alta tecnologia na
produção de pescado
enriquecido com
probióticos
Por:
Prof.Marco Antônio Lemos Miguel
Biólogo, MSc.PhD
Centro de Ciências da Saúde, UFRJ
Ovas de peixe,
enriquecidas com
probióticos
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O interesse da indústria alimentícia pelo desenvolvimento de novos produtos com características especiais cresce impulsionado pela tomada
de consciência dos consumidores em busca
de produtos nutritivos, de alta aceitação sensorial e com alegação de propriedade funcional e
de saúde, como os alimentos funcionais. Estes
são alimentos ou ingredientes que, além das
funções nutritivas básicas, quando consumidos
como parte da dieta usual, produzem efeitos metabólicos, fisiológicos e/ou efeitos benéficos à
saúde, devendo ser seguro para consumo sem
supervisão médica. Para estes, o efeito promotor
da saúde está diretamente relacionado à substância bioativa presente.
Diante deste cenário estão os alimentos probióticos, que contêm microrganismos vivos que,
quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. No entanto, são os produtos probióticos
lácteos que dominam o mercado, assim como a
maioria dos estudos.
Alguns produtos vêm sendo estudados quanto
ao seu potencial como veículo de microrganismos probióticos, incluindo maionese, carnes, alimentos à base de soja, produtos de confeitaria,
patês, extratos de sementes vegetais, bebidas
não lácteas como suco de vegetais, embutidos,
produtos de cereais e de produtos de peixe, entre outros. Entretanto, raros estudos têm abordado pescado com propriedades probióticas.
O peixe é uma matéria-prima versátil. Contudo,
o processamento se limita a produtos frescos ou
congelados, enlatados, defumados, patês e empanados, em geral com baixo aproveitamento
da matéria-prima. Associado a isto, a alta perecibilidade do pescado tem estimulado a aplicação
de tecnologias alternativas que podem aumentar
a conservação e a oferta e a diversificação de
produtos derivados de pescado e, consequentemente, aumentar o consumo dessa importante
matéria-prima com proteína de alto valor biológico e de elevada digestibilidade, como é a produção do surimi, que é uma base proteica miofibrilar, obtida do pescado, com alta funcionalidade
e valor nutricional.
A prática de incorporação de cepas probióticas a
produtos à base de pescado pode ser um estímulo
ao consumo de proteína de pescado, bem como
uma oportunidade de consumo destes microrganismos por indivíduos com restrição a lacticínios.
Estima-se que a intolerância à lactose acometa
75% da população mundial e 25% dos brasileiros, enquanto a alergia ao leite ocorre em 1,9 a
7,5% da população brasileira, principalmente em
crianças.
Neste cenário fica clara a necessidade de introdução de alimentos probióticos alternativos, que
estimulem e proporcionem seu consumo a indivíduos com restrição alimentar.
Probióticos
Probiótico é um termo de origem grega que significa “a favor da vida” e foi originalmente utilizado
em 1965 por Lilly e Stillwell para descrever substâncias secretadas por microrganismos que estimulam o crescimento de outros. A partir da década de 60, uma série de definições foi publicada
na literatura científica. No entanto, a reconhecida
internacionalmente foi descrita pela FAO/WHO
em 2001, onde introduziram o conceito “microrganismos vivos que, quando administrados em
quantidades adequadas, conferem benefícios à
saúde do hospedeiro”.
A maioria dos microrganismos considerados
como probióticos faz parte de um grupo denominado bactérias ácido-lácticas (BAL), que são
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Técnica no laboratório da UFRJ
Prevenção de problemas
intestinais, alívio da
intolerância à lactose,
prevenção das alergias e
inibição do Helicobacter
pylori, são exemplos dos
efeitos benéficos dos
cocos, cocobacilos
ou bacilos Gram-positivos,
probióticos
imóveis, catalase negativos, não esporogênicos, preferem condições anaeróbias, mas são
aerotolerantes, fermentadores obrigatórios e
produzem ácido láctico como o principal produto final durante a fermentação de carboidratos.
Os principais gêneros representantes probióticos das BAL são: Aerococcus, Carnobacterium, Enterococcus, Lactobacillus, Lactococcus, Leuconostoc, Oenococcus, Pediococcus,
Streptococcus, Tetragenococcus, Vagococcus e
Weissella. Também utilizada como probiótico, a
classificação de Bifidobacterium spp. como BAL
é controversa, sendo mais considerada como
uma BAL tecnológica que fisiológica. Existem
probióticos que não são BAL como os gêneros
Bacillus e Escherichia, assim como leveduras,
onde Saccharomyces spp. é a mais utilizada.
Entretanto, os principais organismos utilizados
como probióticos em alimentos são Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp..
Um microrganismo para ser considerado como
probiótico deve atender a diferentes critérios
predefinidos de segurança, tecnológicos, funcionais e fisiológicos desejáveis, a saber: origem humana; status GRAS; história do uso
seguro em alimentos; benefícios para a saúde
documentados; propriedades antimutagênica
e anticarcinogênica; histórico de não patogenicidade; tolerância às substâncias antimicrobianas; adesão à mucosa intestinal; colonização,
ao menos temporariamente, do trato gastrointestinal humano; capacidade de reduzir a adesão das superfícies de patógenos; atividade
antimicrobiana contra bactérias potencialmente patogênicas através da produção de compostos como bacteriocinas, ácidos orgânicos,
peróxido de hidrogênio; ausência de genes
determinantes da resistência aos antibióticos;
imunoestimulação sem efeito pró-inflamatório;
tolerância ao ácido, suco gástrico humano e
à bile; resistência aos fagos; tolerância ao oxigênio e calor; atividade metabólica desejada;
capacidade de crescer em leite; boas propriedades sensoriais; estar viável e estável durante
o processamento e estocagem de alimentos,
bem como até o consumo.
Os principais benefícios atribuídos aos probióticos são aumento da tolerância e digestão da
lactose; influência positiva na microbiota intestinal; redução do pH intestinal; melhora do peristaltismo contribuindo para a prevenção da constipação intestinal; efeitos hipocolesterolêmico,
anticarcinogênico e anti-hipertensivo; redução de
compostos tóxicos; síntese de vitaminas do complexo B como ácido fólico, cianocobalamina, biotina e ácido pantotênico; restauração da microbiota normal após antibioticoterapia; tratamento
e prevenção de diarreia aguda por rotavírus e
gastroenterite; redução da atividade ulcerativa
de Helicobacter pylori; controle da colite induzida por rotavírus e por Clostridium difficile; imunoestimulação; diminuição do risco de doenças
cardiovasculares e prevenção da obesidade, do
diabetes mellitus não insulino-dependentes e da
osteoporose, em função do aumento da biodisponibilidade de minerais como o cálcio.
Os benefícios dos probióticos atingem também
o trato urogenital. Segundo Saad (2006), tanto
as bactérias patogênicas quanto as probióticas
podem entrar no trato urogenital através de diversas vias. Entretanto, elas entram predomi-
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nantemente através do cólon e reto via períneo.
Após entrarem no cólon, os microrganismos
probióticos podem alterar a sua microbiota favoravelmente e determinadas cepas podem atingir
a vagina e o trato urinário como células viáveis.
Os efeitos dos probióticos podem ser classificados em três modos de ação:
Capacidade de modular as defesas do hospedeiro, incluindo o inato, bem como o sistema imune adquirido, estando relacionado à
prevenção e terapia de doenças infecciosas,
mas também ao tratamento de inflamação
crônica do trato digestório e à erradicação
de células neoplásicas;
Estabelecimento de um balanço microbiano
intestinal, ou seja, modificam o ecossistema
de microrganismos que habitam o intestino
humano, gerando um equilíbrio que se mani-
festa por um estado de saúde devido à competição pelos sítios de aderência, impedindo
a colonização de patógenos e estimulando o
sistema imune de forma a agir na prevenção
e terapia de infecções e na restauração do
equilíbrio microbiano no intestino;
Inativação de toxinas e de desintoxicação de
componentes alimentares no intestino.
A maioria dos mecanismos de ação destes efeitos protetores das culturas probióticas à saúde
ainda não foi completamente esclarecida. No
entanto, alguns já foram comprovados cientificamente como a prevenção da diarreia e alívio
da intolerância à lactose, mas outros têm sido
sugeridos e classificados como potenciais mecanismos. No Quadro 1, estão listados alguns
possíveis mecanismos de ação para determinados benefícios.
Quadro 1 – Efeitos benefícios à saúde atribuídos pelos probióticos e seus
respectivos mecanismos de ação
EFEitoS ProtEtorES
MEcaniSMoS DE açÃo
Alívio da intolerância à lactose
Síntese da enzima ß- galactosidase
Prevenção e redução dos sintomas
de diarreia associada a antibióticos e
por Rotavírus
Exclusão competitiva
Melhora do sistema imune
Tratamento e prevenção de alergia
(eczema atópico e alergia alimentar)
Regulação do sistema imunológico
Redução do risco associado à mutagenicidade e carcinogenicidade
Metabolismo de agentes mutagênicos
Alteração da microbiota e da atividade metabólica
intestinal
Imunidade intestinal aumentada
Efeito hipocolesterolêmico
Desconjugação de sais biliares
Inibição da Helicobacter pylori e de outros
patógenos intestinais
Exclusão competitiva
Produção de compostos antimicrobianos
Prevenção de doenças inflamatórias
do intestino
Exclusão competitiva
Modulação da resposta imune
Produção de compostos antimicrobianos
Decomposição de antígenos patogênicos
Estimulação do sistema imune
Indução da imunidade inata e adquirida
Fonte: Vasiljevic; Shah (2008)
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Para se estabelecer potenciais benefícios dos
probióticos à saúde, é necessário que sejam
realizados estudos in vitro antes dos ensaios in
vivo. Além disso, as estirpes têm de ser testadas
individualmente para cada propriedade, visto
que as características atribuídas a um probiótico
são espécie específica.
Independentemente da forma de introdução
dos probióticos, a quantidade final de células
deve ir de encontro à legislação vigente do país.
Segundo a legislação brasileira, a manutenção
da viabilidade e estabilidade do microrganismo
probiótico durante o uso e a estocagem do produto em uma quantidade que varia entre 108 e
109 UFC na recomendação diária, além da capacidade de sobrevivência no ecossistema intestinal, é uma condição necessária à promoção das
alegações de saúde e propriedades funcionais
de um probiótico. Contudo, culturas não viáveis
podem exercer certos efeitos benéficos como a
imunomodulação.
No Brasil, a Comissão Tecnocientífica de Assessoramento em Alimentos Funcionais e Novos
Alimentos, instituída junto à Câmara Técnica de
Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tem avaliado os produtos com alegações
de propriedades funcionais e/ou de saúde aprovados no país, como os alimentos probióticos.
Para a comercialização, deve haver um registro
prévio mediante a comprovação científica da sua
eficácia, a qual deve ser avaliada caso a caso,
tendo em vista que podem ocorrer variações na
ação do composto bioativo em função da matriz ou formulação do produto. Estas alegações
podem fazer referências à manutenção geral
da saúde, ao papel fisiológico dos nutrientes e
não nutrientes, bem como à redução de risco de
doenças, não sendo permitidas aquelas que façam menção à cura ou prevenção de doenças.
Entre as características que devem ser levadas
em conta na incorporação de probióticos em
alimentos estão: a seleção de probióticos compatíveis com o tipo de alimento; tecnologia de
processamento compatível que garanta a sobrevivência do microrganismo; assegurar que as
características nutricionais do probiótico sejam
fornecidas pelo alimento, quando houver fermentação; a matriz, a embalagem, as condições
de estocagem e o transporte do alimento devem
garantir a viabilidade do microrganismo durante
a vida de prateleira do produto e, por último, o
probiótico não deve interferir nas características
sensoriais do produto.
A maioria dos produtos probióticos disponíveis
no mercado no Brasil, assim como os estudos
nesta área são voltados para alimentos lácteos,
e apenas um pequeno número é destinado a
produtos de origem vegetal e cárneos. Muito
poucos estudos abordam pescado com características probióticas.
Alguns alimentos
probióticos disponíveis no mercado
no Brasil
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Embora os produtos lácteos ainda sejam os mais
utilizados para a introdução de bactérias probióticas, é importante o estudo de outras matrizes
alimentícias que possam ser adequadas a este
fim, e que apresentem vantagens competitivas
no mercado.
Justificativa
O Brasil apresenta ampla costa litorânea. Contudo, possui um dos menores índices per capita
de pescado do mundo por diferentes motivos,
sendo um deles a baixa aceitação sensorial. A
pesca de espécies de pescado de alta expressão econômica vem acompanhada de espécies
de baixo valor comercial que muitas vezes são
tratados como lixo, sendo fontes preocupantes
de poluição ambiental, assim como os resíduos
gerados pelas indústrias beneficiadoras. Esses
descartes têm qualidade nutricional e podem
ser transformados em matéria-prima de novos
produtos com bom índice de aceitabilidade e
grande potencial mercadológico, agregando
valor. Uma possibilidade é a sua utilização para
produzir o surimi, um extrato proteico de peixe
com alta qualidade nutricional e excelente propriedade funcional devido à sua característica
de gelificação, o que permite ser utilizado como
matéria-prima para a elaboração de produtos
com diferentes texturas e sabores.
Associado a isto, atualmente, o consumidor,
cada vez mais atento à relação dieta e saúde,
busca produtos alimentícios nutricionais, sensorialmente adequados e com alegação de propriedade funcional e de saúde. Neste contexto,
estão os alimentos probióticos. Entretanto, são
os lácteos com culturas probióticas que têm
destaque no mercado, mas não atendem a toda
a população em função da restrição a lacticínios
por muitos indivíduos. Logo, as pesquisas científicas com produtos probióticos não lácteos podem contribuir para a industrialização e o comércio, diversificando o mercado de produtos com
características probióticas.
Diante do exposto, a necessidade de desenvolver tecnologias para o aproveitamento de subprodutos industriais economicamente viáveis,
associada ao crescente interesse do consumidor, da indústria e da comunidade científica por
produtos alimentícios funcionais impulsiona o
desenvolvimento de produtos diferenciados.
Adicionalmente, considerando os raros estudos
com microrganismos probióticos em derivados
de pescado, acreditamos que o desenvolvimento de produtos à base de surimi de espécie de
peixe de baixo valor comercial com características probióticas possa ser uma estratégia bem-sucedida para aumentar o aproveitamento do
pescado e de suas características de gel, aumentar o consumo de peixe pela população
brasileira, aproveitando essas espécies de peixe
pouco valorizadas, minimizando assim o impacto sobre o ambiente, além de ser uma alternativa
aos produtos lácteos probióticos para a indústria alimentícia e uma oportunidade de consumo
de probióticos por indivíduos com intolerância à
lactose e alergia à proteína do leite.
A tese de Doutorado de Renata Rangel Guimarães, orientada pelo Prof. Marco Antônio Lemos
Miguel, do Laboratório de Microbiologia de Alimentos da UFRJ, desenvolveu uma ova de peixe
probiótica, semelhante a do salmão. Esta “ova”
é composta por um polissacarídeo e contém em
seu interior bactérias probióticas como Lactobacillus rhamnosus GG ou Bifidobacterium animalis, que podem oferecer benefícios à saúde de
quem as consome. Além disto, o trabalho também utilizou tecnologia de aproveitamento de
peixe de baixo valor comercial para servir como
complemento das ovas nos testes de análise
sensorial.
Ovas probióticas desenvolvidas servidas em
um kamaboko preparado com peixe de baixo
valor comercial.
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Microscopia eletrônica da superfície externa das Ovas
probióticas (a) e interior (b, c, d)
As notas atribuídas pelos provadores quanto à
preferência sensorial do aspecto global do kamaboko com “ovas” probióticas estão apresentadas
dos provadores. O índice de aceitação das características globais foi 82,2%. O índice de aceitação
em relação aos atributos avaliados foi 76,1%,
80,5%, 73,3% e 85,9% para cor, aroma, textura
e sabor, respectivamente. Quanto à intenção de
compra, 63% dos provadores certamente comprariam o kamaboko com “ovas” probióticas.
Os pesquisadores acreditam que as ovas desenvolvidas possam ser consumidas juntamen-
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Prof. Marco Antonio Lemos Miguel,
do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ
te com as ovas naturais nos pratos preparados,
ajudando a proteger o consumidor de doenças
como a gastroenterite, que pode ser originada
tanto da refeição que ele está fazendo no momento quanto de outras. Outros benefícios podem ser
obtidos como a prevenção ou melhora da constipação intestinal e produção de vitaminas pelas
bactérias probióticas. Além disto, representa uma
oportunidade de consumo de microrganismos
probióticos por pessoas com intolerância à lactose e alergia às proteínas do leite.
A pesquisa entra agora em fase de adequação para
uma possível produção industrial e comercialização.
Desgostei muitíssimo
Desgostei muito
Desgostei moderadamente
Desgostei ligeiramente
Indiferente
Gostei ligeiramente
Gostei moderadamente
Gostei muito
Gostei muitíssimo
Distribuição de acordo com a preferência dos painelistas quanto ao aspecto global do kamaboko com glóbulos probióticos
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