UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ – REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISA SÓCIO-PEDAGÓGICO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE A REALIDADE DE VIDA DE UM GRUPO DE ADOLESCENTES INSTITUCIONALIZADOS - SEUS SONHOS, DESEJOS E PERSPECTIVAS DE FUTURO. POR: ROSILENE LOPES DOS SANTOS PROF° ORIENTADOR: CARLOS CEREJA JUNHO – 2003 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ – REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO INSTITUTO DE PESQUISA SÓCIO-PEDAGÓGICO A REALIDADE DE VIDA DE UM GRUPO DE ADOLESCENTES INSTITUCIONALIZADOS - SEUS SONHOS, DESEJOS E PERSPECTIVAS DE FUTURO. MONOGRAFIA APRESENTADA COMO REQUISITO PARCIAL PARA A CONCLUSÃO DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA PELA UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES JUNHO - 2003 “ (SILVIA SOARES) DEDICATÓRIA Com este trabalho, espero deixar em cada cantinho do coração de quem o lê ou estude a presença de Deus, que inspirou e fortaleceu ao alcance do meu objetivo. AGRADECIMENTOS Aos meus pais ORLANDO e NERILENE que confiaram sempre no meu esforço e a quem amo muito e dedico minha vida. A minha amiga e psicóloga CARLA, por ter me apoiado durante este período. As assistentes socias Telma e Fernanda, pelas orientações que muito colaboraram na realização desta pesquisa. Rosilene Lopes dos Santos Sumário Introdução ............................................................................................................................02 PARTE I - ADOLESCÊNCIA E SUAS CARACTERÍSTICAS ...................................03 1.1. Considerações sobre a Adolescência ..................................................04 1.2. realidade social dos Adolescentes no Brasil........................................ 08 1.3. A Importância da família.................................................................. 12 PARTE II - FATORES CONDUCENTES AO ABANDONO.......................................16 2.1. Abandono ou Pobreza ? ....................................................................... 17 2.2. Políticas Sociais x Desemprego x Abandono....................................... 20 PARTE III – ADOLESCENTE INSTITUCIONALIZADO...........................................23 3.1. Um breve Histórico do atendimento a criança no Brasil.......................24 3.2. Estatuto da Criança e do Adolescente....................................................28 PARTE IV – ANÁLISE DAS VIVENCIAS DO GRUPO DE ADOLESCENTES......32 4.1. Procedimentos Metodológicos ..............................................................33 4.2. Análise dos depoimentos de um grupo de adolescentes....................... 37 CONCLUSÃO.....................................................................................................................43 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................45 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho volta-se para a abordagem da realidade de vida de um grupo de adolescentes institucionalizados. É um trabalho pautado nas reflexões e questionamentos que surgiram na minha pratica clinica. Quando escolhi por trabalhar com este tema, foi porque acredito que poucas são as instituições de atendimento a crianças e adolescentes que priorizam o saber dos sonhos, desejos e perspectivas de futuro desses adolescentes, ate mesmo porque os problemas psicossocias dos quais esses adolescentes são frutos, possuem carências materiais que em sua maioria são mais urgentes. Aproveito também para descrever o cotidiano na instituição, assim como proposta a clientela usuária; as experiências junto aos adolescentes e o trabalho de assistência psicosocial. A primeira parte focaliza a fase da adolescência, comportamentos, características, sua realidade e a importância da família. A segunda parte procura identificar os fatores conducentes ao crianças e adolescentes procurando mostrar a diferença entre abandono, abandono pobreza e as políticas sociais que se apresentam de maneira emergencial na situação dos jovens abandonados. das 2. A terceira parte dedica-se ao adolescente institucionalizado dando ênfase de forma breve sobre a sua historia no Brasil, e falo sobre os usuários do Lar de Maria Dolores e Meimei, das dificuldades e posicionamento da assistência psicosocial. Na quarta parte me dedico aos depoimentos com relação aos sonhos, desejos e perspectivas no qual faço uma breve analise. Com este trabalho de reflexão sobre a realidade desse grupo de adolescentes espero ter colaborado para a tentativa de uma mudança na pratica da instituição com relação adolescentes. aos 3. PARTE 1 ADOLESCÊNCIA E SUAS CARACTERÍSTICAS 4. CAPITULO I CONSIDERAÇÕES SOBRE ADOLESCÊNCIA “Ser jovens é pertencer a uma etapa da vida cheia de mistérios e de analise de si mesmo, de duvidas e necessidades de afirmação , de introversão e reflexão sobre seus próprios problemas, que chamamos Adolescência”. (Ferreira, 1978) A adolescência é uma etapa evolutiva e peculiar ao ser humano e não pode ser considerada meramente como uma fase transitória, já que nessa fase se desenvolve todo o processo de maturação do adolescente. O desenvolvimento psicossocial da adolescência da adolescência é a capacidade de aquisição progressiva do ser humano de interagir com seu meio social(sociedade). Este processo inicia-se com o nascimento e termina com a idade adulta, embora possamos dizer que a aptidão para crescer e amadurecer particularmente na área social é inesgotável. É nesta fase, que quando o mundo infantil é permeado por agressões e carências, a sociedade lhe parecerá ruim e portanto, sua conduta dentro dela se orientará sobre esse entendimento. A adolescência pode ser caracterizada como a fase onde o jovem esta inseguro em relação a sua pessoa, a sua vida e esta em busca de sua auto-afirmação. 5. O desenvolvimento emocional do adolescente, cujo objetivo final é a elaboração de uma identidade, se processa através da interação do mundo interno com o mundo externo. De acordo com Lessa (1995:03), o processo para a formação da identidade do adolescente, elabora uma necessidade de perdas denominado luto, sendo três, os principais lutos da adolescência. 1 Luto pela perda do corpo infantil através da aceitação das transformações corporais e controle dos impulsos de sua sexualidade. 2 Luto pela perda dos pais na infância, quando os tem, a transformação da dependência infantil para uma independência adulta. Que leva por vezes, a sentimentos de culpa e muitas vezes por decepção com os pais idealizados na infância, transformam a culpa em agressividade em relação aos mesmos. O adolescente, passa a ser critico e a questionar seus pais, e busca figuras de identificação fora ao âmbito familiar. Tais atitudes são necessárias ao processo de socialização. 3 Luto pela perda da identidade e do papel infantil; na dificuldade em definir-se, o adolescente neste caso, busca apoio em grupos na procura de novas identificações. O adolescente, por vezes passa assumir diferente identidade passageira, casual ou circunstancial, no sentido de entender e elaborar sua própria identidade. No processo de redução desses lutos, o adolescente passa a apresentar características de comportamento que formam a sua identidade. São algumas das características: 6. - Busca de si mesmo e da identidade adulta com momentos de isolamento para entender sua identidade; - Tendência grupal com um processo de afastamento dos pais, substituindo-os por grupos de identificação como um passo intermediário para o mundo externo; - Crises religiosas, variando do total ateísmo a comportamento religioso extremo; Em alguns momentos podemos perceber que se estabelece ema atitude de preconceito e de antagonismo sistemático pela sociedade a toda manifestação de jovens abandonados, seja quantos aos hábitos, aspectos físicos, linguagem ou idéias. Da parte dos jovens, uma rivalidade, caracterizada pelo desprezo e rejeição a qualquer valor emocional ou cultural preestabelecido pela sociedade. Segundo Sandstrom (1971:48) “a adolescência embora seja um fenômeno universal, tem características que variam conforme o ambiente sociocultural e, é difícil precisar sobre seus limites”. Portanto não se pode negar a importância desses fatores socioculturais sob os fenômenos expressos durante a adolescência. O estatuto da criança e do adolescente considera adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos de idade. Nesse período de crescimento humano usualmente situado entre o inicio da puberdade e o estabelecimento da maturidade adulta, caracterizando-se pela transição do estagio infantil para o estagio adulto de inúmeras funções. Segundo Emilio Althanasio (1988:16) “a adolescência é como ponte entre as duas outras idades. É por isso porque não encontramos dois adolescentes iguais.....”. 7. Durante o desenvolvimento do adolescente ocorrem mudanças de capacidade intelectuais, de interesses, de atitudes e ajustamentos. Enfim, o adolescente perde a infância e tem que conquistar sua nova identidade, onde se começa a questionar o seu “ser”, gerando o que muito ouvimos falar, a chamada “crise de identidade”. Para Ferreira (1978:22) “a adolescência é considerada um período difícil, de crise, tempestade e tensão”. Podemos perceber que apesar de terem realidades diferentes os adolescentes possuem características iguais, mesmo se apresentando de forma diferenciada, devido as influencias que recebem no meio em que vivem. 8. CAPITULO II A REALIDADE SOCIAL DOS ADOLESCENTES NO BRASIL Apesar dos abundantes recursos e do enorme potencial agrícola e industrial que o Brasil dispõe, a situação social e as condições de vida da maioria da população estão entre as piores do mundo, em termos de desigualdades e distribuição de renda, ou seja, de salários, de poder de compra, de condições de saúde, moradia e educação. As condições de vida da população piora a cada dia, a política adotada pelo atual governo, como meio de controlar a inflação, sanear, estabilizar a economia e recuperar as finanças publicas, contribuem para piorar brutalmente esse quadro dramático e é sobre a classe trabalhadora que recai o maior peso da crise econômica – social. A subordinação quase sistemática do social aos interesses econômicos e políticos, tem permitido a deteriorização progressiva das condições de vida da população e é responsável pela insegurança, desagregação social e violência. E os efeitos dessa inversão de prioridades e valores se fazem sentir nem toda a sociedade. Os sinais dessa crise são profundas e evidentes, seqüestros, grupos de extermínio, máfia das drogas e do crime organizado que controlam comunidades inteiras, contam com cúmplices poderosos, na esfera política e nas forças de segurança, constituindo uma espécie 9. de Estado dentro do Estado, onde se permite assaltos, assassinatos, e etc. Esses fatores confirmam o progressivo desgaste do tecido social, das instituições e dos valores da sociedade. A permissividade moral, a deteriorização dos costumes e a desagregação familiar que os meios de comunicação incentivam e evidenciam com tanto impacto, revelam a verdadeira escala de valores que orienta a vida de amplos setores da população. A retomada do crescimento econômico nos parece ser sem duvida, a condição necessária para solução de vários problemas. Apesar da gravidade da situação, a economia ainda na opinião de muitos oferece maior esperança, principalmente para os que vêem a realidade com um olhar econômico, acreditando que o processo de liberalização, privatização da economia e os acordos internacionais que o Brasil concluiu, vão conseguir domar a inflação, recuperar a confiança interna e externa e iniciar a retomada do esperado crescimento. Porem, é ilusão acreditar que esse crescimento e recuperação levarão aa solução do problema social, sem a participação das forças vivas da sociedade organizada e sem o respeito pelos direitos e interesses da maioria da população. Quando crescem os espaços de liberdade e participação, se reforça a consciência social e política, e o sentindo de responsabilidade e solidariedade do povo. Constata-se um verdadeiro progresso quando a escala de valores é respeitada e à vida social se atribui prioridade. A situação de extrema carência na qual se encontra grande parcela da população , principalmente a criança e o adolescente, é um reflexo da imensa divida social aqui existente. Essa carência pode ser do tipo moral, econômica, afetiva, ou de outra forma, podendo acarretar prejuízos ao seu processo de desenvolvimento global e de promoção humana. 10. A precariedade da vida das crianças e adolescentes é resultante também da ausência de políticas sociais especificas ao combate à carência dominante, tendo como alicerce outras carências, tais como, desnutrição, falta de moradia, falta de atendimento na área da saúde e educação. Ao longo dos anos em que o egime autoritário dominou a nação, implantou um modelo socioeconômico que não representou para grande maioria, melhoria e benefícios compatíveis com o crescimento econômico, aumentou o contingente de crianças e adolescentes em situação de abandono e carência, fruto da impossibilidade de subsistência pôr parte das suas famílias pauperizadas e cada vez mais dentro de um processo de desagregação familiar e social. Este quadro comprova também uma ineficácia nos programas emergentes do Organismo Governamental, de atendimento aos jovens, que têm na sua maioria caráter paternalista e desmoralizador. Temos cerca de 7 milhões de crianças sem escola e isto é doloroso na medida que a Constituição Federal “garante” o direito à educação básica dos 7 aos 14 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, define o trabalho da criança e adolescente como aprendizagem que possibilite ao jovem a partir dos 12 anos, tornar-se especialista. Entre os 12 a 14 anos esta outorizado com o objetivo de fornecer uma profissão e em nenhum caso pode ser penosa, mas e muitas vezes isto é esquecido. Pelas condições de pobreza, as famílias querem que os filhos trabalhem para suprir suas necessidades básicas, e as empresas e os “fundos de quintal” se interessam pôr mão de obra mais barata. Além disso, existe também, o comprometimento psicológico, já que a 11. criança trabalhadora brinca apenas quando pode, se diverte pouco e vive uma realidade bem diferente da proposta pelo nosso Governo. Podemos observar que a atual situação Econômica e Social do Pais, ocasionadora da existência de subempregos e desemprego, da queda do poder aquisitivo, da desestabilização das relações familiares, impulsiona, fatalmente, as crianças para as ruas e são, dentre outras, causas geradoras de abandono. Verificamos sem muito esforço, que tende a crescer, lamentavelmente o numero do abandono de crianças e adolescentes. Como se não bastasse, as crianças abandonadas são rotuladas e confundidas de “pivetes”, “trombadinhas”, “menino de rua” e “delinqüentes”, o que se transforma em dois problemas fundamentais; o primeiro, trata da elaboração de estereótipos para essas crianças, e o segundo da exploração de sua mão-de-obra. A questão da criança abandonada não aponta, única e exclusivamente para a criminalidade, isto poderá ocorrer ou não, assim como a prostituição. Não devemos confundir a criança abandonada, marginalizada do contexto sócioeconômico, com a infratora, que já cometeu algum delito. O descaso da sociedade, dos governantes e de alguns setores da população é evidente. Basta sair as ruas, ler os jornais, revistas, tv e os artigos publicados que comprovam o descaso de uma parcela da sociedade. 12. CAPITULO III A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA Vimos que, contemplar o debate sobre a família se torna fundamental, tendo em vista as mudanças significativas nos padrões de organizações familiares devido às transformações socioeconômicas, que acarretam mudanças nos valores da sociedade. Na sociedade brasileira atual, operou-se um enfraquecimento dos laços familiares, em virtude das numerosas tensões oriundas de causas internas e externas, da fragmentação de interesses e da expansão do individualismo, fenômenos inevitáveis da pressão socioeconômica do mundo atual. 13. “...bem-estar das crianças e dos adolescentes encontra-se diretamente relacionado à possibilidade de manter um vinculo familiar estável. Nesta perspectiva, percebe-se a convivência familiar como um aspecto essencial de seu desenvolvimento e como um direito inalienável”. (Ferrari e Kaloustian,1994:9) De acordo com os autores mencionados, podemos, dizer que a família é o espaço indispensável para a garantia de sobrevivência de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vem se estruturando. “É a família que propicia aportes afetivos e sobretudo matérias necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. Podemos dizer que ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais”. (Ferrari e Kaloutian, 1994:12) “A família brasileira, em meio a discussões sobre a sua desagregação ou enfraquecimento, esta presente e permanece enquanto espaço privilegiado de socialização, de pratica de tolerância e divisão de responsabilidade, de busca coletiva de estratégias e lugar inicial para o exercício da cidadania sob o parâmetro da igualdade, do respeito e dos direitos humanos” (Idem:11) No Brasil, como também em outros paises, os programas de transição econômica e de ajustes macroeconômicos tem funcionado como um fator desagregador das famílias. Têmse verificado, por exemplo, um aumento das famílias monoparentais, em especial aqueles onde a mulher assume a chefia do domicilio, as mães em sua maioria deixaram os trabalhos do lar e da prole e são obrigadas a se afastarem de casa para trabalhar. Este processo de 14. transferência de vida familiar opera como elemento centrifugo, atirando os membros do grupo a dependência de elementos e instituições estranhas às famílias. A questão migratória, por motivos de sobrevivência, atinge alguns membros, tornandose motivo de desestruturação do espaço doméstico; o domicílio esta sujeito a ameaças freqüentes causadas pela degradação do meio familiar. Estas são algumas questões que afetam diretamente o entorno familiar, sobretudo daquelas famílias caracterizadas pela situação de pobreza e vulnerabilidade. A esse processo corresponde, paralelamente, a descentralização de outras funções da família como aquelas educativas, recreativas, religiosas, e de proteção aos membros. Para Ferrari e Kaloustian(1994:13) por detrás da criança excluída da escola, nas favelas, no trabalho precoce urbano e rural e em situação de risco, está a família desassistida ou inatingida pela política oficial. Quando esta existe, é inadequada, pois não corresponde às suas necessidade e demandas para oferecer o suporte básico para que a família cumpra, de forma integral suas funções enquanto principal agente de socialização dos seus membros, crianças e adolescentes principalmente. Não poderíamos deixar de nos referir aos aspectos econômico-financeiros para viabilizar políticas dirigidas às famílias. Na realidade, quando esta deixa de cumprir suas funções básicas junto a seus membros, acaba gerando custos sócias e financeiros, e adicionais, na medida em que iniciativas públicas e privadas “compensatórias”, que nem sempre são eficazes, tornam-se necessárias para cobrir as demandas. Quando a família se apresenta em estado de desorganização, observa-se o conjunto de fenômenos de desintegração. Neste caso ela falha em suas funções básicas para a formação 15. da personalidade. Faltando-lhe a necessária unidade e harmonia interna, suas funções são cumpridas com ineficácia, quando o são. Verificamos que um outro fenômeno decorrente da desorganização da sociedade é a ruptura familiar. Tal situação ocorre, sobretudo, nas classes economicamente mais pobres, cujas condições de vida, inclusive de habitação, são mais precárias. Podemos perceber que a situação de vulnerabilidade de algumas famílias encontra-se diretamente associada à sua situação de pobreza e ao perfil de distribuição de renda no país. Segundo Faleiros ( 1994:55) “as milhares de famílias sem-terra, sem casa, sem trabalho, sem alimento, enfrentam situações diárias que ameaçam não só seus corpos – território do ultimo do despossuido – mas, simultaneamente, seus vínculos e subjetividades”. Ao verificarmos a ruptura do “ser família” na atualidade, podemos dizer que os grandes responsáveis por esta ruptura seriam as questões econômicas e de relacionamento. Sendo assim a criança e o adolescente busca nas ruas alternativas de sobrevivência e do que não conseguiram encontrar no seu espaço familiar. 16. PARTE II FATORES CONDUCENTES AO ABANDONO 17. CAPITULO I ABANDONO OU POBREZA ? “Abandono, ato ou efeito de abandonar, desamparo, desprezo,desinteresse, renuncia,desistência,desleixo,negligencia,sem proteção;” Pobreza estado ou qualidade de pobre “. (Dicionário Pratico da Língua Portuguesa – Jornal o Dia – 1997:249:15)”. Costumamos ouvir que existem milhões de crianças abandonadas no Brasil e que, por tal razão, deveriam ser incentivados programas e campanhas para promover a adoção e outras formas de colocação em famílias substitutas. O que ocorre, na verdade, acredito que seja uma confusão conceitual entre abandono e pobreza, uma vez que a imensa maioria das crianças pobres, mesmo as que estão nas ruas ou recolhidas a abrigos, possuem vínculos familiares. Os motivos que as levam a essa situação de risco não é, na maioria das vezes, a rejeição ou a negligencia por parte de seus pais, e sim as alternativas, às vezes desesperadas, de sobrevivência. “Para fazer teoria da pobreza é mister não ser pobre. Não há correlação esperada visível entre o aumento histórico dos estudos sobre a pobreza ou a multiplicação de programas sociais, de um lado, e a redução da pobreza, de outro parece haver outra correlação:ambos os lados aumentam na mesma proporção relativa” (Demo,1996:20) o que nos leva a colocar que, não e possível enfrentar a pobreza sem o pobre. É preciso voltar-se também para a pobreza política. Podemos verificar que a questão da 18. pobreza deve ser examinada do ponto de vista estrutural, relacionada ao modelo de desenvolvimento que privilegia a concentração de riqueza e é determinada, em grande parte, por políticas de ajuste internacionalmente impostas e que acarretam significativos cortes orçamentários na área social. Por outro lado, as ações de enfrentamento à pobreza são ainda marcadas pelo assistencialismo e clientelismo, quando não inexistentes. Como conseqüência, tem-se o enfraquecimento dos vínculos familiares, o aumento de crianças e adolescentes ingressando precocemente no mercado de trabalho e abandonando a escola, passando muitos deles a viver na rua. Se abandono existe, não se trata de crianças e adolescentes abandonados por seus pais, mas de famílias e populações abandonadas pelas políticas públicas e pela sociedade. Completando este quadro, temos a pobreza, entendida como dificuldade ou impossibilidade de acesso aos bens e serviços, considerados como básicos. Sua magnitude e transformação têm a ver: Com o perfil da distribuição de ativos, e o sub-emprego, este último entendido como a combinação entre baixa educação e baixa remuneração. O fenômeno migratório vem agravar ainda mais a situação da pobreza, devido à escassez de trabalho, varias famílias saem de sua terra natal para procurar trabalho na cidade, em busca de melhores condições para sua família. Ao chegarem experimentam grande decepção, pois nas grandes cidades não é fácil a sobrevivência. São pessoas de grau de instrução precário, sujeitando-se a trabalhos instáveis. Levando-se em conta o elevado custo de vida e o baixo salário, torna-se premente a ocupação da família. Os menores são obrigados a parar de estudar para ingressarem no mercado de trabalho, ou então entregues em abrigos como esse de meu estudo. 19. As mães não conseguem trabalhar e cuidar de seus filhos. Estes levados a um tipo de habitação coletiva em favelas e barracos onde as condições de higiene são por demais precárias e insalubres. Os adolescentes institucionalizados retratam bem essa realidade, pois além de serem oriundos dessas famílias, dentro das instituições sofrem todos os tipos de desigualdades, preconceitos, discriminações e são obrigados a viverem dentro das normas criadas pela instituição, que nem sempre são favoráveis a seu desenvolvimento psicosocial, onde aqueles que não se adaptam, fogem às regras da instituição e são rotulados transgressores ou infratores. É grande o numero de crianças e adolescentes que são entregues a abrigos e orfanatos por seus pais, familiares ou mesmo por denuncias anônimas feitas ao juizado, sendo por motivos diversos, tais como: maus-tratos, alcoolismo, abuso sexual, condições financeiras precárias, lares desfeitos. A situação se agrava dia-a-dia, muito embora nossas autoridades vinculadas ao problema estejam empenhadas a solucioná-los, não é fácil, pois sabemos que estas famílias em estado de pobreza extrema são em numero muito elevado. 20. CAPITULO II POLÍTICA SOCIAL X DESEMPREGO X ABANDONO O modo de produção capitalista produz um rompimento entre posse dos meios de produção e o trabalhador. Os meios de produção passam a ser de propriedade do capitalismo do e o trabalhador oferece sua força de trabalho em troca de salário. Segundo Faleiros (1983:22) “políticas sociais compreende a criação de direitos dentro do consenso social para a manutenção de um mínimo razoável para os menos favorecidos e a abertura de oportunidades”. As políticas sociais são o canal onde são executados os programas de atendimento as populações necessitadas. O poder do Estado está condicionado não só pelo desenvolvimento das forças produtivas, mas também pela dinâmica social e relação das forças políticas dos diversos grupos sociais. 21. Ma das maneiras pela qual o Estado incorpora os interesses da classe dominada é através das políticas sociais, pois desta forma atende algumas das reivindicações da mesma. Apesar do crescimento e modernização do Estado, as políticas sociais, a rigor, continuam as mesmas, atendendo as necessidades da população apenas superficialmente, porém com um discurso diferenciado, que faz com que a população fique “satisfeita” com os benefícios que o Estado oferece, sem que haja uma consciência critica dessa população, no sentido de que o atendimento dessas necessidades não são “benesses” oferecidas pelo Estado, e sim, um direito seu e dever desse Estado. As políticas sociais interferem na valorização da força de trabalho como mercadoria, causando assim, um grande numero de desempregados e criando, conseqüentemente, também, um grande exercito de reservas. Diante da atual conjuntura, com a necessidade de sobrevivência, a população é obrigada a vender a sua força de trabalho, aceitando as normas da organização, mantendo a disciplina no trabalho e sempre se sentindo insegura quanto ao tempo em que estará empregada. A classe dominante que representa o Estado, vai criar um pacto social com o qual procura estabelecer o equilíbrio social através das políticas sócias. As políticas sócias são elaboradas sem a participação da população. Por esse motivo, não atendem as necessidades em decorrência do desemprego faz com que seus filhos contribuam na renda da família vendendo sua força de trabalho ou trabalhando como vendedores de doces, frutas, engraxate, etc. Essa criança, automaticamente, não tem formação escolar e a ausência dos pais por muito tempo durante a sua formação, vai prejudicá-las em todos os níveis, inclusive afetivos. 22. “...A presença do mecanismo assistencial nas políticas sócias com forma a vida do trabalhador em condições precárias, insuficientes, determinam por reiterar ao grau de exploração”. (Sposatti,1989:35) Assim, importante se faz analisar os custos matérias e emocionais, que a família deve pagar no desempenho de seu papel como meio de reprodução da mão-de-obra e como unidade de consumo. De que forma a criança abandonada e rejeitada diretamente pela família e, indiretamente pelo Estado, sem ter suas necessidades básicas satisfeitas, pode ter em si incutido o desenvolvimento do sentimento coletivo, da solidariedade e do espírito de cooperação ? A resposta a esta pergunta não é simples, nem de facial obtenção, já que reverter uma realidade cruel e já segmentada ao longo de anos não pode ser feita ao simples “piscar de olhos”. Para tanto a de se rever, reformular antigas e implementar novas políticas sociais que atendam, efetivamente, o setor da população excluído do processo produtivo – a classe subalternizada. 23. PARTE III ADOLESCENTE INSTITUCIONALIZADO 24. CAPITULO I UM BREVE HISTÓRICO DO ATENDIMENTO A CRIANÇA NO BRASIL O interesse jurídico relativo aos indivíduos menores de idade aparece atrelado ás discussões. Em torno da primeira lei penal do Império – o código criminal de 1830, esta lei pode ser considerada como um grande avanço, pois até então vigoravam as Ordenadas do Reino de Portugal, cujas medidas punitivas foram abolidas por serem consideradas desumanas. A partir de 1850, começa a tomar corpo a legislação e a regulamentação de matérias erelativas aos escravos e seus filhos, e em 1871 é promulgada a lei “do ventre livre”, que estabelecia que a partir de então filhos de escravos nasceriam libertos. Porém esta liberdade era questionável, pois a criança permaneceria condicionada ao senhor e as “crialos” até 8 anos, este adquiria direitos de usufruir seu trabalho até os 21 anos de idade entretanto caso entregasse-o ao Estado ainda receberia indenização. No final do século XIX aponta um novo ciclo em relação à trajetória da legislação sobre a infância, percebe-se nesta passagem de século uma preocupação crescente com a criminalidade infantil, que toma corpo com a abolição da escravatura e Proclamação da republica: pois a criança seria descrita como magno problema: porque os filhos de escravos apesar de livres não tinham o mínimo de condições de sobrevivência pelas ruas, a mercê das delinqüências, da vagabundagem e da mendicância. O primeiro juízo de menores criados em 1923, estabeleceu um novo padrão em relação á prática jurídica dirigida até ao “menor”, pautando-se em diagnósticos que se apoiavam em conceitos, teorias e técnicas consideradas cientificas – oriundas principalmente da medicina, da psicologia e que classificavam o menor dentro dos padrões de normalidade,proporcionando, assim, a legitimação cientifica a uma pratica de exclusão e estigmatizarão. 25. É em 12 de outubro de 1927 que através do decreto Lei 17943, que se consolida a nível legal, o olhar especifico para o “problema” social emergente da infância e adolescência. O primeiro código de menores busca sistematizar a ação da tutela e coerção que o Estado passa a adotar. Os menores passam a ser definidos enquanto “delinqüentes e abandonados”, porém não apresenta as crianças e jovens como sujeitos de direitos, busca regulamentar o mentor vadio, e o menor trabalhador. Mello Mattos é um dos responsáveis pela elaboração e aprovação desse código. Crianças e jovens eram severamente punidos antes de 1930, o que realmente se considerava nessa lei é o estabelecimento da responsabilidade penal a menores acima de 14 anos. A proposta de se dar um tratamento jurídico diferenciado a crianças e jovens foi aos poucos, sendo incorporada à legislação, refletindo imediatamente na ação. Sendo o Estado chamado a intervir. Nas unidades de internação, onde eram confinados após o “estudo” de seu “comportamento desviante”, predominava a violência, o preconceito e a violação dos direitos humanos, a ponto de as mesmas terem sido denunciadas como “escolas do crime”. Fazia-se a leitura em defesa da criança e a defesa da sociedade contra esta criança que era uma ameaça “a ordem pública”. No que diz respeito ao atendimento, diretamente subordinado ao ministério da Justiça e ao Juizado de Menores do Distrito Federal, em 1941 nasce o SAM – Serviço de Assistência a Menores, destinado a atender menores “desamparados e delinqüentes”. O SAM seguia a lógica do sistema penitenciário adulto, porém baseado no código de Mello Mattos, de que um menor, necessita passar por um processo de resocialização, pautado na coerção, possibilitando assim sua reintegração na sociedade. Nesta altura, o estabelecimento do SAM, demonstrava que o problema dos menores era uma realidade social, pois provocava inquietações e a dicotomia entre infância e menoridade estava longe de ser sanada. As décadas de 40 e 50, foram presididas por Getulio Vargas, e seu esforço concentrouse no sentido de melhorar as condições de vida do trabalhador, isto trouxe benefícios sócias importantes à população, repercutindo positivamente sobre a situação da infância. Em 1942 foi estabelecida pela iniciativa da primeira dama Sra. Darcy Vargas, a LBV (Legião Brasileira de Assistência) um marco inicial, relação à Ação Social, resultante da mobilização da mulher. A LBV surgiu com o objetivo de socorrer as famílias dos brasileiros convocados na guerra e aos que retornavam mutilados dessa, porem seu estatuto rezava amparar alvos diferenciados. 26. As leis trabalhistas foram consolidadas em 1. de maio de 1943 em seguida foi estabelecido o SENAC e SENAI, escolas de aprendizagem que oferecem treinamento especializado instruindo a infância e a juventude a inserção precoce no mercado de trabalho. Ao longo das décadas, percebe-se inúmeras tentativas de se dar conta do crescente contingente de jovens desassistidos, através de ações originadas ou pelo menos vinculadas ao aparato judicial, porém seguidos de reconhecimento, o próprio SAM, em 1948 apresentava características atribulada, resultando em vexame para o Governo e à administração do próprio Serviço Público. Nos anos 60 o SAM é extinto, cedendo espaço para FUNABEM (Fundação do Bem Estar do Menor) em primeiro de Dezembro de 1964. A FUNABEM aponta para uma mudança, onde o termo “menor” cede lugar a criança abandonada. As políticas assistenciais reforçam as considerações feitas no capitulo I, com relação à desestruturação familiar desses menores, devendo ser este o alvo principal de ação, apesar da FUNABEM reconhecer que a problemática da criança é reflexo da problemática da família e a desta é um reflexo do meio em que se desenvolve. E, neste sentido, visa incrementar a criação de instituições que possuam características aproximadas das que informam a vida familiar, de modo que somente se venha a admitir internamento do menor à falta de instituição deste tipo ou por determinação judicial, porém a instituição continuava repassando a mesma lógica carcerária ainda do código de Mello Mattos. Em 1967, a FUNABEM, estabeleceu junto a policia, o sistema de recolhimento provisório de menores. A partir de meados dos anos 70, o Brasil assiste ao desenvolvimento de uma série de movimentos populares, que impressionam pela sua vitalidade, profusão, criatividade e energia. Na área da criança e do adolescente, isto reflete nas discussões em torno de um novo código de menores. As propostas apresentadas refletiam vazios deixados por décadas passadas, contudo, seria um código moldado à velha Lei (Mello Mattos) embora adaptado aos novos tempos surge o código de 1979. O Movimento Social especificamente voltado para a infância originou-se na primeira metade da década de 80, intensificando-se a partir de 1985, onde a primeira rede organizada 27. em âmbito nacional traz a perspectiva de defesa de Direitos, com a criação de uma nova lei, que garantisse os direitos da criança e do adolescente. 28. CAPITULO II ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE “O estatuto da Criança e do Adolescente é a lei que concretiza e expressa os novos direitos da população infanto-juvenil brasileira, seu caráter radicalmente inovador representa uma extraordinária ruptura com a tradição nacional e latino-americana nesse campo. Ele inova em termos de concepção geral e de processo de elaboração”. (Costa,1949:24) Para entendermos melhor a questão do Estatuto da Criança e do Adolescente nas políticas publicas, precisamos entender as chamadas mudanças de paradigmas que tivemos quando o Código de Menores (Lei 6.697) e a Política Nacional de Bem Estar do Menor (Lei 4.513) foram substituídas por uma nova Lei inspirada na Constituição de 88 e nos avanços mais recentes da normativa internacional nessa área. Em termos muito simples, podemos dizer que passamos da doutrina da situação irregular pra a doutrina da proteção integral. O que há de diferente nestas doutrinas, é que a primeira trata da proteção e da vigilância ao menor em situação irregular, ou seja, os carentes, os abandonados, os inadaptáveis e os infratores, sendo que os carentes e abandonados eram objeto de proteção e os inadaptáveis e infratores objeto de vigilância. Essa doutrina não tratava da população infanto-juvenil em todos os seus segmentos. 29. Houve então a mudança e o Estatuto da Criança e do Adolescente foi constituído tendo a doutrina de proteção integral como base. Esta doutrina foi formulada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pelas Nações Unidas em 1989, após dez anos de discussão pela comunidade internacional iniciada em 1979, Ano Internacional da Criança. Essa Convenção tem força de lei> Podendo ser incorporada diretamente à Constituição de um Pais, como fez o Brasil, introduzindo a Convenção na Constituição de 1988 através do artigo 227 e elaborando uma lei – o Estatuto da Criança e do Adolescente – com 267 artigos, regulamentado a aplicação do artigo 227 da Constituição, que reza: “É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência , discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. O Estatuto da Criança e do Adolescente divide-se em duas partes. Do artigo primeiro até o artigo 85 é uma lei programática, faz a proclamação dos direitos da Criança, À parte dois, chamada parte especial, que começa com o artigo 86, trata da política de atendimento. Esta, junto aos procedimentos do judiciário, forma a parte procedimental. O procedimento tem uma dupla natureza: são procedimentos das políticas sociais pra garantir os direitos da criança e do adolescente e são procedimentos do Judiciário, quando a criança está envolvida em conflito de natureza jurídica. A política de atendimento à criança e ao adolescente visa garantir o direito à sobrevivência, ao desenvolvimento e à integridade para todas as crianças e adolescentes sem exceção alguma. O artigo 86 traz a natureza dessa política, estabelecendo que a 30. política de atendimento far-se-á em um conjunto de ações governamentais e não governamentais da União, dos Estados e dos Municípios. Essa é a definição da política de atendimento: um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, ou seja ações do governo e ações da sociedade civil organizada. Estas ações são de três níveis. Federal, estadual e municipal. A política de atendimento tem como primeira linha de ação, as políticas sócias básicas. Pela definição das Nações Unidas, política social básica é quando dela se pode dizer: isto é direito de todos e dever do Estado. Por exemplo, educação e saúde são políticas sociais básicas, porque são direitos de todos e dever do Estado. Já a política de Assistência Social não é universal. Não é todo mundo que vai ter acesso aos programas de assistência social. Destina-se àqueles que estão em estado de necessidade temporária ou permanente, em razão de carência de recursos econômicos, em razão de alguma situação momentânea, uma catástrofe ou uma vulnerabilidade de natureza permanente, como uma deficiência, por exemplo. O programa de proteção especial é um conceito novo e visa atender a pessoas nas situações em que sua integridade esta em risco, em razão de omissão da família, da sociedade, do Estado, ou em razão de sua conduta. Temos finalmente, a chamada política de garantia de direitos . Garantia de direitos são aqueles mecanismos que garantem exigibilidade. Relembrando: o artigo 227 estabelece que tudo que é direito da criança, é dever da família, da sociedade e do Estado. Garantir é tomar alguma coisa exigível. E uma coisa é exigível, quando eu solicito aquilo a que eu tenho direito e não sou atendido; nesse caso, posso recorrer a lei para fazer valer o meu direito. O Estado dispõe com alguns mecanismos para fazer valer os direitos: O Ministério Público, a Justiça, a Policia. Já a sociedade civil pode garantir direitos através da Comissão de Justiça e Paz, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, da Anistia Internacional, do 31. Movimento Negro Unificado, da Delegacia da Mulher, da Delegacia do Consumidor, do PROCON, e de outros mais. O que percebemos é que existem tantos órgãos criados pelo Poder Público pra resolver o problema da Criança e do Adolescente, e o que vemos, na realidade, é um quadro cada vez pior de crianças jogadas a própria sorte, e que ninguém vem em público explicar o fracasso de seus programas. Na área social, porém se quisermos que as leis saiam do papel, precisamos contar com uma longa caminhada e com a mobilização da sociedade civil, para podermos transformar intenções em realidade. 32. PARTE IV ANÁLISE DAS VIVÊNCIAS DO GRUPO DE ADOLESCENTES 33. CAPITULO I PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A natureza do problema proposto, juntamente com os objetivos estabelecidos, me conduz a escolha de uma pesquisa participante, pautada em entrevistas individuais e dinâmicas de grupo, pois entendo que certos tipos de problemas são sensíveis de um acompanhamento individualizado, mas o trabalho em grupo, de certa forma,me parece ser o mio mais apropriado de ajuda pra um desenvolvimento social e de preparação para novas experiências, pois a adolescência, embora seja um fenômeno universal, tem características que variam conforme o ambiente sócio-cultural . Procurei garantir que toda complexidade do objetivo seja apreendida, através da análise qualitativa na coleta e no tratamento dos dados. De acordo com Minayo (1993), “Numa busca qualitativa, preocupamo-nos menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política social, ou de uma representação”. Portanto, o critério para o desenvolvimento do presente trabalho não é meramente numérico, ms pautado na diversidade de seu tema, visto que a avaliação do trabalho se fará pela participação, pelo engajamento e pelo crescimento apresentado pelos adolescentes no decorrer da existência do grupo, através das entrevistas individuais e coletivas, onde permitirão compreender as tensões presentes na fase da adolescência. 34. A utilização da Pesquisa Participante me permitiu uma atuação com o grupo e não sobre o grupo. No dizer de Brandão (1985:9), Pesquisa Participante é “... uma modalidade nova de conhecimento coletivo do mundo e das condições de vida de pessoas, grupos e classes populares. Conhecimento coletivo a partir de um trabalho que recria, de dentro para fora, formas concretas dessas gentes, grupos e classes participarem do direito e do poder de pensarem, produzirem e dirigirem os usos de sue saber a respeito de si próprias”. Esta conscientização é a possibilidade de novas formas de articulação entre a realidade interna e a externa, permitem uma visão critica do próprio sujeito que, só então , torna-se capaz de executar seu desejo de mudança, tão comum nesta fase de sua vida. A abordagem utilizada para elaboração deste trabalho é a existencial fenomenológica tentando analisar a experiência com adolescentes e de como vivenciam a fase da adolescência dentro de uma instituição. Apliquei uma dinâmica grupal, pra atender o objetivo acima. Procurei identificar os nomes dos adolescentes por siglas, descrendo suas falas na integra, mantendo fidelidade ao discurso. Em vista disto foram selecionados 12 adolescentes, na faixa etária de 12 a 17 anos. Conforme quadro a seguir: 35. IDENTIFICAÇÃO DOS ADOLESCENTES NOME IDADE ML 14 SIM FB 13 NÃO KY 13 NÃO FBNA 14 SIM FBA 16 NÃO EK 14 SIM MCD 16 SIM LA 14 NÃO AG 15 SIM KTA 13 NÃO FTA 14 SIM EL 16 POSSUEM LAÇOS FAMILIARES SIM Como mostra o quadro acima o critério adotado é de que o grupo fosse apenas de adolescentes, independente de possuírem laços familiares. Esta pesquisa teve duração de três meses. 36. Sendo assim realizei dois encontros com este grupo, que através de dinâmicas e reflexões, buscamos compreender o objetivo da Pesquisa. 37. CAPITULO II ANÁLISE DOS DEPOIMENTOS DE UM GRUPO DE ADOLESCENTES O adolescente institucionalizado assim como qualquer outro adolescente apresenta características iguais, mesmo se apresentando de forma diferenciada, devido a influencias que recebem no meio em que vivem. Sendo assim irei relacionar a seguir as respostas dos adolescentes durante as dinâmicas de grupo e entrevistas realizadas na instituição. Tendo como foco de pesquisa conhecer os sonhos, desejos e perspectivas de futuro desses adolescentes. Em um primeiro momento vamos analisar os sonhos e visões de mundo desses jovens institucionalizados, onde podemos perceber que estes diferem basicamente dos projetos dos adolescentes que tem suas casas e lares constituídos. Porque os primeiros, estão “comprometidos e marcados” por uma posição psicosocial que são obrigados a assumir desde o seu nascimento, o abandono. Na medida que vão crescendo, ficam presos a necessidade de solução imediata, buscando o espaço da rua como um meio de sobrevivência. Todo adolescente vivencia momentos de crise e um intenso desenvolvimento, sofrendo profundas transformações e um processo de amadurecimento físico, psicológico e social. O conflito vivido na adolescência é o próprio processo de mudança que se manifesta através do comportamento do jovem. 38. Segundo Sandstrom ( 1971:48) “ a adolescência, embora seja um fenômeno universal, tem características que variam conforme o ambiente sociocultural e é difícil precisar sobre seus limites. Portanto não se pode negar a importância desses fatores socioculturais sob os fenômenos expressos durante a adolescência”. Pode-se até dizer que os projetos de vida desses adolescentes, representam seu modelo presente de solução de vida. Segundo Chenuaux (1988:23) “alguns demonstram o seu desejo de mudança, outros demonstram ter aspirações, ou por influencia da família ou por opção própria”. Como também podemos verificar nos depoimentos dos adolescentes entrevistados: “Também quero ser da Marinha, meu tio e meu pai conversam muito sobre a Marinha, e quando eu era pequena ouvia muito essas historias e fiquei com isto na cabeça”. (Ek, 14 anos) “Sair da instituição, ser adotada por italianos e ser modelo”. ( KY,13 anos) “Conhecer o México, sair do Brasil”. (FTA, 14anos) “Quero ser bailarina e professora de dança, mas sei que não vou poder realizar este sonho, porque para ser bailarina tem que estar em uma escola e eu não estou em nenhuma”. (FBNA, 14 anos) 39. De acordo com Sanstrom ( 1971:191) “ O adolescente que sempre se sente rejeitado, que por uma ou outra razão, não seja aceito pelos pais, que não satisfazem as suas expectativas, ou que sejam comparadas de um modo não favorável com outras crianças e sujeitas a comentários sarcásticos, não vive numa atmosfera emocionalmente benéfica”. Esta colocação é também percebida nestes jovens, como veremos a seguir: “Meu desenho me faz sentir chata. Tem muita injustiça, as pessoas fazem muita injustiça. As crianças e os adultos xingam a gente de vagabundos e nós não somos vagabundos”. (EK, 14 anos) “Quero ser veterinária, cuidar dos animais. Eles são mais amigos da gente do que gente, ele só bate se a gente bater”. “Ser pobre é muito ruim, quero ser rica porque vou jogar muita coisa na cara dos outros. Quero ir embora desse país”. (ML , 14 anos) “Sonho em me formar em Medicina, estudar inglês e sair do Brasil. Porque não gosto do Brasil, não quero falar porque”. (MCD, 16 anos) Verificamos que estes adolescentes vivem um estado de tensão constante, devido ao conflito entre a fantasia e a realidade, onde são submetidos a todas as pressões de consumo que a sociedade divulga. 40. Constatamos que os brinquedos, os aparelhos elétricos, as marcas de boutique, os alimentos enlatados, o shopping e os lugares da moda fazem parte desse imaginário coletivo que simboliza a vida fora da instituição. Em contrapartida as instituições de abrigo apresentam uma realidade diferente daquela que ele gostaria de viver. O adolescente passa a apresentar características em seu desenvolvimento que formam a sua identidade, sendo uma delas a busca de si mesmo e da sua identidade adulta, com momentos de isolamento no qual o busca entender a sua identidade, momento este fundamental para a sua formação. Com o adolescente institucionalizado essa busca não tem individualidade, ele não tem um espaço reservado onde possa buscar esse isolamento, dentro da instituição não existe individualidade, muito menos direito de escolha, sendo assim a busca da identidade para esses jovens é muito difícil. “..todas as problemáticas relacionadas à pessoa (..) aos adolescentes (...) encontram seu desaguadouro natural na grande questão da família”. (Mendes, 1994:21) Em um segundo momento foi abordado com os jovens suas posições quanto às famílias, percebi que a maioria deles, tem como maior desejo estar junto com as famílias de origem. Para eles os laços e/ou vínculos familiares são aqueles estabelecidos no núcleo de origem. 41. A valorização da figura materna é um aspecto a ser considerado quando se observa os vínculos que são mantidos, mesmo quando esses adolescentes não estão em suas casas, preservam a relação com o núcleo de origem, relação esta nunca cortada totalmente. Para Mendes (1994:24 “.. a família é o ponto de confluência das realidades da criança, e do adolescente, ..”. Eles se lamentam e se referem ao fato de não estarem em melhor situação devido à ausência do vinculo familiar. Como podemos verificar a seguir: “Não quero ser rica, mas quero ter uma casa para morar com a minha família” (FBA, 14 anos) “Se um dia ganhar dinheiro, trabalhar, trabalhar, trabalhar, até eu conseguir comparar uma casa, para os meus irmãos morarem comigo”. ( EK, 14 anos) “Quero morar junto da minha mãe e irmão”. (AG, 15 anos) Em um terceiro momento verifica-se que o papel da instituição como entidade de atendimento, deve ser de acordo com o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde todas devem ser responsáveis pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio educativos destinados à criança e adolescentes. Verifiquei que a instituição que serviu de base para a pesquisa, se apresentam cheia de normas, condutas e regras de organização. Desta forma todos os seus membros se sentiam responsáveis pela “educação” dos adolescentes, sendo que a direção se preocupava de forma autoritária para manter o controle sobre estes, cobrando sempre “bons modos” e seguimento das normas institucionais. Os adolescentes deviam cumprir essas normas, sem questioná-las para manutenção do equilíbrio institucional. 42. “Limpo os quartos, limpo os vidros e lavo os banheiros nos finais de semana”. (FABNA, 14 anos) “Lavo o refeitório, cuido da farmácia e da biblioteca” (MCD,16 anos) Verifica-se a evidência da privação do exercício da sua função natural, “ser adolescente”, viver o “mágico”, a “fantasia”, o brinquedo “, que lhe permita soltar a” imaginação “, a criação e as emoções. 43. CONCLUSÃO Ao finalizar o trabalho, conclui que o adolescente institucionalizado possui características e comportamentos iguais a qualquer outro adolescente, e o que o diferencia d daqueles que tem seus lares constituídos, é a maturação de sua adolescência . Além de todas as carências sociais, econômicas e afetivas destes jovens, as políticas direcionadas a este segmento, reduzem os recursos necessários a sobrevivência destas crianças e adolescentes. Por sua vez a sociedade só vem agravar este quadro, rotulando esses adolescentes como “delinqüentes”, “meninos de rua”, “pivetes”, e nunca como adolescentes na sua essência. A sociedade desconhece que esses adolescentes possuem os mesmos direitos como qualquer outro. Podemos perceber que se estabelece uma atitude de preconceito e antagonismo sistemático a toda manifestação de jovens abandonados, seja quanto aos hábitos, os aspectos físicos, linguagens ou idéias, isto os diferenciam da crise juvenil encontrada nos adolescentes que possuem família, pois estes têm sempre a proteção desta para entender e apoiar essa fase da vida tão cheia de conflitos. Segundo Papalia ( 1981:507) “estes problemas afetam os adolescentes de todo os segmentos da sociedade, do muito rico ao muito pobre”. 44. Por fim, concluo que mesmo com todas as agruras da vida, os adolescentes institucionalizados procuram preservar muitas coisas, suas vidas, a vida dos seus, as relações familiares existentes, seus afetos, suas emoções e principalmente, seus desejos, sonhos e esperanças. 45. BIBLIOGRAFIA 1 .ABRANCHES, Sérgio Henrique. Política Social e Pobreza. 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