A HOLDING FAMILIAR COMO INSTRUMENTO DE
EFETIVAÇÃO DO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
Ana Claudia Redecker
Heloisa Korb Bondan
SUMÁRIO: Introdução; 1 Holding; 1.1 Conceito; 1.2 Espécies; 1.3
Objetivos
da
holding
familiar;
1.4
Aspectos
societários;
1.4.1
Sociedade limitada e sociedade anônima; 1.4.2 Elementos contratuais
e estatutários; 1.4.3 Pactos parassociais; 2 Planejamento patrimonial;
2.1 Unidade familiar e unidade empresarial; 2.2 Controle societário;
2.3 Filosofia da holding; 2.4 Gestão da holding familiar;
2.4.1
Administração e profissionalização; 2.4.2 Práticas de governança
corporativa na empresa familiar; 2.5 Aspectos de funcionamento; 2.5.1
Proteção contra terceiros; 2.5.2 Rendas e receitas da holding; 3
Planejamento sucessório; 3.1 Problemática da sucessão na empresa
familiar; 3.2 Direito empresarial e holding familiar como forma de
planejamento; 3.3 Partilha em vida; 3.3.1 Adiantamento da legítima
através da doação de quotas ou ações; 3.3.2 Usufruto; Considerações
finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae)
1
, no Brasil, 90% das empresas são
familiares. Entre essas empresas, estima-se que 75% estejam sob o
1
Folha de Londrina. No Brasil, 90% das empresas são familiares. Santa Catarina: Sebrae, 03 out.
2005. Disponível em: <http://www.sebrae-sc.com.br/newart/default.asp?materia=10410>. Acesso em:
15 abr. 2014.
1
comando da primeira geração, 20% nas mãos da segunda geração e
apenas 5% sob controle das gerações seguintes 2.
Vê-se, pois, um relevante obstáculo para as empresas familiares no
que tange à continuidade do negócio, quando da transição de controle
entre as gerações da família. O processo de sucessão é uma das fases
mais
delicadas
na
vida
de
uma
empresa
familiar
e,
se
não
for
adequadamente conduzido, pode comprometer a sobrevivência do negócio.
Com efeito, torna-se imprescindível que o(s) fundador(es) tenham e m
mente a projeção de um planejamento patrimonial e sucessório, como meio
a garantir a continuidade do negócio e a proteção do patrimônio familiar.
Com base nesses fatos, a constituição da sociedade holding de
caráter familiar ganhou notoriedade como instrumento jurídico societário
que
pode
oferecer
vantagens
para
a
efetivação
do
planejamento
patrimonial e sucessório.
Inicialmente será definido o conceito e as diferentes espécies de
holding, bem como as vantagens da holding especificamente familiar.
Abordar-se-á a natureza jurídica e os dois tipos societários que melhor
atendem às necessidades para a constituição da holding familiar, quais
sejam, as sociedades limitadas e as sociedades anônimas, diferenciando se as particularidades de cada tipo. Além disso, será abordado o pacto
parassocial como elemento complementar à efetivação da organização
sucessória. Esta abordagem inicial visa a conceituar, a conhecer as
vantagens,
e
o
tipo
contratual
da
holding,
pois,
a
partir
desse
conhecimento, será possível compreender a operabilidade da sociedade de
participações na empresa familiar.
2
LETHBRIDGE, Tiago. O desafio de trabalhar com o pai. Revista Exame, São Paulo, v. 39, n. 5, p.
22-35, 2005. Disponível em: <http://www.wernerassociados.com.br/BASEW%26a/Nerwsletter/news
exame.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014.
2
A seguir, será demonstrado como a holding dispõe a estrutura
empresarial da empresa familiar, de forma a separar a família da gestão da
empresa, profissionalizando-a e, consequentemente, aplicando as regras
do direito societário nas relações dos sócios familiares. Por fim, será
analisada a holding como forma a efetivar a sucessão patrimonial e a
perenidade da empresa.
Por fim, demonstrada a problemática da continuidade do negócio
familiar, serão apresentadas as conclusões visando a demonstrar a sua
relevância devido à necessidade de se encontrar uma forma eficaz para
que o titular do patrimônio idealize a sucessão patrimonial, evitando,
assim, a ocorrência de conflitos familiares, bem como a inviabilidade da
continuação do negocio familiar.
1.
HOLDING
1.1
Conceito
Na língua inglesa, a expressão holding company, ou simplesmente
holding, serve para nomear aquelas pessoas jurídicas cujo capital social é
constituído de participações societárias de outras empresas 3.
"To hold", em inglês, traduz-se como segurar, deter, sustentar, entre
outras ideias, as quais remetem a u m sentido de domínio e/ou controle 4.
Essa tradução nada mais é do que a essência de sua existência, pois a
holding, como ideia primordial, é constituída para o fim de exercer o poder
de controle sobre outra sociedade ou determinado patrimônio.
3
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens. Planejamento
jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 6.
4
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 6.
3
Segundo os ensinamentos de Prado, Costalunga e Krischbaum 5, a
holding é aquela sociedade cujo capital social detém participações
societárias de outras pessoas jurídicas, como cotista ou acionista. Noutras
palavras, é uma sociedade formalmente constituída, com personalidade
jurídica, cujo capital social, ou ao menos parte dele, é subscrito e
integralizado
com
participações
societárias
de
outra(s)
pessoa(s)
jurídica(s).
Cumpre salientar, desde logo, que a holding não é um tipo societário,
tampouco tem uma natureza jurídica predeterminada. Pode-se dizer que a
holding é um instrumento jurídico societário que, em seu conceito
originário, é uma sociedade que detém participação societária de outras
sociedades, controlando-as ou não.
Consoante dispõe a Lei das Sociedades Anônimas, em seu art. 2º, as
holdings são sociedades que investem seu patrimônio em ações ou quotas
de outras sociedades; assim, em seu objeto social deverá expressamente
mencionar a atividade de participação no capital social de outras
empresas.
Segundo Amendolara 6, as holdings verdadeiramente constituídas são
aquelas que exercem atividade conforme seu conceito originário, qual seja,
ter participações em outras empresas, exercendo o poder de controle.
Contudo, alerta que demais estudiosos divergem quanto à matéria, pois
entendem que nem sempre o ideal é utilizar holdings no seu conceito mais
puro, ou seja, com finalidade exclusiva de controle.
Um exemplo dessa divergência são os autores Edna Lodi e João Lodi
7
. Para eles, a holding pura seria um conceito importado, pois mostra uma
posição diferente da realidade brasileira. Noutros países, conceitua-se a
5
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Sucessão familiar e
planejamento societário II. In: PRADO, Roberta Nioac; PEIXOTO, Daniel Monteiro; SANTI, Eurico
Marcos Diniz de (Org.). Direito societário: estratégias societárias, planejamento tributário e
sucessório. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 239.
6
AMENDOLARA, Leslie. A sucessão na empresa familiar. 2. ed. São Paulo: Lazuli, 2005. p. 36.
7
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Holding. 4. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2011. p. 5.
4
empresa holding apenas com a sua finalidade controladora, cuja única
atividade é manter ações de outras companhias, controlando-as.
Afirmam Edna Lodi e João Lodi 8 que no Brasil, por questões fiscais e
administrativas, a holding é utilizada num sentido mais amplo, haja vista
possibilitar tanto a participação societária em outras empresas como
també m a prestação de serviços civis ou eventualmente comerciais, mas
nunca industriais.
Nessa linha, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 9 acrescentam
que, na prática, a utilização da holding é muito mais ampla do que seu
conceito originário, uma vez que pode ser utilizada não só para controlar
outras sociedades, mas também para controlar um patrimônio. Ou seja, a
holding poderá armazenar para diferentes tipos de bens e direitos, como
propriedade de bens móveis ou imóveis, investimentos financeiros e
propriedade industrial (marcas e patentes), exercendo o controle sobre
estes bens.
Outrossim, cabe comparar a sociedade holding com u ma sociedade
operacional. Uma tem função completamente diversa da
outra. As
sociedades operacionais são aquelas com atividade empresarial (com fim
lucrativo), que estão focadas no mercado em que atuam, com as
tendências do cliente e com a concorrência e outros problemas externos.
Conforme ensinam Prado, Costalunga e Krischbaum 10, a sociedade
operacional é aquela que objetiva o lucro, explorando o seu objeto social,
seja atividade financeira, industrial, comercial e outros:
A
sociedade
empresarial
operacional
prevista
no
caput
do
mencionado art. 2º da Lei das S.A. é a sociedade que tem por objeto
qualquer empresa de fim lucrativo. Ou seja, aquela constituída com o fim
8
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 5.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 6.
10
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 242.
9
5
de explorar em seu objeto social atividade financeira, industrial, comercial
ou de prestação de serviços, e outros empreendimentos correlatos e que
forem necessários ao desenvolvimento de seu(s) objeto(s) principal(is).
De outro modo, a holding tem como função participar do capital
social destas sociedades operacionais. Enquanto a sociedade operacional
visa ao lucro e à concorrência, a sociedade holding tem uma v isão voltada
para dentro. Concentra-se na produtividade das empresas que controla, e
não no produto que elas oferecem.
1.2 Espécies
Com efeito, a partir do conceito originário, foram sendo criados pela
doutrina jurídica diferentes tipos de holdings, classificando -as por suas
características e seus objetivos, a fim de constituir as que melhor se
adaptem a um determinado contexto, atendendo a objetivos variados.
Assim, doutrinadores identificam diferentes espécies de holdings,
sendo
as
mais
usuais
as
holdings
de
controle,
as
holdings
de
participações, as holdings puras, as holdings mistas e as holdings
patrimoniais.
Para auxiliar no objetivo deste estudo, importa fazer a análise de
cada uma dessas classificações, iniciando -se pela diferenciação entre as
holdings de controle e as holdings de participação.
A diferença destas espécies está no poder de controle que exercem
sobre a(s) empresa(s) operacional(is). A holding de controle detém quotas
e/ou ações em outras sociedades em montante suficiente para exercer o
poder controle, enquanto que a holding de participação possui mera
participação dos títulos societários 11.
11
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 7.
6
Para
Amendolara 12,
as
holdings
de
controle
são
aquelas
verdadeiramente constituídas, cujo objetivo é tão somente controlar outras
sociedades para fins de acondicionar os interesses dos quotistas ou
acionistas dentro do grupo. Normalmente, é para este fim que a holding se
objetiva.
Nesta senda, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça 13 assim
se pronunciou:
Considera-se controlada
a sociedade
na
qual
a controladora,
diretamente ou por meio de outras controladas, é titular de direitos de
sócios que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas
deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.
Longo et al. 14 identificam que a holding, para deter o poder de
controle, deverá ter um determinado número de ações ou quotas que lhe
assegurem o direito de voto:
[...] é a empresa investidora de outra; ou seja, detentora de um número de
ações/cotas ou direitos de sócio que lhe assegurem o exercício de voto
daquele grupo que participa do capital social da holding. Se essa holding
detiver o controle, terá preponderância nas deliberações sociais e poder de
eleger a maioria dos administradores - art. 2º, § 2º, da Lei das S.A. (Lei nº
6.404/1976). É designada comumente como holding company (companhia
de gestão).
12
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 8.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 556.265/RJ, da 4ª Turma. Recorrente:
ASA - Administradora de Bens Ltda. e outros. Recorrido: Aloysio de Andrade Faria. Relator: Min.
Barros Monteiro. Rio de Janeiro, 04 de outubro de 2005.
Disponível
em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301157172&dt_publicacao=13/02/2006>.
Acesso em: 19 fev. 2014.
14
LONGO, José Henrique et al. Sucessão familiar e planejamento tributário II. In: PRADO, Roberta
Nioac; PEIXOTO, Daniel Monteiro; SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Org.). Direito societário:
estratégias societárias, planejamento tributário e sucessório. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 270271.
13
7
Para compreender o que significa o poder de controle, é preciso
distinguir o conceito de controle entre as sociedades anônimas e as
sociedades limitadas. Para as sociedades por ações, como regra geral, o
controle é exercido pela maioria absoluta do capital social (o que
representa 50% das ações com direito a voto, mais uma). Já para as
sociedades limitadas, após o advento do novo Código Civil, esse conceito
foi alterado, tornando-se necessário, no mínimo, três quartos do capital
social (75% das quotas) para que os sócios exerçam o poder de controle 15.
No que tange às holdings de participação, Longo et al. 16 expõem que
estas podem configurar apenas uma relação de coligação com as outras
empresas, quando aquela participar com 10% ou mais do capital social
desta, sem controlá-la (art. 243, parágrafo 1º, da Lei das S.A.).
Amendolara 17 traz outra denominação para a holding de participação,
qual seja, holding de investimento, e demonstra que o objetivo desta
espécie é "[...] investir seus recursos em participações em outras
empresas, de maneira não permanente, para auferir resultados". Ainda,
afirma que esta espécie funciona como uma modalidade de investimento,
haja vista seus recursos serem destinados para a compra de quotas ou
ações de outras empresas, sem visar ao poder controle, ou seja, serve
para auferir os lucros das sociedades operacionais, pois os lucros por ela
recebidos não são tributáveis.
Ademais,
importa
referir
que
uma
holding
não
precisa
necessariamente apenas exercer o poder de controle ou apenas obter
participação societária minoritária. Uma holding pode, simultaneamente,
controlar uma(s) sociedade(s) e ter mera participação minoritária em
outra(s) 18.
15
LONGO, José Henrique et al. Op. cit., p. 270.
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 242.
17
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 35.
18
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 8.
16
8
Doutrinadores citam, ainda, outras duas espécies: as holdings puras
e as holdings mistas. A diferença entre elas é que a holding pura segue a
linha do conceito originário da palavra, enquanto a holding mista, além de
participar
de
outras
empresas,
exerce
função
de
uma
sociedade
operacional.
Gladson Mamede e Eduarda Mamede 19 distinguem que será uma
holding pura quando o seu objeto social for, exclusivamente, a titularidade
de quotas e ações de outras sociedades. E será uma holding mista quando
o seu objeto social envolver, além da participação societária em outras
empresas, a realização de determinada atividade produtiva, seja produção
e circulação de bens ou prestação de serviços.
A holding pura nada mais é do que o conceito originário. Nos
ensinamentos de Prado, Costalunga e Krischbaum
20
, "a sociedade holding
pura é aquela que tem por objeto único ser titular de participação no
capital social, normalmente controladora de outra(s) pessoa(s) jurídica(s) ".
A holding pura, por não ter atividade negocial (operacional), apenas
com o objetivo de participar de outras sociedades, tem sua receita
composta tão somente pela distribuição de lucros e juros sobre o capital
próprio, pagos pelas sociedades operacionais
21
.
No que diz respeito às holdings mistas, estas são caracterizadas por,
além de ter participações societárias em outras empresas, controlando-as
ou não, também realizarem atividades operacionais. Amendolara
22
explica
que a holding mista terá atividades operacionais, ligadas ou não aos
negócios principais do grupo, assim como participações de modo a
controlar
outras
sociedades
não
ligadas,
de
forma
minoritária
ou
majoritária.
19
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 7-8.
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 243.
21
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 7.
22
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 35-36.
20
9
Por fim, outra importante espécie de holding é a holding patrimonial
ou imobiliária. Essa espécie, por sua vez, foge da ideia originária da
holding, isto porque é constituída objetivamente para ser proprietária de
determinado patrimônio, podendo ser bens móveis ou imóveis. Diferencia se da holding pura, pois não detém participações societárias de outras
empresas. Não obstante, esta espécie de holding é d e suma importância
para fins de planejamento de empresa familiar, uma vez que auxilia na
divisão e organização da estrutura do patrimônio familiar.
De forma simplificada, definem Prado, Costalunga e Krischbaum
23
que "a holding imobiliária, ou patrimonial, é a sociedade criada para
organizar e centralizar a gestão financeira de imóveis e outros bens
móveis [...]". Um dos interesses mais considerável em constituir uma
holding patrimonial é centralizar determinados bens. Com isso, evita-se o
condomínio de bens indivisíveis, conforme explicam os autores 24:
Tal espécie de sociedade pode ser interessante na hipótese de duas
ou mais pessoas físicas serem proprietárias ou herdeiras de vários bens
imóveis, ou de um importante acervo de obras de arte, por exemplo, e
tenham a intenção de centralizar a gestão de tais ativos e evitar o
condomínio de bens indivisíveis, ou de difícil divisão, e cuja administração
costuma oferecer maior complexidade do que uma sociedade devidamente
constituída.
No mesmo sentido, Longo et al.
25
:
A holding imobiliária é aquela que tem por objetivo deter e/ou
explorar patrimônio imobiliário; para isso, as pessoas físicas conferem
seus bens para a holding, que passa a ser titular deles. Quando o(s)
imóvel(is) pertence(m) a mais de uma pess oa, a constituição da holding
23
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 246.
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 246.
25
LONGO, José Henrique et al. Op. cit., p. 270-271.
24
10
implica
a
descontinuidade
do
condomínio
então
existente,
e
os
proprietários do(s) imóvel(is) recebem participações na holding.
Por ser a holding patrimonial uma empresa, ela possui vantagens se
comparado ao condomínio (dois ou mais proprietários de um imóv el), pois
ela permite tomar decisões por determinados quóruns para alienação de
imóveis, evitando a exigência da decisão unânime, à qual o condomínio é
condicionado, conforme art. 1.314, parágrafo único, do Código Civil. O
imóvel recebido por pessoas físicas depende, para a alienação, da
unanimidade dos condôminos, bem como outorga dos cônjuges daqueles
que casados forem, enquanto um imóvel recebido pela holding depende,
para a alienação, da liberação dos sócios concernente ao quorum previsto
contratualmente, que poderá ser fixado conforme as preferências dos
sócios
26
.
Outra vantagem para fins de planejamento patrimonial - como melhor
será apontado no Capítulo seguinte - diz respeito à separação do
patrimônio familiar do patrimônio empresarial, de forma que os bens
pessoais dos familiares não se misturem com os bens atinentes à
empresa.
1.3 Objetivos da holding familiar
A holding familiar tem como escopo ser um elo entre o empresário e
a família e o seu grupo patrimonial. São muitos os benefícios que a holding
familiar pode trazer, seja no sentido de organizar o patrimônio familiar,
seja no sentido de preparar os herdeiros para a sucessão da empresa
familiar.
Para Gladson Mamede e Eduarda Mamede 27, a holding familiar
objetiva-se em:
26
27
LONGO, José Henrique et al. Op. cit., p. 272.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 9.
11
[...] encartar-se no âmbito de determinada família e, assim, servir ao
planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios
como organização do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal
e sucessão hereditária.
No conceito de Oliveira 28, o propósito da formação de holding é
organizar o controle das empresas afiliadas e, nas empresas familiares,
permitir um planejamento sucessório em vida, para melhor distribuição do
patrimônio do fundador:
As empresas holdings podem facilitar o planejamento, a organização,
o controle, bem como o processo diretivo de suas empresas afiliadas. E,
no
caso
de
holdings
formadas
por
empresas
familiares,
também
proporciona a seus proprietários a melhor distribuição em v ida de seu
patrimônio a seus herdeiros, sem ficar privado do efetivo e amplo processo
administrativo.
Para Oliveira 29, as duas maiores vantagens da holding são o
confinamento dos possíveis conflitos familiares e societários, que ficará
dentro da empresa holding, e a maior facilidade na transmissão da
herança.
Edna Lodi e João Lodi 30 descrevem que a holding familiar faz uma
separação entre o grupo familiar e a sociedade operacional, de forma que,
se ocorrer algum conflito no âmbito familiar, a sociedade operacional não
será atingida pelas consequências.
Para que todos esses apontamentos sejam eficazes, torna-se
relevante
a
despersonalização
do
negócio
familiar.
Isto
porque
a
longevidade da sociedade empresarial depende de planejamento prévio e,
28
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Holding, administração corporativa e unidade estratégica
de negócio: uma abordagem prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 7.
29
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Op. cit., p. 21.
30
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 51.
12
para isso, utiliza-se da formação de uma ou mais holdings, como
instrumentos jurídicos societários com a finalidade de evitar conflitos
familiares que possam prejudicar a sociedade. Ou, ainda, com o propósito
de organizar racionalmente a forma de sucessão entre gerações.
Nesse contexto, Floriani 31 aponta que a sociedade empresarial
familiar, para se aproximar de sua máxima perfeição, deverá iniciar pela
despersonalização do negócio, tornando-o um ente jurídico com objetivos
eminentemente empresariais. Para tanto, cria-se uma empresa como um
ente jurídico próprio e independente dos seus sócios.
Logo, em sentido amplo, a holding familiar poderá servir como
instrumento de planejamento patrimonial, interessante para os que visam à
proteção patrimonial, evitando conflitos no que tange à sucessão e à
perenidade dos negócios, entre outros.
Numa ideia mais específica, indicando os possíveis campos de
atuação da holding, Edna Lodi e João Lodi
32
sugerem uma série de razões
para a sua formação, entre as quais:
a) manter ações e quotas de outras sociedades como majoritária ou como
minoritária, evitando, assim, a pulverização societária;
b) solucionar problemas de sucessão administrativa, treinando sucessores
como também profissionais da empresa para alcançarem cargos de
direção;
c) solucionar problemas referentes à herança, substituindo em parte
declarações testamentárias, indicando especificamente quem serão os
sucessores da sociedade;
d) obter aproveitamentos da legislação fiscal vigente;
31
32
FLORIANE, Oldoni Pedro. Empresa familiar ou... inferno familiar? 2. ed. Paraná: Juruá, 2008. p. 76.
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Holding. Op. cit., p. 10-12.
13
e) melhor administrar bens móveis ou imóv eis, visando a resguardar o
patrimônio, seja ele patrimônio da sociedade operadora ou patrimônio
familiar.
1.4 Aspectos societários
A holding familiar, como instrumento jurídico societário, deverá
adotar o tipo contratual que melhor atender as suas necessidades. Poderá
ser uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima ou, ainda, algum
dos outros tipos societários previstos no Código Civil. Quanto a sua
natureza jurídica, poderá ser uma sociedade simples ou uma sociedade
empresária.
Neste artigo, haja vista serem os tipos
mais utilizados para
constituição de sociedades brasileiras, dar-se-á prioridade à análise das
sociedades limitadas e das sociedades anônimas, conferindo as vantagens
de uma e de outra. Segundo dados de estatísticas do Departamento
Nacional de Registro de Comércio (DNRC) 33, o total de sociedades
limitadas constituídas entre os anos de 1985 a 2005 somou 4.300.257. De
sociedades por ações, a soma foi de 20.080, enquanto outros tipos
societários, em conjunto, somaram apenas 4.534.
Outrossim, é de se ressaltar que serão trabalhadas apenas algumas
características
essenciais
destes
tipos
societários,
as
quais
são
importantes para a escolha quando da constituição de uma sociedade
holding,
considerando
o
contexto
estratégico
para
o
planejamento
societário.
33
Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC). Constituição de empresa por tipo
jurídico
Brasil
1985-2005.
Brasília/DF,
[2014?].
Disponível
em:
<http://www.dnrc.gov.br/estatisticas/caep0101.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.
14
1.4.1 Sociedade limitada e sociedade anônima
As sociedades limitadas são sociedades contratuais que têm como
fator fundamental o mútuo reconhecimento e a aceitação dos sócios. Isto
é, são sociedades constituídas primordialmente em função das pessoas
(intuitu personae). Este aspecto é de extrema relevância para holdings,
notadamente, as familiares, porquanto o quadro societário desta sociedade
normalmente será composto por pessoas de uma mesma família 34.
Outro aspecto considerável é a ampla liberdade contratual dos
sócios quotistas, que poderão alterar as cláusulas predeterminadas em lei,
desde que respeitados os limites nesta previstos. Isto amplia a liberdade
dos sócios em definir estratégias, que se fazem necessárias para atender
aos objetivos da holding familiar.
As regras das sociedades limitadas estão previstas no Código Civil,
no Capítulo IV, mas, na ausência de norma específica ou no silêncio do
contrato social, a essas sociedades serão aplicadas as regras da
sociedade simples (art. 1.053 do CC). Contudo, há também a possibilidade
de o contrato expressamente prever a regência supletiva da sociedade
limitada pelas normas das sociedades por ações (parágrafo único do
mes mo dispositivo legal).
Com o advento do novo Código Civ il, houve notáveis alterações nas
regras das sociedades limitadas. Como dito outrora, fora modificado o
conceito de controle societário destas sociedades: hoje, conforme dispõe o
art. 1.071, V, c/c o art. 1.076, I, ambos do Código Civil, para qualquer
alteração do contrato social, independente da matéria, o quorum será de,
no mínimo, três quartos (75%) do capital social. Ou seja, o que antes era
possível comandar com 50% mais uma quota, hoje requer, no mínimo, uma
participação equivalente a 75% do capital s ocial.
34
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 94-96.
15
Nas sociedades limitadas, a responsabilidade de cada sócio em
responder por suas obrigações é restrita à integralização das suas quotas,
mas todos os sócios são responsáveis solidariamente pela integralização
da totalidade do capital social. Estando o capital social totalmente
integralizado, o patrimônio pessoal dos sócios, em regra, não responde por
dívidas da sociedade.
As
sociedades
anônimas,
na
sua
essência,
constituem-se
primordialmente em função do capital a ser investido (intuitu pecuniae) e
caracterizam-se por ter grande facilidade de transações com suas ações,
razão pela qual atualmente têm sido escolhidas como tipo societários de
sociedades familiares. Quando isto ocorrer, necessariamente, recomenda se optar por uma sociedade anônima de capital fechado, pois, nestas, suas
ações não estão disponíveis no mercado de capitais.
Por essa razão, neste artigo serão tratadas apenas as sociedades
anônimas de capital fechado, quais sejam, aquelas que não têm os seus
valores mobiliários admitidos à negociação no mercado de valores
mobiliários, isto porque são estas que se aproximam dos objetivos de uma
holding familiar, conforme será visto.
Importa aludir que, em função da constituição de sociedades
anônimas de capital fechado composta no total, ou em sua maioria, por
entes de uma mesma família, tem-se reconhecido na jurisprudência 35- 36
35
"Empresarial. Sociedade anônima fechada. Cunho familiar. Dissolução. Fundamento na quebra da
affectio societatis. Possibilidade. Devido processo legal. Necessidade de oportunizar a participação
de todos os sócios. Citação inexistente. Nulidade da sentença reconhecida. 1. Admite-se dissolução
de sociedade anônima fechada de cunho familiar quando houver a quebra da affectio societatis. 2. A
dissolução parcial deve prevalecer, sempre que possível, frente à pretensão de dissolução total, em
homenagem à adoção do princípio da preservação da empresa, corolário do postulado de sua função
social. [...] 4. Recurso especial não provido." (BRASIL. STJ, REsp 1303284/PR, 3ª T., Recorrente:
Aurélio Fontana de Pauli - Espólio. Recorrido: Antônio de Paulo S/A. Relatora: Min. Nancy Andrighi,
Brasília,
16
de
abril
de
2013.
Disponível
em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=27102415&sReg=20
1200066915&sData=20130513&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 25 fev. 2013)
36
"Direito societário e empresarial. Sociedade anônima de capital fechado em que prepondera a
affectio societatis. Dissolução parcial. Exclusão de acionistas. Configuração de justa causa.
Possibilidade. Aplicação do direito à espécie. Art. 257 do RISTJ e Súmula nº 456 do STF. 1. O
instituto da dissolução parcial erigiu-se baseado nas sociedades contratuais e personalistas, como
alternativa à dissolução total e, portanto, como medida mais consentânea ao princípio da preservação
16
como sociedade que possui um elo específico entre os sócios, estando uns
obrigados perante os outros e, portanto, presente a característica da
affectio societatis 37.
A respeito, veja-se o entendimento da Segunda Seção do Superior
Tribunal de Justiça
38
:
É inquestionável que as sociedades anônimas são sociedades de
capital (intuito pecuniae), próprio às grandes empresas, em que a pessoa
dos sócios não têm papel preponderante. Contudo, a realidade da
economia brasileira revela a existência, em sua grande maioria, de
sociedades anônimas de médio e pequeno porte, em regra, de capital
fechado, que concentram na pessoa de seus sócios um de seus elementos
preponderantes, como sói acontecer com as sociedades ditas familiares,
cujas ações circulam entre os seus membros, e que são, por isso,
constituídas intuito personae. Nelas, o fator dominante em sua formação é
a afinidade e identificação pessoal entre os acionistas, marcadas pela
confiança mútua. Em tais circunstâncias, muitas vezes, o que se tem, na
prática, é uma sociedade limitada travestida de sociedade anônima, sendo,
da sociedade e sua função social; contudo, a complexa realidade das relações negociais hodiernas
potencializa a extensão do referido instituto às sociedades 'circunstancialmente' anônimas, ou seja,
àquelas que, em virtude de cláusulas estatutárias restritivas à livre circulação das ações, ostentam
caráter familiar ou fechado, onde as qualidades pessoais dos sócios adquirem relevância para o
desenvolvimento das atividades sociais ('affectio societatis'). (Precedente: EREsp 111.294/PR,2ª S.,
Rel. Min. Castro Filho, DJ 10.09.2007) [...]. 5. Caracterizada a sociedade anônima como fechada e
personalista, o que tem o condão de propiciar a sua dissolução parcial - fenômeno até recentemente
vinculado às sociedades de pessoas, é de se entender também pela possibilidade de aplicação das
regras atinentes à exclusão de sócios das sociedades regidas pelo Código Civil, máxime diante da
previsão contida no art. 1.089 do CC: 'A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-selhe, nos casos omissos, as disposições deste Código'." (BRASIL. STJ, REsp 917.531/RS, 4ª T.,
Recorrente: Richard David Valansi outro. Recorrido: Patrick Maurice Maxime Valansi e outros.
Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Brasília, 17 de novembro de 2011. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=19536959&sReg=20
0700073925&sData=20120201&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 25 fev. 2013 - grifos do autor)
37
Affectio societatis é "[...] o esforço para manter comportamento afeito à vida social, revelando
ânimo para a sua manutenção" (MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e
suas vantagens. Planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2013. p. 132).
38
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no Recurso Especial nº
111.294/PR. Embargante: Cocelpa Companhia de Celuloso de Papel do Paraná e outros.
Embargado: Jacob Baptista de Pauli - Espólio. Relator: Min. Castro Filho. Brasília, 28 de junho de
2006.
Disponível
em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=633281&sReg=200201005006&s
Data=20070910&formato=PDF>. Acesso em: 19 fev. 2013.
17
por conseguinte, equivocado querer generalizar as sociedades anônimas
em um único grupo, com características rígidas e bem definidas.
Na mesma linha, Prado et al. 39 explicam que há uma tendência na
aceitação da sociedade anônima fechada como u ma sociedade intuitu
personae quando presente a questão da affectio societatis, por isto ela se
encaixa nos parâmetros de uma holding familiar:
A
questão
sociedades
da
limitadas,
affectio
pode
societatis,
ser
admitida
característica
padrão
das
judicialmente
em algumas
sociedades anônimas fechadas. A importância deste conceito diz respeito
à
tendência
de
aceitação
jurisprudencial
de
dissolução
desse
tipo
societário por falta de affectio, questão que pode ser fundamentada
quando em ação proposta por acionistas representantes de, no mínimo, 5%
do capital social prove-se que a companhia não pode mais preencher seu
fim (art. 206, II, b, da Lei das S.A.).
A regra geral das sociedades limitadas é serem constituídas intuitu
personae, ao passo que a regra geral das sociedades anônimas é a
constituição intuito pecuniae. As sociedades limitadas ensejam um vínculo
instável entre os sócios, enquanto as sociedades anônimas, um vínculo
estável. No entanto, a aplicação do principio da autonomia da vontade
acaba por permitir que, por meio de cláusulas dispostas no estatuto social,
acabe por tornar intuitu personae uma sociedade por ações.
Nessa senda, para que a sociedade anônima de capital fechado
oportunize sua função como holding familiar, importará aos sócios
desenvolver algumas regras específicas que retirem a essência das
sociedades anônimas, qual seja, de que a cessão de ações seja livre.
Ainda que as ações da sociedade anônima de capital fechado sejam
indisponíveis no mercado de capitais, faz-se mister outras restrições, como
39
PRADO, Roberta Nioac et al. Determinantes estratégias na escolha do tipo societário: Ltda. ou
S.A.? In: PRADO, Roberta Nioac; PEIXOTO, Daniel Monteiro; SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Org.).
Direito societário: estratégias societárias, planejamento tributário e sucessório. 1. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 19.
18
a transferência de ações a terceiros, a fim de manter o poder de controle.
Essa característica da livre transferência de ações pode ser contornada
mediante a feitura de pacto parassocial (instrumento jurídico que será visto
a seguir).
1.4.2 Elementos contratuais e estatutários
As sociedades
limitadas são sociedades
contratuais, ou seja,
constituídas por um contrato em que todas as partes se obrigam uns
perante os outros (intuitu personae). A participação de cada sócio no
capital
social
da
pessoa
jurídica
se
faz
pelos
títulos
societários
denominados quotas sociais.
A lógica desta sociedade é que existe u m negócio jurídico entre os
sócios que se reconhecem na condição de partes, sendo nomeados e
qualificados no instrumento do contrato. As cláusulas do contrato social
constituem obrigações recíprocas, assumida entre os sócios e esses para
com a sociedade. Forma-se, assim, um elo especifico entre os sócios, que
passam ter obrigações uns com os outros 40.
Nas sociedades limitadas, a modificação do quadro de sócios ou a
mera alteração na participação de cada sócio no capital social implica
necessariamente a alteração do contrato social. Ou seja, sempre que
houver uma alteração na condição da sociedade, tal como a cessão de
quotas, será imprescindível a modificação no contrato social, além do
dever de observar o quorum previsto em lei ou, quando possível, no
próprio contrato. Ademais, havendo penhora de quotas, via de regra, não
se permite que o adquirente ingresse na sociedade sem a anuência dos
demais sócios (observando-se também o quorum de votação).
40
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 93-94.
19
Todas essas regras implicam uma rigidez para alteração do quadro
de sócios e eventual ingresso de terceiro nas sociedades limitadas. Isto
porque são sociedades constituídas por pessoas e preservam a escolha
feita pelos sócios ao associarem-se uns com outros. Havendo credor de
sócio, não lhe serão transferidas as quotas sociais da sociedade, e sim a
parte que lhe tocar em liquidação (art. 1.026 do Código Civil). Na
sociedade limitada, para que o sócio possa ceder suas quotas, exige-se a
anuência de 75% do capital social (art. 1.057 do Código Civil). Contudo,
esse quorum das sociedades limitadas poderá ser alterado por meio de
cláusulas dispostas no contrato social, se assim convirem os sócios. Ou
seja, em razão da liberdade contratual, é possível ajustar que a cessão de
quotas exija aprovação unânime dos sócios.
As sociedades anônimas são sociedades constituídas por meio de
um estatuto social, que é composto por um conjunto de normas que
orientam a existência e o funcionamento da sociedade e, diferentemente
de um contrato social, não indica os sócios que fazem parte da sociedade,
mas sim as suas regras.
Destarte, nas sociedades anônimas, a cessão das ações, regra
geral, independe da anuência dos demais sócios, e a transferência das
ações não exige a alteração do estatuto social. É, portanto, um processo
bem mais simples.
Não
obstante,
tratando-se
de
companhia
fechada,
essa
livre
transferência de ações poderá sofrer limitações, desde que prevista no
estatuto social ou em acordo parassocial, sendo a solução mais comum a
previsão do direito de preferência na compra das ações pelos acionistas.
Gladson Mamede e Eduarda Mamede 41 ressaltam que, quando a
companhia é constituída para albergar uma holding, torna-se indispensável
colocar cláusulas no estatuto social que mitiguem o risco de desfazer o
41
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 98.
20
controle familiar sobre as participações societárias. Para tanto, poder-se-ia
prever o direito de oposição à alienação de participação societária a
terceiros, porém não poderiam ser mantidas as restrições ao direito de
recesso 42, pois se criaria uma hipótese de abuso de direito (art. 187 do
Código Civil). Em vista disso, como melhor hipótese, os autores sugerem
estabelecer o direito de preferência à aquisição pelos acionistas, nas
mes mas condições.
1.4.3 Pactos parassociais
O pacto parassocial é um contrato juridicamente possível em que
dois, alguns ou todos os sócios contratam entre si regras extraordinárias
ao ato constitutivo, colocando assuntos que regulem suas atuações
societárias, como o direito de voto. É conhecido como acordo de quotistas
na sociedade limitada e acordo de acionistas na sociedade anônima. O
acordo de acionistas/quotistas, sendo um instrumento particular, é mais
sigiloso e pode ser mais específico quanto a questões de interesse comum
dos sócios, entrando em detalhes que fogem ao desígnio de um
Estatuto/Contrato Social da sociedade, conforme o caso.
O pacto parassocial é um instrumento jurídico de suma importância
para a holding familiar, porquanto, conforme será v isto, oportuniza a
mantença do poder do controle da família sobre a empresa.
Amendolara 43 expõe que o pacto parassocial objetiva regular o
exercício das ações ou quotas, como forma de conservar aos acionistas e
quotistas a titularidade e posse dos títulos. Somado a isto, o autor aponta
que as duas principais razões do pacto parassocial são: (a) regular o
exercício de voto dos aderentes, objetivando controlar a sociedade ou
42
O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a sociedade anônima paga aos
acionistas dissidentes da deliberação em assembleia geral o valor de suas ações. O reembolso nada
mais é do que um direito de retirada, que neste tipo societário é mais reduzido se comparado à
sociedade limitada.
43
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 33.
21
organizar uma maioria que obtenha o controle; e (b) restringir e limitar a
alienação
dos
títulos
societários,
sem
que
os
titulares
percam
a
propriedade e seus frutos.
Prado et al. 44 identificam outras matérias que podem constar do
acordo parassocial:
Neste acordo poderão, por exemplo, estar previstas as formas de
relacionamentos
dos
sócios,
no
caso
de
impasse
e
discordância
(determinando que o entendimento de um sócio para certa matéria, como,
por exemplo, assuntos operacionais, seja o predominante, enquanto para
outra matéria a decisão definitiva seja de outro sócio), de formas de
ingresso de herdeiros ou quaisquer outros temas relevantes. No acordo de
cotistas também pode ser tratado tema referente à disciplina de obrigação
de venda, irrenunciável e irretratável em casos específicos, como, por
exemplo, casamento ou união de sócio.
Além disso, Edna Lodi e João Lodi 45 também apontam que poderão
estar previstas questões de suma importância ao planejamento sucessório
da empresa familiar, como "[...] o momento de os herdeiros entrarem na
sociedade, as condições dessa entrada, o trabalho na empresa, os
requisitos necessários na seleção de familiares, os poderes de gestão, as
condições de saída da empresa". Para isso, o acordo poderá (e deverá)
vincular herdeiros e sucessores, quando devidamente previstos, pois serão
eles os futuros sócios.
Na Lei das Sociedades Anônimas, o pacto parassocial é previsto em
seu art. 118, o qual dispõe que "os acordos de acionistas, sobre a compra
e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a
voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia
quando arquivados na sua sede".
44
45
PRADO, Roberta Nioac et al. Op. cit., p. 30.
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 91.
22
Esse instrumento societário também vem sendo utilizado pelas
sociedades limitadas, em que pese não haja previsão legal de pacto
parassocial para as sociedades limitadas no Código Civil, por força da
adoção da aplicação supletiva das regras da Lei das Sociedades Anônimas
(parágrafo único do art. 1.053 do Código Civil).
Para Gladson Mamede e Eduarda Mamede
46
, a faculdade de utilizar
um acordo de quotistas nas sociedades limitadas decorre, antes de mais
nada, da liberdade de contratação, cujo lastro é o art. 5º, II, da
Constituição da República e, que de forma indireta, o art. 997, parágrafo
único, do Código Civil també m reconhece sua aplicabilidade. A doutrina é
unânime no sentido de que o acordo de quotistas será válido sempre que
respeitar a lei e o contrato social.
O acordo de acionistas/quotistas deve prever um prazo de duração,
pois, se não houver, será um contrato indeterminado, que possibilitará a
resilição unilateral por um dos contratantes, uma vez observado o princípio
de que ninguém contrata para sempre ou que não se admite convenções
permanentes 47.
Quanto à eficácia do pacto parassocial, especificamente no que toca
às sociedades por ações, conforme consta no art. 118 da Lei das
Sociedades Anônimas, terá eficácia o acordo de acionistas que for
arquivado na sede da companhia. A eficácia do acordo obriga a própria
empresa a observar o ajuste. Assim, o presidente da assembleia da
companhia não poderá computar o voto proferido com infração ao acordo
devidamente arquivado
48
.
No mesmo norte, Amendolara
49
dispõe que a eficácia do acordo está
assegurada, porquanto "[...] o acionista que não votar conforme os seus
termos terá o seu voto como não proferido pela mesa da assembleia ". Já
46
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 135.
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 33-34.
48
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 135.
49
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 34.
47
23
para que o acordo de acionistas tenha eficácia perante terceiros, deverá
ser averbado nos liv ros de registros e nos certificados das ações, se
emitidos
50
.
De outro modo, nas sociedades contratuais não se terá tal eficácia a
ponto de exigir uma atuação positiva da própria sociedade na execução do
acordo parassocial, tal como ocorre na sociedade anônima. Contudo, para
eficácia perante terceiros, também será possível se levado a registro
Nesse sentido, Prado et al.
52
51
.
lecionam que:
Voltando à questão da eficácia perante terceiros, o acordo de
cotistas terá validade entre as partes (conforme a v alidade dos negócios
jurídicos em geral - art. 104 do CC); contudo, somente produzirá efeitos
entre terceiros se não for contrário ao disposto no contrato social e se tiver
publicidade. Frente à sociedade, será eficaz somente se a sociedade for
interveniente no acordo, e se estiver arquivado na sede social. Conforme
dito, mesmo sem a previsão expressa, este acordo poderá prevalecer,
tendo em vista a subsidiariedade da Lei n 6.404, de 1976, abranger
questões de execução específica (previstas as oponibilidades do art. 118
da referida lei).
Comple mentando, os
autores
ressaltam que, se o acordo de
quotistas não for arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis,
não será oponível a terceiros
53
:
Finalmente, ressalte-se mais uma vez que, caso o acordo não tenha
publicidade (arquivamento na sede social ou no órgão de registro
competente, uma vez que não existe nas sociedades limitadas o "Livro de
Registro de Cotas Nominativas"), estará a se falar de matérias que não
serão plenamente eficazes, ou seja, oponív eis a terceiros.
50
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 135.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 135.
52
PRADO, Roberta Nioac et al. Op. cit., p. 29-30.
53
PRADO, Roberta Nioac et al. Op. cit., p. 31.
51
24
Edna Lodi e João Lodi 54 complementam lecionando que, para garantir
a eficácia do acordo societário, este també m deve (a) ser assinado por
todos os acordantes, seus cônjuges e herdeiros legais com maioridade,
pois um acordo só é válido entre os signatários; (b) conter sanções ou
penalidade na hipótese de não cumprimento; e (c) ter prazo de validade ou
de renovação. A experiência mostra que entre 10 e 20 anos é o tempo
ideal para a sua vigência.
2 PLANEJAMENTO PATRIMONIAL
A fim de possibilitar o adequado planejamento patrimonial, é
recomendável
para
empresas
familiares
uma
análise
séria
de
sua
organização, sua estrutura e seus métodos de funcionamento, e dessa
análise poderá resultar uma arquitetura societária que inclua a constituição
da holding. A esta holding caberá atender a realidade vivenciada por
esta(s) empresa(s), definindo regras de convivência familiar e empresarial,
bem como expressando planos preparatórios para ingresso de novas
gerações
55
.
Com efeito, a holding familiar tem como característica servir ao
planejamento patrimonial, com o fim de organizar o patrimônio da família
empresária, de modo a facilitar a sua administração, demarcando, com
clareza, o ativo familiar empresarial
56
. Para tanto, a sua formação poderá
promov er a reunião de todos os bens pessoais do patrimônio dessa
sociedade, oferecendo ao seu titular a possibilidade de definir em vida a
forma que sucederá a geração vindoura.
Importante referir que cada família enquadra-se num contexto, com
necessidades diversas. Em alguns casos, a constituição de uma holding
54
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 94.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 58.
56
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 239.
55
25
basta, noutros precisarão de mais. Assim, por exemplo, poderá ser criada
outra holding, que não a controladora das empresas operacionais, com o
objetivo de separar o patrimônio familia r do patrimônio empresarial. Essa
nova holding será eminentemente para fins patrimoniais. Ainda, haverá
casos concretos cuja necessidade seja constituir uma holding distinta para
cada tronco familiar ou, ainda, para dividir o controle de setores
operacionais. Nada é padronizado, cabendo à análise de cada situação em
concreto.
Portanto, para além de todos os benefícios estratégicos que a
holding viabiliza ao próprio negócio empresarial - os quais não são objeto
do presente estudo -, essa reestruturação societária é também, se não
muito, utilizada para definir regras de convivência familiar e também
acomodar os valores de novas gerações em empresas familiares.
2.1 Unidade familiar e unidade empresarial
O
convívio
entre
familiares
com
diferentes
papéis
no
ramo
empresarial não é simples, pois ora são familiares, ora são sócios, e isto
gera conflitos
que se
originam nas
diferentes
expectativas
destes
indivíduos. Contudo, esses atritos nem sempre são obstáculos para o bom
desenvolvimento
da
empresa,
administráveis e conciliáveis
uma
vez
que
as
divergências
são
57
, na maioria dos casos, por meio de um
adequado planejamento patrimonial.
Ocorrendo
a
separação
das
unidades
(sociedade
sociedades controladas), Edna Lodi e João Lodi
58
holding
e
explicam que os
problemas pessoais ou familiares não mais afetarão diretamente as
sociedades operadoras. Havendo dissidência entre os sócios, será a
57
BORNHOLDT, Werner. Governança na empresa familiar: implementação e prática. 1. ed. Porto
Alegre: Bookman, 2005. p. 44.
58
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 14.
26
holding que decidirá sobre as diretrizes a serem seguidas, isto porque " ela
age como unidade jurídica, e não como pessoas físicas emocionadas".
Nesse diapasão, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 59 demonstram
que a holding estabelece uma instância societária acima das sociedades
operacionais, de forma que eventuais conflitos familiares serão definidos
no âmbito da holding, que atuará como pess oa jurídica sócia controladora
das sociedades afiliadas.
Sendo a holding uma pessoa jurídica distinta das sociedades
operacionais, ela promov e mais discrição e confidencialidade aos conflitos
que poderão surgir entre os membros da família que controlam as
sociedades. À vista disso, ao menos se espera que as decisões cheguem
às
sociedades
controladas
mais
uniformes
e
consolidadas.
Essa
uniformidade é bastante favorável para a consecução do objeto social das
operacionais e gera maior confiabilidade aos outros sócios e também aos
stakeholders
60
em geral
61
.
Neste ponto, reside uma das características mais importantes do
planejamento patrimonial por meio da holding familiar, pois permite "[...] a
manutenção do poder da família para com as suas empresas, separando,
ainda, os problemas da família da gestão da empresa familiar"
62
.
Como bem ressalta Bernhoeft 63, é evidente que cada caso é um
caso, ou seja, nenhum modelo de estrutura empresarial pode ou deve ser
copiado. Porém, em todos os casos, exige-se um modelo que estabeleça
59
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 63-64.
Stakeholders são os grupos de interesse da gestão social de uma empresa (VINHA, Valéria
Gonçalves da. Estratégias empresariais e a gestão do social: o diálogo com os grupos de interesse
(stakeholder).
Rio
de
Janeiro,
2002.
Disponível
em:
<http://ww2.ie.ufrj.br/gema/pdfs/estrategias_empresariais_e_a_gestao_do_social.pdf>. Acesso em: 19
abr. 2014).
61
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 245.
62
MURAKAMI, Eduardo Jacob. O planejamento sucessório através da holding familiar como prática
de
governança
corporativa.
[S.l.,
2014?].
Disponível
em:
<http://www.ia.adv.br/downloads/planejamento-holding-Eduardo.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2014, p.
19.
63
BERNHOEFT, Renato. Como criar, manter e sair de uma sociedade familiar (sem brigar). 2. ed.
São Paulo: Senac, 2001. p. 54.
60
27
uma estrutura que procure separar a propriedade da gestão. E esse é o
princípio é fundamental.
Desta forma, a holding opera como um mecanismo de contenção de
conflitos familiares. Ou seja, como um sistema que permite que as brigas
familiares ocorram dentro da própria família, se m contaminar a gestão das
sociedades operacionais.
2.2 Controle societário
Outro efeito da holding é a manutenção do bloco de controle de
poder familiar. Nas palavras de Murakami
64
, a holding é utilizada como
uma técnica jurídica-administrativa que protege o bloco familiar em uma
determinada empresa e, consequentemente, o patrimônio da família do
empresário fundador.
Bernhoeft
65
explica que a pulverização da sociedade pela sucessão
das gerações é inevitável, por menor que ela seja. E, na medida em que o
capital está sendo dividido, é evidente que os interesses e opiniões dos
novos
sócios
também se
pulverizem
-
portanto,
é
necessário
um
planejamento adequado, a fim de assegurar o regular andamento das
sociedades operacionais.
Longo et al. 66 explicam que, por meio da holding, os sócios
conseguem manter, indiretamente, sua participação (majoritária ou não) na
sociedade operacional, de maneira unificada. Logo, mesmo com a cessão
de participações no capital social da holding, o seu investimento no capital
social da operacional mantém-se inalterado.
64
MURAKAMI, Eduardo Jacob. Op. cit., p. 14.
BERNHOEFT, Renato. Op. cit., p. 55.
66
LONGO, José Henrique et al. Op. cit., p. 271.
65
28
De acordo com Gladson Mamede e Eduarda Mamede 67, há um
grande benefício dessa instância societária, pois evita o enfraquecimento
do controle sobre a sociedade produtiva. Os sócios familiares que
eventualmente sejam vencidos nos conflitos havidos no plano da holding
não poderão associar-se a outros sócios para, então, enfraquecer a
posição familiar. Essa unificação manterá preservado o poder decisório da
família sobre a(s) empresa(s) que controla.
Não obstante, o pacto parassocial analisado anteriormente també m
pode ser utilizado como mecanismo para o exercício do poder de controle,
uma vez que nele poderá conter determinações que consolidam o poder
decisório a determinados sócios de uma sociedade. Em vista disto, Prado,
Costalunga e Krischbaum
68
comparam o poder de controle promovido pela
holding com o poder de controle exercido por um pacto parassocial,
concluindo ser a holding mais eficaz para este fim:
A sociedade holding apresenta uma série de conveniências na
organização e estabilização de controle societário quando este pertence a
duas ou mais pessoas, à medida que centraliza e consolida as decisões de
controle com maior força jurídica que o mero acordo de acionistas, pois a
sua dissolução é mais complexa. Outra vantagem dessa estrutura é o fato
de a holding normalmente ser constituída por tempo indeterminado,
diferentemente do que ocorre nos acordos de acionistas, cuja regra é que
sejam firmados por tempo determinado.
As holdings familiares são, portanto, indicadas e constituídas, em
sua maioria, para fins de planejamento patrimonial e sucessório, haja vista
possuir como função principal a titularidade de quotas e ações de outras
empresas, diminuindo o risco da perda do bloco de controle familiar, haja
vista a centralização das decisões de controle e a separação entre os
problemas da família e a empresa controlada
69
.
67
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 65.
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 244.
69
MURAKAMI, Eduardo Jacob. Op. cit., p. 17.
68
29
2.3 Filosofia da holding
Oliveira 70 ressalta que o mais importante não é tipo societário da
holding que o executivo vai desenvolver, e sim a filosofia de administração
que a holding pode proporcionar, visando a otimizar os resultados
esperados.
Dispõe o autor 71 que, com exceção da holding operacional que
basicamente atua como empresa produtiv a normal, as outras holdings - as
chamadas holdings puras - não devem ter uma interação direta muito
efetiva sobre o processo produtivo de suas afiliadas.
Nas palavras de Edna Lodi e João Lodi 72, a holding "[...] deverá
evitar interferências diretas na operação das empresas controladas e
prestar apenas aqueles serviços que as empresas não puderem executar
com eficiência".
Em
sentido
amplo,
a
holding
poderá
ter
diversos
papéis,
cumulativamente ou não, quais sejam: ser instrumento de representação
institucional do grupo; ser administradora dos interesses de seus sócios ou
acionistas; ser coordenadora de investimentos do grupo; ser prestadora de
serviços do grupo; e/ou ser gerenciadora de interesses societários
internos 73.
Ainda, explicam Edna Lodi e João e Lodi
A companhia holding deverá ser
74
:
ativada para administrar os
investimentos do acionista controlador criando uma atividade sistemática,
a fim de obter informações sobre o desempenho das empresas afiliadas.
70
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Op. cit., p. 18.
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Op. cit., p. 27.
72
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 19.
73
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 67.
74
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 19.
71
30
Cabe à holding o planejamento estratégico, financeiro e jurídico dos
investimentos do acionista controlador e sua orientação.
Da mesma forma, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 75 explicam
que a holding pode centralizar a administração das diversas sociedades e
unidades produtivas, dando-lhes unidade, estabelecendo metas e cobrando
resultados: "[...] torna-se núcleo de irradiação de uma cultura empresarial
(benchmarking) que pode, até, influenciar sociedades nas quais tem
simples participação societária e não o controle".
Ainda, os autores 76 explicam que a holding assume, além do papel de
liderança, o papel de representação, atuando tanto para o conjunto das
sociedades controladas, como também para a família que as controla:
Numa estrutura multissocietária, vale dizer, quando se tenha várias
sociedades sob o controle ou com a participação de uma mesma fa mília, a
holding pode assumir não apenas um papel de núcleo de liderança, mas de
núcleo de representação. Com efeito, a holding pode se tornar a sociedade
que representa o conjunto das sociedades controladas, na mesma
proporção em que também representa a família que a controla.
Por fim, especificamente tratando de assuntos societários, a holding
també m gerencia interesses internos, sendo responsável pela coordenação
de políticas, estratégias e regulamentos, como a observância do acordo
societário e as boas práticas de governança corporativa.
2.4 Gestão da holding familiar
O comando da gestão de sociedades familiares, em regra, passa de
uma geração para a seguinte por intermédio de princípios hereditários,
esquecendo-se dos verdadeiros princípios a respeitar a capacitação
75
76
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 60.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 60.
31
profissional, a competência e a experiência em administrar um negócio, ou
seja, a meritocracia. Tal prática acaba por, na maioria dos casos,
comprometer o aspecto mais importante: a perpetuidade do negócio.
Em
vista
disto,
o
planejamento
patrimonial
pressupõe
uma
profissionalização da gestão da empresa familiar. Na medida em que o
fundador deixa de exercer o comando pleno, busca-se definir de regras de
condutas
à
administração
profissional,
assim
como
se
procuram
sucessores capacitados a substituí-lo.
A seguir, será analisada a forma considerada ideal para organizar a
gestão da empresa familiar e no que se deve pautar a escolha do(s)
sucessor(es).
2.4.1 Administração e profissionalização
Por meio de um planejamento patrimonial, a profissionalização tem
como foco a continuidade do negócio, que pode ser confiado tanto a um
membro da família como a um profissional externo. A escolha deste
sucessor deve pautar-se nos objetivos da empresa 77. Importa ressaltar,
conforme expõe Costa 78, que a adequada condução do planejamento
patrimonial não pressupõe necessariamente a saída da família do comando
da empresa, isto porque os herdeiros profissionalmente preparados
poderão exercer o comando.
A profissionalização não privilegia o grau de parentesco, e sim a "[...]
preparação profissional e a capacidade admin istrativa, pois o fato de ser
parente não credencia ninguém ao exercício da sucessão" 79.
77
COSTA, Armando Dalla. Sucessão e sucesso nas empresas familiares. 11. ed. Curitiba: Juruá,
2006. p. 33 e 37.
78
COSTA, Armando Dalla. Op. cit., p. 34 e 37.
79
COSTA, Armando Dalla. Op. cit., p. 33 e 37.
32
Para Amendolara 80, a profissionalização real é aquela em que o
membro da família que ocupar um cargo executivo na empresa será
tratado da mesma forma que os demais diretores, sendo passível de
demissão.
Ressalta-se que é cada vez mais frequente a contratação de
profissionais que não pertençam à família para assumir a direção executiva
de grandes empresas. Nestes casos, os herdeiros passam a ocupar cargos
importantes no conselho de administração, pois, mesmo que optem pela
profissionalização por meio de terceiros, têm de manter o controle sobre o
negócio. Nesses casos, recomenda-se a criação de um conselho familiar 81.
Nessa linha, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 82 explicam que a
holding familiar poderá servir para afastar a família da direção e execução
dos negócios, embora mantendo o controle das sociedades operacionais.
Na opinião dos autores, afastar os familiares da condução dos
negócios, optando por uma administração profissional, garante uma série
de benefícios, tal como a facilidade da dispensa de um administrador - isto
porque é muito mais simples dispensar um profissional do mercado do que
um ad ministrador familiar
83
.
Para melhor compreensão da profissionalização, importa definir o
Conselho de Administração e o Conselho Familiar. O Conselho de
Administração é o órgão deliberativo encarregado do processo de decisão
de uma organização. Seu papel é ser o elo entre a propriedade e a gestão
para orientar e supervisionar a relação desta última com as demais partes
interessadas.
80
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 26.
Nesse sentido, ver COSTA, Armando Dalla. Op. cit., 2006.
82
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 70.
83
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 69-70.
81
33
Conforme sugere Costa 84, além da criação de um conselho de
administração independente, os especialistas recomendam a formação de
um conselho familiar, no qual todos os familiares se reúnam de forma
regular. O conselho familiar será o meio para que os parentes resolvam
seus problemas pessoais, evitando que brigas atrapalhem o desempenho
da sociedade operacional, ou seja, visa a preservar a organização dos
conflitos de interesses alheios às empresas e deliberar sobre os interesses
e expectativas dos familiares nos negócios. Também cuida do patrimônio
dos sócios, incluindo suas participações nas sociedades operacionais.
Assim, os assuntos pertinentes às famílias ficam restritos ao âmbito deste
conselho, diminuindo a interferência nas questões empresariais.
Feita a ressalva para explicar os Conselhos e retomando a questão
da profissionalização, Bernhoeft
85
, de forma mais abrangente, entende que
a profissionalização deverá ser trabalhada em duas perspectivas: além de
gestores
profissionais,
é
necessário
formar
sócios
profissionais.
Profissionalizar deverá ser também tornar os herdeiros bons sócios, uma
vez que deverão estar aptos para serem sócios numa relação de
crescimento
e
respeito
mútuo.
Segundo
o
autor,
nada
adianta
profissionalizar a gestão dos negócios, se o mesmo procedimento não for
realizado com os sócios.
Na prática, Gladson Mamede e Eduarda Mamede
86
demonstram que
o recurso à administração profissional acarreta a seguinte situação: os
membros da família mantêm-se como sócios da holding, discutindo ali
qualquer questão exclusivamente familiar. Como ocorre a separação da
gestão da holding da gestão da(s) sociedades(s) operacional(is), o poder
de decisão sobre as sociedades operacionais é dos familiares sócios da
holding, sendo deles o poder de escolha dos administradores profissionais,
podendo, a qualquer momento, destituí-los.
84
COSTA, Armando Dalla. Op. cit., p. 37.
BERNHOEFT, Renato. Op. cit., p. 49 e 64.
86
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 71.
85
34
Destarte, a empresa holding familiar é, na grande maioria dos casos,
o remédio para evitar conflitos de sucessão, pois permite ao fundador
determinar, a priori, quem será o sucessor na direção dos negócios,
resguardando a continuidade do empreendimento, da mesma forma que
protege
a
sobrevivência
dos
demais
herdeiros,
sem
os
prejudicar
econômica ou financeiramente.
2.4.2 Práticas de governança corporativa na empresa familiar
A qualidade de gestão exigida pelo mercado requer a implementação
das boas práticas de governança corporativa.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
87
conceitua
a governança corporativa da seguinte forma:
Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são
dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas,
conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho
fiscal. O objetivo das práticas de governança corporativa é a criação e a
operacionalização de um conjunto de mecanismos que visam a fazer com
que as decisões sejam tomadas de forma a otimizar o desempenho de
longo prazo das empresas.
Segundo Floriani
88
, toda empresa familiar é resultado do sucesso de
um fundador dedicado, persistente e independente, que possui capacidade
para enfrentar riscos, ao passo que a governança corporativa surge como
um
instrumento
de
melhoria
característicos
à
transparência,
equidade
governança
estrutura
corporativa
e
da
da
gestão
e
empresa
de
familiar,
responsabilidade
aumenta
a
redução
harmonia
pelos
entre
de
riscos
proporcionando
resultados.
seus
"A
sócios,
87
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Governança corporativa em empresas de
controle familiar: casos de destaque no Brasil. São Paulo: Saint Paul, 2006. p. 23.
88
FLORIANI, Oldoni Pedro. Op. cit., p. 228.
35
melhorando a sua eficiência e imagem no mercado e reduzindo o seu risco
de desaparecimento da empresa no processo de sucessão".
Em termos gerais, a governança corporativa objetiva "[...] criar maior
transparência nas relações empresariais, notadamente entre executivos,
sócios e quotistas, buscando equilibrar principalmente as disputas pelo
poder" 89. Para Bornholdt
90
, o processo de governança corporativa significa
criar normas e regras de convivência, interação e limites entre os sistemas
família, sociedade e empresa.
De acordo com Prado 91, a governança corporativa é fundamentada
em quatro princípios: transparência, equidade, prestação de contas e
responsabilidade
corporativa.
A
governança
corporativa
auxilia
no
comportamento dos administradores, assim como ao melhor interesse da
empresa, de todos os seus sócios e demais stakeholders, obstaculizando
conflitos de interesse e contribuindo para a longevidade das organizações.
Na seara específica das empresas familiares, a instituição da
governança corporativa adquire características mais complexas, porquanto
envolve o aspecto da sucessão empresarial 92. Além das
desavenças
que
pode
ocorrer
entre os
eventuais
executivos, conselheiros
e
acionistas ou quotistas, nas empresas familiares existe o relacionamento
familiar,
envolvendo
sentimentos
que
podem
gerar
dificuldades
na
sucessão e transição de gerações.
A governança corporativa vem ao encontro de todas as exigências
atuais da empresa familiar, no sentido de permitir-lhe a sobrevivência em
cada processo sucessório, transcendendo aos conflitos interfamiliares e
garantindo a perpetuação negocial
93
.
89
FLORIANI, Oldoni Pedro. Op. cit., p. 229.
BORNHOLDT, Werner. Op. cit., p. 41.
91
PRADO, Roberta Nioac. Op. cit.
92
FLORIANI, Oldoni Pedro. Op. cit., p. 230-231.
93
Nesse sentido, ver MURAKAMI, Eduardo Jacob. O planejamento sucessório através da holding
familiar como prática de governança corporativa. [S.l., 2014?]. Disponível
em:
<http://www.ia.adv.br/downloads/planejamento-holding-Eduardo.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2014.
90
36
2.5 Aspectos de funcionamento
2.5.1 Proteção contra terceiros
Como visto, a holding, utilizada como estratégia jurídica, impede a
fragmentação das quotas e a perda do poder de controle familiar sobre as
sociedades
operacionais,
quando
da
sucessão
patrimonial
que
inevitavelmente transfere parcela do patrimônio a cada herdeiro.
Na mesma linha, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 94 demonstram
que a holding também se torna eficaz quando se prepara para enfrentar
ataque de terceiros. Independente das opções de vida tomadas pelos
sócios, a holding possibilita a mantença do controle societário das
sociedades operacionais. Isso ocorre quando houver penhora de quotas
em razão da dívida particular de um dos sócios da holding.
Nesse sentido, apontam os autores
95
:
[...] a possibilidade de penhorar e, consequentemente, leiloar e/ou
transferir quota ou quotas para outrem não traduz transferência da
condição de sócio, mas mera transferência da expressão patrimonial dos
títulos, se há cláusula de aprovação ou de oposição. Diante dessas
cláusulas, aquele que adjudicou as quotas precisará ser aceito como sócio
pela coletividade social; não o sendo, terá direito à liquidação das quotas
para, assim, apurar seu valor patrimonial. [...] O sócio devedor, por seu
turno, perderá a participação societária que tinha na holding no montante
da penhora/leilão.
A regra ac ima somente poderá ser aplicada no caso de penhora de
ações de sociedades anônimas se a transferência das ações objeto da
penhora para terceiros for limitada em acordo de acionistas, antevendo
94
95
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 72.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 73.
37
que o ingresso de terceiros requer a observância do exercício do direito de
preferência dos demais sócios.
No caso de proteção em relação a cônjuges (ou companheiros) de
herdeiros, é possível fazer a doação de ações ou quotas gravadas com
cláusula de incomunicabilidade, ou, ainda mais amplo, com cláusula de
inalienabilidade, na forma do art. 1.911 do Código Civil, que implica
impenhorabilidade e incomunicabilidade, evitando que sejam alvo de
partilha em uma separação ou mesmo morte 96.
Ademais, para evitar a interferência de cônjuges daqueles que já
integram o quadro de sócios da holding, a própria constituição da pessoa
jurídica, com a versão do patrimônio da pessoa física para o capital social
da pessoa jurídica, permite ao sócio dispor de seus bens sem a anuência
do cônjuge, seja qual for o regime de casamento 97.
Outro instrumento de proteção contra cônjuges (ou companheiros) é
o pacto antenupcial que, embora polêmico, é cada vez mais recomendável
para que jovens o façam, com cláusulas de incomunicabilidade de ações
ou quotas e de normas quanto a condutas éticas fora da empresa. A
definição desse instrumento garante maior estabilidade administrativa em
situações de instabilidade familiar
98
.
Se a holding é uma sociedade limitada, o próprio art. 1.057 do
Código Civil impede o cônjuge de exigir sua parte em face da separação. O
cônjuge terá que pedir a liquidação das quotas, o que permite aos sócios
entregar-lhe o dinheiro e não a participação societária; e, ao cônjuge
sócio, restará a perda de uma parte de sua participação
99
.
96
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 74.
GONÇALVES, Ricardo Paz. Holding e sucessão familiar: mitos e verdades. Porto Alegre, 4 jun.
2014.
Disponível
em:
<http://affectum.com.br/affectum_site/index.php?option=com_content&view=article&id=232:holdingse-sucessao-familiar-mitos-e-realidades&catid=7:artigos&Itemid=32>. Acesso em: 19 abr. 2014.
98
BORNHOLDT, Werner. Op. cit., p. 51.
99
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 75.
97
38
Já
nas
sociedades
anônimas,
o
caminho
para
proteção
dos
interesses da empresa familiar é colocar limitação no acordo de acionistas,
antevendo que o ingresso de qualquer sócio depende da anuência unânime
dos demais signatários dele.
Desta forma, embora não se possa impedir que um ex-cônjuge
receba uma parcela do patrimônio com a separação, há opções para
impedir que ele ingresse como sócio na holding, ou que obtenha
participação societária a ponto de enfraquecer o poder de controle.
2.5.2 Rendas e receitas da holding
A receita da holding é, em sua maioria, composta exclusivamente
pela distribuição de lucros e juros sobre o capital próprio, pagos pelas
sociedades nas quais tem participação 100. De acordo com Edna Lodi e João
Lodi 101, "a holding é o centro de investimentos e as operadoras devem
distribuir os lucros das operações".
Por outro lado, a fim de aumentar as rendas da holding, que
inicialmente só seria remunerada pelos dividendos de sua participação nas
empresas, pode se estabelecer como política outras fontes de renda. Ou
seja, prestação de serviços às controladas, como, por exemplo, aluguel de
imóveis próprios e móveis e instalações próprias 102. Isto também será
eficaz quando a holding tiver motivos eminentemente patrimoniais.
No que diz respeito à remuneração daqueles envolvidos na empresa
familiar, sejam sócios, administradores ou empregados, deve-se ter
especial atenção neste aspecto. Segundo Bernhoeft
103
, este é um dos
mais problemáticos desafios para a sucessão, especialmente na transição
da primeira para a segunda geração:
100
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 67.
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 41.
102
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 72-75.
103
BERNHOEFT, Renato. Op. cit., p. 71.
101
39
Enquanto o fundador está vivo, ela arbitra as questões relativas à
remuneração dos que trabalham e dos que não exercem qualquer atividade
na empresa. [...] mas é importante reconhecer que, quando não existe
mais o poder moderador ou arbitrário do fundador, nenhum dos herdeiros
poderá assumir esse papel. [...]. Agora a questão deve ser discutida do
ponto de vista de direitos e obrigações.
Assim sendo, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 104 explicam que
todo sócio tem direito à participação nos lucros, independentemente do
trabalho exercido. O direito aos dividendos nasce da titularidade das
quotas ou ações, ou seja, da participação societária.
Outrossim, Edna Lodi e João Lodi 105 afirmam que o sócio pode ser
empregado da própria sociedade, haja vista que a personalidade jurídica
do sócio é distinta da personalidade da sociedade. A remuneração pelo
trabalho se faz por meio de pro labore, para os administradores, ou por
meio de trabalho (salário), para os trabalhadores. Quem trabalha terá
direito a um pró-labore ou salário, os quais deverão estar vinculados ao
cargo e nível hierárquico 106.
Ademais, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 107 sugerem que,
constituída
a
holding
familiar
unicamente
para
ter
participações
societárias, todos os familiares (futuros herdeiros e pais) colocam-se numa
mes ma condição: a de sócios. Em virtude de a holding pura não ter
atividade operacional, a administração pode ser atribuída a todos sócios,
ou algum especial, dependendo das necessidades da gestão. Assim,
poderá ser previsto um pró-labore figurativo, estipulado em valor mínimo.
104
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 68.
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 96.
106
BERNHOEFT, Renato. Op. cit., p. 72.
107
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 67.
105
40
3 PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
Conforme referido na Introdução, estima-se que 75% das empresas
familiares estejam sob o comando da primeira geração, 20% nas mãos dos
filhos dos fundadores, segunda geração, e apenas 5% sob controle das
gerações seguintes. Conforme estudo de Oliveira
108
, este é um dos
maiores problemas para as empresas familiares, ou seja, a sucessão
hereditária, no que se refere à continuidade das atividades empresariais.
Isto porque a história mostra que diversas empresas, após o afastamento
de seu fundador, tornaram-se inviáveis pela luta interna entre os sócios,
ocorrida no âmbito familiar. A maior preocupação do fundador, que
construiu a empresa familiar, é o que ocorrerá quando do seu afastamento
voluntário ou de sua morte. O planejamento sucessório consiste numa
forma de evitar antecipadamente essa desagregação por meio do uso de
sociedades holdings.
Prado, Costalunga e Krinschbaum109 definem no que consiste o
planejamento sucessório:
Planejar sucessão significa organizar o processo de transição do
patrimônio levando em conta aspectos como (i) ajuste de interesses entre
os herdeiros na administração dos bens, principalmente quando compõem
capital social da empresa, aproveitando-se da presença do fundador como
agente
catalisador
de expectativas conflitantes, (ii)
organização do
patrimônio, de modo a facilitar a sua administração, demarcando com
clareza o ativo familiar do empresarial, (iii) redução de custos com
eventual processo judicial de inventário e partilha que, além de gravoso,
adia por demasiado a definição dos fatores importantes na continuidade da
gestão patrimonial, e, por último, (iv) conscientização acerca do impacto
tributário entre as várias opções lícitas de organização do patrimônio,
previamente à transferência, de modo a reduzir o seu custo.
108
109
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Op. cit., p. 25.
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 239.
41
Conforme bem ressalta Bernholdt 110, não existem modelos idênticos
de processos sucessórios em empresas familiares. Cada caso concreto é
diferente. Porém, há algumas regras básicas que permite m formar
parâmetros para o caso de organização familiar. Se essas regras básicas
puderem ser seguidas, será mais acessível fazer a transição frutífera do
bastão de poder.
3.1 Problemática da sucessão na empresa familiar
Com
a
morte,
os
bens
são
transferidos
para
os
herdeiros.
Normalmente, essa transferência se faz sem qualquer planejamento, o que
pode ocasionar uma desordem em se tratando de empresa familiar.
Quando não houver planejamento prévio, a morte do fundador
surpreende a empresa, que será administrada pelo inventariante. A
definição da gestão da empresa torna-se assunto do inventário, sendo
comum haver, além de disputas pela divisão de bens, disputa pela
administração da empresa, tornando litigioso o inventário. O desafio,
durante o inventário, será a administração da empresa com o propósito de
evitar disputa pelo comando desta e, ainda, evitar disputas entre herdeiros
por suas partes no patrimônio, ou seja, por seus quinhões 111.
Ainda
que o testamento elaborado pelo titular
do patrimônio
estabeleça a quem compete cada quinhão, as disputas dentro do ambiente
da empresa permanecem de igual forma. Isto porque os sucessores são
integrados à sociedade e, a partir disso, ou buscam intervir na empresa,
causando desordem, ou buscam liquidar sua parte, que eventualmente
acarretará na perda do poder de controle que a família exercia até então.
110
111
BORNHOLDT, Werner. Op. cit., p. 57.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 81.
42
De tal modo, expõe Miranda 112:
Com o fim do inventário, se dá início à partilha dos quinhões da
empresa a que cabem a cada herdeiro e nesse ponto os conflitos
familiares
se
misturam
com
a
participação
dos
sucessores
nas
deliberações da administração da empresa. Mas também existem outras
situações em que os sucessores solicitam a realização de suas cotas
advindas da herança transcorrendo na dissolução parcial da empresa,
podendo até liquidar partes vitais do patrimônio desta e comprometer seu
funcionamento. Ou seja, de uma forma ou de outra, o legado do árduo
trabalho edificado pelo de cujus se vê completamente ameaçado.
Gladson
Mamede
e
Eduarda
Mamede 113
esclarecem
que
o
testamento permite apenas a determinação da divisão dos bens, incluindo
participações societárias, respeitando o direito de cada herdeiro à legítima
sobre o patrimônio. Contudo, não resolve o problema da empresa, à
medida que não permite definir uma distribuição de funções no âmbito das
unidades
produtivas
(sociedades
operacionais).
Ou
seja,
sem
um
planejamento prévio, o conflito no âmbito empresarial ocorrerá de qualquer
forma, independentemente de organização testamentária ou não. Além
disso, o testamento pode gerar, em diversas situações, desentendimentos
e brigas intermináveis entre os herdeiros e legatários, bloqueando os bens
do inventário e, em geral, prejudicando todos os demais herdeiros, e o bom
andamento da empresa 114.
Ademais, a morte conduz os herdeiros e o patrimônio familiar ao
burocrático procedimento de inventário, o qual se pode desenrolar por um
112
MIRANDA, Rodrigo Silva. Holdings familiares e planejamento sucessório hereditário. 2013, 19 f.
Artigo Científico (Especialização em Direito e Consultoria Empresarial) - Programa de Pós-Graduação
em Consultoria e Direito Empresarial, Pontifica Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2013.
Disponível
em:
<http://www.cpgls.ucg.br/8mostra/Artigos/SOCIAIS%20APLICADAS/HOLDINGS%2FAMILIARES%20
E%20PLANEJAMENTO%20SUCESS%C3%93RIO%20HEREDITC3%81RIO%20Rodrigo%20Silva%2
0Miranda.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2014, f. 12.
113
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 83.
114
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 256.
43
longo período, sem contar com a incidência de tributos que se pode elevar
quando as pessoas agem de forma despreparada 115- 116.
Edna Lodi e João Lodi 117 ressaltam que, desde o novo Código Civil,
não é mais possível deixar em testamento quem fica com ações ou quotas
e quem fica com outros bens, no que tocar à parte legítima. Isso cabe à
negociação no espólio.
Outra dificuldade que poderá surgir decorre de herança recebida por
filho ou filha casada pelo regime de comunhão de bens, em que esses
bens, ou por falecimento do cônjuge, ou por dissolução da sociedade
conjugal, passam a pertencer à pessoa estranha à família, muitas vezes
despreparada para dar continuidade à administração da empresa 118,
colocando-a em risco.
Vê-se, pois, demonstrada toda problemática da sucessão não
planejada, considera-se indispensável preparar a família para a sucessão,
ainda que isso envolva trabalhar a ideia da própria morte, haja vista ser
imprescindível formar sucessores (sejam profissionais ou familiares), em
virtude dos inúmeros casos de empresas familiares que não conseguem se
manter em atividade com a segunda e terceira gerações.
3.2 Direito empresarial e holding familiar como forma de planejamento
A
proposta
da
holding
familiar
como
forma
de
planejamento
sucessório fundamenta-se nos seguintes pontos: (1) uma sociedade
patrimonial é criada, com a participação do fundador e seus descendentes;
(2) esta sociedade irá deter o patrimônio do fundador que propicia a
operacionalização da atividade das empresas e, ainda, titulariza a
115
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 84.
A questão dos tributos é assunto que foge ao objeto deste artigo.
117
LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Op. cit., p. 26.
118
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças. Op. cit., p. 25.
116
44
participação societária controladora de todas as demais pessoas jurídicas
do grupo.
Noutras palavras, o genitor pode constituir uma sociedade holding,
em que figure como sócio, incluindo os seus herdeiros legítimos também
como sócios. Constituída a sociedade, integraliza-se o capital dessa
sociedade com todo o patrimônio do genitor, seja em quotas ou ações de
outras empresas das quais é sócio, seja em bens móv eis ou imóveis.
Recomenda-se que o patrimônio do fundador que não esteja diretamente
envolvido na empresa familiar seja objeto de criação de uma holding
patrimonial para gestão de bens para ev itar o comprometimento deste
patrimônio com a holding operacional.
Com efeito, a formação de uma empresa holding familiar promove a
reunião de todos os bens pessoais do patrimônio nessa sociedade,
oferecendo a seu titular a possibilidade de entregar a seus herdeiros as
quotas ou ações dessa sociedade, na forma que entenda mais adequada e
proveitosa para cada um 119.
De forma a substituir, em parte, o testamento, a fração de cada
herdeiro no capital social da holding corresponderá ao percentual do que
seria o retrato do espólio de acordo com a vonta de do genitor. A
propriedade será transferida por meio de uma operação de doação,
caracterizando a partilha em vida 120, a qual será alvo de reflexão do
próximo item.
Por meio da constituição da sociedade de participações, a sucessão
do patrimônio e das empresas é decidida em vida, sob a liderança do(a)
fundador(a). O modelo da futura administração pode ser testado e até
consolidado, preparando a sucessão 121. Após a morte e inventário, a
continuidade da holding e das empresas não estará comprometida. "Os
119
MURAKAMI, Eduardo Jacob. Op. cit., p. 18.
MIRANDA, Rodrigo Silva. Op. cit., fl. 15.
121
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 85.
120
45
herdeiros são sócios e seguem na gestão do patrimônio segundo a
estrutura montada em vida por seu pai e/ou mãe" 122.
Em suma, as holdings familiares são constituídas usualmente para
fins de planejamento sucessório, tendo em vista sua função principal, que
consiste na titularidade de quotas e ações de outras empresas e/ou dos
bens móveis e imóveis. Isto é, existe a possibilidade de acomodar o
empresário controlador e seus herdeiros em uma (ou mais) holding familiar
(patrimonial/operacional),
alocando
todo
o
patrimônio
familiar
nesta
sociedade e permitindo, inclusive, o treinamento dos herdeiros, no sentido
de quem v ai suceder o fundador 123. Destarte, quando ocorrer o evento
morte, a sucessão ocorrerá somente nas quotas ou ações que o de cujus
detinha na holding, podendo, ainda, a partilha ser realizada em vida,
conforme se verá a seguir.
3.3 Partilha em vida
Constituída a holding familiar, a sucessão hereditária se fará não nos
bens particulares ou nas participações societárias da(s) sociedade(s)
operacional(is), mas nas quotas ou ações da sociedade. Contudo, cabe ao
fundador decidir se a transferência de quotas ou ações dessa sociedade
de participação será feita antes ou após a sua morte.
A legislação que regula o direito das sucessões permite, além de
elaborar um testamento, ao genitor distribuir seu patrimônio ainda em vida
por meio do instituto da partilha em v ida, desde que respeitados os direitos
dos herdeiros legítimos, consoante dispõe o art. 2.018 do Código Civil.
Se o genitor preferir distribuir os bens após a morte, pode utilizar o
testamento: assim, o controle da holding mantém-se com o ascendente,
sendo transferido para os descendentes
122
123
após a sua morte. Se a
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 85.
MURAKAMI, Eduardo Jacob. Op. cit., p. 17.
46
preferência é pela transferência antes do evento morte, pode ser feita
mediante doação, caracterizando o adiantamento da legítima, no qual
consiste na entrega antecipada da parte que caberá aos herdeiros
necessários após a morte 124.
Alternadamente, existe o recurso do usufruto como instituto que
transfere apenas a nua-propriedade dos títulos societários, mantendo o(s)
genitor(es) na condição de usufrutuários, ou seja, "[...] podendo manter a
administração
da
holding
e,
com
ela,
o
operacionais e demais investimentos da família"
controle
das
sociedades
125
.
Optando-se pela partilha em vida, importa analisar primeiramente a
natureza e as características do contrato de doação e, após, a alternativa
de instituir o direito real de usufruto.
3.3.1 Adiantamento da legítima através da doação de quotas ou ações
A doação, conforme dispõe o art. 538 do Código Civil, trata-se de
"[...] um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu
patrimônio bens ou vantagens para o de outra". Pode ser celebrada por
escritura pública ou instrumento particular (art. 541 do Código Civil) e,
diferente do testamento, não poderá ser revogada, salvo por ingratidão do
donatário se este atentar contra a vida do doador, cometer contra ele
ofensa física, injúria ou calúnia
126
.
Com efeito, por tratar-se de ato de liberalidade que atinge o
patrimônio do genitor, a doação, quando feita a descendentes ou a um
cônjuge, importa adiantamento do que lhes cabe na herança (art. 544 do
Código Civil)
127
. Desse modo, quando se calcular a legítima, os herdeiros
124
Há, ainda, a alternativa da venda da participação societária, que foge ao objeto do presente artigo.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 85-86.
126
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 39.
127
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 40.
125
47
que receberam doações do testador devem colacioná-las, para igualar os
quinhões dos demais (art. 1.847 do Código Civil).
Todav ia, Venosa 128 aponta que nem sempre as doações serão
imputadas na metade indisponível. Haverá duas hipóteses em a doação
não será imputada na metade indisponível: a primeira, quando a doação
não for feita a descendentes, podendo ser para terceiros, estranhos ou não
à herança, ou a segunda, quando o disponente doou aos descendentes
com dispensa de colação (pode o testador determinar que a doação seja
destacada da parte disponível). Entretanto, se a doação for feita a
descendentes, inclui-se na porção da legítima, como adiantamento desta,
se não houver dispensa de colação. Neste caso, o doador antecipou-se em
outorgar a legítima.
Dessa forma, tem-se que as doações, embora negócios jurídicos
inter vivos, também estão sujeitas a colacionar a parte da legítima, isto
porque, "[...] sem esse princípio presente no ato de liberalidade em vida,
facilmente se burlaria a garantia da legítima". Por essa razão, a lei estipula
que a doação dos pais aos filhos importa adiantamento de legítima,
bastando que o titular doe os seus bens, podendo reservar ou não alguns
para subsistência, ou instituir o usufruto.
De acordo com Venosa 129, isto ocorre porque a lei entende que quem
já recebeu graciosamente bens no curso da vida já foi beneficiado pelo
testador antecipadamente, o que ocorreria tão somente após a morte:
"Entende a lei que o que foi recebido em vida, por dote ou doação, integra
a porção legítima do descendente. E a finalidade vem expressamente no
art. 2.003".
Desta forma, no que toca à parte disponível, o doador pode dispor
como melhor lhe aprouver. Porém, havendo herdeiros necessários, é
128
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.
273.
129
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 213.
48
preciso observar a isonomia como direito à legítima, sob pena de a doação
ser tida como inoficiosa. Considera-se inoficiosa a doação que exceder a
legítima. Se houver excesso, inobservando-se a legítima, a doção será
inoficiosa,
e
os
bens
que
foram
doados
deverão
ser
restituídos
proporcionalmente pelos donatários.
Logo, a doação não está livre de um futuro herdeiro vir a discutir a
isonomia entre os quinhões recebidos a título de legítima. Se um herdeiro
necessário recebeu mais que outro, no que toca à parte indisponível,
precisará trazer o que recebeu a mais em colação. Por essa razão, tem-se
como indispensável elaborar um balanço especialmente levantado na
época da doação para saber o valor exato dos títulos societários, eis que
poderá haver situação na qual um herdeiro recebe outros bens em valor
equivalente ao quinhão pago por meio de quotas da sociedade, ou, ainda,
os herdeiros recebem quotas de sociedades diversas.
Da mesma forma, na hipótese de o doador não contemplar algum
herdeiro no ato de doação de quotas ou ações desta sociedade, este
deverá possuir outros bens para salvaguardar os direitos daqueles que não
foram incluídos na operação
130
.
O planejamento sucessório, por outro lado, permite proteger o
patrimônio que será dos herdeiros por meio de cláusulas de proteção,
conhecidas como cláusulas restritivas de direitos 131. Desse modo, a fim de
evitar problemas com cônjuges, basta que o fundador faça doações dos
títulos societários com a cláusula de incomunicabilidade e, assim, as
quotas ou ações estarão excluídas da comunhão (art. 1.668 do Código
Civil), apesar de não se excluírem os frutos percebidos durante o
casamento (art. 1.669), que, em sendo títulos societários, os frutos serão
os dividendos e juros sobre o capital próprio.
130
131
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 40.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 86.
49
Nesse sentido
132
:
Aliás, não é preciso ser explícito nas medidas de proteção do(a)
herdeiro(a) em face de seu cônjuge. Pode-se simples mente gravar os
títulos com a cláusula de inalienabilidade, certo que, por força do art.
1.911 do Código Civil, essa cláusula imposta aos bens por ato de
liberalidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. No entanto, é
preciso cautela em relação à operação quando alcance a legitima. Com
efeito, por força do art. 1.848 do Código Civil, salvo se houver justa causa,
declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de
inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens
da legítima. É um limite ao poder de disposição de última vontade.
Gravando-se os títulos com as cláusulas restritivas de direito, o
empresário, além de evitar mais fontes de divergência entre seus
sucessores, tem a certeza de que seu legado não tomará rumos diferentes
do que planejou.
Outra alternativa é o doador estabelecer condicionantes para que o
herdeiro se submeta aos seus planos sucessórios, mesmo quando receber
a propriedade dos títulos societários. Isto é chamado de encargo e pode
ser utilizado como uma forma de limitação ao direito de fruição e livre
disposição (art. 553 combinado com o art. 1.897, ambos do Código
Civil) 133.
Outrossim, importante aduzir que a legislação determina que o
ascendente faça uma reserva de bens suficientes que lhe assegurem a
subsistência (art. 548)
134
. Pelo princípio do mínimo vital, o ascendente não
pode doar 100% do seu patrimônio, em virtude da reserva de uma parte
que lhe sirva para sua subsistência.
132
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 86.
MIRANDA, Rodrigo Silva. Op. cit., f. 16.
134
MIRANDA, Rodrigo Silva. Op. cit., f. 15.
133
50
Por fim, ressalta-se que a partilha em vida (divisão do patrimônio
empresarial entre os herdeiros) precisa ser expressa e formalizada por
meio de escritura pública de partilha, que deve ser averbada às margens
do Registro Público de Empresas Mercantis, órgão competente das
sociedades empresárias 135.
De igual modo, Gladson Mamede e Eduarda Mamede 136 atentam que
é necessário o arquivamento e averbação no Registro Público de
Empresas Mercantis, do título de doação, herança ou legado, dos bens
clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade e dos pactos e
declarações antenupciais do empresário, atendendo-se ao disposto no art.
979 no Código Civil. Haja vista que, se o ato não estiver registrado, não
será oponível a terceiros, como cônjuge, credores etc.
3.3.2 Usufruto
A doação pode ser realizada sem deixar que o sucessor exerça
plenamente as faculdades sociais advindas da propriedade de sua
participação societária mediante a instituição do usufruto pelo genitor
sobre as quotas ou ações doadas para os herdeiros.
O usufruto é um direito real sobre coisa alheia, regulado pelos arts.
1.390 a 1.411 do Código Civ il, em que o nu-proprietário concede ao
usufrutuário a possibilidade temporária de utilizar e fruir coisa sua, de
forma gratuita, podendo esta coisa ser um ou mais bens, móveis ou
imóveis, em um patrimônio inteiro ou parte desse. O usufrutuário, de
acordo com as regras do Código Civil, tem direito à posse, uso,
administração e percepção dos frutos da coisa 137.
135
MIRANDA, Rodrigo Silva. Op. cit., f. 16.
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 86.
137
DALVI, Luciano. Direito civil comentado aplicado na prática. Campo Grande: Contemplar, v. 2,
2011. p. 881-882.
136
51
Com efeito, quando o instituto é aplicado em títulos societários, temse um nu-titular, ou seja, alguém titular das quotas ou ações, que possui o
direito patrimonial, e, de outro lado, haverá um usufrutuário, a quem
compreenderá o direito de exercer as faculdades sociais dos títulos
societários. "O usufrutuário ou usufruidor conserva a posse das quotas ou
ações, usando-as na coletividade social, inclusive para exercício de voto e
para o recebimento dos frutos, ou seja, dos dividendos"
138
.
Logo, em se tratando de empresas familiares, é possível ao fundador
doar a seus herdeiros, antecipando a legítima ou não, a nua-propriedade
de bens móveis, especificamente títulos societários, consubstanciados
quer seja em ações ou em quotas de sociedades operacionais, quer seja
em
ações
ou
quotas
de
holdings
puras,
mistas
ou
patrimoniais,
reservando-se para si o usufruto total e vitalício 139.
Assim explicam Longo et al. 140:
É comum, em planejamentos sucessórios em que os pais desejem
fazer a doação de participações societárias para seus filhos, porém sem
perder
o
controle
rendimentos,
da
empresa e
procederem
à
tampouco a
transferência
da
percepção de seus
nua-propriedade
das
participações para os filhos, mantendo para si o usufruto e salvaguardando
o poder político (direito de voto) e o poder econômico (recebimento de
dividendo e juros sobre o capital).
Contudo, Prado, Costalunga e Krinschbaum 141 ressaltam que se deve
ter um grande cuidado no que diz respeito à reserva expressa de amplos
poderes de voto para o usufrutuário. Isto porque, na doação da nuapropriedade com reserva de usufruto de ações ou quotas, serão aplicadas
as normas específicas do direito societário. E, de acordo com o art. 114 da
Lei das S.A., que cuida da doação da nua-propriedade de ações, "o direito
138
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 114-115.
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 249.
140
LONGO, José Henrique et al. Op. cit., p. 273-274.
141
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 251.
139
52
de voto na ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de
constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio
acordo entre o proprietário e o usufrutuário". Explicam os autores que,
diferentemente da regra geral do Código Civil, que concede o direito a
posse, uso, administração e percepção dos frutos ao usufrutuário (art.
1.394), a norma específica incidente para as sociedades anônimas define
que os direitos políticos (de voto) poderão ser atribuídos tanto ao nu proprietário quanto ao usufrutuário, dependendo do que for acordado entre
eles.
Desta forma, seja uma sociedade anônima, seja sociedade limitada
regrada supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas, imprescindível
a previsão expressa acerca de qual beneficiário (nu-proprietário ou
usufrutuário) recai o direito patrimonial e o de voto em relação aos títulos
societários, tendo em vista que, no silêncio da escritura de usufruto, só
poderão ser exercidos mediante acordo. O ato da doação da nua propriedade de ações ou quotas sociais, com reserva de usufruto, não
significa automaticamente a reserva do exercício do direito de voto, se isto
não tiver expressamente previsto na constituição do gravame.
Percebe-se,
Krinschbaum
pois,
consoante
afirmam
Prado,
Costalunga
e
142
, que a doação da nua-propriedade de ações com reserva
de usufruto, resguardando amplos poderes de administração da sociedade
ao usufrutuário, é perfeitamente lícita.
Importante frisar que, nas sociedades limitadas, quando o usufruto
for constituído por meio da doação, será indispensável a alteração do
contrato social, fazendo constar como novos sócio(s) o(s) donatário(s),
agora titular(es) das quotas ou ações. Já para as sociedades por ações, o
usufruto deverá ser averbado no livro de registro de ações nominativas,
caso não seja escritural, princípio pelo qual a averbação será feita nos
livros da instituição financeira depositária.
142
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 251.
53
Também
importante
destacar
que
a
constituição
do
usufruto
submete-se às regras gerais da cessão de títulos societários, razão pela
qual se submete também às limitações aplicáveis às sociedades limitadas
à regra do art. 1.057 do Código Civil, nas quais se sujeita à possibilidade
de oposição de titulares de mais de um quarto do capital social, na
omissão do contrato. Já nas sociedades anônimas, trata-se de medida
livre, razão pela qual a sociedade deverá considerá -la, reconhecendo a
existência de "[...] um acionista cuja titularidade está despida dos direitos
que lhe decorreriam e de um usufruidor das ações, que legitimamente
titularizará as faculdades decorrentes da ação que usufrui"
143
.
Por fim, o usufruto extingue-se, entre outras formas, pela renúncia
ou morte do usufrutuário, de forma que o nu-proprietário passe a ter a
propriedade plena das participações e, com isso, adquira o direito de voto
e de percepção de frutos e rendimentos 144.
Nesse sentido, Prado, Costalunga e Krischbaum 145 explicam que,
quando a sucessão envolver a nua-propriedade de ações ou quotas com
reserva de usufruto, não haverá a necessidade de abertura de inventário
para a transmissão do usufruto, tendo em vista que o usufruto extingue-se
pela morte do usufrutuário. Ou seja, havendo a morte do usufrutuário,
automaticamente o usufruto passa a integrar a nua -propriedade do bem,
tornando plena a propriedade deste.
Entre
outras
possibilidades
Mamede e Eduarda Mamede
146
de
extinção
do
usufruto,
Gladson
detalham:
Por fim, aplicado o art. 1.410 do Código Civil, o usufruto de quotas
extingue-se: (1) pela renúncia ou morte do usufrutuário; (2) pelo termo de
sua duração; (3) pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o
usufruto foi constituído, ou se, ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da
143
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 115.
LONGO, José Henrique et al. Op. cit., p. 274.
145
PRADO, Roberta Nioac; COSTALUNGA, Karine; KRISCHBAUM, Deborah. Op. cit., p. 256.
146
MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Op. cit., p. 117.
144
54
data em que se começou a exercer; (4) pela cessão do motivo de que se
origina; (5) pela liquidação da sociedade, incluindo a sua falência; (6) pela
consolidação (aquisição das quotas ou ações pelo usufrutuário); (7) por
culpa do usufrutuário, quando não exerce os direitos sociais relativos às
quotas ou ações.
Vê-se, pois, para fins de planejamento sucessório, que a doação
pode ser associada com a instituição de usufruto dos bens doados, ou
parte deles, reservado o poder de usufruir para o doador, transformandose os herdeiros em nu-proprietários, enquanto o doador viver, extinguindo se o gravame após a sua morte 147.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diversas são as causas que geram a necessidade de projetar um
adequado planejamento patrimonial e sucessório para garantir a efetiva
transição de gerações. Diante da problemática da empresa familiar, a falta
de um planejamento sucessório pode gerar infortúnios não só na empresa
familiar, mas, também, dentro da própria família, haja vista a contaminação
pelos conflitos entre herdeiros e disputas pelo poder.
A constituição da sociedade holding assegura a produtividade da
empresa familiar e a proteção do patrimônio comum entre os herdeiros. É
necessário,
no entanto, realizar
a profissionalização da gestão da
empresa, afastando ou não os familiares da gestão, de forma a conciliar a
produtividade do negócio com os interesses dos sócios familiares, bem
como elaborar um pacto parassocial estabelecendo as regras que irão
reger a relação entre o(s) fundador(es) e sucessor(es), possibilitando,
ainda, a distribuição em vida do patrimônio. Com efeito, por meio da
holding, os familiares deixam de ser sócios da empresa operacional e
passam a ser sócios da sociedade de participação.
147
AMENDOLARA, Leslie. Op. cit., p. 40.
55
Assim, em caso de desentendimento, a v otação dá-se no âmbito da
holding familiar, que decidirá sobre as diretrizes a serem seguidas na(s)
empresa(s) operacional(is), agindo como unidade jurídica, e não como
pessoas físicas individualmente. Isto evita que problemas pessoais ou
familiares afetem diretamente a operabilidade das empresas.
Além
disso,
a
utilização
deste
instrumento
jurídico
societário
assegura a proteção do patrimônio familiar contra eventuais ataques de
terceiros, seja na hipótese de cessão ou penhora de títulos societários ou,
ainda, conflitos conjugais.
No que diz respeito à transição de gerações, a holding antecipa este
evento para uma sucessão em v ida, evitando, assim, um processo
sucessório, cuja corriqueira demora pode acarretar conflitos familiares e
prejuízos para com a administração da empresa. Assim, evidencia-se a
importância da presença do fundador para orientar a distribuição de seu
legado, bem como a administração do negocio familiar, evitando o
inconformismo dos herdeiros e as eventuais disputas pelo poder.
Destarte, o planejamento patrimonial e sucessório pela holding
familiar é, atualmente, um importante instrumento jurídico que apresenta
vantagens societárias, patrimoniais e sucessórias. A holding familiar
possibilita a proteção do patrimônio familiar e a proteção da continuidade
do negócio por meio de uma organização societária, idealizando a
sucessão ainda em vida, de forma a antecipar o que seria objeto de um
inventário, o qual, em muitos casos, pode durar longos anos e ameaçar a
continuidade da empresa familiar. Por fim, o planejamento societário pela
holding é perfeitamente viável juridicamente.
56
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