ESCREVENDO A CIDADE: TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DE GANDU –
1930-1958
Adriana Oliveira da SILVA
[email protected]
Universidade Estadual de Santa Cruz
De Corujão à Gandu: a ocupação
Dos tempos coloniais até a primeira metade do século XX, houve uma
predominância pela ocupação das áreas rurais do território, as poucas vilas que existiam
não despertavam o interesse da maioria dos habitantes da Colônia, afinal a riqueza
estava no campo. Com exceção dos antigos lugarejos, existentes desde o começo do
processo de povoamento, a região cacaueira foi marcada pelo aparecimento de
aglomerados urbanos dependentes do campo, ou deles nascidos. Muitos desses lugares
emanaram da latência da produção cacaueira. Milton Santos (1955) destaca que a
lavoura de cacau não foi formadora de grandes núcleos urbanos, mas ao contrário, o
povoamento dentro dessa área teria sido predominantemente rural. Em muitos casos, a
fazenda produtora servia também como ponto de comércio, tanto devido ao fato de
serem os grandes produtores, compradores de amêndoas provenientes das buraras,
quanto por emprestarem parte de suas terras para o comércio de especiarias vindas de
outras regiões, Maria Sylvia de Carvalho Franco (1964) menciona:
Tais estabelecimentos combinam, de maneira imediata e em escala
modesta, a exploração da terra e a colocação de seus produtos: a
pequena fazenda fornece a mercadoria; o rancho, mais a venda,
atraem provável comprador e possibilitam as transações. São assim,
fazenda, rancho e venda, elementos cuja importância é equivalente no
circuito completo da atividade da mesma pessoa, que enfeixa a posse
de todos os três.
O município de Gandu faz parte da zona de produção do cacau e não por acaso
foi em nome da exploração do solo para o cultivo desse produto que Gandu surgiu.
Depois de desbravadas as matas, o primeiro núcleo de povoamento nasceu na primeira
década do século XX com a chegada da família Costa proveniente da antiga cidade de
Areia, atual Ubaíra, os irmãos José Amado e Gregório Monteiro da Costa configuravam
aqueles sujeitos vindos de lugares distantes para ‘arriscar a sorte’, ocupando lugares,
explorando terras. Os dois adquiriram a gleba da terra por via de compra negociada com
o governo do Estado da Bahia e de imediato começaram a cultivar o produto de que
tiveram notícias em sua terra natal que não possuía tradição alguma no cultivo do cacau,
Milton Santos (1955) afirma que “as regiões mais altas do sudoeste são pouco próprias
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à produção do cacau, em Santa Inês e ‘Areia’ o cacaueiro produz poucas e pequenas
frutas, com amêndoas imperfeitamente desenvolvidas e chatas”.
Nessa época a microrregião sul do estado se encontrava no que Adonias Filho
(1976) classifica como ‘terceiro ciclo da produção cacaueira’, período de ápice da
comercialização do produto, especialmente para o mercado europeu, foi dessa época os
maiores índices de lucratividade com a exportação de amêndoas do cacau, Adonias
Filho (1976) acrescenta:
[...] quando o cacau já é a base econômica do sul e mesmo de todo
estado da Bahia, [...] quando as colheitas situam o Brasil entre os
maiores produtores do mundo. É a fase também lendária, dos
coronéis que, remanescentes ou descendentes dos desbravadores,
consolidam economicamente a lavoura. E transformam povoados em
vilas [...].
Com a construção da sede da fazenda, então denominada Corujão, por ser a área
em volta das casas frequentemente visitada por uma coruja grande, a fazenda ganha o
nome da ave. Desse período de instalação da família Costa não há muitos relatos, nem
documentos, no entanto, é sabido que a fazenda Corujão aliada à fazenda Paó do
Gregório Monteiro ampliou suas lavouras de cacau, empregando um número crescente
de trabalhadores, muitos deles trazidos pela própria família, outros tantos egressos da
sede, o município de Santarém, conforme cita Orlando Pitágoras de Freitas (1981). Era
comum em toda a região que os trabalhadores residissem na própria fazenda, no meio
do cacaual, para evitar perda de tempo com viagens cotidianas, dessa forma pequenas e
grandes fazendas priorizavam a permanência do trabalhador próximo à lavoura, a fim de
mantê-las sob seus cuidados, Milton Santos (1955) ainda informa:
“Nas fazendas, o proprietário quase sempre presente, ao lado de barcaças,
estufas, igreja, constrói a sua casa e a dos trabalhadores. Cada fazenda
constitui um diminuto núcleo de povoamento, com seu pequeno grupo de
casas e de pessoas. Aqui e ali alguns povoados, na verdade, surgem, à beira
dos caminhos ou nos seus cruzamentos, para atender a aquisição das
utilidades mais necessárias; e, mesmo, com origem na sede de antigas
fazendas que pela sua posição regional se prestam a esse papel de
condensadores de populações, algumas vilas maiores têm surgido”.
A fazenda Corujão não foge a essa regra, uma parte da fazenda próxima ao Rio
Gandu servia de ponto de parada de tropeiros que traziam mercadorias para suprir as
necessidades dos trabalhadores e fazendeiros que viviam na localidade, visto que havia
a predominância da monocultura do cacau em detrimento de outros cultivos de
subsistência. Muitos produtos, incluindo gêneros alimentícios como banana, abóbora,
milho, aves, ovos, eram adquiridos durante a passagem dos tropeiros pela fazenda.
Poucos foram os produtos cultivados, até essa época, na localidade, somente décadas
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mais tarde, outras lavouras foram incluídas no panteão agrícola local, conforme relatos
de moradores antigos.
Outros conglomerados existiram nas diversas fazendas espalhadas pelas terras
do município de Santarém, a exemplo das Fazendas Balcão, Gavião, Paiol, e Bom
Jardim, porém foi na sede da fazenda Corujão que nascera o núcleo formador da antiga
vila de Gandu, (FREITAS, 1981). Por volta de 1919, esta fazenda já era considerada
arraial e abrigava um número um pouco maior de habitações que variavam entre
palhoças, casas acanhadas e precárias, até construções maiores, mais sólidas e mais
confortáveis como as casas dos proprietários de fazendas e seus familiares. O pequeno
aumento demográfico, aliado ao crescente comércio de mercadorias vindas da sede,
gerou um crescimento da unidade produtora, essa realidade era funcional à acumulação
de recursos pelos proprietários da fazenda, pois mantinha o trabalhador preso na roça,
dependente de seus favores, entre os quais, empréstimos e adiantamentos de salário,
quantias muitas vezes destinadas ao pagamento das dívidas nos armazéns e vendas da
própria fazenda.
No começo da década de 1920, o efêmero núcleo formado na fazenda Corujão
deu origem ao distrito de Gandu, essa denominação foi em decorrência da suposta
existência de jacarés chamados “gandus”, que segundo os moradores mais antigos
habitavam as águas dos rios e lagoas das fazendas, (COUTINHO, 2001).
As relações entre o novo distrito de Gandu e a sede tornaram-se cada vez mais
intensas, notadamente as trocas comerciais, as relações de ordem econômica, já que as
tropas que saiam de Jequié e Ipiaú com café e cacau em direção a Santarém passavam
invariavelmente pelas terras pertencentes ao Distrito, também o cacau produzido nas
fazendas de Gandu era destinado aos portos de Santarém e de lá era levado para
Salvador por via marítima. O Distrito produzia, mas quem comercializava com a capital
e com o mercado externo era a sede, Santarém, conforme menciona o Srº. Roberto
Baiardi, morador antigo da cidade de Ituberá. Em sua obra Zona do Cacau, Milton
Santos (1955) destaca que em terrenos sedimentares, próximos ao litoral, como Ituberá,
o cacau não medra nesses locais onde há um domínio do coqueiro e da piaçava. Pois foi
a estes produtos, além dos mariscos, que a antiga Santarém dedicara-se durante todo
esse tempo, chegando a importar muitas manufaturas de Salvador para a sede e para o
distrito.
Distrito de Gandu: povoamento e crescimento econômico
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O fluxo migratório de Santarém e de outras localidades para Gandu se estendeu
pelas décadas seguintes e tornou-se uma constante durante as décadas de 1930 e 1940, é
desse período o maior índice de ingresso de pessoas de outras regiões para Gandu,
conforme atestam os depoentes entrevistados, Jonas Almeida e Hildebrando Vivas, o
primeiro proveniente de Santo Antônio de Jesus e o segundo natural de Canavieiras.
Ambos chegaram nas décadas de 1930 de 1940 respectivamente e assistiram outras
chegadas. Pessoas dos lugares mais variados se instalaram em Gandu nesse período por
conta das notícias de rápido crescimento em vista da larga produção de cacau. Alguns
estiveram por pouco tempo, apenas de passagem, outros ficaram e fincaram raízes no
Distrito, chegando a adquirir imóveis, constituir propriedades, comércio e família,
alcançando muitas vezes à esfera política, como foi o caso da família do Srº. Jonas
Almeida, seus irmãos mais velhos Antônio e Edésio Almeida, que ingressaram a
princípio na atividade comercial, adquiriram terras, tornaram-se donos de uma das
maiores compradoras e revendedoras de cacau do País à época, a empresa Calheira
Almeida S/A. Filiaram-se ao Partido Social Democrático (PSD) e tiveram intensa
participação político-partidária na localidade, indicando nomes e financiando
campanhas eleitorais de membros do seu grupo de influência.
Uma parcela dos migrantes, que chegaram, foi reforçar o quadro de
trabalhadores das roças de cacau, trabalhou mais durante a época de colheita, muitos
eram apenas contratados nesse período para serviços ligados à colheita, secagem,
armazenagem e transporte, nos períodos de entressafras, porém, eram obrigados e a se
deslocar para outras regiões ou dedicarem-se a algum outro tipo de serviço que lhes
garantissem a sobrevivência. Chegavam sonhando em serem proprietários, mas
acabavam apenas como força de trabalho, e mesmo quando adquiriam um pequeno lote
de terra, estavam sujeitos à dura concorrência do grande produtor, que possuía barcaças
e estufas apropriadas à secagem e à armazenagem das amêndoas, dessa forma o
pequeno produtor da unidade de produção familiar era obrigado a aceitar os contratos de
comercialização de suas escassas ‘sacas’, porque não possuíam nem a quantidade
significativa, nem as condições necessárias de armazenagem do cacau. A unidade de
produção familiar estava submissa tanto aos grandes fazendeiros, quantos aos
comerciantes de cacau, Amílcar Baiardi (1984) salienta:
O grau de submissão do burareiro ao comerciante, decorrência dessa
dependência integral e do vínculo quase que estável, amplia-se e se
desdobra entrando no terreno dos favores mútuos e da amizade
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instrumental que são o passo para o clientelismo político, que se
expressa em fiéis eleitores a serviço do comerciante.
O fato de o distrito de Gandu estar na área de intercâmbio das transações
comerciais entre os municípios de Jequié, Ipiaú e Santarém, acabou facilitando o
desenvolvimento de suas atividades de ordem mercantil, além de favorecer largamente a
interação entre seus habitantes e indivíduos vindos dos mais diversos lugares, cheios de
novidades e inovações. De fato, Gandu se configurou como parte de uma rota
estratégica que acabou incentivando sua ocupação e posterior aumento demográfico. Os
depoentes falam de um quadro de dinâmica interna das atividades econômicas durante
década de 1930, afirmam que o Distrito assistia a um crescimento da produção
cacaueira e um aumento das atividades comerciais dentro da própria localidade, indo na
contramão do que alguns pesquisadores chamam de período de crise do cacau. Porém,
esse período foi assolado por uma crise mundial que afetou largamente as economias de
muitos países, inclusive o Brasil. Houve recessão, e a exportação de cacau se viu
abalada com a ausência de compradores, especialmente do mercado europeu. A crise
afetou a região cacaueira, obstruindo os projetos de modernização de algumas cidades,
como a ‘promissora’ Ilhéus e, fatalmente alcançou a economia do município de
Santarém. Portanto, ainda que vivenciasse um crescimento do comércio local, o distrito
de Gandu sentiu os efeitos do colapso econômico mundial, visto que o cacau, maior
fonte de riqueza, sofria forte retração no mercado internacional.
Um aspecto relevante durante esse período é a construção da estrada Gandu –
Santarém, construída à mão segundo relato dos antigos moradores que assistiram sua
inauguração no ano de 1935. A estrada de rodagem ligando o distrito à sede facilitou o
elo de comunicação entres as duas localidades, o percurso que antes era feito no lombo
de animais durante dias de viagem, agora poderia ser efetuado em questão de horas por
via de automóveis, estes, conforme atestam alguns depoentes, não eram muitos, havia
apenas dois carros, um caminhão e uma caminhonete, que fazia esse percurso levando e
trazendo pessoas e mercadorias, sobre abertura de estradas e avanço dos meios de
transporte Maria Sylvia de Carvalho Franco (1964) comenta que, “as tropas de burros
começaram a desaparecer desde que os progressos modernos em ferrovias e linhas de
diligência, estradas, tornaram os transportes mais fáceis. Até recentemente era a única
maneira de fazer escoar a produção do interior”.
Com o ímpeto da economia local, começaram a surgir as primeiras construções
arquitetônicas de médio porte. Prédios e sobrados foram erguidos, a Igreja Matriz
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passou por reformas e ampliou-se para atender ao número cada vez maior de habitantes.
As antigas casas de taipa deram lugar às construções de cimento e tijolos, algumas ruas
foram abertas, uma delas, calçada de pedra bruta, a Rua da Ladeira Grande, a mais
antiga rua da localidade, conforme citada no Projeto de Lei nº 53 de 1959. A antiga
fazenda Corujão ganhava ares de urbanização, ainda que fosse, à época, um processo
incipiente. Uma boa parte da fazenda foi tomada por novas construções, especialmente
no largo em frente à Igreja. É desse período, a foto (Figura 1) que mostra a construção
de prédios nas elevações da Fazenda Corujão, próximos à Igreja Matriz:
Figura 1 - Distrito de Gandu – Década de 30 do século XX
É possível perceber na imagem (foto tirada da Igreja Matriz em direção ao
largo), que algumas casas são de tijolos, o casarão e o prédio com sobrado (do lado
esquerdo da imagem) poderiam representar, para habitantes da localidade, uma espécie
de ‘progresso’ para o Distrito. Esses prédios foram construídos pelo senhor Antônio
Araújo, mestre de obras apelidado de “João de barro”, este senhor responsável por
muitas outras construções no Distrito no decorrer dos anos de 1940, conforme cita o
entrevistando Jonas Almeida. A foto parece enquadrar o que teria sido o aglomerado
formador do Distrito, não há pessoas na rua ou em volta das casas, o que sugere que a
foto tenha sido preparada como forma de indicar um possível desenvolvimento do lugar,
ao menos sob a ótica de seus moradores.
Um dos depoentes, o senhor Jonas Almeida, que acompanhou todas essas
alterações, destaca a presença de um considerável número de casas comerciais no
Distrito, boa parte delas negociava o cacau, outras comercializavam produtos que
atendiam as necessidades mais imediatas de fazendeiros e trabalhadores, um destes
produtos chama a atenção por não ser um produto de tradição na Região, a farinha de
mandioca. O senhor Jonas Almeida assegura que o distrito de Gandu chegava exportar
farinha para Salvador e outras regiões do nordeste, segundo ele, este fato era um
indicativo de desenvolvimento econômico local, visto que as demais vilas e cidades
vizinhas não possuíam este diferencial, o cultivo de outros produtos, mas o depoente
afirma que o cacau mantinha-se como o imperativo produto local.
Nesse sentido, o comércio seguiu sendo, ao lado da produção cacaueira, um dos
fatores mais importantes para o desenvolvimento da efêmera infra-estrutura local. O
comércio também ajudou a abrir estradas nas diversas fazendas, especialmente pela
necessidade que tinham os pequenos agricultores e os trabalhadores rurais de irem até o
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centro do Distrito, comercializar seus produtos de origem primária. Esse comércio era
na verdade realizado por via de troca de produtos, estes eram intermediados nas ‘feiras
dos sábados’, que reuniam pessoas dos diferentes lugares do distrito, realidade comum
em toda a Região. Era comum que uma parte dos grandes proprietários partisse para
outras regiões, consideradas mais modernas, para efetuar suas compras, normalmente
adquira artigos de luxo, produtos avançados, considerados “novidades” no pequeno
distrito.
Milton Santos (1955) afirma que, via de regra, em todas as pequenas localidades
da região cacaueira, o movimento aumentava aos sábados, por ser o dia de consagração,
a feira semanal. O Distrito formava uma espécie de ‘agrovila’, pois o comércio era
essencialmente vinculado à zona rural. Na foto (Figura 2) que segue, é possível
visualizar o aglomerado de pessoas no centro vendendo e comprando produtos, outras
chegando com seus animais de carga, transportando algumas mercadorias “in natura”.
Tal foi a importância disso que a economia local ganhou fôlego no final da
década de 1930, e a dependência sobre Santarém foi aos poucos diminuindo, mas em
contrapartida toda a arrecadação do distrito de Gandu era destinada a Santarém. Um dos
entrevistados, o senhor Roberto Baiardi afirmou que boa parte dos lucros obtidos na
praça do distrito de Gandu era encaminhada para a Sede. O Boletim de Arrecadação, de
janeiro de 1938, assinado pela agente arrecadadora Maria Almeida (em anexo), atesta o
elevado volume de recursos levados para Santarém à época.
O crescimento do distrito foi acompanhado pela decadência da Sede. A
economia da Região estava centrava fundamentalmente na produção e comercialização
de cacau, o distrito de Gandu era produtor, porém, via a fonte de sua riqueza escoada
para o porto de Santarém, mas, a partir da década de 1940, os produtores e comerciantes
locais intensificaram as relações diretas com a capital por meio da BA 02, que passava
por Gandu e ia em direção a Salvador. Além disso, o ICB (Instituto de Cacau da Bahia)
inaugurou uma de suas filiais no distrito de Gandu, comprando boa parte do cacau ali
produzido. Aos poucos Santarém perdia a fonte geradora de sua riqueza, o distrito de
maior arrecadação, Gandu. A Sede entrou em uma terrível crise, conforme destaca o
depoente Roberto Baiardi:
Acabou Ituberá, daquela hora ali em diante ninguém mais, nenhum
comprador de cacau da região, inclusive meus tios, meus parentes
iriam mandar o cacau de braço pra levar três dias no mar, podendo
despachar em horas pela estrada, matou completamente, então ituberá
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(...) começou a entrar num estado de decadência na década de 40, de
decadência, mas decadência terrível mesmo, o comercio começou a
fechar, os italianos foram embora, inclusive meu pai (Entrevista com
Roberto Baiardi, p. 4, 5)
Em meio a tudo isso, um fato inusitado marcaria a década de 1940, o advogado
da família Costa, então proprietária da fazenda Corujão, reivindica a garantia de posse
da gleba de terra pertencente à fazenda que vinha sendo ocupada pelos habitantes do
Distrito. No documento, em anexo, há uma clara tentativa de persuasão sobre o prefeito
de Santarém na tentativa de impedir que o distrito de Gandu seja elevado à categoria de
vila, o argumento utilizado pelo advogado da família Costa, o senhor Barachisio dos
Santos Lisboa, foi que “o distrito de Gandu não possuía mais de mil habitantes, portanto
não poderia tornar-se vila”, e ainda afirma:
O espolio de José Amado da Costa, por seu advogado, conforme
comprova a anexa certidão, vem na conformidade do quanto
estabelece o art. 2º do Decreto Estadual nº. 12.693, de 10 de março de
1943, e em atenção ao convite que lhe fora feito atravez edital dessa
prefeitura, exibir, como exibe, a V.S., o anexo título de domínio,
indiscutível e irrefutável para comprovar lhe ter vendido o Estado da
Bahia, ou melhor, ao falecido José Amado da Costa, os terrenos, sitos
no lugar denominado “Corujão”, à época, e ora chamado Gandu, para
o fim de ser reconhecido legitimidade do seu direito por parte de V.
S., e, assinalada na planta cadastral a se proceder, a respectiva gleba
de sua propriedade, como direito.
O advogado faz questão de ressaltar a existência do título de domínio das terras
adjetivando-o de indiscutível e irrefutável, não se sabe até que ponto esse direito de
posse foi questionado e suplantado pelos moradores da localidadedo na onto esse direito
de posse foi questionado ou ultrapassado na de sua propriedade, como direito.", ou se
houve disputas entre os membros da classe abastada em torno dessas terras, tudo indica
que a família Costa teve receio de perder parte de suas terras durante o processo de
constituição da vila de Gandu. Contudo o argumento utilizado pelo advogado da família
não foi capaz de impedir a elevação do distrito à categoria de vila, segundo o Srº.
Roberto Baiardi, um censo realizado durante o ano de 1943 constatou que havia mais de
mil habitantes no distrito, sendo possível, portanto, sua promoção hierárquica.
Já na segunda metade da década de 1940, todo o país incluindo a região sulbaiana vivência um momento de crise, a vila de Gandu, como todas as vilas e cidades da
Região, foi afetada com as conseqüências do colapso econômico pós II Guerra Mundial,
segundo Orlando Pitágoras de Freitas (1981), o mercado local se retraiu sem os
tradicionais compradores de cacau, os fazendeiros da vila lançaram sacas de cacau no
Rio Gandu, mas o ICB prestou socorro aos produtores, comprando e armazenando parte
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da safra colhida. (FREITAS 1981). Essa instituição estadual ainda foi responsável por
investimentos na área de saúde, energia elétrica, construção de estradas e investiu na
construção e manutenção da Cooperativa Mista de Crédito Agrícola. Algumas obras
públicas também foram projetadas e iniciadas no final da década de 1940. A
inauguração da Rua Érico Sabino Souza e das Praças Rui Barbosa e São José foi
liberadas por lei municipal, 033 e 034, no início de 1949, e concluídas em outubro do
mesmo ano.
Vila de Gandu: a atuação dos mandões locais
A aquisição e a posse da terra eram fonte de extrema preocupação para os
fazendeiros daquela época, afinal era da terra que extraiam o manancial de riqueza de
que precisavam para gestarem a atuação social. A vila de Gandu abrigou pessoas
influentes tanto em Santarém quanto no próprio Distrito. Uma boa parcela dos
fazendeiros-comerciantes se instalou no Distrito para estar mais próximos das
propriedades que havia adquirido nas décadas anteriores. A classe dominante do
município de Santarém residia no distrito de Gandu e ali se articulava para alcançar ou
manter o controle político de toda localidade. O grande proprietário do distrito de
Gandu era, como no resto da Região, um comerciante e não apenas um agricultor, e
além do mais compartilhava do poder político, ou seja, era membro do estrato social
mais influente, o que acabava desestimulando qualquer iniciativa que contrariasse seus
interesses. Esse fato foi importante para o Distrito no sentido de que mantinha seus
representantes no controle do executivo e do legislativo do Município, o que resultava
em benefícios para o lugar. O maior número de obras de infra-estrutura era destinado a
Gandu, Roberto Baiardi cita:
Gandu teve o privilégio, quer dizer, pessoas radicadas em Gandu
como políticos, tiveram o privilegio de governar o município de
Ituberá, o que tá acontecendo é que atraia para Gandu os maiores
benefícios, o que em parte não era justo também, eles pendiam mais
para o lado de lá, Ituberá se tinha uma obrazinha, Gandu tinha uma
obra, então com isso aí Gandu se desenvolveu. (Entrevista com
Roberto Baiardi p. 7)
O ingresso de novas obras aumentava o prestígio do “benfeitor”, o objetivo era
mesmo ganhar o respaldo da população local para investidas políticas futuras ou a
permanência das já bem sucedidas manobras eleitoreiras. Porém, os efeitos dessas
benesses pouco se fizeram sentir sobre a camada mais baixa da população local,
mantida distante desse processo por via de rígido controle, dado o grau de dependência
que existia entre os mais pobres, tutelados pelos fazendeiros-comerciantes que os
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exploravam como mão de obra e manipulavam suas decisões. Em Subordinação do
Trabalho ao Capital na Lavoura Cacaueira da Bahia, Amílcar Baiardi (1984) endossa:
Os assalariados, principalmente os residentes nos estabelecimentos
rurais, pelo nível de dependência que aparentam ter em relação aos
proprietários, também integram a massa dos submissos constituindose em bases eleitorais dos interesses locais articulados com o
empregador (...) há um reforço dos laços de dominação econômica
existentes, que são a gênese da coerção extra-econômica.
A distribuição da renda não era eqüitativa e a diferença entre as classes sociais
do Distrito se tornou cada vez mais acentuada, ainda que este estivesse passando por um
período de crescimento econômico, o povo sempre esteve mantido afastado das decisões
políticas. Segundo Selem Rachid Asmar (1985),
(...) a elitização econômica e política não levava à preocupação com
as diferentes categorias de baixa renda, de outro lado, os
desafortunados do cacau não faziam valer seus reais interesses, sem
força
de
representação,
desintegrados,
mal
instalados,
desorganizados.
A vila servia não só de acomodação da família e alojamento de agregados, era
também reduto onde os homens de poder do município expressavam sua capacidade de
domínio, Wilson Lins (1988) enfatiza:
Os grandes negociantes das pequenas cidades, que haviam
substituído os antigos contratadores e sesmeiros no poder de mando,
transferiam os lucros do comércio para o campo, comprando terras,
por não haver poder que durasse muito, sem o respaldo da
propriedade da terra, já que era a terra a fonte de dominação dos ricos
e a poupança dos remediados. A ela o pobre continuava a não ter
acesso, senão como servo, fosse trabalhador ou agregado.
A família Libânio foi uma das que conseguiu interferir na política de Santarém
mesmo instalada em Gandu. O fazendeiro-comerciante Manoel Libânio da Silva Filho
foi o maior expoente entre os que controlavam os dois redutos distritais. Eleito prefeito
de Ituberá na década de 1950 com maioria de votos dos habitantes de Gandu, Maneca
Libânio, como era conhecido, atuou nas esferas econômica e política do município de
Ituberá. Além dele, outros nomes aparecerem entre os que possuíam propriedades no
Distrito e galgaram o poder político na sede, Nestor Lopes da Silva, Niomisio Lisboa,
Querubim Leite, Marcionilio Cursino Barbosa, e alguns outros de menor expressão.
Embora esse período tenha sido marcado pelo amortecimento das oligarquias
regionais, estas continuaram exercendo forte influência no interior do Estado. Alfredo
Matta (2002) fala de uma oligarquia submetida aos padrões de centralização de poder,
progresso e modernidade, Adonias Filho acrescenta que esses novos padrões também
geraram mudanças no tipo de político, a partir desse período era cada vez mais comum
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que profissionais liberais, como advogados, médicos, engenheiros ocupassem cargos
outrora controlados pela tradicional oligarquia agrária, representada pelos proprietários
rurais, afinal os espaços de atuação política estavam sendo transferidos do campo para
as cidades, muitas delas recém inauguradas. Mas, independente da origem, os velhos e
novos coronéis atuaram de forma simultânea e utilizaram os mesmos artifícios e
manobras para galgar o poder. Esses ‘mandões locais’ (CARVALHO, 1997)
agarravam-se aos acordos que mais lhes interessasse, alianças e desacordos podiam se
suceder tão rapidamente, quanto conviesse aos homens de poder. Mesmo sob as claras
investidas da República em direção à modernização das regiões e das mentalidades, a
classe fazendeira continuava sendo o sustentáculo da nação agro-exportadora que foi o
Brasil. A política nacional de desenvolvimento industrial e de mercado, não foi capaz de
impedir a continuação das velhas tradições políticas, o mandonismo mantinha-se vivo.
Na Bahia, a maior parte do eleitorado encontrava-se na zona rural, portanto era o campo
e as pequenas agrovilas o palco onde os performáticos coronéis atuavam. Em O
mandonismo local na vida política brasileira, Maria Isaura de Queiroz (1969) enfatiza:
Os mandões locais continuavam, nos municípios, dominando
administração, poder judiciário, policia, câmara municipal; a
oposição nem sequer podia votar, porque o processo eleitoral estando
nas mãos da câmara ou do judiciário, era o mesmo que estar nas mãos
do ‘coronel’ (...) o sistema de escolhas do candidato tresandava ainda
a tempos imperiais, para penetrar na política era preciso, pois, um
bom padrinho.
Gandu, no decorrer do tempo, passou a ter uma população equivalente a de
Ituberá, antiga Santarém. Em 1950 Ituberá possuía 2.143, enquanto a vila de Gandu
possuía cerca de 2.057 habitantes, no aglomerado urbano, chegando a aumentar esse
número no decorrer dos anos 1950, (BARROS, 1958). Esse número simbolizava os
votos que poderiam ser adquiridos tanto pelos velhos conhecidos coronéis locais, como
pelos ‘super-coronéis’ da esfera estadual.
Outro fator que interessava aos dirigentes locais era o crescimento econômico da
vila, Milton Santos (1955) chega a destacar Ituberá como 6ª em produção de cacau entre
os anos de 1953 e 1954, com uma porcentagem de 3,83% sobre o total do Estado, o
correspondente a 75.200 arrobas, porém esse número fora alcançado pelo de fato de
Gandu ainda pertencer ao município de Ituberá nesse período. A Vila era sinônimo de
fartos lucros e manipulação do poder político.
Gandu: tramitações políticas em prol da emancipação
Durante toda a década de 1950 a vila de Gandu e a cidade de Ituberá estiveram
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sob o controle de Maneca Libânio e seus escolhidos. Maneca era filiado à UDN (União
Democrática Nacional) que se formara com a aliança da burguesia nacional e os
dissidentes das oligarquias, alijados do poder desde 1930. Com apoio do governo do
estado da Bahia, Maneca enfrentou apenas algumas dissidências dentro da própria sede.
As famílias Lisboa e Costa membros do PSD (Partido Social Democrata) formavam o
grupo de oposição a Maneca em Ituberá, e no geral pertenciam à cadeia autocrática da
localidade. André Luiz Ribeiro (2001) em sua obra Família, poder e mito: o município
de S. Jorge de Ilhéus (1880 – 1912) salienta:
O coronel organizava a política e complementava a administração
pública no município dentro de um partido único estadual
tumultuando na base eleitoral. Essa base municipal dividia-se em
grupos antagônicos, em que não raras eram as dissidências internas
(...).
Esse coronel local, Maneca Libânio, conseguiu empreender uma rede de alianças
e conchavos de seus redutos eleitorais, embora não possuísse uma ideologia de partido
definida. Esse fato mostra claramente que, ainda durante os anos de 1950, o velho jogo
de poder das oligarquias era o fundamento do domínio regional, tanto que a máquina
eleitoral se configurou na região com a formação dos “currais eleitorais” e com o
predomínio dos “votos de cabresto”.
Maneca Libânio possuía uma boa relação com o governo estadual, trocava
proveitos, apoiava os governadores da época, Regis Pacheco e Antônio Balbino, e
barganhava o prestígio e os recursos de que precisara para conduzir suas manobras
político-eleitoreiras, uma delas foi o processo que culminou com a sua eleição para
prefeito de Gandu depois da emancipação.
Prefeito de Ituberá por duas vezes, Maneca Libânio conseguiu deixar um
sucessor de sua confiança no controle da Cidade, o senhor Nestor Lopes da Silva
também residente de Gandu, a intenção era manter o controle da cidade, mesmo estando
fora do executivo local.
O grupo formado pela família Libânio e seus agregados cogitavam a
possibilidade de garantir para si uma área geográfica que ampliasse o poder político e
resguardasse para eles um curral eleitoral seguro e fiel. Em resultado dessas
conversações, surge a proposta de emancipação da vila de Gandu, em nenhum momento
o povo da localidade fora convidado a participar dessas discussões e foi mantido
marginal durante todo o processo. Não há duvidas de que a população era queixosa de
melhorias urbanísticas para a Vila, mas daí a cogitar a idéia de emancipação era um
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passo que só poderia ser dado pelas ditas forças representativas da época.
Gandu interessava aos dirigentes locais por ser reduto eleitoral e por configurar,
naquele momento, um estrato importante da região cacaueira. O fato de o prefeito de
Ituberá ser um morador de Gandu fez com ele não só facilitasse toda a tramitação
política como fosse um dos defensores ferrenhos do desligamento dos distritos. A cena
política estava sendo engendrada por ‘detrás das cortinas’.
Duas figuras surgiram para consolidar o já bem estruturado projeto de
emancipação política da vila de Gandu. Uma, foi a senhora Ceres Libânio, professora,
esposa de Durval Libânio da Silva, irmão de Maneca. Segundo relatos, D. Ceres foi uma
das poucas, senão a única mulher da vila a interferir diretamente nesse processo, sendo
considerada representante das classes populares nas tramitações. O outro, foi o deputado
Nelson David Ribeiro, médico, membro do PSD, filho de um dos desbravadores da
localidade, seu Nestor Ribeiro. Nelson David encaminhou à Câmara Estadual o Projeto
de Emancipação e serviu de elo entre os dirigentes locais e o governo estadual. O senhor
Roberto Baiardi destaca:
Nelson David era deputado, era Drº Nelson era médico, entendeu, ele
influenciou também bastante, porque ele foi consultado na ocasião e
como ele foi eleito por Gandu, ele teve peso decisório no meio, até
porque isso precisava, é lógico, de aprovação da Câmara e ele tava lá,
ele conseguiu as assinaturas necessárias, então apesar de ser de
partido diferente do governador se aliaram.
Como as linhas partidárias da época não possuíam muitas barreiras, os
interessados na emancipação, provenientes dos dois partidos UDN e PSD, se aliaram em
torno da independência político-econômica de Gandu. Justificavam o interesse
afirmando que não podiam permitir que toda a renda de Gandu fosse canalizada para
Ituberá e através do ‘boca a boca’ e de alguns discursos desenrolados nas portas dos
botequins, armazéns e ruas da Vila. Dessa forma, conseguiram convencer as massas
que, mal informadas, não lhes restou outra coisa senão aceitar a novidade. Os
‘poderosos’ transmitiam a ideologia que justificava seus interesses e legitimavam sua
ação política. Sobre este aspecto comenta Charles de Sá (2000):
Linguagem e poder estão assim relacionados. Hipnotizados pelas belas
palavras de um agente da super-estrutura a massa permanece inerte,
desejosa em seguir a liderança naquela pessoa que se expressa (...) o
consentimento das massas transforma-se assim, no mais poderoso agente a
classe dominante pode desejar. O voto e a opinião pública precisam ser
buscados e angariados constantemente. Só assim ocorrerá um verdadeiro
domínio da sociedade por meio de uma classe dirigente”.
Entre as décadas de 1930, 1940, 1950 e 1960 ocorreu um surto de emancipações
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em todo o território nacional, na Bahia não foi diferente, muitos aglomerados sem
condições nenhuma que lhes rendesse a categoria de cidade foram emancipados. Fazem
parte desse quadro: Camacã, Ubatã, Ibicaraí, Mascote, Buerarema, Itajibá, Floresta
Azul, Gandu e vários outros. Essa onda de emancipações se inicia no final da década de
1930, durante o Estado Novo, quando o Decreto Lei 311 determinou a anômala divisão
territorial, partindo do princípio que a sede do município poderia tornar-se cidade
independentemente de suas características estruturais e funcionais, José Eli da Veiga
(2003) em sua obra Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se calcula,
acrescenta:
Da noite para o dia, ínfimos povoados, ou simples vilarejos, viraram
cidades. Vilas e cidades surgiam até sem a púvia existência de
freguesias, a decisão de criar ou elevar uma localidade á categoria de
vila, ou de cidade, não respeitavam qualquer norma. Iniciativas
estaduais de uniformização desse quadro territorial surgiram, mas foi
o Estado Novo que estabeleceu as regras de divisão territorial que
permanecem em vigor.
Gandu ainda não apresentava as condições de infra-estrutura necessárias a uma
cidade, porém o que interessava era o controle dessa área como reduto eleitoral, como
mecanismo de controle dos recursos públicos pela iniciativa privada. A emancipação foi
negociada como barganha entre o governo local e o estadual, a política populista do
governador Antônio Balbino facilitou a promoção do projeto, o depoente Roberto
Baiardi enfatiza:
(...) eu tenho uma gama de eleitores pra lhe oferecer, eu tenho direito
de lhe pedir (...) troca de favores, isso vai existir a vida toda numa
democracia fajuta como essa nossa e aconteceu o seguinte: Maneca
virou pra ele e disse: “tenho tantos votos lá em Gandu, em troca
quero a emancipação”, então acabou meu filho, não se fala mais
nada, vai sair a situação e acabou, peso político, peso político não se
discute. (Entrevista com Roberto Baiardi, p. 9)
O depoente propõe que a essa altura Maneca tenha se afastado dos holofotes, das
atenções gerais, a fim de melhor gerenciar todo o processo emancipatório, segundo o
entrevistado, isso aconteceu pelo fato de Maneca evitar expor sua opinião sobre algo
que ele próprio cogitava, dessa forma impedia um desagravo com os moradores de
Ituberá, também eleitores seus. Porém, a informação passada por este depoente choca-se
com outras versões. Alguns moradores antigos afirmam que Manoel Libânio da Silva
Filho foi contra a emancipação de Gandu por fazer parte da elite dirigente do município
de Ituberá, o depoente Jonas Almeida enfoca:
Não, ele era contra, porque ele é oriundo lá de Ituberá, os parentes
dele, o velho Barachísio, depois Niomísio Lisboa, depois veio o neto
Barachísio, um grande advogado também, mas esse já não fazia parte
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da política de Gandu, eles eram de Ituberá e pressionavam para não
perder este distrito que era o braço direito de Ituberá, (...) então
Maneca nunca quis a emancipação, Eliseu leal foi quem cavou e
conseguiu contra a vontade de Maneca. (Entrevista com Jonas
Almeida p. 11)
O depoente chama a atenção para a figura do jovem Eliseu Leal, recém ingresso
na carreira política, porém os documentos e a bibliografia referente à história do
município não faz referência a ele durante o processo de emancipação. Segundo
Coutinho (2001),
A emancipação política de Gandu ocorreu de forma polarizada: de
um lado, tinha um forte aliado na pessoa do Deputado pedessista
Nelson David Ribeiro, filho de um dos desbravadores e de outro,
encontrava-se a oposição do situacionismo local liderado por Maneca
Libânio, que defendia a integralidade do município de Ituberá.
Orlando Pitágoras de Freitas, que viu de perto toda a tramitação política sobre a
emancipação, confirma a opinião contrária de Maneca sobre a questão, em seu livro
Freitas (1981) afirma:
Sabendo o vereador Moisés Silva, líder da oposição em Gandu, que o
chefe do situacionismo, vereador Maneca Libânio era contrário à
subdivisão do município de Ituberá, apresentou o Projeto de
Resolução à Câmara na ausência deste e pediu o apoio do Vereador
Rosentino Botelho de Assunção Filho, o qual, não obstante sua
condição de liderado de Maneca, não se opunha à emancipação de
Gandu. Todavia, condicionou sua adesão ao Projeto, ao apoio
também da Vereadora D. Ceres Libânio, a qual o subscreveu de
imediato, permitindo assim que todos os demais o fizesses, à exceção
de Maneca Libânio, o qual chegara pouco antes da votação e se
retirara logo em seguida, para não assistir, ao que considerou, cheio
de emoção, o retaliamento de um grande e próspero município.
Chama a atenção o fato de Maneca não está presente justamente na sessão da
Câmara destinada à votação sobre a emancipação e mais, espanta que um de seus
aliados tenha se voltado contra sua decisão e que o próprio Maneca tenha chegado ao
final da sessão, retirando-se sem maiores discussões ou tumultos, o inconformismo
parece ter durado pouco.
Certo é que, em 28 de julho de 1958, conforme Lei Estadual de nº 1008,
publicada no Diário Oficial (em anexo), Gandu tornou-se emancipada politicamente. O
movimento em prol da emancipação da vila de Gandu foi fundamentalmente político,
não houve insurreição ou qualquer tipo de revolta entre os moradores da localidade
frente à situação de dependência quanto à Ituberá, o objetivo era de ordem econômica e
política, salvaguardar um bom número de eleitores para o grupo partidário envolvido no
processo.
Segundo Orlando Pitágoras de Freitas, o panorama político de Gandu e Ituberá
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em nada se modificou no pós emancipação. Mas, consta no Diário Oficial que as
eleições para prefeito e vereadores próprios do novo município seriam realizadas junto
com as eleições gerais em abril do ano seguinte, ficando Gandu até esse período sob a
tutela de Ituberá, sendo este obrigado a destinar 70% da renda distrital arrecadada para
as instalações de natureza política e social do novo município. Gandu seguiu a
legislação do município de Ituberá até elaborar a sua, os funcionários de Ituberá que
moravam em Gandu puderam permanecer em suas propriedades sem incorrer em
qualquer ônus para os mesmos. Como se vê, os laços existentes entre Gandu e Ituberá
não foram rompidos bruscamente, de uma hora para outra.
Passado os dias de festejos na localidade, a emancipação não gerou muitas
mudanças para Gandu, que seguiu seu curso normal até a chegada das eleições
municipais e, um velho e conhecido nome surgiu novamente no cenário político local,
Manoel Libânio da Silva Filho representando a situação (UDN) disputou as eleições
para prefeito de Gandu, contra ele apareceu a figura de Adelino Tavares Roseira do
PSD. Político experiente, conhecedor dos costumes do povo e adaptado à conjuntura
local, Maneca venceu as eleições com tranqüilidade, tomando posse do executivo local
em 07 de abril de 1959, conforme consta na Ata de Posse da Câmara de Vereadores do
município (em anexo). O governo do Estado só se posicionou, manifestando seu
julgamento após o resultado das eleições, já que era costume dos governadores
esperarem o término das disputas internas para daí dar a palma ao vencedor.
Gandu permaneceu sob o domínio das mesmas figuras políticas que por décadas
se aproveitaram da condição de dirigentes para ‘mandar’ e fazer valer a sua influência
política, em vista do elevado grau de dependência existente entre os trabalhadores com
relação aos políticos num regime de dominação pessoal, (FRANCO, 1964). Alguns
conflitos existiram, moradores antigos relatam tiroteios entre os capangas de cada
coronel-prefeito ou de cada coronel-vereador, o depoente Hildebrando Vivas relata:
Na bala, não, palavra aqui era o calibre de cada um, os políticos
daqui, todos tinham dentro de suas fazendas homens à sua disposição
pra pegar na arma, eu conheço histórias daqui de pessoas que tinham
essa ligação, (...) a coisa era meio braba, tinham aí os que mandavam
(...)
A emancipação atendeu muito bem os anseios da classe dominante local, já que
fazem uso da máquina administrativa pública em beneficio próprio, André Luiz Ribeiro
(2001) salienta:
O processo era levado a termo pelo controle dos cargos públicos e
eletivos, confiados de preferência às famílias dominantes, os quais
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eram muitas vezes criados para atender aos chefes políticos. O
momento das eleições era farsa com aparência de legalidade. O que
realmente valeria para o poder verificador estadual, seriam as atas
lavradas posteriormente na casa do chefe político local.
Estava formado então todo o aparato necessário ao fortalecimento do poder dos
dirigentes locais, defensores da manutenção do estado de coisas vigente e do arcabouço
ideológico legitimador de suas atuações ecléticas no cenário político regional. À medida
que esse contexto ia se alterando, principalmente com as exigências da ordem
neoliberal, esse quadro se adequava e procurava manter a velha estrutura de sempre,
camuflada nos novos moldes da sociedade pós-moderna. Wilson Lins (1988) destaca:
Em lugar dos velhos duques do trabuco, tem-se, agora, os cabos
eleitorais, mas nem por isso o coronelismo pode ser dado como
morto, porquanto subsiste, na prática do mandonismo e no próprio
espírito repressivo das leis, muitas delas mais duras e cruas do que as
impostas nas brenhas pelo autocratismo atávico dos coronéis. O que
se pode observar, modernamente, é que o coronelismo se
desencarnou das pessoas, para se encarnar nas leis, daí já não haver
lugar para os ungidos pela pólvora dos bacamartes.
A formação histórica de Gandu e o processo de construção da identidade cultural
de seu povo agregaram em si a natureza das práticas políticas que se coadunavam nas
relações de cunho social e nas atitudes ora populistas, ora opressoras que se arrefeceram
durante todo esse tempo no município.
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