Caro educador, cara educadora No ano em que se comemoram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Ministério da Educação, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e a Organização dos Estados Iberoamericanos criam o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, com patrocínio e execução da Fundação SM. Este Prêmio cumpre com o que estabelece o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH, lançado em 2003, que dispõe de um conjunto importante de ações, balizadas no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos e seu Plano de Ação – e visa, sobretudo, difundir a cultura de direitos humanos no país por meio da disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social. O Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos tem características singulares: é um prêmio concebido numa perspectiva pedagógica, ou seja, seu objetivo não é apenas o de premiar as melhores práticas de Educação em Direitos Humanos, mas estimular a colaboração entre diferentes agentes envolvidos com a educação nacional e consolidar a percepção segundo a qual os Direitos Humanos se realizam na coletividade, nos relacionamentos sociais, no estabelecimento de vínculos que respeitam e valorizam a diversidade. Por isso, a premiação não é concedida a indivíduos, mas a instituições de educação, espaços onde as pessoas devem não só conhecer seus direitos, mas vivenciá-los na vida diária, para que possam integrar-se de forma ativa na sociedade, ampliar seus conhecimentos, adaptar-se às mudanças sociais e dispor da palavra e da ação para o exercício de seus direitos como pessoas livres. Nesta primeira edição do Prêmio, tivemos mais de 350 projetos inscritos, o que demonstra que vem sendo consolidado um espaço de debate, mobilização social e desenvolvimento de programas e projetos, que busca concretizar a defesa, o respeito, a promoção e a valorização dos direitos humanos no ambiente educacional do país. Ao mesmo tempo, o conteúdo dos trabalhos apresentados tornou evidente, em muitos casos, o desconhecimento sobre a EDH. O Prêmio, portanto, constitui um importante mecanismo para fortalecer as práticas educacionais brasileiras que promovam ações e instrumentos em favor de uma cultura universal dos Direitos Humanos. A construção de uma cidadania responsável requer, necessariamente, a formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, do respeito à dignidade humana e à solidariedade, e do compromisso com os outros povos e nações. No ano de 2009, nos dedicaremos a ações de disseminação e reflexão sobre as experiências vencedoras da edição de 2008. As inscrições para a segunda edição serão abertas em 2010. execução e patrocínio: P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 1 Sumário 2 APRESENTAÇÃO Como vai a Educação em Direitos Humanos no Brasil 4 RESULTADOS Um bom começo e muitos desafios 6 Categora 1 Secretarias de Educação 7 Categoria 2 Escolas Públicas e Privadas 8 Categorias 3 e 4 Universidades 10 VENCEDORES Trabalhos premiados na primeira edição 30 PERSPECTIVAS Os Direitos Humanos também se aprendem na escola 32 GUIA DO SITE www.educacaoemdireitoshumanos.org.br Textos e fotos por Maria Elisa A. Brandt (algumas imagens cedidas pelas instituições vencedoras) Para mais informações, ligue ou envie um e-mail: 0800 7704996 | 11 3842 9121 [email protected] realização: 13.02.09 14:26:08 APRESENTAÇÃO Como vai a Educação em Direitos Humanos no Brasil? Retomando o debate: O que é o Prêmio e por que concebê-lo dessa maneira? Para entendermos o significado do Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, é preciso contextualizá-lo. Quando olhamos para a realidade brasileira, percebemos que, mesmo com uma constituição progressista, leis e instituições democráticas, ainda hoje se verificam em nosso país práticas discriminatórias e graves violações de direitos, produzidas e reproduzidas por culturas institucionais, mentalidades e atitudes. Para consolidarmos uma cultura de respeito e valorização dos direitos humanos é preciso acima de tudo transformar as consciências, e a escola tem papel fundamental a cumprir nesse processo. A preocupação com a Educação em Direitos Humanos (EDH) já estava presente na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (http:// www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm). Ela estabelece, como objetivo comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, que cada indivíduo e cada órgão da sociedade se esforce, por meio do ensino e da educação, para promover o respeito aos direitos humanos proclamados, e pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, assegurando sua observância universal e efetiva. Mas apenas recentemente medidas mais concretas começaram a ser tomadas em vários países para se promover a EDH, a partir da proclamação, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, do Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 2004 (http://www2.ohchr.org/ english/issues/education/training/programme.htm). O plano de ação para a primeira fase (2005 a 2009) prevê a ênfase em ações voltadas para a inclusão da Educação em Direitos Humanos nos currículos da educação básica. 2 No Brasil, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) (http://www.mj.gov.br/sedh/ edh/pnedhpor.pdf), instituído em 2003 e revisto em 2006, marca o compromisso nacional com a EDH, vista como política pública. O Plano define princípios e ações em cinco áreas: educação básica, educação superior, educação não-formal, mídia, e formação de profissionais dos sistemas de segurança e justiça. É nesse contexto que surge o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos. Ele foi idealizado pela OEI, SEDH e pelo MEC para conhecer e estimular as iniciativas de EDH que acontecem no campo da educação formal, partindo da percepção de que a escola desempenha um papel central na constituição de uma cultura dos direitos humanos, sendo portanto necessário fortalecer as políticas públicas nesse campo e promover o envolvimento de diversos setores da sociedade em sua concretização. Para que a EDH chegue à escola, é preciso que instituições e indivíduos de diversas áreas se mobilizem e se comprometam: MEC, SEDH, secretarias estaduais e municipais de educação, instituições de ensino superior, escolas, educadores/as, entidades e pessoas da sociedade civil atuantes na EDH. Todos têm papéis fundamentais a desempenhar na reflexão sobre como incluir a EDH nos currículos da educação básica, na formação inicial e continuada de educadores/as e profissionais da educação, na elaboração de materiais didáticos, na pesquisa teórica, e assim por diante. Daí que o prêmio seja organizado em 4 categorias, visando estimular a atuação protagonista desses diferentes agentes e a articulação institucional entre eles. No Brasil, até o momento, o debate acerca da EDH, suas metodologias e estratégias de implementação nos diferentes níveis de ensino tem se circum-inscrito à academia. A intenção do Prêmio é colaborar para que ele passe também a permear os sistemas de ensino. APRESENTAÇÃO P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 2 13.02.09 14:26:08 O que é a Educação em Direitos Humanos? “Podemos ensinar Direitos Humanos desde o jardim de infância, nas brincadeiras compartilhadas por muitos, respeitando a atuação dos companheiros; na generosidade de um empréstimo, por exemplo, de um lápis ou de uma borracha, no cuidado com a limpeza da classe, respeitando o bem comum. (...) Nos 1º e 2º graus, a Educação em Direitos Humanos deve permear todas as matérias do currículo. Através de uma educação transversal, por exemplo, é possível usar exemplos que evidenciem injustiças, como a escravidão, exploração dos mais fracos, dos recursos naturais em benefício de apenas alguns. Os direitos humanos, contudo, devem ser vividos 24 horas por dia, nos pequenos e grandes atos do cotidiano. Não se pode dizer: agora, entre 9 e 10 horas, é hora dos Direitos Humanos.” Prof. Sólon Viola, membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. “Educação em Direitos Humanos”, em http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/solonviola/solon01.html Essas belas palavras do professor Sólon Viola, da Unisinos, mostram como é complexa a tarefa: para ensinar Direitos Humanos é preciso apreendê-los e vivenciá-los. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos faz uma boa síntese dos aspectos envolvidos: “A Educação em Direitos Humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: a. apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; b. afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c. formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político; d. desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e. fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações.” (PNEDH, 2007, p. 25). Outras concepções importantes contidas no PNEDH: • Os direitos humanos são área de conhecimento interdisciplinar, tendo, entre outras, a Educação em Direitos Humanos como subárea (PNEDH, 2007, p. 27); A Educação em Direitos Humanos está articulada ao respeito e à valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa. Assim, a EDH está associada à busca por equidade étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras, e ao enfrentamento de toda forma de preconceito e discriminação (princípios que perpassam todas as ações do PNEDH). O que é uma boa experiência de EDH para o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos? A seleção dos melhores trabalhos em cada categoria foi feita com base nos critérios explicitados no regulamento do Prêmio (Art. 18). O aspecto considerado mais importante é aquele da relevância, que avalia: a. a vinculação da experiência aos princípios da EDH; b. o mérito teórico-metodológico intrínseco do trabalho; e c. sua relevância social. As concepções e os princípios da Educação em Direitos Humanos que pautam o Prêmio são aqueles definidos pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Portanto, foram consideradas experiências relevantes de Educação em Direitos Humanos aquelas que mais contemplaram as dimensões “a” e “e” citadas ao lado, entre outras explicitadas no Plano (ver Box). Além disso, foi verificado o nível do tratamento dos princípios, conteúdos e das metodologias específicos da EDH: por exemplo, houve projetos que sequer os mencionavam, e outros em cuja concepção tais princípios eram centrais. Além disso, a relevância da experiência foi avaliada por seu nível de institucionalização – sua vinculação a práticas consolidadas, observada pela menção a documentos formais de gestão da instituição (como, por exemplo, no caso das secretarias de educação, planos de educação, orientações curriculares aos educadores/as e outros) – e por sua abrangência – no caso das secretarias de educação, se a experiência envolve uma escola, um conjunto de escolas, uma região ou a cidade, ou o estado como um todo; ou, em uma instituição de ensino superior, se ela mobiliza mais de um departamento ou área. É importante deixar claro que a intenção do Prêmio é promover o campo específico da Educação em Direitos Humanos, e não da promoção dos direitos humanos em sentido amplo. Assim, embora a garantia do direito à educação seja passo inicial e fundamental para a promoção da EDH, foram consideradas experiências válidas, no âmbito deste Prêmio, apenas aquelas que continham componentes de formação, capacitação, desenvolvimento de metodologias e/ou materiais didáticos que comprovadamente tratam de conteúdos de direitos humanos. Na ausência desses elementos, não são entendidas como ações de EDH programas, projetos ou atividades que visem à defesa e promoção do direito à educação ou de outros direitos humanos – saúde, trabalho, lazer etc. APRESENTAÇÃO P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 3 3 13.02.09 14:26:09 RESULTADOS Um bom começo e muitos desafios Ficamos muito satisfeitos com os resultados gerais dessa primeira edição: 32 secretarias municipais e 3 estaduais, 153 escolas públicas e 65 particulares, e 92 departamentos ou faculdades de instituições de ensino superior, públicas e privadas, inscreveram suas experiências (no quadro ao lado, são computados os trabalhos, sendo que algumas instituições inscreveram mais de um projeto). Particularmente impressionante foi a participação das escolas públicas, com quase metade dos trabalhos inscritos, demonstrando o interesse de educadores e educadoras em relatar suas atividades e projetos pedagógicos. Já a participação das secretarias de educação foi reduzida, parecendo mostrar que elas precisam estar mais envolvidas no debate sobre a inclusão da Educação em Direitos Humanos nas políticas educacionais. Também foi considerado pequeno o número de trabalhos inscritos na categoria 3, voltada à pesquisa e formação de nível superior em EDH. 4 RESULTADOS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 4 “ Particularmente impressionante foi a participação das escolas públicas, com quase metade dos trabalhos inscritos, demonstrando o interesse de educadores e educadoras em relatar suas atividades e projetos pedagógicos. ” 13.02.09 14:26:14 Acreditamos que esse resultado é uma demonstração de que ainda é incipiente, no Brasil, o desenvolvimento das pesquisas teóricas nessa área de conhecimento interdisciplinar que é a Educação em Direitos Humanos. No que se refere à distribuição geográfica dos trabalhos, ela reproduz a desigualdade regional verificada nos sistemas educacionais: estados mais pobres e carentes de recursos foram aqueles que apresentaram menos trabalhos. O Sudeste participou com quase metade das inscrições (45,2%), com destaque para o estado de São Paulo (24,4%), seguido da região Sul com 23,9% dos inscritos, com destaque para o Rio Grande do Sul (11,4%). Se considerarmos a distribuição populacional, destaca-se a participação desta última região, que tem apenas 14,5% da população nacional. O total de trabalhos inscritos na região Centro-Oeste representou 6% do total, e no Norte representou 8,8% do total, sendo que nos dois casos a grande maioria deles partiu de escolas públicas. O único estado que não apresentou nenhum projeto foi Mato Grosso. Vejamos um pouco mais de perto o que nos mostram os resultados para cada categoria. Voltaremos a falar, no final da revista, sobre os principais aprendizados dessa primeira edição do Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos. Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos – Trabalhos inscritos por região e UF, segundo a categoria. UF e Grandes Regiões Categoria 1 Categoria 2A Categoria 2B Categoria 3 Categoria 4 Norte 0 21 4 3 3 Total % 31 8,8 Acre 0 2 0 0 0 2 0,6 Amapá 0 2 1 0 0 3 0,9 Amazonas 0 6 2 2 1 11 3,1 Pará 0 7 0 0 1 8 2,3 Rondônia 0 0 0 1 0 1 0,3 Roraima 0 3 0 0 0 3 0,9 Tocantins 0 1 1 0 1 3 0,9 Nordeste 7 21 11 5 13 57 16,2 Alagoas 0 2 0 0 0 2 0,6 Bahia 1 7 4 1 5 18 5,1 Ceará 3 3 2 1 1 10 2,8 Maranhão 1 3 1 0 0 5 1,4 Paraíba 1 0 1 0 0 2 0,6 Pernambuco 1 5 1 0 3 10 2,8 Piauí 0 1 0 2 2 5 1,4 Rio Grande do Norte 0 0 1 0 2 3 0,9 Sergipe 0 0 1 1 0 2 0,6 Sudeste 18 69 29 7 36 159 45,2 Espírito Santo 0 4 3 0 2 9 2,6 Minas Gerais 1 11 4 2 8 26 7,4 Rio de Janeiro 5 17 6 2 8 38 10,8 12 37 16 3 18 86 24,4 Sul 9 29 15 7 24 84 23,9 Paraná 2 10 3 3 5 23 6,5 São Paulo Rio Grande do Sul 6 12 8 2 12 40 11,4 Santa Catarina 1 7 4 2 7 21 6,0 Centro-Oeste 1 13 6 0 1 21 6,0 Distrito Federal 0 3 3 0 1 7 2,0 Goiás 1 9 1 0 0 11 3,1 Mato Grosso do Sul 0 1 2 0 0 3 0,9 Mato Grosso 0 0 0 0 0 0 0,0 35 153 65 22 77 352 100,0 Total RESULTADOS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 5 5 13.02.09 14:26:14 CATEGORIA 1 As Secretarias de Educação na Construção da Educação em Direitos Humanos Nesta categoria, esperava-se o relato de estratégias variadas para a inclusão da Educação em Direitos Humanos nos currículos da educação básica, contemplando a incorporação da EDH em instrumentos normativos, que comprovassem a consolidação de uma política de EDH. Apenas a Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco apresentou uma política de EDH coesa nesse sentido. Foram frequentes (12) os relatos que discorriam sobre toda a política educacional do estado ou município, argumentando sobre o compromisso geral com os direitos humanos e com o acesso à educação. Como já dissemos, não se trata de EDH. As demais secretarias apresentaram projetos cuja natureza dizia mais respeito à metodologia de EDH, seja para a formação de professores/as (caso de sete projetos), ou práticas pedagógicas em sala de aula ou na escola, ou mesmo projetos de educação não-formal. Assim, foram considerados bons projetos aqueles de maior relevância para a EDH e para o contexto local ou regional, e que não fossem meramente pontuais, apresentando algum grau de permanência ao longo do tempo, demonstrando sua incorporação à política educacional. Eles constituem exemplos de metodologias criativas para a Educação em Direitos Humanos. Notou-se uma ênfase em atividades socioeducativas no contraturno escolar (caso de cinco projetos) e no tema da educação inclusiva de alunos/as com deficiência ou necessidades educacionais especiais (sete relatos). Embora nenhuma secretaria, exceto a de Pernambuco, tenha apresentado uma política de longo prazo de formação de educadores em temas de direitos humanos e valorização da diversidade (algo que poderia ser indicativo de uma política de EDH), algumas ações dessa natureza foram mencionadas. Interessante observar, nesse contexto, o efeito positivo da Lei 10.639/2003, que, em certo sentido, obriga estados e municípios a promoverem a formação continuada de educadores sobre a temática étnico-racial, história e cultura afrobrasileira (recentemente alterada pela Lei 11.645, de 2008, para incluir a história e cultura dos povos indígenas). CATEGORIA 2A A Educação em Direitos Humanos na Escola – Escolas Públicas Foram considerados os melhores trabalhos aqueles em que as escolas demonstraram uma reflexão teórico-metodológica e/ou um planejamento de longo prazo das ações no campo geral da formação em valores, mesmo que não mencionassem explicitamente os direitos humanos. Interessante observar que, com frequência, os bons projetos eram realizados por educadores/as que tinham participado de cursos de formação continuada sobre os temas da diversidade e dos direitos humanos. Embora seja a categoria com o maior número de inscritos, uma parcela importante deles não apresentou projetos específicos em EDH com objetivos e resultados claramente descritos. Foram muito comuns os compilados das ações que, de alguma forma, tangenciam os temas dos DH ou os chamados temas transversais – ética, cidadania, pluralidade cultural... – conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica, elaborados no final da década de 1990. Grande parte deles descreveu atividades de educação ambiental, mas como em geral não fizeram a aproximação entre sustentabilidade socioambiental e os direitos humanos, não foram contemplados como EDH. 6 A tabela ao lado mostra como os projetos recebidos se distribuem conforme campos de ação e temas. Verifica-se, em primeiro lugar, que em torno de 58% dos projetos tocam de alguma forma o campo da EDH, mesmo que seja com a descrição de simples eventos de sensibilização sobre o tema. Enquanto isso, uma parcela considerável dos projetos (em torno de 23,5%) relata ações voltadas à defesa e garantia de algum direito, ou algum tipo de intervenção ou assistência social. Chamamos de ação pedagógica à atividade desenvolvida em sala de aula ou fora dela, na escola, cujo público-alvo são os alunos. Quando falamos em ação e proposta pedagógica, estamos nos referindo a projetos em que as atividades estão, em diferentes níveis, inseridas no projeto político-pedagógico (PPP) da escola. Observa-se, portanto, que a maior parcela de relatos fala de projetos mais pontuais que envolvem atividades em EDH junto a alunos, sem que elas estejam enraizadas no PPP da escola. Quanto aos temas, mais uma vez nota-se a ênfase na inclusão de pessoas com deficiência (15). Chamam atenção também os temas da violência (15), dos direitos da criança e do adolescente (11), e das relações étnico-raciais (8). RESULTADOS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 6 13.02.09 17:12:10 Total geral 3 proposta pedagógica em EDH e gestão democrática 2 4 1 2 1 2 2 2 3 12 1 4 2 9 17 1 2 1 3 2 4 3 9 3 2 20 6 13 21 1 4 2 1 1 atividades socioeducativast atividades socioeducativas; intervenção social 2 1 1 1 eventos de sensibilização em DH 1 1 2 1 3 eventos variados (assistência) 1 formação de professores em DH garantia de direitos intervenção social e DH metodologia em EDH (6) 1 11 6 1 3 1 2 2 1 2 1 1 1 8 7 15 9 57 153 2 projeto vago ou inexistente Total geral vvv outros (5) 8 5 5 43 violência (4) saúde e prev. (3) rel. étnico-raciais Sem tema def. ação e proposta pedagógica em EDH intervenção social (assistência, voluntariado) Observações: 4 ação pedagógica (outros) ação pedagógica em EDH edu. ambiental direito à educação direitos do idoso direitos de crianças diversidade e temas transversais DH (1) Campos de Ação deficiência Categoria 2A: A Educação em Direitos Humanos na Escola — Escolas Públicas A natureza das ações conforme campo e tema 15 8 6 11 4 6 7 2 3 21 (1) Em DH: artes e DH (2 projetos); constituição do sujeito; DH e educação ambiental; trabalho escravo (2 projetos). (2) Em direitos de crianças e adolescentes: uma menção ao ECA, outra a abuso e exploração sexual; outra a segurança; menores em situação de risco (2); trabalho infantil (2). (3) Em saúde e prevenção: gravidez na adolescência; alimentação saudável; educação em saúde e políticas públicas, educação nutricional; saúde, alimentação, educação para a paz; saúde, plantas medicinais (4) Em violência: bullying; convivência escolar (3); DH e cultura de paz (2); resolução de conflitos (2); resgate da escola. (5) Outros: folclore e herança cultural; resgate da escola; espaço de debate e vivências; campanhas de voluntariado; educação de mulheres presidiárias; capacitação para o trabalho; participação política; participação da família CATEGORIA 2B A Educação em Direitos Humanos na Escola – Escolas Privadas O grande mérito dos trabalhos apresentados nesta categoria é o tratamento mais aprofundado dos temas específicos da EDH. Dos 65 projetos recebidos, 41 (quase 2/3) tocam aspectos da EDH em diferentes níveis. Mesmo que a maioria os tangencie pela via dos temas transversais, de medidas de gestão democrática e fortalecimento do relacionamento entre estudante, família e escola, os bons projetos descrevem atividades de formação consistentes em temas de direitos humanos (associados aos conceitos de cidadania e formação em valores, lembrando que muitas das escolas privadas inscritas são confessionais). Algumas experiências deixam evidente que os direitos humanos são estruturantes do projeto político-pedagógico da escola. O tema do voluntariado, frequentemente associado à gestão democrática e ao protagonismo juvenil, esteve muito presente nos trabalhos, na forma de atividades de incentivo ou mesmo de organização sistemática de grupo de voluntários. A maioria deles, entretanto, assume postura assistencialista em relação a entidades ou comunidades pobres, deixando de estimular o sentido de conquista de direitos e cidadania ativa, muito embora incentive a percepção sobre ”responsabilidade social”. “ Uma das possibilidades mais interessantes desse Prêmio: promover o intercâmbio entre as escolas públicas e privadas selecionadas. ” Não se poderia furtar, aqui, de observar que a qualidade intrínseca dos projetos é maior entre as escolas privadas. Quando se pensa no papel social das escolas privadas, em um país em que as extremas desigualdades são vividas também no campo educacional, enxergamos uma das possibilidades mais interessantes desse Prêmio: promover o intercâmbio entre as escolas públicas e privadas selecionadas. O objetivo é a cooperação saudável, buscando desconstruir estereótipos e a lógica paternalista e assistencialista que muitas vezes define o trabalho social dos jovens da elite. RESULTADOS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 7 7 13.02.09 14:26:15 CATEGORIA 3 A Formação e a Pesquisa em Educação em Direitos Humanos A categoria 3 abrangia “experiências de inclusão da Educação em Direitos Humanos nos currículos dos cursos de nível superior e pesquisas em nível de graduação e pós-graduação voltadas à Educação em Direitos Humanos”. Foi a categoria que recebeu o menor número de inscritos – 22, que se distribuíram basicamente entre as regiões Sudeste (7); Sul (7) e Nordeste (5). Com certeza a divulgação do Prêmio nas instituições de ensino superior contará, nas edições futuras, com estratégias específicas, de modo a alcançar grupos e núcleos de estudo que, sabidamente, desenvolvem pesquisas na área e, contudo, não se inscreveram. Ficou evidente, pela natureza dos projetos apresentados, o desconhecimento da academia em relação a essa que deve ser considerada uma subárea de conhecimento, dentro da área interdisciplinar dos direitos humanos. A maioria dos trabalhos era de extensão universitária, e não de pesquisa ou formação inicial. Voltava-se essencialmente à formação continuada de educadores ou outros profissionais, ou à assistência técnica a entidades, visando à garantia de direitos. Mais uma vez, houve ênfase no tema da inclusão da pessoa com deficiência (6 casos). Quanto ao campo de conhecimento em que se desenvolviam, destacaram-se a pedagogia e o direito, sem que lidassem especificamente com a Educação em Direitos Humanos ou com a interface entre os campos. Importante destacar, aqui, o forte relacionamento entre a pesquisa, o ensino e a extensão universitária, e as enormes potencialidades de articulação de proje8 tos nessas áreas para a EDH. Como dissemos na introdução, para que os direitos humanos sejam incluídos nos currículos da educação básica, é preciso garantir a formação inicial nesses temas, e não só na área de pedagogia, mas de todas as licenciaturas. Além disso, é preciso refletir teórico-metodologicamente sobre como educar em direitos humanos nos diversos níveis e modalidades de ensino. Por fim, no campo do direito, falar em pesquisas em EDH ou na inclusão da EDH no currículo significa falar de iniciativas que se voltem, com alguma ênfase, à reflexão pedagógica sobre o ensino dos DH ou a temas como a educação jurídica popular, que vai mais além da prática de assistência jurídica. Essas foram as qualidades marcantes dos projetos premiados. Os projetos vencedores nos fazem refletir sobre uma outra complexidade da atuação em pesquisa no campo da EDH. Esse campo temático padece, de um lado, do preconceito e desprestígio sofridos pelas pesquisas em ciências humanas em geral. Além disso, o que há de mais relevante para a EDH é a pesquisa que faça a interface entre disciplinas, ou que se defina como pesquisa-ação, em forte vinculação com a área da extensão universitária. E esse “tipo” de pesquisa é pouco privilegiado, em uma cultura acadêmica formalista e disciplinar. Isso para dizer, sem meias palavras, que temos um grande caminho a percorrer na transformação da cultura acadêmica em prol da EDH. RESULTADOS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 8 13.02.09 15:16:17 CATEGORIA 4 A Educação em Direitos Humanos na Extensão Universitária A seleção dos trabalhos nesta categoria foi a mais trabalhosa. Não só pelo alto número de trabalhos inscritos – 77 – mas pela variedade de experiências relatadas, tanto quanto aos temas como quanto aos formatos e campos de ação (intervenção social, formação de educadores, geração de tecnologias, elaboração de material didático, entre outros). A primeira constatação que podemos fazer, portanto, é sobre a variedade de possibilidades que se abrem às instituições de ensino superior que se dedicam, de fato, a aliar a produção de conhecimento acadêmico ao exercício de sua função social, por meio da extensão universitária que promova a defesa e garantia dos direitos humanos. A partir das informações contidas nos relatos e, principalmente, obtidas durante as visitas realizadas, pudemos confirmar algo já sabido: as instituições de ensino superior brasileiras ainda destinam mais orçamento para a área de ensino e pesquisa em comparação com o de extensão. As estratégias de financiamento são instáveis, temporárias, prejudicando um fluxo constante que garanta o investimento em longo prazo em campos específicos de ação social. Mais ainda, o campo temático dos direitos humanos – como acontece em geral com as humanidades – não é prioritário na distribuição do orçamento destinado à extensão. A escolha dos melhores trabalhos foi também mais disputada: nesta categoria encontramos várias experiências muito boas em campos extremamente relevantes para a inclusão dos direitos humanos na educação básica, como a elaboração de materiais didáticos e a formação de educadores. Outra característica importante do conjunto dos trabalhos inscritos foi a variedade de temas, que se distribuíram entre os direitos de crianças e adolescentes (9 relatos, com subtemas como enfrentamento do trabalho infantil e do abuso e da exploração sexual), a questão das pessoas com de- ficiência (6), gênero e diversidade sexual, direitos das pessoas idosas, da população prisional, entre outros. Ao mesmo tempo, o comentário feito para a categoria 3 também vale aqui: a natureza dos projetos apresentados ficou longe, em sua maioria, das expectativas do Prêmio. Atividades de extensão universitária em EDH deveriam ter como conteúdo, ou tema, a Educação em Direitos Humanos em um sentido amplo, ou a educação em temas específicos de direitos humanos, diversidade e sustentabilidade, conforme preconiza o PNEDH. Uma grande parcela dos trabalhos, no entanto, fazia atividades de extensão cujo objetivo era contribuir, de diversas outras maneiras, para a garantia de acesso a direitos sociais a grupos específicos (crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, entre outros); ou para o acesso a determinados direitos sociais, com ênfase para o direito à educação. Nunca é demais repetir: por mais relevantes que sejam as atividades de extensão no campo amplo da defesa e garantia dos direitos humanos, elas não se constituem em atividades de Educação em Direitos Humanos, necessariamente. Também como na categoria 3, observamos a preponderância dos campos disciplinares do direito e da educação, entre os projetos. No primeiro, destaca-se como campo de ação a assessoria jurídica popular, ou a assistência a entidades promotoras de direitos (9 trabalhos). Este prêmio foi concebido com a intenção de ser também pedagógico. A idéia foi mostrar à sociedade, e, nesse caso, às universidades, o que constitui – ou pode constituir – a EDH. Daí que, além de julgar, obviamente, a qualidade intrínseca dos trabalhos, procuramos fazer uma amostragem de tipos e temas: entre os pré-qualificados, estavam os de ações de elaboração de material didático, formação de profissionais, educação não-formal, em temas como gênero, relações étnico-raciais, mídia e outros. RESULTADOS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 9 9 13.02.09 15:16:18 ça os e h n o C dores e c n e v mio! do Prê Evento de formação de educadores da rede estadual em DH - Recife - PE CATEGORIA 1 | 1º lugar Educação em Direitos Humanos como política de Estado: educando na diferença e na diversidade Instituição: Secretaria de Educação de Pernambuco Município/Estado: Pernambuco Resumo Uma política pública de EDH em construção “O Governo do Estado de Pernambuco definiu no programa de governo, período 2007-2010, a educação para a cidadania como princípio norteador do conjunto da política educacional. (...) Nessa direção, dois eixos orientam a Política Educacional do Estado: a educação como direito humano e a Educação em Direitos Humanos que possibilite a formação cidadã.” (grifo nosso) É assim que começa o resumo do relato feito pela Secretaria de Educação de Pernambuco. Poderia ser apenas um documento de natureza política, meramente promocional, mas não é. O estado de fato planejou e está executando uma política ampla de Educação em Direitos Humanos que visa atingir todo o sistema educacional sob sua responsabilidade. Mesmo que nem todas as atividades alcancem o universo das 1.108 escolas estaduais, pode-se dizer que todas elas são atingidas pela política de EDH. São 954 mil crianças e adolescentes vivenciando direitos humanos nas escolas. As medidas pretendem ter um caráter sistêmico, contemplando a mudança curricular – a matriz curricular da rede estadual foi alterada para incluir a disciplina “Educação, Direitos Humanos e Cidadania” a partir de 2008 (Instrução Normativa nº 02/2008) –; a elaboração de Orientações Curriculares e Didático10 Metodológicas para essa área de conhecimento; a indução quanto ao projeto político-pedagógico das escolas (EDH foi definida como tema gerador dos PPPs em 2008); a formação continuada de educadores, e a elaboração e distribuição de materiais didáticos. Uma das escolhas interessantes da política curricular do estado para os direitos humanos pode ficar mais clara durante a entrevista que fizemos com Aída Monteiro Silva, Secretária Executiva de Desenvolvimento da Educação e responsável pela pauta da EDH; Zélia Granja Porto, Gerente de Políticas Educacionais na Educação Infantil e Ensino Fundamental, e Genilson Cordeiro Marinho, Gerente de Políticas de Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania. No novo currículo, além de estar presentes na nova disciplina já mencionada, que é optativa entre outras três (Educação Ambiental; História da Cultura Pernambucana e Educação e Trabalho), os conteúdos de direitos humanos perpassam as diferentes áreas de conhecimento, abrangendo temas como educação escolar indígena, educação ambiental, educação da cultura afrobrasileira e africana, escola aberta, educação fiscal, diversidade e gênero, protagonismo juvenil e enfrentamento do tráfico de seres humanos. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 10 13.02.09 14:26:17 A formação de uma rede de educadores em EDH foi planejada para ocorrer em cascata: no final de 2008, foram formados em conteúdos específicos 1.200 professores que estão atuando na disciplina Educação, Direitos Humanos e Cidadania, e os técnicos das equipes de ensino de cada região, que atuarão como multiplicadores para todas as escolas. Outras estratégias para a formação utilizadas até o momento foram a realização do I Encontro Estadual de Educação em Direitos Humanos, que contou com a participação de 160 profissionais, entre professores e técnicos de todas as 17 Gerências Regionais de Ensino de Pernambuco, e a criação do Prêmio Estadual de Educação Cidadã: direito de todos, que na primeira edição de 2008 elegeu como tema “A Declaração Universal de Direitos Humanos e a conquista do direito à educação”. Como se nota, essa política é recente, portanto não há como falar de uma avaliação de longo prazo. A Secretaria de Educação menciona, entre os resultados específicos verificados até o momento, em termos qua- litativos, a percepção de um maior compromisso dos professores com as atividades. Em termos quantitativos, além dos 1.200 professores formados em conteúdos específicos da nova disciplina, já mencionados, 21 mil professores foram formados nos diversos conteúdos curriculares – matemática, português etc. – já com a inclusão da EDH como um dos temas dos cursos. É claro que ver de perto é sempre mais gostoso, e dá vida a esses números. Tivemos a chance de assistir, em nossa visita a Recife no dia 24 de novembro, a um dos eventos de formação em direitos humanos promovidos com educadores/as por uma das diretorias de ensino da região do Recife. Na ocasião de fechamento dos trabalhos ocorridos ao longo do ano, profissionais de diversas escolas deram seus depoimentos sobre as atividades desenvolvidas. Além disso, representantes de movimentos sociais – GLBT e do movimento negro – compartilharam com o grupo suas expectativas sobre a Educação em Direitos Humanos e a valorização da diversidade nas escolas. Por que foi premiado? Se Pernambuco está fazendo, então é possível implementar o PNEDH nos estados Não é necessário escrever muito para explicar porque Pernambuco ganhou o primeiro lugar na categoria 1, destinada à atuação das secretarias de educação. As medidas tomadas pelo estado são muito abrangentes e constituem uma política de EDH que pode ser tomada como um excelente exemplo do que esperávamos: “estratégias variadas para a inclusão da Educação em Direitos Humanos nos currículos da educação básica”. Em vista da autonomia de estados e municípios em relação à política educacional, a implementação das ações programáticas sugeridas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, elaborado por um comitê de caráter consultivo vinculado a um órgão federal – a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República –, só se concretizará pela geração de consenso acerca da relevância dessa pauta, entre estados e municípios. A expectativa do Plano é que cada ente federativo faça o seu próprio plano de EDH (estadual ou municipal), ou incorpore aos Planos de Educação essa perspectiva. É por isso que dizemos, repetindo o título dessa sessão, que a experiência de Pernambuco é a prova de que é factível a implementação do PNEDH pelos estados. Detalhando um pouco melhor as características dessa política, observa-se a preocupação de normatizá-la, ou consolidá-la em documentos de planificação e normativos. Há um orçamento específico destinado à EDH no PPA do estado, e as mudanças curriculares estão definidas em uma instrução normativa e outros documentos formais da política. Poder-se-ia indagar sobre a efetividade de medidas meramente formais, em um país em que muitas regras não são cumpridas. Nesse sentido, a experiência de Pernambuco pode ser vista como um “balão-de-ensaio”. É nossa opinião, no entanto, que medidas normativas ou mesmo legais são extremamente necessárias e eficazes, como podemos observar nas repercussões da mudança da LDB provocada pela Lei 10.639/2003, depois modificada pela Lei 11.645/2008. Sem elas, dificilmente os estados e municípios promoveriam a formação de professores e a inclusão da temática étnico-racial, da história e cultura afrobrasileira e dos povos indígenas. Para concluir, a experiência de Pernambuco também se prestará a testar algumas hipóteses ou escolhas metodológicas. Um dos grandes embates no campo da EDH divide pensadores/as entre aqueles que acreditam ser necessário o tratamento disciplinar desses conteúdos e aqueles que creem mais eficaz a transversalidade: o tratamento dos temas no interior de todas as demais disciplinas do currículo. Interessante ouvir, aqui, a justificativa de Aída Monteiro para a opção feita por Pernambuco. “Eu mesma, no Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, era defensora de uma inclusão não disciplinar dos DH. Mas quando você chega nos sistemas de ensino, o professor não tem conteúdo; então, como eu faço a formação interdisciplinar sem que os professores tenham a formação em conteúdo de direitos humanos? Então, chegamos à seguinte conclusão: fazer uma disciplina que pudesse ser estruturadora do tema por dentro das escolas, e os professores dessa disciplina seriam nossos auxiliares nessa discussão. Ao mesmo tempo, nós orientaríamos as escolas para que nos próximos anos incorporassem essa temática de maneira interdisciplinar. Entendemos que essa seria uma maneira mais rápida de fazer o conteúdo dos DH chegar às escolas.” São estratégias que serão testadas com o tempo, ao ser feita a avaliação dos resultados dessa política em médio prazo. De qualquer forma, é na prática, na implementação concreta das políticas, que surgem tais impasses, e a busca de soluções em si mesma já merece nosso crédito. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 11 11 13.02.09 14:26:17 Oficina de formação de facilitadores em Guarulhos - SP CATEGORIA 1 | 2º lugar Justiça e educação: parceria para a cidadania Instituição: Secretaria Estadual de Educação de São Paulo Município/Estado: São Paulo, São Bernardo e Guarulhos – Grande São Paulo - SP Resumo A justiça restaurativa transformando a escola: estratégias democráticas para lidar com o conflito A violência que envolve crianças e adolescentes, como agressores ou vítimas, tem sido há muitos anos uma das principais preocupações entre educadores/as, tanto que o tema esteve presente em vários dos projetos inscritos no Prêmio. Uma das principais características do projeto “Justiça e Educação: parceria para a cidadania” é que, além de entender a violência como um fenômeno decorrente de fatores de ordem social, econômica e cultural, e, portanto, buscar influenciar a realidade das relações sociais para além da escola, ele parte dela própria e de seus agentes, afirmando claramente que as mentalidades e atitudes de educadores/ as e gestores/as escolares precisam mudar, abandonando uma lógica punitiva e autoritária em prol do estabelecimento de canais de diálogo e (re)construção restaurativa da justiça em casos de conflito. A idéia consiste em criar, pela formação de agentes, condições para que as escolas e espaços de operação da justiça (fóruns, instituições responsáveis pelas medidas socioeducativas, entre outros que se associem ao projeto) implementem os Círculos Restaurativos. O Círculo Restaurativo é uma metodologia de resolução de conflitos que, nas palavras do relato, se pauta “pelos valores do empoderamento, participação, autonomia, respeito, busca de sentido e de pertencimento na responsabilização pelos danos causados, mas também na satisfação das necessidades emergidas a partir da situação de conflito”. Foi 12 criado a partir de diversas experiências internacionais e consolidado nos materiais do projeto. Conta com etapas e papéis bem definidos – facilitadores/as, que promovem a mediação nos eventos, e lideranças, que têm como papel garantir as condições para que os círculos ocorram na escola; em outras palavras, garantir a sustentabilidade do projeto. Assim, as atividades do projeto consistem basicamente em cursos de formação desses facilitadores voluntários, que contemplam não só a aprendizagem da metodologia, como conteúdos de direitos humanos, democracia nas relações interpessoais e cultura da paz, entre outros. O projeto visa, também, facilitar mudanças institucionais e educacionais na escola e nos espaços da justiça, criar e fortalecer a rede de apoio dos DC&A (Direitos da Criança e do Adolescente) (alguns casos são encaminhados a entidades de atendimento). O projeto, que contou com o apoio técnico do Centro de Criação de Imagem Popular – CECIP – para a elaboração do projeto pedagógico dos cursos de formação e sua implementação, surgiu da iniciativa de Juízes de Direito das Varas da Infância e Juventude e Conselhos Tutelares que haviam participado de projeto anterior promovido em 2004 pelo Ministério da Justiça e o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Atualmente, por meio de acordo formal entre a SEE-SP e agentes da justiça, o projeto está nas regiões de Guarulhos (Diretoria de Ensino VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 12 13.02.09 14:26:20 Guarulhos Norte), Heliópolis (Diretoria de Ensino Centro Sul), São Caetano e São Bernardo do Campo (Diretoria de Ensino de São Bernardo do Campo). Foram capacitados 290 educadores/as das escolas de Ensino Médio, tendo sido realizados 154 Círculos Restaurativos até setembro de 2008. Estiveram envolvidos diferentes setores da SEE-SP (coordenadorias e diretorias de ensino), 42 escolas em 3 municípios, o Tribunal de Justiça, as Varas da Infância e da Juventude, e instituições da Rede de Apoio. Como resultados importantes, entre ou- tros, destacaríamos a criação da Rede de Apoio em Heliópolis, o estabelecimento de articulação entre as Varas de Infância e Juventude e as Diretorias de Ensino das duas regiões, a elaboração de materiais para a disseminação da experiência (publicações, fichas de procedimentos para a realização de Círculos Restaurativos, vídeo-registro e CD-Rom). O projeto previa estratégias de monitoramento, algo que contribui fortemente para a sua qualidade: atualmente os dados estão sendo consolidados para a avaliação quantitativa e qualitativa dos resultados. Por que foi premiado? (Re)construindo laços sociais na e a partir da escola A categoria 1 buscava premiar a atuação das secretarias de educação no estabelecimento de políticas duradouras de Educação em Direitos Humanos. Embora este projeto tenha um objetivo mais específico, promover a justiça restaurativa nas escolas, ele é, sim, um projeto consolidado, com chances de permanência ao longo do tempo – algo que configura o planejamento de uma política – e que promove transformações na escola rumo aos direitos humanos. Quanto à permanência do projeto, já demonstrada no próprio trabalho, ao conversarmos com a equipe responsável do Departamento de Projetos Especiais da Fundação para o Desenvolvimento da Educação, soubemos que o projeto se insere em um contexto maior (esse departamento) que aglutina projetos de longo prazo referentes ao que chamam de “Educação Preventiva”, ligados a saúde, prevenção e sexualidade, promoção dos laços entre escola e comunidade, e a outros temas. E que, elemento fundamental para sua sustentabilidade, o departamento tem orçamento próprio previsto no Plano Plurianual (PPA) do estado desde 1996. Ficamos sabendo, também durante a visita em 14 de novembro, que o pedido de outras diretorias para participar do projeto já se concretizou. A partir de 2009, além da manutenção dos círculos nas escolas participantes, o projeto se expandirá, atendendo 10 diretorias de ensino de 8 municípios: Atibaia, Bragança Paulista, Campinas, Guarulhos, São Caetano do Sul, São José dos Campos, São Paulo e Presidente Prudente. Do ponto de vista mais amplo das políticas em EDH a serem promovidas pelas secretarias de educação, o grande mérito do projeto é que ele oferece uma estratégia para produzir mudanças de mentalidades e atitudes de educadores e educadoras, rumo à gestão verdadeiramente democrática da escola. Ele ensina a escola e seus agentes a serem respeitadores dos direitos humanos de todos, inclusive os de alunos e alunas. Tivemos a oportunidade de assistir à última oficina de capacitação das lideranças na diretoria de Guarulhos Sul, e conversar com as pessoas envolvidas – dirigentes de escola, da diretoria de ensino, um juiz de direito, entre outros. Edivaldo, vice-diretor de uma das escolas, menciona que a mudança de postura da escola em relação aos alunos e pais foi sentida pelos últimos: um casal da comunidade que queria transferir seus filhos para a escola usou essa nova atitude como argumento – “é uma escola que não apenas dá bronca nos pais”. O projeto também é uma boa experiência pedagógica em EDH: apresenta uma metodologia para a mediação de conflitos nas escolas que visa ao enfrentamento da violência a partir de uma perspectiva de empoderamento de todos os indivíduos e responsabilização por meio de processos coletivos e democráticos, e não da mera punição autoritária. Essa concepção é extremamente relevante e coerente com um projeto educacional emancipador, pautado pelos direitos humanos. Além disso, o projeto está muito bem respaldado teoricamente, bem planejado, executado e avaliado, podendo ser replicado em outros contextos. Relacionado a isso, é importante destacar que essa experiência parte da concepção da escola como lócus fundamental de processos dessa natureza e como espaço articulador de diversos setores da sociedade. Por fim, é preciso falar também das possibilidades futuras e dos desafios. Entre os desafios, nota-se que o envolvimento de pais e mães no projeto ainda precisa ser ampliado. Até o momento, os cursos de formação ocorriam durante a semana, dificultando essa participação. No depoimento de Silvana Casarotti, mãe de um aluno que frequentemente se envolvia em atritos e passou a participar do projeto: “O envolvimento dos pais e da comunidade como um todo é de 50% nesse projeto, porque não adianta você mudar o aluno dentro da escola, em relação ao conflito, e não ver a realidade dentro da casa dele. Muitas vezes a gente consegue identificar que o aluno age daquele jeito na sala de aula porque o pai tem um comportamento ‘x’ em casa.” Também não foram formados alunos ou alunas como facilitadores, algo atribuído por Silvana ao receio dos educadores em colocá-los em posições de responsabilidade – ou poderia ser resquício do autoritarismo? As resistências encontradas são prova do valor do método: muitos diretores se recusaram a participar. Também, mesmo professores envolvidos na divulgação do projeto na escola se recusaram a participar dos círculos restaurativos, quando eram convidados a partir de queixa de aluno/a contra si (a participação é voluntária). Como se vê, muito depende do engajamento dos/as dirigentes das escolas. Mesmo tendo participado do projeto, muitas escolas ainda não realizaram nenhum círculo restaurativo, algo que a equipe da SEE associa a um menor engajamento da direção. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 13 13 13.02.09 14:26:21 Espaço comunitário no Assentamento 30 de maio, destinado ao Memorial CATEGORIA 2A | 1º lugar (Re)lendo o mundo pelas histórias da vida: o Memorial do Assentamento 30 de maio Instituição: Escola de Ensino Fundamental Pio XII Município/Estado: Charqueadas - RS Resumo Re-aprendendo a ler, escrever e a contar a sua história (de luta por direitos) - Que matéria você mais gostava? - História! Não acreditamos ser mera coincidência essa predileção absoluta por história, entre as quatro pessoas com quem conversamos – duas mulheres e dois homens –, que fizeram parte do grupo de 22 pessoas do Assentamento 30 de Maio, ligado ao Movimento dos Sem-Terra, que, durante dois anos, quatro noites por semana e quintas alternadas (para a aula de informática que acontecia na escola, no centro da cidade de Charqueadas), frequentaram a sala de aula depois de mais de vinte anos longe dos estudos, a maioria deles. O trabalho apresentado narra a experiência pedagógica de relatar e contar, através da escrita, a história de vida de cada aluno e aluna assentado/a. Como ficamos sabendo melhor durante a visita que fizemos a Charqueadas, o resgate desse passado se concentrou mais no período a partir do momento em que essas pessoas, já constituídas enquanto grupo, movimento social, passaram a lutar juntas pelo direito à terra e ao trabalho nela. A história do Assentamento começou antes dele: entre 1987 e 1991, o mesmo grupo de 48 famílias, que hoje forma o Assentamento, ficou acampado em barracas de lona à beira das estradas da 14 região, lutando pela reforma agrária e por acesso a terras improdutivas. Participou de embates violentos com a polícia, que são marcos simbólicos do movimento – o massacre da Fazenda Santa Elmira e a ocupação da Praça da Matriz, no centro de Porto Alegre. As famílias assentadas em 30 de maio de 1991 passaram a se organizar coletivamente a partir das experiências de cooperação agrícola e associativismo que depois se consolidariam como marca do MST. Essa reconstituição histórica é fundamental para entender o valor dessa experiência pedagógica. A história oral é ferramenta importante para a constituição e reconstituição de indivíduos como sujeitos de direitos, como sujeitos da história. Fundamental também é o resgate da memória coletiva recente, da luta dos movimentos sociais por direitos no Brasil. Citando o próprio relato: “O trabalho pedagógico realizado a partir das histórias de vida dos educandos, buscou despertar uma maior conscientização e compreensão das múltiplas realidades que cercam o aluno assentado, bem como recuperar os fatos e acontecimentos históricos que marcaram sua trajetória e foram constituindo sua trajetória identitária de sujeito ‘sem-terra’.” VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 14 13.02.09 14:26:21 Ao longo desse processo, os professores tiveram a idéia de fazer um memorial do Assentamento 30 de Maio, e, em comum acordo com os alunos, escreveram o projeto que foi contemplado com uma verba de R$ 6.000,00 pelo Fundo Municipal de Cultura de Charqueadas. Ele pretende dar maior visibilidade não apenas à história do movimento, mas à comunidade charqueadense e à região carbonífera. Por demora na liberação dos recursos, o memorial ainda está inacabado. Constará de exposição fotográfica, documental e de objetos históricos. Além dos relatos escritos, foram compiladas em torno de 300 fotos pessoais dos alunos e alunas, das quais serão selecionadas 50 para compor o memorial. Em princípio, o memorial será sediado em espaço comunitário no Assentamento e aberto à visitação – o Assentamento é símbolo também do Movimento dos Sem-Terra, e por isso recebe, frequentemente, visitas de escolas, sindicatos, e outras instituições. Mas há a intenção de transformá-lo em um memorial itinerante. Por que foi premiado? Histórias de vida e a memória da luta por direitos humanos O projeto “(Re)lendo o mundo pelas histórias de vida” foi o primeiro colocado na categoria 2A pelo uso didático da memória de vida como ferramenta para a promoção do autorreconhecimento do indivíduo como sujeito da história e de direitos. Ademais, o trabalho em história, com o resgate dos processos de luta por direitos promovidos pelos movimentos sociais (como o direito à terra e o MST) na história brasileira recente, é parte relevante do trabalho em EDH no Brasil. É preciso dizer, no entanto, que a menção aos princípios dos direitos humanos e às outras lutas por direitos poderia ser maior, contextualizando a reflexão sobre o direito à terra. Outro motivo relevante da seleção diz respeito ao público atendido – jovens e adultos – e à adequação da proposta pedagógica a ele. A divulgação de bons projetos voltados a jovens e adultos nos parece extremamente relevante. Os projetos de elevação da escolaridade destinados a esse grupo que promovem também o resgate da autoestima, da formação “cidadã” atrelada ao contexto de vida, não são apenas mais justificáveis filosoficamente, mas são mais eficazes. A EDH tem muito a contribuir nesse campo. Esse é outro valor importante dessa experiência pedagógica, que se relaciona também à garantia do direito à educação. Lembremos a predileção por história, mencionada de início: o que ela significa? Que “conhecimento bom é conhecimento significativo”. A expressão pode soar estranha, mas o que queremos dizer é que, ao aproximar a história individual e coletiva desse grupo aos conteúdos clássicos da história (uma das alunas falou da Grécia, da história da humanidade...) esses conteúdos adquirem significado, daí ficarem mais na lembrança das pessoas. Pode ser banal, mas não é se pensarmos na trajetória educacional dessas pessoas e na dificuldade dessa reaproximação com a escola. Como eles e elas nos contaram, apenas com a ajuda dos companheiros – cada um ajudando no que sabia mais –, conseguiram concluir o curso, e não foi fácil. A escola – as estratégias de ensino – precisa se transformar na direção dessas pessoas, caso queira atraí-las e conquistá-las. Nas palavras de Nei Jorge Breda, um dos alunos: “...a gurizada nova está toda estudando, né, mas nós... todo mundo com mais de quarenta anos, sem estudar faz tempo.... e pra sair daqui (do mercado da cooperativa onde trabalham) seis e meia, sete horas, ir pra casa, e às oito e meia estar na sala de aula! Não é simplesmente chegar e pegar o caderno, não, tem que chegar em casa, daí tem a família, tem que dar uma atenção pra gurizada, aí vai pra aula até onze horas, onze e meia... de manhã cedo tem que levantar, acordar os meninos pra ir pra aula... então ficar dois anos e meio, três anos indo pra escola, todo dia, todo dia, abandonando os filhos... então eu acho o que eu fiz, o que os meus companheiros fizeram, um esforço, é uma dedicação, não é? Depois de uns 20 anos longe da escola...” O projeto do curso – não da experiência com história oral – foi feito a várias mãos pela equipe de educadores vinculados ao MST da região, o professor de ciências sócio-históricas Marcio Hoffman e a diretora Simone Barbiere, ambos da Escola Pio XII, e a secretaria de educação municipal. Em outras palavras, ele foi feito “sob medida” para esse grupo de 22 pessoas moradoras do Assentamento 30 de Maio, ligado ao MST. Um carro da Escola Pio XII, localizada no centro da cidade de Charqueadas, levava os professores ao Assentamento, onde as aulas aconteciam na pequena Escola Rural de Ensino Fundamental Incompleto São Francisco de Assis, onde de manhã iam as crianças menores. Nas palavras de José Valmor de Oliveira, marido de uma aluna: “...além do esforço dos companheiros, 50% foi o colégio... se o colégio não vai lá...então essa dinâmica de a escola ir lá aumenta em 80% as chances de as pessoas voltarem a estudar.” Matadouro da Cooperativa do Assentamento P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 15 VENCEDORES 15 13.02.09 14:26:21 Alunos participantes do Gecadis, na EE Julieta Caldas Ferraz - Taboão da Serra - SP CATEGORIA 2A | 2º lugar Convivendo com a diversidade na escola Instituição: Escola Estadual Professora Julieta Caldas Ferraz Município/Estado: Taboão da Serra – Grande São Paulo - SP Resumo A escola vive a diversidade. Falta respeitá-la “A escola vive a diversidade: a maioria dos alunos é afrodescendente, e um pequeno percentual é de descendentes indígenas. E como educadores, não queremos e não devemos suportar que atitudes discriminatórias e preconceituosas tomem corpo, afinal, é nossa incumbência lutar, entre outras coisas, pelo direito à diferença. Com esse olhar, a Unidade Escolar sempre focou, em seus diversos trabalhos, temas atinentes à questão da diversidade, seja lá o que diverso for: etnia, gênero, condição física, religião, condição sexual. (...) Muitas vezes, até por desconhecimento, a comunidade escolar age como se o diferente parecesse não existir, fazendo com que muitas dores sejam ignoradas e emudecidas.” Esses são trechos do resumo do trabalho feito por suas autoras, as professoras Rosemeire de Moraes, que há 10 anos leciona língua portuguesa na escola, e Rosemari Romero de Freitas, que há 15 anos leciona história. Se observarmos bem, trata-se da justificativa do projeto: a explicação sobre por que é vital, no Brasil de hoje, que as propostas político-pedagógicas e as atividades pedagógicas discutam e enfrentem toda a forma de discriminação no ambiente escolar. A beleza desse depoimento está, a nosso ver, na coragem em falar na primeira pessoa: nós, educadores, não queremos e não devemos suportar o preconceito e a discriminação. Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que, até por desconhecimento, a comunidade escolar desrespeita o direito à diferença. O relato feito pela Escola Estadual Professora Julieta Caldas Ferraz descreve, além de um projeto específico – aquele da criação do Gecadis (Grupo Estudantil Contra a Discriminação) –, um conjunto de projetos 16 pedagógicos que, desde 2004, tem lidado com os temas da educação ambiental e da diversidade. Essas atividades são narradas como um processo, como passos que foram dados pela escola para chegar ao Gecadis. Entre as atividades realizadas por alunos/as e professores/as da escola, e que na opinião das próprias autoras foram fundamentais para o “acordar” de sua comunidade escolar para a questão das relações étnico-raciais, destacam-se a II Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, de 2005; o curso de formação de professores “São Paulo: Educando pela diferença para a igualdade”, promovido pela secretaria de educação do estado em 2006; e as atividades desenvolvidas pelos alunos no Museu Afro Brasil, que resultaram em sua participação na 1ª Mostra Cultural do Museu, no mesmo ano. A idéia de criar um fórum na escola para discussão e combate de situações de discriminação e preconceito surgiu entre os alunos e alunas como resolução da II Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente. O MEC propunha, como um dos quatro temas para debate, a diversidade étnico-racial e a Declaração de Durban contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (de 2001). A sensibilização e formação dos alunos sobre a questão étnico-racial se consolidaram com a participação de um grupo deles na 1ª Mostra Cultural do Museu Afro Brasil. Entre vários outros produtos, jovens da escola colaboraram na redação do Jornal da Mostra, e dentro das atividades culturais, os alunos Diego Vinicius Clemente Rocha e Walter Neto fizeram o rap “O cotidiano de um povo guerreiro”. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 16 13.02.09 15:16:18 Durante o curso de formação de que participaram, as professoras foram instadas a elaborar um projeto na escola sobre a temática étnico-racial, e lembraram da proposta da conferência: o fórum. Assim, retomaram a idéia com alunas e alunos e, em 2007, o grupo foi “oficializado”, agora com o nome escolhido por eles: Grupo Estudantil Contra a Discriminação – o Gecadis. E o rap de Diego e Walter se tornou seu hino. Durante a visita que fizemos à escola, um grupo de mais de 30 meninos e meninas, entre ex-integrantes e integrantes atuais do Gecadis, conversou com a gente. É uma pena que a gravação, com depoimentos riquíssimos, tenha se perdido. Para quem não ouviu como nós o rap cantado por esse enorme coro, resta ler sua letra: O cotidiano de um povo guerreiro Diego Vinicius Clemente Rocha e Walter Neto Navio negreiro de um povo guerreiro Que hoje se tornou nosso povo brasileiro Um sentimento com as índias e os portugueses surgiu Foi assim que começamos a miscigenar o Brasil Fomos nós, negros, que fundimos o metal Trabalhando dia e noite, noite e dia, pau a pau Após trabalharmos íamos pra senzala Depois de ficarmos tomando tapa na cara Ato de coragem teve o Zumbi dos Palmares Que ajudou a nossa liberdade Hora de prestar um pouco de atenção E ver nas costas de quem foi construída a nação Nzinga, Vó Mazinga, nossa rainha Nome africano nos trazendo muita ginga Rima feita com a música dos negros O som do atabaque bate forte no meu peito Sou jovem negro do ensino fundamental Lutando pra acabar com o preconceito racial Não sou nem pior muito menos diferente Faço parte do Brasil de afrodescendentes Gente da mesma gente, branco, negro ou nordestino Filhos de Maria e pai Severino Simplesmente, menino, esse rap é meu hino É a voz da África orando por seus filhos Os trilhos que são traçados pela vida Acabaram deixando os negros cheios de feridas A gente precisa dar mais valor a nossa cor Lutar com a força de Xangô guiado por Oxalá. Atualmente, o Gecadis, formado por crianças e jovens de 5ª a 8ª série, se reúne às quartas-feiras, no final do período (e avançando em período extraclasse, o que dificulta muitas vezes a participação, mas, ao mesmo tempo, demonstra o compromisso das meninas e meninos envolvidos). Além do racismo (analisam criticamente os livros didáticos), a questão do bullying tem sido estudada. O grupo também age como uma instância de mediação de conflitos. Alunos/as que se sintam desrespeitados por outros se comunicam ou com uma das professoras ou com colegas membros do Gecadis. É feita uma reunião do grupo todo, as partes são ouvidas e os colegas se manifestam em relação à questão. Não há metodologia clara para este procedimento, e o resultado é geralmente o pedido de desculpas do “agressor”. Por que foi premiado? O respeito e a valorização da diversidade é o princípio da EDH Antes do projeto, quando a professora perguntou para uma classe de uns 30 alunos/as quantos eram negros, apenas uns 4 levantaram a mão. Depois, feita a mesma pergunta, um grupo muito maior se reconheceu como afrodescendente, segundo depoimento da professora Rosemeire, ela mesma negra. Esse talvez seja o grande resultado dessa experiência. O projeto “Convivendo com a Diversidade na Escola” foi o segundo colocado entre as escolas públicas, porque faz, e faz bem, o que propõe o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: o debate e a reflexão constante sobre o enfrentamento das diversas formas de discriminação é extremamente relevante na EDH e, no contexto brasileiro, a discriminação étnico-racial – e especificamente aquela que acontece na escola – é tema crucial: ela afeta os vínculos de crianças e jovens com a escola e seus agentes e, consequentemente, a aprendizagem. Outras escolas públicas inscreveram bons projetos que lidavam com o tema do enfrentamento de preconceitos. Mas poucas demonstraram, como a escola Julieta Caldas Ferraz, que além do compromisso político de educadores/as e da qualidade de seu trabalho, havia por trás a participação efetiva dos/as alunos/as – essa é outra grande qualidade do projeto. A criação de um fórum para debater e lidar com casos de discriminação ou violência é um exemplo de como a educação para a diversidade e os DH podem frutificar, dentro da escola, em mecanismos para a exigência de direitos, para a administração do conflito e o debate. A partir de agora, como tudo que é bom pode melhorar, o Gecadis pode ser utilizado para discutir questões como discriminação de gênero, orientação sexual, entre outras. A EDH nos mostra como esses assuntos estão associados, sendo necessário enfrentar em conjunto todas as formas de discriminação. Ainda pensando em como aprimorar esta iniciativa coloquemos em prática, desde já, uma das tarefas do Prêmio que é a troca de experiências. O projeto “Justiça e Educação - Parceria para a Cidadania” nos ensinou uma metodologia para a mediação de conflitos que tenta superar uma lógica punitiva, substituindo-a pela reparação dos laços sociais. Em nossa conversa com integrantes do Gecadis e com as professoras que coordenam o grupo, pudemos perceber que a prática não tinha um embasamento filosófico e metodológico claro, algo que gera riscos: espaços democráticos de debate e negociação do conflito não podem se transformar em ocasiões para a humilhação pública de colegas, mesmo que tenham agido agressivamente em relação a outros. Vamos ler e divulgar o PNEDH – entrem no site http://www.mj.gov.br/sedh/edh/pnedhpor.pdf e vejam como o projeto dessa escola cumpre a ação para a educação básica VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 17 17 13.02.09 14:26:22 Crianças do ensino fundamental envolvidas no projeto CATEGORIA 2B | 1º lugar Fórum de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual contra crianças e adolescentes Instituição: Colégio Marista de Aracati Município/Estado: Aracati - CE Resumo Educar para transformar: a escola e a comunidade enfrentando o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes O abuso e a exploração sexual estão entre as mais graves violências contra crianças e adolescentes brasileiras/os (segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, mais de cem mil meninas são vítimas da exploração sexual no país). Como nos informa o relato apresentado pelo Colégio Marista, Aracati, município cearense que abriga a praia de Canoa Quebrada, está na rota brasileira do turismo sexual. Desde 2006, foram detectados no município 275 casos de violência contra crianças e adolescentes, sendo 55 de violência sexual (dados do CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social do município). Como sabemos, a maioria dos casos nem chega a ser denunciada. O Fórum de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, que se realiza anualmente desde 2006, foi a maneira encontrada pelo Colégio Marista de Aracati para colaborar no enfrentamento dessa forma violenta e trágica de violação de direitos. O colégio, criado em 1947, é uma instituição importante no cenário social local. Está entre os três maiores colégios confessionais dessa cidade de 66 mil habitantes, cuja economia é apoiada basicamente no turismo. Até 2005, ele atendia alunos pagantes 18 (a elite da cidade); de lá para cá a Província Marista Brasil Centro-Norte optou por transformá-lo em filantrópico, constituindo-se hoje em obra social que atende 960 crianças e adolescentes vulneráveis do município. Conta com uma assistente social, 49 professores, 31 funcionários e uma excelente estrutura física e de equipamentos (biblioteca, sala de computação, teatro, ginásio coberto etc.). Citando o próprio trabalho, seu objetivo é “mobilizar e conscientizar a comunidade escolar e a sociedade em geral para o enfrentamento dessa problemática no município, criando um ambiente adequado e sustentável, durante todo o ano letivo, por meio da realização de atividades como debates em sala de aula, oficinas, elaboração de murais e jornais, caminhadas pelas ruas da cidade, mesas redondas, entre outras, que visam o aumento do número de denúncias, a diminuição dos casos de violência sexual e a transformação da realidade vivenciada atualmente pelo nosso município.” As atividades culminam no mês de maio, em um dia de mesas redondas e plenária, reunindo a comunidade escolar e convidados da sociedade, em consideração ao dia 18 (Dia Nacional de Combate ao Abuso e VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 18 13.02.09 14:26:23 à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes). Ao longo do ano, são desenvolvidas ações em 3 “braços”: a) as atividades pedagógicas, lúdicas e significativas, realizadas em sala de aula, em todos os níveis de ensino, tendo como tema os direitos de crianças e adolescentes (DC&A); b) as atividades que precedem o Fórum: planejamento das oficinas, elaboração e ensaio da peça teatral, divulgação do evento etc.; c) mobilização de diversos agentes da comunidade local para a participação no fórum e articulação permanente com eles: Rede Municipal de Atendimento e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, CREAS, poder público, judiciário, Conselho Tutelar, entre outros. Durante esses três anos, houve importantes resultados. A criação do Fórum de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes gerou espaço de discussão para toda a sociedade de Aracati. Foi promovida a capacitação de professores/as e alunos/as como agentes multiplicadores dos DC&A (ficamos sabendo durante a visita que os/as professores/as participaram de formação sobre o ECA promovido por uma fundação privada). Houve a intensificação da fiscalização da comunidade escolar na execução das políticas públicas para a criança e o adolescente, e o fortalecimento da articulação institucional entre agentes da rede de proteção. Por que foi premiado? Um ótimo exemplo de como ensinar os Direitos da Criança e do Adolescente na escola Como se vê, o Fórum de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes gerou resultados tanto no campo das práticas escolares como no das políticas públicas e articulação institucional. Para o Prêmio, o que mais justifica o primeiro lugar na categoria 2B é o fato de o Fórum e as atividades a ele relacionadas serem um ótimo exemplo de ação pedagógica em EDH. São descritos o planejamento das atividades e as estratégias para o monitoramento e a avaliação do projeto. Esses últimos elementos, sempre é bom frisar, são fundamentais para possibilitar a troca de experiências e a replicação da ação por outras escolas. E quais elementos fazem a qualidade da ação pedagógica? Em primeiro lugar, educadores e educadoras do colégio foram formados nos DC&A, estudando o Estatuto da Criança e do Adolescente e o tema do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes. Mas, principalmente, o que nos chamou a atenção nesse projeto é que, diferentemente de outros semelhantes, que organizam eventos de debates e oficinas sobre os DH, as atividades não se restringem ao momento de realização do evento ou a períodos breves que o antecedem. Ao contrário, mesmo que resumidamente, o relato mencionou as atividades realizadas em sala de aula em todas as séries sobre os DC&A, ao longo do ano. Isso significa uma inserção mais consistente dos temas de direitos humanos no currículo escolar, que é justamente o que este prêmio quer incentivar. Durante nossa visita a Aracati, em que conversamos com integrantes da equipe de educadoras e educadores, ficou mais clara a origem do Fórum: a idéia surgiu durante o processo de revisão do projeto político-pedagógico da escola, que estava preocupada em ampliar o debate sobre o ECA e os DC&A no currículo. Outra qualidade importante do projeto é o estímulo ao protagonismo juvenil. Conversamos em Aracati com Ítalo Ramon Matos Alves, de 19 anos, ex-presidente do grêmio e aluno do 3º ano do Ensino Médio, e com Rodrigo Soares Grangeiro, atual presidente do grêmio e aluno do 1º ano. Vejam o que diz Ramon quando perguntamos a ele que mudanças sentiu nesses três anos de realização do Fórum: “A participação dos educandos, porque no meu ponto de vista quando envolve aluno convidando outro aluno fica até mais interessante, chama mais a atenção dos alunos, e não como sempre acontece, o professor na frente do quadro convidando pra assistir palestras, não sei o quê, aquilo lá é um saco. Mas quando a gente vê que os próprios alunos estão chamando, estão se empolgando sobre o assunto, isso convida mais o outro a se interessar pela idéia.” Como acontece com toda iniciativa, sempre há o que melhorar. O colégio é movido pela filosofia de Paulo Freire, democrática e participativa. No entanto, como nos contou Clarissa Rafaele da Silva Cavalcante, assistente social do colégio, ainda é muito baixa a participação de pais e mães nas reuniões. É preciso lembrar que se trata da população mais pobre da cidade. Também a atuação dos jovens pode deslanchar mais. Como ocorre na maioria dos colégios, o grêmio é um pouco “tutelado demais” por professores. É evidente que os resultados do Fórum no campo das políticas públicas também são importantíssimos. Além de “tecnologia educacional” o Fórum é uma “tecnologia social” em que a escola promove o fortalecimento da rede de proteção, o fomento do debate sobre o tema no município e a avaliação das políticas públicas. Visitamos o CREAS de Aracati, parceiro do projeto, e conversamos com a assistente social Nucilene Barbosa, que nos conta que o Colégio Marista é hoje uma referência nesse tema. E vai além: ele serve de exemplo para outros colégios, que poderiam abrir mais espaço para esse debate. O fato de o colégio ser ao mesmo tempo escola e obra social, contando inclusive com uma assistente social, explica em grande parte o formato do projeto e contribui para seu sucesso. O que é mais importante, no entanto, é que ele demonstra planejamento e a utilização de uma bela infraestrutura material e de profissionais em sua execução. Nesse sentido, a atuação do Colégio Marista de Aracati e da gestão da Província Centro-Norte pode ser vista como um exemplo para outras instituições educacionais de natureza semelhante, que têm as mesmas condições materiais para atuar socialmente em suas comunidades a partir da educação, promovendo a um só tempo a Educação em Direitos Humanos e a defesa e garantia desses direitos. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 19 19 13.02.09 14:26:24 Educadoras do colégio mostram a colcha elaborada por pais e filhos CATEGORIA 2B | 2º lugar Congresso infantil “Criança: Vida” Instituição: Colégio Metodista Americano Município/Estado: Porto Alegre - RS Resumo Crianças aprendendo-ensinando direitos humanos O Congresso Infantil “Criança: Vida” acontece há 17 anos – foi criado um ano após o ECA –, partindo do compromisso do colégio (e da rede de instituições metodistas de ensino) com os direitos da criança e do adolescente e da idéia de discuti-los entre as próprias crianças. Com o tempo, os/as educadores/as do colégio perceberam que debater em todos os anos apenas os DC&A tornava o Congresso um pouco repetitivo, e que seria mais interessante ampliar o leque de temas para outras questões sociais e de direitos humanos. Nesse processo, o Congresso ganhou maior consistência como prática pedagógica e maior relevância: crianças de 2 a 10 anos, ao participarem de debates, oficinas, atividades lúdicas, esportivas e culturais, estão se constituindo como sujeitos de direitos e de deveres. Os objetivos do Congresso, conforme o trabalho apresentado, são o desenvolvimento da autonomia da criança, de sua busca crítica da realidade, e a reflexão sobre valores, sua participação na sociedade e o seu papel enquanto cidadãos. Ao mesmo tempo, ao proporcionar momentos de integração e trocas de experiências com crianças de outras realidades e comunidades, incentiva-se a solidariedade e o aprendizado de regras de convivência democrática. 20 O Congresso ocorre no próprio colégio, dura dois ou três dias, e reúne todas as crianças do ensino infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental da escola, além de crianças (em bem menor número) de outras realidades socioculturais. Elas vêm das escolas metodistas do interior do estado, de escolas estaduais do bairro Rio Branco (vizinhas ao Colégio) e, eventualmente, de outras escolas e grupos que tenham interesse e/ou relação com o tema em questão. No início do ano letivo, um tema é definido com base em consulta ao corpo docente, à comunidade escolar e à Pastoral Escolar (durante nossa visita ficou mais claro que não há processo sistemático de consulta aos/às alunos/as, portanto são de fato as educadoras do colégio que, geralmente, fazem essa escolha). Ao longo do ano, o tema é trabalhado em sala de aula, tendo sido abordados o Trabalho Infantil, a Inclusão, os Direitos Humanos, a Família, a Paz, a Fome e a Pobreza, as Oito Metas do Milênio, e tantos outros. Por exemplo, em 2002, o 11º Congresso Infantil optou pelo tema “Manacô: Viver Repartindo”, a partir do termo do povo indígena Madiha (conhecidos como Kulina), que significa “repartir”. Participaram crianças indígenas dos povos guarani e caingangue, que compartilharam sua cultura – sua arte e seus conhecimentos sobre a natureza. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 20 13.02.09 14:26:25 Em 2006, o tema foi “À flor da pele”: foram debatidos a cultura africana, o preconceito e discriminação racial em nosso meio. As atividades são extremamente variadas, e não haveria espaço para detalhá-las aqui. Apenas para dar um exemplo, entre as técnicas utilizadas pelas oficinas estão a “contação de histórias”, as artes plásticas, o teatro e a expressão corporal, a produção de blogs na informática, a música, a fotografia, o inglês, o espanhol, a dança, a capoeira, a leitura/literatura e o escotismo. Uma das características marcantes da iniciativa é a forte preocupação em estabelecer parcerias com ONGs, órgãos públicos, entidades e pessoas envolvidas na luta por direitos humanos e em trabalhos sociais, trazendo especialistas e ativistas ligados a cada tema para dar palestras, fazer oficinas etc. Esse abrir-se da escola à sociedade enriquece muito as atividades – não é à toa que um dos objetivos do congresso é, também, “afirmar a Escola como fórum aberto de discussão sobre temas que afligem a criança na sociedade brasileira”. Por que foi premiado? Monyreh: Eu acho [o congresso] interessante porque faz o envolvimento em assuntos que são deixados de lado na sala de aula, e que são importantes, então eles começam a participar na sua formação, e tu vai entendendo melhor tudo aquilo, mesmo que depois ... Rachel: ...nas outras séries a gente enfoca melhor esses assuntos em filosofia, sociologia... Monyreh: É, mas é importante ter isso desde criança porque ajuda muito na formação Gabriel: E daí a gente não fica com uma má impressão sobre algumas coisas. Por exemplo, o racismo, a gente trabalhou em um congresso, e daí desde pequeno a gente vai tratando, e não tem um pensamento... Rachel: ...o legal é que desperta o interesse em uma idade em que a gente tá querendo conhecer tudo, quer discutir com os pais, quer perguntar, quer questionar, e isso é bem importante porque quando a gente cresce um pouquinho não tem assim todo esse interesse das crianças da primeira série até a quarta. E é uma realidade às vezes diferente, né, porque nós temos uma casa, um lar, e há uma outra face da sociedade... o racismo... a gente nunca sofreu nenhum tipo de discriminação, a gente tem um lar pra morar e muitas crianças não têm, e é importante buscar essa realidade porque muitas vezes a gente não tá acostumado e não vive nesse contexto... Durante nossa visita ao colégio, conversamos com a equipe pedagógica responsável pelo projeto e com Gabriel Seibel, de 11 anos, da 5ª série; Monyreh Ambrosini Quadros, de 14 anos, da 8ª série; Rachel Wecki Calovi, de 16 anos, do 2º ano do ensino médio, e Giorgia Galvan Moreira, de 9 anos, da 3ª série. Monyreh acha que ter participado desde criança dos congressos a estimulou a se envolver no trabalho de voluntariado desenvolvido sob coordenação de dois professores a partir da 7ª série. Ela passa algumas tardes brincando com as crianças de uma creche. Os depoimentos dessas crianças são uma ilustração dos importantes resultados conquistados em 17 anos de Congresso Infantil. No entanto, não foram eles os responsáveis pelo segundo lugar do colégio na categoria voltada às escolas privadas. O relato, infelizmente, não apresenta avaliação sistemática dos resultados, embora mencione depoimentos de ex-alunos/as que participaram de vários Congressos Infantis e os consideram oportunidades importantes de formação para a cidadania. Mesmo sabendo como é complexo avaliar resultados de projetos educacionais, lembramos mais uma vez o papel desse Prêmio, de apontar possibilidades de aprimoramento dessas excelentes iniciativas. Assim, pela própria infraestrutura e recursos de todas as naturezas de que dispõe o Colégio Metodista Americano de Porto Alegre, ele tem condições para fazer algum tipo de monitoramento e avaliação, algo que, aliás, já está previsto, conforme soubemos de Jussara Fernández, vice-diretora da Rede Metodista do Sul e diretora do Colégio. A avaliação seria mais um dado a ser socializado com outras escolas, porque as qualidades do projeto quanto ao conteúdo, embasamento filosófico e à metodologia fazem dele um modelo, e explicam a premiação. Por contar com planejamento, registro e sistematização dos materiais, a troca de experiências fica muito mais fácil. Indo ao que interessa, quais são os grandes méritos do Congresso como metodologia de EDH? Seu formato é lúdico (nas palavras de Gabriel, “a gente aprende algumas coisas bem legais e de um jeito que a gente gosta”), promove a “suspensão” do cotidiano da escola e a imersão nesses temas e atividades (característica destacada por Monyreh), e, quanto ao conteúdo, promoveu a incorporação ao currículo de um leque amplo de temas específicos de direitos humanos, utilizando documentos nacionais e internacionais como o ECA, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, entre outros. Por fim, mas não menos importante, a experiência é relevante no campo da EDH por se voltar a crianças do ensino infantil, nível geralmente mais carente de metodologias criativas para o tratamento dos DH. O caso do Colégio Metodista Americano nos permite, também, falar do papel social das escolas particulares em um país em que o “apartheid educacional” é uma das caras da desigualdade. O Colégio é lindo, grande, arborizado e está entre os bons colégios que atendem a elite de Porto Alegre. Nesse contexto, por insistir em uma educação humanista, em que os princípios metodistas se traduzem na busca por uma formação crítica, comprometida com a mudança social, tem muitas vezes saído em desvantagem na competição com outros colégios particulares cujo marketing se volta à infraestrutura física (piscinas, quadras...) e ao sucesso no vestibular. No mundo individualista e consumista em que vivemos, propiciar que crianças brancas e ricas falem com naturalidade da existência do racismo e do sentido do privilégio, não é pouca coisa. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 21 21 13.02.09 14:26:25 Reunião da equipe do projeto: educadoras da rede pública, alunos e professores da Universidade CATEGORIA 3 | 1º lugar Educação jurídica popular em Direitos Humanos: construindo redes de educação cidadã Instituição: Universidade do Estado da Bahia - Campus XIX - Camaçari Município/Estado: Camaçari - BA Resumo Educação jurídica popular em Direitos Humanos: construindo redes de educação cidadã A experiência que conquistou o primeiro lugar na categoria 3 do Prêmio relata as atividades realizadas pelo grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Ética, Capital Social, Desenvolvimento e Cidadania”, do Campus XIX - Camaçari, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB (www.uneb.br), registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq desde 2007. O relato apresentado se preocupa em descrever o programa de pesquisa, extensão, formação em Educação em Direitos Humanos e desenvolvimento institucional realizado a partir desse grupo de pesquisa, mas que envolve um conjunto maior de discentes e docentes não apenas do curso de direito, mas do de ciências contábeis e do departamento de educação de outro campus da UNEB, que atuam no município vizinho de Simões Filho. As atividades são um excelente exemplo do que a categoria 3 procurava. O curso de direito no campus de Camaçari é novo, estava em seu 7º semestre no final de 2008 e, portanto, está em construção. A despeito disso, ou talvez justamente por isso, ele pode desde já ser um exemplo de como é possível fazer dos direitos humanos o eixo norteador do currículo de direito, e da Educação em Direitos Humanos um campo específico de ensino, pesquisa e extensão universitária. Na con22 tramão de opiniões de senso comum, que viam a vocação do curso centrada no direito empresarial, por ser a região um importante pólo petroquímico e econômico no estado, optou-se por fazer dos direitos humanos a dimensão articuladora não só do currículo de direito, mas das atividades curriculares e de extensão do departamento. Partiu-se da percepção de que o crescimento econômico tem se distribuído desigualmente e aumentado os níveis de exploração e violação de direitos em regiões como Camaçari, gerando uma demanda por organização dos movimentos sociais e socialização dos conhecimentos sobre os direitos humanos. Entre as realizações do grupo estão seminários e fóruns de EDH, com a participação do poder público e da sociedade civil, organizados na Região Metropolitana de Salvador; pesquisas, diagnósticos e elaboração de banco de dados sobre EDH; sensibilização de atores políticos locais (Estado e municípios) para incluir em suas políticas as diretrizes e orientações do PNEDH; mobilização para a criação de rede de educadores em DH, a partir do curso de educação jurídica popular. Em todos os campos – ensino, pesquisa e extensão – as ações estão em momento inicial. A formação de 200 multiplicadores/as em DH é o principal produto do VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 22 13.02.09 14:26:26 Programa de extensão universitária “Educação Jurídica Popular em Direitos Humanos: construindo Redes de Educação Cidadã na RMS” que conta com recursos do edital de Apoio à Extensão Universitária (PROEXT) da SESU/MEC e do programa de extensão universitária da UNEB. A Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH-PR) forneceu os exemplares do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH). Os multiplicadores/as em direitos humanos estão sendo formados entre estudantes universitários/as, alguns servidores da universidade e integrantes de movimentos sociais. A metodologia se alterou um pouco desde a redação do relato. Em um primeiro momento são realizadas oficinas sobre antecedentes históricos e jurídicos dos direitos humanos. Em um segundo momento o foco é a EDH e o PNEDH. Em um terceiro módulo, e de maneira participativa, os/as participantes serão responsáveis pela manipulação deste conhe- cimento em DH e geração de novos conteúdos adaptados ao público alvo de novas capacitações – pessoas da comunidade, lideranças populares e educadores/as da rede pública de ensino. A quarta etapa consiste de um seminário de 20 horas para alinhamento metodológico dos multiplicadores, tendo em vista a construção da rede de Educação em Direitos Humanos. Já participaram de 2 encontros 115 pessoas. Também foi realizada a primeira etapa junto às 96 alunas de pedagogia de Simões Filho, professoras da rede pública. A atividade de pesquisa se constrói em torno da perspectiva da pesquisa-ação, mais especificamente utilizando a metodologia da “Pesquisa Ação Integral e Sistêmica (PAIS)”, formulada pelo professor da Universidade de Quebec, André Morin. Segundo o relato, essa perspectiva “pretende aliar os conhecimentos da observação participante da antropologia à ação educativa da pedagogia”. Por que foi premiado? O valor da pesquisa-ação e da educação, para uma prática jurídica emancipatória O mérito do trabalho reside em contribuir para consolidar a preocupação com a educação no âmbito da pesquisa e da formação em direitos humanos no campo do direito. Este grupo de professores e professoras assumiu para si a tripla tarefa de ensinar DH a alunos/as de direito; ensiná-los/as a educar em DH, e, por fim, educar a comunidade em DH, por meio da extensão universitária. Entre os projetos dessa categoria, vários descreveram a inserção dos direitos humanos nos currículos dos cursos de direito. No entanto, este e o do NUPEC (segundo colocado) foram os únicos que demonstram a ênfase no diálogo entre educação e direito, ou a preocupação com o aspecto pedagógico da prática jurídica. Esse projeto nos ajuda a refletir teórica e metodologicamente sobre a EDH. Tendo também se inscrito na categoria 4, esta iniciativa se destaca da maioria dos projetos desenvolvidos por núcleos de práticas jurídicas pela preocupação com a educação jurídica popular, e não simplesmente com a assessoria jurídica. Ainda mais relevante, nesse contexto, é a vinculação que o projeto propõe entre a atividade de extensão e a pesquisa específica em Educação em Direitos Humanos na área do direito. Embora ainda não tenha resultados concretos de pesquisa a relatar, ele dá visibilidade a um método extremamente rico e pouco explorado nas faculdades de direito, que é a pesquisa-ação, e à necessária interdisciplinaridade com a educação para a construção de práticas jurídicas emancipatórias. Ambas as abordagens, é importante que se diga, têm sido tratadas com preconceito tanto pelas faculdades de direito como pelas instâncias de fomento à pesquisa, e nesse sentido este projeto colabora para dar a elas maior legitimidade. Os diversos sentidos em que os ensinamentos da educação jurídica popular são fundamentais para a formação em direito puderam ser aprofundados na conver- sa que tivemos com várias pessoas envolvidas, durante nossa visita a Camaçari. Nas palavras de José Cláudio Rocha, coordenador do projeto: “A educação jurídica popular tem como ferramenta a educação de Paulo Freire, a Pedagogia do Oprimido e todos os seus escritos, atualizados pelos novos pesquisadores e pensadores nesse campo. (...) André Franco Montoro em um de seus livros diz que há duas perspectivas do direito: uma é utilizar o direito como uma ferramenta para a manutenção do status quo; a outra é usar o direito como um instrumento de transformação, de construção da emancipação das pessoas. Então, a gente tem esse debate aqui, um debate difícil, porque construir isso em uma prática concreta não é fácil. É como eu falo para os alunos: a gente não pode pegar de imediato os estudantes de direito, achar que eles dominam o conhecimento e colocá-los com a comunidade. Porque desde casa, logo na mais tenra infância, nós fomos treinados a dar ordens, começando pelos empregados domésticos, e nós vamos levando isso pra nossa vida. (...) Então, nós temos que trabalhar com os alunos esse aspecto da educação popular. (...) Não há como fazer a assessoria jurídica popular sem discutir necessariamente o campo da educação. Não há como você discutir, no nosso cenário atual, qualquer perspectiva emancipatória se a gente não passar pelo campo da educação.” Por fim, mas não menos importante, esse projeto fala um pouco do valor da permeabilidade entre os movimentos sociais e a academia. A reflexão no campo da educação jurídica popular tem se constituído muito mais nas organizações da sociedade civil, e, portanto, constitui informação relevante o fato de José Cláudio Rocha, coordenador do projeto e líder do grupo de pesquisa, ser oriundo do movimento social de direitos humanos. Agora, ele é professor adjunto e diretor do campus, algo que obviamente contribui muito para o sucesso da iniciativa. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 23 23 13.02.09 14:26:26 Pesquisadores na sala de trabalho do NUPEC CATEGORIA 3 | 2º lugar Núcleo de Pesquisas em Direitos Humanos e Cidadania da UNESC – Uma narrativa de sua construção, trajetória e desafios Instituição: Universidade do Extremo Sul Catarinense Município/Estado: Criciúma - SC Resumo Os Direitos Humanos no ensino e na pesquisa em direito O relato apresentado pelo Núcleo de Pesquisas em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade do Extremo Sul Catarinense (NUPEC/UNESC - www. nupec.unesc.net), o segundo colocado na categoria 3, é justamente o que diz seu título: “uma narrativa da sua construção, trajetória e desafios”. O grupo foi criado em 1998 e está registrado como grupo de pesquisa pelo CNPq desde então, mas as atividades envolvem um grupo maior de professores/as-pesquisadores/as, distribuídos em outros núcleos de pesquisa no departamento de direito (trata-se, como nos explicaram, de uma sábia estratégia para angariar mais recursos). Não é mera coincidência o fato de os dois projetos premiados nessa categoria se darem no campo do direito: ainda é neste campo disciplinar que se concentra a maioria das pesquisas e reflexões teóricas em direitos humanos. De maneira muito próxima à experiência da UNEB de Camaçari, o esforço dos/as professores/as e pesquisadores do NUPEC gira, essencialmente, em torno da construção de um projeto político-pedagógico para o curso de direito em que os Direitos Humanos sejam eixo fundante. Nesse sentido, travam um emba24 te constante com seus colegas de curso, que defendem geralmente a ênfase no direito empresarial. Como conquistas relevantes, destacam-se a manutenção como obrigatórias das disciplinas de ‘criminologia’ e de ‘tutela dos interesses difusos e coletivos’, além da inserção das disciplinas de ‘Direitos Humanos’ e de ‘Direito da Criança e do Adolescente’ como obrigatórias, e de ‘Bioética e Direito’ como optativa. Também se obteve a ampliação da carga horária de Direito Constitucional. Embora a experiência de Camaçari tenha sido considerada mais relevante para o campo específico da EDH, objeto do Prêmio, por sua pesquisa no campo da educação jurídica popular, a experiência de pesquisa em Direitos Humanos e a atuação como núcleo de pesquisa é mais consolidada neste caso, do NUPEC. Como acontece nas universidades em geral, também no ramo da pesquisa os direitos humanos precisam constantemente brigar por legitimidade e orçamento, como fazem questão de frisar os professores e professoras do NUPEC com quem conversamos, na sala do núcleo no campus da UNESC em Criciúma, no dia 28 de novembro. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 24 13.02.09 14:26:27 Citando o resumo feito pelas autoras, “o NUPEC tem por objetivo fomentar e difundir informações em Direitos Humanos e Cidadania em diversos ambientes, quer acadêmicos, quer sociais, bem como produzir e divulgar conhecimento acadêmico – em patamar de iniciação científica e no que toca à pesquisa avançada. Pretende, também, atuar lado a lado a organizações da sociedade civil, realizando o necessário intercâmbio entre universidade e comunidade, não raras vezes como um tradutor dos discursos acadêmico e dos movimentos sociais. A produção acadêmica em Direitos Humanos e Cidadania também significa um impacto no perfil dos egressos do Curso, pois fornece-lhes mecanismos teóricos e vivências éticas diferenciadas (aptas, muitas vezes, a produzir empatia) para a defesa dos Direitos Humanos em suas futuras experiências profissionais”. O núcleo também tem refletido sobre como promover a inserção dos conteúdos de direitos humanos nos currículos de outras graduações da UNESC. Para tanto, e imaginando que qualquer sugestão de “intervenção” poderia ser mal vista por outros cursos, realizaram uma pesquisa de opinião entre os alunos do campus, que buscava colher suas impressões sobre o tema de Direitos Humanos. Os resultados já foram tabulados, mas sua análise não foi concluída. O objetivo último do grupo foi, ao comprovar o profundo desconhecimento sobre os DH por parte dos alunos, envoltos em opiniões de senso comum, construir uma justificativa consistente a ser levada aos demais departamentos. Não haveria como, nesse curto espaço, descrever a consistente produção acadêmica de seus pesquisadores/as, ou os vários eventos por eles realizados ao longo de 10 anos com o propósito de sensibilizar e formar docentes, discentes e a comunidade local sobre os DH. Importa destacar, portanto, os vários sentidos em que o núcleo promove a Educação em Direitos Humanos, mesmo que não elabore, pelo momento, uma reflexão teórica específica no campo da Educação em Direitos Humanos: além de voltar a produção e disseminação de conhecimento em DH para a docência no curso de direito e em outros, o núcleo busca atuar lado a lado a organizações da sociedade civil, realizando intercâmbio entre universidade e comunidade. Por que foi premiado? Os diferentes papéis pedagógicos da universidade no campo dos Direitos Humanos O mérito da atuação do NUPEC reside tanto nos resultados consistentes para a incorporação dos DH no currículo de direito como também na preocupação com a reflexão pedagógica em Direitos Humanos. Isso fica claro à p. 5 do relato, em que são descritas as frentes de atuação do Núcleo: “O Núcleo trabalha em três frentes principais, cada qual com metodologia própria. Na frente estritamente acadêmica, desenvolve projetos avançados, de iniciação científica e de conclusão de curso nas suas linhas de pesquisa. Os projetos são discutidos entre os membros do grupo, desenvolvidos e posteriormente submetidos para publicação em periódicos ou livros. Na frente pedagógica, o Núcleo procura traçar estratégias para disseminar o conhecimento e o interesse pelos Direitos Humanos e a atuação cidadã. Atua com vistas a tornar transversal no currículo universitário e também no Colégio de Aplicação o conhecimento em Direitos Humanos e Cidadania, seja produzindo eventos, seja realizando atividades de conscientização e de discussão. Na frente social, procura estabelecer laços com a sociedade civil e o Poder Público, sempre almejando discutir, implementar, aprimorar políticas e embates pelos Direitos Humanos.” No âmbito de sua atuação voltada à sociedade, além de utilizar diversas estratégias para a divulgação dos DH junto a públicos diversos, é digna de nota a afirmação de um papel de “tradutor dos discursos acadêmico e dos movimentos sociais” e, mais que isso, da tarefa de tentar “promover diálogo em pontos em que há um estranhamento recíproco nos movimentos sociais de Direitos Humanos, na busca pelo reconhecimento das demandas do outro, muitas vezes um estranho e até um antagonista em uma seara na qual a conquista é mútua.” Tivemos a chance de explorar um pouco mais essas idéias em nossa conversa com o grupo de pesquisadores/as. Segundo o depoimento da professora Letícia de Campos Velho Martel – vice-líder do núcleo –, essa preocupação em promover o diálogo entre os movimentos sociais surgiu da constatação desse estranhamento entre os grupos, quando de sua participação em uma das Conferências Nacionais de Direitos Humanos. O fracionamento do campo da luta pela defesa e garantia dos Direitos Humanos, em disputas entre grupos e causas, é uma questão relevante para a política pública atual. Promover o diálogo entre universidade e movimentos sociais, e no seio desses últimos, a partir da produção de conhecimentos em Direitos Humanos, é uma das facetas que compõem a tarefa pedagógica de professores/as-pesquisadores/as no ensino superior. O embate entre diferentes afirmações identitárias, e a disputa entre diferentes “causas” por espaço nos currículos escolares também é uma preocupação entre gestores/as da política educacional, hoje em dia. Esse é um dos motivos pelos quais a Educação em Direitos Humanos, ao propor uma possibilidade de reconhecimento mútuo e equilíbrio entre diferentes demandas, tem tanto a contribuir para a reflexão sobre os currículos de todos os níveis de ensino. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 25 25 13.02.09 14:26:28 Professoras da rede pública participam da oficina do curso CATEGORIA 4 | 1º lugar Contribuições da educação continuada na formação do professor-pesquisador para a vanguarda da pesquisa Instituição: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro Município/Estado: Campos dos Goytacazes - RJ Resumo A formação de professores/as em Direitos Humanos A idéia de um curso de aperfeiçoamento no tema dos Direitos Humanos, para professores e professoras do Ensino Médio da rede pública estadual da região, partiu da pró-reitoria de extensão universitária da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Segundo a professora-doutora Lílian Maria Garcia Bahia, pró-reitora de extensão à época, e uma das pessoas com quem conversamos durante a visita à UENF no dia 19 de novembro, o projeto surgiu de duas constatações. A partir de um levantamento nacional, notou-se que as universidades do Estado do Rio de Janeiro desenvolviam poucos projetos de extensão no campo dos Direitos Humanos. Além disso, as regiões norte e noroeste do estado, por sua história e realidade socioeconômica, eram particularmente carentes de projetos que visassem o fortalecimento da democracia e dos DH por meio da educação. A partir daí, e diante do fato de não contarem no seu corpo docente com especialistas no campo da Educação em Direitos Humanos, a UENF (www.uenf.br) procurou a parceria da Novamérica (www.novamerica.org. br), organização da sociedade civil voltada à promoção da democracia, da solidariedade, e do reconhecimento e da valorização das diferentes culturas por meio de processos educativos e culturais. O projeto também contou com o apoio financeiro do Ministério da Educação e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro. 26 O objetivo último da iniciativa foi viabilizar a construção de uma cultura de Direitos Humanos nas escolas e a inclusão da mesma na formação cidadã do/a aluno/a, preparando professores/as para promoverem inovações pedagógicas, reformulando e/ ou implantando projetos político-pedagógicos calcados na temática. Profissionais da Novamérica elaboraram o projeto pedagógico do curso, e juntamente com alunasbolsistas da UENF realizaram as oficinas de formação com os educadores/as da rede pública, nos espaços cedidos pelas coordenadorias de ensino das regiões participantes. Estas se responsabilizaram também pela infraestrutura de transporte e alimentação. Participaram as coordenadorias regionais do Norte Fluminense I – de Campos dos Goytacazes; II – de Macaé; III – de São Fidélis; e do Noroeste Fluminense I – de Bom Jesus do Itabapoana; II – de Itaperuna e III – de Miracema. Foram formados, de abril de 2007 a julho de 2008, 420 educadores/as desses municípios, em 3 módulos que contaram com palestras (16 horas) e dois ciclos de oficinas pedagógicas (com 40 horas cada). Além disso, foi elaborado um kit de Direitos Humanos – cartilha e DVD contendo os resultados das palestras – distribuído a 141 escolas do ensino médio, para debates e estudos. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 26 13.02.09 14:26:31 Por que foi premiado? Um excelente exemplo de metodologia de EDH para formação de educadores. Uma parceria institucional bem sucedida. Este curso de formação de educadores em DH foi o primeiro colocado na categoria 4 principalmente por três motivos. O primeiro tem a ver com sua relevância social: no campo das atividades de extensão, formar educadores/as em exercício é uma das atuações mais relevantes das instituições de ensino superior, para que a Educação em Direitos Humanos se concretize na educação básica brasileira: para ensinar na sala de aula, é preciso aprender! O segundo motivo de mérito da iniciativa é sua qualidade teórico-metodológica e, portanto, sua relevância no campo da EDH. Em terceiro lugar, esse projeto também se destaca por apresentar um modelo de parceria institucional eficaz, e que deve ser recomendado sempre que possível, reunindo a universidade, as organizações da sociedade civil ou dos movimentos sociais, e as instituições gestoras da educação básica (neste caso, do estado, mas poderia ser do município ou mesmo federais). Quais elementos caracterizam a qualidade teóricometodológica deste curso? Entre vários aspectos, destacaríamos os seguintes: Entre as experiências de formação de educadores/as inscritas, esta foi a que melhor descreveu os conteúdos dos cursos, e sua vinculação com os temas e metodologias específicos de EDH. Por exemplo, entre os temas das oficinas pedagógicas constavam: “Sociedade, Direitos Humanos e Cotidiano Escolar”; “A construção histórica dos Direitos Humanos: desafios para a educação”; “Violência? Violências? Caras e dimensões da violência social e seu impacto nos processos educacionais”; “Diferenças Culturais e Educação”; ”Diga não à discriminação!”. Tão ou mais importante que os conteúdos é o caráter participativo da metodologia, em que as oficinas eram construídas a várias mãos pelas “oficineiras” e os professores e professoras cursistas. Os temas do segundo ciclo de oficinas, por exemplo, foram decididos a partir da demanda dos cursistas. Uma última característica fundamental, que pode ser observada dos temas das oficinas acima, é a ênfase na reflexão sobre o trabalho do/a educador/ra. Grande parte da carga horária foi destinada à construção de Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) para as escolas que incorporassem os DH, e que pensassem em estratégias para sua inserção transversal em várias disciplinas. Portanto, esta iniciativa demonstra expertise no campo da pedagogia e da vivência escolar, oferecendo subsídios concretos para a EDH nas escolas. E os resultados? O projeto é relativamente recente, e infelizmente não contou com estratégias de monitoramento e avaliação, como foi a regra entre os projetos recebidos. Quanto às chances de continuidade, não há, nesse momento, previsão de replicação ou continuidade do projeto nos mesmos moldes em que foi implementado. Como já dissemos, as universidades em geral não priorizam o financiamento de projetos dessa natureza por um longo prazo. Por outro lado, a realização do projeto abriu as portas da universidade para a rede de ensino na região, e por iniciativa das gestoras da rede outros projetos de capacitação de professores estão em gestação, com a colaboração de professores de outros setores da UENF. Os resultados concretos do projeto dependerão, ao final, da atuação cotidiana dos educadores e educadoras que fizeram o curso, a partir de agora. A proposta do curso foi formá-los como multiplicadores. Espera-se que as 173 e 140 pessoas que participaram respectivamente do primeiro e segundo ciclo de oficinas transmitam esse aprendizado a mais ou menos 1.000 docentes e 30.000 dicentes de 67 escolas. Assim, a continuidade do processo se dará pela elaboração, por esses educadores, de PPPs e propostas de ensino/aprendizagem dos DH nas salas de aula. Mas de uma coisa podemos estar certos: um dos principais resultados esperados de processos como esse foi alcançado, e o depoimento de Ana Lúcia Tavares é prova disso. Ela é Coordenadora de Educação Básica da Gerência de Ensino da Coordenadoria Regional Norte Fluminense I, em Campos de Goytacazes. Perguntamos a ela o que tem sido feito para avaliar os resultados do curso. “Por um lado, nós exigimos que os novos projetos político-pedagógicos das escolas, que estavam sendo elaborados, tivessem um componente de Direitos Humanos, porque essa foi, desde o início, a proposta do curso. Por outro lado, nós temos vários outros projetos que pudemos articular aos Direitos Humanos. Nós temos hoje em todas as escolas brasileiras a obrigatoriedade do ensino da história da África, a partir da Lei 10.639, e nós temos duas escolas que estão trabalhando com projetos quilombolas (...). Então, um grupo de alunos que mora em regiões que antes eram quilombos falam de sua cultura para a escola, falam da questão da terra. Quando isso aconteceu, eu disse: ‘gente, isso está dentro da nossa linha de Direitos Humanos’. Temos outras escolas, mais no interior, em que as mães cortam cana, que trabalharam com a questão de gênero. Eu falei: ‘isso tudo está dentro de Direitos Humanos’, entendeu? Então nós temos essa vertente de projetos paralelos que estão na linha dos Direitos Humanos. E o que eu acho interessante hoje é que elas compreendam que elas estão trabalhando com Direitos Humanos, eu acho que isso é o fundamental, porque antes elas faziam algumas coisas sem registro, sem nada...” Em seu depoimento, Ana Lúcia mostra sua convicção sobre a importância da EDH nas escolas e, o que mais nos deixou feliz, faz a conexão entre as questões étnico-racial, quilombola e de gênero, como fazendo parte do conjunto de assuntos que constituem a EDH. VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 27 27 13.02.09 14:26:31 A biblioteca comunitária é um dos resultados da mobilização social do projeto CATEGORIA 4 | 2º lugar Rede de comunicação e cultura em prol da efetivação dos Direitos Humanos em uma comunidade do Recife Instituição: Universidade Federal de Pernambuco - Departamento de Comunicação Social Município/Estado: Recife - PE Resumo Jovens do Coque, educadores/as e universitários/as: aprendendo e ensinando comunicação e Direitos Humanos “O Projeto Coque Vive designa um conjunto de ações realizadas, desde 2006, pela Universidade Federal de Pernambuco numa comunidade estigmatizada no Recife como uma das mais violentas da capital. Atua junto aos jovens do bairro oferecendo cursos de formação crítica e técnica para o manuseio técnicoexpressivo das mídias. Busca-se, assim, estimular o surgimento de estratégias de comunicação alternativas capazes de ofertar novos conteúdos sobre o Coque produzidos, agora, pelos seus próprios jovens. O Projeto Coque Vive vem atuando ainda como articulador de uma rede de promoção social composta com outros agentes e instituições da comunidade. (...) Nessa perspectiva, os direitos humanos dos moradores da comunidade, ofuscados sócio-historicamente por uma abordagem preconceituosa da mídia, podem ressurgir a partir da própria voz e imagem de seus moradores.” Esta é parte do resumo do projeto de extensão, feito por seus próprios autores (visitem www.coquevive.org. br). Como se vê, o projeto tem vários objetivos: pautar positivamente o bairro nos meios de comunicação; construir uma rede de promoção social a partir dos atores e instituições socioculturais que já atuam no bairro; discutir as representações da mídia sobre o bairro e incentivar a construção das representações dos próprios moradores; incentivar ações de ensino, pesquisa e extensão a partir da atuação de estudantes universitários, bem como incentivar que jovens do bairro tam28 bém ingressem na Universidade. Além dos recursos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele contou também com os financiamentos do Proext MEC/ Sesu (2006-2007) e do Proext Cultura (Minc/2007). Para alcançar esses objetivos, as estratégias foram variadas, construídas desde o segundo semestre de 2006, a partir do encontro de interesses desses três parceiros: docentes e discentes de educação, sociologia, artes plásticas, letras, radialismo e jornalismo da UFPE, os jovens do Movimento Arrebentando Barreiras Invisíveis (MABI), e a associação Núcleo Educacional Irmãos Menores Francisco de Assis – (Neimfa). O MABI existe há cinco anos, formado por jovens que atuam no movimento sociocultural do bairro, principalmente os que se motivam a partir da música (rock´n roll), literatura e arte. São ex-alunos, em sua grande maioria, da associação Neimfa, formada por pedagogos/as, psicólogos/as, médicos/as, enfermeiros/as, e que desde 1986 realiza um trabalho de formação político-ética no bairro, com ênfase nas práticas espirituais de diferentes tradições. Tudo pode acontecer graças à acolhida do Neimfa, que tem sede própria, uma ampla casa no bairro que abriga todas as atividades. A principal dessas estratégias foi o curso de Agentes de Comunicação Solidária, que entre 2007-2008 formou 15 jovens em oficinas de temas variados em torno da compreensão crítica das mídias, técnicas (fanzine, vídeo, fotografia, web), competência em textos, memória etc. Mas, longe de ter um conteúdo VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 28 13.02.09 15:16:20 meramente técnico, a reflexão girava em torno de filosofia, autoconhecimento, direitos humanos, entre outros temas. Apenas para se ter uma idéia, vejam a ementa de uma dessas oficinas: “Imagem-Sonho, Vídeo e Fotografia – explora o audiovisual como um meio de reconhecimento das subjetividades dos jovens e como técnica de exploração para conhecimento de si e da sua comunidade-espaço, envolvendo desde a leitura e interpretação de textos à sua produção”. Nesses anos, as atividades e o número de pessoas envolvidas foram se ampliando, e, atualmente, está em torno de 15 universitários e 25 jovens da comunidade. Pode parecer pouco, mas é preciso lembrar a dificuldade de mobilização social em contextos de violência, criminalidade e pobreza. Uma realização importante foi a construção, em 2006, da Biblioteca Popular do Coque, pela associação de esforços da Igreja local (São Francisco de Assis do Coque), do Neimfa, do MABI e da Universidade. A biblioteca é vista como espaço de convivência comunitária fundamental e mobilizador de lideranças juvenis. Também foi criada, em 2008, a Estação Digital de Difusão de Conteúdos – infraestrutura para a criação de blogs e outros espaços de produção dos jovens sobre o bairro. Outra atividade importante foram os circuitos culturais. Foram cinco eventos de debate, troca de idéias e oficinas, com foco nos DH e cultura de paz. Um deles reuniu 400 crianças e jovens em uma escola do bairro: a escola estadual Monsenhor Leonardo Barreto (a relação com as escolas do bairro, muito sucateadas, ocorre de maneira pontual, quando diretores ou professores se mostram interessados). Por fim, mas não menos importante, como efeito da cobertura pela mídia das realizações dos movimentos, houve a transformação da imagem do bairro na mídia. Por que foi premiado? A EDH se faz na interdisciplinaridade e também na articulação entre educação formal e não-formal Como ocorre com outros projetos premiados, os motivos pelos quais o Projeto Coque Vive pode ser tomado como exemplo de EDH são vários – foi difícil eleger alguns para fazer o título desta seção. Talvez um dos principais seja a própria criatividade de seu formato, fortemente pautado pela interdiscipliaridade. Do ponto de vista conceitual e metodológico, e pensando no componente de formação contido no projeto, ele alia os conhecimentos da comunicação àqueles da sociologia, filosofia e educação popular, ao propor o resgate da autoestima e a constituição de sujeitos de direito por meio do uso da fotografia, vídeo, cinema, e outras técnicas. A crítica ao papel da mídia na estigmatização do bairro apela para a reconstituição do direito da comunidade à sua própria imagem. A vinculação com os conteúdos específicos de DH é menor, menos teórica e mais pragmática: trata-se de empoderar esses/as jovens. Pudemos perceber mais claramente, a partir da visita feita ao Neimfa e da conversa com alguns jovens, que desde crianças participam dos cursos de formação política que ele promove (o mais atual é chamado “Formação de Agentes de Desenvolvimento Comunitário”), que a parceria do projeto com educadores/as populares atuantes do Neimfa foi fundamental para dar o “recheio” conceitual aos cursos, para fazer deles uma formação em valores, pautada mais por uma formação espiritual e filosófica e pela idéia de cultura de paz do que pelos princípios de Direitos Humanos. Os jovens do Coque com quem conversamos, durante a visita ao Neimfa, nos mostram como é difícil falar de Direitos Humanos para pessoas que são constantemente desrespeitadas, a ponto de não se reconhecerem nesse discurso e, portanto, não verem nele qualquer sentido como instrumento. A pergunta era “o que é Direitos Humanos pra vocês?” “ Direitos Humanos? Pra quem esses Direitos Humanos? Porque a gente vê uma série de direitos aí e que... só teoricamente eles existem, só teoricamente. Porque se realmente existissem de maneira mais efetiva os Direitos Humanos, a rua Ibiporã estaria calçada, o córrego não estaria cheio de lixo, as pessoas iriam ao posto de saúde e seriam atendidas com maior qualidade (...) A galera fala em Direitos Humanos e, quando vê, nenhuma delas morava na favela, elas não sentem de verdade como é sentir na pele os problemas...(....) é Direitos Humanos pra uma determinada classe social” – Sérgio Silva de Souza, 26 anos, membro do MABI. Outra qualidade do projeto, ainda ligada à sua inventividade, é o fato de evidenciar como a universidade pode atuar na implementação do PNEDH, articulando vários dos campos de ação tidos como prioritários por ele: educação e mídia, educação não-formal e educação formal. A crítica e ao mesmo tempo o uso da mídia para promover a EDH é um dos eixos relevantes do PNEDH que tem sido pouco explorado pelas atividades de extensão, ou mesmo por projetos educacionais em geral. Para terminar, o projeto é dotado de um caráter que faz dele uma experiência exemplar. Estamos falando da necessária postura de respeito da universidade para com o seu “outro”, o “objeto da pesquisa ou intervenção”: eles já estavam lá antes e sabem o que querem, não são “vítimas”. Pedimos licença novamente para citar o trabalho: “a sustentabilidade do projeto de extensão Coque Vive é a autonomia dos agentes que estão envolvidos nesta rede. (...) Enquanto conseguir manter essa atenção sensível, o projeto de extensão ainda fará sentido, uma vez que essa atenção é a instância que articula o diálogo e reconhece no outro a incrível habilidade de ser humano”. (p. 11-12). Conheçam o PNEDH (http://www.mj.gov.br/sedh/edh/ pnedhpor.pdf) e vejam como o Projeto Coque Vive, e também sua divulgação por este Prêmio, cumprem as ações 16 e 19 no campo Educação e Mídia VENCEDORES P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 29 29 13.02.09 14:26:34 PERSPECTIVAS Direitos Humanos também se aprendem na escola “A Educação em Direitos Humanos é várias coisas ao mesmo tempo” – foi o que disse Álvaro Marchesi, Secretário-Geral da OEI, na cerimônia em que foram premiadas as instituições vencedoras desta primeira edição (2008) do Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, no dia 3 de dezembro passado, em Brasília. E assim ele capturou o espírito do Prêmio, construído a várias mãos pela Organização dos Estados Iberoamericanos, o Ministério da Educação e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, com o apoio fundamental do CONSED e da UNDIME, e com o patrocínio da Fundação SM. O que nos move, e a todas as pessoas que participaram dele, é uma coisa só: contribuir para a formação de cidadãos e cidadãs competentes, mas também críticos, participativos e solidários. Em outras palavras, pessoas que respeitem e promovam os Direitos Humanos. O Prêmio foi concebido, em primeiro lugar, acreditando que Direitos Humanos também se aprendem na escola: “Uma escola não é uma soma de disciplinas, é um ambiente em que se formam cidadãos. Estamos lutando para que a escola brasileira não seja um lugar de exclusão, e acreditamos que esse Prêmio nos ajudará a cumprir essa tarefa tão difícil, mas ao mesmo tempo tão elevada e tão motivadora.” – palavras de André Lázaro, Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, na mesma cerimônia de premiação. Mas para chegar à escola, é preciso que a EDH esteja presente nas políticas públicas de educação em todas as esferas – federal, estadual e municipal, nos currículos 30 de graduação de nível superior, nos estudos e pesquisas científicos, e assim por diante. Se pensarmos grande, como é sempre necessário quando se fala de políticas públicas, “escola” aqui está no lugar de todas as instituições de ensino formal, do ensino infantil à pós-graduação – lembrando que o Prêmio visa fomentar ações de EDH no campo da educação formal. Como, acreditamos, os trabalhos premiados nas quatro categorias mostraram, todos os campos de ação se articulam. Para dar apenas um exemplo, a formação continuada de educadores e educadoras depende da vontade política e da mobilização de instituições de ensino superior, movimentos sociais, ONGs (tanto na elaboração conceitual como na própria execução da ação), secretarias de educação e escolas (sem falar do apoio financeiro e técnico de fundações de apoio à pesquisa, ministérios, entre outros). É por isso que precisamos promover a sinergia entre as iniciativas desses diferentes setores. Nas palavras de Igor Mauro, Diretor da SM no Brasil: “processos em que as diferenças sejam valorizadas e as desigualdades enfrentadas só são factíveis pelo desenvolvimento de políticas públicas, continuados em projetos políticos-pedagógicos nas escolas, até passarem a fazer parte do dia-a-dia das salas de aula”. Promover a mudança cultural, a transformação de mentalidades e comportamentos, não é trabalho de um dia. E não há uma tarefa mais importante que a outra para a EDH, como ficou evidente no rol mencionado por Paulo Vanucchi, Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, na mesma cerimônia. É preciso formar alunos de direito em DH (pasmem: o conteúdo PEERSPECTIVAS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 30 13.02.09 17:12:11 Cerimônia de premiação , 3 de dezembro de 2008, Brasília Acesse o artigo do filósofo colombiano Guillermo Hoyos, Educación para una cultura de los derechos humanosen Latinoamérica, proferido durante a cerimônia, no site: www.educacaoemdireitoshumanos.org.br (no canal vencedores cerimônia 2008) não é obrigatório no currículo das graduações); é preciso ensinar acessibilidade a engenheiros e arquitetos, e a lista continua. Por exemplo, diz ele, imaginem se na escola infantil, quando crianças de quatro, cinco anos brigassem, educadores formados para isso fizessem sempre uma intervenção pedagógica, ensinando que em nenhum caso de divergência se deve recorrer à força? Entre os ensinamentos que ficaram dessa primeira edição do Prêmio, gostaríamos de registrar quatro impressões gerais que podem orientar nossos passos futuros: 1. Os trabalhos premiados, e outros bons trabalhos selecionados, mostram como a formação em Direitos Humanos promove mudança cultural em indivíduos e instituições, constituindo sujeitos ativos que intervém socialmente em prol dos Direitos Humanos – isso é o mais importante! 2. Em segundo lugar, em todas as categorias foram poucos os trabalhos que se aprofundaram nos princípios, conteúdos e metodologias específicos da EDH. Aliado a isso, os projetos de escolas falam mais dos conceitos de cidadania, direitos e deveres do cidadão do que dos princípios dos Direitos Humanos, influenciados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica (1997). É hora de atualizar e expandir os temas e conceitos, conhecer e incorporar ao currículo os princípios e metodologias dos DH (estudando documentos internacionais de Direitos Humanos, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, e outros textos fundamentais) 3. Em terceiro lugar, em todas as categorias os bons trabalhos geralmente têm como característica fundamental o estabelecimento de parcerias institucionais, seja com ONGs, entidades da sociedade civil, ou mesmo parcerias intersetoriais entre o setor público, a academia e o movimento social. Vamos, cada um de nós, olhar mais para os lados, ver o que está sendo feito na escola vizinha, que entidade pode nos ajudar a falar desse ou daquele assunto para as crianças. 4. Por fim, tanto no interior de cada categoria como entre elas há trabalhos complementares, que podem ganhar muito com a troca de experiências: somando o que vários deles têm de bom, podem ser construídas experiências muito consistentes em EDH. Portanto, o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos tem um papel fundamental a cumprir, na disseminação dos princípios dos direitos humanos no Brasil, na divulgação da EDH e na promoção da articulação institucional visando ao aprimoramento das experiências em curso. Propiciar a troca de experiências entre as iniciativas premiadas, socializar tudo que aprendemos e aprenderemos, nos diversos espaços da educação pública nacional, é um dos compromissos assumidos pelos organizadores do prêmio. Sabemos que outros países iberoamericanos, também comprometidos com a EDH, se interessaram pela idéia, que com a atuação da OEI pode se ampliar para se tornar um Prêmio Iberoamericano de Educação em Direitos Humanos. PERSPECTIVAS P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 31 31 13.02.09 17:12:12 Guia do site www.educacaoemdireitoshumanos.org.br O Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos concebeu o site como um espaço para divulgação do trabalho de Educação em Direitos Humanos que as instituições educacionais vêm fazendo no Brasil, mas não só. O site quer ser uma fonte de inspiração e um foro de discussão para os profissionais de Educação envolvidos na promoção dos direitos humanos em qualquer instância: ministérios, secretarias, universidades, escolas, organizações internacionais e outras entidades da sociedade civil organizada. O site pretende ser uma ferramenta viva de geração de conhecimento e de troca de informações e experiências. Saiba como utilizá-lo em apenas alguns cliques! Conheça as últimas notícias do Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos Acesse os trabalhos de Educação em Direitos Humanos que ganharam em cada categoria Fique sabendo por quê e como o Prêmio foi concebido P4_MIOLO_REVISTA_PNEDH.indd 32 13.02.09 17:12:14