/____/_______ BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________ Prof.ª Ms. Mariana de Albuquerque Dias Aderaldo (Orientadora) Faculdades Cearenses _______________________________________________________________ Prof.ª Ms. Walter Barbosa Lacerda Filho Faculdades Cearenses Esp. Zita Maria da Rocha Universidade Estadual do Ceará A Deus, minha fortaleza... Em memória de meu pai, Sr. Edezio Ezequiel Ao meu irmão Ezequiel, à minha mãe Maria, razão de minha existência, amor incondicional. Ao meu esposo Ricardo Gleyson, amor infinito. À minha família, amor incondicional. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, que sempre me deu forças para minha caminhada. Ele sempre esteve comigo, mesmo nos meus momentos de ingratidão, norteando-me e me fazendo refletir que sem esforço não há glória. Ele sempre me ajudou nos momentos mais difíceis, nunca me abandonou. A meu esposo, Ricardo Gleyson, pelo apoio, compreensão e paciência pela minha ausência e por ter me motivado a fazer esse trabalho e a faculdade, também por ter me ajudado nessa grande caminhada pela qual passei, não me deixou fracassar, sempre foi um bom esposo, você é um presente de Deus. Meu muito obrigada e amor infinito! À minha mãe, pelo apoio, mesmo sem entender muito, sempre esteve ao meu lado, apoiou e incentivou. Amor incondicional e o meu muito obrigada! Ao meu pai, que sempre foi minha fortaleza. Ele está com Deus, sei que nunca me abandonou. Gostaria muito que ele vivenciasse comigo esse momento, não foi possível, mas sei que ele está em um lugar muito melhor do que o meu e torcendo por mim, meu amor eterno e incondicional. Aos meus irmãos, Ezequiel, Andreza, Carla Brenda, e à minha prima Fernanda pelo incentivo e ajuda nessa caminhada. Acredito que, para eles, sirvo de exemplo de vida e compreensão, do real sentido do que deve ser uma família. Aos demais familiares, não colocarei nomes porque posso esquecer alguém, meu muito obrigada. Às minhas amigas de curso, Aurineide, Alyne, Oscarilda, Samila, Elisangela, Eliene, Cristina e Vanessa, o meu orgulho por cada uma. Muito obrigada por todas as vezes que fomos colegas, pelas vezes que rimos e choramos juntas e nos uníamos e vencíamos as dificuldades. Serei eternamente grata. À minha querida e amada professora Mariana Aderaldo, mais que orientadora, tornou-se uma amiga, me apoiou com paciência. Desde o primeiro contato com ela no terceiro semestre, sempre foi minha inspiração no curso de Serviço Social, sempre atenciosa. Te admiro muito, meu muito abrigada, espelho-me em você para ser uma profissional ética e comprometida. Serei sua admiradora e eternamente grata. Aos mestres, pessoas importantes que ao longo do caminho se dispuseram a dividir conosco seus conhecimentos e experiências, contribuindo não só para formação profissional, mas para a construção de sujeitos amadurecidos e com um olhar diferenciado de mundo. Não posso esquecer as amigas que sempre me apoiaram nas dificuldades. À Marlúcia, que sempre me ouviu com tanta paciência nas horas mais difíceis da minha vida, meu muito obrigada. Ana Elisa e Ana Paula, por terem sempre me ajudado, me apoiando e incentivando, se não fossem vocês, não saberia como teria feito o caminho. Elas são mais que chefas, são como duas mães pra mim. Também à Chaguinha, por ter me dado forças e incentivo, o meu muito obrigada (ela sabe o quanto foi difícil chegar até aqui), sempre me aconselhando e incentivando. E às outras amigas, cujos nomes não citarei para não esquecer. Meu eterno obrigado. Meu muito obrigada à funerária Jerusalém por ter aberto suas portas para que eu pudesse pesquisar sobre esse tema tão difícil, mas necessário. Tenho grande admiração por esses profissionais agentes funerários. Meu muito obrigada pela atenção e compreensão. Sem vocês, eu não teria conseguido. Que Deus abençoe a todos. Também quero agradecer às duas pessoas que morreram e que fizeram parte dessa pesquisa, pois presenciei a prática desses agentes funerários em “preparar” esses corpos, Deus os tenha! Agradeço, também, à banca, por ter disponibilizado seu tempo, atenção e por ter contribuído para o nosso trabalho. Meu muito obrigada! “A dor da morte não é a dor do medo, é a dor da saudade”. Rubem Alves RESUMO O presente estudo traz uma abordagem qualitativa e tem como objetivo principal compreender os significados e as implicações para o agente funerário ao lidar com a morte em seu cotidiano profissional. O objeto a ser pesquisado exigiu, além de uma abordagem qualitativa, de uma pesquisa bibliográfica e de campo. Solicitou, ainda, como instrumento de coleta de dados, as entrevistas semiestruturadas com os agentes funerários que lidam diariamente com a morte em seu dia a dia profissional. Contou-se com a participação de cinco agentes funerários da Funerária Jerusalém. A análise se deu por meio do discurso dos sujeitos. Para possibilitar uma melhor compreensão, realizou-se uma busca sobre a morte e suas representações, a morte na contemporaneidade, o agente funerário no seu cotidiano profissional. Esse estudo possibilitou compreender como se estabelece o cotidiano profissional nessa profissão, como os agentes lidam com a dor do outro. Frente aos resultados, como respostas obteve-se, através das falas, o significado dessa profissão, as dificuldades e desafios enfrentados por eles (as). Destaca-se, nessa profissão, o fato de contar com o maior número de profissionais do sexo masculino, incluindo também o gênero feminino nessa categoria. Possibilitou desvendar os desafios de lidar com o sofrimento alheio e a necessidade de criar estratégias para o enfrentamento da dor do outro. Essa pesquisa permitiu compreender que o agente funerário, ao lidar com as famílias e dores advindas da perda, sofrem estigmas pelo que fazem na sua profissão. Palavras-chave: Agente Funerário. Morte. Cotidiano. ABSTRACT The actual study brings a qualitative approach and it has as a main subject an understanding to the meanings and the implication to the funeral agent as he manages death in his professional daily life. The subject to be examined needed, besides a qualitative approach, bibliography research and also a field research. It also needed as a collector data instrument some half structured interviews with funeral agents who deals with death in their daily professional life. It counted on the involvement of five funeral agents who works by Funerária Jerusalém. The analysis has done by the each personal speech. To make it easier to a comprehension, it realized a search for the meaning of death and its presentations, the death on contemporaneity, the funeral agent in his daily professional life. This study allowed to comprehend how it settles a daily professional life in such a career, as the funeral agents deals with the other’s pain. Facinf the results as answers it achieved by the speeches the meaning of this profession, the difficulties and challenges they face. This profession distinguishes as the one which has a big portion of male professionals, but this research aldo included that female portion. It also made possible to reveal the challenges to deal to the other’s suffering and a need to produce a strategy to face the others’ pain. This research allowed an understanding of funeral agent universe as he deals with the families and he struggle against the pain of losing, he stands the stigma as he performs the function of such a profession. Keywords: Funeral Agent. Death. Daily Life. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS OMS - Organização Mundial da Saúde TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido IML - Instituto Médico Legal SVO - Serviço de Verificação de Óbito AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11 2 O PROCESSO DA MORTE E MORRER .......................................................................... 13 2.1 Conceituando a Morte ................................................................................................ 17 2.2 Representações da Morte .......................................................................................... 18 2.3 Morte na Contemporaneidade .................................................................................... 22 3 OS AGENTES FUNERÁRIOS E A MORTE EM SEU COTIDIANO PROFISSIONAL ....... 25 3.1 O Agente Funerário e o Corpo Morto ......................................................................... 27 3.2 O Agente Funerário Diante da Família Enlutada ........................................................ 28 4 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................. 31 4.1 Achados da Pesquisa ................................................................................................. 33 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 41 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 43 APÊNDICE .......................................................................................................................... 45 ANEXO ................................................................................................................................ 46 11 1 INTRODUÇÃO Com intuito de aprofundar o olhar sobre o cotidiano profissional dos agentes funerários, surgiu o interesse de investigar como se dá a prática profissional em lidar com a morte. Esse interesse emergiu em decorrência de a pesquisadora exercer a profissão de técnica em enfermagem e de realizar prática de “preparar” o corpo para ir ao necrotério. Surgiu também por ter presenciado essa técnica com seu genitor. Ainda foi motivo para o interesse a cadeira de gerontologia, ministrada pela querida orientadora e professora Mariana Aderaldo. Por meio de suas aulas, passei a conhecer a tanatologia (estudo da morte), que despertou curiosidade pela finitude. A partir do interesse pelo tema, verificou-se existir poucos trabalhos de pesquisa que abordam o assunto no que diz respeito ao agente funerário. A morte também se configura como uma das expressões da questão social, sendo matériaprima de trabalho, e ao assistente social também cabe intervir junto ao processo de morte e morrer. O estudo teve como objetivo principal compreender os significados e as implicações para o agente funerário ao lidar com a morte em seu cotidiano profissional. Buscou-se, como objetivos específicos, identificar a concepção de morte para os agentes funerários; identificar dificuldades vivenciadas na prática do agente funerário; e os enfrentamentos vivenciados por eles. O campo eleito como cenário da pesquisa foi a funerária Jerusalém, empresa privada que trabalha com serviços funerários. O estudo teve caráter descritivo exploratório, com abordagem qualitativa, procurando o aprofundamento e compreensão das relações com a morte pelos agentes funerários. A pesquisa exploratória visa colher maiores informações sobre a morte e o morrer. Foi desenvolvida uma pesquisa de campo e bibliográfica atendendo às categorias: morte, agente funerário e cotidiano. Para que acontecesse a pesquisa de campo, foi necessário desenvolver primeiro a pesquisa bibliográfica, que permitiu à pesquisadora chegar ao campo tendo mais conhecimento sobre o que será investigado. Na pesquisa de campo, como técnica de coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada, que implica num roteiro utilizado pelo pesquisador, e na observação não participante, utilizando a presença do observador numa dada situação (preparação do corpo) com fins de realizar uma investigação cientifica. 12 A observação foi realizada no mês novembro de 2014 e permitiu uma aproximação com as abordagens e as relações estabelecidas entre os profissionais, favorecendo uma compreensão mínima de como estes se posicionam diante do seu ambiente de trabalho e a dinâmica de atendimento no que se refere à sua prática profissional. A partir do momento em que o pesquisador entra em contato com seu campo de pesquisa, com seu objeto de estudo, ele passa a entender o assunto de outras maneiras, diferentes daquelas só apresentados em registros. Na entrevista semiestruturada, o roteiro constou de questões que traçam o perfil do sujeito pesquisado e cinco perguntas norteadoras que serviram para composição do discurso dos mesmos. O universo dos sujeitos foi de cinco agentes funerários que trabalham em turno da manhã, tarde, noite e madrugada, incluindo fins de semana. Utilizou se como critério de inclusão para as amostragens os profissionais agentes funerários que preparam o corpo morto, acolhem a família, fazendo todo o aparato funeral e que se dispuseram a participar livremente. O envolvimento direto com os entrevistados permitiu coletar os dados por meio das falas, verificou atitudes, comportamentos e expressões. Atendendo ao propósito de ética na entrevista, identificou-se os entrevistados com nomes fictícios, a fim de preservar sua identidade. Elegemos nomes de poetas, uma vez que a partir da sua prática transformam “o feio” no “bonito”, buscando suavizar as duras faces da morte. Atribuímos os seguintes nomes: Mario Quintana, Manoel Bandeira, Raquel de Queiroz, Alvarez de Azevedo e Vinicius de Morais. Quanto à escolha da quantidade de sujeitos entrevistados, sabemos que o importante não é o número de sujeitos que compartilham informações, mas a significação que esses sujeitos têm em função do objeto de pesquisa. O presente estudo está dividido em introdução, na qual apresenta a problematização, objetivos, justificativa e parte do percurso metodológico. O primeiro capítulo, intitulado “O processo da morte e o morrer”, traz discussões sobre o conceito da morte, as representações da morte, além de apresentar brevemente a morte na contemporaneidade. O segundo, “Os agentes funerários e a morte no seu cotidiano profissional”, apresenta os agentes funerários e o corpo morto, assim como o agente funerário diante da família enlutada. O terceiro capítulo tem como título “O percurso metodológico e os achados da pesquisa” e aborda o universo pesquisado, as informações da instituição (campo da pesquisa), as percepções dos entrevistados, envolvendo todas as questões de morte e seu cotidiano profissional. 13 2 O PROCESSO DA MORTE E MORRER Na contemporaneidade, falar sobre a morte é algo que sempre desafia. Destacando algumas mudanças ocorridas nas últimas décadas, estas são responsáveis pelo aumento da violência cada vez mais presente, somado à elevada taxa de doenças crônicas, mortalidade infantil, uso abusivo de drogas e as catástrofes que vêm ceifando inúmeras vidas humanas. Assim, a morte é encarada com resistência. Apesar de ela ser uma realidade em nossa vida, tentamos fugir dela, utilizando os avanços tecnológicos a fim de prolongá-la. Por outro lado, a morte traz outros aspectos, como fascínio para a música, poesia e filme. Assim se reporta o poeta Vinícius de Moraes: Resta esse diálogo cotidiano com a morte Esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada Ela virá me abrir à porta como uma velha amante Sem saber que é minha mais nova namorada. Veja o que diz o poeta Mário Quintana: Este quarto de enfermo, tão deserto de tudo, pois nem livros eu já leio e a própria vida eu a deixei no meio como um romance que ficasse aberto... Que me importa esse quarto, em que desperto como se despertasse em quarto alheio? Eu olho é o céu! imensamente perto, o céu que me descansa como um seio. Pois só céu é que está perto, sim, tão perto e tão amigo que parece um grande olhar azul pousado em mim. A morte deveria ser assim: um céu que pouco a pouco anoitecesse e a gente nem soubesse que era o fim... O homem é o único ser racional que tem consciência de sua mortalidade, diferente dos outros animais, que podem pressentir a morte, mas agem pelo instinto de sua cadeia alimentar. De acordo com Sousa (2010), a morte extrapola a dimensão biológica do ser humano, abarcando outras esferas sociais, culturais e, sobretudo, reflexos que produzem no comportamento humano. 14 O processo da morte e do morrer se dá através de estágios pelos quais o indivíduo passa. Segundo Kübler-Ross (2012), a primeira fase é a negação e isolamento: este estágio ocorre no início do processo, quando é dada a notícia, tendo influência pela forma como a notícia foi anunciada. Citemos, por exemplo, a frase “isso não pode ser comigo”, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. A negação está relacionada com a tristeza e a negação do fato, o sujeito não aceita a sua própria finitude, mesmo sabendo que seu fim se aproxima. A segunda fase é a ira, ou seja, a raiva. O indivíduo mantém revolta com sua própria condição, não aceita seu fim. A pessoa sente revolta de tudo o que planejou. Sendo interrompido por uma doença fatal, ou morte súbita que acontece sem ao menos esperarmos. Na morte súbita, esses estágios são vivenciados pelos familiares. Surge a inveja, sentimento de culpa por parte da equipe ou pela família, seguindo a fase do “por que eu?”. Entender a raiva possibilitará uma melhor condição de “ajuda” para esse sujeito. Caso reaja à raiva com raiva, não entrará em consenso nenhum. Nesta fase, Kübler-Ross (2012) diz que, para os pacientes, os médicos não prestam, não sabem que exames devem pedir e qual regime prescrevem, mantêm os pacientes nos hospitais mais do que o necessário ou não respeitam os desejos deles. O terceiro estágio implica na barganha. Nesse estágio, busca-se uma alternativa para entrar num “acordo” para adiar o desfecho inadiável. O doente imita a forma de um comportamento de criança, em que ela promete que vai “se comportar” se receber um presente. Assim também é o paciente: ele promete alimentar-se melhor, promete que vai descansar, fazer exercícios, faz até promessa de que se ficar “curado” vai mudar algumas atitudes. A quarta fase é a depressão. Após passar por essas outras fases (negação, raiva, barganha), surge um sentimento de perda. Perda do corpo, das finanças, da família, dos amigos, da empresa em que trabalha, perda da capacidade de realização de seus sonhos e de suas realizações nas atividades “normais”, se enquadrando num profundo isolamento. A quinta e última fase é a aceitação. A luta contra a morte cessou. O doente se desliga de alguns aspectos do mundo. Ele deve ter recebido apoio de seus familiares nos momentos anteriores e agora a aceitação da sua finitude. Tendo em vista a realização da despedida de seus entes querido, de seus bens, amigos, o paciente dorme não mais como fuga, e sim como um repouso antes da grande 15 viagem. Somente alguns aceitam essa fase, a maioria luta contra a morte. A pessoa fica em silêncio. É difícil para os familiares, pois querem “chamar a atenção” trazendo seu ente para a vida, querendo conversar, falar de outros aspectos, outras histórias, mas esses assuntos não são mais necessários. Weisman (1972 apud KOVÁCS, 1992) mostra três estágios do doente terminal, que são: o primeiro estágio, no início dos sintomas e do diagnóstico. O segundo estágio, no resultado do diagnóstico até a fase terminal, época de maior concentração do tratamento, tendo como objetivo principal combater a doença e buscar a cura. E no terceiro momento entra a alteração entre a negação e o deslocamento até chegar à aceitação de sua finitude, tendo esta como irreversível, conforme a progressão da doença. O quarto estágio se dá com o alivio dos sintomas e no cuidado pessoal. A ideia da morte nos faz refletir que nenhum avanço tecnológico nos permitirá escapar dela. Pode-se, assim, serem utilizados os cuidados paliativos. Segundo Figueredo (2003), os cuidados paliativos implicam num conjunto de atos multiprofissionais que têm por objetivo efetuar o controle dos sintomas do corpo, da mente, do espirito e do social, que afligem o indivíduo na sua finitude, podendo prolongar-se após a morte “trabalhando” o luto com os familiares enlutados. Para Menezes (2006), o ideal seria que o indivíduo que está prestes a morrer tivesse controle do processo de sua morte, fazendo escolhas adequadas a partir das informações técnicas, médicas e espirituais. Nos cuidados paliativos, há a participação de profissionais e especialistas dependendo da evolução de cada caso. Esses cuidados paliativos não têm o objetivo de curar, uma vez que já se encontra em fase progressiva, irreversível, não respondendo mais aos cuidados paliativos. Atualmente, o público alvo são pacientes portadores de câncer avançado e AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida), insuficiência cardíaca congestiva e idosos portadores de graves doenças. O trabalho é realizado por parte de uma equipe multidisciplinar que cuida do corpo (médico, enfermeira, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional), da mente (psicólogo, psicoterapeuta, psicanalista, psiquiatra), do espírito (padre, pastor, rabino, guru, sacerdotes), dependendo da crença do paciente, e do social (assistente social, voluntários). Esses profissionais fazem atendimentos priorizando a dedicação, a escuta de toda e qualquer pergunta, reclamação, lamúria, dentre outros. 16 Esse grupo não esconde a verdade para a família, nem para o doente, não abandona os pacientes desde que estes queiram esses cuidados. Os cuidados paliativos, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde, 1990), são definidos como cuidado ativo e total dos pacientes cuja enfermidade não responde mais aos tratamentos curativos. Controle da dor e de outros sintomas, entre outros problemas sociais e espirituais, são da maior importância. O objetivo é atingir a melhor qualidade de vida possível para o paciente e sua família. A morte é imprevisível e inevitável para muitos pacientes com doenças crônica grave. É neste processo que o doente se preocupa com seu sofrimento e de sua família, tanto emocionalmente como financeiramente. Diante disso, o medo excessivo sobre o tema morte não permite aceitá-la de modo a compreendê-la, mesmo sendo um evento intrínseco à condição humana. O paciente que está em estágio terminal têm seus direitos garantidos. Abaixo, a Carta dos Direitos do Paciente Terminal lista: “Tenho direito de ser tratado como pessoa até que eu morra”. “Tenho direito de ser cuidado por pessoas sensíveis, humanas e competentes que procurarão compreender e resolver as minhas necessidades e me ajudarão a enfrentar a morte e garantir minha privacidade”. “Tenho direito de ser aliviado na dor e no desconforto”. “Tenho direito ao aceitar minha morte, de receber ajuda dos meus familiares e de que estes também sejam ajudados”. “Tenho direito de morrer sozinho”. “Tenho direito de receber cuidados médicos e de enfermagem mesmo que os objetivos de cura mudem os objetivos de conforto”. “Tenho direito de discutir e aprofundar minha religião e/ou experiências religiosas seja qual for o significado para os demais”. “Tenho direito de morrer em paz e com dignidade”. “Tenho direito de expressar a minha maneira, sentimentos e emoções frente á minha morte”. “Tenho direito de participar das decisões aos meus cuidados e tratamento”. “Tenho direito de ter esperança não importa quais mudanças possa acontecer”. “Tenho direito de ser cuidado por pessoas que mantem o sentido da esperança, mesmo que ocorram mudanças”. Portanto, na vida, a única certeza que temos é de que nascemos e morremos. Então, por que a gente tem medo de sua chegada se sabemos que todos terão um encontro com ela? Não seria fácil, se desde cedo, aprendêssemos sobre ela, pois não somos eternos, e a finitude faz parte de nossa realidade? 17 2.1 Conceituando a Morte “E se somos Severinos iguais em tudo na vida morremos de morte igual... que é morte de que se morre... ataca em qualquer idade, e até gente não nascida”. (Joao Cabral de Melo Neto). A morte é a única certeza que todos nós temos, tornando-se nossa companheira desde quando nascemos até nossa finitude. Um dia, ela aparece em nossas vidas forçando-nos a buscar sentido para explicá-la. Assim, o processo da morte e do morrer é um fenômeno, sendo esse fenômeno parte da vida humana. Diante disso, a morte apresenta uma experiência da qual não podemos voltar para contar aos outros como foi vivenciar esse fato como experiência. Ela aparece tanto na infância, juventude, fase adulta quanto na velhice. Muitas vidas de crianças e jovens estão sendo ceifadas, com tanta violência e doenças nos dias atuais, apesar da tecnologia estar avançada. Nossa cultura espera que a morte só chegue na velhice. Um ponto a ser ressaltado é que uma pessoa jovem também morre de morte natural. A sociedade não considera esse fato como natural. O que se espera é morrer bem “velhinho”, dormindo e não acordando mais. A morte seria como um sonho. A primeira descoberta sobre a morte diz respeito ao caráter de sua irreversibilidade. Não podemos desfazer o que a situação da morte cria nem recuperar a condição de vivos. Adentramos o reino da morte, segundo Ruiz e Gomes (2006). Assim, a morte é tida como fim do nosso processo de desenvolvimento. Podemos até fantasiar como nossa morte vai ser, mas queremos que ela chegue o mais tarde possível, pois temos sonhos, projetos para nossa vida e algumas realizações para fazer antes da chegada dela. Mas nem sempre isso acontece, ela pode chegar nas várias faixas etárias de nossa vida, não se importando com raça, cor, etnia, com o “pobre ou rico”. Partimos da lógica de que nascemos, crescemos, reproduzimos e morremos. Para Kübler-Ross (2012), a morte constitui ainda um acontecimento medonho, pavoroso, um medo universal, mesmo sabendo que podemos dominá-la em vários níveis. Desta forma, a morte traz sofrimento, ninguém está imune a ela. 18 Mas vale admitir que o sofrimento sirva de experiência humana e contribua para o crescimento individual. Diante disso, a morte é um tema que causa curiosidade, medo, angústia, permitindo olhares distintos e poucos discutidos. Não tocamos nesse assunto em rodas de conversas, muito menos se discute na infância, durante a qual são contadas histórias de viagem, dentre outras. Kübler-Ross (2012) afirma que a morte não é uma característica da atualidade. Estudar sobre a morte pode ser um convite no que vem a ser a vida, em que somos, como somos feitos por ela, nossas escolhas, nossas atitudes perante ela. Ainda sobre a morte, Loureiro (1998) acrescenta que sabemos o dia e a hora que nascemos, mas a hora que iremos morrer nós não sabemos. Para Cardozo (2012), o significado da morte para o indivíduo muda não tendo o mesmo significado (subjetividade) para o outro. Só quem convive com ela, a morte, é quem delimita o tamanho da dor e seu luto. Quem perde um ente passa por um processo doloroso, principalmente do seu vínculo com o morto. 2.2 Representações da Morte “O mundo é uma cadeia Que de preso vive cheia, Ninguém me digo que não A morte é seu sentinela, E é quem arranca as tramelas Das portas desta prisão” (Patativa do Assaré, 1956). A morte tem suas diversas representações, seja na intensa luta pela busca da cura de muitas doenças, seja na sofisticação dos meios associados pela tecnologia que buscam negar a morte. Esse fenômeno foi alterado ao longo dos tempos. No passado, a morte ocorria em casa, o moribundo ficava cercado de seus familiares e amigos expressando suas angústias e desejos após a morte. Hoje é permitido que o paciente finde seus dias no lar quando está “desenganado” pelo médico, ou seja, no termo popular, “não tem mais jeito” e é preferível que morra em casa. A presença da morte se impõe mais forte em nós quando morre alguém, mas alguém mais próximo. Ela só acontece uma vez a cada pessoa, só é vivenciada e sentida pela pessoa que morreu. Kübler-Ross (2012, p. 12) ressalta que: 19 Morrer se torna um ato solitário e impessoal por que o paciente não raro é removido de seu ambiente familiar e elevado ás presas para uma emergência. Qualquer um que tenha estado muito doente e necessitado de repouso e conforto se lembrará de ter sido posto numa maca sob um som estridente da sirene e da corrida para o hospital. Só quem sobreviveu a isto é que pode aquilatar o desconforto e a fria necessidade deste transporte, começo apenas de uma longa provocação dura de suportar quando se está bem, a luz, as sondas e as vozes se tronam insuportáveis. O fenômeno da morte está ligado ao significado e ao contexto sociocultural onde se manifesta. Nos dias de hoje, as pessoas preferem fazer o velório em igrejas, no próprio cemitério, onde há espaço para fazer isso, ou nas próprias funerárias, principalmente em casos de pessoas que morrem com doenças infectocontagiosas. Na antiguidade, a morte tinha seus rituais de acordo com cada cultura. Kübler-Ross (2012, p.?) cita: “os antigos egípcios sepultavam seus mortos juntamente com as roupas e os alimentos, para que continuassem felizes, e da mesma forma os antigos índios americanos enterravam seus parentes com tudo o que lhes pertencia”. Contudo, a morte representa uma ruptura entre o indivíduo e sua convivência com os seres humanos. Ela não só coloca fim no corpo físico, mas também ao ser social. Alguns autores se dedicaram a escrever sobre as representações da morte. Aíres (1977) e Kovács (1992) destacam algumas dessas representações: Morte Domada: morte típica da era medieval. O homem sabia que seu fim chegaria através de signos e avisos. Ou seja, a morte era esperada no leito e todos o cercavam nesse momento, seus familiares, amigos e até crianças. Nessa época, a morte era aceita e eram feitos os ritos de forma cerimonial. Diferente dos dias atuais, em que as crianças são poupadas desse acontecimento, é escondido delas esse fato, os próprios familiares explicam que aquele ente que falece foi fazer uma viagem ou sempre buscam alternativas para não falar a verdade, deixando essa criança na perspectiva de que aquele ente ou animalzinho vai votar; Morte em Si Mesmo: o homem passa a ter uma atenção “especial”, preocupando-se com sua própria morte e o que acontecerá depois. O medo do julgamento final, entre o céu e o inferno. Nesse período, há o apego a coisas como a família, objetos materiais etc. Nessa 20 época, se preocupa com orações, missas, testamentos e como doar os bens; Morte no Cadáver, Vida na Morte: configura a vida e a morte. O cadáver tem seus segredos da vida e da morte. Mantendo o hábito sensível de um resíduo de vida, pelos e unhas vão crescendo, há secreções. Utilizava-se isso como imortalidade da alma. Nesse período, a superstição era de que os corpos, depois que morriam, ainda ouviam, tornando-se difícil a separação do natural. Os ossos passam a ser utilizados como amuletos para proteção desses fenômenos; A Morte Aparente: traz o grande medo, a fobia de ser enterrado vivo, de ser despertado dentro do túmulo. Surgem vários ritos cerimoniais para atrasar os enterros, como, por exemplo, os velórios de 48 horas. A morte, nesse período, só era real quando começava a decomposição. Na atualidade, os ritos já são diferentes. O morto é enterrado antes das 24 horas após sua morte para que não fique exalando mau cheiro, principalmente mortes acometidas de doenças infectocontagiosas. A Morte do Outro: a morte do século XIX é a morte romântica. É considerada bela, repouso, eternidade e a possibilidade de uma reunião fraternal. Ela passa ser um desejo. A morte, nesse período, trazia a sensação de fuga para o além, mas também causa ruptura, separação. O que predominava nessa época era o medo das almas do outro mundo, provocando superstições; A Morte Invertida: o século XX traz a morte que se esconde, a morte vergonhosa, como era o sexo na era vitoriana. A morte já não pertence mais ao indivíduo, tirando a sua reponsabilidade e consciência. Na sociedade atual, expulsa-se a morte para a proteção da vida. A morte atual é a morte que é boa, ou seja, é aquela em que não se sabe se o sujeito está vivo ou morto. Para a psicóloga Kovács (1992), a morte pode ser requisitada da seguinte forma: 21 Morte como Perda: é a morte dos outros como internalizada. Faz parte da vida e dificilmente não terá sido vivida pelas pessoas. Há uma subdivisão entre a morte “concreta”, aquela em que ocorre efetivamente, a morte da pessoa com quem se mantém um vínculo, e a “simbólica”, quando se refere a perdas não resultantes de morte, como separação, perdas de emprego etc... A morte como perda foi sentida como irreversível, brusca, evocando sentimentos fortes e é vivenciada conscientemente, diferentemente da vivência da própria morte; Morte como Fim ou Transição: tomadas as duas representações em conjunto, apareceram na mesma frequência da morte como perda. É o tema da morte futura, que ainda vai acontecer, portanto, distanciada no tempo. Refere-se à morte do “eu”; Morte como Transição: é a representação das crenças e convicções do ser humano. Fala-se da morte em geral e da morte futura, portanto, desconhecida. Em alguns relatos, há afirmações enunciadas com tanta certeza que fazem um super conhecimento. Podemos falar da morte desconhecida; A Morte faz Parte da Vida: a morte “despersonalizada”. Nessa apresentação, a autora fala sobre a morte como forma de decorrência e parte da vida. Não se tratando da morte de pessoas especificas, (eu/você) e sim do ser humano, em geral, nesse sentido, é entendida como a morte despersonalizada; A Morte como Medo: a morte desconhecida é uma das emoções mais associadas à morte, tanto a própria quanto a perda do outro, em intensidades e formas de expressões diferentes. Quanto à perda, surgiu qualificações da morte como interrupção da vida, como fato inesperado e a possibilidade do conforto; Morte como Fascínio: usualmente, a morte é feita como uma associação entre a morte e as emoções como dor, tristeza, raiva e medo. Mas, para outros, a morte ativa um fascínio ligado à sua característica de ser misteriosa e desconhecida; A Morte é a Morte do outro: Esse tema introduz a dificuldade de pensar na própria morte e pode trazer desejo inconsciente de 22 “imortalidade”. Ao pensar na própria morte, causa um distanciamento temporal ou maior temor relativo à perda de figuras parentais; A Morte como Sono ou Descanso: segundo a autora, essa representação traz o desejo do ser humano de morrer dormindo, sem consciência do próprio sofrimento. Ligada também à ideia de tranquilidade. 2.3 Morte na Contemporaneidade “A morte é nada para nós, pois, Quando existimos, não existe a morte, e quando Existe a morte, não existimos mais”. (Epicuro) Nos dias atuais, a morte é tida como tabu, falar nela não é uma tarefa fácil, tendo em vista que ela vem acompanhada de dor e sofrimento para o falecido, como também para a família enlutada. Ainda que seja tida para alguns como “agouro”, e que ela causa o fim. Pensamos nela como um sono, uma viagem. O homem é o único ser consciente de sua finitude. A morte pode acontecer de forma inesperada sem sequer dar tempo para se despedir ou em forma de doenças crônicas e incuráveis permitindo um luto antecipado. Explanaremos a morte em algumas civilizações, culturas, e religiões. Para Resende (2008), os Vinkings (guerreiros) tinham uma visão determinista da morte, a morte vinha de uma força superior dada pelo destino. Sendo assim, eles não acreditavam que pudessem preveni-la ou prorrogá-la ou não teriam resultado positivo. Nesse período, o temor da morte não existia. Sua chegada seria uma honra. Já para os Nórdicos (povos do norte da Europa), o morto era colocado em um barco junto aos escravos, os animais eram sacrificados e oferendados após terminar o ritual. O barco era queimado pelo Vinkings e colocado em alto-mar. Os Etruscos (povos da Penísula-Itálica) tinham uma relação “amigável” com a morte, faziam seus rituais nos funerais e em locais dos enterros dos mortos, os cemitérios eram locais de convivência. A cultura das tribos da África considera a morte do indivíduo como um recomeço, uma nova vida e festejam, vestem o morto com roupas novas, alguns objetos pessoais são deixados com ele na sua urna no cemitério e o resto de seus objetos são queimados para que o falecido se liberte do seu passado. 23 Os Budistas acreditam que a morte não é considerada o fim da vida e sim fim do ciclo, tendo em vista a evolução do indivíduo. Os Espíritas Kardecista têm a morte como uma passagem, o fim da nossa missão aqui na terra, indo de encontro para a vida espiritual, um novo lar, voltando a seguir para a encarnação aqui na terra de acordo com a evolução no plano espiritual. Para o historiador Philippe Ariès (2014), a morte na Idade Média era menos ocultada, considerando, que nessa época, morrer era um fato que se tornava público e não muito privado. O que acontece nos dias atuais é que a morte se torna privada, um fato escondido. Na sociedade Medieval, no processo do morrer, os indivíduos tinham serenidade e calma. Já para a Sociedade Moderna, o morrer se torna um fato privado ou recalcado. Com o aumento exorbitante da violência urbana, tais como os acidentes de trânsitos, os homicídios, o aumento de doenças crônicas, terminais, suicídios, dentre outros, cresce o número de óbitos. Mesmo com tamanha tecnologia em “máquinas” de última geração para “salvar vidas”. Como já foi mencionado, nos dias atuais não se morre mais como antigamente, antes a morte era na própria residência e estimulada ao desejo do doente e da família, tida como boa morte, fazendo com que o moribundo não se sentisse sozinho. Para Ariès (2014), na segunda metade do século XX, a morte devia ser escondida, sendo banida do espaço familiar para instituições hospitalares. A morte e a vida coexistem no mesmo mundo. O aspecto mais marcante da morte é o impacto emocional que ela causa para os que ficam. O processo da morte é sempre acompanhado de sofrimento e dor, porém a medicina se preocupa com o desenvolvimento tecnológico para o bem-estar do outro. O doente, às vezes, é privado de suas vontades, desejos, opiniões e muitas vezes sequer consultado. Na sociedade civilizada capitalista, o capitalismo não se mantém sem a morte. Como seria se ninguém morresse? A quantidade de alimentos não daria, com o crescimento da população não teria moradia, na saúde faltariam leitos. Desse modo, existem várias agências funerárias que trabalham com o “ramo” da morte, prestando serviços funerários para o falecido, como também para suas famílias. Os costumes que antecedem a morte passaram por transformações ao longo do processo e um deles é o local de morte. Hoje, os hospitais, muitas vezes, são refletidos de aparelhos e os doentes ficam longe de seus familiares, amigos e perto de pessoas desconhecidas, sendo o acesso ao doente difícil e controlado por dias 24 ou horários definidos. Diante disto, Ariés (2003, p. 293) diz sobre a morte na contemporaneidade que: A morte recuou e deixou a casa pelo hospital; está ausente do mundo familiar de cada dia. O homem hoje, por não vê-la com muita frequência e muito de perto, a esqueceu; ela se tornou selvagem e, apesar do aparato científico que a reveste, perturba mais o hospital, lugar de razão e técnica, que o aparato da casa, lugar dos hábitos, lugar de razão e técnica, que o aparato da casa, lugar dos hábitos da vida quotidiana. Barreira Júnior (2011), em seu artigo sobre a obra “A Solidão dos Moribundos”, de Nobert Elias, relata que a morte não está relacionada unicamente ao atestado de óbito, às cerimônias, ao caixão e aos demais rituais. Ele explica que muitas pessoas morrem, adoecem, envelhecem progressivamente e são desligadas do seu convívio social para morrer no completo isolamento. O isolamento ao qual o idoso ou doente é submetido cria dificuldade de definir-se com o moribundo. Na atualidade, a morte é afastada do convívio social. Falar dela pode recordar perdas próximas. E, para realizar alguma pergunta sobre sua finitude, esta será respondida no ambiente médico. Portanto, não é incomum que o desvanecido desconheça a gravidade da sua própria condição, pois seus familiares resolvem “poupá-lo” da verdade. Os homens têm uma preocupação com a morte do outro, mas não aceitam a sua própria morte, ou seja, “dessa vez não foi comigo”, não tendo essa visão da sua própria finitude e a finitude de seus parentes. Quanto ao processo da morte na contemporaneidade, os rituais fúnebres são feitos de forma rápida, em tons mórbidos e higienizados para que a família enlutada possa voltar às suas atividades diárias. O corpo morto não é mais velado no seu lar e sim em unidades funerárias próprias para a realização de velórios. As expressões das emoções dos enlutados deram lugar ás reações frias a fim de não transtornar a ordem local. Ainda sobre a morte na contemporaneidade, segundo a autora acima citada, esta é vista como “boa morte”, que significa dizer morte escolhida e produzida pelo paciente que está a morrer. A imagem da morte tende naturalizar esse acontecimento. Alguns de nós temos medo da chegada dela, não queremos que ela chegue próximo, muito menos de nossos familiares. Pensamos sempre na tecnologia como forma de escapar dela ou pelo menos aliviar as dores. Mesmo com todos os esforços da ciência, da medicina e da tecnologia médica voltada a 25 transformar e ultrapassar os limites da morte, ela acontece sem dia ou hora marcada. 3 OS AGENTES PROFISSIONAL FUNERÁRIOS E A MORTE EM SEU COTIDIANO “Essa cova que estás, Com palmos medido, É a conta menor Que triste em vida. E de bom tamanho, Nem largo nem fundo, É a parte que cabe Deste latifúndio (Joao Cabral de Melo Neto, 1955). A morte chega algumas vezes sem avisar e leva de nós quem amamos, deixando um grande vazio e saudade. Ela insiste em nos dizer o que nos espera. Mas o que pensam os que lidam com a morte 24 horas por dia trabalhando em escala de plantões, cuidando do corpo morto? Uma “coisa” normal? Natural? Ou uma passagem? A matéria-prima do trabalho do agente funerário é o corpo, ou seja, a morte em sua fase concreta. Esses profissionais algumas vezes são estigmatizados pela sociedade, pois, quando encontramos algum deles, lembramos logo da morte. A sociedade espera que esse profissional tenha controle emocional, caso contrário seu profissionalismo é questionado, são tidos como pessoas frias e indiferentes. Lidar com a morte faz parte da rotina de várias profissões, está presente na televisão, no rádio, no jornal escrito, nos resgastes policiais, nos hospitais e, principalmente, nas agências funerárias e cemitérios. São poucos os profissionais que se encontram em seu ambiente de trabalho com capacitação em tanatologia. Para Escudeiro (2008), a tanatologia é uma ciência ainda muito recente. Apresenta-se como um instrumento para facilitar a 26 ação sobre as situações que os profissionais enfrentam no seu cotidiano profissional. A tanatologia não tem a preocupação só com a morte física, mas com as perdas em si. Inúmeras profissões têm a morte em sua rotina. O médico, para Kastenbaun e Aisenberg (1992), é livre para escolher as vidas “mais” valiosas e as menos “valiosas”. É responsável, perante seu código de ética, pelo paciente, pelo atestado de óbito e por outros procedimentos que competem somente a ele. Busca a cura através de tratamentos terapêuticos e exames de alta tecnologia para descoberta e diagnóstico de doenças. A enfermagem tem o cuidado direto com o paciente desde a admissão hospitalar até a alta ou óbito. Compartilha do sofrimento e angústia da família e do paciente em estágio terminal. Engloba tanto o enfermeiro e o técnico de enfermagem. O perito legista realiza perícias de mortes trágicas causadas por acidentes ou assassinato, tendo o trabalho essencial de elucidar crimes, fazer laudo pericial, servindo como prova do processo que investiga os homicídios. Os coveiros ou sepultadores são os profissionais que trabalham em cemitérios organizando, fazendo a limpeza de túmulos e jazigos, cavando e cobrindo sepulturas, carregando caixões, realizando sepultamento e exumação, dentre outras funções. O assistente social acolhe a família enlutada e orienta essa família quanto aos procedimentos funerais. Não compete ao assistente social noticiar o óbito para a família, no entanto em algumas instituições hospitalares essa prática acontece cotidianamente. Os agentes funerários são trabalhadores de carteira assinada que trabalham em horários diurno, noturno, com plantões de 24 horas por dia. Suas atribuições são: providenciar registros de óbitos e demais documentos necessários, providenciar liberação, remoção e translado do corpo, executar preparativos para velórios, conduzir cortejo fúnebre até o sepultamento, embelezar o corpo com cosméticos, preparar o corpo e fazer aplicação de conservante com formol para o embalsamento (preservação do corpo morto por um período mais prolongado). Tem em sua prática a tanatopraxia (que é a técnica que permite dar ao corpo morto uma aparência natural, disfarçar a cor e marcas que se instalam na pele e fazer a formalização). 27 Os agentes funerários lidam cotidianamente com a morte a cada plantão, diurno ou noturno. Recebem chamados para ir de encontro a qualquer instituição, seja ela hospital, IML (Instituto Médico Legal) ou SVO (Serviço de Verificação de Óbito). Ao lidar com a morte, os agentes funerários se encontram expostos a produtos químicos e bactérias. Sousa e Boemer (1998) relatam que esses profissionais de funerária estão diariamente expostos a riscos de saúde. Afirmam que: Os trabalhadores de funerária são conscientes do constrangimento e desconforto gerado pelo trabalho ás pessoas de sua família e sociedade. Além disso, tal trabalho se mostra preocupante na medida em que os expõe a riscos de saúde. É penoso divido lidar com o corpo morto afetado em sua integridade (SOUSA; BOEMER, 1998, p. 35) A morte torna-se uma indústria funerária através de rituais. A família se dispõe a arcar com os custos financeiros da lógica capitalista, que transformou a morte em um evento de consumo. Conta-se com agências funerárias para a venda de caixões, ornamentação de flores, carro fúnebre e parâmetros para velório, anteparos para o apoio da urna, artefatos religiosos. A sociedade espera desses profissionais controle emocional e profissionalismo. Não demostrando esses aspectos, seu profissionalismo será questionado. Essa profissão tem alguns estigmas por “parte” de algumas famílias, às vezes são tidos como mercadores da morte, agourentos, pois ganham dinheiro à custa da morte do outro. Algumas pessoas acham que estes profissionais não têm sensibilidade, emoções, acham que são frios e estão nessa profissão querendo a qualquer momento um bom “negócio”. O agente funerário faz parte também da classe trabalhadora que vende sua força de trabalho especializada para o capitalismo. Como seria se não existisse essa profissão especializada? Caberia aos familiares, enlutados, fazer esse papel nesse momento doloroso. Essa profissão é predominantemente masculina, são poucas mulheres que fazem esse trabalho. 3.1 O Agente Funerário e o Corpo Morto “Nenhum homem é uma ilha isolada; A morte de qualquer homem me diminui, Estou envolvido com a humanidade e, portanto, Nunca mandes perguntar por quem os sinos Dobram; eles dobram por ti” (John Donne). 28 O corpo nos lembra, ao mesmo tempo, a vida e a morte, o normal e o patológico. Surgiram algumas reações que se tornaram comuns, podendo ser o nojo, a naturalização. A matéria-prima do trabalho do agente funerário é o corpo morto em sua integridade, não dependendo da causa da morte. Tal fato requer maior “cuidado” para a preparação. O que a família quer é um corpo limpo e embelezado para sua despedida final. Esses profissionais trabalham com secreções, sujeiras, contaminação. Como será o preparo de um corpo com uma doença contagiosa? Ou como será preparar um corpo em sua decomposição, rigidez cadavérica, aquele corpo frio, com secreções acometidas por doenças? Só esses profissionais lidam com isso. O agente funerário higieniza o corpo, aspira as secreções, faz o tamponamento dos orifícios, arruma e dá ao falecido uma semelhança de corpo vivo, para amenizar as feições e marcas que a morte deixa no corpo. Além disso, arruma o cabelo, faz a barba, maquia, veste e faz outros procedimentos. Esse modo de preparar o corpo busca esconder a morte, que às vezes chega de forma tão cruel. 3.2 O Agente Funerário Diante da Família Enlutada “A dor é insuportável quando conseguimos Acreditar que ela terá um fim E não quando fingimos Que ela não existe” (Campbele) A morte é algo que sempre causa dor, sofrimento, angústia. Quando morre uma pessoa querida, é produzido automaticamente o luto, que significa uma dor física e emocional. Parece que se morre juntamente com aquela pessoa que se foi. Enfrentar a perda de um ente querido proporciona ao enlutado alguns sintomas: um estado de desolação, angústia, raiva, dor, sofrimento, mau humor, uso abusivo de álcool ou drogas, desencanto pela vida, dentre outros sintomas. Ruiz e Gomes (2006) discorrem que o luto tem uma lenta readaptação à realidade, à necessidade de renovar os vínculos com o mundo externo, reexperimentando a perda e, por meio dela, buscando a reconstrução e adaptação a um novo momento. Para Loureiro (1998), o luto é um processo necessário e penoso, tido como um sentimento de pesar. Traz insônia, medo, angústia e não aceitação da perda do ente querido. O sofrer faz parte da natureza humana e ninguém está imune 29 a ele. A pessoa enlutada aprofunda-se nas lembranças, no grande vazio e se apega a bens materiais do falecido. O luto afasta as pessoas enlutadas de sua rotina normal, deixa cicatrizes profundas, trazendo mudanças para a vida do indivíduo que o enfrenta. Diante da perda (morte), as coisas nunca mais serão do jeito que eram antes. No início desse processo de luto entra a pessoa agente funerário, que tem o papel de orientar a família enlutada quanto ao horário do sepultamento, as informações burocráticas do atestado de óbito para serem registradas em cartório, as informações sobre o translado do corpo e tirar dúvidas que a família tiver sobre o velório ou enterro. Os serviços funerários têm um papel importante junto à família e podem contribuir nesse processo do luto. Para Worden (1998), o serviço funerário pode “ajudar” a família a ter uma realidade mais próxima da morte vendo o corpo da pessoa morta no caixão aberto ou fechado, isso vai depender da crença e cultura da família ou da causa da morte. O velório pode ser, para o autor supracitado, a primeira fase do luto. Pode fazer com que as pessoas enlutadas demostrem seus pensamentos e sentimentos pelo falecido. Contudo, o velório assume uma rede de apoio social à família, visto que a família vai dar seu último adeus ao seu morto e vêlo pela última vez, tendo consciência de que esse acontecimento nunca mais vai acontecer com aquela pessoa. Para compreender o agente funerário diante da família enlutada, faz-se necessário discorrer considerações acerca do luto. A maioria das pessoas é capaz de lidar com as fases que causam o luto, podendo chegar esse luto à finalização. Outras não precisam de ajuda de profissionais para trabalhar esse momento. De acordo com Worden (1998), o aconselhamento do luto envolve acolher pessoas e facilitar o luto chamado de luto não-complicado ou normal. Relata Worden (1998) que o melhor período de fazer o aconselhamento é nas primeiras semanas depois do sepultamento. Para ele, não é necessário nas primeiras 24 horas. O aconselhamento auxilia a pessoa a completar qualquer atividade inacabada com o morto para ser capaz de dizer adeus, auxilia a pessoa enlutada a conviver com os afetos expressos, auxilia o indivíduo a superar os mais variados obstáculos para se reabilitar após da perda. São três tipos básicos de aconselhamento do luto. Profissionais que fazem parte do primeiro serviço, chamado de básico, são os médicos, os enfermeiros, os psicólogos e os assistentes sociais que apoiam a pessoa enlutada, 30 podendo ser realizado individualmente ou em grupo. O segundo grupo envolve voluntários treinados que recebem apoio dos profissionais. E o terceiro envolve grupo de autoajuda com a participação de pessoas enlutadas dando apoio às outras pessoas enlutadas, também realizado de forma individual e grupal. O luto implica numa “passagem” que o enlutado precisa passar. Entretanto, é uma “coisa” que leva tempo. O luto normal, podemos chamar de um conjunto de sentimentos e comportamentos que são comuns após uma perda. Worden (1998) descreve os comportamentos do luto normal quanto a sentimentos. Começando pela tristeza, este sentimento às vezes não se manifesta com o choro, mas frequentemente ocorre o choro. A raiva é um dos sentimentos confusos para o enlutado. Tendo duas origens: a primeira, o sentimento de frustação de que não poderia evitar a morte; e a outra a sensação é a de desamparo. A culpa e autorrecriminação são sentimentos mais frequentes. A culpa aparece como arrependimento do enlutado não ter sido tão amoroso, de não ter levado aquele ente mais cedo para o hospital. A ansiedade é outro ponto onde o indivíduo se sente inseguro, sente-se com medo de não se cuidar sozinho, impera o medo como a maior causa. Essas pessoas sentem-se sufocadas, “sozinhas”, preferem sair de casa para não lembra o ocorrido. Este sentimento é mais comum com a perda do cônjuge. A fadiga é outro componente, gerando a indiferença, o desamparo, a pessoa sente se sem forças para dar continuidade à sua vida e o medo é grande nessa etapa. Mortes inesperadas, súbitas, trazem um impacto no qual a pessoa não acredita no que está acontecendo. Quando a pessoa tem um familiar que está sofrendo muito, a morte seria como um alivio, um descanso. Só vivenciamos a morte como observadores do processo de morte do outro. Os agentes funerários lidam com estas situações constantemente. Defrontam-se em seu dia a dia com situações que os mobilizam emocionalmente, podendo ser de uma forma bastante intensa, que pode acarretar um grande e desprezível sofrimento pessoal. 31 4 PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DOS DADOS O presente estudo teve caráter descritivo- exploratório, utilizando a pesquisa qualitativa. Para Oliveira (2002), o método qualitativo não tem a função de numerar ou medir unidades ou categorias. No que se refere à pesquisa qualitativa, é necessário não só descrever o objeto e sim buscar conhecer trajetórias de vida, experiências sociais do entrevistado e o interesse de vivenciar a experiência da pesquisa. A pesquisa de campo caracteriza-se pela observação dos fatos tal como ocorrem espontaneamente, tendo a presença do pesquisador em contato direto com o fenômeno e coleta de dados. Na pesquisa de campo, como técnica de coleta de dados, foi utilizada a entrevista semiestruturada. Para Martins e Lintz (2009), nesse tipo de pesquisa o entrevistador busca dados e opiniões para obtenção de informações detalhadas sobre o tema, as motivações, as crenças, as percepções e, por fim, as atribuições em relação ao objeto de investigação. Sobre a técnica de entrevista, vale ressaltar que essa tem como objetivo compreender o significado que os sujeitos, ao serem entrevistados, atribuem às questões e situações com base nas suposições e conjunturas do pesquisado. Outra técnica é o levantamento bibliográfico, que implica na pesquisa documental. Para Oliveira (2002), significa conhecer as diferentes formas de contribuição cientifica sobre determinado assunto. Já para pesquisa exploratória. Gil (2011), explica que esse tipo de pesquisa tem como finalidade desenvolver, esclarecer ou modificar conceitos e 32 ideias tendo como foco principal a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para os estudos. Esse tipo de pesquisa apresenta menor rigidez no planejamento, é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado, tornando difícil a formulação de hipóteses precisas. Na funerária, lócus da nossa pesquisa, realizamos um estudo de caráter exploratório que teve como objetivo principal investigar os sujeitos no campo, no qual buscamos subsídios que nos permitiram entender a relação que se dá entre a temática da morte e o cotidiano de trabalho, através da observação, entrevistas e visita ao campo. O primeiro contato se deu através do velório de um familiar da pesquisadora, que buscou o contato com um agente funerário. Através de ligações telefônicas, foi marcado encontro com um agente funerário que estava em seu exercício profissional. No momento da visita, pudemos perceber a realização da prática desses na arrumação de dois corpos: dois agentes funerários foram observados. Abaixo, trazemos o perfil dos sujeitos da pesquisa. Os sujeitos investigados nessa pesquisa foram os agentes funerários da Funerária Jerusalém, localizada em Fortaleza (CE), totalizando cinco agentes. Aos entrevistados foram atribuídos nomes fictícios a fim de preservar suas identidades. Como já foi mencionado, foram dados nomes de poetas, considerando a prática do agente funerário em transformar o “feio” no “bonito” e, por diversas vezes, amenizar as duras e frias faces da morte. Atribuímos os seguintes nomes: Mario Quintana, Manoel Bandeira, Vinicius de Morais, Alvarez de Azevedo e Raquel de Queiroz. Abaixo, segue a tabela com caracterização dos entrevistados. Nome Sexo Mario M Manoel M Vinícius M Alvarez M Raquel F Idade Escolaridade Religião Estado Composição Tempo de Civil Familiar Serviço 47 anos 39 anos 28 anos 55 anos 45 anos Ensino Fundamental Católico Casado 3 filhos 8 anos Ensino Médio Católico Casado 3 filhos 14 anos Ensino Médio Evangélico Casado 2 filhos 4 anos Ensino Fundamental Católico Casado 5 filhos 8 anos Ensino Médio Católico Casado 3 filhos 25 anos Fonte: Elaborado pela pesquisadora 33 Em seguida, representaremos um pouco do local da pesquisa. A Funerária Jerusalém teve sua fundação em 1993 e presta serviços fúnebres desde a ornamentação até o sepultamento do corpo. Segundo o entrevistado, o sujeito falecendo nos hospitais, cabe ao serviço social realizar contato telefônico com a funerária ou a própria família fazer esse contato, no qual informa os dados do falecido para que posteriormente seja feito o preparo fúnebre. Se a família tiver jazigo em cemitério privado, esta solicitará aos membros do cemitério para que realizem as providências cabíveis do sepultamento. As entrevistas foram realizadas na própria funerária, em uma sala reservada para preservar o sigilo. Todos mostraram interesse em participar, sem nenhuma objeção. Foram realizadas em turnos diferentes, de acordo com a disponibilidade dos agentes funerários (manhã e noite), quando estes recebiam ligações para tanatopraxia. Isso dificultou um pouco as entrevistas, uma vez que nem sempre coincidia com a folga trabalhista da pesquisadora. Os dados foram coletados no mês de novembro do ano de 2014. As entrevistas semiestruturadas aconteceram de forma individual, exceto uma, realizada com dois agentes que faziam seus trabalhos juntos e solicitaram as entrevistas em conjunto. As entrevistas tiveram em média 30 minutos de duração. Foram gravadas em áudio após concordância dos entrevistados. Foi garantido sigilo quanto à identidade dos participantes, a privacidade na coleta de informações e assinada a solicitação do TCLE (Termo de Consentimento Livre Esclarecido). Os sujeitos da pesquisa estão na faixa etária entre 26 anos e 55 anos. Totalizando maior número do sexo masculino, e apenas uma do sexo feminino. A maioria professava a religião católica. Vale destacar que essa profissão contém mais profissionais do sexo masculino pelo fato de ter no exercício profissional de colocar força física ao pegar no caixão. Apenas um entrevistado não permitiu que a entrevista fosse gravada, informando que o deixava tímido para responder as perguntas propostas. No próximo item, através da riqueza das falas dos sujeitos, trazemos os achados da pesquisa. 4.1 Achados da Pesquisa “As rotinas do trabalho paltam a nossa verdade Mas elas não podem impedir nem que á tarde chegue, com suas caras de adeus, e nem que o outro chegue se prestarmos atenção e ouvimos o 34 que nos dizem, ficaremos sábios por que a sabedoria é isto: contemplamos o abismo sem ser destruído por ele. (Rubens Alves, ano). O capitalismo traz consigo as desigualdades sociais. Observa-se que a morte traz uma lógica mercantil, as indústrias funerárias ganham espaço e se tornam necessárias com a venda de caixões simples, vestimentas (mortalhas), higienizações, salas de velório climatizadas oferecendo conforto para os enlutados, embalsamentos, dentre outros serviços. Sendo assim, devido à necessidade de ter pessoas que façam o que os familiares não têm condições de fazer no momento de dor, surgiu a profissão de agente funerário. Passaremos a compartilhar os sentimentos e as implicações desse ofício para os agentes funerários, profissionais que trabalham diretamente com a morte. Vejamos algumas falas: A morte é o ponto, o início e o fim de uma história. Você nasce, você vive o momento e volta pra ele. A morte em si ela é obscura, em momento algum você tem um parecer de como ela seja. É um mistério e vai ficar assim por todos os tempos. O que seria nós pra saber o que ia fazer se soubermos que iriamos morrer amanhã. Hoje é o momento de você viver, amanhã é outro dia. (Mario Quintana, 47anos). Outra entrevistada define a morte como: A morte pra mim, com toda sinceridade, eu acho que a morte é uma passagem. Eu tenho como uma passagem porque pelo o que eu sei, as pessoas ficam adormecida né, pra esperar o julgamento. Pra mim é uma passagem, eu tenho a morte como isso. Eu até tenho também ela assim como uma coisa normal, eu já tô acostumada assim com ela. (Raquel de Queiroz, 45 anos). Diante das falas, percebe-se a morte para esses sujeitos como um processo normal. Algo naturalizado que surge com o passar do tempo na profissão. Ao exercer essa função de cuidar do corpo morto, e também cuidar dos que ainda estão vivos, ou seja, dos familiares que esperam o seu ente para a despedia final, num momento em que estão tomados pela dor da perda. O agente acaba utilizando recurso para lidar com a situação de morte e morrer, mecanismos de defesa, a normatização da morte para auxiliar a suportar a carga emocional advinda deste trabalho. Outro agente retrata em sua fala a morte compreendida através da religiosidade. 35 Bom é difícil até de responder né! Por que eu vou até entrar na parte religiosa porque quando Deus criou o homem ele não criou pra gente morrer e sim pra nós vivermos a vida eterna. Esse mundo aqui apenas é passageiro, a gente, nós conhecemos a verdade e aquele que crê em Deus nós não vamos morrer, apenas vamos partir dessa para a glória. É onde o Senhor vai preparar o lugar né, Ele veio aqui na terra se fez de carne e venceu a morte, e vai preparar o lugar para aqueles viverem. Eu não acredito assim que a gente morre, a gente apenas adormece depois nosso espirito vai pro um lugar determinado pelo Senhor. (Vinicius de Morais, 26 anos). Segundo Gomes (2012), a mente humana faz várias relações sobre o que vai acontecer depois da morte. A crença religiosa é importante para vencer os questionamentos e dúvidas no processo de aceitação do desconhecido. Fazendo o homem ter descobertas e reflexões acerca do tema, sendo o homem limitado para que venha ter a certeza real sobre esse fato. Sendo assim, são várias as definições religiosas acerca da morte. A morte está no cotidiano de todos, por mais que se tente negá-la, ela é entranhada na vida. O medo dela traz dificuldades para lidar com o fim, dependendo da crença e valores de cada indivíduo. Os agentes funerários também sentem dificuldades de conviver com a morte. Para esses profissionais, sua função implica numa tarefa difícil, pois suas ações possibilitam a busca do bem-estar, da saúde e da vida. E, ao contrário de sua intervenção, se deparam com a morte. Relatando sobre os sentimentos ao lidar com a morte, os agentes funerários respondem o que sentem em seu cotidiano profissional de acordo com a pergunta feita na entrevista (vide apêndice). Vejamos os sentimentos para os sujeitos entrevistados: A gente fica sempre ansioso pensando também que poderia ser um parente nosso. A gente tem sentimento né, saber que aquilo ali poderia ser alguém da nossa família, então a gente tem que saber tratar pra poder fazer um serviço bem feito, para poder agradar a família pra vê aquele ente querido. Tem que saber lidar com os sentimentos dos outros. Tem gente da família que são mais agressivos, tem uns que entendem, mas outros que não querem que a gente pegue no corpo com muita força. É aquela coisa, tem que saber lidar muito com isso. Por que são várias as reações da família, o mau jeito que você pega no braço, no corpo, tem família que diz “não é assim que faz”, tem familiar que pensa que a gente tá maltratando é meio complicado. (Manoel Bandeira, 39 anos). Para Mario Quintana (47 anos) e Raquel de Queiroz (45 anos): 36 O sentimento que me vem é de satisfação ao ver as famílias que tem alguém fazendo aquilo por elas. O que eu sinto muitas vezes é pena, pena da pessoa que morreu pena da família, pena do que fez, do que não fez se vai prestar conta de alguma, coisa. É isso que com certeza eu acho vai, né, todos nós né temos que prestar conta de alguma coisa que nós fizemos. Nem Jesus Cristo foi perfeito imagine nós que somos pecadores todos sem exceção. Ainda sobre o sentimento, Vinicius de Moraes (26 anos) comenta. Quando eu comecei a trabalhar nesse ramo eu fiquei muito emocionado numa situação a qual eu fiz uma mulher nova, ela tinha 32 anos de idade quando eu fui pegar o corpo dessa mulher, ela estava no hospital. Estava seu marido lá sozinho, desesperado, né e quando eu cheguei na casa e vi as crianças. Eu disse meu Deus como é que vai ser a vida dessas crianças e desse homem. Ai eu fiquei muito assim emocionado por que o cara era novo, sua esposa era nova, bonita como é que ele vai viver. Os sujeitos entrevistados percebem que a morte é um acontecimento doloroso. Demostram que, mesmo trabalhando cotidianamente com a morte, permanecem sensíveis a esse acontecimento com o sofrimento dos outros, principalmente quando se iguala a situações vividas por eles, como apontam dois dos cincos entrevistados. Relataram que já tiveram perdas significativas e se dispuseram a relatar sobre suas dores diante dessas perdas. A experiência da perda é um dos eventos mais estressantes que podemos viver. Lidar com o sofrimento alheio, segundo Gomes e Ruiz (2006), é algo que causa um desgaste muito grande. São vários os sentimentos e reações perante uma situação não desejadas vivida, às vezes inesperada, pois nunca estamos prontos diante da morte. A gente trabalha há muito tempo, a gente vê muito e com os outros. Com os outros é uma coisa, com a gente é outra coisa que nem há três anos eu perdi meu pai e perdi meu irmão mais novo do que eu, certo aí foi uma coisa sabe, tá entendendo, os meus parceiros de trabalho disse “você está irreconhecível”. Por que eu vejo aquilo ali tudo normal como se fosse, uma coisa normal, mas o teu irmão tá ali tu tá totalmente debilitada, irreconhecível. Eu fiquei muito irreconhecível, a minha fisionomia era outra, mudou. Na nossa família não é a mesma coisa. (Raquel de Queiroz, 45 anos). Olha, eu entrei nesse ramo justamente pela perda de uma pessoa. Eu não sei se foi indicação ou o homem deu uma luz na minha vida. Eu perdi meu padrasto, eu considerava como pai, eu vi o desespero de minha mãe no momento de ajeitar ele pra partida. (Mario Quintana, 47 anos). Diante disso, a vivência desses profissionais com a morte do outro como elemento da sua rotina de trabalho traz ao profissional sentimentos relacionados à própria finitude e a de seus familiares, gerando para estes dor e sofrimento. A morte 37 vem, muitas vezes, para esses profissionais, acompanhada de sangue, secreções, deformidade, mutilações, decomposição, doenças das mais diversas. Seu trabalho implica na reconstituição do corpo morto para um “embelezamento”, trazendo mínimas as aparências que ela deixa sobre quem faleceu. É interessante ressaltar que muitos dos agentes funerários que vivenciam as perdas na vida pessoal escolheram “arrumar” seu parente e participar de todos os rituais fúnebres. Diante disso, trabalhar com a morte exige competência emocional para que não haja uma mistura entre o pessoal e a história do outro. Ser agente funerário é conviver com a dor do outro, é uma profissão que na maioria das vezes não se escolhe. Começa por acaso, através da necessidade de trabalhar assumem essa função e com o passar do tempo passam a “gostar do que fazem”. Para os agentes funerários, cumprir em seu “dever” de “ajudar” as pessoas parece ser a justificativa para enfrentar as dificuldades em sua prática, sentem-se gratificados no que fazem, como refere Raquel de Queiroz (45 anos): Eu gosto do que eu faço, eu sinceramente não me vejo trabalhando em outra coisa até por que foi meu primeiro emprego certo! Eu nunca trabalhei com nada, não tenho experiência com nada a não ser como agente funerária, eu sou atendente, eu sou recepcionista, motorista, agente funerária, certo! Eu maquio, eu arrumo, a única coisa que eu não faço é a tanatopraxia né, que é a formalização do corpo pra tirar as bactérias e pra conservar o formol né. A morte está no cotidiano de todos, por, mas que se tente nega-la ela traz seu lado obscuro e frio. No que diz respeito ao cotidiano segundo Carvalho e Netto (2011), a vida cotidiana é aquela vida dos mesmos gestos, ritmos do dia a dia. É o conjunto de atividades que se configura como a reprodução humana, por seu turno criando a possível reprodução social. Quanto ao sentido da profissão para os agentes funerários, eles resumem: Bom eu acho assim uma profissão muito complicada, muitas das pessoas têm medo né, mas essa profissão é uma profissão que requer da gente um preparamento psicológico né, por que a gente lida com situações diferentes no dia a dia, pessoas que morrem de morte natural, pessoas que são assassinadas, pessoas que são estranguladas, então a gente tem que tá bem preparado, tanto psicologicamente como espiritualmente. Tem que tá muito bem concentrado no serviço. Porque nem todo mundo tem coragem de trabalhar nessa profissão, na verdade quando eu comecei a trabalhar nesse emprego eu não entendia o porquê. Hoje em dia eu entendo porque Deus me colocou nesse trabalho, tudo é um propósito de Deus, mas 38 antigamente eu pensava que era só por necessidade. (Vinicius de Moraes, 26 anos). O sentido dessa profissão é de poder ajudar, né, aquela pessoa que está passando por esse momento difícil, né? É poder saber ajudar e procurar amenizar um pouco a dor da família com o nosso serviço. (Manoel Bandeira, 39 anos). Em relação às vivencias da morte, esses profissionais têm sua prática reconhecida através dela (morte). Os profissionais realizam sua atividade de maneira rotineira supervalorizando os aspectos técnicos, como proteção para o envolvido com o sofrimento diante da morte. Os agentes funerários, todos, sem exceção, afirmam não gostar de “arrumar” corpo de criança. Destacam ainda que, por maior preparo que tenha com a morte, as mortes de crianças os chocam, demonstram comoção diante desse acontecimento uma vez que todos têm filhos e se veem na condição dos pais que perderam seus filhos, seja de morte “trágica ou normal”. Eu já trabalho há 14 anos nessa profissão e o que eu não gosto de “fazer” é enterro de criança, eu sinto muito, toda vez que aparece enterro de criança eu fico comovido. Não gosto de fazer por que também tenho três filhos, se pudesse escolher não faria. (Manoel Bandeira, 39 anos). É muito triste, não gosto de arrumar criança. (Alvarez Azevedo, 55 anos). A gente fica tocado quando é bebê, e criança ou quando é morte inesperada, a gente fica tocada também pelos que ficam. (Vinicius de Morais, 26anos). Eu não gosto de fazer crianças de cinco anos, a luta da família para ver a cura daquela criança com uma doença, e chegar ao ponto de receber aquela criança no caixão, eu preparo, mas não gosto de fazer, eu procuro não me comover, tentando reverter a perda. (Mario Quintana, 47 anos). Quanto a mudanças na vida pessoal relacionadas à profissão, todos afirmam que tiveram mudanças em relação à morte, em lidar com a dor do outro. Para eles, é dinâmico porque são várias as situações em que se deparam. Angústias compartilhadas pelos membros que perdem um filho. Eu endureci, eu acho que endureci os sentimentos em relação a tudo assim por que! Um tiro uma facada uma coisa assim pra mim fica uma coisa assim quase que normal tá entendendo, eu não consigo muitas vezes chorar eu não consigo tá entendendo eu me acho um pouco endurecida. (Raquel de Queiroz, 45 anos). 39 Eu passei a entender a maneira de viver a vida, eu quero viver mais, e falar pras pessoas que é bom viver, a gente nessa profissão passa a entender o sentido da vida. (Vinicius de Morais, 26 anos). O exercício profissional cotidiano de lidar com a morte interfere no comportamento dos agentes funerários, os desafios e as dificuldades enfrentados cotidianamente por esses profissionais no seu oficio, em suas variadas formas, a dor dos que ficam, além da desvalorização da sua profissão, podem constituir aspectos que podem afetar a saúde mental desses profissionais. Os agentes funerários mostram-se conscientes que estão expostos a risco de saúde e “risco de vida”. Mencionam alguns riscos: Quando trabalho no corpo, as bactérias saem, existem vários tipos de bactérias. Você pode levar elas, a gente trabalha em locais fechados com ar condicionado, ficam circulando várias bactérias. (Vinicius de Morais, 26 anos). Vai depender da doença que morre. Sabe a gente fica com medo de pegar alguma coisa porque não vem só corpo embalsamado pra cá. Tai essa senhora, veio para cá sem fazer o embalsamento, o embalsamento mata todas as bactérias, mais aí a gente fica com medo de pegar alguma doença. (Raquel de Queiroz, 45 anos). A entrevistada refere-se ao corpo de uma senhora de 88 anos que os agentes funerários vieram preparar na Funerária Jerusalém, e a pesquisadora presenciou a prática desses sujeitos “arrumando” o corpo. Segundo Gomes e Ruiz (2006), o grande desafio nesse caminho é a formação profissional, posto que seja preciso que propicie uma transformação no entendimento sobre a morte, incluindo o sentido da vida. Medidas de biossegurança são extremamente necessárias nessa profissão. Com o aumento da violência urbana, esses profissionais se deparam com o medo em virtude da insegurança. Sendo isso outro grande desafio. destacam: O maior desafio é a gente entrar em favelas, quando a gente pega um atendimento nesses locais é complicado né. Eu já fiz um atendimento numa favela a qual as crianças deveriam ter uns sete anos de idade com armas, os moradores fecharam a rua colocando pneus, para evitar qualquer entrada, ai a gente tá arriscando a vida. Eles não respeitam ninguém, crianças com pistola na mão a gente entra em vários locais de risco. (Vinicius de Moraes, 26 anos). O desafio é quando você pega um corpo em que a pessoa era “errada” e entra em locais “perigosos”, a gente fica meio assim tem que fazer né. (Alvarez de Azevedo, 55 anos). 40 Hoje a gente faz rapazes de 16 e 17 anos por estar faltando a parte espiritual das pessoas, onde já se viu irmãos se matando que nem Caim e Abel, aluno matando professor, a violência tai aumentando a cada dia. (Mario Quintana, 47 anos). Os entrevistados acham uma profissão que causa medo, angústia, tristeza. Todos têm consciência de como a profissão é estigmatizada, mas gostam do que fazem. Todos responderam que não mudariam de profissão por amar o que fazem. Alguns aprenderam a prática de um colega de trabalho que passou a prática para o outro, em algumas funerárias há treinamentos, mas a qual foi realizada a pesquisada não há treinamento para a função. “Entregar o corpo” ao familiar e ser agradecido por isso é muito gratificante para eles. Essa profissão possui pouco reconhecimento social, enfrentam desafios e dificuldades. Vejamos o que dizem: Eu gosto do que faço, não troco em outra profissão. (Alvarez de Azevedo, 55 anos). Eu me identifico com a profissão, hoje eu entendo por que Deus me colocou nessa profissão. A gente tá ali pra atender a família e tranquiliza. (Vinicius de Moraes, 26 anos). Todas as funerárias deveriam incluir abordagens dos cuidados com a saúde, tanatologia (que estuda os processos emocionais e psicológicos que envolvem a morte), principalmente devido à dificuldade em tratar a questão da morte na nossa sociedade. 41 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Morte somos e morte vivemos mortos nascemos, mortos passamos tudo quanto vivo, vive por que muda Muda por que passa, e por que passa, morre tudo quanto vive perspectivamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida. (Fernando Pessoa, ano). A morte traz medo, angústia, repúdio, é um acontecimento que vai acontecer na nossa vida, mais cedo ou mais tarde. Ninguém se acostuma com ela, não estamos imunes. Sempre traz seu lado duro e frio. Antes, morrer era uma honra. Nos dias atuais, morrer traz sofrimento e dor tanto para os que ficam como para quem morre. A morte é um fato que mobiliza o sistema familiar e social do morto. O agente funerário é profissional que lida com a dor do outro, tem a morte como matéria-prima do seu trabalho. Essa é uma profissão que não se escolhe, os sujeitos a procuram por causa da “necessidade”, acabam aprendendo e gostando do que fazem ele, e não se veem em outra profissão. Apesar das dificuldades e desafios, observamos através da prática do preparo de um corpo o cuidado e o respeito que eles têm em realizar seu trabalho. 42 Na pesquisa apresentada, pretendeu-se investigar como se dá a prática profissional dos agentes funerários ao lidar com a morte. Observa-se, na pesquisa bibliográfica, que a morte traz angústia, medo, dor, sofrimento, sentimentos estes advindos da morte. O estudo teve como campo de pesquisa a Funerária Jerusalém, podendo ser exposta, a partir do que foi proposto pela pesquisa, a opinião dos agentes funerários sobre a morte. Esses profissionais são merecedores de atenção, deveriam ser bem remunerados, e sua escala deveria ser apenas de 8 horas de serviço e não 24 horas. Necessitam de acompanhamento psicológico, são estigmatizados através de olhares e palavras ditas pelos familiares como, por exemplo, “agourentos”, como se estes estivessem culpa do acontecimento. São poucos os que reconhecem e agradecem, mas qu ando um familiar os agradece, se sentem gratificados. Esses profissionais são trabalhadores que têm sentimentos, ficam fragilizados, pois não é fácil lidar com sangue, secreções, odores insuportáveis, bactérias, correndo riscos contra sua própria vida. Frente aos resultados, os agentes funerários estão conscientes dos riscos da profissão. Seus desafios são vários, desde a contaminação com vários tipos de doenças ao risco de morte por entrar em locais vulneráveis. Mas se sentem satisfeitos no que fazem, mesmo com as dificuldades. Apesar da morte para eles ser naturalizada, há sofrimento e dores no contato com os familiares enlutados. Os agentes funerários também têm família, tem suas histórias, medos, sentimentos, necessidades. Necessitam criar estratégias em seu cotidiano para enfrentar seu ofício. Buscam não se envolver para não adoecerem emocionalmente. Espero que essa pesquisa sirva para que outros leitores entendam um pouco da prática desses profissionais e, quando nós estivermos diante de uma situação de morte, passamos a olhar esses agentes funerários com grande admiração e respeito. Lidar com uma profissão associada ao sofrimento alheio é uma tarefa complicada. No início, para eles é difícil quanto ao estranhamento que têm diante do corpo morto, o medo, a ansiedade traz incerteza no começo da profissão, mas se “acostumam” com sua pratica com o passar do tempo. Mesmo lidando com morte de jovens, adultos e idosos, não gostam de preparar corpo de crianças porque aquela criança tem uma vida pela frente, a maioria tem filhos e se coloca no lugar de pais que perdem filhos (crianças). 43 A partir dos dados coletados, é possível perceber que, mesmo sendo uma profissão estigmatizada, os agentes funerários gostam do que fazem, mas é preciso que seja dada uma atenção especial à saúde mental desses profissionais. O estudo em questão representa uma pequena amostra dos agentes funerários que atuam nas funerárias. Porém, ele é capaz de demostrar aspectos importantes e necessários para que se possa refletir sobre a morte e o morrer. O estudo também foi relevante por proporcionar conhecimento acerca da importância desses profissionais, pelo descaso com a profissão e a necessidade de outro olhar para eles. Esse estudo se faz rico visto que atende aos objetivos propostos, contribui amplamente para o âmbito pessoal e profissional, além de proporcionar conhecimentos teóricos e práticos que passam estimular novas pesquisas ligadas a tais temáticas. REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. ______. O homem Diante da Morte. São Paulo: Unesp, 2014. BOEMER, M. A Morte e o Morrer. Rio de Janeiro: Cortez, 1989. BARREIRA JÚNIOR, E. B. Nobert Elias e a solidão dos moribundos. Cadernos ESP, Ceará v. 5, n. 1, p. 37-43, jan./jun. 2011 CARDOZO, S. Tentando Matar a Morte. In: ESCUDEIRO, A. C. (org.). A Morte e suas Implicações para a Vida. Fortaleza: EdUece, 2012. CARVALHO M. C. B.; NETTO, J. P. Conhecimento e Crítica. São Paulo: Cortez. 2011. CASSORLA, R. M. S Da Morte. Campinas, São Paulo, 1991. ESCUDEIRO, A. (org.). Tanatologia: Conceitos e Reflexões. Fortaleza: LC Gráfica e Editora, 2008. GOMES, A. M. A.; RUIZ, E. M. Vida e Morte no Cotidiano. 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Sob execução das pesquisadoras Mariana de Albuquerque Dias Aderaldo (responsável) e Adriana Nunes da Silva Brandao dos Santos (pesquisadora), a qual pretende compreender os sentidos, os significados e as implicações para o agente funerário ao lidar com a morte em seu cotidiano profissional. Sua participação é voluntaria e se dá por meio de entrevista, que consiste em respostas a perguntas apresentadas ao Sr. (a) pela pesquisadora. A entrevista será realizada em sala reservada, na própria funerária lócus da pesquisa. Com duração aproximada de 20 minutos, no dia previamente marcado, de acordo com sua disponibilidade. Os depoimentos desta entrevista só serão gravados com seu consentimento. Não há risco decorrentes de sua participação e o Sr. (a) possui a liberdade de retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta de dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa e nem ao seu atendimento na instituição. 47 Se o (a) Sr. (a) aceitar participar, nos possibilitará contribuir com as discussões sobre agentes funerários no seu cotidiano profissional; sentimentos, percepções e desafios. Ressaltamos que tem o direito de ser mantido (a) atualizado (a) sobre os resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, você será comunicado dos resultados finais. Não há despesas pessoais para o (a) participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada á sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa. Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados somente para esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo. Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar as pesquisadoras para o esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados coletados com a entrevista: Mariana de Albuquerque Dias Aderaldo (87075652) e Adriana Nunes da Silva Brandao dos Santos (87735065).