FAMILIARE INSTITUTO SISTÊMICO O OLHAR DO CUIDADOR SOBRE A CRIANÇA INSTITUCIONALIZADA: CONCEPÇÕES DE FAMÍLIA Joana Patrícia Anacleto de Assis Profª Drª Maria Aparecida Crepaldi Orientadora 2014 1 FAMILIARE INSTITUTO SISTÊMICO O OLHAR DO CUIDADOR SOBRE A CRIANÇA INSTITUCIONALIZADA: CONCEPÇÕES DE FAMÍLIA Trabalho apresentado ao Familiare Instituto Sistêmico como requisito parcial para a conclusão Especialização em Sistêmica. Joana Patrícia Anacleto de Assis Profª Drª Maria Aparecida Crepaldi Orientadora 2014 do Terapia Curso de Relacional 2 Um menino caminha e caminhando chega no muro E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar Sem pedir licença muda nossa vida Depois convida a rir ou chorar Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar Vamos todos numa linda passarela De uma aquarela que um dia enfim Descolorirá (Toquinho) 3 AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Dra. Maria Aparecida Crepaldi, pelos ensinamentos desde as supervisões dos casos, tão complexos, até a finalização da monografia. Por confiar, valorizar meu trabalho e, principalmente, por ser um grande exemplo de profissional a seguir. Obrigada, Cida, por tudo. Aos professores do Familiare e aos convidados, que, ministrando as aulas, disponibilizaram tempo e compartilharam o conhecimento, tão importante na formação do terapeuta. Às colegas do curso, que durante mais de 03 anos fizeram parte de uma história de aprendizagem e de troca de experiências. À minha família pelo apoio, especialmente à minha mãe, pelo exemplo de pessoa batalhadora, que sempre deu valor à educação e me ensinou a lutar pelos meus objetivos. Ao meu esposo, pela paciência e pelo incondicional apoio durante os dias de ausência. Às educadoras da instituição de acolhimento estudada, pela confiança e pelo compartilhamento de suas ideias. Ao meu Deus, por tudo. 4 RESUMO As crianças e os adolescentes são hoje reconhecidos como sujeitos de direitos. Sendo assim, estão inseridos em um sistema denominado “Sistema de Garantias dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes”, que integra diversos órgãos e autoridades, cada um deles com um papel igualmente importante para o alcance da “proteção integral”. Considerando a instituição de acolhimento como integrante do sistema de garantias dos direitos das crianças e adolescentes, este trabalho teve como objetivo estudar a percepção dos profissionais que atuam diretamente na instituição de acolhimento, especialmente no que se refere à percepção de família. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 11 educadoras e, por se tratar de pesquisa qualitativa, foi utilizada análise de conteúdo, cujos dados foram organizados em duas categorias, uma delas relacionada às percepções das educadoras sobre a família da criança e a outra sobre a percepção das educadoras quanto ao contexto em que trabalham. Tais categorias foram subdivididas e possibilitaram uma análise que apontou terem as educadoras percepções de que a família biológica das crianças não cumpre seu papel, de que não acreditam na reintegração familiar, de que desconhecem a legislação vigente e de que se sentem como parte da família das crianças e adolescentes institucionalizados. Concluiu-se, portanto, que as educadoras se beneficiariam com uma capacitação que pudesse abranger conhecimentos sobre legislação, desenvolvimento infanto-juvenil e funcionamento das famílias em situação de vulnerabilidade social. Também favoreceria o trabalho um espaço de escuta e de troca de experiências. Palavras-chave: acolhimento institucional, família, infância, adolescência. 5 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Dados pessoais das educadoras ........................................................................................22 Quadro 2: Percepção das Educadoras sobre Família .......................................................................24 Quadro 3: Percepção das Educadoras sobre o Contexto em que Trabalham................................33 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 2 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 10 2.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................... 10 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................. 10 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 11 3.1 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA.................................... 11 3.2 A FAMÍLIA COMO SISTEMA ......................................................................................... 13 3.4 A INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO ........................................................................... 18 4 MÉTODO ............................................................................................................................. 20 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA............................................................................. 20 4.2 PARTICIPANTES ............................................................................................................. 20 4.3 PROCEDIMENTO............................................................................................................. 20 4.3.1 Instrumentos .................................................................................................................. 21 4.3.2. Análise de Dados........................................................................................................... 21 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................ 22 5.1 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DAS EDUCADORAS ............................................... 22 5.2 TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DAS EDUCADORAS ............... 23 5.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE .......................................................................................... 23 5.3.1 Percepções das Educadoras Sobre a Família da Criança .......................................... 23 5.3.1.1 Percepções relacionadas à família biológica .............................................................. 24 5.3.2.2 Percepções Relacionadas à família institucional ....................................................... 30 5.3.1.3 Percepções Relacionadas à equipe técnica da instituição.......................................... 32 5.3.2 Percepção das Educadoras Sobre o Contexto em que Trabalham ........................... 33 5.3.2.1 Reconhecimento sobre as características de um educador (perfil relacionado à função) ...................................................................................................................................... 34 5.3.2.2 Entendimento sobre a função de educador .................................................................. 36 5.3.2.3 Entendimento sobre o papel da instituição de acolhimento e da Justiça .................... 36 6 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 38 7 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 40 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 42 8 1 INTRODUÇÃO O termo “criança” suscita um apanhado de representações mentais e sociais, de significados e simbolismos. Elas estão por toda parte, são temas constantes de estudos e pesquisas e também de opiniões populares. Na área da Psicologia, têm sido muito discutidas as questões que tratam das relações pais e filhos, às suas necessidades peculiares e que influenciam o desenvolvimento saudável, seja biológico, psicológico ou social. No imaginário social, a criança deveria estar sempre bem cuidada e acolhida por sua família de origem, que, por sua vez, deveria viver sobre condições adequadas para promover a saúde e o desenvolvimento da criança, bem como estabelecer relações harmônicas. No entanto, este desejo nem sempre é consumado, tendo em vista a impossibilidade de criar os seus filhos. Essas crianças necessitam de acolhimento em dispositivos e/ou instituições apropriadas para este fim. Em razão deste cenário, falar da criança institucionalizada implica questionar o imaginário das pessoas relativo às crianças e, em especial, de quem convive e dispensa a elas os cuidados de vida diária nos contextos de acolhimento institucional. Em tese, espera-se que a família seja o principal contexto de desenvolvimento da criança, como apontam inúmeros estudiosos do tema e como confirma e prevê o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL, 2006). Esse plano, que foi elaborado no ano de 2006, adotou o termo acolhimento institucional para designar os programas de abrigo em entidade, os quais são definidos no Art. 90, Inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). A medida de acolhimento institucional, conforme preconiza a lei, deve ser provisória e excepcional, não implicando privação de liberdade. Ademais, as entidades devem prestar plena assistência à criança e ao adolescente, oferecendo a eles acolhida, cuidado e espaço para socialização e desenvolvimento. De acordo com o Art. 92 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), devem adotar os seguintes princípios: I. II. preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; III. atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV. desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; 9 V. VI. não desmembramento de grupos de irmãos; evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII. participação na vida da comunidade local; VIII. preparação gradativa para o desligamento; IX. participação de pessoas da comunidade no processo educativo. O propósito deste trabalho surgiu porque, embora o acolhimento institucional tenha como premissa a provisoriedade, sabe-se que na realidade a criança ou adolescente permanece por longo período acolhido até que sua situação seja definida. Como refere Rizzini (2004), a medida de abrigo foi criada como um recurso emergencial para prestar socorro àquelas crianças e adolescentes afastados temporariamente das famílias, no entanto, ainda como em épocas anteriores, em que era internato, o abrigo permaneceu confundido e sendo utilizado como local em que a criança pode ser “depositada”. Nesse sentido, as pessoas que trabalham e frequentam o ambiente institucional são essenciais para a constituição do sujeito acolhido e podem, muitas vezes, serem percebidas como parte da sua família. Em razão disso, esse trabalho visa responder a seguinte pergunta: Qual a percepção das educadoras sobre a família da criança institucionalizada e sobre o contexto em que trabalham? Para tanto, utilizou-se uma compreensão contextual da realidade a partir do pensamento sistêmico. De acordo com Capra (1996), com a ciência do século XX adveio a percepção de que os sistemas não podem ser compreendidos por meio da análise das partes, como na ciência cartesiana, pois as propriedades das partes não são intrínsecas e sim entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Para a visão sistêmica, as propriedades surgem das interações e das relações entre as partes. Nesse sentido, este trabalho busca analisar as concepções das educadoras sobre quem é a família da criança institucionalizada, bem como de que forma esta é substituída no contexto da instituição, o qual inclui o espaço físico, a interação com os cuidadores e com os pares, bem como com a comunidade que a circunda. 10 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Caracterizar a percepção de educadoras de uma instituição de acolhimento provisório sobre as famílias das crianças institucionalizadas e sobre o contexto em que trabalham. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Descrever como as educadoras definem as famílias biológicas das crianças acolhidas; Descrever como as educadoras definem a família institucional das crianças acolhidas; Identificar percepções das educadoras sobre o contexto em que trabalham; Identificar os sentimentos das profissionais sobre a forma como lidam com as crianças acolhidas; 11 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) preconiza que uma vez nascida no seio de sua família, é nesse lugar que a criança deve permanecer. Porém, para que isso aconteça, é preciso garantir que os seus direitos não sejam violados e que os pais cumpram seus deveres, como exposto na legislação: Art.5º Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores [...]; Art. 22º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990). Uma das medidas de proteção aplicadas em situações de violação de direitos é a de acolhimento institucional, que, embora provisória e excepcional, interfere sobremaneira no processo de desenvolvimento de uma criança. Para a efetivação desses direitos das crianças e dos deveres dos pais, é de fundamental importância a co-responsabilidade de cada órgão envolvido e a reflexão sobre o papel da família no processo de desenvolvimento da criança, de modo a se promover uma intervenção adequada. Sabe-se, portanto, que é direito das crianças e adolescentes terem uma família, cujos vínculos devem ser protegidos pela sociedade e pelo Estado. Dessa forma, elaborou-se um plano nacional, que resultou da contribuição de inúmeros atores sociais que se comprometeram com a garantia desse direito à convivência familiar e comunitária. Em 2002, com o “Colóquio Técnico sobre Rede Nacional de Abrigos” constituíram-se comitês compostos por diversos órgãos de relevância na área para realizar pesquisas, que culminaram em alocação de recursos e propostas de planos de ação. Após anos de estudos foi criado, então, em 2006, o documento intitulado “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” (BRASIL, 2006). 12 As concepções de família apontadas tanto na Constituição Federal, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente norteiam o Plano, assim como também a compreensão de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito e pessoas em desenvolvimento. Tais definições independem do tipo de arranjo familiar e imprimem flexibilidade à instituição familiar no que diz respeito aos direitos das crianças e adolescentes. O essencial não é o modelo e sim a capacidade da família de exercer a função de proteção. As famílias são constituídas por diferentes tipos de vínculos, os quais pressupõem obrigações e são importantes para os programas de serviços sociais. Família extensa compreende não somente a unidade pais/filhos, mas também pessoas que não estão dentro do domicílio e tem laços de consanguinidade. Alguns vínculos definem obrigações legais, como entre pessoas que não moram juntas, por exemplo, no caso de pais separados. Outros vínculos pressupõem obrigações de caráter simbólico e afetivo, como nas relações estabelecidas com a “rede social de apoio” (vizinhos, amigos, padrinhos) (BRASIL, 2006). Diversos autores da Psicologia colocam que o desenvolvimento saudável da criança depende da qualidade do convívio familiar. Berthoud e Bergami (2010) discorrem, por exemplo, que as crianças que experimentam vínculos seguros, brincam e produzem com mais facilidade, uma vez que os pais foram capazes de estabelecer claramente as regras de funcionamento familiar. A partir dos estudos que associam o desenvolvimento da criança à qualidade do relacionamento com os adultos e com o sistema familiar, passou-se a admitir a importância do investimento nesse aspecto, pois, até mesmo as relações sociais da criança, como o sistema escolar, sofrem com as pressões e estresses ocasionados com os vínculos familiares inseguros (BERTHOUD & BERGAMI, 2010). Da mesma forma, também a convivência comunitária é vista como essencial, pois é nas relações nos outros espaços sociais que as crianças e adolescentes se deparam com o coletivo e estabelecem novos grupos de identificação (BRASIL, 2006). O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL, 2006) considera as funções parentais como essenciais ao pleno desenvolvimento dos filhos, por isso fundamenta que toda família deve ter acesso aos direitos universais de saúde, educação e demais direitos sociais para bem assistirem suas crianças e adolescentes, contando com orientação e assistência adequada. Ademais, para que os filhos não precisem enfrentar os desafios do amadurecimento precoce, como situações de trabalho infantil e trajetória de rua, não somente a família, mas também o Estado e a sociedade tem a responsabilidade de considerar o adolescente como sujeito de processos educativos. O Plano Nacional preconiza que é fundamental o 13 compartilhamento das responsabilidades da família com os atores sociais, principalmente no que concerne ao provimento de orientação e acesso aos serviços pertinentes (BRASIL, 2006). Em síntese, o Plano Nacional aborda o direito à convivência familiar e comunitária como prioridade da criança e do adolescente, prezando pela proteção à família de origem. Reforça a Lei 8069/90, que estabelece criteriosamente as medidas de proteção, da alçada dos Conselhos Tutelares e da Justiça da Infância e Juventude. Esta preconiza a preservação dos vínculos familiares, e prevê a ruptura dos laços e o encaminhamento para adoção como uma medida excepcional, somente depois de esgotadas todas as possibilidades de reintegração familiar. Ressalta o Plano que se a decisão pelo afastamento da criança ou adolescente da família for necessária, os serviços de atendimento devem se articular para oferecer cuidados e condições favoráveis ao desenvolvimento saudável e, ao mesmo tempo, trabalhar para a viabilização da reintegração à família. No entanto, se após todos os esforços engendrados, mesmo assim for necessário o rompimento dos vínculos familiares, busca-se a garantia de que o desenvolvimento ocorra no seio de uma família, mesmo que substituta (BRASIL, 2006). 3.2 A FAMÍLIA COMO SISTEMA De acordo com Bertalanffy (1967; 1968) apud Vasconcelos (2008, p. 198), um sistema é um “complexo de elementos em interação ou um conjunto de componentes em estado de interação”. Isso quer dizer que os elementos se influenciam mutuamente, em um processo dinâmico e contínuo e que as unidades individuais ou membros do sistema existem em relação. Vasconcelos (2008) aponta que o sistema impõe coerções sobre o comportamento das partes e por isso que, dentro dessa noção de todo integrado, o “comportamento do todo é mais complexo do que a soma dos comportamentos das partes” (BERTALANFFY (1968, p. 24 apud VASCONCELOS, 2008, p. 200). Nessa perspectiva, Andolfi et al (1984) definem família como um sistema ativo em constante transformação. Dessa forma, assim como um organismo complexo, a família se altera com o passar do tempo e garante a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros, desenvolvendo-se como uma unidade e também permitindo a diferenciação de seus membros. É um sistema aberto, e por isso sofre exigências tanto internas quanto externas, necessitando continuamente avaliar suas relações. Soifer (1989, p. 22), caracteriza a família como 14 um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços sanguíneos. Este núcleo, por seu turno, se acha relacionado com a sociedade, que lhe impõe uma cultura e ideologia particulares, bem como recebe dele influências específicas. Ao referir-se sobre a família brasileira, Cerveny (2010) menciona a dificuldade de se fazer uma generalização, pois o território é amplo, há uma diversidade de modelos, as colonizações são diferentes, assim como há grande miscigenação e diferenças socioeconômicas. Cerveny (2010, p.34) cita as seguintes ideias de Da Matta (1987, p.125) ao mencionar a família como formadora da sociedade. [...]Assim, a família é um grupo social, bem como uma rede de relações. Funda-se na genealogia e nos elos jurídicos, mas também se faz na convivência social intensa e longa. É um dado de fato da existência social e também constitui um valor, um ponto do sistema para o qual tudo deve tender. Para Bronfenbrenner (2011), dentre todos os contextos, é a família que fornece as condições de desenvolvimento mais importantes. Para se desenvolver com sucesso, uma criança precisa de envolvimento irracional de apoio de um ou mais adultos para seu cuidado e para as atividades a serem realizadas; precisa de pessoas dedicadas e ativamente engajadas em sua vida; “a família é o mais humano, o mais poderoso e o sistema mais econômico conhecido para tornar e manter os seres humanos mais humanos” (BRONFENBRENNER, 2011, p. 279). Importa ressaltar que, para o autor, a capacidade de funcionar e tirar proveito de experiências em outros contextos, como escola, faculdade, grupo de pares, empresa, comunidade, é determinada pela família. Contudo, todo esse envolvimento também requer políticas públicas que proporcionem oportunidades, recursos, incentivos para o exercício da paternidade, incluindo outras pessoas adultas do convívio da criança, de modo a facilitar um maior alcance das capacidades de funcionamento da família. Mas a família, conforme Minuchin (1990, p.52), também passa pelas mudanças da sociedade, assume ou renuncia funções em resposta às necessidades da cultura. “[...] as funções da família atendem a dois diferentes objetivos. Um é interno – a proteção psicossocial de seus membros; o outro é externo – a acomodação a uma cultura e a transmissão dessa cultura”. De acordo com Minuchin (1990), o sentido de pertencimento e o sentido de ser separado são elementos que fazem parte da experiência humana, os quais são administrados pela família, a matriz de identidade. O comportamento da criança e o sentido de identidade, já no processo inicial de socialização, são programados e modelados pela 15 família. Essa noção de pertencimento tem influência no sentido de pertencer a uma família específica e o sentido de separação e individuação ocorre pela participação em diferentes subsistemas e contextos familiares e grupos extrafamiliares. A família e a criança crescem juntas, a família acomoda-se às necessidades da criança e promove sua autonomia e experiência de separação. Com as mudanças da sociedade e suas transformações, também se modificam as funções familiares. A criança, como sujeito de direitos, por exemplo, somente foi reconhecida há pouco tempo. Verifica-se que o passar dos anos promove alterações de conceitos e regras e, da mesma forma, também a família passa por transformações. Para Carter & McGoldrick (2007), o processo familiar, embora não seja linear, existe na dimensão linear do tempo. Há um impacto modelador de vida de uma geração sobre as seguintes e as três ou quatro gerações precisam, simultaneamente, acomodar-se às transições do ciclo de vida. Eventos ocorridos em um determinado nível tem efeitos nos relacionamentos dos demais níveis. “Enquanto uma geração está indo para uma idade mais avançada, a próxima está lutando com o ninho vazio, a terceira com sua idade adulta jovem, estabelecendo carreira e relacionamentos íntimos adultos com seus iguais e tendo filhos, e a quarta está sendo introduzida no sistema” (CARTER & MCGOLDRICK, 2007, p. 11). Sintomas e disfunções são produzidos por rompimentos devido a estresses familiares ocorridos nos pontos de transição e os eventos no ciclo de vida produzem efeito continuado no desenvolvimento familiar. Os estressores, conforme Carter & McGoldrick (2007), podem ser verticais ou horizontais. Os verticais incluem atitudes, tabus, rótulos, expectativas e questões opressivas familiares com que a pessoa cresce. São, segundo Bowen (1978) apud Carter & McGoldrick (2007), padrões de relacionamento e funcionamento transmitidos para as gerações seguintes de uma família. Os horizontais incluem ansiedades em razão de estressores conforme a família avança no tempo, incluindo estresses desenvolvimentais predizíveis ou impredizíveis (morte prematura, nascimento de criança deficiente etc). Além disso, há que se considerar o estresse do momento em que se vive, como o contexto social, econômico e político que provocam impacto nas famílias. Conforme Minuchin (1990), já que a família responde às mudanças externas e internas, deve ter capacidade para se transformar e atender às novas circunstâncias, sem perder a continuidade, deve ser capaz de se adaptar. Sendo como um sistema, uma família opera por meio de padrões transacionais, que são operações que, repetidas, estabelecem padrões de quando e como se relacionar. Minuchin (1990, p.57) fala de estrutura familiar, levando em consideração “o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as 16 maneiras pelas quais os membros da família interagem”. Para manter-se como um sistema, de existência continuada, a família “depende de uma extensão suficiente de padrões, da acessibilidade de padrões transacionais alternativos e da flexibilidade para mobilizá-los, quando necessário” (MINUCHIN, p.58). Como se pode constatar, através da contribuição dos autores acima citados, o conjunto de exigências sobre a família, no que tange ao atendimento das necessidades desenvolvimentais de suas crianças são inúmeras. Assim, existem famílias que não conseguem cuidar de suas crianças em razão do contexto de vulnerabilidade social em que vivem. Esta realidade leva as famílias a desenvolverem alguns sintomas e disfunções provocados pela dificuldade de enfrentamento dos estressores familiares cotidianos e provocam impacto tão significativo sobre elas que levam à intervenção do Estado enquanto como órgão de proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Uma vez violados os direitos das crianças e adolescentes dentro da própria família, que deveria cumprir a função de proteção de seus membros, há necessidade de aplicação de medidas, dentre elas a de acolhimento institucional. 3.3 MODELO BIOECOLÓGICO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Considerando a família como um sistema, bem como a instituição de acolhimento como um contexto em que a criança pode vir a ser inserida, torna-se essencial a compreensão acerca do desenvolvimento humano sob a perspectiva do modelo bioecológico de Bronfenbrenner. Esse modelo estuda o desenvolvimento através da interação de quatro núcleos inter-relacionados: o Processo, a Pessoa, o Contexto e o Tempo (PPCT). De acordo com Bronfenbrenner (2011), é por meio de processos de interação recíproca que ocorre o desenvolvimento. Essa interação ocorre entre um organismo humano biopsicológico e outras pessoas, objetos e símbolos que estejam fazendo parte do ambiente externo. A interação vai se tornando mais complexa progressivamente e para ser efetiva deve ocorrer em longos períodos de tempo, em uma base estável. São denominados de processos proximais esses padrões duradouros de interação no contexto imediato. Amamentação do bebê, brincadeiras, atividades físicas, leitura, atividades em grupo, são exemplos de padrões duradouros do processo proximal. Esse modelo considera os processos proximais como parte importante, pois funcionam como motor do desenvolvimento. Eles devem ser convidativos e estimulantes à exploração pela pessoa em desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1999 apud Koller & Narvaz, 17 2009). Os efeitos produzidos pelos processos proximais podem ser de competência ou de disfunção – o primeiro resultando em aquisição de conhecimentos e habilidades e o segundo recorrendo em dificuldade em manter o controle e integração do comportamento. Esses efeitos variam de acordo com o contexto (Bronfenbrenner & Evans, 2000 apud Koller & Narvaz, 2009). Mesmo funcionando como força motriz do desenvolvimento, os processos proximais dependem também de forças subjetivas e objetivas, as quais estão situadas dentro da família, com os pais atuando como principais cuidadores e como fonte de apoio emocional para os filhos. Seguidos dos pais estão outros adultos que também podem exercer esses papéis (BRONFENBRENNER, 2011) Todavia, como já mencionado, essas atividades progressivamente complexas devem ocorrer em uma base regular por períodos de tempos estendidos da vida. Ademais, a interação precisa ser estabelecida com pessoas com as quais se tenha desenvolvido um apego emocional mútuo forte, comprometidas com o bem-estar e desenvolvimento da criança, de preferência por toda a vida (BRONFENBRENNER & EVANS, 2000; BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998 apud BRONFENBRENNER, 2011). “O contexto ecológico é concebido como uma série de estruturas encaixadas, umas dentro das outras, como um conjunto de bonecas russas”(BRONFENBRENNER, 2011, p.86). O modelo bioecológico conceitua o ambiente como um conjunto de sistemas concêntricos que se relacionam. O contexto é o terceiro componente desse modelo, e compreende quatro níveis: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. (Bronfenbrenner, 1995 apud Bhering & Sarkis, 2009). O microssistema é o nível mais profundo, ou seja, o ambiente imediato da pessoa em desenvolvimento, que pode ser a casa, a sala de aula (BRONFENBRENNER, 2011). O mesossistema é o conjunto de microssistemas em que a pessoa está inserida e das inter-relações estabelecidas por eles, ampliando-se à medida que novos ambientes são frequentados, influenciando-se mutuamente, embora interdependentes (Bronfenbrenner; 1979/1996/1986 apud Bhering & Sarkis, 2009). O exossistema e o macrossistema são contextos em que a pessoa em desenvolvimento não necessariamente está inserida, mas que exercem grande influência. No exossistema, os processos e relações ocorrem entre dois ou mais ambientes, mas pelo menos em um deles a pessoa não está inserida, como por exemplo, o trabalho dos pais. Já o macrossistema é constituído pelas ideologias, as crenças e valores, as culturas e subculturas (Bronfenbrenner, 1993 apud Bhering & Sarkis, 2009). 18 De acordo com Bronfenbrenner (2011), analisando o contexto em termos de sistemas, no nível mais profundo está a díade, ou sistema de duas pessoas. O autor reconhece que, se um dos membros da relação passa por um processo de desenvolvimento, o outro também passará. Ademais, na perspectiva de sistemas, esse modelo vai além da díade e inclui a presença e participação de outras pessoas. Da mesma forma, esse princípio também se aplica às relações entre os contextos, ou seja, a capacidade de um ambiente funcionar como contexto de desenvolvimento depende da interconexão com os demais ambientes. 3.4 A INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade, estabelece o Art. 101, Parágrafo único do ECA.. Em uma perspectiva temporal, as noções de infância e de cuidados sofreram variações, assim como as leis que as regulam. O acolhimento institucional é medida excepcional de proteção e é aplicada judicialmente quando se constata violação de direitos da criança ou do adolescente, por descumprimento dos deveres dos pais. No ano de 2009 foi aprovado documento que regulamenta a organização e oferta dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, no âmbito da Assistência Social. Integrante dos Serviços de Alta Complexidade, os serviços de acolhimento, conforme Resolução conjunta n. 1, de 18 de junho de 2009 (BRASIL, 2009), intitulada “Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes”, assinada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda – e pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, devem oferecer um atendimento qualificado e fundamentado nas investigações científicas que mostram ser a família o melhor lugar para o desenvolvimento da criança, desde que seja um ambiente familiar saudável. Ademais, aponta que se as condições de atendimento propiciarem experiências reparadoras, o impacto do abandono e do afastamento da convivência familiar pode ser minimizado. Nesse sentido, o documento destaca que o serviço não precisa ser visto como algo negativo e que se deve evitar a construção de uma imagem negativa e de piedade das crianças e adolescentes atendidos. Dessa forma, estabelece orientações e diretrizes que contribuam para um atendimento excepcional, transitório e reparador. 19 Para o funcionamento de uma instituição de acolhimento, torna-se necessária uma equipe profissional mínima composta por coordenador (nível superior e experiência em função congênere), equipe técnica (assistente social, psicólogo e agregados de diferentes formações), educador/cuidador (nível médio e capacitação específica) e auxiliar de educador/cuidador (nível fundamental e capacitação específica). A equipe de referência foi regulamentada pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (Resolução n 130 de 2005 do CNAS (BRASIL, 2006). As orientações técnicas (BRASIL, 2009) reforçam a necessidade de fortalecimento e preservação dos vínculos familiares e comunitários, com promoção de visitas e encontros com as famílias e com as pessoas de referência da comunidade da criança ou adolescente. Concomitante a isso, a instituição de acolhimento deve se atentar à qualidade das práticas de cuidado, uma vez que o público atendido é proveniente de situações consideradas de risco, como: abandono, maus tratos, negligência etc, o que demanda necessidades ainda mais especiais. Destacam que os serviços de acolhimento devem elaborar um projeto políticopedagógico e propõe tópicos a serem considerados. Entre os tópicos, um deles considera a importância da qualidade da interação entre os educadores/cuidadores e a criança/adolescente para o desenvolvimento. Em razão disso, aponta a necessidade do educador ter clareza quanto ao seu papel. O documento norteador aponta que é inevitável e necessário o estabelecimento de vínculo afetivo com as crianças e adolescentes, porém enfatiza que é preciso evitar o sentimento de “posse” e a desvalorização da família de origem, pois o ideal é fortalecer os vínculos familiares e promover o retorno à família. O mesmo tópico ressalta que os educadores devem ter capacitação adequada para o desempenho da função e devem ter o apoio e a orientação permanente por parte da equipe técnica. Segundo sugerem as normas regulamentadoras, essa capacitação e esse apoio se caracterizam por trocas de experiências, pela inclusão dos profissionais em estudos de casos que propiciem planejamento de intervenções e promoção de autonomia, construção conjunta de estratégias para o enfrentamento de desafios, enfim, abertura para que os educadores/cuidadores possam opinar e participar ativamente da tomada de decisões sobre as crianças, pois possuem um papel de grande relevância. Para a atuação junto a um serviço de acolhimento institucional é preciso que o profissional apresente um perfil adequado às funções. No caso dos educadores, exige-se que tenham noções sobre cuidados com crianças e adolescentes, mas também sobre desenvolvimento, sobre ECA, SUAS, Sistema de Justiça e sobre o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL, 2009). 20 4 MÉTODO 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, de natureza qualitativa, realizada por meio de entrevistas com educadores, os quais são funcionários de uma instituição de acolhimento localizada na cidade de Criciúma/SC. A instituição é caracterizada como uma organização não-governamental (ONG) e atende crianças e adolescentes de 0 a 18 anos (meninos somente até 10 anos de idade), todas em situação de vulnerabilidade social. Esse tipo de pesquisa proporciona maior familiaridade com o problema e examina um tema específico, buscando trazer à tona as características de uma população. Importa ressaltar que a equipe técnica da instituição pesquisada é composta por 01 assistente social, 01 pedagoga e 01 psicóloga, todavia, na ocasião da pesquisa, a instituição estava sem psicólogo na equipe. 4.2 PARTICIPANTES O estudo envolveu 11 educadoras, com idades entre 26 e 65 anos. A maioria é ou já foi casada por longo período. Apenas uma delas não tem filhos e três delas já tem netos. Três educadoras completaram o ensino médio e duas cursam graduação em Pedagogia, as demais tem escolaridade de nível fundamental. Todas trabalham em esquema de plantão 12h x 36h, ou seja, trabalham por 12 horas ininterruptas e têm 36 horas livres. Quanto ao tempo de serviço, varia entre 03 meses e 13 anos. 4.3 PROCEDIMENTO Primeiramente obteve-se a autorização judicial para a realização da pesquisa, uma vez que as crianças e adolescentes acolhidos encontram-se sob a tutela do Estado. Posteriormente foi também obtida a autorização da diretoria da ONG. Realizou-se entrevista semiestruturada e de natureza discursiva, cujas respostas foram respondidas verbalmente, gravadas e transcritas pela entrevistadora. As entrevistas ocorreram na própria instituição de acolhimento, em sala privada, com exceção de uma entrevista que ocorreu na casa de uma educadora, a qual se encontrava em gozo de férias. Por 21 meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE foram apresentados os objetivos da pesquisa e foi garantida a responsabilidade pelo sigilo dos dados e a possibilidade de desistir da participação. 4.3.1 Instrumentos Utilizou-se um roteiro de entrevista que possibilitou a apuração de dados sociodemográficos dos educadores, como: sexo, idade, escolaridade, configuração familiar entre outros, bem como a coleta de dados referentes à história profissional e às percepções acerca do trabalho, da convivência e da família biológica das crianças e adolescentes (apêndice). 4.3.2. Análise de Dados Foi realizada uma análise qualitativa de dados, por se tratar de uma pesquisa qualitativa básica ou genérica que, conforme Merriam (1998) apud Teixeira (2003, p.187), “inclui descrição, interpretação e entendimento; identifica padrões recorrentes na forma de temas ou categorias e pode delinear um processo”. Foi utilizada a análise de conteúdo, que, de acordo com Minayo (1994) apud Teixeira (2003), é a forma mais usada para a representação do tratamento de dados de uma pesquisa qualitativa. Por gerar um enorme volume de dados, os resultados de uma pesquisa qualitativa precisam ser organizados em um processo de identificação de categorias, dimensões, padrões etc. Assim, semelhante a uma pesquisa quantitativa, propõe-se a identificar relações entre fenômenos, contar a frequência, interpretar os dados com base em conceitos pré-definidos. O que proporcionou a análise dos dados foi a definição de categorias, as quais possibilitaram a descrição das percepções das educadoras. Foram elaboradas duas grandes categorias: Percepções das educadoras sobre a família da criança, a qual foi subdivida em três: 1) percepções relacionadas à família biológica, 2) percepções relacionadas à família institucional e 3) percepções relacionadas à equipe técnica da instituição. Percepção das educadoras sobre o contexto em que trabalham, que teve três subdivisões: 1) reconhecimento sobre as características de um educador (perfil relacionado à função), 2) entendimento sobre a função de educador e 3) entendimento sobre o papel da instituição de acolhimento e da Justiça. 22 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DAS EDUCADORAS A análise dos resultados mostrou que a totalidade dos educadores é do sexo feminino, portanto optou-se por utilizar, então, o termo “educadoras”. A figura a seguir apresenta um resumo relacionado aos dados pessoais das participantes: Educadoras Idade Estado Civil Tempo de União No. de Filhos E1 26 Solteira - - E2 28 Casada 08 anos 2 E3 32 Solteira - 1 E4 33 Casada 10 anos 2 E5 40 Separada 1ª união: 10 anos 3 No. de Netos 2ª união: 02 anos E6 42 Casada 21 anos 2 E7 43 Casada 15 anos 3 E8 43 Separada 14 anos 6 4 E9 46 Viúva 11 anos 2 1 E 10 58 Casada 30 anos 3 E 11 65 Viúva há 30 12 anos 4 6 anos Quadro 1: Dados pessoais das educadoras No que se refere à idade das educadoras, os resultados indicam uma média de 41 anos. Em termos comparativos, observou-se que a de menor idade tem 26 anos enquanto a mais velha tem 65 anos de idade. Nas entrevistas, as duas educadoras de maior idade afirmaram que estão optando por pedir o afastamento para se aposentar. Com relação ao estado civil e ao tempo de união, os dados mostram que a maioria das educadoras é ou foi casada por longos períodos de união. Observou-se que apenas uma educadora não tem filhos e que três já possuem netos. 23 5.2 TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E OCUPACIONAL DAS EDUCADORAS No tocante à escolaridade, constatou-se que dentre 11 educadoras, 06 frequentaram apenas o ensino fundamental e algumas nem o concluíram. Três delas completaram o ensino médio e duas estão cursando graduação em Pedagogia. Pelo quesito “tempo de serviço”, observou-se que as funcionárias contratadas mais recentemente são aquelas que possuem maior grau de escolaridade, evidenciando que esse tem sido um critério atual para seleção das trabalhadoras. Em se tratando do período de tempo em que estão trabalhando na instituição de acolhimento, constatou-se que 04 educadoras foram contratadas no último ano e estão trabalhando entre 03 meses e 01 ano. Entre 02 e 05 anos de serviço, a casa conta com 03 educadoras e as demais são funcionárias há mais de 08 anos (08, 09, 12 e 13 anos de serviço). Das funcionárias mais antigas, algumas já exerceram também outras funções na instituição antes da atual, como: cozinheira e serviços gerais. 5.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE Para uma melhor sistematização dos dados referentes às percepções das educadoras acerca dos aspectos pertinentes ao trabalho, foram elaboradas duas grandes categorias de análise: Percepções das educadoras sobre a família da criança; e Percepção das educadoras sobre o contexto em que trabalham, as quais compreendem outras subcategorias que se constituem em diferentes elementos de análises relacionados. Estas podem ser visualizadas nos Quadros 2 e 3 a seguir. 5.3.1 Percepções das Educadoras Sobre a Família da Criança Esta categoria relaciona o que é percebido pelas educadoras no que se refere à família da criança, tanto biológica quanto institucional, bem como ao que reconhecem como papel da equipe técnica da instituição em relação à família biológica das crianças e adolescentes institucionalizados. Tendo como objetivo analisar o que as educadoras percebem com relação às famílias das crianças institucionalizadas, buscou-se, nos questionamentos, abordar temas como: família de origem, família institucional, importância ou não do incentivo à visitação dos familiares biológicos. A categoria 1 foi subdividida segundo o quadro a seguir: 24 CATEGORIA 1 SUBCATEGORIAS Relacionadas à família ELEMENTOS biológica Relacionadas à família PERCEPÇÕES DAS institucional EDUCADORAS SOBRE FAMÍLIA DA CRIANÇA Relacionadas à equipe técnica da instituição Não ter alicerce; Somente alguns deveriam visitar, aqueles que têm chance de reaver criança, caso contrário atrapalham; Deveria dar carinho, atenção, cuidado, lugar decente para morar, ser presente, dar exemplo. Cuidadoras como parte da família das crianças; Suprir a falta da família biológica; Ter o papel de ensinar o certo e o errado, dar carinho, tratar com respeito, educar; Tratar as crianças como os próprios filhos. indecisão quanto ao incentivo da instituição para as visitas da família biológica; destaque quanto ao não incentivo das visitas quando houve violência física severa; equipe técnica deve promover o contato das crianças com o mundo externo. Quadro 2: Percepção das Educadoras sobre Família 5.3.1.1 Percepções relacionadas à família biológica Esta subcategoria retrata como as educadoras descrevem a família biológica das crianças institucionalizadas. No que tange à família biológica das crianças e adolescentes atendidos, observouse que as educadoras apresentaram percepções negativas e pré-julgamentos. Destaca-se que há um desconhecimento sobre a realidade das famílias, pois essas informações não são 25 repassadas formalmente para as educadoras, contudo, as conversas paralelas e o que observam quando as famílias comparecem na instituição fazem com que formulem suas próprias opiniões. As narrativas das participantes destacaram três significados. O primeiro deles - não ter alicerce – demonstrou o quanto a maioria das educadoras considera a família biológica da criança como disfuncional e com história de insuficiências com relação a suporte para os filhos, como demonstram os seguintes relatos: Tem crianças que vem por causa de dificuldade dos pais, que não tem muito juízo de arrumar um serviço, fazer as coisas direitinho, ou são relaxados e não cuidam direito [...] (E 2) Acho que é uma família que não tem suporte nenhum, que não tem alicerce... (E 4) As educadoras mencionaram as dificuldades que acreditavam que os pais biológicos possuíam, ou até mesmo os criticaram por não suprirem as necessidades dos filhos. Observou-se que as educadoras possuem uma visão de estrutura familiar ideal baseado em um modo único de estruturação familiar, cujas características não são apresentadas pelos pais das crianças acolhidas. Já Minuchin (1990) discorre sobre a importância da família buscar uma estrutura própria que assegure o desenvolvimento de seus membros. Sobre a “estrutura familiar”, Minuchin (1990) leva em consideração as exigências funcionais que organizam a forma como os membros da família interagem, como: capacidade para se transformar e atender às mudanças externas e internas, garantir a continuidade do sistema, a adaptação, operar por meio de padrões transacionais. Ao falar de alicerce, a educadora corrobora o que Carter & McGoldrick (2007) discorrem sobre os sintomas e disfunções produzidos por rompimentos causados pelos estresses familiares e pelos eventos no ciclo de vida, os quais produzem efeito continuado no desenvolvimento familiar. Isso está ligado especialmente aos estressores verticais que, segundo Bowen (1978) apud Carter & McGoldrick (2007), são os padrões de relacionamento e funcionamento transmitidos para as gerações seguintes de uma família. As educadoras também demonstraram perceber que a institucionalização faz com que o sentido de pertencimento das crianças às suas famílias de origem fique prejudicado, pois o acolhimento institucional provoca uma ruptura na convivência com os pais o que, consequentemente, promove um desligamento gradual. De acordo com Minuchin (1990), o 26 sentido de pertencimento e de identidade é programado e modelado pela família ao mesmo tempo em que é promovida a autonomia e a separação. Contudo, uma vez na instituição, as crianças passam a receber o cuidado contínuo das educadoras, as quais se tornam as responsáveis por administrar os elementos que fazem parte do processo inicial de socialização, especialmente das crianças pequenas, dessa forma, algo que deveria ser função da família é assumido pelas profissionais. Associado a esse significado, ou seja, ao que se relaciona à família biológica, estão também outros dois - ter o dever de dar carinho, atenção, cuidado, lugar decente para morar, ser presente, dar exemplo - que evidencia o que as entrevistadas acreditam ser o papel da família biológica com relação aos filhos. Muitas delas declararam que os pais tem o dever de ensinar aos filhos o que é certo e errado, mencionando como errado, principalmente, o uso de drogas e até mesmo o seu comércio. Muitas educadoras afirmaram que o uso de drogas, ou até mesmo o tráfico, é uma realidade dos pais das crianças institucionalizadas. Foi possível observar que a percepção das educadoras sobre o papel da família biológica também está relacionada ao que Bronfrenbrenner (2011) aponta sobre ser a família o principal contexto promotor de desenvolvimento. O que as educadoras mencionaram sobre a importância da família dar atenção, estar presente e oferecer um ambiente adequado está ligado ao que Bronfenbrenner (2011) apresenta sobre o contexto familiar e a necessidade da criança ter um envolvimento irracional de apoio com adultos, ter pessoas engajadas nas atividades, interagindo progressivamente em longos períodos de tempo, a fim de desenvolver padrões duradouros de interação – os processos proximais. Conforme se observou nos relatos, as crianças e adolescentes têm sido privados dessa proteção familiar, tendo de ser substituída pela proteção do Estado por meio da instituição de acolhimento. Uma vez na instituição de acolhimento, essa interação com adultos é transferida para as educadoras, as quais passam a fazer parte do contexto imediato da criança, ou seja, do microssistema em que está inserida. Diante disso, torna-se também função das educadoras, promover um contexto favorável ao desenvolvimento das crianças acolhidas na instituição. Além disso, considerando que a interação com outros contextos deve fazer parte do plano de atendimento à criança, é também aplicável o princípio de que, nessa perspectiva de sistemas, se inclua a presença de outras pessoas além da díade criança - educador. Outro ponto relatado e que diz respeito às percepções relacionadas à família biológica das crianças e adolescentes foi o processo de identificação emocional das entrevistadas com as crianças atendidas. Para opinarem acerca do papel dos pais biológicos na 27 vida das crianças, elas imediatamente se remeteram às suas próprias histórias pessoais e aos cuidados que praticam com seus próprios filhos. Ao apresentarem suas respostas, citaram exemplos de suas atitudes com os filhos e lançaram mão de comparações com as atitudes das mães das crianças acolhidas, como pode ser visto nos relatos a seguir: Eu acho que é o mesmo que a gente tem na casa da gente, é o amor, o carinho, tudo que tem direito pra criança. Estudo principalmente, mas principalmente mesmo é o amor e o carinho... o respeito com o filho (E 9) Eles tem que dar educação, exemplo em primeiro lugar. Eu tenho que ser um exemplo pra minha filha. Os filhos tem que se espelhar no pai e na mãe. Porque se eu faço coisas erradas, como vou corrigir meu filho?(E 8) No que se refere ao envolvimento emocional, nas Orientações Técnicas é destacada a necessidade dos educadores terem clareza de seu papel, para que o vínculo afetivo estabelecido com as crianças não prejudique o trabalho profissional provocando rivalidade com a família biológica (BRASIL, 2009). Os depoimentos das educadoras apontaram para um posicionamento de julgamento e de emaranhamento com as vivências familiares das crianças. Para que essa postura não seja adotada, é preciso capacitação adequada para o desempenho da função e apoio da equipe técnica, por meio de trocas de experiências, de estudos de caso, de um espaço de escuta e de supervisão. E o terceiro significado atribuído pelas entrevistadas no que tange à família biológica das crianças foi de que: somente alguns deveriam visitar, aqueles que tem chance de reaver a criança, caso contrário atrapalham. Essa percepção denota o desconhecimento da realidade, da legislação e do histórico das famílias. Foi questionado às educadoras sobre a opinião delas acerca da importância ou não da família biológica visitar as crianças. Somente uma participante afirmou com convicção de que a família deveria sim visitar, já que as crianças perguntam pelos pais e sentem saudades. Outra participante declarou que as visitas da família biológica são prejudiciais às crianças, enquanto as demais entrevistadas afirmaram que as visitas deveriam ser condicionadas ao histórico familiar, pois a maioria demonstrou compreender que somente deveriam receber visitas as crianças com possibilidade de retorno para a família. Observou-se, portanto, que as profissionais não possuem clareza com relação aos procedimentos legais que precisam ser adotados mediante uma medida de acolhimento institucional, pois, de acordo com o “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do 28 Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” (BRASIL, 2006) e o ECA (BRASIL 1990), os vínculos familiares devem ser preservados e o encaminhamento para adoção deve ser uma medida excepcional adotada após esgotadas as possibilidades de reintegração familiar. Isso quer dizer que, uma vez institucionalizados, todas as crianças ou adolescentes têm o direito de retornar para sua família de origem em primeiro lugar, portanto os serviços de atendimento devem se articular para trabalhar no sentido da viabilização da reintegração familiar. A seguir, relatos das participantes que ilustram a percepção contrária à visitação da família biológica: Depende, depende dos pais. Tem gente assim que não tem condições de criar, porque não tem emprego, o marido tá desempregado, aí tudo bem. Agora aquela mãe que judia, faz essas coisas assim...pra mim acho que não, (não deve visitar) porque se judia da primeira vez vai sempre judiar(E 9) Esse depoimento retrata dois aspectos percebidos pela educadora: um deles de que quando há situação de vulnerabilidade econômica/financeira, a negligência até seria aceitável. Porém o outro (“aquela mãe que judia...”), trata de abuso físico ou psicológico, que parece ser visto como imutável e, portanto, não passível de segunda chance. Essa percepção pode ser uma das razões de não compreenderem ou não concordarem com a lei. Eu acho que sim, mas ao mesmo tempo atrapalha, porque dá esperança de dizer que eles vão levar e nunca levam e aquela criança acaba se bloqueando. E eu acho que bloqueio assim futuramente pode prejudicar, pode se tornar uma pessoa com raiva ou vários casos né, uma pessoa que queira se vingar da família depois. Eu acho que se não quer não vem maltratar né. Porque se vem podia levar, entrar com uma ordem judicial e levar a criança. Eu acho que se é pra vim ver é pra tentar levar. É uma dó, eu não teria coração de vir visitar tipo o meu irmãozinho aqui e ir embora (E 1) Não, não acho importante porque atrapalha muito, porque eles ficam um monte de tempo sem ver, aí vem lá uma vez ou outra e a criança muda. Igual o A., a mãe dele vem quando dá na telha, o A. muda, ele não fica a mesma criança, até ele voltar ao normal de novo vai uns dias ainda (E 5) Essas respostas vem corroborar o que aponta Bronfrenbrenner (2011) acerca da importância dos processos de interação para o desenvolvimento da criança, especialmente quanto à necessidade de que os processos proximais com as díades primárias ocorram por 29 períodos prolongados e em uma base regular de tempo. De fato, como referido nos depoimentos, “futuramente pode prejudicar” e “a criança muda”, conforme Bronfenbrenner (1999) apud Koller & Narvaz (2009), se os contatos com a família biológica não tiverem continuidade, não serão estabelecidos os padrões duradouros de interação entre eles e, consequentemente, o desenvolvimento não produzirá efeitos de competência. No último relato é possível se observar a percepção da educadora com relação ao que considera ser a condição “normal” da criança. A educadora frisou que a visita da mãe após longo período de tempo ausente provoca mudanças de comportamento na criança. Porém, o que se percebe é que a educadora interpreta que a visita é algo prejudicial, mas seu relato não é baseado em uma análise crítica do caso e sim em um julgamento moral baseado no vínculo que estabeleceu com a criança. As visitas podem ser desorganizadoras para a criança por significados variados, de acordo com cada caso específico. É possível que a criança sinta a falta da mãe, quando esta está ausente, porque há um forte vínculo positivo estabelecido, assim como também é possível que a família de fato se distancie por escolha própria ou que o vínculo entre a criança e a família seja pautado em história de violência, que faz com que a criança reaja negativamente. Enfim, as várias hipóteses levantam, mais uma vez, a necessidade da capacitação, estudos de caso e troca de experiências entre educadoras e equipe técnica. No caso de um vínculo positivo, especialmente, há maior facilidade para o incentivo às visitas e sensibilização da mãe. Caso contrário, ao se generalizar que a presença é negativa para todos os casos, de forma simplista corre-se o risco de buscar a resolução do problema pelo impedimento das visitas e não pela promoção de contato. Além disso, o argumento de que a família poderia entrar com ordem judicial e levar a criança, caso tivesse realmente interesse, pode estar relacionado a entendimento equivocado sobre como ocorrem os processos judiciais, o que denota necessidade de maior informação também sobre os aspectos legais. Percebe-se, portanto, que o desconhecimento da legislação pertinente à infância e adolescência, associado ao juízo de valor direcionado às famílias e a falta de orientação adequada, faz com que as entrevistadas construam suas próprias explicações para cada caso. Foi possível perceber que há divergência entre as percepções das educadoras e o que é preconizado pelo Estatuto da Criança e Adolescente/ECA (BRASIL, 1990), pelo Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL, 2006) e também pelas Orientações Técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (BRASIL, 2009), os quais abordam que é direito da criança a convivência familiar e comunitária, prezando pela família de origem, e 30 reforçam a necessidade de se promover visitas e encontros com as famílias e com pessoas de referência da comunidade, a fim de fortalecer e preservar os vínculos. Ou seja, é direito da criança permanecer na sua família e dever dos profissionais que a atendem possibilitar meios para isso, promovendo a motivação e fornecendo os recursos necessários à reintegração familiar, isto é, dar à família a chance de reaver a criança. Ademais, não há como julgar a família a priori, sem o devido estudo diagnóstico feito por equipe interprofissional. Vale ressaltar que a família não necessariamente tem de ser os pais, mas também a família ampliada ou até mesmo pessoas com quem se tem laços e referências. Por outro lado, as percepções que atestam o sofrimento das crianças pelo afastamento das famílias sensibilizam as educadoras, que se identificam com a criança e se colocam contra as famílias. Percebe-se que para elas é muito difícil admitir que os pais não possam estar presentes e, assim, as educadoras não conseguem compreender as razões pelas quais os pais não assumem os filhos. 5.3.2.2 Percepções Relacionadas à família institucional Refere-se ao modo como as educadoras se percebem em relação às crianças e adolescentes atendidas e ao modo como acreditam que devam atuar por se considerarem parte da família delas. Em se tratando das educadoras como família institucional, as respostas aos questionamentos e os significados atribuídos mostraram que todas se sentem parte da família dessas crianças, percebem-se no papel de ensinar o certo e o errado, dar carinho, tratar com respeito, educar e tratar as crianças como os próprios filhos, pois estão cotidianamente em contato com as crianças e adolescentes acolhidos. Esses elementos de análise evidenciaram que o sentido de família para as educadoras não está somente no laço sanguíneo, mas na convivência e na interação próxima com cada criança acolhida. Isso corrobora a definição de Soifer (1989), que caracteriza a família como um núcleo de pessoas de convivência próxima, em determinado lugar e por período de tempo relativamente longo, sejam elas unidas ou não por laços sanguíneos. Também confirma as ideias de Da Matta (1987, p.125) apud Cerveny (2010, p.34) ao citar que “a família é um grupo social, bem como uma rede de relações. Funda-se na genealogia e nos elos jurídicos, mas também se faz na convivência social intensa e longa”. Conforme Andolfi et al (1984) e Bertalanffy (1967; 1968) apud Vasconcelos (2008, p. 198), se a família é como um sistema e o sistema é um 31 complexo de elementos em interação, há conexão entre o que é preconizado pela literatura e os sentimentos demonstrados pelas educadoras. Das 11 entrevistadas, 09 responderam que a família da criança institucionalizada se trata das profissionais que estão convivendo diariamente. As outras duas distinguiram que fazem o papel de “mãe”, mas que as crianças não esquecem suas famílias que estão fora da instituição. Observou-se que as duas participantes que apresentaram resposta diferenciada têm maior grau de escolaridade que a maioria, ou seja, uma delas ensino superior incompleto e a outra ensino superior em andamento. Mesmo assim, todas declararam que se sentem parte da família das crianças e dos adolescentes que se encontram acolhidos, pois, além da convivência contínua, são elas quem oferecem os cuidados que deveriam estar sendo oferecidos pelos pais. Esse último dado pode apontar para mais uma possível explicação para a culpabilização massiva da família biológica. Pode-se supor que o envolvimento emocional das educadoras com as crianças e adolescentes, que se observa quando dizem ser a família das crianças, colocam-nas em posição de rivalidade com a família de origem. Algumas manifestações em favor dos pais biológicos mostraram identificação de algumas educadoras com a situação das famílias, ou por terem vivenciado situações semelhantes (desemprego, problemas com uso de drogas na família, condições financeiras desfavoráveis), ou por conviverem com pessoas em tal situação (residir no mesmo bairro, por exemplo) e perceberem o sofrimento das crianças por sentirem a falta dos pais. Questionadas acerca do papel da família institucional, as respostas demonstraram que para elas a profissão representa cuidar das crianças e adolescentes como se fossem seus próprios filhos. Percebeu-se a necessidade da formação continuada e de orientações acerca de como executar o trabalho, além de um espaço de reflexão e suporte para o enfrentamento dos desafios, como dispõe as Orientações Técnicas (BRASIL, 2009) ao discorrer sobre alguns tópicos que devem ser elaborados no projeto político-pedagógico das instituições de acolhimento. Muitas educadoras declararam não conseguir separar e não saber se estão fazendo certo desse modo, mas que acreditam ter de fazer na instituição de acolhimento o mesmo que fazem nas suas próprias casas e na própria família. Reconhecem-se como parte da família das crianças devido ao vínculo estabelecido pela convivência, mas também pelo que representam, uma vez que a família biológica está ausente. As educadoras destacaram que devem suprir a falta da família biológica, dar o suporte que eles não tiveram em casa, educar, ensinar e, além disso, dar também os limites necessários. Algumas delas demonstraram que também devem “preparar” a criança para ser inserida em uma família substituta, como pode ser observado no relato que segue: 32 Educar eles, ensinar as coisas para eles serem alguém na vida, serem melhores. Ou, se forem pra uma família, para serem adotados, pra saber conviver com outras pessoas, porque se ficar só aqui dentro é igual se fosse um bichinho que vai pensar que o agrado deles é só aquele ali. E se tu ensinar que não, se der liberdade com eles para certas coisas... é igual pra outra família (E 5) 5.3.1.3 Percepções Relacionadas à equipe técnica da instituição Esta subcategoria compreende o que pensam as cuidadoras sobre a equipe técnica incentivar ou não a família biológica a manter contato com suas crianças na instituição de acolhimento. Também aponta o que entendem como dever da equipe técnica. Assim como na primeira, esta subcategoria demonstrou que as educadoras não possuem preparação para compreender o papel da instituição de acolhimento, especialmente no que se refere ao atendimento à família de origem das crianças e adolescentes acolhidos. Constatou-se, a partir dos relatos, que as educadoras apresentaram indecisão quanto ao incentivo da instituição para as visitas da família biológica e algumas afirmaram que não deveria haver incentivo às visitas quando houve violência física severa por parte da família biológica. Esse foi outro ponto que deixou evidente, mais uma vez, o desconhecimento da legislação e a indefinição quanto à função dos profissionais da instituição de acolhimento. Por outro lado, poder-se-ia hipotetizar que o conhecimento da legislação, por si, não garantiria ver a realidade de forma diferente, pois de fato “tomam partido” das crianças por vivenciarem no cotidiano as dificuldades de aproximação entre instituição e família biológica. Ao contrário do que pensam sobre o contato com a família biológica, com relação ao contato com a comunidade foi observado que algumas educadoras acreditam ser importante para as crianças que a equipe técnica deve promover o contato das crianças com o mundo externo, o que corrobora a necessidade apontada pelas Orientações Técnicas (BRASIL, 2009), de que é preciso preservar os vínculos comunitários, assim como os familiares. Relatos mostraram que houve, inclusive, uma mudança de atitude com relação a esse aspecto quando ocorreu a troca de coordenação. Essa mudança de atitude, partindo da coordenação da casa, modificou também a percepção das educadoras, que passaram a ver de forma positiva os passeios das crianças. 33 5.3.2 Percepção das Educadoras Sobre o Contexto em que Trabalham Esta categoria descreve o entendimento das educadoras no tocante ao seu papel dentro da instituição de acolhimento, além do que entendem sobre qual seria o papel da própria instituição e da Justiça na vida das crianças e adolescentes acolhidos. Descreve também o que o trato com as crianças e adolescentes promove em suas vidas e o que acreditam ser ideal enquanto característica para assumir a função de educador. A presente categoria abarca outras 03 subcategorias, as quais são apresentadas no quadro a seguir e descrevem o que foi apresentado pelas educadoras nas respostas a determinados questionamentos. Tais questionamentos tiveram a intenção de identificar características pessoais de quem cuida e o que as educadoras acreditam ser a função do educador e da instituição em que trabalham. CATEGORIA 2 SUBCATEGORIAS ELEMENTOS Saber dar carinho Saber dar atenção Ter responsabilidade PERCEPÇÃO DAS Gostar do que faz EDUCADORAS Gostar de criança SOBRE O Reconhecimento das Saber dar amor CONTEXTO EM características de um Ter paciência QUE TRABALHAM educador (perfil relacionado Ter disposição à função) Ser humilde e saber trabalhar com o povo e com outras pessoas Saber dar limites Ser como “uma mãe” para as crianças Entendimento sobre função de educador a Cuidar de crianças e adolescentes Ser como “uma mãe” 34 Detém o poder e o Entendimento sobre o papel conhecimento sobre a da instituição de realidade da criança acolhimento e da Justiça Desconhecimento da legislação Crenças e juízos de valor Quadro 3: Percepção das Educadoras sobre o Contexto em que Trabalham 5.3.2.1 Reconhecimento sobre as características de um educador (perfil relacionado à função) Refere-se à percepção das educadoras quanto às características consideradas ideais de um educador. Para a coleta de informações, foi elaborada uma questão sobre que características uma educadora precisa ter para exercer essa função. Esse questionamento suscitou uma autorreflexão sobre suas próprias características e sua postura no manejo com as crianças e adolescentes acolhidos. Observou-se que os significados atribuídos estão diretamente ligados ao que as educadoras reconhecem também como papel dos pais, como por exemplo: saber dar carinho, saber dar atenção, ter responsabilidade, saber dar amor, saber dar limites, enfim, ser como “uma mãe” para as crianças. Além de características que, na prática, perceberam ser essencial, como: ter paciência, gostar do que faz, gostar de criança, ter disposição, ser humilde e saber trabalhar com o povo e com outras pessoas. Esses elementos denotam o que as educadoras compreendem ser o perfil ideal para a função, o que corrobora, em parte, com a literatura apontada, que exige noções de cuidados. No entanto, além disso, é também necessário que um educador tenha noções de desenvolvimento infanto-juvenil, conhecimento sobre ECA, SUAS, Sistema de Justiça e sobre o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL, 2006), porém esses conhecimentos não foram citados nos depoimentos. Algumas educadoras citaram que o fator financeiro não deve ser o primordial ao se buscar atuação junto à instituição de acolhimento e que o “serviço de casa”1 toda mulher 1 Referindo-se às atividades domésticas, como: limpar, lavar roupas, lavar louças etc 35 sabe desempenhar, portanto, acreditam que o ideal é levar em consideração o trato com as crianças e adolescentes atendidos. Foi demonstrado que o serviço requer sensibilidade, pois as crianças são carentes de afeto e já tiveram histórias difíceis. As educadoras destacaram que é preciso gostar de crianças, saber falar com elas, tratá-las com carinho. Duas das educadoras salientaram que a coordenação do abrigo tem exigido um grau maior de instrução e escolaridade e que o fato da maioria das educadoras não se encaixar nesse perfil tem sido alvo de críticas por terceiros. Acerca disso, constatou-se que é rotineiramente realizada uma inspeção judicial na instituição, o que identificou o não cumprimento do perfil exigido para as educadoras. Conforme as Orientações Técnicas (BRASIL, 2009), os educadores/cuidadores precisam ter formação mínima de nível médio e capacitação específica para desempenhar a função. Essa exigência foi ressaltada durante a entrevista como uma manifestação contrária, no sentido de queixa. As educadoras mencionaram discordância dessa exigência, porém respeito por ela. Na percepção dessas participantes, o grau de escolaridade é secundário às demais características, pois acreditam que o essencial para a criança é amor e atenção, como pode-se verificar no relato descrito: E lá agora estão querendo que tenha estudo, eu não tive. No meu modo de pensar pra elas.... o carinho que tu tiver com a criança... o estudo não tem nada a ver... eu, no meu modo de pensar tá? [...] Ali tu tens que ser uma mãe, tu sendo uma mãe, dando atenção pra criança, porque a criança quer atenção (E 10) No entanto, embora algumas não concordem com a crítica e a exigência do grau de escolaridade, assim como todas as outras educadoras, essas também manifestaram o interesse de se capacitar e revelaram que acreditam na importância do aperfeiçoamento, uma vez que suas práticas são baseadas nas experiências pessoais de cuidados. Diante dessa abertura e disponibilidade, pode-se ponderar que uma capacitação poderia auxiliar as educadoras a flexibilizarem a compreensão que possuem sobre a família das crianças, bem como a relação das famílias com as educadoras, além de outros temas que poderiam ser contemplados, como: desenvolvimento infantil e vulnerabilidade social. 36 5.3.2.2 Entendimento sobre a função de educador Descreve o que as educadoras entendem acerca da sua função profissional. A narrativa das participantes, complementando a subcategoria anterior, possibilitou a atribuição de dois significados para essa subcategoria: cuidar de crianças e adolescentes e ser como “uma mãe”. O conteúdo das respostas aos questionamentos, feitos sobre o trabalho e o contexto, mostraram que as educadoras se percebem no papel de “mães” das crianças atendidas e que a função que exercem está relacionada ao cuidado. Apontaram a necessidade de proporcionarem para as crianças os cuidados básicos de higiene e alimentação e evidenciaram que esse “cuidar” tem um caráter de proteção, conforme observado nas respostas, pois declararam que precisam sempre estar junto das crianças para que não fiquem sozinhas. Porém, concomitante a esse senso de proteção, as educadoras também demonstraram desvalorização da família de origem, o que vai de encontro ao que é preconizado pelas leis e pela literatura. Ao se referirem como “mães”, as educadoras reconhecem a falta que a mãe biológica faz na vida das crianças e adolescentes atendidos e admitem que se vinculam fortemente a eles, o que pode ser visto como algo inevitável e necessário, conforme o documento norteador dos serviços de acolhimento - as Orientações Técnicas (BRASIL, 2009). No entanto, como o ideal é fortalecer os vínculos familiares e promover a reintegração familiar, os educadores, embora vinculados afetivamente às crianças, devem evitar o sentimento de “posse” e não desvalorizar a família de origem. Para isso, é preciso que a instituição mantenha orientação permanente, capacitação, apoio e troca de experiências entre os profissionais (BRASIL, 2009). 5.3.2.3 Entendimento sobre o papel da instituição de acolhimento e da Justiça Descreve o que pensam as educadoras sobre o papel da instituição de acolhimento e sobre o papel da Justiça. Também foi observado, nos relatos, o entendimento das educadoras no que se refere ao papel da instituição em que trabalham e da Justiça. Para as participantes, a Justiça e a instituição de acolhimento têm a função de proteger as crianças e adolescentes em situação de risco, proteger da família que oferece perigo, mas principalmente encaminhar para família substituta. Observou-se, na realidade, que as educadoras reconhecem que é somente a equipe técnica da instituição de acolhimento, além do poder judiciário, que detém as informações 37 acerca da realidade de cada criança e adolescente. Os relatos mostraram que o conhecimento das educadoras sobre o histórico das meninas e meninos é restrito, sendo que algumas questionaram o por quê de não terem acesso aos prontuários enquanto outras não manifestaram interesse porque desconhecem a importância de terem acesso aos dados. Observou-se que não há clareza quanto às atribuições, o que vai de encontro às prerrogativas das normas regulamentadoras, conforme BRASIL (2009) e denota a necessidade de capacitação e de participação mais ativa das educadoras junto à equipe técnica no planejamento das estratégias de intervenção com as crianças e adolescentes e enfrentamento dos desafios. Devido ao fato de não conhecerem profundamente suas funções e a legislação pertinente, as educadoras deixam de contribuir para a construção de um ambiente mais promotor de desenvolvimento e, além disso, formam opiniões contrárias ao que realmente deve ser o papel da instituição de acolhimento. 38 6 CONCLUSÃO Como assinalado, as pesquisas, as regulamentações e normativas convergem na mesma direção, destacando que é direito da criança e do adolescente se desenvolver em uma família. No entanto, a dura realidade de crianças e adolescentes que têm seus direitos violados e/ou são abandonados, mostra que nem sempre é possível atender ao direito que tais sujeitos têm de ter uma família. Os estudos apontam que a família tem a função de proteger seus membros e oferecer condições favoráveis ao desenvolvimento saudável de suas crianças e adolescentes, embora nem sempre tenha condições de fazê-lo. Todavia, não sendo possível a manutenção na família de origem por violação desses direitos, a criança ou adolescente é encaminhado para uma instituição de acolhimento, que é uma medida excepcional e tem caráter provisório. Este trabalho teve como objetivo caracterizar a percepção das educadoras sobre a família da criança institucionalizada e sobre o contexto em que trabalham. Considerando os resultados obtidos, pode-se constatar que, na percepção das educadoras, a família biológica das crianças não cumpre com seu papel de educar, de dar carinho e atenção para os filhos, ocasionando a institucionalização. Além disso, consideram que a maioria das famílias tem envolvimento com drogas e acaba “abandonando” seus filhos na instituição de acolhimento, não mostrando interesse ou esforço para reaver as crianças. Com isso, desacreditam que haja possibilidades de mudanças e, consequentemente, de reintegração familiar. Diante disso, a maioria das educadoras declarou incerteza quanto à opinião de ser contra ou favorável ao incentivo da instituição para manter os vínculos familiares, mas a tendência foi demonstrar opinião contrária ao incentivo. As educadoras evidenciaram desconhecer a legislação vigente, que preconiza o esforço para a manutenção dos vínculos familiares e comunitários e reintegração familiar, deixando claro que, assim como se percebe no senso comum, acreditam que a criança, uma vez retirada da família de origem, deve ser encaminhada para famílias substitutas. Raras foram as manifestações em favor dos pais biológicos, todavia, quando apresentadas, ocorreram por identificarem-se com alguns problemas enfrentados pelas famílias das crianças ou por conviverem com pessoas na mesma situação. Essa informação denota que, se capacitadas, podem se utilizar das próprias vivências como mecanismo de enfrentamento dos desafios a serem trabalhados com as famílias atendidas. Constatou-se, ainda, que todas as educadoras se sentem parte da família das crianças e adolescentes atendidos, pois convivem diariamente e acabam se afeiçoando e 39 estabelecendo fortes vínculos afetivos com elas. Ademais, pela carência de afeto das crianças, as educadoras se sentem na obrigação de suprir essa falta e acabam por assumir o papel de “mãe” delas, confundindo, inclusive, com o exercício da profissão. Por fim, foi possível identificar que as educadoras não assumem um papel mais participativo nas tomadas de decisões relacionadas às crianças e adolescentes acolhidos, pois desacreditam do valor que possuem enquanto educadoras e pessoas que mais convivem com as crianças e adolescentes. Observou-se que as educadoras se vêem desempenhando um papel secundário e não percebem a influência que possuem, mesmo que reconheçam o dever de cuidar. Elas demonstraram acreditar que somente a equipe técnica da instituição e o Poder Judiciário tem o direito de ter as informações e de opinar sobre o andamento dos casos atendidos. 40 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise permitiu explorar e descrever como as educadoras definem a família biológica das crianças e adolescentes institucionalizados, bem como definem seu próprio papel enquanto família institucional dessas crianças e o que percebem sobre o contexto em que trabalham. Um estudo como esse permite que se faça uma reflexão acerca de determinados temas que, no cotidiano e ao longo dos anos, é somente vivenciado na prática e nunca examinado criticamente. Frente às constatações, especialmente no que tange aos aspectos legais referentes à infância e adolescência, bem como ao contexto em que trabalham, de características peculiares e significativas para o desenvolvimento das crianças, verificou-se que as educadoras se beneficiariam com uma capacitação profissional que possibilitasse um espaço em que pudessem colocar em suspensão os conceitos existentes para pensar criticamente sobre suas práticas. Seria necessário levar ao conhecimento dessas profissionais a legislação que deve respaldar seu trabalho, de modo a fundamentar e orientar suas práticas. É preciso que as educadoras tenham o mínimo de conhecimento sobre esse assunto para que possam se diferenciar das pessoas leigas que frequentemente opinam erroneamente sobre questões relativas ao acolhimento institucional, até mesmo àquelas que visitam a instituição. As educadoras, bem orientadas, podem contribuir para a propagação dos aspectos legais e para a construção de uma nova cultura no que se refere ao direito da criança à reintegração familiar. Além disso, embora a instituição de acolhimento seja uma medida temporária de proteção, caracteriza-se como um contexto de desenvolvimento físico, social e psicológico para as crianças e adolescentes. Dessa forma, é um local em que a criança irá apresentar reações diretamente relacionadas ao abandono, à violência, à privação de cuidados familiares. Diante disso, torna-se necessário que as educadoras recebam capacitação direcionada também ao tema do desenvolvimento infanto-juvenil, tanto do desenvolvimento físico e motor, quanto do desenvolvimento psicológico, especialmente quanto à influência da institucionalização em suas histórias de vida. Outrossim, é de grande importância a compreensão das profissionais acerca do funcionamento e da dinâmica de famílias em situação de vulnerabilidade social, para que possam se instrumentalizar e saber como agir em determinadas situações que lhes aparecem cotidianamente, como: questionamentos dos acolhidos acerca dos motivos da ruptura familiar, comportamentos regressivos de algumas crianças, isolamento, choro, agitação, agressividade com os pares, entre tantos outros possíveis. Por fim, a promoção de 41 um espaço de capacitação também poderá facilitar troca de experiências e permitir momentos em que as cuidadoras possam também ser “cuidadas” por profissionais capacitados, assim como cuidam diariamente das crianças e adolescentes acolhidos. É válido ressaltar que, devido às peculiaridades da atuação profissional do educador de uma instituição de acolhimento, torna-se inevitável o estabelecimento do vínculo afetivo com as crianças e adolescentes atendidos. Outrossim, por mais que as orientações caminhem no sentido de não haver o envolvimento ao ponto de substituir a família de origem, também é salientada a necessidade do ambiente ser acolhedor e possibilitar um atendimento individualizado e o mais próximo possível ao de uma família, pois um vínculo com um adulto significativo é essencial para o desenvolvimento emocional da criança. Sendo assim, a pesquisa aponta para a importância da realização de novos estudos que contemplem esse tema. 42 REFERÊNCIAS ANDOLFI, Maurício; ANGELO, Claudio; MENGHI, Anna Maria Nicolo-Corigliano. O Indivíduo e a Família: dois sistemas em evolução. In: Por Trás da Máscara Familiar: um enfoque em terapia da família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984. BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Lex: Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. 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São Paulo: Papirus, 2002. 44 APÊNDICE Entrevista com o(a) cuidador(a) 1 Dados pessoais: Nome: Sexo: Feminino Idade: Naturalidade: Escolaridade/Formação profissional: Endereço: Estado civil: Tempo de união: Número de filhos: Configuração Familiar: Tempo de serviço na instituição de acolhimento: Cargo: Horário de trabalho: Exerce alguma outra atividade profissional? Antes de trabalhar no abrigo, já desenvolveu atividades profissionais similares? Sim ( ) Não ( ) Quais? 1.1 Qual o motivo que a levou a trabalhar nesta instituição de acolhimento? 1.2 como foi sua adaptação ao trabalho? (Facilidades e dificuldades) 1.3 Já frequentou algum curso de atualização ou capacitação profissional? Quais? 2 Sobre o trabalho 2.1 Descreva suas atividades na instituição de acolhimento – um dia do seu trabalho 2.2 Há uma forma de repassar as informações entre um plantão e outro? 2.3 Quais características você acha que uma cuidadora precisa ter? 2.4 Já aconteceu de alguma criança chama-la de mãe? Se sim, como você se sente com isso? 2.5 Você tem acesso a informações sobre a criança? De que forma? 2.6 Sua opinião é considerada quando necessário um relatório da criança? 45 3 Sobre a família da criança institucionalizada: 3.1 Quem é a família da criança institucionalizada? 3.2 Você acha importante que os pais ou a família de origem (biológica) venham visitar as crianças? Por quê? 3.3 Qual o papel da família de origem (biológica) no desenvolvimento da criança? 3.4 Você acha importante que a instituição de acolhimento incentive a família biológica a manter contato com as crianças? Por quê? 3.5 Em algum momento você se sente parte da família da criança? 3.6 Qual o papel da família institucional no desenvolvimento da criança?