FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Escola de Administração de Empresas de São Paulo CÉLIA MARIA SILVA CARVALHO INSTRUMENTOS DE ADVOCACY FEDERATIVA NO BRASIL: o Dilema dos Estados na Questão Fiscal SÃO PAULO 2015 CÉLIA MARIA SILVA CARVALHO INSTRUMENTOS DE ADVOCACY FEDERATIVA NO BRASIL: o Dilema dos Estados na Questão Fiscal Tese apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Administração Pública e Governo. Linha de Pesquisa: Transformação do Estado e Políticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Fernando Luiz Abrucio. SÃO PAULO 2015 Carvalho, Célia Maria Silva. Instrumentos de Advocacy Federativa no Brasil : O dilema dos Estados na questão fiscal/ Célia Maria Silva Carvalho - 2015. 245 f. Orientador: Fernando Luiz Abrucio. Tese (doutorado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. 1. Advocacy Federativa. 2. Federalismo. 3. Relações intergovernamentais. 4. Reforma Tributária. 5. Governo estadual. I. Abrucio, Fernando Luiz. II. Tese (doutorado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título. CDU 35.353 CÉLIA MARIA SILVA CARVALHO INSTRUMENTOS DE ADVOCACY FEDERATIVA NO BRASIL: o Dilema dos Estados na Questão Fiscal Tese apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Administração Pública e Governo. Linha de Pesquisa: Transformação do Estado e Políticas Públicas. Orientador: Prof. Dr. Fernando Luiz Abrucio. Data da aprovação: 16/04/2015 Banca Examinadora: ___________________________________ Prof. Dr. Fernando Luiz Abrucio FGV-EAESP ___________________________________ Profª. Drª. Maria Rita Loureiro FGV-EAESP ___________________________________ Prof. Dr. Hironobo Sano Universidade Federal do RN ___________________________________ Prof. Dr. Marco Antônio Carvalho Teixeira FGV-EAESP ___________________________________ Prof. Dr. Valdemir Pires Fac. Est. Paulista - UNESP AGRADECIMENTOS Nesta longa trajetória do doutorado tive o apoio de muitas pessoas e, acima de tudo, de Deus. Gostaria de agradecer àqueles que contribuíram de diversas maneiras nestes anos. Deixo aqui meus sinceros agradecimentos: Ao Professor Dr. Fernando Luiz Abrucio, que me orientou neste trabalho. Suas considerações, críticas, comentários, dedicação e confiança foram essenciais para minha formação como pesquisadora. Aos professores da Fundação Getulio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-EAESP) e, em particular, a Maria Rita Loureiro, Marta Farah, Regina Pacheco e Ana Cristina, pelos ricos debates nas aulas e contribuição para minha formação acadêmica. Aos Professores Maria Rita Loureiro e Marco Antônio Teixeira, pelas contribuições na qualificação do projeto e que nortearam o início desta pesquisa. À colega e grande amiga da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, Aline Chevrand, que revisou minuciosamente este trabalho, me ouviu incessantemente nas horas de desespero, soube me acalmar como uma irmã e cujas sugestões foram fundamentais para sua melhoria. Aos outros colegas da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, à Michelle pela melhoria dos quadros, aos representantes e ex-representantes do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), Secretários de Estado e colegas do Grupo de Gestores das Finanças Estaduais (GEFIN) e Grupo de Estudos do Fundo de Participação dos Estados (GEFPE), que dedicaram com entusiasmo parte de seu valioso tempo para a pesquisa e por acreditarem na contribuição que a academia pode oferecer para a gestão pública brasileira. À FGV-EAESP, pelo apoio institucional para a realização da pesquisa e participação em congressos e seminários. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa concedida ao longo destes anos dedicados à pesquisa acadêmica. A todos os amigos e colegas da pós-graduação, pelos momentos de discussão e descontração e aos revisores José Roberto e Magda Roquete. Aos meus pais, Otaviano e Laurita, exemplos de perseverança. Ao meu grande amor e mestre, “Hamaschi-Há”, e aos meus filhos, Camila, Ricardo e Kelly, fontes de minha inspiração e razões de minha existência. RESUMO Esta tese teve o intuito de analisar como os estados se organizaram para o enfrentamento dos problemas fiscais decorrentes da guerra fiscal que atinge seu principal imposto, o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), e da redução da receita do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Além disso, procurou-se identificar os instrumentos utilizados pelos estados para fazerem a advocacy federativa de seus interesses junto à União. Buscou-se, ainda, analisar os modelos de coalisão estabelecidos, a trajetória e o comportamento das instituições para compreender a dinâmica das relações intergovernamentais, o grau de cooperação obtido diante de um quadro de heterogeneidade socioeconômica dos governos subnacionais e o impacto no processo de coordenação vertical. Partiu-se da hipótese de que a heterogeneidade dos governos estaduais dificulta a evolução do processo de cooperação e coordenação federativa, reduzindo o poder dos governos subnacionais de estabelecerem a advocacy de seus interesses com a União, além da construção de soluções para os problemas fiscais de forma coletiva. Visando entender a dinâmica federativa, o estudo analisou as tentativas fracassadas de reforma tributária do ICMS - principalmente para a eliminação da guerra fiscal - e a aprovação, em 2013, da nova lei que rege as transferências do FPE, a partir da atuação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e do Congresso Nacional. Essas são arenas selecionadas por serem estratégicos no conjunto da estrutura governamental, sendo o primeiro o órgão criado com o objetivo de harmonização do ICMS diante de um quadro de competitividade entre os estados e de confronto e pouca coordenação do Governo Federal; e o segundo, responsável, principalmente, pela aprovação de leis e pela fiscalização do Estado brasileiro. De forma a iluminar o caso brasileiro e identificar algumas soluções inovadoras foram apresentadas, também, experiências internacionais dos países Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Austrália, que já avançaram na instituição de arranjos interestaduais, por meio de Conselhos de Governadores - chefes dos Poderes Executivos estaduais que promovem políticas de atuação e decisões coletivas para a defesa de seus interesses junto aos governos centrais. Concluiu-se que, em que pesem as tentativas de reforma do ICMS e a reforma do FPE, cuja mudança representativa se dará aproximadamente em 400 anos, as estratégias, as formas de atuação adotadas pelos estados precisam ser revistas e o governo federal precisa resgatar o seu papel de coordenador de politica pública. Além disso o fortalecimento das instituições de advocacy federativa, presentes nas experiências internacionais, podem de forma incremental mudar o caso brasileiro contribuindo para a construção de um federalismo cooperativo e para a melhoria das relações intergovernamentais. Palavras-chave: Federalismo. Relações Intergovernamentais. Advocacy. CONFAZ. Congresso Nacional. ABSTRACT This thesis aims to analyze how States have organized themselves to confront the fiscal problems arisen from the fiscal war affecting the Tax on the Circulation of Goods and on Transport and Communication Services Rendered Interstate, and Inter-cities (ICMS), its main tax, and reducing the State Participation Fund revenue, and identify the instruments used by the states to the federal advocacy of their interests with the Union. We seek to analyze the models of coalition established, the trajectory as well as the behavior of the institutions in order to understand the dynamics of intergovernmental relations, the degree of cooperation obtained before a picture of heterogeneity, on the socio-economic capacity of subnational governments and what the impact of vertical coordination process was. It starts with the hypothesis that the heterogeneity of state governments hinders the evolution of cooperation and federal coordination process, reducing the power of subnational governments in establishing the advocacy of their interests with the Union and the construction of solutions to tax problems collectively. To understand this federative dynamics, the study analyzes the failed attempts to change the ICMS reform, with the aim of eliminating tax competition, and the approval of the new law governing transfers of the PEF, from the performances of CONFAZ and the National Congress, selected arenas for being strategic in all the governmental sectors. The first is the body established for the purpose of ICMS harmonization on a competitiveness table between the states, and confrontation and little coordination of the federal government. The second is mainly responsible for passing laws and supervision of the Brazilian state. Aiming at the enlightenment of the Brazilian case and identification of some innovative solutions, international experiences of countries such as: the USA, Canadá and Australia are presented. These countries have already progressed on implementing interstate arrangements through the establishment of Councils of heads of state executives (governors) that promote action policies and collective decisions to pursue the interests of their advocacy with the central government. We conclude that in spite of the ICMS reform efforts and the reform of FPE, whose significant change will occur in about 400 years, the strategies and forms of action adopted by the actors need to be reviewed and the central government needs to rescue its own role as public policy coordinator. Besides that, the strengthening of the institutions of federal advocacy found in the international experiences can change the Brazilian case, adding to the construction of a cooperative federalism and to the improvement of intergovernmental relations. Key words: Federalism. Intergovernmental Relations. Advocacy. CONFAZ. National Congress. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Modo de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local 49 Figura 2 - Modelo matricial de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local ....................................................................................... 50 Figura 3 - Modelo de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local - EUA ...................................................................................................... 52 Figura 4 - Diagrama do Modelo de Coalizão de Defesa (MCD) ............................ 64 Figura 5 - Diagrama da estrutura de convicções da ACF ..................................... 65 Figura 6 - Histórico da legislação sobre o FPE ................................................... 201 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Conselhos e fóruns de Secretários Estaduais ............................... 101 Quadro 2 - Alterações no Sistema Tributário Nacional: Constituição 1946...... 120 Quadro 3 - Alterações no Sistema Tributário Nacional – CF/88 ...................... 126 Quadro 4 - Síntese do comportamento dos gov. no Senado PEC nº 41 .......... 149 Quadro 5 - Comparação dos modelos do CONFAZ ........................................ 155 Quadro 6 - Alterações constitucionais do FPE ................................................. 174 Quadro 7 - Regras de partilha do FPE: 1967 a 2013 ....................................... 176 Quadro 8 - Coeficientes de distribuição do FPE entre estados ........................ 182 Quadro 9 - Projetos ativos na Câmara dos Deputados referentes aos critérios de participação do FPE ............................................................................. 187 Quadro 10 - Relação de projetos do Congresso Nacional passíveis de quantificação......................................................................................... 190 Quadro 11 - Outras alterações da LC 143/2014 ................................................ 203 Quadro 12 - Regime Militar - ICMS x FPE – 1967-1987 .................................... 215 Quadro 13 - Redemocratização - ICMS x FPE – 1988-2014 ............................ 218 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Transferências da União a estados e municípios a título de "art. 91 do ADCT/Lei Kandir" e de "auxílio financeiro aos estados exportadores" . 140 Tabela 2 - Votação 2º turno PEC 41/2003 .......................................................... 147 Tabela 3 - Comparativo entre os coeficientes do FPE relativos à LC 62/89 e CTN .............................................................................................................. 191 Tabela 4 - Viabilidade legislativa: votação potencialmente favorável .................. 195 Tabela 5 - Percentuais individuais de distribuição do FPE vigentes até 2015 .... 204 Tabela 6 - Porcentagem de participação das regiões LC 62/89 x 143/13 ........... 206 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Novos coeficientes de participação no FPE dos estados com retorno do CTN original ..................................................................................... 190 Gráfico 2 - Distribuição dos coeficientes do FPE por região: CTN x LC 62/89 .. 192 Gráfico 3 - Comparativo da arrecadação governo federal IPI + IR x contribuições e outra receitas administradas pela Receita Federal ............................ 196 Gráfico 4 - Evolução da base do FPE, comparando-se com a receita total administrada pela RFB ......................................................................... 197 Gráfico 5 - Participação dos estados no total a distribuir (vigência até 2015).... 205 Gráfico 6 - Divisão dos recursos do FPE por região em 400 anos .................... 207 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACF Advocacy Coalition Framework ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADINs Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADR Alternative Dispute Resolution Art. Artigo BAP Boletim Administrativo Eletrônico de Pessoal BRDE Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul CAJ Comissão de Assuntos Jurídicos CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCJ Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania CDES Conselho de Desenvolvimento Econômico Social CE Comitê Executivo CERF Comissão Executiva da Reforma Fiscal CF Constituição Federal CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico CMN Conselho Monetário Nacional COAG Council Australian Governments COGEF Comissão de Gestão Fazendária CONASS Conselho nacional dos Secretários de Saúde CONFAZ Conselho Nacional de Política Fazendária CONSAD Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração CONSEAGRI Conselho Nacional de Secretários de Agricultura CONSECTI Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação CONSED Conselho Nacional de Secretários de Saúde Conselho Nacional de Secretários de Educação CONSEFAZ Consórcio Nacional de Secretários de Fazenda CONSEJ Conselho Nacional de Secretários de Estado de Justiça, direitos Humanos e Administração Penitenciária CONSEPLAN Conselho Nacional de Secretários de Estado de Planejamento CONSESP Colégio Nacional de Secretários Estaduais de Segurança Pública COTEPE Comissão Técnica Permanente CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira CTN Código Tributário Nacional DC Distrito de Columbia DEC Desenvolvimento Econômico e Comércio DEM Democratas DOU Diário Oficial da União DRU Desvinculação das Receitas da União ENCAT Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais ESAF Escola de Administração Fazendária EUA Estados Unidos da América FDR Fundo de Desenvolvimento Regional FE Fundo Especial FEF Fundo de Esstabilização Fiscal FER Fundo de Equalização de Receitas FFEB Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros FHC Fernando Henrique Cardoso FIESP Federação das Indústrias de São Paulo FNDR Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional FNSA Fórum Nacional de Secretários de Agricultura FONATUR Fórum Nacional de Secretários e dirigentes estaduais de Turismo FONSEAS Fórum Nacional de Secretários de Assistência Social FONSET Fórum Nacional dos Secretários de Trabalho FORJUVE Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Juventude FPE Fundo de Participação dos Estados FPEx Fundo de Compensação pela Industrializados FPM Fundo de Participação dos Municípios FPM Fundo de Participação dos Municípios Exportação de Produtos FR Fundo de Ressarcimento FSE Fundo Social de Emergência FUNDAP Fundação para o Desenvolvimento Administrativo GDFAZ Grupo de Desenvolvimento do Servidor Fazendário GEFIN Grupo de Gestores das Finanças Estaduais GEFPE Grupo de Estudos do Fundo de Participação dos Estados GF Governo Federal GST Goods and Services Tax ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias ICMS Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação IEFE Instituto de Estudos fiscais dos Estados do Brasil IESP Instituto de Economia do Setor Público IGA Intergovernmental Agreement IGAFFR Intergovernmental Agreement on Federal Financial Relations IGP-DI Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPI Imposto sobre Produtos Industrializados IPSAS International Public Sector Accounting Standards IR Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza IRPJ Imposto de Renda Pessoa Jurídica ISS Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza ITBI Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Inter Vivos ITR Imposto sobre a Propriedade Rural IVC Imposto sobre Vendas e Consignações LAC Legal Affairs Committee LC Lei Complementar LRF Lei de Responsabilidade Fiscal MCD Modelo de Coalizões de Defesa MF Ministério da Fazenda MP Medida Provisória NF-e Nota Fiscal Eletrônica NGA National Governors Association Nº Número OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Org. Organizador p.p. Pontos percentuais PAI Plano de Ação Imediata PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PC do B Partido Comunista do Brasil PDNR Política Nacional de Desenvolvimento Regional PEC Proposta de Emenda à Constituição PFL Partido da Frente Liberal PGFN Procuradoria Geral da Fazenda Nacional PIB Produto Interno Bruto PL Partido Liberal PLOA Projeto de lei orçamentária anual PLP Projeto de Lei Complementar PLS Projeto de Lei do Senado PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN Partido da Mobilização Nacional PP Partido Popular PPS Partido Popular Socialista PR Partido da República PRB Partido Republicano Brasileiro PRS Projeto de Resolução do Senado PSB Partido Socialista Brasileiro PSC Partido Socialista Cristão PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSOL Partido Socialismo e Liberdade PT Partido dos Trabalhadores PV Partido Verde RFB Receita Federal do Brasil RIG Relações intergovernamentais SE Secretaria Executiva SEAIN Secretaria de Assuntos Internacionais SIAF Sistema de Administração Financeira SLLC State and Local Legal Center SPED Sistema Público de Escrituração Digital STF Supremo Tribunal Federal STN Secretaria do Tesouro Nacional STPR Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição de Receitas SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus TCU Tribunal de Contas da União UF Unidade da Federação SUMÁRIO1 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 18 1.1 Descrição do objeto do estudo: definição e mapeamento ............................ 21 1.2 Contexto histórico e hipóteses explicativas ................................................... 28 1.3 Metodologia e coleta de dados ........................................................................ 39 1.4 Estrutura da tese ............................................................................................... 41 2 BASE TEÓRICA: FEDERALISMO, RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E INSTRUMENTOS DE ADVOCACY ............................................................... 43 2.1 Federalismo ....................................................................................................... 43 2.2 Relações intergovernamentais: origens, conceito e aplicação .................... 47 2.3 Instrumentos de advocacy: conceito e aplicação .......................................... 61 2.4 Neoinstitucionalismo histórico ........................................................................ 70 3 MODELOS DE ADVOCACY FEDERATIVA EM PERSPECTIVA COMPARADA: A DIMENSÃO DO COMPARTILHAMENTO NAS FEDERAÇÕES ................ 74 3.1 Instrumentos de Advocacy nos EUA, Canadá e Austrália ............................ 75 3.1.1 A experiência dos EUA - National Governors Association (NGA) .................... 75 3.1.2 A experiência no Canadá ................................................................................. 87 3.1.3 A experiência na Austrália................................................................................ 91 3.1.4 Síntese sobre os casos internacionais ............................................................. 95 3.2 Instrumentos de advocacy federativa no Brasil ............................................. 97 3.2.1 O caso do CONFAZ: origem, composição e área de atuação ....................... 101 3.2.2 O papel do Congresso Nacional na solução dos impasses ........................... 108 3.3.2.1 A regulamentação das alíquotas de ICMS ............................................ 109 3.3.2.2 A regulamentação do FPE .................................................................... 112 3.3.2.3 A tentativa de construção de uma proposta pelo Senado ..................... 113 3.3 Conclusão ........................................................................................................ 115 4 O ICMS E A GUERRA FISCAL: UM CASO DE FRACASSO NA COOPERAÇÃO ESTADUAL ....................................................................... 119 1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2011. 4.1 O ICMS e o sistema tributário: antes de 1988 ............................................... 119 4.2 ICMS e a nova Constituição: o que mudou? ................................................ 125 4.3 A guerra fiscal: origens e desenvolvimento – e por que se mantém ......... 127 4.4 As tentativas de reforma do ICMS e eliminação da guerra fiscal ............... 130 4.4.1 A revisão constitucional de 1993 e a proposta de reforma ............................ 132 4.4.2 O ICMS e as perdas com a desoneração: a mão do Governo Federal .......... 137 4.4.3 A retomada da reforma tributária: 2000 a 2008 .............................................. 142 4.4.4 A PEC nº 233/2008: a lei complementar do novo ICMS ................................ 150 4.4.5 A nova estratégia de reforma: o “esquartejamento” da proposta ................... 158 4.5 O que não deu certo com o CONFAZ? .......................................................... 162 5 O FPE: UM CASO MAIS BEM-SUCEDIDO DE COOPERAÇÃO E ARTICULAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NO BRASIL? ........................ 172 5.1 O Fundo de Participação dos Estados (FPE): origem, conceito e regras .. 172 5.2 O desenho fiscal na Constituição de 1988.................................................... 177 5.3 A Lei Complementar nº 62/89 e a partilha do FPE ........................................ 181 5.4 A determinação de inconstitucionalidade pelo STF .................................... 183 5.5 O papel do Congresso Nacional e a atuação do CONFAZ .......................... 186 5.6 A nova distribuição do Fundo: Lei Complementar nº 143/2013 .................. 200 5.7 FPE: um caso de sucesso? ............................................................................ 205 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 210 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 222 ANEXO A - CRITÉRIO “CTN 1967- 1975”............................................................. 240 ANEXO B - ARTIGOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ......................... 241 ANEXO C - CRITÉRIO “CTN 1966- 1989 – COM RESERVAS” ........................... 242 ANEXO D - DECRETO-LEI Nº 1.434, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1975 ............... 243 ANEXO E - PLC – FPE - NA CAMARA E NO SENADO FEDERAL ...................... 244 ANEXO F - RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS ................................................... 245 18 1 INTRODUÇÃO As decisões sobre o desenho fiscal no Brasil, com a Constituição de 1988, passaram a ter como ponto central a área de tributação própria das unidades da federação e as questões relacionadas às transferências fiscais, o que resultou em acentuada descentralização fiscal em relação à competência dos governos subnacionais. Nesse sentido, a reforma fiscal, materializada pela Constituição de 1988, no tocante às relações federativas, bem como - em decorrência dos seus desdobramentos - a descentralização das políticas sociais, que se acentuou a partir da década de 1990, vêm impactando fortemente as finanças dos governos subnacionais e as relações intergovernamentais. Os estudos sobre os estados brasileiros, principalmente no que diz respeito à ação política desses entes federados, têm tido um espaço menor no mundo acadêmico, cujo olhar ficou mais voltado para os municípios e para a União. Sendo assim, é extremamente importante que a academia aborde esse nível de governo em suas pesquisas e que futuros estudos possam servir de referência e indicar soluções para os problemas existentes. Pouco se sabe, também, sobre quais instrumentos foram utilizados pelos estados para fazerem a advocacy federativa no enfrentamento das questões fiscais oriundas do modelo federativo e do processo de descentralização deflagrados pela Constituição de 1988. O propósito desta pesquisa é preencher essa lacuna. Objetiva-se estudar como os estados se organizaram para o enfrentamento dos problemas fiscais decorrentes da guerra fiscal e da redução das receitas de transferências federais, especificamente identificando os instrumentos utilizados pelos governos estaduais para fazerem a advocacy federativa. Quanto aos problemas fiscais, será abordada a guerra fiscal que atinge o principal imposto estadual, o ICMS, e as transferências feitas aos estados pelo Governo Federal, por meio do FPE. Pretende-se avaliar se houve avanço no uso da articulação horizontal, no campo das políticas públicas, e na busca do compartilhamento de experiências e da defesa da posição dos entes estaduais, de forma conjunta, perante a União. Será analisada a forma como foram estabelecidas as relações e se processaram os acordos e negociações dos estados junto ao Governo Federal, com foco no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e no Congresso Nacional. A escolha das arenas citadas se justifica por serem eles, no 19 momento, as mais representativas e as responsáveis pela gestão governamental e pela tomada de decisões em relação aos temas abordados. Será avaliado se a utilização de um Conselho de Secretários de Estado (no caso, o CONFAZ) e de negociações junto ao Congresso Nacional produz resultados efetivos do ponto de vista da cooperação na articulação horizontal e vertical para debater questões de interesse comum, criar estratégias de ação coordenada e influenciar nas políticas oriundas do Governo Federal. O presente objeto de estudo torna-se interessante por buscar compreender a dinâmica das relações intergovernamentais e o grau de cooperação obtido diante de um quadro de heterogeneidade socioeconômica dos estados, bem como por identificar o seu impacto no processo de coordenação vertical entre os governos federal e estaduais. Posto o problema geral e o objeto, três perguntas nortearão esta pesquisa: a) Como os estados se articularam para enfrentar os problemas fiscais advindos da descentralização deflagrada com a Constituição de 1988 e posteriores ajustes, diante de um quadro de heterogeneidade socioeconômica? b) As estruturas de articulação interestadual criadas foram capazes de promover a cooperação horizontal entre os estados e proporcionar instrumentos para se fazer advocacy federativa? Se sim, de que forma e com quais efeitos? c) O relacionamento interestadual foi capaz de influenciar a coordenação federativa vertical? Houve diferença entre os casos estudados? A competição crescente entre os governos subnacionais, por meio da guerra fiscal, a partir do final da década de 1980, especificamente no tocante à disputa por investimentos privados, agravou-se no decorrer dos anos de 1990, diminuindo a cooperação interestadual, além de dificultar uma maior coordenação e cooperação entre as esferas de governo. É necessário saber quais foram os mecanismos institucionais criados pelos governos na tentativa de construírem uma ação coletiva ou cooperativa entre eles para a defesa de seus interesses junto à União - conceito conhecido na literatura como advocacy - e como os governos subnacionais se organizaram para o exercício dessa advocacy. 20 Destaca-se que a escolha da estrutura federativa por um país pode desencadear um processo de competição tributária de natureza vertical ou horizontal, haja vista as dificuldades de compatibilizar os graus de autonomia financeira e as políticas a serem adotadas nos vários níveis (ou esferas) de governo (federal, estadual e municipal) com a premente necessidade de coordenação e sistematização de instrumentos fiscais. Questões como distribuição de bases tributárias e sistema de partilha entre as esferas de governo representam pontos centrais e problemas a serem enfrentados em qualquer federação. Nesse sentido, passados 26 anos desde a promulgação da Constituição de 1988, constata-se que o sistema federativo brasileiro ainda não foi capaz de aprovar uma reforma tributária, com o objetivo de promover o equilíbrio orçamentário dos entes federativos e a eliminação ou redução das desigualdades regionais, e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social do país. As graves distorções no sistema tributário não foram corrigidas, com destaque para a tributação sobre o consumo, que conta com seis diferentes tributos – entre impostos e contribuições – de competência dos três níveis de governo, e a guerra fiscal, sem precedentes, em relação ao principal imposto do país, o ICMS, que representa, em média, 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Em relação ao sistema de partilha, a principal transferência do Governo Federal aos governos subnacionais foi questionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decretou, em 2010, a inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, da Lei Complementar nº 62, de 1989, que define os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) entre os estados e as macrorregiões. O fundo representa, em alguns estados, quase 60% da receita total, sendo extremamente significativo para o cumprimento de suas políticas públicas. Nem a aprovação de uma nova legislação - Lei Complementar nº 143, de 2013 - conferiu dinamismo ao sistema de partilha. Ao contrário, postergou o problema por mais tempo. Antes de se definir as hipóteses e conceitos que permeiam o trabalho, cabe expor com mais precisão o objeto de estudo e os critérios de seleção dos casos. 21 1.1 Descrição do objeto do estudo: definição e mapeamento Serão analisadas as duas principais arenas de negociação utilizadas pelos governadores, secretários estaduais, líderes políticos estaduais e regionais para fazer advocacy federativa: o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e o Congresso Nacional. Destaque também será dado ao papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) face a sua capacidade de arbitrar mais do que a União sobre os casos do ICMS e do FPE revelada durante a execução da pesquisa. As questões que permeiam as discussões sobre o ICMS no Brasil foram delegadas, desde 1975, ao CONFAZ, composto por Secretários de Estado de Fazenda, Finanças ou Tributação e pelo Ministro da Fazenda ou representante do Governo Federal por ele indicado. O Conselho também discute as questões que envolvem o FPE e tornou-se um importante fórum para tratamento de questões federativas de ordem fiscal e financeira. O Congresso Nacional é outra arena importante, uma vez que exerce, no âmbito federal, as funções do Poder Legislativo, quais sejam, aprovar leis e fiscalizar o Estado brasileiro (suas duas funções típicas), bem como administrar e julgar (funções atípicas). Por ser bicameral, é composto de duas casas: o Senado Federal, que representa as 27 unidades federadas (26 estados e o Distrito Federal), e a Câmara dos Deputados, que representa o povo. Sendo assim, todas as propostas que virão ou não a se tornar instrumentos normativos na área financeira ou na tributária do país estão contempladas nessas casas. O Congresso vem atuando por meio dos seus Senadores e Deputados no ajustamento de propostas sobre o ICMS e o FPE e na promoção de audiências públicas, com a presença dos integrantes do CONFAZ, na tentativa de obter consenso sobre tais matérias. No caso do Congresso Nacional a principal arena a ser analisada será o Senado Federal pelo fato de representar a instância de negociação dos Estados brasileiros. O Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta instância do poder judiciário brasileiro e acumula competências típicas de uma Suprema Corte (tribunal de última instância) e de um Tribunal Constitucional (que julga questões de constitucionalidade independentemente de litígios concretos). Tem como função institucional fundamental a de servir como guardião da Constituição 22 Federal de 1988, analisando casos que envolvam lesão ou ameaça a esta última. De suas decisões não cabe recurso a nenhum outro tribunal. O descumprimento pelos estados das decisões do CONFAZ com o consequente aumento da guerra fiscal tem motivado os estados a ajuizarem ADINs no STF contra seus pares. Da mesma forma, em relação ao FPE, onde a judicialização, se deu primeiro em razão da demora na aprovação de um projeto que lei no Congresso Nacional que previsse novos coeficientes, para fins de transferência do imposto, cuja revisão estava prevista desde 1989. E segundo, alguns meses após a aprovação da nova lei do FPE, tendo como uma das principais razões a alegação por um dos estados que a nova lei não conferia ao sistema o caráter dinâmico conforme determinado pela primeira decisão do STF sobre o tema, a não ser no longo prazo. A judicialização da política pública reflete a baixa cooperação intergovernamental. O presente trabalho examina as relações promovidas pelos instrumentos de advocacy federativa nas decisões sobre concessão de benefícios e desonerações fiscais, nas transferências de recursos do Governo Federal para os estados e nas mudanças das regras de tais transferências, impostas pela nova legislação, no caso, a Lei Complementar nº 143, de 2013. Busca, ainda, identificar os resultados alcançados com esse tipo de arranjo para a cooperação intergovernamental e para o processo de coordenação vertical da Federação como um todo. Deve-se destacar que o termo advocacy, na acepção abordada neste trabalho, refere-se aos mecanismos institucionais criados com o objetivo de gerar uma ação coletiva ou cooperativa com sustentabilidade no tempo, por meio dos quais as unidades federativas tentam defender seus interesses junto à União. O termo não pode ser traduzido para a língua portuguesa e seu conceito ainda está em fase de construção no país. Para analisar este processo, os dois principais modelos analtícos utilizados serão o Advocacy Coalition Framework – ACF, que foi apresentado em 1988 por Sabatier e Jenkins-Smith 2 (SABATIER; WEIBLE, 2007), e o modelo do Neoinstitucionalismo Histórico, particularmente sua visão de path dependence e conjuntura crítica. Os detalhes sobre os modelos são apresentados no capítulo 2 2 Para avaliação da evolução do modelo de coalizões de defesa, ver Sabatier (1986), Sabatier e Jenkins-smith (1993), Sabatier e Weible e McQueen (2009). 23 BASE TEÓRICA: FEDERALISMO, RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E INSTRUMENTOS DE ADVOCACY. Passa-se a descrever rapidamente as características das duas principais arenas nas quais a advocacy federativa vai ser estudada. O CONFAZ foi criado na época do regime militar por Decreto Presidencial, com a finalidade de promover ações necessárias à elaboração de políticas e à harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional (CMN) na fixação da política de dívida pública interna e externa dos estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas estaduais. Acreditava-se que a harmonização do ICMS evitaria o acirramento da guerra fiscal, já presente à época. É o único Conselho composto de Secretários Estaduais que tem a Presidência do Governo Federal. Em termos estruturais, o Conselho conta, no exercício de suas funções, com o apoio técnico da Comissão Técnica Permanente do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (COTEPE/ICMS), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e de uma SecretariaExecutiva, provida pelo Ministério da Fazenda. São avaliadas as articulações horizontais feitas entre os representantes do CONFAZ, bem como as articulações verticais desse Conselho junto à União e ao Congresso Nacional na defesa dos interesses estaduais, buscando amenizar o impacto nas finanças decorrente: a) das concessões de benefícios, por parte da União, de impostos de competência estadual, bem como o não enfrentamento da guerra fiscal; b) das concessões de benefícios, pela União, em impostos de sua competência que são partilhados entre estados e municípios, por constituírem base de cálculo das transferências constitucionais e legais. O imposto de competência estadual, a ser analisado, é o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). É o imposto que mais se arrecada no Brasil, mas que tem perdido importância relativa na estrutura da carga tributária nacional. Parte disso é fruto da redução da participação relativa no PIB das atividades que integram sua base tributária (indústria de transformação, agropecuária, comércio e comunicações) e 24 do não enfrentamento, pela União, da chamada guerra fiscal entre os estados, que se arrasta há décadas aumentando a competição entre eles. Os estudos sobre a competição fiscal entre entes federativos indicam que, ao contrário da esperada alocação ótima de comunidades e recursos, seus efeitos podem acarretar distorções econômicas e até mesmo perda de bem-estar social (PETERSON, 1995; STIGLITZ; GROSSMAN, 1980). Medidas governamentais também se mostram limitadoras. Segundo Abrucio (2000), a União Europeia empenha-se em evitar a guerra fiscal ao nivelar as regras de atração de investimentos entre os países-membros. No âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 34 países, auxiliando governos em torno de temas econômicos e sociais, Alemanha e Austrália adotaram a harmonização tributária para eliminar disputas fiscais entre estados. Nos Estados Unidos, a guerra fiscal vem sendo fortemente criticada, apesar da força da tradição liberal no país. No Brasil, os efeitos nocivos da guerra fiscal entre Estados estão sendo recorrentemente apontados por especialistas, apesar da dificuldade no avanço dos projetos de reforma tributária no Congresso. Em relação à concessão de benefícios a impostos arrecadados pelos governos estaduais, destaque será dado à desoneração de ICMS nos casos de prestações e operações destinadas à exportação de mercadorias – inclusive produtos primários, industrializados, semielaborados ou serviços – determinada pela Lei Complementar n° 87/96 e suas alterações posteriores. Conhecida como Lei Kandir, foi promulgada visando estimular os setores produtivos voltados para a exportação e favorecer o saldo da balança comercial, o que geraria perdas de arrecadação para os estados com promessa de ressarcimento por parte da União. Essa promessa, entretanto, vem sendo cumprida parcialmente, tendo os estados exportadores que arcar com o alto prejuízo da concessão. Essa lei acabou por regular detalhadamente a forma como os governos estaduais arrecadariam seu principal imposto (ARRETCHE, 2000, p. 34). Alguns autores interpretaram sua aprovação como um processo de recentralização federativa no plano tributário (ABRUCIO; COSTA, 1999; ALMEIDA, 2005; ARRETCHE, 2005; MELO, 2005; RODDEN, 2006; SOUZA, 2002). A perda de arrecadação pelas unidades federadas é representada pelas exportações de produtos primários e semielaborados e pela apropriação de 25 créditos de ICMS de bens do seu ativo permanente. As compensações da União são a título da Lei Kandir, Medida Provisória (MP) 1579/97, MP 1913/99, art. 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e Auxílio Financeiro a Estados Exportadores. O conceito de ressarcimento das perdas foi consagrado na Constituição Federal (CF/88) e reafirmado pela Emenda Constitucional nº 42/03 (art. 91 do ADCT), como um dos princípios fundamentais ao equilíbrio do pacto federativo (BRASIL, 2003). Assim, é fundamental assegurar mecanismos que propiciem o ressarcimento efetivo, que deverá ser feito mediante alocação e disponibilização automática de recursos orçamentários da União em favor dos estados e municípios, em valores compatíveis com as perdas. Como agravante, o Poder Executivo Federal não vem consignando no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) dotações para as transferências federais de natureza compensatória, relativas ao “art. 91 do ADCT/Lei Kandir” e ao “Auxílio Financeiro aos Estados Exportadores”. São várias as articulações intergovernamentais dos estados no sentido de fazer constar nos orçamentos da União a referida dotação, desde discussões nas reuniões do CONFAZ a reuniões com o próprio Ministro da Fazenda. A ausência dessas dotações nos projetos de lei orçamentária vem se repetindo pela falta de regulamentação do art. 91 do ADCT e pela redação do anexo da Lei Complementar nº 115/2002, que não define um valor mínimo a ser entregue. Esses fatores acarretam a necessidade de infindáveis discussões anuais que prejudicam a tramitação orçamentária no Congresso Nacional (BRASIL, 2002). Denota-se que o tema somente será devidamente equacionado com a discussão e aprovação da lei normatizadora. Em relação à concessão de benefícios aos impostos arrecadados pela União que são partilhados entre os outros entes federados, é dado destaque ao Fundo de Participação dos Estados (FPE). Trata-se de uma transferência federal aos estados e ao Distrito Federal, cujo objetivo é equalizar a capacidade fiscal das unidades federativas. Para alguns estados, essa receita representa quase 60% de sua receita total. A concessão de benefícios em tributos que envolvem impostos a serem partilhados entre os estados e Municípios reduz as receitas de transferências, haja vista esses impostos, ao lado do Imposto de Renda, constituírem base de cálculo do FPE. Isso aconteceu, por exemplo, na 26 adoção de medidas anticíclicas, pelo Governo Federal, para estabilização da economia, quando da redução das alíquotas a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e caminhões. Foram solicitadas pelos Secretários de Fazenda/Finanças estaduais, nas reuniões do CONFAZ, providências do Governo Federal para recomposição das receitas do Fundo. Entretanto, o Governo Federal não se envolveu nas discussões, deixando de lado o seu papel de coordenador de políticas públicas, fundamental para uma Federação tão desigual como o Brasil. Abrucio e Gaetani (2006) confirmam a necessidade de atuação do Governo Central quando afirmam que, “devido à enorme assimetria que caracteriza a Federação brasileira, o Governo Federal tem de cumprir uma função essencial em políticas que busquem corrigir as diversas desigualdades entre estados e regiões do país”. Além do problema da redução de suas receitas, os estados enfrentam outro mais grave, que é em relação à distribuição do Fundo. Desde 1989, o FPE é distribuído com base em cotas fixas. Antes de 1989, o sistema vigente permitia o recálculo anual das cotas, com base em variações da renda per capita e da população de cada estado. Segundo Mendes (2011), o STF, provocado por diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), que afirmavam que as cotas fixas contrariavam o caráter equalizador do Fundo (pois prejudicariam os estados que tiveram crescimento acelerado da população e queda da renda per capita), declarou inconstitucional o atual método de partilha e fixou prazo, até 31 de dezembro de 2012, para que o Congresso aprovasse nova regra. Em dezembro de 2012, alguns governadores se mobilizaram junto ao STF que, em 25/01/2013, prorrogou por mais 150 dias a validade das regras de distribuição do FPE, permitindo mais prazo para que o Congresso Nacional decidisse sobre o tema. As tentativas de consenso dos estados na adoção de novas regras não lograram êxito, apesar da criação de um grupo técnico no CONFAZ para analisar a questão e de um grupo de notáveis pelo Congresso Nacional para estudar o assunto. Todas as simulações e modelos desenvolvidos, por se tratar de um montante determinado a ser transferido pelo Governo Federal, impunham perdas para alguns estados e ganhos para outros. A única solução de consenso seria o aporte adicional de recursos do Governo Federal no bolo a ser distribuído. 27 Entretanto, o que se observou foi a omissão dessa esfera de governo na busca de uma solução para o problema. Vários projetos tramitaram no Congresso, apresentando novos modelos de distribuição do Fundo, e os estados se agruparam conforme seus interesses em perder menos ou ganhar um pouco mais. Esse processo pode ser visto como um jogo de soma zero, pois se alguns estados aumentam seu ganho em relação à sua situação atual, outros irão receber menos, caso a União não aumente o bolo por meio da ampliação da base de receitas que compõem o Fundo. Atualmente, o recurso que forma o fundo é finito, claramente definido na Constituição de 1988, tornando os interesses conflitantes entre os estados. A mudança de regras por parte do Governo Central e sua ausência na coordenação das discussões, na maioria das vezes, tem impactado fortemente as finanças e a autonomia dos governos subnacionais. Trata-se de temas conflituosos que exigem alto grau de cooperação e articulação entre os entes subnacionais, porque, dada a diferença regional e a assimetria do federalismo no Brasil, as necessidades dos entes são distintas. A discussão do FPE interessa muito aos estados do Norte (caso dos ex-territórios) e do Nordeste, em função do desenvolvimento de alguns deles, não sendo possível manter os coeficientes atuais, e afetam pouco os orçamentos do Sul e Sudeste. Inicialmente, observa-se mais uma disputa regional do que partidária entre os estados, fato que será aprofundado neste trabalho. Essas diferenças de interesses exigem grande capacidade de cooperação entre os entes estaduais, para que a agenda a ser negociada junto ao Governo Federal seja de interesse de todos, o que torna instigante este trabalho, ao pretender identificar os instrumentos utilizados pelos governos subnacionais para fazerem advocacy junto à União na defesa de seus interesses. Conforme afirma Prado (2007), a falta de coesão horizontal dos governos intermediários, em todas as federações, tende a resultar em fragilização da própria estrutura federativa, pois leva ao fortalecimento do Governo Central. No caso brasileiro, isso tende a se agravar, dada a existência de um terceiro nível de governo autônomo, o que permite ao Governo Central desenvolver formas novas de controle que prescindem da participação estadual. Apesar do número de casos não permitir ampla generalização de suas conclusões acerca das relações intergovernamentais, pretende-se promover um 28 diálogo entre os resultados encontrados e as teorias existentes, identificando-se suas potencialidades, limitações e possíveis temas e variáveis explicativas para o debate. 1.2 Contexto histórico e hipóteses explicativas A reforma constitucional de 1988 incorporou reivindicações referentes à autonomia de gestão e à descentralização das ações de governo em favor de estados e municípios, reordenando fortemente o campo da elaboração e gestão de políticas sociais, alterando o modelo federativo então vigente. No que diz respeito ao federalismo fiscal, inaugurou uma nova etapa, com a descentralização de receitas em favor dos governos subnacionais, aumentando a participação desses governos na carga tributária, bem como sua autonomia administrativa e fiscal. Ressaltou a descentralização e a participação da sociedade civil como estratégias e pressupostos essenciais para a garantia de mais efetividade dos resultados dessas políticas, criando novos mecanismos de gestão com repercussões importantes nas diversas áreas sociais. Procurou privilegiar o princípio do controle social do gasto público como ferramenta essencial para garantir a alocação adequada de recursos. Os defensores desse princípio acreditam que a proximidade entre a unidade gestora do gasto e o público-alvo é elemento-chave para o alcance do controle pela sociedade. A estratégia da nova Constituição de 1988 buscava alinhar o avanço institucional obtido com o Estado Democrático, tendo como referência a institucionalização da descentralização fiscal e a ênfase à cidadania (BRASIL, 1988). Entretanto, a transferência de expressiva soma de recursos aos governos subnacionais imposta pela Constituinte desatrelada da responsabilidade pela manutenção das atividades custeadas pelo Governo Federal acabou agravando a situação financeira da União. A redução da receita do Governo Federal se deu por dois mecanismos: primeiro, por sua reformulação e pela nova estrutura de competências, com a qual se transferiu a base tributária dos impostos únicos federais para o ICMS, aumentando a autonomia dos governos estaduais na gestão do imposto; e, segundo, pelo aumento da participação dos governos subnacionais no produto da arrecadação dos tributos federais por meio dos 29 fundos de participação: os governos municipais de 17 para 22,5% e os estaduais de 14 para 21,5%. Notoriamente, os estados aumentaram sua receita própria oriunda da incorporação da base de incidência do ICMS dos antigos impostos únicos (sobre combustíveis e lubrificantes, energia elétrica, transportes e comunicações e minerais) anteriormente pertencentes à União. E no caso dos municípios, o aumento das receitas próprias se processou por meio da aprovação do Imposto sobre Vendas e Varejo de Combustíveis e do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Inter Vivos (ITBI) ao seu campo de competência. Outro agravante é que esse processo não veio acompanhado de um projeto negociado de encargos entre os entes federados nem da recriação de um novo modelo federativo capaz de garantir sua viabilidade. É evidente que em qualquer federação, e principalmente no Brasil, considerado como uma das federações mais descentralizadas do mundo (SHAH, 2006), pelo fato de ter três entes federados autônomos, a coordenação federativa é peça-chave para garantir o desenvolvimento e a interdependência entre governos. Outros aspectos a serem considerados no caso brasileiro são a complexidade das relações federativas, sejam elas verticais ou horizontais, e os mecanismos institucionais que permitiram ao Governo Central obter cooperação dos governos subnacionais para executarem ações de interesse comum e que procuraram estimular que eles cooperassem entre si na realização dessas políticas. As relações verticais da Federação precisam levar em conta, concomitantemente, o problema da descentralização (política, fiscal e de competências) e da autonomia de cada ente. As grandes diferenças regionais em termos econômicos, políticos e administrativos entre os estados e municípios brasileiros resultam em grande heterogeneidade quanto à possibilidade de alcance dos objetivos propostos no processo de descentralização. Além disso, são comuns entre os entes conflitos de visão e de interesses, de consensos, negociações e embates próprios a qualquer ação política. É um terreno fértil para o desenvolvimento de vários instrumentos de advocacy, cujo sucesso está relacionado à capacidade de negociação entre os atores estratégicos e à habilidade de estabelecer estratégias consensuais para a solução dos problemas, tema que este trabalho se propõe a investigar no caso dos estados brasileiros. 30 No Brasil, a literatura sobre federalismo é unânime ao realçar uma dinâmica que oscila em períodos de descentralização e centralização. Assim, para descrever o federalismo brasileiro no qual se insere este estudo, alguns aspectos serão destacados. Primeiro, breve análise da origem e natureza da federação brasileira, buscando identificar antecedentes que demonstrem conflitos e disputas entre os entes, passando pelo período militar até a Constituição de 1988 (CF/88). Depois, uma descrição da experiência do federalismo a partir da CF/88, com foco nos governos estaduais, na forma como se articularam e nos instrumentos de advocacy utilizados para fazer face às mudanças advindas da Carta Magna. A Federação Brasileira foi criada em 1891, após a Proclamação da República, em atendimento principalmente às demandas por autonomia das elites regionais. Vários foram os momentos de conflitos vividos pelo país desde o período colonial até a instauração do Federalismo. Costa cita que, no primeiro dia da República, foi expedido o Decreto nº 1 cujo artigo 1º convertia a nação brasileira em uma República Federativa e o 2º dizia que “as províncias do Brasil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil” (COSTA, 1995, p. 2). A formalização de uma ordem federativa exigiu a descentralização políticoadministrativa de poder. Entretanto, o laço ao qual se refere o citado artigo não foi construído pelas próprias partes integrantes. No mesmo sentido, Araújo (2003) afirma que a construção da ordem federativa no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, não foi precedida de maiores discussões em que se confrontariam distintos interesses que precisavam ser conciliados para promover a integração nacional. O estabelecimento da ordem federativa, bem como a estruturação do poder, não foi decorrente de uma coalizão das antigas províncias, ou pelo menos de parte delas, que via nessas alternativas um instrumento para agrupar em um mesmo país regiões marcadamente heterogêneas e com interesses, além de díspares, conflitantes e, paralelamente, permitir o fortalecimento da nação por meio da integração territorial. Sano (2008) sugere dois pilares para o modelo montado no regime militar, quais sejam: a) o caráter autoritário do sistema que restringiu a autonomia política da sociedade, dos partidos e dos governos subnacionais, prejudicando as práticas de diálogo, barganha e cooperação consentida entre os entes federados; b) a 31 expansão do Estado brasileiro, com destaque para a ampliação insulada e centralizada das políticas sociais (NUNES, 1997). A centralização fiscal e o domínio de recursos financeiros nas mãos da União resultaram em um padrão de financiamento estadual caracterizado por alterações na forma de articulação financeira no interior do setor público estadual e entre os seus órgãos e o Governo Federal e, sobretudo, pela ampliação do endividamento como forma de driblar a perda de autonomia. Quanto às relações intergovernamentais no regime militar, Arretche (2005) afirma que elas eram de fato muito mais próximas das formas que caracterizam um Estado unitário do que daquelas que caracterizam as federações, principalmente em função da forma de eleição dos governadores e de sua escassa autonomia fiscal3. Não havia espaço para a cooperação entre os entes e era difícil equilibrar as relações entre centralização e descentralização. A crise dos anos 1980 aumentou o questionamento da metodologia de repartição de receitas tributárias e da autonomia dos governos estaduais. Os governos municipais, por sua vez, apesar de pouco afetados pela centralização promovida pelo regime militar, também passaram a reclamar por maior fatia dos impostos federais. Da mesma forma, os constituintes criticaram duramente a centralização do poder no Governo Federal durante o governo militar e elegeram como ponto de partida para as mudanças no capítulo tributário da Constituição a descentralização, tornando-a praticamente sinônimo de democratização. A bandeira da descentralização ocupava espaço na marcha da redemocratização do país, carregando a crença de que a descentralização levaria, por si só, à maior equidade na distribuição de bens e serviços e à maior eficiência da máquina estatal. Nesse processo, as unidades federadas mais desenvolvidas reivindicavam a ampliação das competências tributárias de estados e municípios, 3 Segundo a autora, os governadores e prefeitos das capitais e de cerca de 150 cidades de médio e grande portes foram destituídos de base própria de autonomia política: selecionados formalmente por eleições indiretas e mediante indicação da cúpula militar, sua autoridade política não era derivada do voto popular. Além disso, todos os governadores e prefeitos detinham escassa autonomia fiscal: a centralização financeira instituída pela reforma fiscal de meados dos anos 60 concentrou os principais tributos nas mãos do governo federal e, ainda que tenha ampliado o volume da receita disponível dos municípios, uma vez realizadas as transferências, estas estavam sujeitas a estritos controles do governo federal. Finalmente, os governadores não tinham autoridade sobre suas bases militares, uma vez que as polícias militares estaduais foram colocadas sob controle do Exército Nacional. Ora, relações intergovernamentais dessa natureza caracterizam os estados unitários, nos quais o poder político no plano local é uma delegação do governo central, fonte exclusiva da autoridade política (RIKER, 1975). 32 enquanto as unidades de menos desenvolvimento pleiteavam o aumento das transferências de receitas federais, sem qualquer condicionalidade para a sua destinação. Couto e Abrucio (2003) informam que o período posterior a 1988 pode ser dividido em duas etapas: a redemocratização e a denominada Era do Real. O período de redemocratização pode ser caracterizado pelo desequilíbrio entre a repartição de recursos e de atribuições promovido pelas novas regras constitucionais, que levou, por um lado, à perda de recursos fiscais pela União, que viu, por outro, aumentar suas atribuições, notadamente no caso da seguridade social. Estados e municípios que passaram a contar com expressivo volume de receitas não teriam, ao contrário dos objetivos que nortearam os constituintes, assumido mais responsabilidades nesse processo, o que os levou a expandir seus gastos públicos de maneira acentuada, aumentando o seu grau de endividamento. Como resultado, assistiu-se à deterioração dos serviços públicos e ao desequilíbrio do federalismo no país. Afonso e Ramundo (1995, p.1) confirmam essa hipótese ao afirmarem que: A Constituição Federal vigente, promulgada em outubro de 1988, ampliou e consolidou um processo, iniciado ao final da década de 70, de esvaziamento financeiro do governo central e rápido fortalecimento das finanças dos estados e, principalmente, dos municípios. Esse quadro permaneceu inalterado após o fracasso da revisão constitucional realizada em 1993/94, que nada aprovou que alterasse a estrutura tributária e fiscal, a despeito de inúmeras propostas apresentadas nesse sentido. A consolidação do processo de descentralização fiscal iniciado na primeira metade dos anos 80, institucionalizado em 1988, estava focada na redistribuição vertical e horizontal de recursos, em resposta a mais de 20 anos de centralização fiscal-financeira, em detrimento de reflexões que levassem à reestruturação das relações intergovernamentais 4 . Sendo assim, na primeira Conforme Lopreato (2000, p. 11): “A heterogeneidade socioeconômica impôs limites ao redesenho do quadro tributário e da distribuição dos recursos entre as esferas de governo. Os estados economicamente mais fracos e presos às transferências federais desfrutavam de baixa capacidade de alavancagem de recursos e procuraram se valer do peso político desproporcional no Congresso, reivindicando ganhos na distribuição da receita tributária via aumento das alíquotas do FPE/FPM. Os estados de maior porte econômico, por outro lado, pouco ganhavam com o 4 33 etapa desse processo o quadro competitivo acirrou-se entre os entes, descaracterizando o federalismo cooperativo promulgado pela nova Constituinte. Não existiram regras claras de cooperação intergovernamental, o que impediu a articulação das ações federais, estaduais e municipais, com sérios prejuízos para a eficiência e a eficácia das políticas sociais. O processo de descentralização ficou comprometido à medida que a economia, no início dos anos 90, começou a perder seu dinamismo e as medidas de ajuste fiscal ocasionaram perdas aos estados e municípios. O Governo Federal, de seu lado, sentindo a perda de recursos ocasionada pela descentralização fiscal, “procurou transformar a descentralização em um jogo de repasse de funções, intitulado à época de operação desmonte” (ABRUCIO; LOUREIRO, 2002, p. 194). Com essa operação o Governo Federal procurou se desobrigar de certas atribuições, transferindo-as para a responsabilidade dos governos subnacionais, já que estes passariam a absorver maior parcela de recursos com a nova Constituição Federal. Em março de 1994 foi implantada a primeira fase do Plano Real, com a finalidade de estabelecer o equilíbrio fiscal por meio do aumento de impostos e cortes nos gastos públicos, de forma a reduzir o volume de emissões de moeda e de títulos públicos. O programa de estabilização econômica previa, entre outras coisas, ajuste fiscal de forma a se obter o equilíbrio fiscal por meio da implementação do Plano de Ação Imediata (PAI). Entre suas medidas destacamse: redução dos gastos da União, recuperação da receita tributária, equacionamento das dívidas de estados e municípios com a União e revisão do relacionamento do Governo Federal com os governos subnacionais, com a finalidade de: a) reduzir as transferências não constitucionais de recursos do orçamento federal; b) regularizar o pagamento da dívida vencida para a União; e c) impedir o endividamento insolúvel dos estados e municípios com um controle mais rígido de bancos estaduais, proposta de um novo sistema fiscal e tributário ao Congresso para vigorar a partir de 1994 (o que não ocorreu). Entre as medidas contidas nos ajustes implementados pelo Governo Federal, que afetariam os governos subnacionais, devem-se destacar: a) a criação de tributos e contribuições sociais não compartilháveis com essas esferas; aumento de alíquotas de transferências constitucionais e defendiam a ideia de maior autonomia de tributação e o fim do direito da união de conceder incentivos baseados no ICM”. 34 b) a implantação de uma série de planos de estabilização, a exemplo dos Planos Cruzado, Bresser, Collor I e II e Real; c) a aprovação da Lei complementar n° 87/96, denominada Lei Kandir, que desonerou do ICMS as exportações de alguns produtos e cuja forma de ressarcimento (seguro receita) não foi capaz de garantir sua compensação (BRASIL, 1996a); d) o início da implementação do Programa de Ajuste Fiscal para os Estados, em 1997, com a renegociação de suas dívidas, que foram submetidas a restrições creditícias; e) a publicação da Lei complementar nº 101, de 04/05/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (BRASIL, 2000a). Pelo lado social sobressaem-se: a) a publicação da Emenda Constitucional nº 14/96, um instrumento de financiamento do ensino fundamental para o qual estados, municípios e União deveriam destinar percentual de suas receitas (ICMS, FPE, Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados - FPEx e ressarcimentos da Lei Kandir), cabendo à União complementar os governos subnacionais que não atingirem o valor mínimo de recursos oficialmente estabelecidos (BRASIL, 1996b); b) a aprovação da Emenda Constitucional nº 29, na qual estados e municípios deveriam destinar recursos da ordem de 12 e 15% de suas receitas de impostos e transferências para o financiamento da saúde, que juntamente com a Emenda nº 14, além de aumentar os compromissos dos governos, contribuiu para o aumento do grau de rigidez de seus orçamentos (BRASIL, 2000b). Foram implementadas, na década de 1990, as chamadas reformas institucionais, com o propósito de assegurar a geração de superávits fiscais primários em níveis adequados e a sustentabilidade da dívida. Com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo impôs mais uma regra de austeridade fiscal para todas as esferas de governo e todos os poderes, um instrumento com o qual se procurou institucionalizar o compromisso com a disciplina fiscal no país, o que teria também grandes implicações para a questão federativa, principalmente no que diz respeito às relações entre os entes federados. É nesse contexto, portanto, que se insere a discussão desta tese. O tema da pesquisa refere-se às relações verticais e horizontais desenvolvidas na Federação brasileira após a Constituição Federal de 1988, discutidas a partir de um novo objeto: os instrumentos de advocacy federativa, mais 35 especificamente dos estados. A heterogeneidade das bases econômicas e tributárias dos governos subnacionais resultou em diferentes capacidades de arrecadação própria e de dependência do sistema de transferências de recursos, bem como de endividamento e de implementação de políticas sociais. As mudanças oriundas da Constituição de 1988, somadas aos ajustes fiscais implementados pelo Governo Federal nos anos 1990, não resolveram os problemas de cooperação intergovernamental no campo tributário. Os governos estaduais talvez tenham sido os que mais sofreram com este processo. A literatura oferece vários estudos sobre a dinâmica dos governos municipais, entretanto, poucos se concentram em compreender como se processaram as relações intergovernamentais, notadamente entre estados e Governo Federal, nem como os estados estão se articulando em torno das questões fiscais (guerra fiscal e redução da receita de ICMS, revisão dos coeficientes e redução dos repasses do FPE). Diante desse cenário, duas hipóteses gerais norteiam este trabalho: Hipótese 1: A heterogeneidade de interesses dos governos estaduais dificulta a articulação horizontal e reduz a coordenação vertical, contribuindo para reduzir o poder desses entes federados em estabelecer a advocacy com a União. Na verdade, é muito difícil mudar a posição dos estados, dada a desigualdades entre eles, sem afetar horizontalmente os demais, e o Governo Federal não consegue ser o árbitro deste processo, ele próprio composto pelos diversos interesses que compõem a Federação. O alto grau de heterogeneidade dos estados brasileiros resulta em diferentes capacidades de arrecadação própria e de dependência do sistema de transferências de recursos, bem como de endividamento e de implementação de políticas sociais. Nesse sentido, as necessidades de desenvolvimento socioeconômico e as visões sobre solução dos problemas dificultam a articulação entre eles, acabando por dividi-los, em detrimento do processo de cooperação, exigindo uma política nacional que lide com tal desigualdade Essas divisões resultam em agrupamentos por Regiões, como, por exemplo: Norte (N), Nordeste (NE), Centro-Oeste (CO) e estado do Espírito Santo 36 (ES), contra Sul e Sudeste (sem ES), caso da reforma do ICMS, que vem sendo discutida há anos sem consenso entre os estados e em grande parte com a omissão da União. Neste caso, os benefícios fiscais concedidos pelos estados N, NE, CO incluindo o estado do ES ao ICMS e as alíquotas interestaduais diferenciadas foram em nome do desenvolvimento dessas regiões menos desenvolvidas. Acabar com esses benefícios seria retirar o desenvolvimento local e concentrá-lo novamente no Sul e Sudeste, além de colocar esses entes em situação de desequilíbrio fiscal e financeiro. Outro exemplo seria o agrupamento dos estados sem se considerar a divisão regional. Nesse caso, cabe a discussão da transferência da União aos estados, denominada FPE, que é uma receita de vital importância, principalmente para os estados do Norte e Nordeste, e a revisão de seus coeficientes, ajustandoos à nova realidade econômica, aliada à concessão de benefícios pela União ao IPI, imposto que, somado ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), compõe a base do Fundo. Essa transferência e a revisão acabaram por impor a esses estados perda de receita, o que é inviável tendo em vista sua capacidade arrecadatória e seus orçamentos. Pierson afirma que uma política pública pode influenciar no comportamento dos atores atingidos por essa policy, quando cita: Se os grupos de interesse conformam as políticas públicas, estas também conformam os grupos de interesse. A estrutura organizacional e os objetivos políticos dos grupos podem se alterar em resposta à natureza dos programas que eles confrontam e esperam sustentar ou alterar. As políticas públicas oferecem tanto incentivos e recursos que podem facilitar ou inibir a formação ou expansão de grupos particulares (PIERSON, 1994, p. 40) Nesse caso, trata-se de avaliar em que os grupos de interesse na discussão do ICMS e do FPE, por exemplo, podem influenciar as políticas públicas, bem como a forma como as políticas públicas podem afetar o posicionamento desse grupo localizado no campo de ação ao estimular sua articulação, mudar os recursos disponíveis e também aproximá-los ou afastá-los da arena decisória. Além disso, em função das diferenças regionais, os estados apresentam capacidades diferenciadas de oferta de políticas públicas e arrecadação, o que os divide mais ainda nas negociações. Deve-se considerar que no Brasil não existe oficialmente uma instituição que congrega os chefes dos 37 executivos dos estados na defesa coletiva de seus interesses. Em razão disso, em grande parte, a defesa é feita de forma individual junto ao Governo Federal, o que enfraquece a articulação intergovernamental e vertical. É dessa percepção sobre as formas de articulação que nasce a segunda hipótese que orienta esta pesquisa. Hipótese 2: A ausência de arenas institucionais compostas por chefes dos executivos estaduais enfraquece a cooperação intergovernamental e a proposição de soluções para os problemas de políticas públicas e de governança em níveis regionais e nacionais de “forma coletiva”, dificultando aos estados de estabelecerem advocacy junto à União. No Brasil, não há instituição formal para a defesa coletiva dos interesses dos governos estaduais. As articulações no enfrentamento dos problemas oriundos das questões fiscais, na maioria das vezes, são frouxas e se dissolvem ou enfraquecem com o passar do tempo. Observa-se pouca articulação dos chefes dos executivos estaduais na definição de propostas conjuntas. Temos algumas experiências regionalizadas, como é o caso do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), criado em 1961 e que busca fomentar o desenvolvimento da região Sul; e a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), órgão federal constituído para combater a desigualdade regional que conta com os estados em sua estrutura; e, mais recentemente, algumas cartas de governadores agrupados por regiões, oriundas de reuniões denominadas Fóruns de Governadores. Entretanto, os entes subnacionais não aproveitaram o seu papel no processo decisório (ABRUCIO; SANO, 2011). Por outro lado, foram constituídos Conselhos e Fóruns de Secretários Estaduais, instituições que representam um fórum de articulação interestadual. Neste trabalho analisa-se apenas o CONFAZ, que reúne Secretários de Fazenda e Finanças dos Estados, presidido por integrante do Governo Federal, diferentemente dos outros Conselhos estaduais, em que a presidência é de um Secretário de Estado. Em 28 de setembro de 2012 foi criado, por meio de protocolo celebrado entre os estados e o DF, o Consórcio Nacional de Secretários de Fazenda (CONSEFAZ), que é coordenado por um Secretário Estadual de Fazenda/Finanças. O CONSEFAZ tem por objetivo promover a integração entre 38 Secretários de Fazendas, Finanças, Receita e Tributação dos Estados e DF e a articulação conjunta desses órgãos em matérias de interesse comum, visando otimizar a gestão financeira e tributária das respectivas unidades federativas. O grupo se reúne um dia antes do CONFAZ para discussão prévia de questões que afetam os estados brasileiros. Esses Conselhos, apesar de articularem, formularem e defenderem os interesses estaduais, quase não articulam “entre si” na defesa de interesses dos governos estaduais. Atuam de forma isolada junto ao Governo Federal, enquanto poderiam fazê-lo de forma conjunta, por meio de uma instituição composta de chefes dos executivos estaduais. Na defesa de temas que afetam a receita dos entes subnacionais - caso do CONFAZ na harmonização do ICMS, objeto de discussão desta tese -, observa-se pouca cooperação desses entes na busca de soluções para a redução da guerra fiscal e para a reforma do imposto. O mesmo poderá ser observado no caso do FPE, também objeto de análise desta investigação, cujos novos coeficientes só foram definidos após determinação do STF, a despeito de terem sido criados para discussão do tema um grupo dentro do CONFAZ (GEFPE) e uma comissão de notáveis pelo Congresso Nacional. Uma das arenas do Congresso Nacional, o Senado Federal pelo fato de representar as 27 unidades federadas também poderia ser um fórum de articulação interestadual com o desenvolvimento de debates e soluções para os problemas dos estados , entretanto não tem obtido sucesso em suas decisões.Sendo assim, são poucas as instituições que conseguem disseminar boas práticas, produzir decisões compartilhadas, reduzir as diferenças regionais e estabelecer a advocacy dos estados junto à União. Alguns países já avançaram nos arranjos interestaduais com a instituição de Conselhos compostos pelos chefes dos executivos estaduais (governadores) cujo objetivo é a defesa dos interesses desses entes federados junto aos Governos Centrais (caso dos Estados Unidos, Canadá e Austrália). Esses fóruns de discussão têm por objetivo respeitar a diversidade entre eles e identificar as prioridades e propor soluções para os problemas de políticas públicas e de governança em níveis regionais e nacionais de forma coletiva, o que favorece o aumento da coordenação intergovernamental, bem como afeta a articulação vertical. 39 Para ilustrar este estudo, será feita breve descrição de três experiências internacionais (Austrália, EUA e Canadá). No caso brasileiro, objetiva-se aprofundar o estudo sobre a natureza e os efeitos da articulação interestadual no campo das políticas públicas, identificando-se oportunidades de mudança. 1.3 Metodologia e coleta de dados O método estudo de caso foi o escolhido para a realização desta pesquisa, tendo em vista o tamanho do universo de estudo (o CONFAZ e o Congresso Nacional) e o nível de complexidade dos temas abordados (o ICMS e o FPE). Em relação aos dados, destaca-se a falta de pesquisas anteriores sobre essas arenas no que diz respeito às relações intergovernamentais e aos instrumentos utilizados para a advocacy federativa, o que dificultou a realização de estudos de natureza quantitativa. O estudo de caso apresenta-se como a abordagem mais adequada ao presente trabalho, pois oferece uma riqueza e profundidade de informações não usualmente proporcionadas por outros métodos, viabilizando, assim, as condições para a identificação e compreensão de um complexo conjunto de circunstâncias. A adoção do estudo de caso por pesquisadores de diversos campos do conhecimento tem por finalidade última a busca da compreensão de fenômenos sociais complexos (SOY, 1997; YIN, 2005). Bonoma (1985) destaca, especificamente, a adequabilidade do estudo de caso para a investigação do comportamento gerencial, pelo fato de o método ser sensível ao contexto e às restrições temporais. O estudo de caso é inserido em uma perspectiva de descrição abrangente e holística, conduzida de maneira sistemática e intensiva, acerca de uma instância particular, um fenômeno ou unidade social (CUTLER, 2004, p. 366). Yin (2005) afirma que, de maneira geral, os estudos de caso são a abordagem adequada quando se está diante de indagações do tipo como e por que e que podem ter como unidades de análise um indivíduo, uma organização, um programa, um grupo social, um conjunto de relações ou processos. No presente caso, as unidades de análise são o CONFAZ e o Congresso Nacional. 40 Na elaboração deste trabalho, também foram utilizadas explicações de cunho geral sobre relações intergovernamentais e exploradas teorias históricas de médio alcance produzidas sobre o federalismo brasileiro. Isso foi feito por meio da reconstrução qualitativa do processo, do histórico das instituições e dos atores envolvidos, objetivando identificar lacunas a serem estudadas e também servir de modelo para que se conheçam as visões existentes sobre questões atinentes ao federalismo. Por meio do estudo de caso, buscou-se avaliar a natureza, a forma de organização dos governos estaduais e os efeitos da articulação interestadual com foco no ICMS e no FPE -, como também apresentar novas explicações e hipóteses sobre a coordenação federativa praticada no Brasil. No que se refere ao material de pesquisa, além da literatura teórica sobre os temas federalismo, articulação intergovernamental, coordenação e cooperação vertical e horizontal dos governos na implementação de políticas públicas, foi descrito o funcionamento dos conselhos federativos da Austrália, Canadá e EUA. Para os casos das arenas federativas brasileiras, foi realizada pesquisa documental envolvendo a análise das legislações em vigor, bem como documentos específicos. O trabalho foi feito a partir de material elaborado pelo CONFAZ e pelo Congresso Nacional (atas de reuniões, relatórios de gestão, pronunciamentos oficiais e documentos sobre o histórico das instituições), além de trabalhos acadêmicos sobre tais instituições. No caso do CONFAZ foi usada uma pesquisa produzida pelo Banco Mundial, como parte de um projeto denominado Brazil Intergovernamental Finances, da qual participei como pesquisadora. Este trabalho realizou um diagnóstico detalhado do ICMS, as tentativas de reforma e seus impactos sobre a arrecadação e receita dos governos estaduais bem como o papel do CONFAZ no contexto. No caso do FPE foi usado um relatório produzido por um dos grupos do CONFAZ, por solicitação dos Secretários de Fazenda, do qual também participei como pesquisadora. O relatório apresentou um histórico do Fundo, as tentativas de aprovação de uma nova legislação e uma análise sobre os possíveis modelos de distribuição do FPE. Para complementar a análise documental participei de todas as reuniões do CONFAZ, das reuniões do Fórum de governadores e das principais discussões no Congresso Nacional sobre os temas observando o comportamento 41 dos atores nas arenas de discussão. E, por fim, foram realizadas entrevistas com atores-chave do CONFAZ, do Senado Federal e um ex-governador. A lista dos entrevistados encontra-se no ANEXO F. O objetivo foi identificar como ocorreu o relacionamento entre o CONFAZ e o Congresso Nacional na defesa dos interesses dos estados junto à União. Ressalta-se que a literatura que discute relações intergovernamentais nos EUA, existente desde a década de 1940, apresenta relevante mapeamento das relações intergovernamentais com informações oriundas de entrevistas dos atores envolvidos. 1.4 Estrutura da tese O capítulo 2 - BASE TEÓRICA: FEDERALISMO, RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E INSTRUMENTOS DE ADVOCACY dedica-se à discussão teórica sobre federalismo e relações intergovernamentais, tratando, ao final, da questão da advocacy federativa. O capítulo 3 - MODELOS DE ADVOCACY FEDERATIVA EM PERSPECTIVA COMPARADA: A DIMENSÃO DO COMPARTILHAMENTO NAS FEDERAÇÕES tem como objetivo identificar os modelos de advocacy instituídos no Brasil, Estados Unidos, Canadá e Austrália buscando entender a dimensão do compartilhamento nas federações. O foco foi dado às diferentes fases e papéis que os Conselhos e o Congresso assumiram desde a sua constituição e como esses países se articulam na defesa dos interesses dos entes federados estaduais junto aos governos centrais na decisão sobre políticas públicas. Foram analisados, também, os resultados alcançados com esse tipo de associação para a cooperação intergovernamental e para o processo de coordenação vertical de toda a Federação. Os capítulos 4 e 5 exploram a articulação e coordenação intergovernamental de políticas públicas e a cooperação entre os entes federados, no caso brasileiro em relação às propostas de reforma do sistema tributário e do FPE. No capítulo 4 - O ICMS E A GUERRA FISCAL: UM CASO DE FRACASSO NA COOPERAÇÃO ESTADUAL são identificadas as causas das tentativas fracassadas de reforma tributária e como se processaram as articulações entre o CONFAZ, o Congresso e o Governo Federal no que diz 42 respeito às concessões de benefícios por parte da União ao ICMS e no enfrentamento da guerra fiscal. No capítulo 5 - O FPE: UM CASO MAIS BEM-SUCEDIDO DE COOPERAÇÃO E ARTICULAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NO BRASIL? analisa-se se as alterações promovidas na legislação do FPE atenderam ao propósito de questionamento efetuado pelo STF, bem como as concessões de benefícios pela União em impostos de sua competência que são partilhados entre estados e municípios. São verificados quais foram os resultados alcançados, quais formas de advocacy foram utilizadas pelos atores e seus impactos na cooperação intergovernamental e no processo de coordenação vertical de toda a Federação. No capítulo 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS busca-se apresentar quais instrumentos foram utilizados pelos governos estaduais para realizar a advocacy federativa e resumir as principais diferenças e semelhanças entre as experiências dos países estudados, refletindo sobre a importância da criação ou não de um fórum que representa os executivos estaduais na defesa de seus interesses junto às esferas federais, para o fortalecimento, sucesso da articulação, coordenação interestadual de políticas públicas e para a cooperação federativa entre os entes. 43 2 BASE TEÓRICA: FEDERALISMO, RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E INSTRUMENTOS DE ADVOCACY O objetivo deste capítulo é discorrer acerca do referencial teórico que fundamenta o presente trabalho, de forma a demonstrar as principais ideias e conceitos que serviram de pressupostos e contribuíram para a formulação dos problemas de pesquisa e para as conclusões desta tese. Os principais fundamentos teóricos são os conceitos adotados para federalismo, relações intergovernamentais e advocacy. Faz-se, também, breve conceituação do neoinstitucionalismo histórico, buscando-se destacar o papel das instituições na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas e ressaltando-se a importância da estrutura institucional na qual se inserem a política tributária e o sistema de partilha brasileiro. 2.1 Federalismo O conceito de federalismo tem grande importância histórica, principalmente na Ciência Política. Basicamente, refere-se à divisão territorial de poder e autoridade entre as esferas de governo, estabelecida na Constituição de 1988, mas que, segundo Elazar (1987, p. 12), “a essência está na combinação entre autonomia e interdependência das partes, ou self-rule e shared-rule”. O mesmo autor define que: O termo “federal” origina-se do latim foedus, o qual [...] significa pacto, aliança. Em essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros, baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de favorecer uma unidade especial entre eles (ELAZAR, 1987, p. 5). Em relação ao sistema federal, o citado autor o define como uma forma moderna de lidar com a organização político-territorial do poder, na qual há compartilhamento matricial de soberania e não piramidal, mantendo-se a estrutura nacional (ELAZAR, 1987, p. 37). Abrucio (2005) utiliza o conceito de Elazar complementando-o, ao citar que, para o melhor entendimento do federalismo, é preciso analisar sua natureza, significado e dinâmica. 44 Os países assumem o modelo federativo quando há uma situação federalista (BURGESS, 1993), caracterizada por duas condições que possibilitam a compreensão do cenário, quais sejam: a) a existência de heterogeneidades que dividem determinada nação, vinculadas à questão territorial (tamanho e/ou significativa diversidade física), as diferenças de etnia e/ou linguísticas, as disparidades socioeconômicas ou então as diversidades culturais e políticas entre suas regiões; b) uma ação política fundamentada na unidade da diversidade, capaz de manter simultaneamente unidas e autônomas as partes de um mesmo território. Mantidas as duas condições, torna-se possível a origem de um pacto federativo. Stepan construiu dois modelos de federação, quais sejam: a) Federação cujo objetivo é unir – come together – baseado no modelo dos EUA, no qual seus integrantes, até então soberanos, pactuaram o que Riker (1975) define como pacto federativo, para se unir, reunindo suas soberanias em uma nova federação, admitindo poderes residuais aos estados federados; b) Federação cujo objetivo é manter a união – hold together –, o que caracteriza o modelo da Índia e que alguns autores acreditam seja o modelo brasileiro (STEPAN, 1999). Abrucio (2000), no entanto, afirma que o “Brasil tem mistura de come together com hold together de forma muito particular, formando um novo modelo”. Segundo Burgess (1993): O gênio da federação está em sua infinita capacidade de acomodar a competição e o conflito em torno das diversidades que têm relevância política dentro de um estado. Tolerância, respeito, compromisso, barganha e reconhecimento mútuo são suas palavras-chave; e “união” combinada com “autonomia” é sua marca autêntica. Isso representa o equilíbrio nas relações da federação em prol de um objetivo maior. No que diz respeito às relações que são oriundas do federalismo, Elazar destaca que: A essência do federalismo não é encontrada em um conjunto particular de instituições, mas na institucionalização de relacionamentos específicos entre os participantes da vida política. Consequentemente, o federalismo é um fenômeno que oferece muitas opções para a organização da autoridade política e poder; à medida que as relações de poder são criadas, ampla variedade de estruturas políticas, consistentes com os princípios federais, pode ser desenvolvida (ELAZAR, 1987, p. 12). 45 Assim sendo, o federalismo caracteriza-se por ser uma estrutura não centralizada, em que há a presença de um Governo Federal e o compartilhamento de decisões, sem que haja um controle central de todas as questões. Cada um dos entes se constitui em instância de autoridade política com competência para formular políticas próprias e influenciar as políticas que emergem do centro (PIERSON, 1995). Os sistemas federais retratam formas distintas de relações intergovernamentais - que podem ser competitivas e cooperativas - e de interação, estruturadas em acordos entre as esferas de governo. Elazar confirma essa situação: O federalismo não é apenas uma estrutura com características específicas, mas um processo de governo que implica um sentido de parceria entre as partes do pacto federativo, que se manifesta por meio da cooperação negociada em torno de questões e programas e que se baseia em um compromisso de barganha entre todos os membros, para chegar a um consenso ou, na sua impossibilidade, a uma acomodação que proteja a integridade fundamental de todos os parceiros (ELAZAR, 1987, p. 67). Já federalismo fiscal que refere-se a forma como são repartidos os encargos e as receitas entre as esferas de governo, cujo o objetivo é cumprir suas obrigações designadas pela Constituição.Oliveira (2000, p.28)5 afirma que: No Federalismo Fiscal, como são chamadas as relações de distribuição de receitas e atribuições no regime federativo, o sistema tributário deve ser estruturado de forma a distribuir as receitas as receitas públicas entre várias unidades e esferas administrativas, visando proporcionar condições para atender às demandas que lhes são exigidas. Desta maneira se caracteriza a necessidade da existência de uma estrutura capaz de gerar um efeito distributivo entre os grupos que fazem parte da federação, além de um agente intermediador capaz de evitar possíveis atritos entre os membros federados. Abrucio (2005) afirma que o desenvolvimento recente dos Estados modernos resultou no crescimento do papel dos governos centrais, com destaque para a expansão das políticas sociais. Assegura, ainda, que para os sistemas federais com sua soberania compartilhada é preciso que se efetive um acordo no 5 OLIVEIRA, Luiz Guilherme de. Federalismo e guerra fiscal: alguns aspectos, alguns casos. São Paulo: Edições Pulsar, 2000. Pag. 28. 46 qual esteja previsto o compartilhamento das decisões e das responsabilidades, o que leva à reflexão de que a interdependência implica a coordenação das ações dos diferentes níveis de governo para que se possa compreender a produção de políticas públicas em uma estrutura federativa contemporânea. Segundo Pierson (1995), no federalismo as ações governamentais estão distribuídas entre unidades autônomas que passam a ter cada vez mais interconexão, em função dos programas nacionais e da ausência de capacidade financeira e administrativa das unidades locais e/ou regionais. A necessidade de compartilhamento de políticas entre as unidades da federação é cada vez mais premente, apesar de não ser tarefa fácil, o que, segundo Abrucio (2005), envolve jogos de cooperação e competição, acordos, vetos e decisões conjuntas entre os níveis de governo. No caso brasileiro, como salienta Anastasia (2004), um dos grandes desafios do federalismo reside nas acentuadas desigualdades de diferentes tipos que atingem os estados, agravados pela competição predatória entre eles, resultado da concessão de benefícios fiscais e financeiros utilizados como mecanismo para compensar desvantagens estruturais e geográficas de algumas regiões em relação a outras. Almeida (2001) reforça a necessidade de cooperação e competição quando cita que a coexistência de diferentes níveis de poder define “formas peculiares de relações intergovernamentais, constitutivamente competitivas e cooperativas e necessariamente caracterizadas pelo conflito do poder, como pela negociação entre esferas de governo”. Pierson comenta a dificuldade de coordenação de diferentes instâncias de governo quando cita que “no federalismo, dada a divisão de poderes entre os entes, as iniciativas políticas são altamente interdependentes, mas são, de forma frequente, modestamente coordenadas” (PIERSON, 1995, p. 451),. Abrucio e Franzese (2007 afirmam que devem ser criados instrumentos de coordenação dos entes por meio de incentivos à cooperação e de arranjos intergovernamentais que permitam a tomada de decisões de forma coletiva, constituindo-se igualmente em fatores que condicionam o sucesso das políticas públicas e que determinam se o ambiente para negociações é mais hostil ou mais harmonioso. 47 2.2 Relações intergovernamentais: origens, conceito e aplicação A contextualização e definição de relações intergovernamentais (RIGs) passa pelos trabalhos de Deil Wright e Daniel Elazar. No modelo apresentado por Wright (1988), o termo relações intergovernamentais inclui todas as possíveis relações entre governos - horizontais e verticais -, sendo, portanto, mais amplo do que o termo federalismo. Esse autor busca investigar a origem do termo e verifica que foi inicialmente utilizado em 1930, com o estabelecimento do New Deal e com a estratégia utilizada para combater a destruição promovida pela grande depressão. Pondera que, embora “sua origem ainda esteja por ser descoberta e que ainda necessite de uma definição formal” (WRIGHT, 1988, p. 13), o termo se referia à interação entre as esferas de governo e era relativo às políticas públicas, geradas a partir das escolhas de rumos a serem seguidos e da medição de seus efeitos práticos. Wright (1988, p. 12) define as relações intergovernamentais como aquelas que dizem respeito a um conjunto importante de ações ou interações que se desenvolvem entre entes governamentais de todos os tipos e níveis dentro do sistema federal, para além das instituições básicas da Federação, como a Constituição ou a proteção da pluralidade federativa. Wright também valoriza o papel dos atores nessas relações (sejam eles cidadãos, funcionários públicos ou entes governamentais), aludindo que as reflexões e as decisões são tomadas por pessoas, apesar de serem, elas mesmas, o alvo dessas deliberações. O foco dado aos atores nos estudos relativos às relações intergovernamentais constitui-se em um dos pontos centrais nas contribuições para a análise de políticas públicas, pois extrapola a dimensão institucional, até a data, considerada o cerne do desenho das políticas públicas, ao considerar a interação de variáveis institucionais com elementos advindos da ação dos atores (SANO, 2008). Elazar destaca dois fatores primordiais para o aumento da utilização da terminologia relações intergovernamentais: o primeiro relaciona-se ao começo dos estudos sobre a administração de sistemas federais nos EUA, como um campo distinto dos estudos dirigidos para as concepções legal e constitucional do federalismo, as quais desprezavam as perspectivas políticas e administrativas. O 48 segundo foi o surgimento, nas décadas de 1950 e 1960, de uma revolução comportamentalista na ciência política, movimento que deixou, entre outras coisas, a terminologia tradicional, tomando o termo federalismo como o exemplo principal, passando-se a adotar linguagem mais científica e adequada a uma ciência de políticas da qual emergissem conceitos mais precisos (ELAZAR, 1987, p. 15). O autor define relações intergovernamentais como: Os modos e meios particulares de operacionalizar um sistema de governo – no contexto norte-americano, um sistema federal –, modos e meios que envolvem amplas e contínuas relações entre os governos federal, estadual e municipal ou qualquer combinação possível (ELAZAR, 1987, p. 17). Ainda segundo Elazar (1987, p. 16), as RIGs constituem um fenômeno que se sucede repetidamente à medida que dois ou mais governos interagem para o desenvolvimento ou a execução de políticas públicas, e tal conceituação está implícita no contexto norte-americano. Em sistemas federativos, as RIGs tornamse mais complicadas em função da autonomia das esferas de governo que necessitam ser harmonizadas com a essencial interdependência entre elas. Nesse sentido, emerge a necessidade de coordenação intergovernamental e de instrumentos que possibilitem a articulação entre os entes governamentais sem que estes deixem de ser autônomos (SANO, 2008, p. 3). Para Wright, os conceitos e as origens de federalismo e de relações intergovernamentais não se confundem. O primeiro refere-se a um termo comum de grande significado político, por toda a história constitucional dos EUA, e evidencia as relações do Estado-Nação, algumas vezes com foco nas relações interestaduais. Já o segundo vai além das relações dos Estados-Nação e interestaduais ao considerar as relações nacional-local, estadual-local e entre os locais (intermunicipais, no caso do Brasil). Na realidade, as RIGs abraçam todas as trocas e negociações entre unidades de governo no sistema, incluindo aí as realizadas no plano local, em condados, municipalidades, towns, cities, townships, distritos especiais e escolares (WRIGHT, 1988, p. 5). Federalismo seria um termo geral no que diz respeito às relações de interdependência e autonomia. E a expressão relações intergovernamentais 49 remeteria a formas e meios particulares de operacionalizar um sistema de governo e que envolvem relações extensivas e contínuas entre os governos federal, estadual e local ou qualquer combinação relacionada (ELAZAR, 1987, p. 16). Apresenta o seguinte conceito para federalismo: [...] federalismo é um conceito anterior e mais abrangente e que engloba a ideia de relações intergovernamentais, um termo técnico de grande utilidade na investigação de processos no interior de um determinado sistema político, particularmente mas não exclusivamente federais [...] (ELAZAR, 1987, p. 18). Wright e Elazar criaram modelos de relacionamento dos atores que buscam refletir as possibilidades de interação entre eles e o rumo que suas decisões podem tomar. Os modelos apresentam diferenças no que diz respeito às relações verticais e horizontais como forma de articulação. Elazar optou pelos modelos pirâmide de poder e centro-periferia, pelo fato de darem uma ideia de hierarquia e de demonstrarem o poder focado de cima para baixo e do centro para a periferia, conforme apresentado na Figura 1. Figura 1 - Modo de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local Fonte: Elazar (1987). Para o referido autor, os modelos pirâmide de poder e centro-periferia demonstram mais claramente a descentralização do poder e acentuam a questão da hierarquia, em detrimento do conceito de divisão de poderes em um sistema federativo. No caso do primeiro, pirâmide de poder, a ideia é de que o poder 50 emerge do topo da pirâmide (governo central); e no outro, centro-periferia, do centro para as extremidades. Em sistemas federativos existem vários centros de poder, entretanto, estes não são centralizados. Nesse sentido o autor propõe a estrutura matricial como demonstração da partilha de poder entre os governos, conforme apresentado na Figura 2. Figura 2 - Modelo matricial de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local Judiciário federal Gov. Estado locais Legislativo Nacional Executivo federal s Sistema administrativo federal Fonte: Elazar (1987). No modelo matricial o governo central encontra-se representado na parte externa da matriz e os governos subnacionais na parte interna, onde também se pressupõe a existência de arenas de negociação, de acordo com cada setor, área ou instância. Os centros de tomadas de decisão são representados pelos níveis de governo e se relacionam através de linhas com setas que representam uma relação formal de autoridade. Já as linhas cruzadas demonstram o fluxo formal e informal de comunicação (SANO, 2008). A ideia do desenho remete à reflexão de que “não há centros superiores ou inferiores de poder, apenas arenas maiores ou menores para a tomada de decisão política e de ação”. Nesse modelo, a distribuição de poder abrange cargas distintas para propostas e arenas distintas (ELAZAR, 1987, p. 37) . 51 Mesmo que não haja hierarquia no modelo matricial, o autor afirma que surgem alguns momentos em que os atores se tornam mais poderosos do que os outros, ou seja, assumem uma carga de poder diferenciada, que pode ser não benéfica para o sistema, conferindo ao mesmo um desequilíbrio na matriz. Conforme afirma Sano, essa percepção de completo equilíbrio no modelo matricial representa “uma situação hipotética de simetria nas capacidades dos entes, formando essa matriz federativa mais uma ideia reguladora do que uma descrição empírica das federações” (SANO, 2008, p. 44). No modelo, a formação “define a armação ou a base da estrutura, que é preenchida pelos arranjos institucionais formais e informais, muitas vezes sobrepostos” (ELAZAR, 1987, p. 37). Isso leva à reflexão sobre a necessidade de se coordenar uma federação em função da possibilidade de sobreposição das ações. Para Sano (2008), os modelos de Elazar destacam a dimensão vertical no relacionamento entre os governos; e no caso das relações intergovernamentais horizontais, estas são representadas no modelo matricial pelas células internas, ou seja, pelos estados e municípios. Já Wright (1988) evidencia o caráter institucional das relações intergovernamentais, o papel dos atores no desenvolvimento dessas relações e outras duas variáveis para análise das RIGs, relativas à partilha de poder numa federação: unidades governamentais (ou governos subnacionais) e critérios de financiamento das políticas públicas (receitas, gastos, empréstimos e dívidas, formulação e implementação de política e conteúdo da política). Conforme Sano (2008), Wright foi além da centralidade do tema da coordenação, elaborando um modelo que contemplasse as formas de coordenação que poderiam existir em um sistema federativo, como no caso norte-americano6. Em relação às unidades governamentais, Wright (1988) destacou: a) o número e a variedade de unidades governamentais (nacional/federal, estadual, condados, municipalidades, distritos especiais, distritos escolares, etc.); b) o número e a variedade de autoridades governamentais envolvidas (políticos e burocratas); c) a intensidade e a regularidade dos contatos entre as autoridades governamentais (diário, tarefas específicas ou projetos conjuntos); d) a importância das ações e atitudes das autoridades governamentais. Com base 6 O modelo norte-americano foi a referência empírica principal de Wright. 52 nesses padrões estabelecidos, o autor criou modelos para demonstrar a distribuição do poder em sistemas federativos e investigar a relação entre os governos. Os modelos criados por Wright podem ser comparados às descrições feitas por Almeida (1995), quando classifica o federalismo como: dual, cooperativo e centralizado. No primeiro, os poderes dos governos subnacionais e do governo central são distintos e os entes atuam de forma separada e independente em suas esferas. No segundo, configura-se a existência de várias categorias de intervenção do governo central, mas caracterizado por formas de ação conjunta entre os níveis de governo, que detêm significativa autonomia decisória e capacidade própria de financiamento. E, por fim, no último, os governos subnacionais são meros agentes executores do Governo Federal, que comanda os outros entes nas mais diversas áreas, além de ter poder de decisão e de recursos (SYDOW, 2012, p. 68). Os modelos têm por objetivo detectar e entender os mecanismos de interação que podem ocorrer em um sistema federativo e são identificados como: autoridade independente ou dual, autoridade interdependente ou sobreposta e autoridade inclusiva (Figura 3). Figura 3 - Modelo de relacionamento entre as unidades nacional, estadual e local - EUA Tipo: Autoridade Independente ou Dual Autoridade Interdependente ou Sobreposta Autoridade Inclusiva ou Hierárquica ou Centralizada Padrão de Autoridade: Autonomia Barganha Hierárquico N/E N/E/L Governo Nacional Fonte: Wright (1988, p. 40). N/L E/L 53 O primeiro modelo, o de autoridade independente ou dual, caracteriza-se pela independência e autonomia total no que diz respeito ao relacionamento entre os governos, obtido a partir da clareza dos papéis de cada ente da federação. Não há ponto de interseção entre os governos, que estão conectados apenas tangencialmente. No caso dos governos locais, pressupõe-se dependência dos governos estaduais, caso que não se aplica ao Brasil, pelo fato de os municípios também terem autonomia, a partir da Constituição de 1988. Esse modelo se assemelha ao federalismo dual ou Layer-Cake (PIERSON, 1995), segundo o qual diferentes esferas são responsáveis, de forma estanque, por problemas específicos de uma política pública (SANO, 2008). O segundo modelo de representação das relações intergovernamentais, o de autoridade interdependente ou sobreposta ou coordenada, se assemelha ao federalismo cooperativo e é o mais representativo do autor, cujas características são: a) uma parte significativa, em que as ações governamentais envolvem duas ou três esferas de governo; b) as áreas de autonomia exclusiva de ação ou de jurisdição únicas são menores; c) o poder e a influência disponíveis a qualquer esfera de governo são limitadas, criando um padrão de autoridade em que prevalece a barganha ou a necessidade de acordos ou trocas (WRIGHT, 1988, p. 49). Por fim, no terceiro modelo, o de autoridade inclusiva ou hierárquica ou centralizada, há dependência de decisão de governos estaduais e locais em relação ao central. As decisões tomadas pelo governo central representam o norte a ser seguido pelos governos subnacionais e configuram uma relação hierárquica. Esse modelo caracteriza o federalismo centralizado citado por Wright (1988) e Almeida (1995) e é similar ao modelo de Elazar (FIG. 1) em que o Governo Central, notadamente, é superior e comanda os demais entes subnacionais. Wright (1988) cita o exemplo da oferta de apoio, por parte do governo nacional, a estados e governos locais, em troca de sua concordância na implementação de determinado programa, de um projeto ou o desenvolvimento de alguma atividade de ampla gama disponibilizada. No caso brasileiro, isso foi materializado nos processos de descentralização de políticas sociais (ARRETCHE, 2000), no caso da aprovação da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e 54 Direitos de Natureza Financeira (CPMF), em 2011, com a promessa do governo de liberar verbas para emendas parlamentares e efetivar nomeações prometidas em estatais. E, mais recente, das concessões de linhas de crédito aos estados para compensar a política de desoneração do IPI, o que reduziu as receitas do FPE desses entes subnacionais. Outra questão fundamental nas relações intergovernamentais é a interação horizontal entre os atores que, conforme comenta Mendez (1997, p. 9), “refere-se ao fato de as relações não ocorrerem somente entre esferas distintas de governo, mas entre as entidades do mesmo nível territorial (estado-estado, municípiomunicípio, etc.)”. Essa interação também deve ser coordenada e os atores envolvidos no processo devem buscar construir uma solução coletiva para os problemas, sob pena de permanecerem reféns do Governo Central, caracterizado pelo terceiro modelo, o de autoridade inclusiva ou hierárquica, apesar de gozarem de autonomia. Em complemento ao modelo de Wright, que não evoluiu na construção de um padrão que permitisse indicar e analisar as variáveis que mais afetam a produção de determinados arranjos federativos, pode-se citar Pierson. O autor descreve que, em sistemas federais, autoridades do nível central coexistem com as autoridades dos demais níveis das unidades da Federação. Alerta para a pouca coordenação de políticas sociais que nascem interdependentes em razão da parcial autonomia dos níveis de governo, apesar das autoridades de todos os níveis fazerem parte do mesmo sistema. Segundo o autor, “elas podem tanto competir umas com as outras, como buscar projetos independentes com propostas cruzadas ou, ainda, cooperar para obter resultados que sozinhos não alcançariam” (PIERSON, 1995, p. 451). Sano e Abrucio (2009) destacam que a falta de uma coordenação mais efetiva proposta por Pierson (1995) é uma das questões principais que devem ser observadas em sistemas federativos, haja vista o aumento das áreas de interseção entre os níveis de governo, o que pode ser ainda agravado pela pouca cultura política em torno do tema. Segundo o autor, a transição de uma situação federativa inclusiva em que a coordenação é realizada por meio de relação hierárquica para outra de mais autonomia dos atores e mais interconexão de ações torna ainda mais complexo o processo de coordenação participativa que 55 leve em conta o envolvimento dos diferentes níveis de governo no que diz respeito às decisões sobre políticas públicas. Outro aspecto fundamental destacado por Pierson (1995) diz respeito a uma característica oriunda da coexistência de diferentes centros de poder, que são as unidades constituintes como atores institucionalmente poderosos que definem suas próprias políticas e influenciam na qualidade das ações da autoridade central, caso dos governos subnacionais. Para tanto, Pierson destaca quatro aspectos institucionais que devem ser considerados na análise de políticas públicas: a) a reserva de poderes específicos para as unidades federadas que, ao seu modo, podem desenvolver políticas públicas próprias; b) a representação dos interesses das partes no governo central, por meio da qual podem influenciar as ações nacionais; c) o grau de comprometimento da equalização fiscal entre as unidades constituintes e sua capacidade administrativa; d) os dilemas do shareddecision making, relativos à necessidade de coordenar tarefas e poderes compartilhados entre os níveis de governo. Em relação ao primeiro aspecto, a reserva de poderes específicos às unidades federativas refere-se ao fato de que os governos subnacionais desenvolvem políticas próprias. Caso não haja uma coordenação federativa, surgem os processos de policy preemption7, uma antecipação da política pública, ou seja, o ente federado oferta determinado serviço antes que uma outra esfera de governo o faça. E, de acordo com Pierson (1995, p. 456), “uma vez adotadas, as políticas públicas avançam para uma gradual institucionalização”. Procedimentos dessa natureza prejudicam a aprovação de uma proposta de reforma posterior, além de inibir iniciativas de coordenação intergovernamental. Para análise da Federação brasileira é necessário o conhecimento da abrangência de atuação de cada ente subnacional, separando as áreas destinadas aos governos subnacionais e de como isso influencia a modelagem das políticas públicas e as relações horizontais e verticais entre os atores. Já no segundo aspecto, a representação dos interesses das partes no centro, os estudos sobre processos de formulação de políticas destacam algumas questões importantes. A primeira delas é em relação a quem está de fato envolvido nesse processo. Sabatier e Jenkins-Smith (1999) defendem que não 7 Conforme Sano (2008, p. 49), pode ser traduzido como “antecipação de política pública”. 56 existe um único governo, um único Estado, mas vários subsistemas que podem se dividir em outros subsistemas, com métodos e estruturas distintas, e a presença de redes abertas ou fechadas, dinâmicas ou não, interagindo na formulação e implementação de políticas públicas. Outro destaque é dado à importância da arena representada pelo Congresso Nacional como instância privilegiada para as disputas intergovernamentais no processo de formulação de políticas públicas (SANO, 2008). Os estudos sobre governabilidade focam a análise do poder e a influência que diferentes atores têm sobre os membros do Legislativo e, também, a formação de coalizões e o sistema partidário (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1995, 1999; LIMONGI, 2006; PALERMO, 2000; entre outros). Os textos se detêm na análise da representação dos estados nos parlamentos, entretanto, são poucos os estudos que aventuram, na literatura da Ciência Política, sobre as formas de atuação dos estados em órgãos político-administrativos, caso do CONFAZ, e sobre a efetividade da atuação do Congresso Nacional e sobre as contribuições de ambos na aprovação de reformas nos sistemas tributário e de partilha no Brasil. Nesse sentido, este estudo procura dar a sua colaboração, quando analisa os instrumentos de advocacy utilizados pelos governos subnacionais na defesa de seus interesses junto ao poder central, a partir da análise da atuação do CONFAZ e do Congresso Nacional. Estas representam arenas fundamentais no processo de reforma do sistema tributário do país, na contenção da guerra fiscal e na revisão do sistema de partilha brasileiro e, ainda, pelo fato de compreenderem as relações intergovernamentais na dimensão tanto horizontal como vertical. Os resultados aqui apresentados demonstram a dificuldade de se avançar nesses temas, seja pela falta de coordenação, pela ausência de construção de ações coletivas para a defesa de seus interesses ou pela predominância de forte competição entre os entes. O terceiro aspecto colocado por Pierson (1995) refere-se ao grau de equalização fiscal entre as unidades e a capacidade administrativa. Em sistemas federativos, a forma como os recursos são distribuídos entre os entes governamentais é determinante para o sucesso da implementação da política pública, bem como para o desenvolvimento scioeconômico das regiões e para a redução das desigualdades regionais. O caso brasileiro se encaixa no que 57 comenta Pierson a respeito da baixa capacidade de arrecadação dos governos subnacionais, que “pode levá-los a solicitar auxílio às autoridades nacionais” (PIERSON, 1995, p. 466). No caso do sistema tributário brasileiro, será analisado no capítulo 4 - O ICMS E A GUERRA FISCAL: UM CASO DE FRACASSO NA COOPERAÇÃO ESTADUAL. No referido capítulo, serão analisadas as reformas relativas ao sistema que ocorreram nas constituições de 1965-67 e 1988. Ambas as reformas não conseguiram resolver a questão da guerra fiscal, que se acentuou na década de 90, conforme afirma Carvalho (2005, p. 6): A reforma de 1988 reduziu parcialmente a competência tributária federal e aumentou as transferências intergovernamentais, mas sem alterar a fisionomia do sistema fiscal. Os constituintes de 1988 não promoveram uma redistribuição concertada dos encargos entre os entes federativos, visando assegurar seu equilíbrio financeiro, e não redefiniram um novo modelo federativo, em substituição ao que foi estruturado na década de 1960. Modelo cujas peças centrais precisavam ser revistas – critérios do sistema de distribuição dos tributos, campos de competência tributária, mecanismos de cooperação intergovernamental, etc. -, adequando o sistema às exigências das tendências da economia diante do processo de globalização. O grau de heterogeneidade na oferta de políticas públicas pelos entes federados, em função da falta de capacidade administrativa e financeira aliada aos diferentes potenciais de arrecadação própria, e a concessão de benefícios fiscais levaram alguns estados a solicitar constantemente apoio financeiro ao Governo Federal. O motivo foram os diferentes graus de dependência dos sistemas de transferências, o que leva a refletir sobre quais foram as bases em que se instalou o processo de descentralização fiscal a partir de 1988. Em relação à descentralização, Oliveira e Biasoto Jr. (1999, p. 23) relatam o rumo que tomou esse processo no Brasil: [...] a descentralização em curso no Brasil no início da década de 90, imposta, portanto, pelas circunstâncias, e “descolada” de um plano coerente e consistente de redistribuição dos encargos entre as esferas governamentais, condizente com sua realidade financeira, amparou-se, ao que tudo parece indicar, em bases frágeis, principalmente pela falta de um acordo pactuado entre os agentes envolvidos no processo. Segundo os autores, bases tão mais frágeis quando se considera que a melhoria da arrecadação das receitas próprias de estados e municípios e o 58 aumento do volume das transferências constitucionais intergovernamentais não foram suficientes para garantir os recursos necessários ao cumprimento das novas tarefas. Também não conseguiram sustentar e dar continuidade ao processo de descentralização, a não ser por meio de endividamento, o que modificou a equação do financiamento, estabelecida na CF/88 (CARVALHO, 2005, p. 26). Por fim, o último aspecto citado por Pierson, a Shared-decision making, que diz respeito à tomada de decisão em conjunto entre as esferas de governo. Segundo Wright, em um sistema federativo que contempla diferentes unidades federadas autônomas de governo, seja de forma parcial independente ou parcial dependente, a produção de políticas públicas deve considerar a superposição das relações entre os governos, o que constitui um relacionamento interdependente (WRIGHT, 1988, p. 49) ou processos de shared-decision making (PIERSON, 1995, p. 459). Não é tarefa fácil a construção de uma solução coletiva diante de diferenças de interesses. A presença de vários atores no processo de construção/ reavaliação de uma mesma política torna mais complexo seu desenho e operacionalização. É necessário entender o comportamento de cada ator, bem como compreender o que o faz presente na discussão, como ele interage e qual o efeito da sua interação nos outros, pois a configuração da política deverá atender às necessidades e aos interesses de cada nível de governo e incorporar regras de decisão complexas para mudanças nos seus rumos, garantindo que os interesses continuem a ser atendidos (PIERSON, 1995). Este trabalho aborda o relato de alguns casos de países federativos como Austrália, EUA e Canadá, que criaram um Colegiado de Chefes do Executivo, denominado em alguns casos de Conselho, que busca a construção coletiva de soluções para suas necessidades, bem como estabelece regras de relacionamento entre níveis de governos. Essas regras os ajudam a estabelecer a advocacy de seus interesses junto ao governo central e contribuem para a melhoria da relação vertical, uma vez que delimitam a atuação desse nível de governo. Tal instrumento ainda não se materializou no Brasil, onde há poucas experiências de reuniões de governadores e de reivindicação conjunta de soluções comuns, conforme poderá ser visto no capítulo 3 - MODELOS DE 59 ADVOCACY FEDERATIVA EM PERSPECTIVA COMPARADA: A DIMENSÃO DO COMPARTILHAMENTO NAS FEDERAÇÕES. Fato importante é que Pierson (1995) identificou que governos subnacionais podem exercer forte influência sobre as políticas elaboradas pelo Governo Central. Sendo um Colegiado de Governadores, ao levar a posição dos 26 estados da Federação e do Distrito Federal à mesa de negociações, teria poder de barganha 27 vezes maior e não enfrentaria inicialmente o problema de um Conselho, do tipo CONFAZ, apesar da construção do consenso poder levar a reivindicações com características de mínimo denominador comum. Essa negociação também seria positiva para o Governo Federal, que não necessitaria fragmentar seus acordos e atender individualmente a cada um dos estados federados que, nessa situação, poderiam apresentar demandas muito mais específicas sobre suas necessidades, em detrimento de soluções que poderiam beneficiar a todos. O resultado desse processo leva à reflexão sobre três problemas, na visão de Pierson (1995). O primeiro deles refere-se à escolha de políticas de mínimo denominador comum, resultado da dependência recíproca dos atores institucionais para o desenvolvimento de políticas, além da existência do poder de veto. Nesse caso, os resultados tendem a refletir os interesses do ator menos ambicioso. Pierson cita o exemplo da União Europeia, em que as decisões dependem da unanimidade ou maioria qualificada, o que pode levar à paralisia das reformas por um grupo pequeno de países (PIERSON, 1995, p. 461). O mesmo se aplica ao CONFAZ, no caso brasileiro, tendo em vista que qualquer autorização para concessão de benefícios ou incentivos fiscais necessita da unanimidade dos governos estaduais (SANO, 2008). O segundo problema diz respeito à incorporação de proteções institucionais, que funcionam como garantia para manter o status quo dos atores, mesmo que haja alternância de poder. As políticas oriundas desse modelo tendem a ser mais rígidas e com menos efetividade, devido à falta de foco e na maioria das vezes por estarem presas a um grau de proteção da situação atual, o que compromete resultados expressivos. Nesse caso, pode-se citar a reforma do FPE, instituída pela nova legislação, por meio da Lei Complementar nº 143, de 2013, a qual mantém o sistema como está no curto prazo e prevê prazo de quatro séculos para dotar o sistema de um caráter dinâmico. 60 Por fim, o último problema é a busca de alternativas que livrem ou minimizem o impacto para os atores quando da decisão, ou seja, rotas de escape. De acordo com Sano (2008), o grau de complexidade das políticas oriundas de decisões compartilhadas pode levar a situações insatisfatórias, estimulando os atores a buscarem alternativas para fugir dessas armadilhas. Pierson lembra o exemplo dos Estados Unidos em relação à dificuldade de os defensores de reformas nas políticas sociais conseguirem mudanças pela via do Legislativo, o que os levou a recorrer ao Judiciário, com impactos consideráveis nas políticas sociais norte-americanas (PIERSON, 1995, p. 461). No caso brasileiro, esse processo de judicialização da política pública, episódio descrito por Vianna et al. (1999) e por Oliveira (2005), está presente tanto nas questões que envolvem o ICMS quanto o FPE. No caso do ICMS, o aumento da guerra fiscal tem conduzido os governos estaduais a ajuizarem ADINs no STF. A despeito de o CONFAZ ser a arena de negociação e harmonização do imposto, o órgão não tem cumprido satisfatoriamente seu papel. A falta de consenso entre as unidades é notória e os estados não respeitam as decisões do grupo, ao fomentarem a guerra fiscal. Além disso, a ausência do Governo Federal deve ser considerada no contexto, haja vista o CONFAZ ser presidido pelo representante da União. Outra arena importante é o Congresso Nacional, que também não consegue levar adiante a proposta de reforma tributária, o que poderia dar um fim à guerra fiscal. E no caso do FPE, não conseguiu dentro do prazo estabelecido pelo STF aprovar nova proposta. Foi necessário um pedido de adiamento para que os governos subnacionais continuassem recebendo as transferências, mesmo sem a definição de novos coeficientes. A judicialização, no caso do FPE, se deu pela falta de aprovação de novos coeficientes pelo Congresso Nacional, para fins de transferência do imposto, o que conferiria ao sistema um caráter dinâmico. Apesar da nova lei aprovada, seu período de transição não muda o status quo no curto prazo, o que é questionável e passível de nova ADIN, como aconteceu poucos meses após sua aprovação, assunto que será discutido no capítulo 5 - O FPE: UM CASO MAIS BEM-SUCEDIDO DE COOPERAÇÃO E ARTICULAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NO BRASIL? Nesse sentido, por meio da análise de duas arenas, CONFAZ e Congresso Nacional, será identificada a forma como os estados se organizaram para realizar 61 a advocacy de seus interesses e qual foi o nível de coordenação que persistiu nesse processo. Diante da variedade dos movimentos políticos que podem emergir em sistemas federativos contemporâneos, Abrucio (2005) defende a importância da coordenação federativa no desenvolvimento de políticas públicas compartilhadas. Segundo o autor, ao Governo Central caberia o papel de coordenador ou indutor, por duas razões: Por um lado, porque em vários países os governos subnacionais têm problemas financeiros e administrativos que dificultam a assunção de encargos. Por outro, porque a União tem por vezes a capacidade de arbitrar conflitos políticos e de jurisdição, além de incentivar a atuação conjunta e articulada entre os níveis de governo no terreno das políticas públicas (ABRUCIO, 2005, p. 46). Mesmo que o Governo Federal não esteja obtendo o sucesso desejado no CONFAZ ou no Congresso Nacional, quando do encaminhamento de suas propostas de reforma tributária, deve ser ressaltado que suas iniciativas têm como limitador o aceite ou não de sua oferta pelos governos subnacionais. Abrucio (2005) apresenta alternativa para atribuir maior grau de legitimidade às ações e aumentar o grau de adesão, qual seja, implementar processos decisórios com participação das esferas de poder e estabelecer redes federativas e não hierarquias centralizadoras. 2.3 Instrumentos de advocacy: conceito e aplicação O conceito de advocacy origina-se da experiência da democracia norteamericana, não havendo ainda uma tradução exata na língua portuguesa, nem consenso teórico na construção de seu significado. Isso pode ser confirmado no estudo realizado por Andrews e Edwards (2004), denominado “O papel e a influência das organizações de advocacy no processo político dos Estados Unidos”, no qual afirmam que, a despeito do tema ter sido amplamente estudado mais nos Estados Unidos da América (EUA) do que nos outros países, ainda não há um conceito estabelecido sobre organizações de advocacy. O papel da advocacy, além de ser fundamental para as organizações do terceiro setor, é uma função muito tradicional nos EUA, onde a maior parte dos estudos científicos é realizada. Os cidadãos sempre se associaram por meio de organizações da sociedade civil e contribuíram para moldar as características 62 políticas, econômicas e culturais do país (BORIS; KREHELY, 2002). O país tem ampla tradição em advocacy e lobbying, que em muitos casos são utilizados como sinônimos, apesar de apresentarem diferenças significativas de acordo com Andrews e Edwards (2004). Avner (2002) enfatiza que advocacy refere-se à identificação, adoção e promoção de uma causa, um esforço para moldar a percepção pública ou obter alguma mudança por meio de lei ou não. Já lobbying é uma forma específica de fazer advocacy, focada em influenciar a legislação, podendo ser entendida como uma forma de advocacy. Jenkins (1987) define advocacy, em políticas públicas, como uma forma específica de advocacy, que busca influenciar a decisão de qualquer elite institucional em prol de um interesse coletivo. Esse tipo de advocacy é que será analisado a partir das atuações do CONFAZ e do Congresso Nacional. Embora o termo advocacy não tenha significado no dicionário brasileiro, lobby, de acordo com o Dicionário Aurélio, refere-se a “pessoas ou grupo nas antessalas do Congresso, que procuram influenciar os representantes do povo no sentido de fazê-los votar segundo os próprios interesses ou o de grupos que representam” (FERREIRA, 1986, p. 1.043). Ou, ainda, “atividade de pressão de um grupo organizado sobre políticos e poderes públicos, que visa exercer sobre estes qualquer influência ao seu alcance, mas sem buscar o controle formal do governo” (HOUAISS, 2001, p. 1.775). Há grande desconhecimento sobre a atividade de lobbying e um estigma de marginalidade. O termo é utilizado como sinônimo de pressão, tráfico de influência ou corrupção, sendo visto, na maioria das vezes, como prática exclusiva de grandes corporações que utilizam seu poder econômico para atingir determinados objetivos (BRELÁZ, 2007). O conceito de advocacy federativa a ser adotado neste trabalho refere-se à criação de mecanismos institucionais que possibilitem gerar uma ação coletiva ou cooperativa sustentável, no tempo em que os entes federativos subnacionais buscam defender seus interesses junto ao Governo Central. Para a análise da atuação do CONFAZ e do Congresso Nacional, optou-se por descrever o Modelo de Coalizões de Defesa (MCD) (Advocacy Coalition Framework – ACF), de Sabatier e Jenkins-Smith (1993). 63 O modelo foi apresentado originalmente em 1988, por Sabatier e JenkinsSmith 8 (SABATIER; WEIBLE, 2007) e revisto diversas vezes desde sua apresentação (SABATIER, 1988; 1998; SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993; 1999; SABATIER; WEIBLE, 2007; SABATIER; WEIBLE; MCQUEEN, 2009). Sabatier e Weible (2009) defendem que o modelo baseia-se na integração dos estágios do ciclo de políticas públicas, com destaque para a definição dos problemas, formulação, implementação e avaliação da política, destacando aspectos top down e bottom up para a análise. Trata-se de um modelo que pretende compreender o processo político baseado no contexto da política, tendo como principal categoria de análise do modelo ACF as coalizões de defesa. Segundo Dias, essas coalizões de defesa “podem ser entendidas como grupos de atores que se organizam, formal ou informalmente, com o objetivo de exercer pressão sobre uma determinada política pública e, assim, influenciar seu resultado” (DIAS, 2009, p. 30). No modelo são considerados relevantes aspectos, como o aprendizado e o comportamento das coalizões envolvidas, bem como as alterações na política, em longos períodos de tempo. Segundo Hill (2005, p. 4), “entender como é feita a política torna-se fundamental antes de se sugerir alternativas políticas aos tomadores de decisão”. Para Oliveira (2011), outros aspectos também devem ser destacados, tais como: a) a importância de comunidades políticas, redes e subsistemas contemplarem atores de instituições públicas e privadas e de múltiplos níveis de governo; b) a relevância da informação substantiva na política pública. Nesse sentido, o autor reforça que é essencial adotar o subsistema como escala de estudo, devido ao grau de complexidade na análise de cada setor específico da política pública; c) o papel crítico dado às elites da política pública em relação ao público em geral (SOUZA; SECHI, 2013, p. 943). O MCD apresenta a visão geral das coalizões envolvidas no subsistema de política e os fatores externos que influenciam o subsistema e afetam as oportunidades e constrangimentos dos atores (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993). De acordo com os autores, o subsistema da política pública é elemento inicial de análise e constitui-se em insumo-modelo, além de estar sujeito a “efeitos 8 Para uma avaliação da evolução do modelo de coalizões de defesa, ver Sabatier (1986), Sabatier e Jenkins-Smith (1993), Sabatier, Weible e McQueen (2009). 64 externos do desenvolvimento do amplo sistema político; parâmetros relativamente estáveis; estruturas de oportunidade de coalizão; recursos e constrangimentos de curto prazo dos atores do subsistema” (SABATIER; WEIBLE, 2007, p. 202). A Figura 4 sintetiza o Modelo. Figura 4 - Diagrama do Modelo de Coalizão de Defesa (MCD) Fonte: adaptado de Sabatier, Weible e Macqueen (2009, p. 123). Um subsistema é caracterizado por uma dimensão funcional/substantiva e por uma territorial, que neste trabalho se traduzem em: política tributária e sistema de transferências (dimensão funcional, substantiva) dos governos subnacionais (dimensão territorial). Sabatier e Weible (2007) admitem que é difícil delimitar o escopo de um subsistema quando há sobreposição ou coexistência com outros níveis de subsistemas, como exemplo o caso de uma agência de habitação local, que é parte de um subsistema local de habitação inserido em um subsistema estadual e federal. É esse o caso da tributação sobre o consumo, que envolve tributos constantes dos subsistemas federal, estadual e municipal. No MCD, as coalizões são construídas a partir de um conjunto de convicções, opiniões, ideias e objetivos partilhados pelos atores envolvidos no processo de política pública. De acordo com Oliveira (2011), esse conjunto de convicções e ideias aliado aos recursos políticos contribui para a delimitação das 65 coalizões e concretiza seus objetivos e interesses. A Figura 5 apresenta a estrutura hierárquica das convicções nas coalizões de defesa (convicções e normas fundamentais que se aplicam a todos os subsistemas políticos), conforme Parsons (apud OLIVEIRA, 2011, p. 24). Figura 5 - Diagrama da estrutura de convicções da ACF Fonte: Oliveira (2011, p. 24). O sistema de convicções da ACF destaca três níveis estruturais: o primeiro, as convicções de núcleo profundo, deep core beliefs, que são sustentadas por normas e dogmas ontológicos que definem a visão de indivíduo, sociedade e mundo, as de núcleo na política pública. Nesse caso, caberiam à Constituição Federal e às posteriores legislações que regem o sistema tributário e o de partilha brasileiro. No segundo nível, policy core beliefs, convicções de núcleo da política pública são concebidas pela questão substantiva do subsistema ou geográficas, pela percepção causal, estratégias básicas e posições políticas para se executar as convicções de núcleo profundo em um dado subsistema político (SABATIER; WEIBLE, 2007; 2009). As convicções de núcleo na política pública são as ideais para compor as coalizões e definir a coordenação dos membros. Apesar desse segundo nível ser resistente a mudanças, ele consegue fazê-las mais facilmente do que as de núcleo profundo. São as posições e estratégias adotadas pelas arenas (CONFAZ e Congresso Nacional) na condução das propostas de reformas dos sistemas. Já no terceiro nível são demonstradas as convicções de aspectos secundários, que contemplam as considerações instrumentais sobre como implementar a 66 política, sendo estas as mais suscetíveis a mudanças ao longo do tempo (SABATIER; WEIBLE, 2007; 2009). Neste nível estão os argumentos e informações que embasaram a construção das propostas e estratégias a serem adotadas pelos atores. No entendimento de Oliveira (2011), os atores que fazem parte de uma coalizão convergem em relação ao consenso em questões do núcleo da política pública (necessidade de política de reforma do sistema tributário ou necessidade de revisão dos coeficientes de partilha do FPE) e discordam mais a respeito de aspectos secundários (forma como serão feitas as reformas, como, por exemplo, quem irá socorrer os perdedores com o novo sistema). Segundo a autora, o que acaba alterando o processo são os aspectos secundários. E acrescenta que “as mudanças no nível de convicções de núcleo na política são usualmente resultantes de perturbações ocasionadas por fatores não cognitivos externos ao subsistema” (OLIVEIRA, 2011, p. 23). Nas coalizões são utilizados recursos para tentar convencer e se chegar a consenso na política. Na visão de Sabatier e Weible (2007), eles foram identificados em seis tipos: a) A participação de atores com autoridade formal institucionalizada, como fortalecimento dos recursos da coalizão. Nesse caso, caberia o envolvimento dos Governadores, dos Secretários no CONFAZ e do Congresso Nacional na aprovação da reforma do ICMS e dos coeficientes do FPE. Os autores destacam que esse recurso é uma das características mais importantes que diferenciam as coalizões majoritárias das minoritárias; b) a opinião pública, como suporte à coalizão. Uma estratégia interessante é buscar o apoio da opinião pública, com o objetivo de influenciar as decisões acerca da política. Neste caso, cabe discutir e convencer as empresas beneficiárias das concessões de benefícios fiscais de que há necessidade de mudança no status quo, haja vista o modelo vigente deteriorar as receitas estaduais e não contribuir mais para o desenvolvimento socioeconômico; e estimular a sociedade para apoiar a reforma dos tributos e outras reformas que possam reduzir a carga tributária; 67 c) informações: estudos e argumentos que contemplem qualificadamente as alternativas e as relações custo-benefício que podem contribuir para fortalecer a coalizão e podem configurar oportunidades para derrubar propostas dos opositores; d) mobilização de tropas: elites políticas podem utilizar o público, permitindo compartilhar suas crenças e também incentivá-lo em atividades políticas como a captação de recursos para campanhas e reformas; e) recursos financeiros podem financiar estudos, mobilização ou campanhas na mídia; f) liderança experiente pode conceber uma visão atrativa da coalizão, utilizando recursos com eficiência e captando novos recursos para a coalizão (MINTROM; VERGARI, 1996; MULLER, 1995 apud SABATIER; WEIBLE, 2007, p. 203). Segundo Sabatier e Weible (2007), a aplicação da ACF obteve quatro principais trajetórias que explicam as mudanças nas convicções e na política pública em longos intervalos de tempo: a) aprendizagem orientada pela política pública; b) choques externos; c) choques internos; d) impasse político (policy stalement). Os autores descrevem que a aprendizagem orientada pela política pública refere-se a um processo que abrange mudanças relativamente duradouras das crenças e intenções comportamentais, resultantes da experiência, e que almeja o êxito ou a revisão dos preceitos fundamentais do sistema de convicções dos indivíduos ou de coletividades, tais como as coalizões de defesa (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1993, p. 42). Oliveira (2011) afirma que no método ACF os processos políticos não são vistos como meras disputas entre interesses antagônicos, mas como processos de aprendizagem. Advogando a favor de suas crenças, os atores entram em processos de aprendizagem e tentam traduzir seus ideais em políticas, o que pode ser visto nos mais diversos projetos de reforma dos sistemas que tramitam no Congresso Nacional. A autora destaca que “as convicções funcionam como variáveis dependentes, que podem ser influenciadas por processos de aprendizagem” (OLIVEIRA, 2011, p. 28). 68 De acordo com Sabatier e Weible (2007), os choques externos e as mudanças socioeconômicas, resultados de outros subsistemas ou desastres, podem provocar alteração na agenda, atraindo a atenção pública e dos gestores públicos, mas os autores ressaltam que esses elementos podem não ser suficientes para provocar mudanças na política pública, podendo até fazer com que ela fique deixada em segundo plano. Nos casos aqui estudados, esses choques motivaram a apresentação de propostas para alteração do sistema tributário e do FPE, entretanto, a falta de consenso entre os atores e os riscos inerentes a cada uma delas impediram seu andamento. Sabatier e Jenkins-Smith (1993) chamam a atenção para o fato de que os choques externos representam uma oportunidade de grandes mudanças na política pública, porém a mudança irá ocorrer se a oportunidade for aproveitada pelo proponente, ou seja, pela coalizão dominante ou coalizões minoritárias. Já os choques internos no subsistema, como elemento capaz de influenciar ou promover mudanças na política pública, foram incorporados a partir da literatura, que evidencia os eventos como elemento importante. De acordo com Oliveira (2011, p. 31), “os choques internos confirmam ou reforçam as convicções de núcleo na política das coalizões minoritárias e criam ou aumentam as dúvidas dentro da coalizão de defesa dominante”. Kingdon (1995) acredita que nem sempre os problemas são demonstrados em indicadores, o que torna necessários eventos ou crises para que os mesmos despertem a opinião pública e demandem a atenção dos gestores públicos. Para Sabatier e Weible (2007), os choques internos indicam falhas nas políticas e no comportamento de uma coalizão dominante, afetando significativamente o sistema de convicções dos participantes políticos. Esses choques podem ser comparados às decisões do STF em relação ao FPE, oriundas de ADINs. Essas perturbações, segundo Oliveira (2011, p. 30), “fornecem caminhos alternativos para maiores mudanças na política pública, visto que possuem potencial de alterar o balanço de poder entre os participantes da política”. A autora acentua que as perturbações internas e externas possuem capacidade redistributiva de poder e recursos políticos críticos, podendo mudar de forma significativa as tensões entre diferentes coalizões. A última trajetória, a do impasse político, foi tratada por Souza e Secchi (2013), os quais descrevem que a ACF prevê a possibilidade de acordos entre 69 coalizões adversárias, quando se referem à alteração de núcleo na política a partir de dois pressupostos: a) o processo de aprendizagem orientada pela política; b) a de resolução de alternativa de litígio (Alternative Dispute Resolution – ADR) (SABATIER; WEIBLE, 2007). A precondição para que haja uma negociação bem-sucedida pode ocorrer numa situação de grande impasse, momento em que todas as coalizões não concordam com a continuação do status quo, em que todos os atores sairiam perdendo (SOUZA; SECCHI, 2013, p. 56). A ACF define essa situação como impasse político e a ADR a denomina hurting stalemate (ZARTMAN apud SABATIER; WEIBLE, 2007). Oliveira explica como são analisados os casos de impasse a partir dessas duas vertentes: Nas duas abordagens os indivíduos em disputa: 1) são agrupados em coalizões com indivíduos de convicções ou interesse similares; 2) interpretam a mesma parte da informação em distintos caminhos; 3) desconfiam da capacidade dos seus oponentes de negociarem claramente e manterem suas promessas; 4) desconfiam da capacidade dos seus oponentes de compreenderem e, sozinhos, reconhecerem como legitimas suas metas e interesses (OLIVEIRA, 2011, p. 31). A interpretação da autora se assemelha ao que aconteceu nos bastidores dos processos de discussão da reforma do sistema tributário e do FPE. Em grande parte das discussões da reforma tributária e do FPE os estados se agruparam em regiões (Norte, Nordeste e Centro-Oeste contra Sul e Sudeste). Já em relação ao andamento da reforma, um dos empecilhos é o alto grau de desconfiança dos estados em relação ao cumprimento das promessas de ressarcimento de perdas com novo modelo pela União. Um exemplo típico foi o da Lei Kandir, que impôs expressivas perdas de receita aos estados, cujas promessas de ressarcimento pela União foram parcialmente cumpridas. Segundo Santos (2011), o modelo ACF é sensível ao papel das instituições na construção das coalizões, às restrições à ação dos atores e atenta à necessidade de analisar longos períodos de desenvolvimento das políticas. Entretanto, falta ênfase quanto à importância da história e dos efeitos de Path dependence em suas explicações de configurações políticas. As duas propostas teóricas, apesar de distintas, são compatíveis e complementares e permitem se integrarem de forma positiva, buscando mitigar as limitações de cada uma delas. O modelo de Path dependence é aquele que organiza a análise de processos 70 políticos e será explorado na próxima seção, quando será discutido o neoinstitucionalismo histórico. 2.4 Neoinstitucionalismo histórico Este trabalho se dedica à análise das relações entre os níveis de governo, sejam verticais ou horizontais, cujo suporte teórico é o federalismo, com destaque para as relações intergovernamentais. No que diz respeito ao aspecto temporal, escolheu-se a metodologia do neoinstitucionalismo histórico, em função da própria reconstrução histórica, do papel nas instituições e das conjunturas críticas como aspectos relevantes de tal metodologia. O referencial metodológico pode ser justificado por três fatores: a reconstituição histórica que ajudará a analisar a trajetória das políticas por meio da reconstituição histórica do CONFAZ e do Congresso Nacional; a importância atribuída ao papel das instituições na formulação, implementação e avaliação das políticas públicas; e a ótica de avaliação utilizada pelo neoinstitucionalismo, denominada conjunturas críticas, momento de grandes mudanças na situação vigente. Pierson e Skocpol (2002) sublinham a abrangência da análise a partir dessa metodologia quando assumem que o neoinstitucionalismo analisa “as configurações organizacionais e institucionais, enquanto outros analisam características específicas isoladamente; e eles prestam atenção às conjunturas críticas e aos processos de longo prazo, enquanto outros analisam apenas breves intervalos de tempo ou manobras de curto prazo” (PIERSON; SKOCPOL, 2002, p. 693). De acordo com Marques (1997), essa abordagem foca especificidades históricas e o arcabouço institucional na elaboração das estratégias dos atores, descartando modelos estáticos de análise (MARQUES, 1997, p. 76). Hall e Taylor (1996, p. 6) definem instituições como: Procedimentos formais ou informais, rotinas, normas e convenções imbricadas na estrutura organizacional do sistema político ou da economia política [...] em geral, os institucionalistas históricos associam instituições com as organizações e as regras ou convenções definidas por organizações formais. 71 Essa abordagem recebeu inúmeras críticas em sua primeira versão, pois os teóricos do neoinstitucionalismo, ao enfatizarem o papel das instituições estatais, consideravam que: a) a ação estatal tem autonomia em relação às pressões sociais; b) o principal fator que atinge uma política é a política anterior; c) os especialistas e a burocracia têm papel preponderante nas políticas públicas, ao passo que os políticos assumem papel secundário (ROCHA, 2005). Przeworski (1995, apud ROCHA, 2005) alegou que autonomia estatal, tal como preconizava Skocpol, não poderia dar-se, a menos que por meio exclusivo da força física. O autor9 cita então o controle dos militares por civis, para indicar a fragilidade da argumentação de Skocpol. A partir das críticas, Skocpol (1995) substituiu visão state-centered pela visão polity-centered, atenuando a ideia de autonomia estatal e buscando equilibrar as forças do Estado e da sociedade no jogo político. Nessa perspectiva, admite-se que o Estado é parte da sociedade e, consequentemente, pode ser influenciado por ela. Reconhece-se que a relação Estado-sociedade não resulta necessariamente em jogo de soma zero, pois existem várias possibilidades nessa relação que podem ser muito complexas. Observa-se a necessidade de estudo não apenas das instituições do Governo Central, mas também dos governos subnacionais e de outras instituições, ou seja, novos atores e arenas estariam surgindo no processo, passando a fazer parte do jogo e influenciando a trajetória da política pública. Isso pode ser confirmado nas palavras de Pierson (1994, p. 39): “políticas públicas produzem política”. O poder das ideias não passa despercebido, pois importa conhecer como agem os atores do Estado, da burocracia e da sociedade, ou seja, como inovam e influem sobre políticas públicas (HALL, 1993). Pierson (2000) afirma que a presença de novos atores abre novas possibilidades e, ao se determinar um rumo a ser seguido, seriam ativados processos que reforçariam a nova escolha, levando à sua consolidação ou institucionalização (PIERSON, 2000a, p. 75). Esse processo remete ao conceito de path dependence, ou dependência de trajetória, utilizado por North (1990), que abrange uma forma de se limitar 9 Przeworski argumenta também que a alocação de recursos em uma economia capitalista é realizada pelo setor privado, sugerindo que o governo pela força não contempla esse comportamento. 72 conceitualmente a um conjunto de escolhas e ligar a tomada de decisões por meio do tempo. Pierson (2004) define dependência de trajetória como processos dinâmicos que envolvem retroalimentação positiva, gera múltiplos resultados possíveis, dependendo da sequência particular em que os eventos ocorrem. Dizem respeito ao desenvolvimento de trajetórias relativamente difíceis de se reverter. O conceito de path dependence é um referencial teórico metodológico extremamente útil para entender a institucionalização de processos decisórios do governo ou a introdução de trajetórias de políticas econômicas em países, regiões ou unidades de análise. Por meio dessa metodologia é possível avaliar como as decisões dos atores, sucessivas e acumuladas ao longo do tempo, permitem criar instituições que resultam em legados políticos e econômicos quase irreversíveis. Outro elemento importante na abordagem do neoinstitucionalismo histórico refere-se às conjunturas críticas. Nesses momentos, os atores mudam de posição em termos de preferência ou instrumento de poder (ABRUCIO, 2005). Pierson descreve os processos de path dependence e momentos de conjuntura da seguinte forma: Processos de trajetória dependente envolvem três fases distintas - três estágios de uma sequência temporal: (1) a conjuntura “crítica” inicial, quando eventos disparam movimentos em direção a uma “rota” ou trajetória particular de duas ou mais possíveis; (2) o período de reprodução, em que o feedback positivo reforça a trajetória iniciada na fase anterior; e (3) o fim da trajetória, em que novos instrumentos deslocam o equilíbrio de longa duração (PIERSON, 2000b, p. 76). Para ele, duas coisas merecem destaque: a primeira delas é que uma conjuntura crítica não está necessariamente ligada a grandes eventos ou situações dramáticas; e a outra é que as causas podem aparentar serem pequenas quando comparadas aos efeitos. A conjuntura caracteriza-se como “crítica”, pelo fato de gerar processos de feedback positivo (PIERSON, 2000b, p. 76). Um ponto a ser destacado é o aprendizado em políticas públicas, apesar de seu conceito ser considerado fragilizado por alguns autores, em função da dificuldade em se demonstrar se as políticas públicas influenciam na mudança do comportamento estratégico dos atores ou se seu comportamento é uma simples resposta a uma situação posta. Esse aprendizado pode ser mais útil na 73 constatação de alternativas e também em distintos estágios do processo de policy-making, notadamente em casos em que as discussões são isoladas do conflito político (SANO, 2008). Abrucio (2003a; 2003b), corroborado por Sano (2008), destaca que esse aprendizado pode acontecer em três etapas: a primeira refere-se ao aprendizado institucional, adquirido a partir da vivência do jogo e das suas regras e que possibilita aos atores decidirem sobre seu posicionamento. A segunda diz respeito ao aprendizado das políticas públicas, ou seja, à maneira como os atores reagem a elas, em função “de seus resultados, do custo de sua implementação, de sua maior ou menor efetividade, de seus efeitos para a distribuição de recursos e de mudanças no campo epistêmico” (2003a, p. 274; 2003b). A última etapa de aprendizado é o da estratégia e refere-se à avaliação que os atores fazem uns dos outros, influindo nas suas possibilidades de interação e formação de coalizões. Esse breve histórico sobre o neoinstitucionalismo objetivou listar os elementos-chave que nortearão a análise da trajetória do CONFAZ e do Congresso Nacional, partindo-se da reconstituição histórica da atuação, bem como de suas decisões em relação aos rumos do ICMS e do FPE no país. Em síntese, os estudos de caso serão analisados a partir de dois principais modelos analíticos. O primeiro é o modelo de Advocacy Coalition Framework a partir de suas quatro trajetórias: aprendizagem orientada pela política pública, choques externos e internos e impasse político. E o segundo, o NeoInstitucionalismo Histórico, a partir das visões de path dependence e conjuntura crítica, que buscarão identificar as inquietudes oriundas dos modelos de autoridades inclusiva, independente e o interdependente na análise da trajetória das arenas (CONFAZ e Congresso Nacional). Antes de se passar para a análise do caso brasileiro, será feito um breve relato sobre o histórico das experiências internacionais de modelos de advocacy federativa em três federações: EUA, Canadá e Austrália. 74 3 MODELOS DE ADVOCACY FEDERATIVA EM PERSPECTIVA COMPARADA: A DIMENSÃO DO COMPARTILHAMENTO NAS FEDERAÇÕES Este capítulo tem por objetivo apresentar alguns instrumentos de advocacy utilizados por outras federações, de forma a iluminar a singularidade da experiência brasileira. Alguns países têm investido na criação de instituições formais compostas por chefes dos governos subnacionais, buscando alavancar o grau de cooperação dos estados em suas interações, construindo formas de defesa coletiva de seus interesses. Serão apresentadas as experiências de três organizações: a National Governors Association (NGA, 2010) nos EUA, o Conselho do Canadá denominado Council of the Federations (2012) e o Conselho na Austrália denominado Council Australian Governments (COAG, 2013). Experiências como a dos EUA que sobrevivem há mais de um século apresentam uma trajetória histórica importante que passa pela criação de várias organizações interestaduais e a produção de uma série de políticas que registram a forma de atuação do Conselho, bem como buscam estabelecer como devem ser as relações entre estados e governo central. No caso do Canadá, a criação do Conselho é mais recente, data de 2003, e as publicações são em menor número, mas buscam representar um código de conduta a ser seguido pelos estados e governo federal. E em relação ao Conselho da Austrália, criado em 1992, além dos acordos intergovernamentais que acabam resultando em novas legislações para o país, o Conselho conta com treze agendas de reformas e um guia que apresenta as melhores práticas, ações necessárias ao amadurecimento das relações verticais e horizontais nas federações. No caso brasileiro, será destacado como se desenvolveram os instrumentos de advocacy federativa, analisando-se a federação brasileira partir de dois aspectos: sua trajetória histórica, marcada por períodos de centralização e descentralização, e a grande desigualdade dos governos subnacionais, o que dificulta a aliança entre os estados e o avanço nas relações intergovernamentais. Por fim, serão apresentadas uma síntese das experiências internacionais e algumas diferenças em relação ao caso brasileiro. Será apresentada, a seguir, a análise dos casos. 75 3.1 Instrumentos de Advocacy nos EUA, Canadá e Austrália 3.1.1 A experiência dos EUA - National Governors Association (NGA) Nos EUA, a cooperação entre os Estados está relacionada a uma trajetória histórica de progressiva criação de organizações interestaduais e de adequação dessas organizações às demandas de seus Estados-Membros. No caso dos EUA, esse número é amplo, quando analisado sob a perspectiva regional - caso dos Big Seven10 -, seja para tratamento de assuntos nacionais ou internacionais, e contempla diversas e distintas áreas temáticas. Será destaque neste estudo a Associação Nacional Governadores (National Governors Association – NGA, 2013). A NGA, criada em 1908 11 , é a única organização bipartidária de governadores do país, sendo representada pelos dois partidos: democratas e republicanos. Trata-se de uma organização composta por Governadores dos 55 Estados, territórios e comunidades, que se manifesta coletivamente em questões de medidas nacionais. É a mais antiga entre as grandes organizações interestaduais dos Estados Unidos, sendo a principal voz coletiva dos governadores dos Estados. A NGA também oferece gestão e assistência técnica aos novos e antigos governadores. Por meio da associação os Governadores identificam-se as prioridades e os problemas coletivos de políticas públicas e de governança em níveis regionais e nacionais. A Associação é composta de um Presidente, Vice-presidente, Diretor Executivo e outros nove membros do Comitê Executivo (CE), eleitos anualmente, que são responsáveis por supervisionar as operações da Associação, em nome de todo o grupo. A NGA tem duas reuniões anuais12. O Encontro de Inverno é realizado em Washington, Distrito de Columbia - DC, geralmente em fevereiro. Durante essa 10 Big Seven são organizações nacionais que representam os interesses dos governos estaduais e locais (Associação Nacional Governadores, Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais , Conselho para os governos estaduais , Conferência de Prefeitos dos Estados Unidos, Liga Nacional das Cidades, Associação Nacional de Municípios, Associação Internacional de países e Administração de Cidade). 11 Para maiores informações consultar o livro A Legacy of Leadership Governors and American History- University of Pennsylvania Press – 2008 e o NGA Main Channel About –publicado em 23/02/2011. 12 Extraído do documento - NGA Summer & Winter Meetings – www.nga.org/cms/meetings. 76 reunião os governadores concentram-se principalmente em questões federais. A reunião anual é realizada em um local diferente a cada verão, geralmente em julho ou agosto. O comitê executivo da NGA seleciona o local para a reunião anual com base nas propostas dos governadores interessados em sediá-la. A Associação já se reuniu 149 vezes, desde a sua fundação até 2014. As reuniões são fechadas, podendo haver a participação de palestrantes que podem observar as sessões. Nenhum outro participante, incluindo os meios de comunicação, está autorizado a observar as reuniões. A Associação possui fontes de financiamento distintas que fornecem recursos para NGA e para o NGA Center, que será tratado mais adiante, oriundos de quotas do Fundo Estadual de Defesa da Associação e de outras atividades. O NGA Center é financiado por meio de verbas federais e contratos, programas de taxa de serviço, contribuições de fundação privada e corporativa e programa Fellows Corporativa da NGA (programa de bolsas corporativas). O Programa de Fellows Corporativos 13 , fundado em 1988, promove o intercâmbio de informações entre o setor privado e os governadores e estimula a discussão entre os Fellows Corporativos sobre as novas tendências e fatores que afetam tanto empresas quanto governo. As empresas contribuem anualmente com US$ 20.000 e participam como bolsistas corporativos, objetivando investir na busca de soluções para os desafios de política pública futura. O programa promove espírito de parceria por meio de um diálogo significativo entre líderes dos setores público e privado. O Comitê Executivo (CE)14 da NGA tem autoridade geral sobre todas as questões políticas e jurisdição primária sobre as questões que envolvem o federalismo, segurança interna, o orçamento federal e a política fiscal federal. O CE dispõe de uma Comissão de Assuntos Jurídicos (CAJ) (Legal Affairs Committee - LAC) composta de três governadores, cujo objetivo é aconselhar o Comitê Executivo da Associação Nacional de Governadores se a NGA deve participar como amicus curiae15 em casos de amplo interesse para Governadores 13 Informações obtidas do documento NGA CORPORATE FELLOWS PROGRAM - NGA Corporate Fellows Brochure http://www.nga.org/files/pdf/ 14 Informações obtidas do documento A GOVERNOR’S GUIDE TO NGA -National Governors Association 15 http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533 - Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham 77 e Estados perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, os Tribunais de apelação federais e Tribunais Supremos do Estado. A NGA também faz parte do State and Local Legal Center (SLLC) 16 , Suprema Corte de Advocacy para Estados e Governos locais, que ajuda os governos estaduais e locais a estabelecerem uma presença efetiva perante a Suprema Corte dos Estados Unidos. Na sua história de quase 30 anos, o SLLC entrou com mais de 300 resumos de "amicus curiae" no Supremo Tribunal Federal em casos que levantam questões importantes sobre o federalismo, impostos sobre vendas e outras questões constitucionais para os governos estaduais e locais. A NGA, ao buscar claro entendimento das legislações, organiza os argumentos necessários para o exercício da advocacy dos Estados junto ao Governo Federal. A NGA também mantém quatro comissões permanentes 17 : a) Desenvolvimento Econômico e Comércio (DEC), que tem jurisdição sobre ampla gama de questões nas áreas de infraestrutura de transporte, telecomunicações, promoção do comércio internacional, regulação dos serviços financeiros, desenvolvimento científico e tecnológico e habitação a preços acessíveis; b) Comissão de Educação e da força de trabalho, que tem jurisdição sobre questões na área da educação (incluindo a primeira infância, K-12, e de nível superior), bem como nas áreas de desenvolvimento da força de trabalho; c) Comissão da Saúde e Serviços Humanos, que lida com questões relacionadas aos cuidados de saúde, notadamente no que se refere a Medicaid e programas de assistência a saúde dos Estados federais, como a Assistência Temporária para Famílias Carentes, Programa de Assistência Nutrição Suplementar e outros serviços representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa. 16 A SLLC foi fundada em 1983 por sete organizações nacionais que representam os funcionários eleitos e nomeados estaduais e locais, que incluem a Associação Nacional Governadores, a Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais, o Conselho de Estado Governos, a Associação Nacional de Municípios, a Liga Nacional de Cidades, a Conferência de Prefeitos dos EUA e da International City / County Management Association. Essas organizações supervisionam a SLLC e são responsáveis pelas operações da SLLC. Para mais informações, acessar o site da SLLC em http://www.statelocallc.org/. 17 Informações obtidas do documento A GOVERNOR’S GUIDE TO NGA -National Governors Association 78 sociais; d) Comissão de Recursos Naturais, que tem jurisdição sobre questões relacionadas a agricultura, energia, ambiente e recursos naturais. A Associação cria forças especiais ad hoc com o objetivo de permitir aos governadores concentrarem-se em questões de alta prioridade para os Estados, incluindo uma força-tarefa organizada a cada ano para reflexão dos membros (de iniciativa do Presidente). Outra comissão presente na NGA é a Comissão de Segurança Interna e Segurança Pública, que fornece informação, pesquisa, análise de políticas, assistência técnica e desenvolvimento de recursos para os governadores e seus funcionários sobre as novas tendências da política em uma série de questões de segurança interna e de segurança pública. Essas comissões disponibilizam informações aos governadores para a análise e desenvolvendo de políticas e tomada de decisão, além de abordarem as principais questões estaduais e nacionais sobre esses temas. A NGA conta com um Centro de NGA de Melhores Práticas (NGA Center)18 cuja tarefa é ajudar os governadores e seus assessores a desenvolver e implementar soluções inovadoras para os desafios de governança e política em seus Estados. O Centro de NGA acompanha, avalia e divulga informações sobre inovações estaduais e as melhores práticas em uma variedade de áreas temáticas. O NGA Center é a única organização de pesquisa e desenvolvimento de políticas que serve diretamente governadores da Nação a partir do desenvolvimento de soluções inovadoras para os desafios atuais de políticas públicas mais urgentes. Eles ajudam os governadores e seus funcionários a lidar com questões emergentes, oferecendo análise localizada do tema, fomentando a discussão de grupos focais e reunindo especialistas de todo o país. São mais de 500 publicações geradas por esse centro, além de 277 materiais de reuniões produzidos sobre as diversas áreas, que podem ser acessados no site do NGA19. O NGA também possui um Escritório de Relações Federais20, que tem por missão garantir que os pontos de vista dos governadores estejam representados na formação da política federal e que as posições políticas da NGA reflitam os princípios dos governadores sobre questões prioritárias, orientando os Informações obtidas do documento NGA Center for BEST PRATICES – Redesigning State Government -,2011. 19 Para mais informações sobre as publicações e relatórios, acessar: http://www.nga.org. 20 Informações obtidas do documento Office of Federal relations http://www.nga.org/files/live/sites/NGA/files/pdf/OnePagerOFR.pdf. 18 79 esforços da Associação para influenciar as leis e regulamentos que afetam os Estados federais, sendo instituição extremamente importante para a realização da Advocacy dos Estados junto ao Governo Federal. O Escritório de Relações Federais tem contato regular com os líderes do Congresso e principais funcionários da administração e dispõe de informações atualizadas sobre questões federais em estado crítico, além de coordenar a ação do Estado em nome da Associação. A equipe do Escritório de Relações Federais trabalha em estreita colaboração com Washington, DC, representantes de escritório, contatos dos governadores estaduais, federais e outras organizações governamentais estaduais e locais para maximizar a eficácia das atividades de lobby da NGA, além de coordenar as atividades de trabalho e políticas de seus comitês. Foram criados pela equipe de relações federais 14 políticas aprovadas pelos Governadores que buscam preservar os direitos dos Estados e fortalecer as relações entre os estados e Governo Federal, a saber: a) princípios de uma política permanente para as relações estatais federais; b) comércio; c) transporte e infraestrutura; d) finanças públicas; e) reforma da educação; f) nutrição infantil; g) construção de uma força de trabalho de classe mundial; h) assistência temporária para famílias carentes; i) saúde; j) segurança interna e de gestão de emergência; k) Forças Armadas; l) Comunicações de segurança pública; m) proteção ambiental; n) energia doméstica21. Destaca-se aqui a primeira política, denominada Princípios de uma Política Permanente para as Relações entre Estados e Governo Federal, por estar mais relacionada ao tema desta pesquisa. O documento aprovado em uma reunião anual da NGA em 1993 22 tem por objetivo preservar e promover uma relação equilibrada entre os Estados e o Governo Federal. Os Governadores acreditam que a ação federal deve ser limitada aos direitos e poderes delegados ao Governo Federal nos termos da Constituição. Para garantir o equilíbrio adequado entre o Estado e a ação federal e promover relacionamento forte e cooperativo entre eles, os Governadores buscam incentivar as autoridades 21 Para mais informações, acessar: http://www.nga.org/cms/home/federal-relations/nga-policypositions.html. 22 Esta política permanente foi aprovada na reunião anual de 1993, revista na reunião de inverno de 1994, na reunião anual de 1995, na reunião de inverno de 1996, na reunião de inverno de 1997, na reunião anual de 2005 e na reunião de inverno de 2012. 80 federais a aderir às diretrizes constantes na política, no desenvolvimento de leis e regulamentos. São elas23: a) Limites do exercício federal: os governadores recomendam que as ações federais: devem ser limitadas a situações em que a autorização na Constituição para ação é clara e certa; devem ser limitadas a problemas que são verdadeiramente de âmbito nacional; devem ser sensíveis à capacidade de cada Estado para trazer uma mistura única de recursos e abordagens para os problemas comuns; e a menos que o interesse nacional esteja em risco, não devem antecipar-se à ação adicional do Estado; b) Evitar pré-ação federal em leis e políticas estaduais: os Governadores reconhecem a necessidade de intervenção federal caso os Estados deixem de agir coletivamente em questões de interesse comum. A preempção 24 de leis estaduais, no entanto, deve ser a exceção e não a regra. Isso é especialmente verdade em áreas de responsabilidade primária do Estado, que incluem a educação, a regulamentação de seguros, a justiça criminal, a preservação do duplo sistema bancário, a preservação da regulamentação de valores mobiliários do Estado, bem como a gestão de programas de pessoal do Estado; O Congresso não deve interferir nos sistemas de receitas do Estado: a capacidade independente dos Estados em desenvolver seus próprios sistemas de receitas é um princípio básico de autogoverno e do sistema federalista dos EUA. O Governo Federal não deve aprovar qualquer legislação ou adotar qualquer regulamento 23 24 A tradução foi feita pela autora. Direito de preferência. 81 que intervenha, direta ou indiretamente, nas fontes de receitas do Estado, bases fiscais estaduais ou métodos de tributação do Estado; As normas estaduais devem ser preservadas: nos casos em que o Congresso determina que a preempção federal de leis estaduais é de interesse nacional, a legislação federal deve: i) acomodar ações estatais tomadas antes de sua promulgação; ii) permitir aos Estados que desenvolveram normas mais rigorosas continuar a aplicá-las; e iii) permitir aos Estados que têm desenvolvido substancialmente normas semelhantes, continuar a aderir a elas, sem mudança; O Poder Judiciário deve respeitar a autoridade do Estado: os Governadores devem incentivar os tribunais federais a restabelecerem a Tench Amendment como limite material da interferência federal sobre áreas de interesse estadual e municipal e colocar limites significativos no âmbito do Governo Federal de autoridade sob a Cláusula de Comércio. Além disso, a reparação nos tribunais deve respeitar a autoridade do Estado, limitando o tempo e o âmbito de uma medida cautelar e estendendo não além do que é necessário para restaurar o exercício dos direitos constitucionais. Os tribunais federais também devem exercer a tolerância em áreas de políticas que são tradicionalmente de responsabilidade do Estado e evitar substituir seus julgamentos pelos dos Legislativos Estaduais e Governadores, abstraindo-se de violações à Constituição dos EUA; c) Evitar a imposição de mandatórios federais não financiados: Congresso e Administração devem evitar a imposição de mandatórios federais não financiados nos Estados. Ação Federal cada vez conta com os Estados para realizar iniciativas de política sem fornecer financiamento necessário para custear esses programas. Os governos estaduais não podem funcionar como parceiros no sistema federal se o Governo Federal exige que os Estados dediquem os seus recursos limitados para cumprir mandatórios federais não financiados; d) Concepção de programas federais: de modo a proporcionar o máximo de flexibilidade e oportunidade à inovação, bem como à eficiência 82 administrativa e coordenação horizontal, os programas de órgãos federais devem ser projetados para atender aos seguintes princípios: os membros devem estar ativamente envolvidos em um esforço cooperativo para desenvolver políticas e procedimentos administrativos; o Governo Federal deve respeitar a autoridade dos Estados para determinar a repartição de responsabilidades administrativas e financeiras dentro deles, de acordo com os estatutos e as constituições estaduais. A legislação federal não deve usurpar essa autoridade; a legislação deve autorizar e apropriar recursos suficientes para cumprir os objetivos do programa; os Fundos de assistência federal, incluindo os que serão repassados aos governos locais, devem fluir por meio dos Estados de acordo com a legislação e os procedimentos destes; os membros devem ter flexibilidade para transferir quantidade limitada de fundos de um programa de subvenção para outro ou para administrar subsídios relacionados de forma coordenada; os recursos federais devem ser mais flexíveis para os Estados sem reserva específica; os membros devem ter ampla flexibilidade no estabelecimento de grupos consultivos federais, incluindo a capacidade de combinar grupos consultivos para os programas afins; aos Governadores deve ser dada a autoridade para exigir coordenação entre agências do Poder Executivo estadual ou entre níveis ou unidades de governo, como condição para a atribuição ou repasse de fundos; o monitoramento do Governo Federal deve ser orientado para os resultados; os requisitos de informações federais devem ser minimizados; e o Governo Federal não deve dar ordens para as organizações de governo estadual ou municipal. 83 O documento conclui que os governadores devem reconhecer a natureza única do sistema federal e a importância crítica do desenvolvimento de estreita relação de trabalho com o parceiro federal. Eles também reconhecem e apoiam a continuidade do papel federal na proteção dos direitos básicos de todos os cidadãos e na abordagem de questões para além da capacidade individual dos Estados. Ao mesmo tempo, o Governo Federal deve reconhecer que existem desafios que podem ser mais bem abordados nos níveis estadual e local. A política é um importante instrumento de advocacy federativo criado e utilizado pelo conjunto dos Estados americanos em defesa de seus interesses junto ao Governo Federal. Ela explicita com clareza os limites de atuação do Governo Federal em relação aos Estados na preservação de suas leis e políticas. Reforçam a importância da não interferência do Congresso no sistema de receitas estaduais e do Poder Judiciário em respeitar a autoridade dos Estados. Por fim, em relação aos programas a serem executados pelos Estados por determinação federal, procuram influenciar o estabelecimento de regras para seu desenho e execução. Além disso, buscam fomentar a adesão do Governo Federal a essa política, procedimento salutar na preservação do equilíbrio federativo. Outras políticas, como as de comércio e de finanças públicas25, também trazem importantes contribuições para o fortalecimento da advocacy federativa nos EUA. E como estão intimamente relacionadas a esta pesquisa, será feito breve resumo sobre elas. Na política de comércio as regras a serem observadas pelo Governo Federal em relação à regulação e à taxa rezam que qualquer regulamentação legal federal que rege um setor industrial deve se esforçar para complementar e não minar a capacidade do Estado em promover o desenvolvimento econômico e do comércio no setor, fato que não tem sido observado pelo Governo Federal no Brasil quando regulamenta o setor industrial impondo perdas de receitas aos estados ao conceder isenção em impostos partilhados, item que será detalhado mais adiante. Dentro dos princípios orientadores da política de finanças públicas, destaca-se o da autoridade do Estado sobre os serviços financeiros, quando determina que nenhuma lei federal ou regulamento deve antecipar, limitar ou interferir na capacidade dos Estados (concedida pela Constituição dos EUA ou 25 Informações extraídas do documento NGA Policy Positions - EDC-01 Commerce e EDC-03 Public Finance atualizadas em fevereiro de 2015 pelo NGA. 84 leis federais atuais) para desenvolver e operar seus próprios sistemas de receitas e impostos. Rezam também que as leis e regulamentos federais não devem antecipar ou minar a autoridade do Estado sobre as instituições de serviços financeiros, nem devem impedir a modernização em nível de Estado das instituições financeiras reguladas pelo Estado. Em relação ao princípio das finanças públicas, advertem que as políticas federais estatutárias e regulamentares não devem aumentar os custos de emissão para os Estados e governos locais, direta ou indiretamente, ou diminuir a demanda do mercado de varejo e institucional para os títulos emitidos pelos Estados e governos locais, não contribuindo para enfraquecer os direitos constitucionais dos Estados sobre os seus sistemas de receitas. Outra política a ser destacada são os Governors’ Principles For Federal Tax Reform 26 , ou seja, Princípios dos Governadores sobre Reforma Tributária Federal, exercida por uma das quatro comissões permanentes da NGA, a DEC. Esses princípios sobre reforma tributária federal buscam ajudar os governadores na avaliação de propostas do Congresso e do executivo Federal. Eles oferecem sugestões concretas que sejam consistentes com os interesses entrelaçados de Estados e do Governo Federal. Além da soberania do Estado, os princípios abordam categorias, incluindo finanças públicas, reformas federais, da proporcionalidade e do crescimento econômico e da eficiência. Trata-se de um importante instrumento norteador da ação dos Estados na defesa de seus interesses, que deve ser observado pelo Governo Federal. Os princípios gerais visam garantir que a reforma tributária federal não limite ou condicione a autoridade dos Estados sobre os sistemas orçamentários e de receita. Eles abordam as deduções federais de impostos estaduais e locais e a exclusão de juros sobre títulos municipais, porque esses tópicos são prioridades para todos os estados. São eles: Soberania do Estado: nenhuma lei federal ou regulamento, incluindo a sua interpretação e aplicação, deve antecipar, limitar ou interferir nos direitos constitucionais ou legais dos Estados para desenvolver e operar seus sistemas de receitas e impostos. 26 Informações extraídas do documento Governors' Principles for Federal Tax Reform elaborado pelo NGA em 03/07/2013 85 Finanças públicas: a preservação do financiamento público particularmente o financiamento de isenção fiscal - é necessária porque é o principal método utilizado pelos Estados para levantar capital para ampla gama de projetos públicos (infraestrutura incluindo escolas, hospitais, estradas e pontes - aprovada diretamente pelos eleitores ou pelos órgãos de governo). As leis e regulamentos federais não devem aumentar os custos de emissão de obrigações para Estados e governos locais, direta ou indiretamente, nem diminuir o apetite do investidor para adquiri-las, ou seja, reduzir a demanda do mercado de varejo e institucional para os títulos emitidos pelos Estados e governos locais. Reformas federais: reformas fiscais federais devem privilegiar a simplicidade, adotar a inovação, promover a segurança e produzir poupança para ambos os Governos - federal e estadual. As políticas e despesas fiscais federais devem atender aos fins de política pública não necessariamente demonstrados em números de receita e despesa. Para ajudar a evitar consequências indesejadas de reforma tributária federal, parceiros federais e estaduais devem trabalhar em conjunto para definir se os benefícios dessa política de determinadas despesas fiscais federais excedem seus custos orçamentários antes da tomada de decisão. Proporcionalidade: reformas fiscais federais não devem simplesmente mudar os custos ou impor mandatos não financiados para os Estados. Crescimento econômico e eficiência: reformas fiscais federais deveriam se esforçar para alcançar flexibilidades para os Estados que ajudam a criar a eficiência e estimular o crescimento econômico. O documento demonstra a reflexão de governadores sobre como a reforma tributária e as provisões fiscais afetam governos estaduais e municipais, pois o papel da Comissão de Desenvolvimento Econômico e Comércio é desenvolver posições políticas que reflitam as prioridades dos governadores no que diz respeito a questões relacionadas à economia, incluindo a reforma tributária federal. 86 Foi criada uma força tarefa denominada Tax Reform Task (Tarefa de reforma do imposto), composta por seis governadores, para elaboração do documento que iniciou com uma discussão sobre a necessidade de revisão do código tributário federal americano, cuja última revisão efetuada pelo Congresso foi em 1986. Foram discutidos os impactos que uma nova revisão traria para os estados e municípios, como, por exemplo, para a emissão de títulos dos governos estaduais e municipais, para as deduções dos impostos locais. A importância de se elaborar um documento que pudesse refletir a preocupação de todos os governadores estava alicerçada no avanço da reforma tributária que tramitava no Congresso e no fato de que os Estados teriam prioridades diferentes e posições sobre as propostas específicas, envolvendo assuntos particulares corporativos, internacionais e individuais, já que as ligações com o Código Federal variam entre os estados. Os princípios irão guiar os esforços coletivos de NGA para se oporem a tentativas federais para antecipar ou limitar a autoridade do Estado, porque o que os Estados estão fazendo sobre a política fiscal pode e deve ajudar a impulsionar os acontecimentos em nível nacional. Além disso, os governos estaduais e locais, como os principais proprietários e operadores de infraestrutura e os emissores de títulos municipais, permanecerão em defesa para salvaguardar os mercados municipais. O Congresso tem ampla autoridade, o que pode impactar a tributação estadual. A questão-chave é quando e como deve ser usada essa autoridade. A Lei de Equidade de mercado representa o tipo de solução colaborativa que é possível quando os Estados, a indústria e o Congresso trabalham em conjunto para tratar de questões fiscais difíceis, que exigem ação federal. Os governadores acreditam que a capacidade dos Estados em desenvolver e gerenciar seus sistemas fiscais é um elemento essencial da soberania, o que deve ser resguardado, a menos que seja absolutamente necessário para preservar o comércio interestadual. Por outro lado, os governadores incentivam o Congresso a apoiar as políticas como, por exemplo, a Lei de Equidade de Mercado, e mobilizar todas as partes interessadas a trabalhar juntas para encontrar soluções mutuamente benéficas para os problemas que podem afetar a tributação estadual e local. 87 3.1.2 A experiência no Canadá No Canadá, em 2003, foi criado o Council of the Federations 27 , com o intuito de incentivar a colaboração nas relações intergovernamentais. Composto pelos representantes das 13 províncias e os territórios, o Conselho aposta na importância da participação de províncias e territórios nas políticas públicas como colaboradores na revitalização da federação canadense. O Conselho busca promover a cooperação entre estados e a aliança entre os membros do Conselho, fortalecer as relações entre governos, respeitando a diversidade entre os mesmos, e propor soluções coletivas para problemas que afligem todos os canadenses. O Conselho da Federação é composto de 13 Premiers28, 10 provinciais e três territórios do Canadá, cujos objetivos são: a) promover a cooperação interprovincial-territorial e laços mais estreitos entre Premiers (Governadores), para, finalmente, fortalecer o Canadá; b) promover relações significativas entre os governos, baseadas no respeito à Constituição e reconhecimento da diversidade dentro da Federação; c) exercer a liderança em questões nacionais importantes para todos os canadenses; d) trabalhar com o maior respeito pela transparência e melhor comunicação com os canadenses. Fundado em 2003, o Conselho permite que os Premiers colaborem entre si para fortalecer a Federação canadense, fomentando uma relação construtiva entre as províncias e territórios com o Governo Federal. Premiers são apoiados por uma pequena Secretaria localizada na cidade de Ottawa. Os Premiers concordaram em criar um Conselho da Federação como parte de seu plano para desempenhar um papel de liderança na revitalização da federação canadense e construção de um sistema federal mais construtivo e cooperativo. Os Premiers reconhecem que o Canadá foi estabelecido como uma 27 As informações relativas a fundação do Conselho foram retiradas do documento Council of The Federation Founding Agreement datade de 05 dedezembro de 2003 28 Premiers são chefes de governo de cada província, com posição similar a dos governadores. 88 Federação em 1867 e, segundo a Constituição, os dois entes de governo do Canadá têm o mesmo status, nenhuma delas é subordinada à outra. Como as duas são soberanas consequentemente, nas devem suas ter respectivas recursos áreas adequados de para competência, cumprir suas responsabilidades. O federalismo é baseado em princípios compartilhados, incluindo o respeito pela Constituição e a divisão de poderes, embora ciente de que a província de Quebec não concordou com a Lei Constitucional de 1982 e aceita que existem diferenças entre as províncias e territórios e que os governos podem ter outras políticas de prioridades e preferências. Entretanto, havia a necessidade de se instituir uma nova era de colaboração intergovernamental, a partir da promoção de um diálogo construtivo entre os parceiros da federação. De acordo com os Premiers, é importante participar na evolução da federação e demonstrar seu compromisso com a liderança com base na inovação institucional. Sendo assim, o Conselho da Federação foi constituído para ser uma instituição permanente e em evolução, que será flexível, eficiente e capaz de antecipar e agir rapidamente para permitir que o Canadá funcione melhor para os canadenses. O Conselho possui 24 publicações 29 que variam desde políticas de educação, energia, arranjos fiscais, saúde, economia global, política fiscal, inovação, transportes, comércio interno, mudança climática, balanço fiscal, boas práticas e investimentos. Não foi avaliado o conteúdo de todas as publicações, mas observou-se que elas representam um código de conduta que deverá ser respeitado pelos Premiers e pelo Governo Federal. Para a realização de seus objetivos, o Conselho se propõe a: a) servir como um fórum onde os membros possam partilhar e trocar pontos de vista, informações, conhecimentos e experiências; b) fornecer uma abordagem integrada e coordenada das relações territoriais provincial federal, por meio do desenvolvimento de análise comum compartilhada e pontos de vista, se for caso; 29 As publicações relativas aos trabalhos do http://www.canadaspremiers.ca/en/publications conselho podem ser encontradas em 89 c) reforçar o trabalho de fóruns intergovernamentais setoriais, fornecendo direção, quando for o caso, sobre as questões que são motivo de preocupação para o Conselho; d) analisar as ações ou medidas do Governo Federal que, na opinião dos membros, têm forte impacto sobre as províncias e territórios. Isso poderia incluir a revisão conjunta e comentar sobre contas e Atos do Parlamento do Canadá, como é feito atualmente por províncias e territórios de forma separada. Um dos efeitos desta análise é apoiar discussões produtivas com o Governo Federal em questões de importância para os canadenses; e) desenvolver uma visão comum de como as relações intergovernamentais devem ser realizadas de acordo com os valores e princípios fundamentais do federalismo; f) tratar de qualquer questão prioritária que, na opinião dos integrantes, requer o compartilhamento de conhecimentos, um grande diálogo entre eles ou a coordenação de suas ações. Os membros do Conselho devem ser representados por seu Premier e somente em circunstâncias excepcionais este poderá designar um Ministro como substituto no Conselho. Além disso, nenhuma reunião do Conselho pode se realizar sem a maioria dos membros representados por seus Premiers. O Conselho tem um presidente e um vice-presidente, que deverá ser um Premier cujo mandato é de um ano. O vice-presidente presidirá o Conselho no ano seguinte. Haverá uma reunião anual no verão em uma província e outra a ser realizada em outra província ou território, podendo haver reuniões extraordinárias, caso seja necessário, com a presença do Governo Federal. O Conselho também demanda tarefas para um Comitê de Ministros, responsável pelas relações intergovernamentais, que é coordenado pelo Ministro subordinado ao presidente do Conselho. Existe também um comitê de direção composto por vice-ministros, que assiste o Conselho e apoia o Comitê de Ministros. Este Comitê conta com o apoio de um secretariado na preparação das reuniões do Conselho. 90 Duas importantes iniciativas do Conselho aconteceram em 2005 e 2012. A primeira iniciativa foi em 27 de maio de 200530, quando o Conselho da Federação criou um grupo consultivo independente para analisar o desequilíbrio fiscal, entre os governos federal e provincial / territorial, por meio da análise dos saldos fiscais verticais e horizontais entre provinciais e os governos territoriais federais do Canadá e fazer recomendações sobre a forma como esses desequilíbrios orçamentários deveriam ser tratados. O grupo examinou o sistema de transferência social, o programa de Equalização, a fórmula de financiamento territorial, e outros grandes programas de transferências federais para as províncias e territórios além da avaliação de uma série completa de mecanismos de correção dos desequilíbrios fiscais entre os governos. O trabalho relatou a forma como arranjos fiscais estavam estruturados e sua capacidade de financiamento para enfrentar os desafios econômicos e sociais nacionais e regionais e propôs várias alterações para seu melhor funcionamento. Foram promovidos diálogos regionais e nacionais, consultas a todos os governos provinciais e territoriais, ao governo federal, e vários especialistas em políticas públicas no Canadá. O relatório, apresentado aos Premiers, estabeleceu recomendações específicas para enfrentar o desequilíbrio fiscal do Canadá e prever uma governança mais eficaz do federalismo fiscal. A segunda iniciativa foi em 2012 quando o Conselho de Premiers criou um grupo de trabalho que avaliou o impacto fiscal de propostas federais, anunciadas em 19 de dezembro de 2011, que alteravam os parâmetros de financiamento dos principais programas de transferências para as províncias e territórios. O grupo elaborou um relatório31 para Conselho de Premiers apontando que apesar de o programa aparentemente melhorar as perspectivas fiscais de médio e longo prazo para o governo federal, em relação às províncias e territórios, a situação fiscal era inversa podendo levar a um quadro menos sustentável das finanças provinciais pelo fato de o governo federal reduzir sua participação no financiamento da área de saúde provincial / territorial e em outros programas sociais. 30 Para maiores informações pesquisar o relatório denominado Reconciling the Irreconcilable: Addressing Canada’s Fiscal Imbalance, lance, the Report , March 31, 2006. 31 Para maiores informações ver o trabalho denominado Report of The Council of the Federation Working Group on Fiscal Arrangements- July 25, 2012. 91 Os Premiers trabalharam em conjunto em atendimento ao princípio básico de que nenhuma jurisdição deve estar em situação pior e que o regime fiscal do Canadá deve ser um ganha-ganha para todos os canadenses, independentemente do local onde vivem. Os objetivos do Conselho são bem claros em relação à preservação das províncias e dos territórios em relação ao impacto das medidas adotadas pelo Governo Federal em suas finanças. Mesmo que seja feita uma revisão separada de cada ato parlamentar no Canadá, pelos Premiers das províncias, eles prevêem pelo documento uma revisão conjunta. Esse procedimento fortalece o grupo, fomenta discussões mais produtivas e permite a criação de argumentos mais compactos. Outro aspecto importante é a preocupação de se formar visão comum de como as relações intergovernamentais devem ser realizadas de acordo com os valores e princípios fundamentais do federalismo. Isso deve ser alcançado pelo Brasil, onde as relações ainda são bem individualizadas, em nome dos interesses distintos de cada governador, em detrimento de uma construção coletiva e do fortalecimento do federalismo cooperativo. 3.1.3 A experiência na Austrália Na Austrália, o Council Australian Governments (COAG), criado em 1992 pelo Primeiro Ministro, Governadores e Chief Ministers, é composto pelo Primeiro Ministro, Governadores dos Estados, “Territory Chief Ministers” e o Presidente da Associação do Governo Local Australiano. Tem por objetivo incentivar e monitorar a implementação de reformas políticas de nível nacional que requerem cooperação dos estados australianos na área da saúde, educação, economia, etc. O Conselho propôs e assinou expressivo número de acordos intergovernamentais32 que muitas vezes são precursores para a criação de leis. O COAG é um alto fórum intergovernamental na Austrália, cujo papel é promover reformas políticas que são de importância nacional ou que precisam de uma ação coordenada de todos os governos australianos. Suas reuniões podem ser semestrais, chegando até a quatro reuniões por ano (incluindo as reuniões 32 Para maiores informações sobre os acordos, acessar - Schedules to the Intergovernmental Agreement - INTERGOVERNMENTAL AGREEMENT ON FEDERAL FINANCIAL RELATIONS http://www.federalfinancialrelations.gov.au/content/intergovernmental_agreements.aspx. 92 virtuais), o que pode variar de acordo com a demanda. Os resultados são divulgados em relatórios comunicados ao final de cada reunião. Quando os acordos formais são pactuados, podem ser incorporados a acordos intergovernamentais, incluindo acordos nacionais e os de Parceria Nacional. O COAG tem forte histórico de reformas que buscaram melhorar a vida de todos os australianos. A condução da Reforma Microeconômica ligada à política nacional da concorrência, em meados da década de 1990, deixou um legado de uma economia mais competitiva, eficiente e flexível, o que permitiu à Austrália cumprir uma série de desafios econômicos nos últimos 15 anos. O Conselho iniciou reformas para aumentar a produtividade, a participação da força de trabalho, a mobilidade e melhorar a prestação de serviços do Governo, incluindo: a) mudanças nas políticas de saúde que culminaram no Acordo de Reforma Nacional de Saúde em agosto de 2011; b) uma série de reformas de infância, educação e formação iniciais; c) detalhados compromissos para fechar a lacuna em desvantagem indígena; d) reformas regulatórias para criar uma economia nacional perfeita, acabando com as diferenças desnecessárias entre as leis que cobrem as mesmas áreas de atividade em diferentes estados. O COAG é apoiado por órgãos interjurisdicionais, Conselhos de nível ministerial que facilitam a consulta e cooperação entre a comunidade e os Estados e Territórios em áreas políticas específicas. Juntos, esses Conselhos constituem o Sistema Conselho COAG, que seguem e acompanham assuntos prioritários de importância nacional e tomam medidas em conjunto para resolver os problemas que surgem entre os governos. Também desenvolvem reformas políticas para a apreciação do COAG e supervisionam a implementação de reformas políticas aprovadas por este. O COAG conta com 13 agendas de reformas e um guia que regula as melhores práticas.33 33 As informações sobre o guia constam do trabalho do conselho - BEST PRACTICE REGULATION A GUIDE FOR MINISTERIAL COUNCILS AND NATIONAL STANDARD SETTING BODIES - OCTOBER 2007. 93 Na sua reunião de 13 de dezembro de 2013, o COAG concordou em agilizar o sistema do Conselho COAG e reorientar suas prioridades ao longo dos próximos 12 a 18 meses. O novo sistema do Conselho 34 se alinha com o compromisso do Governo de respeitar a soberania do Estado e permitir que Estados e Ministros em questão continuem com o desenvolvimento de políticas e prestação de serviços nas áreas pelas quais são responsáveis. Sob o novo sistema do Conselho, os Conselhos serão responsáveis pela sua própria gestão, com o mínimo de interferência do COAG. Atualmente há oito Conselhos: a) Conselho de Relações Financeiras Federais; b) Conselho de Reforma Deficientes; c) Conselho de Transportes e Infraestrutura; d) Conselho de Energia; e) Conselho de Competências na Indústria; f) Conselho de Segurança da Comunidade, Lei e do Crime; g) Conselho de Educação; e h) Conselho de Saúde. Dentre os Conselhos citados, destaca-se o papel do Conselho de Relações Financeiras Federais, por estar mais relacionado a esta pesquisa. Em 29 de novembro de 2008, o COAG firmou um Acordo Intergovernamental sobre Relações Financeiras Federais (Intergovernmental Agreement on Federal Financial Relations - IGAFFR). 35 O Acordo Intergovernamental (Intergovernmental Agreement - IGA) estabeleceu um novo quadro para as relações financeiras da comunidade com os Estados e Territórios. O quadro das relações financeiras federais entrou em vigor em 1o de janeiro de 2009, e de acordo com o IGAFFR representou a única mudança mais significativa nas relações entre a União e os Estados, durante décadas. 34 O novo sistema do Conselho pode ser visualizado no trabalho denominado Guidance on COAG Councils Commonwealth-State Relations Branch Department of the Prime Minister and Cabinet May 2014. 35 Para maiores informações sobre o acordo acessar - Schedules to the Intergovernmental Agreement - INTERGOVERNMENTAL AGREEMENT ON FEDERAL FINANCIAL RELATIONS http://www.federalfinancialrelations.gov.au/content/intergovernmental_agreements.aspx. 94 O objetivo do quadro das relações financeiras federais é a melhoria do bem-estar de todos os australianos por meio de: a) acordos de trabalho com funções e responsabilidades claramente definidos; b) elaboração de relatórios de desempenho, padronizados e transparentes, focados em resultado; c) redução de despesas administrativas gerais; d) incentivo à implementação de reformas econômicas e sociais; e) contínuo fornecimento de bens e serviços pelos Estados e Territórios (Goods and Services Tax - GST) equivalente às receitas recebidas do GST; e f) a equalização das capacidades fiscais entre os Estados e territórios. O IGA também fornece uma especificação mais clara dos papéis e responsabilidades de cada nível de governo e determina que eles se dediquem mais às prestações de contas para a obtenção de resultados. O documento prevê uma ação federal coordenada e os objetivos de cada parte integrante do acordo, cujos resultados são medidos por meio de indicadores de desempenho, para cada um dos setores cobertos por acordos nacionais. As relações financeiras federais são apoiadas por um compromisso compartilhado entre as partes constante dos acordos de trabalho. É papel do COAG monitorar o progresso em todos os aspectos do quadro para as relações financeiras federais. O COAG tem o dever de apresentar um relatório ao Primeiro-Ministro dos acordos e parcerias nacionais. O Conselho conta com o apoio da Comissão em relação a dados dos impactos econômicos e benefícios da agenda de reformas, acordado do COAG a cada dois ou três anos. Em julho de 201136 eles revisaram o acordo cujo objetivo foi melhorar o desenvolvimento de políticas e prestação de serviços e facilitar a implementação de reformas econômicas e sociais em áreas de importância nacional. Além disso, o intuito foi também melhorar a eficácia e eficiência do sistema fiscal nacional. Na 36 Para maiores informações sobre o acordo acessar - Schedules to the Intergovernmental Agreement - INTERGOVERNMENTAL AGREEMENT ON FEDERAL FINANCIAL RELATIONS http://www.federalfinancialrelations.gov.au/content/intergovernmental_agreements.aspx. 95 Reforma das Relações Financeiras ficou decidida a realização de um novo sistema tributário nacional, incluindo a eliminação de impostos ineficientes especificados que impediam a atividade econômica. Nessa reforma, foram eliminados 11 impostos a partir de 1o de julho de 2013, entre eles impostos sobre vendas cobrados sobre o valor da última venda, impostos incidentes sobre o custo da habitação temporária, sobre o valor das receitas (créditos) em instituições financeiras e na média de passivos e/ou investimentos de comerciantes do mercado monetário diárias de curto prazo, Imposto de Selo sobre Títulos e Valores Mobiliários e outros. Os estados e territórios reconhecem as suas responsabilidades na prestação de serviços em muitos setores, o que está implícito na Constituição e não é intenção das partes alterar a responsabilidade constitucional ou a prestação de contas para a Comunidade pelos estados e territórios. Não obstante isso, as partes reconhecem que a ação coordenada é necessária para resolver muitos dos desafios econômicos e sociais que confrontam a comunidade australiana. E o Conselho de Governos australianos (COAG) é responsável por monitorar o progresso em todos os aspectos citados nos quadros das relações financeiras federais. São quase 390 relatórios elaborados pelo Conselho que tratam sobre os mais diversos assuntos, como saúde, educação, política ambiental, segurança pública, etc. Do ponto de vista de distribuição de pagamentos do GST entre Estados e Territórios, é responsabilidade do Conselho essa distribuição, em conformidade com o princípio da igualdade fiscal e horizontal. 3.1.4 Síntese sobre os casos internacionais O relato de algumas experiências dos EUA, Canadá e Austrália demonstrou a preocupação das instituições de advocacy criadas por esses países em atuar de forma conjunta na busca de soluções para problemas que afligem a estabilidade das finanças ou a oferta de políticas públicas por esses níveis de governo, oriundas de decisões do governo central. Ações dessa natureza fortalecem a cooperação entre os entes, além de melhorarem as relações intergovernamentais, afetando a relação vertical. Observa-se que a institucionalização de relacionamentos específicos entre os 96 integrantes do conselho junto ao governo central, que são traduzidas em políticas a serem seguidas pelos integrantes do conselho, colaboram no processo de implantação de reformas e na acomodação dos interesses de cada integrante. No caso dos EUA, o NGA representa o principal canal de comunicação dos governadores e as 14 políticas criadas pelo Escritório de Relações Federais e aprovadas pelo Conselho buscam resguardar os direitos dos estados e fortalecer as relações entre eles e o governo federal. O Comitê Executivo do NGA conta com uma comissão de Assuntos Jurídicos (CAJ) que o aconselha em casos de interesse dos governadores e estados perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, os Tribunais de apelação e os Tribunais Supremos do Estado além de integrar a Suprema Corte de Advocacy para estados e governos locais cujo objetivo é garantir uma presença efetiva desses entes junto à Suprema Corte dos Estados Unidos. Em relação à experiência do Canadá, o Conselho de Premiers preocupa-se em preservar as províncias e territórios em relação ao impacto que as medidas do governo central pode produzir em suas finanças. Eles estão atentos aos arranjos fiscais e à capacidade das províncias em enfrentar os desafios econômicos e sociais nacionais e regionais. Promoveram discussões entre os governadores, governo federal e especialistas, de forma a colher sugestões que possam ajudar a enfrentar o desequilíbrio fiscal do Canadá e prever uma governança mais eficaz do federalismo fiscal. O conselho defende que as relações intergovernamentais devem se processar conforme os valores e princípios fundamentais do federalismo. E, por fim, no caso Australiano, o Conselho COAG promoveu reformas políticas de importância nacional ou que necessitaram de cooperação entre os entes que são materializadas em acordos intergovernamentais. O COAG fomentou 13 agendas de reformas e criou um guia que regula suas melhores práticas. Um dos destaques é o quadro que prevê as relações financeiras federais, que contempla a formalização de acordos de trabalho com funções e responsabilidades claramente definidos, a elaboração de relatórios de desempenho, as preocupações com a equalização das capacidades fiscais de estados e territórios e com uma ação federal coordenada. Esses são requisitos essenciais para um bom funcionamento do federalismo e para a compreensão da produção de políticas públicas em uma estrutura federativa contemporânea. 97 As políticas aprovadas pelos Conselhos citados representam importantes instrumentos de advocacy federativa. Outro aspecto interessante é a estrutura dos Conselhos desses países que contam, inclusive, com fontes de financiamento da área privada para pesquisas e compartilhamento de boas práticas. Há que se destacar dois aspectos importantes nos casos apresentados em relação ao caso brasileiro quais sejam: primeiro, o alto grau de desigualdade horizontal presente no Brasil, o que dificulta o acordo entre os estados e também dificulta o governo central a arbitar em favor de uma parte deles. Sendo assim, permanece a situação atual, em função da resistência à mudança ser muito grande. E, segundo, que apenas instituições de advocacy federativa fortes e bem estruturadas seriam capazes de reduzir esta situação, o que ainda está por ser construído no Brasil. 3.2 Instrumentos de advocacy federativa no Brasil A evolução e os traços do Sistema Federativo brasileiro são essenciais para a compreensão da performance de seus atores na defesa de seus interesses e para a compreensão da dinâmica do desenvolvimento regional e das suas disparidades regionais. A criação do estado brasileiro encontra-se sintetizada na frase de Rui Barbosa: “tivemos União antes de ter estados, tivemos o todo antes das partes”. O Brasil não é consequência de uma União federativa e, ao longo da sua formação republicana, toda a descentralização foi resultante da contraposição de forças entre a União e os estados (VESCOVI; HARTUNG; FERRAÇO, 2013, p. 8). Apesar da Federação brasileira se inspirar no modelo norte-americano, sua conformação foi bastante diferente, pois partiu de um Estado unitário fortemente centralizado para a busca pela descentralização (ABRUCIO, 2005). Até os anos 90, o país transitou entre regimes políticos abertos ou ditatoriais e entre períodos de centralização e descentralização federativa. Os governadores foram atores importantes para a alternância de poder, sempre trocando apoio pela descentralização (VESCOVI; HARTUNG; FERRAÇO, 2013). A transição democrática da década de 1980 alterou o padrão das relações intergovernamentais, destacando a primeira conjuntura crítica do período analisado, que foi marcada por uma crise fiscal do Governo Federal, eleição direta 98 para os cargos eletivos nos governos subnacionais (1982) e indireta para Presidência da República (1985), a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, a promulgação da nova Constituinte e a descentralização das políticas públicas (SANO, 2008). Segundo Abrucio (1994), os governadores tornaram-se atores políticos fundamentais no Brasil após as eleições de 1982. Foi um período marcado pelo enfraquecimento do Governo Federal e fortalecimento dos novos atores, governadores e prefeitos, além dos movimentos organizados da sociedade civil,37 que teve como resultado da estrutura estabelecida com a redemocratização, um federalismo não cooperativo, predatório e estadualista. Esse tipo de federalismo estadualista, de acordo com Abrucio (1994), caracterizava-se pelo grande poder de veto dado às unidades estaduais frente a qualquer mudança na estrutura federativa de então. Trata-se de uma ação de defesa de seus interesses junto ao poder central, entretanto, não cooperativa, ou até predatória, dos estados, pois o cerne da questão está na defesa da atual distribuição de poder e recursos dentro da estrutura federativa. No que diz respeito às relações horizontais, Abrucio e Costa (1998, p. 217) afirmam que: [...] os governadores não atuavam de forma coordenada e cooperativa, mas, ao contrário, prevalecia a conduta individualista e não cooperativa. Apesar de deterem grande poder político, os governadores não estabeleciam alianças para estabelecer um projeto hegemônico; as únicas alianças que os chefes dos executivos estaduais conseguiam firmar eram de caráter meramente defensivo e pontual. A articulação dos governadores com seus pares não estava pautada na cooperação ou no estabelecimento de uma agenda comum para o exercício da advocacy, mas na defesa pontual de seus interesses. A predominância de padrões não cooperativos de interação contribuiu para o fortalecimento da guerra fiscal entre os estados que, segundo Abrucio e Soares (2001, p. 51), “diminui a solidariedade entre eles, eleva a desigualdade regional e torna mais complexa e irracional a relação entre tributos e gastos públicos”. O federalismo brasileiro 37 Para detalhes sobre a transição democrática e a emergência dos governadores como principal força política do período pós-autoritarismo, ver Abrucio (1998; 2000, p.155). 99 enfrenta o grande desafio de vencer as grandes desigualdades entre os entes federados, acentuado pela competição predatória entre eles. Por outro lado, o Governo Federal tinha a força de sua estrutura burocrática e os recursos em seu poder, situação que iria lhe favorecer diante da fragilidade financeira e administrativa que assombrava os estados e municípios. Foi um momento de produção de relações intergovernamentais na maioria das vezes compartimentalizadas e competitivas e com poucas estruturas de cooperação e coordenação (SANO, 2008). Nessa época emergiram os primeiros Conselhos de Secretários Estaduais, que, em sua maioria, lutavam por uma fatia maior de recursos para as políticas setoriais e pela descentralização de programas em poder do Governo Federal. Esses Conselhos, apesar de articular, formular e defender os interesses estaduais, não articulam entre si na defesa de interesses dos governos estaduais. O Plano Real mudou a relação de forças entre os governos estaduais e o Governo Central, já que este último se fortaleceu com o sucesso do plano. Segundo Kugelmas e Sola (2000, p. 71): Durante todo o período do primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso (FHC) a questão do novo padrão a ser buscado nas relações entre a União e estados foi marcada pelas tentativas de reenquadramento destes pelo poder central, em busca de solução dos desequilíbrios fiscais. No Brasil não há uma instituição formal composta de chefes do Executivo para defesa coletiva dos interesses dos grupos de estados. Observa-se pouca articulação dos chefes dos executivos estaduais na definição de propostas conjuntas. São poucas e regionalizadas as experiências. Por exemplo: o caso do BRDE, criado em 1961 e que busca fomentar o desenvolvimento da região Sul; a SUDENE, órgão federal constituído para combater a desigualdade regional que conta com os estados nordestinos e Minas Gerais e Espírito Santo em sua estrutura. E, mais recentemente, algumas Cartas de Governadores, regionalizadas em sua maioria e oriundas de reuniões denominadas Fóruns de Governadores. Foram constituídos Conselhos e Fóruns Nacionais de Secretários, instituições que representam um fórum de articulação interestadual. Ressalta-se que o termo Conselho Nacional, utilizado pelos gestores para representação de 100 sua atividade coletiva, não se identifica com os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, instrumento que demonstra experiências de democracia participativa no Brasil contemporâneo na esfera municipal. Articulados desde o nível federal, segundo Gohn (2001, p. 7) trata-se de “canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos”. A partir da Constituição Federal de 1988 houve significativo aumento dessas instituições no âmbito das políticas públicas, que na maioria das vezes tem composição paritária (representantes do governo e sociedade) quando há repasse de recursos entre níveis de governo distinto. À exceção do CONFAZ, os demais Conselhos e Fóruns Nacionais de Secretários são iniciativas dos próprios Secretários de Estados e representam instrumentos de advocacy federativo de seus interesses junto à União, de aprimoramento das relações intergovernamentais e de articulação federativa. Já os Conselhos Gestores de Políticas Públicas exercem o papel de controle social e são “decorrentes, sobretudo, dos princípios constitucionais que prescrevem a participação da sociedade na condução das políticas públicas, das legislações regulamentadoras que invariavelmente condicionam o repasse de recursos federais à sua existência e do processo de descentralização” (GOMES, 2003, p. 4). Sendo assim, as próximas citações do termo “Conselho”, neste trabalho, devem ser entendidas como sendo Conselhos de Secretários Estaduais. Este trabalho dedicará sua análise apenas ao CONFAZ, que reúne Secretários de Fazenda e Finanças dos Estados e é presidido pelo Governo Federal, diferentemente dos outros Conselhos Estaduais, em que a presidência é de um Secretário de Estado. Na defesa de temas que afetam a receita dos entes subnacionais - caso do CONFAZ na harmonização do ICMS, objeto de discussão deste estudo -, observa-se pouca cooperação desses entes na busca de soluções para a redução da guerra fiscal e para a reforma do imposto. O mesmo poderá ser observado no caso do FPE, também objeto de análise desta tese, cujos novos coeficientes só foram definidos após determinação do STF, a despeito de terem sido criados para discussão do tema um grupo dentro do CONFAZ (GEFPE) e uma comissão de notáveis pelo Congresso Nacional. 101 O Quadro 1 apresenta os Conselhos e Fóruns Estaduais de Secretários: Quadro 1 - Conselhos e fóruns de Secretários Estaduais Conselhos e Fóruns de Secretários Estaduais Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura 1983 Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) 1983 Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (CONSECTI) Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração (CONSAD) Conselho Nacional de Secretários de Estado de Planejamento (CONSEPLAN) Colégio Nacional de Secretários Estaduais de Segurança Pública (CONSESP) Fórum Nacional de Secretários e dirigentes estaduais de Turismo (FONATUR) Fórum Nacional dos Secretários de Trabalho (FONSET) Fórum Nacional de Secretários de Agricultura (FNSA) e Conselho Nacional de Secretários de Agricultura (CONSEAGRI) Fórum Nacional de Secretários de Habitação Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Juventude (FORJUVE) Fórum Nacional de Secretários de Assistência Social (FONSEAS) Conselho Nacional de Secretários de Estado de Justiça, direitos Humanos e Administração Penitenciária (CONSEJ) Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Saneamento Ambiental Fórum Nacional de Secretários de Estado de Transportes Fórum Nacional de Secretários para Assuntos de Energia Fórum Nacional de Secretários e Gestores Estaduais de Esporte e Lazer * Sem informação. Fonte: Sano (2008) adaptado pela autora Data criação 1975 1982 1983 1983 1987 1991 2000 2003 2003 * * * * * * * * * * Atualmente, há 19 conselhos e fóruns que reúnem Secretários e dirigentes estaduais de diversas áreas que buscam promover a integração e a interlocução entre os entes federados, estabelecer normas uniformes, propiciar a cooperação técnica e a troca de informações, tratar de assuntos de interesse comum e promover a advocacy, os interesses estaduais junto ao Governo Federal, além de propor alterações na legislação nacional. 3.2.1 O caso do CONFAZ: origem, composição e área de atuação As alterações no sistema tributário advindas da reforma de 1967/1969 resultaram na concentração de recursos na União. Além disso, o regime militar restringiu os poderes político e administrativo dos governos subnacionais. De forma a regular as disputas e a competição inter-regional no campo tributário, foi promulgada a Lei Complementar nº 24, em 1975, que teve por objetivo disciplinar a concessão de benefícios no âmbito do ICM, retirando dos estados a autonomia de que dispunham e vedando a utilização do ICM como instrumento de atração de 102 investimentos, embora tenham sido assegurados os benefícios concedidos às empresas já instaladas. Além disso, dificultou as decisões unilaterais nesse sentido, ao passar a exigir sua autorização somente via convênios entre os estados. A partir dessa lei, foi criado o Conselho de Política Fazendária, cujo regimento inicialmente foi aprovado por meio do Convênio ICM nº 8, de 1975, que viria a ser um Conselho formado por um representante de cada unidade da Federação (UF) e um do Governo Federal, que deliberariam sobre os benefícios fiscais e regras comuns em matéria de fiscalização e recolhimento do ICM. A denominação Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) 38 só foi adotada partir de 1997 por meio do Convênio n o 133, que também alterou o regimento do Conselho (BRASIL, 1997). Acreditava-se que a harmonização do imposto, por meio de um instrumento de coordenação da política tributária entre os estados, evitaria o acirramento da guerra fiscal já presente no regime militar. O Conselho, criado no regime militar com a finalidade de promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos estados e do DF, delibera a respeito de concessões de benefícios fiscais, isenções, incentivos por unanimidade dos estados representados. O CONFAZ sofreu forte pressão desse regime, pois as reuniões eram presididas por representantes do Governo Federal (Ministro da Fazenda ou representante por ele indicado) e, na ditadura militar, prefeitos de capitais e governadores eram nomeados pelo Presidente da República. Havia, portanto, grande centralização tributária. A autonomia delegada aos estados para a concessão de isenção por meio de convênio a ser celebrado e aprovado no CONFAZ submetia-se aos ditames da Lei Complementar nº 24/75 e aprovação do CONFAZ, que buscava eliminar a guerra fiscal. Por outro lado, os estados estavam competindo entre si e na defesa de seus próprios interesses individuais (caso dos estados que praticavam a guerra e precisavam aprovar seus convênios), pouco interessados na geração de uma ação coletiva ou cooperativa na tentativa de defender seus interesses junto à União. A atuação dos estados no CONFAZ, como instrumento de advocacy de 38 Essa denominação somente foi adotada quando celebrado o Convênio no 133/97, que denominou esse órgão colegiado como "Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ)" e instituiu seu Regimento Interno. 103 seus interesses junto à União, será mais detalhada no capítulo 4 - O ICMS E A GUERRA FISCAL: UM CASO DE FRACASSO NA COOPERAÇÃO ESTADUAL. O CONFAZ, para o exercício de suas funções, conta em sua estrutura com o apoio técnico da COTEPE/ICMS, da Secretaria do Tesouro Nacional e de uma Secretaria-Executiva, provida pela Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda. Em relação ao êxito de suas funções, a literatura revela sua incapacidade em impedir a competição fiscal entre os estados, pois esses entes federados vêm sistematicamente descumprindo as decisões do CONFAZ em relação à concessão de incentivos fiscais, enfraquecendo suas próprias regras e dificultando a adoção de práticas cooperativas. Em função da necessidade de nivelar suas decisões perante a União, os Secretários passaram a se reunir um dia antes da reunião oficial do CONFAZ, denominando o encontro como Pré-CONFAZ. Além disso, de forma a institucionalizar esse pré-encontro, foi criado, em 28 de setembro de 2012, por meio de protocolo celebrado entre os estados e o DF, o CONSEFAZ39, que é coordenado por um Secretário Estadual de Fazenda/Finanças. O CONSEFAZ tem por objetivo promover a integração entre Secretários de Fazendas, Finanças, Receita e Tributação dos Estados e DF e a articulação conjunta desses órgãos em matérias de interesse comum, visando otimizar a gestão financeira e tributária das respectivas unidades federativas. Surge, assim, uma possibilidade de articulação intergovernamental e o exercício da advocacy, já que os assuntos a serem tratados extrapolam a harmonização do ICMS e em sua maioria são de interesse de todos os estados. As questões que afetam os estados brasileiros de ordem tributária, financeira bem como outras questões de modernização seriam, assim, discutidas previamente, sem a presença do Governo Federal. Outro aspecto que contribuiu para a criação do CONSEFAZ foi a necessidade de adotar, hospedar e compartilhar sistemas de processamento de 39 O consórcio foi criado considerando que o disposto no inciso XXII do art. 37 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, exige que "as administrações tributárias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, atividades essenciais ao funcionamento do estado, atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio". O protocolo de Cooperação Técnica, de 28 de setembro de 2012, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 08.10.12, p. 32, pelo Despacho 196/12 do Secretário-Executivo do CONFAZ. Divulgado, no âmbito estadual, pelo Decreto 1.404/12. 104 dados e informações mediante uso de infraestrutura comum capaz de maximizar a relação custo-benefício. Essa reflexão requer o aprofundamento de temas cuja abordagem conjunta poderá favorecer a prática efetiva de um federalismo de cooperação e do processo recorrente de harmonização que essa escolha enseja. Foram designados os seguintes grupos técnicos para apoiarem o CONSEFAZ, além da COTEPE: a) Comissão de Gestão Fazendária (COGEF)40; b) Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (ENCAT)41; c) Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros (FFEB)42; e) Grupo de Desenvolvimento do Servidor Fazendário (GDFAZ); f) Grupo de Gestores das Finanças Estaduais (GEFIN); e g) Instituto de Estudos Fiscais dos Estados do Brasil (IEFE) – Brasil43. Este trabalho examinará apenas as funções do CONFAZ e de parte de seus grupos técnicos - COTEPE e GEFIN -, pelo fato de suas atividades estarem relacionadas ao ICMS e ao FPE. Com a evolução nas discussões no CONFAZ, outros grupos técnicos passaram a fazer parte das reuniões do Conselho, apesar de não constarem formalmente em sua estrutura, principalmente diante da necessidade de estudos que permitissem avaliar as questões que afetavam as finanças estaduais, caso do GEFIN. 40 A Comissão criada em 26 de setembro de 2008 é composta por um representante de cada estado e do Distrito Federal, designado pelo respectivo Secretário de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, vinculado aos programas de modernização da gestão fiscal, com direito a voto, e por representantes designados pela Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda (SE/MF), Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (SE/CONFAZ), Escola de Administração Fazendária (ESAF), Receita Federal do Brasil (RFB), Secretaria do Tesouro Nacional (STN), Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SEAIN/MP), todos sem direito a voto. 41 O ENCAT, iniciado em julho de 2001, tem por finalidade desenvolver e disseminar as modernas técnicas de gestão tributária, mediante o intercâmbio de experiências, soluções e sistemas, nas áreas de arrecadação, fiscalização, tributação, informações econômico-fiscais e outras de interesse da Administração Tributária, além da uniformização dos procedimentos entre os estados e o Distrito Federal, visando à implementação conjunta de soluções consensuais para os problemas comuns às unidades federadas. 42 O Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros (FFEB) é integrado pelos secretários estaduais de Fazenda, foi instituído em 2004 e ampliado em 2009, quando passou a congregar todas as secretarias de Fazenda dos Estados e a do Distrito Federal. A criação do FFEB decorreu da necessidade de promover uma atuação dos Estados na reflexão sobre matérias de natureza fiscal e tributária, com o objetivo de contribuir para a formulação de políticas da União, Estados e Municípios e para a intensificação do diálogo interfederativo. Almejava-se preparar os Estados, conjunta e concomitantemente, para o exercício da função que lhes cabe na construção e no aperfeiçoamento do federalismo fiscal brasileiro, por meio da realização de debates, estudos e análises de temas relacionados ao federalismo fiscal. 43 Criado por convênio assinado pelos Secretários em 27 de setembro de 2012, o instituto tem por objetivo a cooperação entre os convenentes no que diz respeito ao desenvolvimento de atividades integradas em áreas de interesse comum, visando à formação, qualificação e ao desenvolvimento de servidores fazendários e ao aprimoramento das atividades institucionais das partes. 105 O GEFIN, criado em 2004, na reunião do CONFAZ realizada em julho do mesmo ano, no estado do Espírito Santo, conta com a representação de todos os estados e DF e, tem por objetivo geral a busca do equilíbrio fiscal das contas públicas estaduais, mediante estudo e aperfeiçoamento da legislação e dos modelos de gestão de finanças públicas e o intercâmbio de experiências, soluções e sistemas nas áreas de gestão fiscal, financeira e orçamentária, transferências governamentais, contabilidade governamental, dívida pública, qualidade do gasto e legislação sobre finanças públicas. O grupo acompanha a política de finanças públicas oriunda das decisões do Governo Federal ou do Congresso Nacional e afere o seu impacto nos estados e DF por meio da elaboração de notas técnicas, ofícios e relatórios. Como os assuntos são de interesse de todos os estados, o GEFIN consegue formar alianças e produzir na maioria das vezes uma solução conjunta, expressa em documentos, que reflete a posição dos estados e do DF em relação ao problema detectado. Esses documentos servem de instrumento para a defesa dos interesses dos estados e DF junto à União e são disponibilizados e discutidos com os Secretários de Fazenda nas reuniões do CONSEFAZ e posteriormente apresentados na reunião do CONFAZ. O grupo também produziu o documento discutido pelos governadores na reunião realizada em 13 de março de 201344, no Congresso Nacional, com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, onde estiveram presentes 23 governadores dos estados e DF, Secretários de Fazenda/Finanças, assessores e representantes do GEFIN e da COTEPE. Foram discutidos quatro assuntos referentes ao pacto federativo: dívida dos Estados com a União, uma emenda complementar que impedia o Legislativo de criar novas despesas para os Estados, o cálculo do Fundo de Participação Estadual e os tributos da União sobre outros entes públicos (Estados e municípios), caso do Programa de Formação do Patrimônio do funcionário Público (PASEP). Um dia antes da citada reunião, os governadores se reuniram na Secretaria de Articulação Nacional de Santa Catarina, em Brasília, para alinhar as demandas 44Para maiores informações, acessar http://www.scc.sc.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=160:governador-de-scabre-reuniao-no-congresso-nacional-sobre-pacto-federativo&catid=8&Itemid=202. 106 junto à União. Essa articulação entre os chefes de Estado foi construída pelo então governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo. Conforme afirmou o governador, a articulação prévia realizada favoreceu a construção dos argumentos de forma prática e a obtenção os melhores encaminhamentos para o exercício da advocacy dos estados junto ao Congresso Nacional. Naquela mesma reunião, o então governador do estado do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli levantou a hipótese da institucionalização de um Fórum de governadores onde pudessem ser discutidos em conjunto os temas que afligem o pacto federativo no Brasil. A ideia foi aceita pelos governadores presentes, entretanto, não foi instituído formalmente o Fórum. A COTEPE, com sede no Distrito Federal, tem por finalidade realizar os trabalhos relacionados com a política e a administração do ICMS, visando ao estabelecimento de medidas uniformes e harmônicas no tratamento do referido imposto em todo o território nacional, bem como desincumbir-se de outros encargos atribuídos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.45 No caso da COTEPE, a formação de consenso entre as unidades enfrenta o problema da guerra fiscal e da concessão de benefícios fiscais pelos entes. É o fórum que analisa antes da reunião do CONSEFAZ e CONFAZ as concessões de benefícios que passam pelo Conselho. Entretanto as decisões de concessão de benefícios fiscais (caso do ICMS) por um estado, na maioria das vezes, irão impor perdas a outro, o que atribui a este grupo caráter menos agregador. Em relação ao ICMS, foram várias as tentativas do Conselho em cumprir o seu papel de harmonizador do principal imposto arrecadado pelos governos subnacionais e de dirimir conflitos oriundos da guerra fiscal. No regime militar, o controle sobre o Conselho amenizava os conflitos existentes, mas após a redemocratização do país as posições dos governos locais foram cada vez mais agressivas, não atendendo aos convênios firmados naquele Conselho (VARSANO, 1977). Viol (1999, p. 36) reforça essa posição quando menciona que “o Conselho de Política Fazendária, além de agregar, basicamente, apenas representantes dos estados, reduziu-se a um papel meramente formal, sem nenhuma eficácia na resolução dos conflitos federativos interestaduais”. Foi um período caracterizado pelo desrespeito à legislação vigente e pela falta de 45 Para maiores informações ver Regimento COTEPE/ICMS http://www1.fazenda.gov.br/CONFAZ/confaz/Diversos/Regimento%20da%20COTEPE.htm. em 107 cooperação entre os entes. Resta saber o que levou esses entes federados a se posicionarem dessa forma, contribuindo para a não instalação do federalismo do tipo cooperativo. Essa situação torna o CONFAZ um fraco instrumento de defesa dos interesses dos estados. Esse fato será mais detalhado no capítulo 4 - O ICMS E A GUERRA FISCAL: UM CASO DE FRACASSO NA COOPERAÇÃO ESTADUAL. Em relação à discussão do FPE, o CONFAZ criou, em sua reunião ordinária de setembro de 2010, um grupo especial, o GEFPE, com membros do GEFIN e da COTEPE, indicados pelos Secretários de Fazenda. O propósito era a elaboração de estudos e análises que pudessem subsidiá-los na construção de uma nova alternativa para a destinação dos recursos do FPE, apenas adotada em 2013. A estratégia de criar um grupo especial teve por objetivo buscar uma visão integrada do assunto, no momento em que são colocados, para discutir em conjunto, especialistas da área financeira e da área tributária. A coordenação do grupo é exercida por um técnico das Secretarias de Fazenda, eleito entre os participantes. O GEFPE, que teve por objetivo apresentar alternativas/modelos de redistribuição do fundo, cujos coeficientes foram julgados inconstitucionais em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal, analisou os relatórios sobre o assunto emitidos pela COTEPE, pelo GEFIN e também do Fórum Nacional dos Estados Brasileiros. Realizou 10 reuniões técnicas, em que foram propostos, discutidos e avaliados diferentes modelos para distribuição do Fundo. Com o intuito de ampliar o debate para recepcionar as perspectivas dos Poderes Judiciário e Legislativo, realizou um Seminário de Avaliação de Alternativas para o FPE, em conjunto com a Escola de Administração Fazendária (ESAF) e com o Fórum Fiscal, em 25 de maio de 2011. Contou com a participação do Dr. Gilmar Mendes, então Ministro do Supremo Tribunal Federal e relator da decisão de inconstitucionalidade, e do Dr. Marcos Mendes, então Consultor Legislativo do Senado Federal. O relatório final do grupo foi apresentado na reunião do CONSEFAZ e do CONFAZ de abril de 2012, para apreciação dos Secretários e também disponibilizado para a Comissão criada pelo Senado para discutir várias questões, entre elas o FPE. Grandes dificuldades foram enfrentadas pela equipe técnica para o encontro de uma nova proposta de redistribuição do Fundo. Não houve consenso entre os participantes em relação a uma proposta, pois o fundo tem um 108 montante finito a ser distribuído, definido na Constituição, e todas as propostas de remodelação elaboradas pelo grupo levariam à perda de recursos de um estado em favor de outro. Isso desestimulou a cooperação e motivou o agrupamento regional dos estados em função de propostas que mais lhes trouxessem recursos. Os Secretários também se manifestaram nas reuniões do CONFAZ, apresentando relatórios que demonstraram a necessidade de recomposição da base de cálculo do Fundo e buscando restaurar a participação relativa do FPE na arrecadação da base tributária da União aos moldes de 1988, que eram de 16,4%, já que em 2010 esses percentuais eram da ordem de 9,8%. Eles também atuaram junto às suas bancadas, sugerindo projetos de lei que aumentariam a base de cálculo do imposto e resolveriam a crise instalada entre os estados. Entretanto, as tentativas dos Secretários nas reuniões do CONFAZ de sensibilização da União em relação ao problema não foram bem-sucedidas. O Conselho se omitiu, deixando que esse assunto fosse resolvido pelos estados no Congresso Nacional. Novamente o CONFAZ revelou sua pouca capacidade de dirimir conflitos. Entretanto, resta saber por que, apesar da omissão do CONFAZ, os estados conseguiram se articular para mudarem os coeficientes de repasse do FPE e não avançaram na questão do ICMS. 3.2.2 O papel do Congresso Nacional na solução dos impasses O Congresso Nacional, de acordo com a Constituição, é o órgão que exerce, no âmbito federal, as funções típicas e atípicas do Poder Legislativo, sendo as primeiras de elaborar/aprovar leis e fiscalizar o Estado brasileiro; e as últimas, de administrar e julgar. É composto de duas casas: o Senado Federal, que representa as 27 unidades federativas (26 estados e o Distrito Federal), e a Câmara dos Deputados, que representa o povo. No Senado, a composição de Senadores por estado é a mesma (três), não sendo fator primordial para representação o tamanho de suas populações. No caso da Câmara dos Deputados, o número de representantes de cada unidade federativa se altera em função do tamanho da sua população, como, por exemplo, o estado de São Paulo, que pode eleger até setenta deputados, e o Acre pode eleger oito. Sendo assim, todas as propostas que virão ou não a se tornar instrumentos normativos na área financeira como na área tributária do país são contempladas 109 nessa casa. O Congresso vem atuando, por meio dos seus Senadores e Deputados, no ajustamento de propostas sobre ICMS e FPE e na promoção de audiências públicas, com a presença dos integrantes do CONFAZ na tentativa de obter consenso sobre as matérias citadas, característica do bicamerismo brasileiro onde o papel principal para as questões federativas ficam com o Senado Federal. 3.3.2.1 A regulamentação das alíquotas de ICMS No caso do ICMS, resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação. É facultado ao Senado Federal estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; e fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros. De acordo com o art. 12, parágrafo 1º, da emenda Constitucional nº 18, de 1965, resolução do Senado Federal poderia dispor sobre os limites das alíquotas interestaduais do antigo ICM (imposto sobre circulação de mercadorias, hoje ICMS), para garantir o princípio da uniformidade, conforme determinação de lei complementar a ser editada. A lei estabeleceria a forma como o Senado exerceria essa competência, 46 ou seja, como o Senado poderia deliberar mediante resoluções sobre as alíquotas interestaduais, já que a exigência de ICM em alíquota única de 15% acabou por agravar as desigualdades e diferenças regionais entre os estados produtores e os estados consumidores. O art. 18 da Constituição de 1967 reforça a importância das resoluções editadas pelo Senado “Art. 24. [...] § 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais, e não excederá, naquelas que se destinem a outro estado e ao exterior, os limites fixados em resolução do Senado, nos termos do disposto em lei complementar”. 46 110 Federal, para conferir garantia de uniformidade, estabelecendo expressamente sua função como integrante do próprio Sistema Tributário Nacional.47 A competência exclusiva do Senado Federal para editar Resoluções quanto à garantia de uniformidade das alíquotas do ICMS sem a subordinação a leis complementares veio com o Ato Complementar nº 40, de 1968. 48 O procedimento conferiu mais agilidade nas decisões sobre as alíquotas de ICM afastando as dificuldades que a subordinação impunha à própria deliberação. As competências materiais relativas aos impostos estaduais seguiram com modificações a partir da Emenda Constitucional nº 1/1969, que passou a especificar sua atribuição e limites. E nesse contexto surgiu a Lei Complementar nº 24, de 1975, e com ela o CONFAZ, que, conforme já citado, trata-se de um órgão deliberativo colegiado cujos representantes decidiriam, sempre por unanimidade, sobre eventuais reduções de alíquotas ou outras formas de benefícios fiscais. Ressalta-se que a competência para definir as alíquotas do ICMS nas operações interestaduais reservava-se às resoluções do Senado, ao tempo que qualquer forma de redução das alíquotas (isenções), com efeito uniformizador, pudesse ser adotado por convênios. O art. 23, parágrafo 5º, da Emenda Constitucional no 23, de 1983, também conhecida como Emenda Passos Porto, altera as redações das legislações anteriores, ratifica o princípio da uniformidade de alíquotas internas e interestaduais (realizadas com consumidor final) do ICM e a competência do Senado para fixar apenas as alíquotas máximasdo ICM nas operações interestaduais, sempre por iniciativa do Presidente da República.49 Já a Constituição de 1988, em seu art. 155, parágrafo 2º, inciso IV50, em relação à função das resoluções no ICMS, determina que a resolução do Senado “Art. 18 - Sistema Tributário Nacional compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria e é regido pelo disposto neste capítulo em leis complementares, em resoluções do Senado e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, estaduais e municipais”. 48 “Art. 24. [...] § 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias; o Senado Federal, através de resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, para as operações interestaduais e para as operações de exportação para o estrangeiro”. 49 “Art. 23, § 5º - A alíquota do imposto a que se refere o item II será uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais, bem como nas interestaduais realizadas com consumidor final; o Senado Federal, mediante resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para cada uma dessas operações e para as de exportação”. 50 “IV - Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas 47 111 Federal estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais, cuja iniciativa poderá ser do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros. E no caso do estabelecimento de alíquotas mínimas nas operações internas, é facultado ao Senado mediante iniciativa de resolução de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros. Segundo Torres (2013), “esta foi a forma mais aprimorada para, preservada a autonomia dos entes federativos, ao delimitar a competência do Senado para fixar as alíquotas interestaduais do ICMS”. A Constituinte de 1988 não subordina as resoluções à lei complementar; não recepciona o princípio de uniformidade das alíquotas; a restrição de iniciativa da resolução à proposta do Presidente da República, à ampla competência para definição das alíquotas interestaduais, sem limitações a alíquotas mínimas ou máximas, assim como a certas operações (com consumidor final, por exemplo). Em razão da dificuldade de se avançar em uma proposta de reforma tributária do ICMS no país, o Congresso Nacional tem buscado soluções no aprimoramento dos seus regimes e com a retomada de suas resoluções como instrumentos normativos na solução dos conflitos que surgem nas operações interestaduais, caso da Resolução nº 13 do Senado Federal. Publicado em 26 de abril de 2012, o documento unificou a alíquota do ICMS em 4% nas operações interestaduais para produtos importados ou naqueles que, tendo passado por processos de industrialização, mantiveram mais de 40% de seus componentes importados. A referida Resolução tem por objetivo acabar com a chamada guerra dos portos ou guerra fiscal, caracterizada por incentivos fiscais que determinados estados federados concediam a empresas que adquiriam produtos estrangeiros e importados por meio de seus territórios. Caso não houvesse benefício algum o Estado destinatário do produto seria o credor do imposto. A regulamentação por resolução representa procedimento e técnica legislativa diferenciados, em relação às leis em geral, pelo fato de não aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;”. 112 dependerem de aprovação da Câmara de Deputados ou da sanção e veto presidencial. Nesse sentido, deve-se delimitar com clareza seu âmbito de atuação, para que esta não dê oportunidade a outros complicadores, com a judicialização de tudo aquilo que se apresenta como tentativas de solução. No caso do ICMS, resoluções do Senado Federal são instrumentos introdutórios de normas tributárias primárias que inovam a ordem jurídica em caráter vinculante para todos os estados, a fim de garantir uniformidade nos limites mínimos ou máximos das alíquotas dos impostos estaduais (TORRES, 2013). São editadas pelo exercício da competência do art. 155, parágrafo 2º, inciso IV, da CF, e possuem limitações quanto aos aspectos formais e materiais. O Senado deve manter-se no seu campo restrito da competência para dispor sobre alíquotas, ou seja, cumpre função de legalidade substantiva cuja competência condiciona o poder, determinando seu campo de ação material, no caso, às alíquotas do ICMS. 3.3.2.2 A regulamentação do FPE O FPE é uma transferência redistributiva feita da União para todos os estados do país, de caráter obrigatório, incondicional, sem contrapartida. O art. 159, I, a, da Constituição Federal, determina que 21,5% da arrecadação pela União, do IR e do IPI, sejam destinados ao FPE. Os critérios de partilha do FPE foram definidos pela Lei Complementar nº 62, de 1989. Essa Lei estipulou coeficientes fixos que deveriam ser substituídos em 1992 por uma nova lei. A nova lei, contudo, não foi votada nem aprovada no Congresso Nacional, apesar de intensa atividade legislativa, mantendo-se, até 2013, os coeficientes estipulados em 1989. Entretanto, em 24 de fevereiro de 2010, o STF declarou a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, dos dispositivos da Lei Complementar nº 62 de 1989, que disciplinam o rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, mantendo sua vigência até 31 de dezembro de 2012. Como os coeficientes em vigor eram fixos, o STF entendeu que eles não promoviam o equilíbrio socioeconômico entre os estados, como requerido pela Carta Magna. Foi determinado o prazo de 30 meses para o Congresso Nacional pronunciar-se acerca do futuro do Fundo. 113 O Congresso Nacional, apesar de ter apreciado vários projetos de lei complementar para instituir novos critérios, não conseguiu aprová-los antes do final do exercício de 2012 – data estipulada pelo STF. Os governadores da Bahia, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco, de quatro partidos diferentes, ajuizaram ação no STF, pedindo a prorrogação do prazo para que o Congresso Nacional votasse nova lei de critérios para a distribuição do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e que os repasses não fossem suspensos pela União. Sendo assim, continuaram sendo aplicados os coeficientes fixos definidos no Anexo Único, com respaldo no § 3º do art. 2º da LC nº 62/89, que determinava que, na ausência de nova lei complementar, continuariam sendo aplicados. O acordo de 1989, que resultou na LC nº 62/89, terminou prevalecendo com os coeficientes congelados por 23 anos e seis meses, quando foi editada a Lei Complementar nº 143, de 17/07/2013 (1990 a 2013). Em abril de 2012 o Congresso Nacional criou uma Comissão para tratar do pacto federativo, assunto que será tratado no próximo item, e ressaltou entre suas demandas a proposição de um projeto que reformularia o FPE. 3.3.2.3 A tentativa de construção de uma proposta pelo Senado Outro papel desempenhado pelo Senado Federal foi a constituição de uma Comissão do Pacto Federativo, denominada Comissão de Notáveis. O então presidente do Senado à época, José Sarney (Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB-AP), instituiu uma Comissão Especial de Notáveis com a tarefa de discutir um novo pacto federativo e a relação entre os estados, os municípios e a União. O ato da Presidência foi publicado no dia 16/04/2012, no Boletim Administrativo Eletrônico de Pessoal (BAP). Composto de 14 integrantes, entre juristas, economistas e cientistas políticos, o Colegiado teve o prazo inicial de 60 dias para rever as relações entre as unidades federadas, estabelecer mecanismos para evitar a guerra fiscal, propor nova distribuição de recursos para os Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), apresentar soluções para tornar mais eficiente o sistema tributário nacional e analisar questões políticas relacionadas a esses temas. Os resultados dos trabalhos foram apresentados em relatório, com o objetivo de subsidiarem anteprojetos para contribuir com futuras proposições legislativas. 114 A Comissão contou com o apoio do Senado Federal e da Consultoria Legislativa do Senado, no sentido de solicitar estudos, informações e serviços e também, caso quisesse, realizar audiências públicas com a participação da sociedade. Foi presidida pelo ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim e contou com os seguintes integrantes: economista Bernardo Appy, Professor João Paulo dos Reis Veloso, Professor Everardo Maciel, Professor Ives Gandra da Silva Martins, Dr. Adibe Jatene, Professor Luís Roberto Barroso, Professor Michal Gartenkraut, Professor Paulo de Barros Carvalho, Dr. Bolívar Lamounier, Professor Fernando Rezende, Professor Sérgio Prado, Professor Marco Aurélio Marrafon e Manoel Felipe do Rêgo Brandão, Procurador da Fazenda Nacional. Entre os temas estabelecidos pela Comissão, que teve como objetivo elaborar propostas para solucionar questões relevantes e urgentes relacionadas ao sistema federativo brasileiro, destaca-se uma proposta de solução para a guerra fiscal do ICMS, critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), definição da parcela das receitas decorrentes da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos a ser entregue, em virtude do disposto no art. 20, § 1º, da Constituição, ou transferida, por força de lei, para os estados, Distrito Federal e municípios, bem como os respectivos critérios de rateio entre as entidades beneficiárias e o disciplinamento da aplicação dos recursos, objetos de estudo desta tese. Os resultados relativos a esses temas serão explorados mais adiante. A Comissão, diante do impasse de decidir sobre temas tão polêmicos, cuja mudança se arrastava por anos, decidiu que as propostas federativas deveriam ser apreciadas em conjunto. Medida prudente, já que o procedimento permitiria que as perdas isoladamente consideradas das unidades federadas em cada tema pudessem ser mitigadas mediante compensações cruzadas e considerando que todo esse processo representa um jogo de soma zero, seja no ICMS, seja no FPE. Além disso, a discussão conjunta das propostas seria um facilitador na obtenção do acordo entre os estados, por permitir maior margem de negociação, na medida em que determinados estados poderiam admitir perdas com algumas mudanças mediante obtenção de ganhos com outras alterações. A despeito das vantagens indicadas pela Comissão, a recomendação não foi acatada pela União nem pelo Congresso Nacional, que optaram por fazer uma 115 chamada reforma fatiada do ICMS. E no caso do projeto do FPE o prazo era mais curto, pois teria que ser aprovada nova lei até o final do exercício de 2012, sob pena de os estados terem suspensos seus repasses pela União. Mais uma vez perdeu-se uma excelente oportunidade de construção de uma proposta mais substantiva de reformulação do pacto federativo e correções de desvios, quando se optou pela discussão das propostas legislativas em separado. Essa é uma estratégia em que é mais difícil se obter um acordo, pois em cada questão isoladamente debatida há perdedores que não concordam com as mudanças, o que impede o avanço na reforma. 3.3 Conclusão O grau de cooperação entre os Estados federados em suas interações com o ambiente nacional e internacional é determinante na forma como atualmente se processam as suas atividades. A análise dos casos internacionais demonstrou a importância do fortalecimento de modelos institucionais como o de colaboração horizontal para a melhoria das relações intergovernamentais e o quanto eles podem fazer a diferença. Nos países analisados além da preocupação em preservar os direitos dos estados e províncias, que é comum a todos, outros pontos devem ser destacados no processo, quais sejam: a adoção de políticas que prevêem o estabelecimento de relacionamentos específicos entre os integrantes dos Conselhos junto ao governo central e ao parlamento, o que favorece uma atuação conjunta dos governadores e melhora a articulação intergovernamental; a estrutura dos conselhos quando prevêem comitês executivos, comissões permanentes, centros de melhores práticas com objetivos claros e definidos para cada um, facilita a ação dos grupos; o financiamento de suas atividades que possibilita a promoção de diálogos, troca de experiências e a formação de opinião sobre o assunto a ser debatido; 116 o assessoramento jurídico, no caso do NGA, que orienta os governadores em suas ações junto ao Supremo, induz a uma ação coletiva dos governadores em prol de seus interesses; o espaço para reflexão sobre mudanças estruturais em suas reuniões (caso do NGA). Ação que ajuda na priorização dos problemas a serem enfrentados; a assistência aos novos e antigos governadores (caso dos EUA), procedimento importante que preserva a atuação desses dirigentes; as publicações efetuadas pelos Conselhos que além de permitirem a troca de experiências muitas vezes se traduzem em um código de conduta que deverá ser seguido pelos integrantes. Nota-se que esses países apresentam instituições fortes e bem estruturadas o que favorece a cooperação entre eles. Algumas questões, entretanto, precisam ser levadas em conta quando se analisa o caso brasileiro. Uma delas refere-se à grande disparidade regional presente entre seus estados e municípios. As diferentes capacidades de arrecadação própria e de oferta de políticas públicas pelos governos subnacionais aumenta a dependência de recursos do governo federal por essas esferas de governo, os divide em relação à advocacy de seus interesses, e dificulta o governo central a decidir a favor de uma das partes. As diferentes necessidades dos estados, face ao alto grau de desigualdade, não contribuíram para o estabelecimento de uma política que definisse a forma de relacionamento com o governo central. Além disso, o Brasil não tem instituição formal composta pelos governadores para defesa coletiva de seus interesses, mas apenas algumas experiências regionalizadas de atuação, alguns encontros de governadores e 19 instituições entre conselhos de Secretários Estaduais e Fóruns Nacionais de Secretários, para tratar temas específicos. Observa-se pouca articulação entre essas instituições na defesa de seus interesses e a maioria delas não prevê financiamento de suas atividades. A análise das arenas (CONFAZ e Congresso Nacional) revelou que o CONFAZ não foi capaz de cumprir o seu papel de harmonizador do ICMS e de resolver conflitos entre os entes. Nota-se a falta de consenso entre os estados que não respeitam as decisões do Conselho ao estimularem a guerra fiscal. 117 Grande parte deve-se à ausência de coordenação por parte do governo federal na condução do processo. Já o Congresso Nacional, por meio do Senado Federal, em razão das dificuldades de se avançar o processo de reforma tributária tem retomado a edição de suas resoluções como solução de conflitos que surgem na área tributária, e no caso do FPE aprovou uma lei que regula as transferências, apesar desta nova lei não alterar o status quo no curto prazo. Decisões dessa natureza (deixar tudo como está) são pautadas no alto grau de resiliência à mudanças somada ao medo premente de perdas de recursos e de insustentabilidade de suas finanças pelos entes subnacionais. Além disso, mostra o caráter frágil de suas instituições de advocacy federativa e consequentemente não contribuem para aumentar a cooperação entre os entes e melhorar as relações intergovernamentais. A falta de acordo entre os estados, seja em relação ao ICMS - pelo descumprimento das decisões do CONFAZ - seja pelos obstáculos encontrados na aprovação de uma nova legislação para o FPE, aliada à dificuldade encontrada pelas arenas CONFAZ e Congresso Nacional em solucionar os problemas tem motivado alguns estados a recorrerem ao poder judiciário, por meio do ajuizamento de ADINs no STF. Isto coloca o STF num papel estratégico neste processo. Observa-se que no caso americano a NGA tem uma relação estreita com a Suprema Corte Americana que, na maioria das vezes, se constitui no melhor árbito no processo. Os espaços para reflexão das reformas prioritárias não foram bem aproveitados, no caso brasileiro, pois a situação de desigualdade socioeconômica não permitiu que a cooperação horizontal se instalasse. Este tipo de cooperação só se estabelece com uma forma de defesa de interesses que sejam iguais para todos (coalizão defensiva). No Brasil, mudanças maiores só se mostraram em conjunturas críticas, como a Constituição de 1988 (que decretou o fim da ditadura e a redemocratização), ou em menor medida com o Plano Real, que alterou a posição da União por conta da vitória sobre a inflação. Outro aspecto importante a ser observado nas experiências internacionais refere-se ao fato de que nestes países foram constituídas instituições fortes e bem estruturadas de advocacy federativa. Instituições dessa natureza poderiam de forma incremental mudar a situação no caso brasileiro e alavancar a cooperação horizontal melhorando as relações entre as esferas de governo. 118 Os dois próximos capítulos tratam da análise da articulação e coordenação intergovernamental de políticas públicas e a cooperação entre os governos subnacionais em relação às propostas de reforma do ICMS e FPE, a partir das arenas de negociação CONFAZ e Congresso nacional. 119 4O ICMS E A GUERRA FISCAL: UM CASO DE FRACASSO NA COOPERAÇÃO ESTADUAL 4.1 O ICMS e o sistema tributário: antes de 1988 O entendimento das principais características do atual sistema tributário brasileiro é fundamental para o estudo e a compreensão das questões que envolvem a gestão e o comportamento do ICMS. Este tem suas origens no Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), tributo cumulativo que incidia sobre as vendas de mercadorias em geral. A Constituição de 1934 concedeu competência privativa aos estados para decretar o Imposto sobre Vendas e Consignações, além de impor a sua uniformidade. Ao mesmo tempo, proibia a cobrança do Imposto sobre Exportações em taxações interestaduais e limitava a alíquota desse imposto ao máximo de 10%. Entretanto, a grande heterogeneidade da estrutura de custos entre os estados afetava os preços das matérias-primas e dos produtos intermediários, que ainda eram tributados cumulativamente. A Constituição de 1946 reproduziu parcialmente a estrutura tributária vigente, alterando a participação na receita dos estados-membros e municípios de outros impostos. Parte de suas alterações resultou na criação de um sistema de transferências de recursos da União para as outras esferas de governo. Segundo Martuscelli (2010, p. 4217): A despeito de seu viés democrático, a Constituição de 1946 não trata dos princípios, direitos e garantias da tributação de forma sistemática e efetiva, fazendo-o de forma aparentemente esparsa e, mediante algum esforço, são os mesmos reconhecidos ou extraídos de algumas de suas normas. As alterações ocorridas no Sistema Tributário Nacional nas três esferas de governo, com a Constituição de 1946, podem ser sintetizadas no Quadro 2. 120 Quadro 2 - Alterações no Sistema Tributário Nacional: Constituição 1946 Federal Estadual Municipal a) Instituiu imposto único, contemplando a produção, comércio, distribuição e consumo, e bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos e gasosos de qualquer origem ou natureza e no que for aplicável aos minerais e à energia elétrica; a) Instituiu a cobrança de contribuições de melhoria e retirou do âmbito de sua competência o imposto sobre indústrias e profissões que passou para a esfera municipal; a) As competências para cobrança do imposto sobre indústrias e profissões até então de competência estadual, embora compartilhada sua arrecadação com os municípios, do selo municipal, das contribuições de melhorias e instituída a competência residual; b) instituiu a cobrança de impostos extraordinários (guerras, etc.) e de empréstimos compulsórios; b) reduziu de 10% para 5% a alíquota limite, ad valorem, do imposto estadual sobre as exportações para o exterior; b) recebeu em transferência do estado a competência para instituição do ITBI e do ITR; c) instituiu a cobrança de contribuições de melhoria de taxas diversas. c) transferiu a competência do Imposto de Transmissão InterVivos (ITBI) e do Imposto sobre a Propriedade Rural (ITR) aos municípios pela emenda n.º 5 de 21 de novembro de 1961. c) transferiu esta última competência à União pela emenda constitucional nº 10 de 9 de novembro de 1964, embora o produto da arrecadação fosse destinado ao município de localização do imóvel. Fonte: Pinto (2006). Fica evidente a descentralização de receitas para os municípios, com a inclusão do imposto do selo municipal e do imposto sobre as indústrias e profissões, além da institucionalização de um sistema de transferências de impostos, principalmente aqueles instituídos no âmbito das competências residuais, o que contribuiu para modificar, sobremaneira, a discriminação de rendas entre as esferas do governo (GIAMBIAGI; ALEM, 2000). Esse compartilhamento de receitas levou a União a aumentar a carga tributária de seus tributos, buscando compensar a redução de suas receitas e acomodar o crescimento de seus gastos. Em relação à regulamentação do IVC, as brechas na legislação que regulamentavam o imposto permitiram a disputa tributária entre as unidades federativas, além de despertar os estados em desvantagem para o uso de benefícios fiscais sobre o IVC como política de desenvolvimento, dando início a uma guerra fiscal. A União também atravessava um período conturbado acompanhado de crescente desequilíbrio fiscal, distorções oriundas da cumulatividade dos tributos indiretos, fraudes decorrentes do aumento da carga 121 tributária e distorções provocadas pela inflação registrada nessa etapa do processo (AFONSO et al., 2013). Buscando combater os desequilíbrios nas estruturas políticas nacionais, com reflexo direto na estrutura tributária vigente, foi realizada uma sucessão de reformas que resultaram na Emenda Constitucional nº 18/65 e posteriormente na edição do Código Tributário Nacional. A emenda foi regulada por leis ordinárias (Lei nº 5.072, de 12/08/1966 e Lei nº 5.172, de 25/10/1966), que foram incorporadas pelas Constituições de 1967 e 1969 (SIMONSEN, 1993; VIOL, 2000). Como medida administrativa para operacionalização e efetivação do sistema foi criada a Secretaria da Receita Federal, em 1968 (VIOL, 2000, p. 18). Nesse sentido, a reforma tributária do regime militar de 1967 tem papel fundamental nesse processo, pois, no que diz respeito à questão tributária, a Constituição de 1967, a partir do Capítulo V, do Título I, especificamente em seu artigo 18, inaugura textualmente o denominado Sistema Tributário Nacional, criado pela Emenda Constitucional nº 18/65, que buscava sistematizar a tributação no país. Perius (2002) notifica que essa reforma promoveu grande centralização de recursos tributários na União, apesar de atribuir aos estados a gestão do imposto, considerado por essas esferas de governo a fonte principal a ser utilizada no atendimento das demandas sociais. A União aumentou seu poder decisório em matéria fiscal e financeira e, ao instituir as alíquotas fiscais estaduais, restringiu a autonomia dos governos subnacionais, além de centralizar a receita tributária. Em relação ao sistema tributário, o objetivo era elevar o esforço de nível fiscal da sociedade para alcançar o equilibro orçamentário e promover a acumulação de capital por meio dos incentivos fiscais, medidas que buscavam impulsionar o crescimento econômico. Pretendeu-se “privilegiar o estímulo ao crescimento acelerado e à acumulação privada – e, portanto, os detentores da riqueza –; a reforma praticamente desprezou o objetivo da equidade.” (VARSANO, 1997, p. 8). De forma a amenizar o impacto nas finanças estaduais pela redução na participação na distribuição de recursos tributários, principalmente das unidades de menor poder econômico, e reduzir o grau de desigualdade do poder fiscal entre elas, foram criados os fundos de participação (Fundo de Participação dos Estados – FPE e Fundo de Participação dos Municípios – FPM). Em função da crise política que assolava o país, a União retomou o controle sobre a receita e 122 reduziu pela metade o valor a ser transferido aos estados e municípios pelos citados fundos. Varsano (1997) confirma o estreitamento do poder dos governos subnacionais: Após completada a reforma, os estados sofreram limitações adicionais ao seu poder de tributar e, já em 1968, no auge do autoritarismo, também as transferências foram restringidas. O Ato Complementar no 40/68 reduziu, de 10% para 5%, os percentuais do produto da arrecadação do IR [Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza] e do IPI destinados aos Fundos de Participações dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM). Em contrapartida criou o Fundo Especial (FE), cuja distribuição e utilização dos recursos eram inteiramente decididas pelo poder central, destinando a ele 2% do produto da arrecadação daqueles tributos. O ato complementar também condicionou a entrega das cotas dos fundos a diversos fatores, inclusive à forma de utilização dos recursos. A autonomia fiscal dos estados e municípios foi reduzida ao seu nível mínimo, aí permanecendo até 1975 (VARSANO, 1997, p. 10). Em relação ao ICM, este foi configurado como um imposto sobre o valor agregado para eliminar os efeitos negativos causados pela cumulatividade na economia, e não incidiria sobre serviços. O ICM tinha o caráter de imposto nacional, cabendo ao Senado a definição de alíquotas intra e interestaduais (PIANCASTELLI; PEROBELLI, 1996; VARSANO, 1994). O objetivo era solucionar as distorções causadas pelo IVC, na medida em que fossem estabelecidas alíquotas internas uniformes e fosse estendido o princípio da não cumulatividade ao comércio interestadual. Segundo Rezende (2009), a substituição do IVC pelo ICM colocava o Brasil na vanguarda da modernidade tributária. O mesmo foi observado por Viol (2000, p. 19), quando afirmou que “a reforma foi bastante ousada, colocando o Brasil na vanguarda dos sistemas tributários internacionais”. As administrações tributárias se mostraram apreensivas com a mudança do imposto e temiam perder recursos, haja vista não deterem familiaridade na gestão de um imposto dessa natureza. Outro desafio a ser enfrentado seria a manutenção da uniformidade das alíquotas internas, amenizadas com o estabelecimento, na Constituição de 1967, de que o Senado, com iniciativa da Presidência da República, definisse alíquotas internas máximas para o ICM, o que foi estendido às alíquotas das operações de exportação (AFONSO et al., 2013). Buscando levar adiante a proposta de modernização e reduzir a apreensão das administrações tributárias, a alíquota única de 15% adotada inicialmente para o 123 ICM foi alterada, harmonizando-a com as mais altas alíquotas aplicadas ao IVC51 nas regiões Norte e Nordeste, buscando evitar perdas para os estados onde as alíquotas eram mais altas. Com a recuperação da economia brasileira, a partir dos últimos anos da década de 60, a receita apresentou desempenho bem expressivo. O único estado que teve perda de receita nos primeiros anos do ICM foi o Amazonas, que tinha a alíquota de IVC mais alta do país, de 11%, enquanto a média nacional era 6,63% (REZENDE, 2009). Apesar da boa performance arrecadatória, deu-se início a amplo debate sobre o impacto regional do novo imposto cuja característica de cobrança na origem estaria punindo o consumidor dos estados mais pobres em benefício dos estados produtores mais ricos, que detinham a receita do imposto. Uma das formas de se corrigir o problema seria mudar o critério adotado pelo ICM, de origem para o destino, favorecendo a cobrança do imposto pelo consumo e não pela produção. Entretanto, o princípio do destino não fazia parte da agenda política, além das dificuldades inerentes ao controle efetivo de suas operações interestaduais, caso da não incidência do imposto nas divisas dos estados - o que configura um convite à sonegação. Nesse sentido, a solução para o problema dos estados do Norte e do Nordeste foi a redução das alíquotas interestaduais. Em 1968, por meio do Decreto-Lei no 406, o Governo buscou compensar o efeito da desoneração, aumentando a alíquota interna do ICM aplicada no Sul e Sudeste para 17% e excluindo a incidência do ICM na exportação de produtos industrializados. Segundo Afonso et al. (2013), “ignorando a solicitação dos estados do Norte e Nordeste, a alíquota interestadual não foi alterada. Desde 1969 observa-se o movimento de aumento ou redução das alíquotas internas em relação às alíquotas interestaduais”. Cita-se o caso das resoluções do Senado Federal nº 65; de 1970; nº 58, de 3 de dezembro de 1973 e nº 129, de 28 de novembro de 1979, que determinavam a redução/aumento de alíquotas internas. A partir de 1975, o sistema tributário já começava a mostrar os primeiros sinais de esgotamento. Além disso, o aumento dos incentivos fiscais havia enfraquecido sua capacidade de arrecadar e o sistema começou a perder o seu 51 Em 1966, as alíquotas do IVC variavam de 4%, no Distrito Federal, a 11%, no Amazonas. De modo geral, as alíquotas eram mais elevadas no Norte e no Nordeste e menores no resto do país. A média nacional era de 6,63%. 124 poder como instrumento para novas políticas. Segundo Varsano (1997, p. 9), “suas más características quanto à equidade haviam se acentuado a ponto de exigir ajustes na legislação do IR, realizados em 1974, com o intuito de mitigar a regressividade da tributação”. Por outro lado, estados e municípios também começaram a reagir ao baixo grau de autonomia, colocando um freio no processo crescente de centralização das decisões a que haviam sido submetidos, o que culminou na Emenda Constitucional no 5 de 1975, cujo resultado foi o aumento dos percentuais de destinação de recursos ao FPE e ao FPM, a partir de 1976. Apesar do movimento cíclico de alteração das alíquotas de ICM, as definições oriundas da criação do Código Tributário Nacional, pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não foram suficientes para conter a prática de concessão de benefícios. O estabelecimento de convênios entre os estados de uma região, com o objetivo de conceder incentivos fiscais para novas empresas que se instalassem em suas regiões, foram práticas identificadas por Oliveira (1997 apud PRADO; CAVALCANTI, 2000) como responsáveis pelo surgimento de um conflito entre os estados brasileiros pela captação de investimentos produtivos. Essa competição arrastou-se até a promulgação da Lei Complementar nº 24/75, cujos dispositivos determinavam a extinção dos convênios regionais e dispunha, em seu parágrafo 2º, o estabelecimento de novos convênios entre todos os estados e a unanimidade, como princípio a ser obedecido na concessão de novas isenções ou incentivos fiscais. A nova lei determinou que os convênios fossem celebrados em reuniões para as quais fossem convocados representantes de todos os estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal, dando origem ao CONFAZ, que institucionalizou um instrumento de coordenação da política tributária entre os estados e de contenção da guerra fiscal. A nova regulamentação aliada à estagnação da economia nacional, à época, contribuiu para a não ocorrência de conflitos fiscais entre os estados brasileiros, além do forte controle exercido sobre o CONFAZ pelo Governo Federal. Entretanto, resta saber se a nova legislação foi capaz de conter guerra fiscal e de promover a adoção de práticas cooperativas entre os estados, tema a ser explorado a seguir. 125 4.2 ICMS e a nova Constituição: o que mudou? A Constituição de 1988 instituiu um novo federalismo fiscal que ampliou a autonomia dos entes subnacionais, proibiu a possibilidade da União de conceder isenções de impostos estaduais e municipais, e manteve o princípio da separação de tributos e da distribuição das receitas, por meio de um sistema de transferências com incremento dos percentuais constantes do mesmo. Isso pode ser confirmado nas palavras de Rezende (1996), quando assevera que a modificação relevante que se verificou, além da ampliação da participação dos estados e municípios nos fundos de participação, foi a ampliação da competência tributária dos estados, com a extinção dos impostos federais sobre transportes, energia e comunicações e sua incorporação à base de incidência do principal imposto estadual sobre valor agregado, agora denominado ICMS. A base de incidência então ICM incorporou a produção de petróleo e derivados, a energia elétrica e os serviços de telecomunicações e de transporte interestadual, os quais eram matéria de um regime tributário próprio. As distorções provocadas pelas diferenças de alíquotas aplicadas ao comércio interestadual já se mostravam evidentes à época, justificando a adoção do princípio do destino na cobrança do imposto, mas a representativa produtividade tributária das novas bases do ICMS contribuiu para modificar o quadro sobre o qual se assentava o debate acerca dessa proposição (REZENDE, 2009). O novo arranjo tributário impôs grandes perdas para a União a favor dos governos subnacionais. Contudo, o acordo previa que houvesse um pacote de ajustes no sentido de descentralizar encargos, fato que não ocorreu, pelo menos imediatamente. Havia, também, a previsão de se criar um fundo para garantir recursos adicionais aos estados e municípios durante o período de transição, com o objetivo de organizar o processo de descentralização e assegurar a continuidade dos serviços nele incluídos, buscando, assim, o desenvolvimento de um processo ordenado de descentralização (VARSANO, 1996). Em relação à composição dos tributos, o Quadro 3 sintetiza as principais alterações, apresentando a nova configuração: 126 Quadro 3 - Alterações no Sistema Tributário Nacional – CF/88 Federal a) Criação do imposto sobre grandes fortunas, até hoje inoperante; Estadual a) Instituição da cobrança do imposto sobre a propriedade de veículos automotores e o adicional sobre imposto de renda; b) subtração da competência do imposto único sobre lubrificantes e combustíveis minerais, energia elétrica e do imposto sobre serviços de comunicação e transporte, transferindo-a para os estados; b) ampliação da base tributária do ICM – passando a ICMS com a incorporação do imposto único sobre lubrificantes e combustíveis minerais, energia elétrica e do imposto sobre serviços de comunicação e transporte; c) transferência da competência para tributar o imposto sobre transmissão de propriedade imobiliária intervivos para os municípios. c) revogação da competência para a cobrança de empréstimos compulsórios; Municipal a) Instituição da competência para cobrança do imposto sobre transmissão de propriedade imobiliária intervivos e do imposto sobre vendas a varejo de combustível líquido e gasoso; b) manutenção das demais competências previstas na Constituição anterior. d) manutenção das demais competências previstas na Constituição anterior. Fonte: Pinto (2006). De acordo com Viol (2000, p .25), no que diz respeito à questão tributária, a principal contribuição da Constituição de 1988 “não foi a de alterar – ou sequer melhorar – a estrutura estabelecida na reforma de 1966, mas a de modificar a repartição das receitas tributárias entre os níveis de governo”. Quanto às relações intergovernamentais, o processo de redemocratização e a Assembleia Nacional Constituinte representaram um período de conjuntura crítica no país, no sentido dado por Pierson (2000b), ou seja, quando ocorreu grande mudança na posição relativa dos atores políticos e sociais em relação aos instrumentos de poder e às preferências. Trata-se de uma época em que os governadores e prefeitos se fortaleceram, exercendo seu poder de advocacy junto ao Congresso Nacional na defesa de seus interesses, ao clamarem pela descentralização fiscal. Isso se explica pelo enfraquecimento do Executivo federal diante da derrota do regime militar, da crise de natureza fiscal do modelo nacional-desenvolvimentista e do endividamento externo contraído que assolava o país. A Assembleia Nacional Constituinte destacou o papel dos parlamentares, transformando o Congresso Nacional em uma das principais arenas de debate político e de ideias para um novo país (SANO, 2008). 127 O novo pacto federativo instalado com a ampliação do sistema de transferências constitucionais aliada à eliminação do imposto inflacionário como fonte de receita e a perda dos impostos para os estados desencadearam um processo de competição vertical. A União começou a instituir novos tributos de base tributária não compartilhada como forma de compensar as perdas registradas. Nesse sentido, foram retomados os conflitos entre as unidades federadas, vertical e horizontalmente. Outra mudança de grande significado para os estados foi a recuperação de sua autonomia para fixar as alíquotas internas de seu principal imposto. Segundo Rezende (2009), “com a receita propiciada pelas novas bases tributárias do ICMS, o diferencial de alíquotas deixou de ser apenas um elemento de redistribuição da receita arrecadada nas operações interestaduais, abrindo espaço para a ampliação da guerra fiscal”, tema a ser explorado no próximo item. 4.3 A guerra fiscal: origens e desenvolvimento – e por que se mantém Abrucio (2000) afirma que a história da guerra fiscal no Brasil, de forma geral, demonstra a dificuldade de resolver o problema de simetria entre os atores. Segundo esse autor, sua manifestação está relacionada a três fatores: o primeiro deles refere-se à maior autonomia entre os governos estaduais; o segundo, ao fortalecimento dos governos estaduais médios e do gap destes – e dos mais ricos – em relação aos outros entes mais pobres e; terceiro, e fundamental, a falta de um projeto nacional de desenvolvimento da capacidade do governo central de construir acordos com os entes subnacionais nos seus conflitos horizontais. A prática de incentivos fiscais, por parte dos estados brasileiros, remonta à década de 1960, época na qual os estados no Nordeste concediam isenção parcial de impostos estaduais, complementando os concedidos pelo governo federal por intermédio da SUDENE (GUIMARÃES NETO, 1989). Era permitida a formalização de convênios fiscais como, por exemplo, os Convênios de Recife e de Salvador, em que constavam regras para que os estados no Nordeste concedessem incentivos fiscais. Dois outros convênios regionais foram celebrados, um no Sudeste e outro no Norte (PRADO; CALVACANTI, 2000). Como estratégia para conter a competição entre os estados foi promulgada a Lei Complementar nº 24/75 e logo após criado o CONFAZ, prevendo a 128 necessidade de que novos convênios fossem aprovados por todos os estados e extinguindo os convênios regionais. Entretanto, o forte controle do regime militar sobre o CONFAZ enfraqueceu-se com a redemocratização do país e os governos estaduais passaram a adotar posições mais agressivas, não atendendo aos convênios firmados naquele Conselho (VARSANO, 1997). De fato, o Conselho assumiu um papel meramente formal, em detrimento da solução das divergências federativas interestaduais. Segundo Abrucio (2000) durante a década de 1980, as decisões do CONFAZ , em sua maioria, não foram respeitadas, em que pese a existência da descentralização política e do fortalecimento dos governadores estaduais. Não houve, também, muitos conflitos por parte dos estados. Prado (1999, p. 6) resume a situação do CONFAZ antes e após a redemocratização nos seguintes termos: Até meados dos anos 80, ao que tudo indica, o CONFAZ foi capaz de exercer algum controle sobre as políticas autônomas de incentivos dos governos estaduais, muito mais pela presença forte do Ministro da Fazenda à sua cabeceira do que pelos méritos da sua própria atuação institucional. A partir da Nova República, este papel foi progressivamente se fragilizando, e os governos estaduais progressivamente ampliando o uso de benefícios sem considerar as restrições legais existentes, levando à situação de absoluto descrédito do CONFAZ como órgão eventualmente inibidor destas práticas (PRADO, 1999, p. 6). Além disso, dois fatores foram primordiais para que os estados expandissem os incentivos fiscais52. O primeiro deles foi o abandono das políticas de desenvolvimento regional 53 pelo Governo Federal, que, a partir do final da década de 1970, foram relegadas a segundo plano, dada a prioridade para as políticas de estabilidade monetária (MONTEIRO et al., 1986). Já o segundo fator refere-se ao processo de descentralização política do país vivido logo após a 52 Diversos mecanismos foram considerados como incentivos fiscais, como, por exemplo, financiamentos do imposto a recolher, isenção do ICMS, a postergação de seu pagamento, etc. 53 Além das políticas de desenvolvimento a cargo da SUDENE, havia as empreendidas pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), entre outros órgãos públicos para a promoção do desenvolvimento regional no Brasil. 129 promulgação da Constituição em 1988, momento em que os estados passaram a gozar de mais liberdade para elaboração e gestão de suas políticas públicas54. Em se tratando de uma federação com grande desigualdade, cabe ao governo central o papel de promotor do desenvolvimento de áreas mais pobres, de apoiar seu corpo técnico e articular com diversos atores influentes no processo de desenvolvimento, utilizando-se de políticas sistêmicas – ações de longo prazo de caráter estrutural -, combinadas com políticas seletivas de curto prazo (GUERRA, 2008). A políticas sistêmicas e as seletivas são indispensáveis, mas nem sempre as unidades federadas têm condições de executar as primeiras individualmente. Sendo assim, o ideal seria a existência de um forte processo de cooperação entre as esferas de poder na promoção do desenvolvimento dos estados mais pobres (FERREIRA, 2005). Diante das dificuldades do Governo Federal em atuar como planejador do desenvolvimento regional, desde o fim do regime militar, comprovadas pela literatura de finanças públicas, a prática de políticas estaduais de incentivo fiscal, fundamentadas no desejo de promover o desenvolvimento local, tornou-se cada vez mais comum entre os estados. Segundo Ferreira (2005), no regime autoritário, o Governo Federal centralizou recursos financeiros e passou a implantar propostas de desenvolvimento que atendiam a uma lógica mais nacional (no sentido de consolidação do processo de integração nacional) e menos regional. Para Prado e Cavalcanti (2000, p. 113), “a progressiva retirada do Governo Federal das ações discricionárias não levou à ‘saudável hegemonia do mercado’, como muitos esperavam, mas criou um vazio de políticas rapidamente preenchido pela ação dos grupos regionais”. Isso pode ser confirmado pelas palavras de Rezende e Afonso (2002, p. 44): A assim chamada guerra fiscal lança suas raízes em um vácuo criado pela ausência de uma política regional patrocinada pela esfera federal para contrabalançar a tendência à concentração das atividades econômicas modernas no estado de São Paulo. Sem ações fortes para promover o crescimento econômico das regiões menos desenvolvidas, a tendência a reduzir a distância entre o PIB das cinco principais regiões, que estava em andamento desde o final dos anos 70, parou na metade 54 Relativamente ao ICMS, foi ampliada, na Constituição de 1988, sua base de arrecadação (incluindo os serviços de eletricidade e de telecomunicações) e foi estabelecido que cada estado deveria regulamentar o imposto cobrado em seus territórios. 130 dos anos 80 e permaneceu inalterada desde então. Um movimento ainda imperceptível na direção oposta ameaça desencadear uma nova onda de aumento das desigualdades regionais que, se concretizada, trará consigo instabilidade política. No período de 1988 até 1994, todas as unidades federativas brasileiras já possuíam pelo menos alguma legislação que permitisse a concessão de algum incentivo fiscal para empresas que realizassem investimentos em seus territórios. E os primeiros estados a adotarem tal prática foram Mato Grosso e Rio Grande do Sul (PONTES, 2011). Em complemento aos incentivos fiscais, era comum a concessão de outros benefícios, tais como doação de terrenos, preparação de infraestrutura, obras civis etc. (PIANCASTELLI; PEROBELLI, 1996). Abrucio (2000) cita quatro fatores estruturais que contribuíram para o surgimento da competição entre os estados: a) a falta de um mecanismo institucional que permitisse a discussão e resolução de conflitos federativos; b) a concessão da competência do ICMS aos Estados; c) a adoção do princípio da origem na apropriação de receitas do ICMS; e, por último, d) a ausência de uma efetiva política industrial no país, compensada pela política tributária. Em relação às razões que justificam o aumento do processo competitivo nos anos de 1990, o autor aponta: a) a ampliação gradativa da autonomia dos estados, b) a disputa pelos recursos de investimentos estrangeiros e nacionais que surgiram nessa época; e c) a crise financeira dos estados. De forma a conter esse processo de guerra fiscal, a União iniciou uma série de estudos, no sentido de buscar uma reforma no Sistema Tributário Nacional, tema que será abordado no próximo item. 4.4 As tentativas de reforma do ICMS e eliminação da guerra fiscal Segundo Melo (2005), os sistemas tributários, uma vez implementados, são difíceis de se alterar, pelo fato de suas estruturas serem altamente path dependent. As reformas nessa área representam tarefas extremamente complexas, principalmente se envolvem mudança na Constituição. Frequentemente, em democracias, são necessárias crises para que os governos se dediquem a reformas abrangentes. No entendimento de Afonso e Varsano (2004), as distorções tributárias vigentes beneficiaram muitos atores com poder de barganha considerável no 131 processo político, o que contribuiria para a rejeição das propostas apresentadas e debatidas. Esses autores relatam a motivação atrelada a um debate sobre a reforma tributária, que na maioria das vezes se inicia por fatores econômicos, mas constantemente acaba por se tornar uma disputa federativa, concentrando as discussões na forma de se dividir a receita tributária. Esse seria o centro do debate da reforma tributária, desde a elaboração da primeira Constituição da República, em 1891, até a Assembleia Constituinte de 1987-1988. Os interesses e impactos federativos e regionais teriam minado o avanço da reforma no Governo de Fernando Henrique Cardoso e comprometido também o projeto no Governo Lula (RONCARATTI, 2007). A reforma do sistema tributário brasileiro, segundo Rezende (2003, p. 3738), precisa levar em conta: [...] a necessidade que o país tem de enfrentar o desafio de conciliar quatro dimensões relevantes da política fiscal: austeridade fiscal, eficiência microeconômica, equilíbrio federativo e responsabilidade social. Enquanto a austeridade fiscal torna imperiosa a sustentação de um nível de arrecadação capaz de honrar os compromissos com a dívida pública e atender às demandas por responsabilidade social, as exigências da microeconomia não permitem que isso seja feito mediante fragmentação das bases impositivas e perpetuação dos impostos que inviabilizam a competição e impedem a integração bem-sucedida da economia brasileira ao mercado global. A isso soma-se a importância de o sistema tributário atender também às necessidades do equilíbrio federativo e a descentralização fiscal. Segundo o autor, as propostas de harmonização tributária direcionadas para a criação de um imposto de base ampla sobre o consumo de mercadorias e serviços, partilhado na Federação e uniforme em todo o país, atende a diversos requisitos que possibilitam criar um ambiente favorável à conciliação das quatro dimensões, referidas por Rezende, do desafio a ser enfrentado. Outro aspecto importante é que a harmonização tributária precisa andar de mãos dadas com a revisão do federalismo fiscal brasileiro, e não ser vista como empecilho ao primeiro, pois o objetivo é que, caminhando juntas, elas possam permitir recompor o equilíbrio federativo e estabelecer mecanismos eficazes para a cooperação intergovernamental na promoção e implementação de políticas nacionais de desenvolvimento, nos campos da educação, da saúde, da segurança e da infraestrutura urbana, bem como instituir novas regras voltadas para a redução das desigualdades regionais. 132 Nesse sentido, esta sessão se dedica, nos próximos tópicos, a tratar das principais questões que permearam as tentativas de reforma do sistema tributário brasileiro, em especial as medidas implementadas para alterar a legislação do ICMS, a partir da redemocratização, a revisão constitucional de 1994, a Lei Kandir, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 233/2008, destacando-se o papel das arenas (CONFAZ e Congresso Nacional) e dos atores (governadores) envolvidos no processo. Para retratar os acontecimentos e narrar de forma compreensiva o contexto, recorreu-se a: artigos científicos, artigos de jornais nacionais, dados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, atas das reuniões do CONFAZ, presença em reuniões (no Congresso Nacional, de governadores, dos grupos técnicos do Conselho e do próprio Conselho), além de seminários de discussões sobre a reforma tributária. 4.4.1 A revisão constitucional de 1993 e a proposta de reforma Logo após a promulgação da Constitução de 1988, a primeira iniciativa de proposta no âmbito fiscal e tributário ocorreu com a criação da Comissão Executiva da Reforma Fiscal (CERF). A CERF propôs uma série de medidas, dentre elas a criação de um imposto sobre valor adicionado (a partir da fusão do IPI, ICMS e Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS). No entanto, o trabalho da comissão não foi analisado pelo Congresso Nacional em face do impeachment do Presidente da República. Segundo Melo (2002), a proposta apresentava grande resistência pelos setores da burocracia pública, pelos governos estaduais e pelas associações empresarias, sendo assim, estava fadada ao fracasso. Mas os trabalhos resultantes do debate público das propostas da CERF e as novas propostas que surgiram forneceram as bases pragmáticas das propostas de emenda discutidas na revisão constitucional de 1993 e 1994. A reforma constitucional de 1993/1994 ocorreu cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988, no ADCT. As características do processo foram: 133 a) o debate foi realizado em 80 sessões, quando se votaram 19 mudanças, das quais 12 foram rejeitadas no primeiro turno. Das 17 mil propostas relatadas, apenas seis foram aprovadas (RONCARATTI, 2007); e b) instituiu-se uma situação ad hoc para revisão, não seguindo a rotina processual das emendas à Constituição, o que demandaria um exercício maior de barganha política e logrolling55, além dos custos políticos serem mais altos, requerendo a formação de maiorias sem se aplicar os mecanismos usuais de controle do conteúdo e da agenda dos trabalhos do Legislativo pelo Executivo, como o regime de urgência. Melo (2002) mostra que o contexto político-institucional em que a revisão fez parte da agenda pública se deu por quatro motivos. Primeiro, por causa das especificidades do governo de transição e de “salvação nacional”, que caracterizaram o período pós-impeachment. O momento era de superação da crise institucional ocasionada pelo impeachment, e não de inovações institucionais e políticas. O arranjo institucional alimentou os problemas gerados pela falta de comando e pelo desinteresse coletivo na proposta. No Legislativo o poder de agenda estava fortemente concentrado no relator do projeto, em uma única comissão de revisão que se pronunciava sobre a admissibilidade e mérito das emendas, e as propostas da relatoria tinham que ser aprovadas e rejeitadas sem a proposição de emendas pelos parlamentares. O regimento também vedava iniciativas do Executivo na revisão. As emendas ao projeto podiam ser apresentadas pelos congressistas, pelo líder dos partidos, Assembleias Legislativas de no mínimo três estados da Federação, manifestandose pela maioria de seus membros ou no mínimo de três entidades associativas que organizassem proposta revisional popular subscrita por pelo menos 15 mil eleitores (RONCARATTI, 2007). A segunda variável refere-se à comoção institucional causada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do orçamento, que enfraqueceu o Congresso como instituição, e junto aos setores reformistas da opinião pública e aos setores de grupos de interesses não empresariais. A oposição no Congresso usou esse processo, alertando para a falta de legitimidade dos trabalhos de 55 Trata-se de uma prática da troca de favores, especialmente na política por meio do voto, recíproca para a legislação proposta pelo outro. 134 revisão por um Congresso com vários representantes que seriam possivelmente cassados. Por outro lado, a agenda parlamentar ficou saturada com a demora no término dos trabalhos da CPI. A terceira foi a crise fiscal e o timing nas discussões constitucionais que tramitavam juntas com a elaboração do orçamento para o exercício de 1994. Parte do interesse do Executivo na reforma constitucional estava atrelado ao timing do ajuste fiscal, pois as iniciativas nas áreas tributária e fiscal só seriam possíveis por meio de mudanças na Constituição, caso do programa de estabilização. Sendo assim, o Governo aproveitou a oportunidade e aprovou o Fundo Social de Emergência (FSE). A quarta, e última, variável foi o calendário eleitoral de 1994, que estabeleceu data-limite para o fim dos trabalhos de revisão (abril 1994), data da desincompatibilização de ocupantes de cargos para as eleições de novembro. Com o Congresso voltado para as eleições, a oposição aproveitou o momento e acentuou a obstrução dos trabalhos, tornando difícil a obtenção de quorum para as votações. As discussões de reforma tributária fizeram parte da revisão constitucional. Entretanto, pelo momento político vivido pela história brasileira - com o impeachment do Presidente Collor e a CPI do orçamento -, a reforma do ICMS e outras questões tributárias não compunham a agenda de prioridades do Governo. Isso se dava não só pelos fatores de conjuntura política, mas por não serem considerados prioritários, como o ajuste fiscal, a inflação e as medidas econômicas para detê-la. As ações mais expressivas surgiram a partir de 1995, no Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Esse Governo detectou como prioridades para a implementação as privatizações e as desregulamentações, a flexibilização do mercado de trabalho, a diminuição do papel do estado e a ampliação do processo de abertura econômica – medidas que induziram as empresas a sofrer um choque de competitividade (PINTO, 2006). A agenda política estava balizada pela necessidade de integração competitiva ao mercado internacional, simplificação e harmonização tributária, recuperação da capacidade fiscal e tributária da União e enfoque do financiamento da política social (MELO; AZEVEDO, 1997). 135 Em relação ao contexto político-institucional, a reforma de 1995 coincidia com o início da gestão de FHC, num quadro de coligação eleitoral entre o Partido da Frente Liberal (PFL) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e sucesso do Plano Real, o que conferia legitimidade e autoconfiança ao governo. Além disso, inexistiam constrangimentos eleitorais que inibissem o apoio de parlamentares a propostas impopulares. A estabilidade econômica e monetária do Brasil, instalada após o Plano Real, conteve a inflação, permitindo o retorno da formação de preços pelas empresas baseados nos custos de produção e também da continuidade da política neoliberal implementada no Governo anterior, como estratégia para alavancagem do desenvolvimento. Esse contexto incentivou a entrada de capitais externos para investimentos, levando os estados a firmarem uma luta sem precedentes para atrair esses investimentos, época em que se acentuou a guerra fiscal. De forma a conter esse cenário de forte conflito interestadual, em agosto de 1995 foi encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional uma PEC que recebeu o número 175, que pretendia aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no mercado mundial e combater o déficit comercial. A proposta também previa a criação de um novo tributo, o ICMS Nacional, nada mais do que a substituição do IPI federal e do ICMS estadual. Segundo Bordin e Lagermann (2003), esse novo tributo seria plenamente amigável ao investimento e às exportações, mediante a desoneração das exportações e dos bens de capital e a concessão de créditos também sobre o material de uso e consumo, além de resolver o problema da guerra fiscal. Melo e Azevedo (1997) afirmam que, ao contrário da revisão de 1993, o Congresso Nacional nessa reforma já reagia às iniciativas que partiam do Executivo e dos Ministros, que se tornaram policy advocates das propostas das emendas constitucionais, apesar de não haver algum policy advocate de peso na proposta por parte do Executivo. Nenhum dos Ministros da área econômica assumiu decididamente a paternidade da proposta. Seu principal mentor, Fernando Rezende, economista e então presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), não tinha interlocutor credenciado no Executivo para discutir e negociar de fato os vários itens polêmicos da proposta inicial. Por outro lado, havia forte discordância entre parlamentares da base governista e 136 autoridades governamentais da área econômica, que eram críticos à proposta de reforma tributária. A proposta, apesar de tramitar pelo Congresso com mais oito projetos apensados, não logrou a velocidade necessária para sua aprovação, pois representava forte intervenção do Governo Federal no ICMS e na autonomia dos estados, que resistiram, levando o Governo Federal a desinteressar-se pelo pleito e envidar seus esforços em outras reformas constitucionais: a administrativa e a previdenciária. A demora na aprovação é atribuída por Melo (2002) a três motivos. O primeiro deles refere-se à derrota sofrida na área da previdência. O segundo, pela escolha do relator, o Deputado do Piauí, Mussa Demes, que passou a oferecer resistências significativas ao projeto e que a equipe econômica rejeitava. E o terceiro, e principal razão, foram os irreconciliáveis conflitos federativos ocorridos na negociação da proposta com os governadores. Para o Governo Federal, era fundamental que se aumentasse a competitividade dos produtos primários e semielaborados nacionais no mercado mundial, aumentando as exportações com efeitos positivos sobre a balança comercial do país. Nesse sentido, criou-se uma Subcomissão da Reforma Tributária na Câmara, liderada pelo deputado Antônio Kandir (PSDB-SP), formada por especialistas de finanças públicas. E como resultado dos trabalhos foi encaminhado um projeto de lei complementar que previa a desoneração das exportações e a apropriação de créditos do ICMS incidente nas aquisições de ativo imobilizado, energia elétrica, serviços de comunicação e aquisição de bens destinados ao uso e consumo próprio do contribuinte, aprovando em 1996 a Lei Complementar nº 87. A aprovação da lei representava uma estratégia extremamente importante, que permitia criar mecanismos de incentivos às exportações via subtração dos impostos de produtos brasileiros destinados ao exterior (LEITÃO et al., 2009). Em contrapartida, a aprovação da Lei Complementar nº 87 de 1996, denominada Lei Kandir, a despeito dos objetivos a serem alcançados, ao regular o exercício das competências tributárias dos estados, impôs expressivas perdas de receitas aos estados e municípios (ARRETCHE, 2012). Não foram poucas as alterações no status quo federativo brasileiro nos anos 1990. Elas implicaram “expressivo fortalecimento do controle exercido pelo Governo Federal (MELO, 137 2005, p. 845). É sobre uma dessas alterações e seus impactos para as relações verticais que será tratado a seguir. 4.4.2 O ICMS e as perdas com a desoneração: a mão do Governo Federal Após a promulgação da Constituição de 1988, o ICMS foi regulamentado por uma legislação provisória (Convênio n° 66/88) e a aprovação da Lei Complementar nº 87/96 veio regulamentar o imposto, haja vista a necessidade premente de se estimular o desenvolvimento, a partir do incentivo aos investimentos, às exportações e à agricultura e trouxe em seu bojo as seguintes características: a) desoneração das exportações dos chamados produtos primários, semielaborados e industrializados; b) desoneração dos investimentos; c) proteção às indústrias nacionais contra a concorrência desleal; d) simplificação da sistemática de apuração, que reduziu a carga do ICMS sobre a agricultura; e e) conciliação das necessidades do fisco com a proteção dos direitos dos contribuintes. A criação da Lei Kandir se deu num cenário de desequilíbrios da economia brasileira, após a implementação do Plano Real, diante de uma situação de reversão dos resultados até então obtidos pela balança comercial (superávit comercial de US$ 10,4 bilhões, em 1994, primeiro ano do novo plano de estabilização econômica) (SANTOS, 2011). Pellegrini (2006) salienta que além da desoneração de ICMS sobre as exportações de bens semielaborados e primários e de serviços (art. 3º, II), a Lei Kandir deixou clara a extensão pretendida e o princípio da não cumulatividade, com vistas a aproximar o ICMS de um genuíno imposto sobre o valor agregado, concentrado no consumo (tal como praticado na economia norte-americana), em uma possível reforma tributária. Já Santos (2011) declara que, em seu conjunto, a Lei Kandir apresentavase como parte de um receituário de “boas práticas neoliberais” direcionado para o equacionamento dos problemas macroeconômicos brasileiros relacionados ao desequilíbrio das contas externas e ao apático crescimento econômico registrado após o Plano Real, além de, ao mesmo tempo, procurar estimular o investimento interno mediante a desoneração das compras de bens de capital. 138 O projeto que originou a Lei Kandir (Projeto de Lei Complementar nº 95, de 1996), de iniciativa do Poder Executivo, foi amplamente discutido com os estados, incluída a presença de Governadores e Ministros, antes e depois da União enviálo ao Congresso Nacional em maio de 1996. Apesar da ampla discussão, a resistência oferecida por alguns Governadores (em especial os dos estados do Ceará, Paraíba, Amazonas e Goiás) em abrir mão da utilização de incentivos vinculados ao ICMS como instrumentos de suas políticas industriais impediu a aprovação dos aprimoramentos que o projeto continha (VARSANO, 2007). As negociações entre o Governo Federal e os estados aconteceram em etapas e a mais demorada delas foi a que tratava da formatação das transferências. As controvérsias entre os estados iam desde as diferentes estruturas econômicas, em particular, o tamanho e a composição das exportações, até a importância local dos itens desonerados, a exemplo dos bens de capital. O montante a ser transferido entre estados e União representava o ponto de discórdia entre eles, em função das diferentes interpretações a respeito dos efeitos da desoneração de ICMS sobre a arrecadação dos estados. A União, em relação às perdas com a desoneração e bem como o período de compensação aos estados, reconhecia as perdas iniciais de receita dos estados. Entretanto, o Governo Federal atestava que o estímulo à atividade econômica gerado pela desoneração aumentaria a arrecadação de ICMS ao longo do tempo, até que as perdas estaduais fossem totalmente eliminadas, o que tornaria a compensação algo temporário. A despeito das argumentações da União, os estados defendiam a compensação permanente, dado o grau de incerteza em relação aos ganhos futuros. Diante da ausência de consenso entre estados e União, esta última propôs a criação de um “seguro-receita”, como forma de ressarcimento das possíveis perdas de arrecadação, que foi alterado a partir de 2000. Tratava-se de um mecanismo de compensação via transferências de recursos para estados e municípios, já previsto na própria lei complementar, mas inicialmente não com esse fim. A real finalidade era de garantia do nível médio de receita desse imposto, no período de julho de 1995 a junho de 1996, devidamente corrigida pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) e ampliada por um fator de crescimento de 3% em 1996-1997, 2% em 1998 e 2% em 1999, como garantia de 139 preservação da arrecadação real do ICMS para cada estado (LEITÃO et al., 2009). Sendo assim, aqueles estados que superassem os seus limites iniciais de arrecadação não receberiam o ressarcimento, a despeito de terem perdido recursos relativos a vendas destinadas ao exterior. Além disso, outros fatores alheios ao mercado externo, a exemplo da sonegação, problemas financeiros das empresas e acirramento da guerra fiscal entre os estados resultariam em recursos do seguro-receita para os estados, com arrecadação insatisfatória. As alterações das regras de compensação a partir de 2000 deram origem a um fundo orçamentário com recursos da União com aportes aos estados baseado em coeficiente fixos, expressos na Lei Complementar nº 115/2002 e definidos em negociação entre estados e Governo Federal. Essa lei trouxe três mudanças significativas em seu bojo. A primeira, quando previu que a partir de 2004 os montantes definidos passariam a ser definidos pelo Congresso Nacional, quando da tramitação do orçamento geral da União. A segunda, quando revogou a determinação contida na Lei Complementar nº 102, de 2000 (que também alterou a Lei Kandir, a qual definia o ano de 2006 como o período final da vigência da compensação, subordinando o repasse à existência de disponibilidade orçamentária consignada para essa finalidade (LEITÃO et al., 2009). Já a terceira, quando foi criado, em 2004, o auxílio financeiro da União com o objetivo de compensar as desonerações das exportações de bens primários e semielaborados, de forma a reduzir o tamanho do descontentamento dos Governadores com o montante de perda de receita tributária. Entretanto, os valores serão distribuídos pelos estados conforme coeficientes autorizados anualmente, cujos cálculos são elaborados pela COTEPE/CONFAZ, e o montante deve constar na previsão orçamentária da União e necessita para seu pagamento de edição de medida provisória. A Lei Kandir faz parte de um conjunto de leis que impôs perdas de receitas aos estados e de um conjunto de decisões que suprimiram autoridade decisória dos governos estaduais (ARRETCHE, 2012). Grande parte dos analistas interpretou a aprovação dessa legislação como um processo de recentralização federativa no plano tributário (ABRUCIO; COSTA, 1999; ALMEIDA, 2005; ARRETCHE, 2005; MELO, 2005; RODDEN, 2006; SOUZA, 2002). 140 Existe, porém, uma grande distância entre a participação dos estados na compensação e sua participação nos limites previstos na Lei Kandir, os quais procuravam refletir inicialmente suas perdas. A Tabela 1 demonstra as perdas sofridas pelos estados desde a implementação da Lei. Tabela 1 - Transferências da União a estados e municípios a título de "art. 91 do ADCT/Lei Kandir" e de "auxílio financeiro aos estados exportadores" Resumo Total Brasil Transferências Compensatórias (1) Transferências "Lei Kandir" (LC 87/96, MP 1579/97 e 1913/99, art. 91 do ADCT da CF) Transferências Auxílio Financeiro a Estados Exportadores Perdas ICMS Com a LC 87/96 (Lei Kandir) (2) Exportação de Primários e Semi-elaborados Crédito de ICMS nas aquisições de ativo Perda Líquida Não Compensada % das Transferências nas Perdas R$ Milhões Dez/2014 (3) Total Set/96 a Dez/2013 124.278,27 99.119,47 25.158,81 470.010,66 264.322,83 205.687,84 345.732,39 26,4% Fonte: GT 08-Quantificação/CONFAZ- Gedalva - PR Notas:(1) Compensanções da União são no conceito de caixa; corresponde aos exercícios em que os valores orçados foram efetivamente repassados. Inclui cota-parte Estado + cota-parte Municípios + retenções a Fundef/Fundeb, para que os valores possam ser cotejados com as perdas. (2) As perdas foram calculadas com base na metodologia disposta no Protocolo ICMS 69/08, que trata da forma de cálculo dos coeficientes de participação das unidades federadas nos recursos orçamentários destinados a compensar o ICMS desonerado nas exportações de produtos primários e semi-elaborados e os créditos de ICMS decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente, e de fomento às exportações. A LC 87/96 entrou em vigor em set/96. O cálculo não inclui perdas ocorridas de jan/97 a dez/00 com apropriação ampla de créditos nas compras de energia elétrica e aquisição de serviços de comunicação. (3) Valores em R$ atualizados pelo IGP/DI. Em 1996 corresponde à média do IGP/DI de set. a dez. (mesmo período contido nas perdas e nas transferências da União). Fonte: Relatório GT-08 – COTEPE-CONFAZ Segundo a Tabela 1, apenas 26,4% (R$ 124,28 bilhões) das perdas sofridas pelos estados foram compensadas no período de setembro de 1996 a dezembro de 2013. A perda líquida não compensada está em torno de R$ 345,73 bilhões. A repercussão na receita estadual foi significativa, principalmente para os estados com forte base agrícola e mineral voltada para a exportação. 56 Nas palavras de Rezende (2012), os impactos mais importantes foram econômicos e federativos: 56 Para o conjunto dos estados, o montante das desonerações de exportações de produtos agrícolas e semielaborados, assim como de bens de capital incorporados ao ativo imobilizado, situou-se na casa de 10% do total arrecadado, segundo estimativa da Secretaria da Fazenda do Estado do Mato Grosso do Sul, apresentada em seminário CONFAZ . Para mais informações, ler “ICMS – Gênese, Mutações e Atualidade e Caminho para a Recuperação” – IDP/FGV. 141 No campo econômico, a combinação de não incidência nas vendas para o exterior e a incidência nas vendas interestaduais desarticulou importantes cadeias produtivas e contribuiu para reduzir o valor adicionado na exportação de produtos oriundos da exploração dos recursos naturais. No campo federativo, a medida alimentou o conflito entre os estados, tanto pelo incentivo que proporcionou ao deslocamento da atividade de processamento de produtos naturais para junto da atividade agropecuária (quando não se deslocou para o exterior), quanto pelo desgaste que provocou nas relações dos estados com o governo federal em relação a compensações pelas perdas de arrecadação, acirrando o clima de desconfiança que impede acordos em torno de reformas na tributação (REZENDE, 2012, p. 42-43), Além do choque sofrido pelos estados com a implantação da Lei Kandir, que gerou iminente perda de arrecadação de ICMS sobre as exportações, observa-se, ao contrário do que se esperava, o acirramento da competição tributária. Isso fez com que os estados entrassem em uma verdadeira batalha para manter o nível de receitas ou mesmo aumentar seus recursos, com a atração de novos investimentos, aflorando ainda mais o conflito federativo (LEITÃO et al., 2009). O processo de reforma tributária no governo FHC caracterizou-se por um Legislativo com posição destacada na negociação e debate da reforma, apesar do processo requerer mais barganha política e logrolling. Os estados se fizeram representar no Legislativo por suas respectivas bancadas e os governadores também influenciaram de forma significativa o processo, dando frequentes declarações na mídia a respeito da proposta. Já o Executivo, apesar de propor a alteração constitucional no sistema tributário, configurado como um ator importante no processo, não produziu algum policy advocate da sua proposta, pela falta de consenso dentro da coalizão do governo. O Executivo não se empenhou para a aprovação do projeto. Um ponto a ser destacado é que a prática da guerra fiscal torna os estados federados enfraquecidos perante a União, o que pode favorecer sua atuação no curto prazo e minimizar os interesses do Executivo Federal em esforçar-se pela promulgação da reforma. Esse fato pode ser comprovado nas reuniões do CONFAZ, que apesar de periódicas não apresentam resultados significativos, haja vista a quantidade de propostas de convalidação de convênios levadas pelos estados para aprovação e solução de problemas de benefícios fiscais, atropelando a agenda do Conselho, em detrimento de uma ampla discussão de projetos de reforma. 142 Segundo Abrucio & Costa (1999), o sucesso do Plano Real e a estabilização econômica fortaleceram o Governo Federal e deram início à crise do modelo estadualista, notadamente no que se refere à relação dos estados com o Executivo Federal. Esse fortalecimento do Governo Federal, no entanto, não foi capaz de conter o conflito interestadual, e as medidas adotadas pela União não foram decisivas para a melhoria da articulação horizontal. Isso significa dizer que elas não atacaram a questão da competição predatória entre os estados. Conforme afirma Sano (2008, p. 97), “esta acompanhou a path dependence do período anterior”. Entre as medidas destaca-se a criação do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), da Lei Kandir, da Desvinculação das Receitas da União (DRU), da CPMF57 e da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000. 4.4.3 A retomada da reforma tributária: 2000 a 2008 No início de 2000, em meio a um panorama de interesses conflitantes, foi formulada uma proposta conjunta de reforma tributária pelas equipes técnicas da União, dos estados e a presidência da Comissão Especial de Reforma Tributária, denominada Emenda Aglutinativa da Comissão Tripartite. Na proposta constava a competência conjunta dos estados acerca do Imposto Sobre Valor Adicionado, sendo o ICMS da União legislado por meio de lei federal, enquanto o ICMS dos estados, por meio de lei complementar e do regulamento editado pelo CONFAZ. Entretanto, a proposta, que preservava alto grau de autonomia aos estados, diferente da versão da PEC nº 175/95, que havia sido aprovada na Comissão Especial de Reforma Tributária, na qual os dois ICMS seriam regulados por lei federal, não obteve êxito, ficando parada. Apesar da imprensa, durante o ano de 2000, ressaltar conflitos de interesses entre as esferas de governo e os poderes, foi no Executivo federal que ocorreu o retardamento, como, posteriormente, a paralisação da tramitação da PEC nº 175/95, conforme pode ser visto nas palavras de Baratto (2005, p. 272): A Receita Federal não desconsiderava o processo de negociação ocorrido na Comissão Tripartite, mas teve dificuldades concretas para aceitar a redação da Emenda Aglutinativa, em virtude do risco financeiro, o impacto 57 A CPMF foi precedida pelo Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (IPMF), instituído em 1993. 143 que a extinção das denominadas contribuições cumulativas poderia provocar. Rangel e Netto (2003, p. 5-6) também confirmam em seu relato os acontecimentos que impediram a tramitação dessa específica reforma tributária: Na legislatura iniciada em 1999, os membros da Comissão Especial [de Reforma Tributária] mostraram-se, desde logo, determinados a levar avante a discussão e a aprovar a proposta de emenda à Constituição. Todos, sem distinção de partido, dedicaram-se a essa tarefa. O Poder Executivo, no entanto, não deu qualquer sinal de que estivesse interessado na discussão e na aprovação da PEC 175, de 1995, ou de seu Substitutivo. Também os estados não mostraram interesse na discussão da proposta. A Comissão Especial voltou a ouvir os setores público e privado e representantes do setor acadêmico. No final de 1999 o Substitutivo do Relator foi aprovado na Comissão Especial, por 34 votos a 1, ressalvados os destaques. No dia seguinte, o Ministério da Fazenda divulgou uma longa nota crítica à proposta aprovada e, alguns dias depois, os estados também se mostraram contrários a ela. À vista dessa forte oposição, a Comissão Especial resolveu votar os destaques, pois não seria possível voltar atrás na votação do Substitutivo e, numa tentativa de aparar arestas, autorizou seus dirigentes e o Relator a participar de reuniões tripartites com Ministros da área econômica e Secretários das Fazendas Estaduais. Em decorrência das discussões havidas nessas reuniões, a Comissão Especial decidiu elaborar um Substitutivo que tivesse o apoio do Poder Executivo e dos Secretários Estaduais, para apresentá-lo, como sugestão, ao Plenário. Esse Substitutivo, informal, não obteve o apoio do Ministério da Fazenda, mas conseguiu demover os estados de sua oposição intransigente. Em março de 2000 foram encaminhados à Presidência da Câmara dos Deputados o Substitutivo aprovado formalmente pela Comissão Especial – e que não mais tinha seu apoio – e o aprovado informalmente, que merecia todo o apoio da Comissão Especial. O Substitutivo informal foi encaminhado a título de sugestão ao Plenário da Casa, para servir como base de uma emenda aglutinativa, quando da discussão da matéria. Em reunião realizada em agosto de 2000, o Presidente e as lideranças partidárias decidiram que a Reforma Tributária não mais seria votada naquele ano. De lá para cá [este documento foi escrito em 2003] não se tocou oficialmente na colocação da matéria na pauta do Plenário. A retomada da discussão veio em 2003, na gestão do Presidente Lula, com a apresentação, em abril de 2003, de nova proposta, denominada PEC nº 41/2003. Essa PEC trouxe uma distinção mais adequada quanto ao modelo de ICMS que estava sendo proposto, seu contorno híbrido no que se refere aos princípios de origem para cobrar e de destino (parcial) para alocar receita. Os técnicos, incluindo os do CONFAZ e até mesmo os políticos e a imprensa, passaram a explicitar melhor em seus respectivos discursos o que é que estava sendo tratado (BARATTO, 2005). O objetivo da proposta era enfrentar o acirramento da guerra fiscal detectada no período. O projeto integrou um conjunto de reformas pretendidas 144 pelo novo governo, como a reforma da previdência, agrária, trabalhista e política. Nos primeiros dias do mandato, o então Presidente, Luís Inácio Lula da Silva, reuniu-se com mais de 80 atores de vários setores da sociedade - entre eles, empresários, intelectuais, sindicalistas - e com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) na busca de diretrizes para as ações de governo, com destaque para as reformas a serem implantadas. De posse do relatório do CDES, o Governo Federal discutiu com os governadores a proposta, em mais de uma reunião, sendo que na primeira delas parecia que havia sido obtido consenso e, se é que se pode utilizar essa terminologia, todos pareciam de acordo e “desceram juntos a rampa do palácio” (BARATTO, 2005). Todavia, a formalização da reforma, além de frustrar as expectativas que haviam surgido em relação à nova gestão de governo, deixou insatisfeitos muitos integrantes do CDES, onde as premissas da reforma tributária haviam sido debatidas. Para Afonso e Varsano (2004), o Governo Lula pactuou com os governadores para defenderem uma reforma tributária que primasse pela eficiência econômica e melhoria das condições de competitividade da produção nacional, a justiça fiscal, a simplificação do sistema e a redução da sonegação, de forma que não impusesse perdas de receitas a qualquer unidade do governo e mantivesse a carga tributária. Entretanto, de acordo com os autores, o que foi entregue ao Congresso não atacava as distorções tributárias e sua principal preocupação era facilitar a arrecadação. Além disso, os interesses dos estados e da União seriam conflitantes em relação à reforma tributária, haja vista ninguém querer perder receita com a reforma, apesar do Presidente Lula se comprometer a criar um fundo de compensação para estados e municípios que viessem a perder arrecadação, bem como estabelecer outra forma de compensação para os estados mais pobres, em especial os da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Afonso e Varsano (2004) destacam três pontos fundamentais no projeto tributário do Governo Lula: a) a DRU; b) a manutenção da CPMF; e c) a unificação do ICMS. Mas dois eram os pontos que produziram conflito entre os governadores: primeiro, se o ICMS devia ser federalizado; e segundo, se esse tributo devia ser cobrado no estado consumidor (destino) ou no estado produtor (origem). Os jornais à época noticiaram a reação e o temor de muitos governadores quanto ao impacto financeiro decorrente de adoção do princípio de 145 destino para alocar a receita do ICMS, que era a intenção inicial do Governo, em substituição ao regime vigente (BARATTO, 2005). A proposta de emenda previa que as 44 alíquotas do ICMS então existentes seriam reduzidas para cinco, a serem fixadas pelo Senado, e ficaria a cargo dos estados a distribuição dos produtos nessas faixas. MClure (1998, p. 15) defende que governos subnacionais devem ter pelo menos alguma autonomia para fixar alíquotas: [...] embora uma ampla divergência de alíquotas provinciais seja potencialmente problemática e talvez insustentável, por causa dos incentivos para (e contra) compras através de fronteiras, não deveria ser permitido impor às províncias a camisa de força das alíquotas uniformes. O mecanismo proposto para a operação interestadual é também considerado muito complexo para Arzua e Baratto (2003, p. 363). Na forma ideada, os estados perdem autonomia sem que a reforma alcance o desejável objetivo da simplificação, um preço muito alto a ser pago pela uniformidade legislativa, que sequer pode ser assegurada pela PEC, à medida que apenas o tempo dirá se a uniformidade se efetivará na prática, ou seja, se haverá cumprimento do regulamento único nacional para o ICMS. Apesar de todo esse cenário, o CONFAZ tentou aprovar um convênio que visava ao esfriamento da guerra fiscal, instrumento que buscava o fim da concessão de novos incentivos fiscais pelos estados, desde que a União estivesse disposta a criação, conforme previsto na PEC nº 41/2003, de um Fundo de Desenvolvimento Regional. Essa tentativa não logrou êxito, pois não houve consenso entre os estados nem o Governo Federal se dispôs a compensá-los devidamente. O projeto tramitou pela Câmara dos Deputados e passou a prever a mudança na cobrança do ICMS da origem para o destino, com uma regra de transição para a tributação interestadual que eliminaria, com o tempo, benefícios fiscais já concedidos pelos estados. A falta de estratégia do governo para aprovação da reforma na Comissão Especial o fez prorrogar para 13 de agosto de 2013 a apresentação do relatório do Deputado Virgílio Guimarães (Partido dos Trabalhadores - PT/MG), que apresentava várias concessões. 146 O foco da discussão era como conseguir do Congresso Nacional a prorrogação da CPMF, primordial para equilíbrio das contas do Governo, e com reservas em relação à repartição da receita entre estados e municípios. Nesse sentido, o Governo Federal acabou cedendo aos lobbies regionais e empresariais, ajustando o projeto de forma a atender aos pleitos desses atores ao incluir a proposta do novo ICMS e o fim dos benefícios fiscais e de conferir ao processo mais agilidade no Congresso. Do ponto de vista partidário na Comissão Especial, o Governo Federal enfrentava os partidos de oposição - como PFL e PSDB - e aliados - como PMDB e Partido Liberal - PL - que ameaçavam impor a divisão da CPMF. No caso do fundo para compensar os estados pelo fim do ICMS sobre as exportações, os parlamentares também se dividiram, em função dos conflitos regionais pela partilha do dinheiro. Nesse sentido, a reforma encontrou obstáculos do ponto de vista partidário e regional para sua aprovação. Os governadores reivindicavam uma partilha mais justa da CPMF, mas a estratégia adotada pelo Governo Federal para conter o pleito foi alterar o texto da reforma, prorrogando os benefícios fiscais para a Zona Franca de Manaus, a vinculação da CPMF à saúde e combate à pobreza e a fixação de teto para a alíquota de ICMS. No final de agosto de 2003, o Governo Federal e a comissão especial se dispuseram a retirar do projeto a mudança nos critérios de partilha das receitas do ICMS, comprometendo a cobrança do imposto no destino das mercadorias. Esse ponto gerou discordância entre os estados perdedores que sugeriam alterar o texto, condicionando o apoio do GF às alterações que sustentavam a guerra fiscal e compensação pelas perdas, na contramão do objetivo inicial do projeto. Da mesma forma, os estados potenciais ganhadores se mostraram descontentes, diante da discussão sobre as compensações, e passaram a efetuar o cálculo das possíveis perdas com a mudança. Outro fato a ser destacado no novo texto da reforma foi o maior prazo para o fim da guerra fiscal que constava no relatório do Deputado Virgílio Guimarães, que autorizava prorrogar os benefícios concedidos por mais oito anos, vedando novas concessões. E em seguida considerou o aumento desse prazo para 11 anos. A Tabela 2 apresenta a síntese da tramitação do projeto de reforma na Câmara dos Deputados. 147 Tabela 2 - Votação 2º turno PEC 41/2003 Partidos Voto a favor da Oposição PSDB Voto a favor da Oposição PFL Votação a favor do governo em Bloco – PC do B, PL, PMN, PSB, PSC, PV Voto contra PT Voto a favor do PMDB Votos contra ABSTENÇÃO TOTAL VOTOS CONTRA TOTAL VOTOS A FAVOR Fonte: Roncaratti (2007). Nº de Votos 14 14 256 3 62 89 0 92 346 A conclusão da votação no segundo turno se deu no dia 24 de setembro, num total de 148 dias de tramitação, 346 votos a favor, 92 contra e nenhuma abstenção. Em relação à questão partidária, foram 28 votos da oposição a favor do governo (14 deputados do PSDB e 14 do PFL). Partidos como o PMDB apoiaram o governo com 62 votos, com apenas três deputados da legenda com voto contra. Já o Partido Comunista do Brasil (PC do B), o PL, o Partido da Mobilização Nacional (PMN), o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Socialista Cristão (PSC) e o Partido Verde (PV) votaram em bloco com o governo e os radicais do PT - João Fontes (SE), Luciana Genro (RS) e Babá (PA) - foram contrários (RONCARATTI, 2007). Durante o segundo turno foi criado o G-20, composto por 19 governadores das regiões consideradas mais pobres do país, juntamente com o DF, para contestar o grupo formado pelos estados mais ricos do Sul e Sudeste. O grupo Sul-Sudeste almejava principalmente que o Fundo de Desenvolvimento Regional fosse exclusivo para seus estados, excluindo-se ES, RJ e MG, e que a administração do Fundo fosse de competência dos próprios estados. Em relação à guerra fiscal, houve expressivo aumento após a aprovação na Câmara, com diversos incentivos fiscais concedidos até 29 de setembro de 2003, data-limite para concessão e também porque eles teriam validade por 11 anos após a entrada em vigor da reforma, e os incentivos concedidos a partir de 30/09 seriam cancelados. Ficou definido, no projeto aprovado pela Câmara, que, após o prazo de transição da cobrança do imposto para o destino, até 4% da arrecadação ficariam na origem. O incremento dos incentivos oriundos na data estabelecida de 29 de setembro como limite para sua concessão tornou o fim da guerra fiscal, do ponto de vista jurídico e político mais complicado. 148 Para retirar a data e o prazo de transição, seria necessário retirar a nova cobrança do ICMS (RONCARATTI, 2007). As mudanças no projeto representariam um retrocesso no processo de reforma. Isso pode ser confirmado nas palavras do Governador de São Paulo, Geraldo Alckimn (PSDB): “Uma coisa que já estava quase superada, as disputas entre estados e regiões, voltou. A reforma acendeu uma cizânia que é altamente prejudicial ao país. Tudo isso foi ocasionado pelas coisas que foram agregadas ao texto original” (JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, 02/10/2003a). No início de outubro de 2003, a proposta de reforma tributária chegou ao Senado e foi designado como relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o Senador Romero Jucá. A intenção dos Senadores era a análise dos pontos mais polêmicos do projeto, desde o seu encaminhamento em abril de 2003 à Câmara, pelo Poder Executivo, com o apoio dos estados. O resultado seria a reformulação do texto pelo Senado, com a manutenção apenas da DRU, prorrogação da CPMF, o fundo de compensação aos estados pelas perdas com a desoneração às exportações e a desoneração da cesta básica e de medicamentos. Outra alteração proposta pelos Senadores foi a redução das 44 alíquotas do ICMS para cinco novas faixas, estratégia já acordada entre o Presidente Lula e os governadores na primeira reunião da reforma tributária. Houve vários pronunciamentos de governadores, sociedade civil e Senadores sobre a situação do projeto de reforma, a dificuldade em que se encontravam os estados brasileiros. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), Horácio Lafer Piva, pronunciou-se em seminário realizado na sede da entidade da seguinte forma: “eu tenho muito medo de ver consolidada uma reforma tributária torta e malfocada, que é isso que estamos assistindo, uma perversão fiscalista”. Em sua opinião, os propósitos originais da reforma se perderam e as negociações se transformaram em “uma refrega pela partilha dos impostos, uma obsessão dos políticos” (JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, 02/10/2003b). Na visão do líder do governo no Senado, Senador Amir Lando (PMDB/RO), a proposta de reforma tributária deveria ser revista, buscando-se retirar os “penduricalhos” inseridos pela Câmara dos Deputados, que corromperam o projeto original, criando um constrangimento além de provocarem generalizada discórdia federativa. 149 Diante de tantas críticas, o Senado optou por desmembrar a proposta em duas partes. A definição de cobrança de ICMS, transição da origem para o destino, ficaria para 2007 juntamente com a unificação dos impostos sobre a produção. No caso do ICMS, a legislação seria unificada e as alíquotas se reduziriam de 44 para cinco. O CONFAZ ficaria responsável pela sugestão de produtos e alíquotas e o Senado pela aprovação. Já para os incentivos fiscais concedidos no período da tramitação da reforma na Câmara, estabeleceram-se os seguintes critérios e prazos: a) aqueles concedidos até 30/04/2003 seriam considerados válidos; b) aqueles que se deram entre 1º de maio e 30 de setembro seriam analisados por uma comissão a ser criada. Na tramitação do projeto no Senado ficou evidente a falta de entendimento entre os governadores, o que impediu que, em 29 de outubro de 2003, o relatório do Senador Romero Jucá fosse aprovado. O Quadro 4 traz outras características do processo. Quadro 4 - Síntese do comportamento dos gov. no Senado PEC nº 41 Motivo Acordo sobre a reforma Guerra fiscal Fundo de Desenvolvimento Regional - FDR Ator Governadores não se entendiam entre si e, em alguns casos, com as bancadas de seus próprios estados Governadores do Nordeste contra governadores do Sudeste (especialmente MG e SP) a) Governadores contra a União – forma de repasse b) Governadores entre si – quais estados seriam beneficiados c) Governadores nordestinos reivindicavam os recursos do fundo para aplicação em obras. Caso contrário, não abririam mão de legislar sobre o ICMS e, consequentemente, a guerra fiscal Fonte: Roncaratti (2007). Observa-se que não havia consenso entre os governadores e a discussão do projeto de reforma tributária levantou pontos que comprometiam o alcance do fim da guerra fiscal. Sendo assim, em meados de novembro de 2003 o exsecretário da Receita Federal, Everardo Maciel, declarou que o governo falhou ao tratar em um único projeto a unificação do ICMS e a negociação sobre a partilha de recursos, caso da divisão da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) para os estados. A estratégia política encontrada pelo Senado para a reforma no sistema tributário foi dividi-la em três etapas: a) para 2003, teriam que ser prorrogados a CPMF, a DRU e o Fundo de Compensação aos Estados, pelo fim do ICMS nas exportações, a partilha da CIDE com os governos subnacionais, a redução dos encargos sociais, a nova tributação para micro e pequenas empresas e a 150 prorrogação até dezembro de 2023 dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus; b) para 2005 teria que ser unificada a legislação do ICMS e acabada a guerra fiscal; e c) para 2007 e para o novo governo a tarefa mais difícil consistia em unificar os impostos sobre a produção, ICMS, IPI e ISS, com a criação do IVA. Já o Governo Federal precisava garantir a aprovação das reformas previdenciária e tributária (incluíam-se a prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Verbas da União, que se transformaram na Emenda nº 42 de 19 de dezembro de 2003, e da partilha da CIDE) até o fim de 2003. Apesar de todas as manobras, a proposta não foi aprovada pelo Senado. Outras PECs também foram apresentadas em 2004 pelas lideranças políticas do governo, com o intuito de retomar discussões sobre a reforma tributária, quais sejam PECs nº 255, 284 e 294/2004, mas as mesmas fracassaram ainda na Comissão Especial. Em fevereiro de 2008 o Governo Lula enviou outra proposta ao Parlamento: a PEC nº 233/2008, apensada à PEC nº 31/2007, com o objetivo de acabar com a guerra fiscal e tendo como premissas: alterar o desenho atual do ICMS, do CONFAZ e também o posicionamento da União frente ao desenvolvimento regional (BRASIL, 2008). 4.4.4 A PEC nº 233/2008: a lei complementar do novo ICMS A PEC nº 233/2008 trouxe como solução a transferência da competência legislativa desse imposto para a União e a alteração do princípio de origem para o de destino. Outro ponto atacado pela PEC era a ineficiência do CONFAZ e do Senado Federal na contenção da guerra fiscal, ampliando a competência do CONFAZ e reduzindo a do Senado. E partindo do princípio de que a guerra fiscal é motivada pela falta de recursos para o desenvolvimento regional, a PEC propôs no seu corpo a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) como financiador da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PDNR). O presente trabalho não tem a pretensão de abordar todos os pontos de alteração propostos pela PEC nº 233/2008, mas apenas de citar aqueles relacionados às arenas (CONFAZ e Congresso Nacional) e aos atores (governadores) aqui analisados. 151 Segundo Guerra (2008), a partir do novo Fundo a União passaria a ser indutora do desenvolvimento das regiões mais pobres - incluindo, naturalmente, Norte e Nordeste e, também as do Sul e Sudeste -, e a aplicação dos recursos federais seriam mais abrangentes. Além disso, ela poderia aplicar recursos não só em financiamento do setor produtivo e infraestrutura, mas em qualquer programa necessário à motivação do crescimento econômico e social, a exemplo de treinamento de mão de obra e propaganda. Pela nova proposta, o ICMS seria regulado por lei complementar federal, sendo vedado aos estados adotar normas próprias em relação ao novo tributo, deixando de existir 27 leis distintas. O seu papel seria apenas modificar alíquotas de algumas mercadorias e serviços, conforme os limites e condições estipulados na norma legal. De forma a compensar os estados que mais vendiam do que compravam pelas grandes perdas financeiras no comércio interestadual, seria criado o Fundo de Equalização de Receitas (FER). Em relação às alterações de poder de iniciativa da lei, a PEC nº 233/2008, em seu projeto inicial, pretendia incluí-las na Constituição, parágrafo terceiro ao artigo 61, que integra a Seção VIII – Do Processo Legislativo, cuja redação era: 3º - A iniciativa da lei complementar de que trata o art. 155-A cabe exclusivamente: I- a um terço dos membros do Senado Federal, desde que haja representantes de todas as regiões do Brasil; II- a um terço dos governadores de Estado e Distrito Federal ou das Assembleias Legislativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, desde que estejam representadas, em ambos os casos, todas as regiões; III- ao Presidente da República. Verificou-se que o poder de iniciativa do Presidente era bem mais flexível, em função da dificuldade no cumprimento das exigências dos incisos I e II pelos outros atores, o que requer muita negociação. Essa questão gerou debates na CCJ da Câmara dos Deputados, que alterou o texto desse item da PEC nº 233/2008 (BRASIL, 2008). De acordo com o novo texto aprovado, a discussão e votação dos projetos de lei complementar que tratem do novo ICMS deveriam ser iniciadas no Senado Federal e a iniciativa para representação dos projetos de lei complementar seria, exclusivamente, de qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional. 152 Em relação à competência legislativa, o novo projeto atribuiu-a à União. E a regulamentação e gestão se dariam por meio de órgãos colegiados compostos de representantes da União e dos estados federados. Nesse sentido, os estados perderam quase que totalmente o poder de legislar em relação a aspectos centrais do tributo - alíquota, fato gerador, base de cálculo (GUERRA, 2008). Questões como a polêmica da quebra do pacto federativo foram levantadas, principalmente porque a autonomia dos entes subnacionais é fundamental para caracterizar a federação e esta deve encontrar-se assegurada e limitada pela Constituição. Alguns juristas, mesmo antes da apresentação da PEC nº 233/2008, já advogavam a favor da transferência de competência do ICMS para a União. Caso de Coelho (2002, p. 330), quando afirma: O ICM [antecessor do ICMS], por ser na genealogia dos IVAs, um imposto nacional que difunde os seus efeitos pelo território inteiro do país, em razão, principalmente, do seu caráter não cumulativo, viu-se – o imposto deveria ser da União – na contingência de ser retalhado em termos de competência impositiva entre os diversos estados-membros da Federação, o que antecipou sérias dificuldades no manejo do gravame que deveria ter “perfil nacional” uniforme. A própria Constituição Federal, de forma a garantir a autonomia financeira dos entes federados, o fez por meio dos seguintes instrumentos: a) distribuição de competências privativas para os entes federados instituírem e cobrarem seus próprios tributos; e b) instituição da repartição de produtos de arrecadação, via participação na arrecadação de determinado tributo e pela participação em fundos (GAMA, 2004). Sendo assim, se fossem assegurados aos estados-membros os recursos financeiros necessários e adequados para o desempenho de suas atribuições constitucionais, essa autonomia seria alcançada (HARADA, 2000). Em relação à constitucionalidade da competência legislativa do novo ICMS, ficou definido que o Supremo Tribunal Federal, caso fosse instalado, seria o órgão legítimo para julgá-la. E no Congresso Nacional prevaleceu a tese da constitucionalidade da PEC, tendo sido o substitutivo da matéria apresentado pelo Deputado Leonardo Piccini, aprovado em 2/4/2008 e considerado constitucional pela CCJ da Câmara dos Deputados (GUERRA, 2008). De forma a equacionar as perdas sofridas pelos estados com o novo ICMS, foi proposta a criação do FER, que seria implementado em três etapas, tendo 153 como referência o ano de promulgação da Emenda Constitucional da Reforma Tributária: a) a partir do segundo ano de promulgação da emenda constitucional até edição da lei complementar que regulamentaria o FER; b) da vigência da lei complementar até o oitavo ano da promulgação da emenda; e c) do nono ao 15o ano da promulgação da emenda. No primeiro período, segundo o art. 13 da PEC, ficariam revogados a partir de 1o de janeiro do segundo ano subsequente ao da promulgação da emenda: a) o artigo 91 do ADCT – que trata da compensação do Governo Federal aos estados e DF pelas perdas relativas à Lei Complementar nº 87 de 1996 (Lei Kandir); e b) o inciso II do artigo 159 da Constituição Federal, que trata dos repasses da União aos estados e DF do Fundo de Compensação das Exportações. A proposta do Governo era de que os recursos da Lei Kandir e do Fundo de Exportação passassem a compor o FER. Os estados teriam que abrir mão de receber aqueles recursos em troca deste. Sendo assim, os valores a serem recebidos pelo FER deveriam ser superiores ou mesmo iguais à soma da Lei Kandir e do Fundo de Exportação. De acordo com cálculos preliminares efetuados por Guerra (2008) o FER distribuiria valores inferiores à soma de recursos distribuídos pela Lei Kandir e pelo Fundo de Exportação, havendo prejuízo para os estados. Outro aspecto importante é que apenas após a edição da lei complementar é que o FER teria como objetivo compensar os estados por perdas decorrentes da reforma. No segundo período, de acordo com o art. 5º da PEC, previu-se a repartição dos recursos do FER em duas etapas, sendo que os estados seriam compensados pelas perdas da reforma; e na última os recursos continuariam a ser repartidos proporcionalmente entre às exportações. Segundo Guerra (2008), essa medida reduziria o repasse para os estados e o DF: Com o passar do tempo, o FER destinará cada vez menos recursos para compensar a desoneração das exportações, até que a totalidade do Fundo de Equalização de Receitas seja utilizado somente para compensação aos estados pelas perdas decorrentes da reforma (GUERRA, 2008, p. 34). O mesmo autor afirma que os estados acabariam por pressionar Deputados e Senadores no Congresso Nacional para aumentar os recursos do 154 Fundo, uma vez que os valores propostos para compô-lo seriam insuficientes para equalizar as perdas. Além disso, na redação do artigo não estava clara a cobertura das perdas dos estados, apenas a garantia de que eles não perderiam os valores que atualmente já lhes pertenciam. Guerra acredita que a exigência de lei complementar tanto para a primeira parte quanto para esta seria mais uma estratégia do Governo Federal para forçar o Congresso a regulamentar rapidamente o FER, tendo em vista que essa garantia só valeria se a lei complementar já estivesse em vigência. Por fim, no terceiro período, conforme o art. 5º, §4º, da PEC nº 233/2008, os estados e o DF não receberiam transferências do FER em montante inferior ao recebido no oitavo ano. Porém, para que isso pudesse ocorrer era necessário que a lei complementar estivesse em vigor, porque era pré-requisito para que os recursos do FER pudessem ser utilizados para equalizar as perdas dos estados. Outra condição imposta pela PEC para que os estados pudessem receber recursos do FER encontra-se determinada no art. 5º, §5º: Não terão direito aos recursos do Fundo de Equalização de Receitas o Distrito Federal e os estados que não implementarem as medidas decorrentes do cumprimento no disposto do artigo 37, XXII, da Constituição, concernentes à emissão eletrônica de documentos fiscais, à escrituração fiscal e contábil, por via de sistema público de escrituração digital, nos prazos definidos na lei complementar que definirá fonte e montante adicional de recursos a serem destinados ao Fundo de Equalização de Receitas. Dessa forma, a implantação da nota fiscal eletrônica (NF-e) e do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) representaram pontos essenciais para que a reforma tributária pudesse obter o sucesso desejado, notadamente quanto à tributação no destino do ICMS. Tais instrumentos permitem a mensuração dos prejuízos causados pela reforma às finanças estaduais, haja vista que no ano subsequente ao da aprovação da PEC devem se iniciar os ajustes das alíquotas interestaduais e já pode ser adotada a tributação do destino. A PEC determinou a criação de um órgão colegiado similar ao CONFAZ, com a presidência exercida por representante da União, sem direito a voto, e composto por um representante de cada estado e do Distrito Federal, a quem competiria tratar matérias relacionadas ao novo ICMS, quais sejam: a) editá-lo e regulamentá-lo; b) autorizar a transação e a concessão de anistia, remissão e 155 moratória; c) estabelecer critérios para a concessão de parcelamento de débitos fiscais; d) fixar as normas e os prazos de recolhimento de imposto; e) estabelecer critérios e procedimentos de controle e fiscalização extraterritorial; f) outras atribuições estabelecidas em lei complementar; e g) participar do enquadramento de mercadorias e serviços às alíquotas (GUERRA, 2008, p. 41). Quanto ao último item, a PEC exigiu que fossem submetidos aos seguintes procedimentos: primeiro, que o Senado definisse quais seriam as alíquotas aplicáveis (já que elas seriam uniformes em todo o território nacional); depois, que o Novo CONFAZ propusesse o enquadramento dos bens e serviços nas diversas alíquotas estabelecidas pelo Senado; por derradeiro, que o Senado teria que aprovar ou rejeitar a proposta daquele órgão. O Quadro 5 sintetiza as diferenças entre o modelo proposto pela PEC e o modelo vigente à época. Quadro 5 - Comparação dos modelos do CONFAZ Modelo Vigente - Status infraconstitucional ( LC – 24/75) - Apenas regula as isenções e outros benefícios fiscais relacionados ao ICMS (LC 24/75, art. 1º) - As isenções podem valer para uma ou algumas unidades da federação (art. 3º) - O representante da União tem direito a voto (regimento interno do CONFAZ, art. 30) - A concessão de benefícios depende de decisão unânime dos estados representados (art. 2º, §2º) Modelo Proposto Diferenças - Status constitucional (art. 155-A) - Regulará as isenções ou quaisquer outros benefícios fiscais no Novo ICMS (art. 155-A, §4º, I) e também; - regulamentará o ICMS; - proporá o enquadramento de mercadorias e serviços a alíquotas do imposto, previamente estabelecidas pelo Senado. Além disso, poderá reduzir e restabelecer alíquotas aplicáveis a determinada mercadoria ou serviço (art. 155-A, §2º,II e III); - estabelecerá critérios e procedimentos de controle e fiscalização extraterritorial; - terá outras atribuições definidas em lei complementar (art. 155-A, §7º,VI) - As isenções ou quaisquer benefícios deverão ser uniformes em todo o território nacional (art. 155-A, §4º, I). - O representante da União não tem direito a voto (art. 155-A, §7º). - O regime de aprovação das matérias será definido em lei complementar (art. 155-A, §6º, X). Semelhanças - Autoriza a transação e a concessão de anistia, remissão e moratória e estabelece critérios para a concessão de parcelamento de débitos fiscais, além de estabelecer as normas e os prazos de recolhimento de imposto (LC 24/75, art. 10 e PEC art. 155-A, §7º, II, III e IV). - Órgão colegiado formado por representante dos estados/DF e presidido por representante da União (LC 24/75, art. 2º) e (PEC art. 155-A, §7º) - Regula a concessão de isenções e benefícios fiscais (LC 24/75, art. 1º e PEC art. 155-A, §4º) Fonte: Guerra (2008). 156 Uma outra tarefa também atribuída ao Novo CONFAZ era reduzir e restabelecer alíquota aplicável a determinada mercadoria ou serviço, o que demonstra mudança bem como ampliação da atuação vigente à época do CONFAZ. O novo modelo do CONFAZ teria suas competências ampliadas, o que implicou a redução das atribuições do Senado Federal, que deixou de ser o responsável pelo estabelecimento das alíquotas interestaduais do ICMS, além das alíquotas mínimas e máximas para operações internas dos estados, conforme artigo 155 da Constituinte. O novo papel do Senado Federal com a aprovação da PEC seria aprovar ou rejeitar a proposta do Novo CONFAZ quanto ao enquadramento de produtos e serviços às alíquotas previamente estabelecidas. Segundo Guerra (2008), a reforma foi uma reação ao comportamento tímido da Câmara Alta nos últimos anos nas questões envolvendo guerra fiscal e o comportamento do Governo Federal no desenvolvimento regional. E o fortalecimento do CONFAZ tem por objetivo ocupar o vazio deixado pelo Senado, atuando com mais agilidade e rigor técnico. Deve-se levar em conta que a própria representação do CONFAZ constrange a participação popular e corre-se o risco de o Novo Conselho administrar sozinho, sem interferências, a aplicação de alíquotas a determinado produto/serviço, em função da prerrogativa que teria o Novo CONFAZ de reduzir e restabelecer alíquotas, mesmo dentro do teto estabelecido pelo Senado. Diante das dúvidas sobre os efeitos positivos do projeto, o Poder Executivo procurou esclarecer a importância da atuação conjunta do Novo Conselho e do Senado Federal e que o novo modelo permitirá que se tenha um mecanismo de pesos e contrapesos entre a preocupação do CONFAZ com preservação da receita e a preocupação do Senado em evitar o aumento da carga tributária (BRASIL, 2008). A PEC foi aprovada pela Comissão Especial em novembro de 2008, após ter sofrido pequenas alterações durante o exame de admissibilidade na CCJ da Câmara, que introduziu diversas mudanças pontuais, mas controvertidas (MACIEL, 2009)58. A falta de consenso entre os interessados impediu a votação 58 Algumas das alterações foram: aumento dos royalties cobrados pelos estados sobre exploração de minério; convalidação de incentivos fiscais portuários até 2021, beneficiando, além das 157 da PEC pelo plenário da Câmara dos Deputados. Bernard Appy, formulador e principal policy advocate da proposta, noticiou que “oposição à reforma não é técnica, mas política” (JORNAL O ESTAO DE SÃO PAULO, 2008). Segundo Appy, à época, o entrave era mais político do que federativo e a oposição questionava todas as questões da reforma, mesmo as já pacificadas. “Acho que não é uma questão técnica sair criticando de forma generalizada. Para mim, isso é usar uma metralhadora giratória, batendo em todos os pontos de forma indiscriminada” (APPY, 2008a). Afirmou também que existia apoio político para aprovação do projeto da parte de um número importante de estados e que a oposição estaria fazendo pressão para votar o projeto em 2009, mas o governo ainda insistia em votá-lo em 2008 (APPY, 2008b). Os partidos de oposição – PSDB e PFL – recusaram-se a votar o projeto, reivindicando o adiamento para março de 2009 (MACIEL, 2009)59. Em dezembro a proposta estava oficialmente adiada para o exercício seguinte e as chances de a proposta ser aprovada também diminuíram, quando Appy abandonou o Governo em agosto de 2009. A PEC ainda aguarda votação no plenário da Câmara dos Deputados há quase seis anos. Aliado a isso, o agravamento da crise financeira mundial no final de 2008, impactando na redução da arrecadação tributária nos primeiros meses de 2009, colaborou para que a reforma tributária fosse de novo adiada, desta vez para o próximo mandato presidencial que se iniciou em 2011. Entretanto, a estratégia adotada pelo Governo seria tentar emplacar uma reforma fatiada, contrapondo-se à estratégia ampliada de reforma do governo anterior, o que pode ser confirmado nas palavras de Vescovi, Hartung e Ferraço (2013, p. 1): O governo federal, no início da gestão Dilma Rousseff, inseriu a questão tributária na sua agenda de reformas, com a adoção de uma nova estratégia: a reforma seria fatiada, na tentativa de transpor os obstáculos do Congresso para a aprovação da matéria. Segundo o governo, iniciativas anteriores foram frustradas por conta do cruzamento simultâneo de interesses distintos. empresas envolvidas, especialmente, o estado do Espírito Santo; e isenção de gêneros alimentícios de primeira necessidade. 59Para mais detalhes, ver: “Oposição à reforma não é técnica, mas política”, diz Appy (Notícia divulgada no site do jornal O Estado de São Paulo, 27/11/08) e “A oposição e a reforma tributária” (artigo escrito pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini, e pelo líder do PT na Câmara dos Deputados, Deputado Maurício Rands e divulgado no Jornal Folha de São Paulo, 30/11/08). 158 Resta saber o que explica a não aprovação da reforma tributária do ICMS. Segundo Junqueira (2011, p. 2), “as propostas de reforma tributária sofrem de crônica paralisia decisória”. O Presidente Lula fez um balanço de seus oito anos de mandato e declarou à revista IstoÉ: IstoÉ: Nestes oito anos o senhor se arrepende de algo que não fez? Lula: Talvez nesses cinco meses de reflexão que eu pedi para vocês [depois do mandato], vá surgir muita coisa. Eu fiz uma proposta de política tributária que todo mundo dizia que precisava. Fiz uma em consenso com os governadores, com todos os empresários, com todos os dirigentes sindicais, com todos os líderes partidários e ela não foi aprovada. Mandei para o Congresso Nacional e não foi votada. Então tem um desgraçado de um inimigo oculto que está trancado em algum armário e não permite que se vote a reforma tributária 60 (REVISTA ISTO É, 06/08/2010). Junqueira (2011) investiga em seu trabalho as razões do recorrente fracasso das reformas tributárias no Brasil e procura desmitificar o inimigo oculto citado por Lula, afirmando que ele não é oculto, mas apenas difícil de entender. O autor defende que a resposta para o dilema tributário não está na estrutura política, e sim na estratégia dos governos - algo que será explorado mais à frente. Resta saber também se a nova estratégia de fatiar a reforma seria capaz de desnudar esse inimigo e ser aprovada. 4.4.5 A nova estratégia de reforma: o “esquartejamento” da proposta Antes do início da gestão, no final de 2010 e durante o processo de transição de governos, foi apresentado um Projeto de Resolução do Senado (PRS) nº 72, de 2010, que tinha por objetivo uniformizar a alíquota interestadual do ICMS nas operações de importação, retirando, assim, a brecha para concessão de incentivos. O mecanismo de concessão de incentivos fiscais estaduais sobre o ICMS na importação foi intitulado, à época, como “Guerra dos Portos”. Essa matéria tramitou no Senado a partir de 2011 e foi aprovada em 2012 (com 52 votos a favor, 12 contra, três abstenções), resultando na Resolução 60 Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/93621_NINGUEM+VAI+DESTRUIR+MINHA +RELACAO+COM+A+SOCIEDADE+PARTE+2 159 do Senado Federal nº 13/2012. Em seguida, foi proposta ADIN contra a referida resolução, perante o STF61. Ao mesmo tempo se processavam no CONFAZ discussões sobre a necessidade de reforma do ICMS, cujo principal objetivo era a eliminação de concessão de benefícios fiscais nas operações interestaduais, uniformizando as alíquotas interestaduais em 4%, com a cobrança do imposto no destino. Como medidas de compensação das perdas a serem sofridas pelos estados e pela eliminação dos incentivos fiscais, o Governo Federal ofereceu a transferência de recursos financeiros da União e a constituição de FDR, com gestão compartilhada entre estados e Governo Federal. De forma a seduzir os estados a concordarem com os propósitos do projeto, o Governo Federal levantou a possibilidade de alterar o indexador da dívida dos estados, advinda dos contratos firmados com a União entre 1997 e 1998. Outra arena importante nesse processo foi o STF, que em junho de 2011 considerou inconstitucionais 23 formas de incentivos fiscais concedidos sobre o ICMS, por descumprimento aos arts. 150, § 6º; 152; 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da Constituição Federal, remetendo as concessões de tais benefícios à aprovação unânime do CONFAZ. Segundo Vescovi, Hartung e Ferraço (2013), em abril de 2012 o Tribunal levou para audiência pública sua intenção de editar a súmula vinculante nº 69, com o seguinte preceito: Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional (VESCOVI; HARTUNG; FERRAÇO, 2013, p. 2-3). Diante do questionamento do STF e das promessas da União de recomposição das perdas, o CONFAZ conseguiu conciliar uma proposta sobre o conteúdo da reforma do ICMS. Em dezembro de 2012 foi encaminhada proposta ao Congresso Nacional, por meio da MP nº 599, de 27 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a prestação de auxílio financeiro pela União aos estados, ao Distrito 61 Os argumentos da arguição de constitucionalidade podem ser encontrados no voto do relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, Senador Ricardo Ferraço. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/104642.pdf. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4858) foi ajuizada pela Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Espírito Santo. 160 Federal e aos municípios, com o objetivo de compensar perdas de arrecadação decorrentes da redução das alíquotas nas operações e prestações interestaduais relativas ao ICMS. E institui o FDR e dá outras providências62. No início do exercício de 2013 o Governo Federal apresentou um projeto de Lei Complementar (PLP nº 238, de 2013) que, entre outras questões, dispunha sobre critérios de indexação dos contratos de refinanciamento da dívida celebrados entre a União, estados e municípios. Em seguida, estabeleceu um Projeto de Resolução do Senado (PRS nº 001, de 2013), que visava estabelecer alíquotas do ICMS nas operações e prestações interestaduais. Paralelamente a isso, tramitava no CONFAZ uma minuta de convênio para dar completude à reforma. Esses instrumentos tinham papéis distintos e, conforme Vescovi, Hartung e Ferraço (2013), “perfaziam um todo indivisível” com tramitação simultânea, restando somente ao PRS nº 001 a tramitação restrita ao Senado. Como a medida provisória tem um rito processual previsto para 45 dias e é apenas permitida uma prorrogação de 45 dias, sendo vedada a reedição dentro do mesmo exercício em que a MP foi rejeitada ou tenha perdido a eficácia, a discussão teve um rito diferenciado e prioritário. Para surpresa de todos, após 90 dias de tramitação a proposta foi abandonada pelo Governo Federal, materializada com a extinção do prazo da MP sem a apresentação do Relatório da Comissão Especial e com a retirada do Congresso do PLP nº 238, que tratava da troca do indexador das dívidas estaduais (VESCOVI; HARTUNG; FERRAÇO, 2013). Ressalta-se que a proposta de reforma do ICMS apresentava precondições favoráveis à sua aprovação, com destaque para a inconstitucionalidade das leis estaduais de concessão de incentivos fiscais declaradas pelo STF, o que resultou na Súmula Vinculante nº 69. A proposta tinha sua origem na Secretaria de Fazenda de São Paulo, principal perdedor com a adoção do ICMS no destino, e a construção de um acordo e convalidação dentro do CONFAZ, sob a coordenação do Ministério da Fazenda. Outros aspectos importantes somavam-se aos relatados, como: a) a disposição do Governo Federal em compensar as perdas dos estados; b) a 62 Para mais informações sobre a MP, disponível em: www2.camara.leg.br/documentos-epesquisa/.../2012/nota descritiva sobre a MP 599/2012. 161 facilidade da aprovação da Resolução nº 13, de 2012; c) o apoio dos empresários que entediam ser a mudança do ICMS 70% da reforma tributária necessária para o Brasil; d) algum respaldo na proposta apresentada pela “Comissão de Notáveis” constituída pelo presidente do Senado, José Sarney, para discutir o federalismo fiscal63 ; e) amplo apoio à estratégia de fatiar a reforma tributária; e f) o impacto da crise internacional sobre a indústria (VESCOVI; HARTUNG; FERRAÇO, 2013). Então, o que aconteceu para que essa reforma não chegasse ao fim desejado, passando, a priori, a seguir o mesmo caminho das reformas anteriores, mesmo as não fatiadas? Alguns autores afirmam que houve acúmulo de iniciativas, dispersas e não coordenadas no Congresso, a exemplo das discussões dos novos coeficientes do FPE, tema que será discutido mais adiante - a questão dos royalties, o ICMS na importação e no comércio eletrônico. Essas iniciativas dividiam os estados em função dos interesses e perdas distintas que cada um poderia sofrer com as novas alterações e, em vez de consenso entre os interessados, promoveu um acirramento das questões federativas. Para Afonso e Varsano (2004), as distorções tributárias vigentes beneficiariam vários atores com poder de barganha considerável no processo político, o que contribuiria para a rejeição das propostas debatidas. Segundo os autores, os debates de reforma tributária no Brasil geralmente são motivados por fatores econômicos, mas isso invariavelmente acaba virando uma disputa federativa, focando as discussões na forma de dividir a receita tributária. Por fim, os mesmos autores afirmam que se trata de um processo difícil de conciliação de interesses e que a reforma tributária é tida como uma das mais difíceis, se não a mais difícil, das reformas estruturais tão reclamadas no Brasil, objeto de inúmeros e variados projetos, mas sempre fracassou (AFONSO; VARSANO, 2004). Vescovi, Hartung e Ferraço (2013) referem que há consenso no Congresso Nacional sobre a importância e urgência de se promover melhorias no modelo de ICMS. O Congresso mostrou-se sensível à questão do desenvolvimento regional e não aceitou por mais de uma vez que mudanças tributárias negligenciassem a Em 2012, o então Presidente do Senado, José Sarney, reuniu uma “comissão de notáveis” com 14 membros para construir propostas para uma revisão ampla do Pacto Federativo no Brasil. A iniciativa foi uma resposta ao congestionamento de matérias sobre o assunto – federalismo – tratadas de forma dispersa nas duas Casas legislativas. O Relatório está disponível em: http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/10/veja-o-relatorio-da-comissao-deespecialistas- 1. 63 162 autonomia dos estados e enfraquecessem a Federação. Segundo o autor, as tramitações começam a emperrar quando levam à concentração de poderes no Governo Federal e à perda de autonomia federativa dos estados. Resta saber como no CONFAZ as coisas se processam, o que será tratado a seguir. 4.5 O que não deu certo com o CONFAZ? É necessário avaliar o alcance da atuação do CONFAZ no contexto da guerra fiscal, para que o sistema tributário nacional não sofra de males mais severos. O Conselho tem a missão de promover o aperfeiçoamento do federalismo fiscal e a harmonização tributária entre os estados da Federação. A atuação do Conselho após sua criação em 1975 exerceu impacto sobre a política de incentivos dos estados, com a restrição da autonomia das unidades subnacionais, uma vez que os benefícios fiscais não podiam ser utilizados como instrumento de política de desenvolvimento regional sem sua aprovação. Além disso, os instrumentos fiscais utilizados deveriam estar subordinados explicitamente às regras e exigências da nova lei. Segundo Cavalcanti e Prado (1998, p. 82), de 1975 em diante e parte significativa dos anos 80 foram caracterizados menos pelos conflitos e mais pelo esforço dos estados em recompor suas receitas tributárias, sobretudo pelos cortes das desonerações estabelecidos no âmbito do CONFAZ. Os autores acreditam que os estados se subordinaram às regras e exigências legais do CONFAZ num curto prazo que se sucedeu logo após sua criação. Alves (2001) concorda que, de fato, a diminuição dos conflitos fiscais no período pós-75 deveuse, em grande medida, ao baixo dinamismo da economia brasileira (ALVES, 2001, p. 26). A disciplina exercida pelo Governo Federal na coordenação do CONFAZ foi se reduzindo ao longo da década de 1980 e a partir dos anos 1990 o CONFAZ perdeu efetivamente sua função de harmonização do imposto. Alguns autores consideram que na década de 1980 houve o esfriamento da guerra fiscal, entretanto, Alves (2001, p. 12) chama a atenção para que a análise de programas estaduais de desenvolvimento nesse período não parece indicar a estagnação dos conflitos, mas um momento de intensa atividade e criatividade dos governos estaduais na elaboração de programas de incentivo. E reporta que 163 a causa da reduzida notoriedade da guerra fiscal nos anos 80 foi a ausência de grandes investimentos produtivos, dadas as circunstâncias econômicas do país. A Constituição de 1988 e a materialização da descentralização de recursos e de poder iniciado no final dos anos 1970 resultaram na ampliação da autonomia financeira dos governos subnacionais e no enfraquecimento da capacidade do Governo Federal em resolver conflitos federativos (sobretudo do ponto de vista tributário), impactando sua autoridade e a legitimidade do CONFAZ. Suas regras passaram a ser simplesmente ignoradas e o Conselho não conseguia deliberar senão após inúmeras e exaustivas reuniões (CAVALCANTI; PRADO, 1998, p. 86). A Constituição de 1988 consolidou simultaneamente uma situação de desequilíbrio do setor público, concentrando a insuficiência de recursos no Governo Federal e não prevendo meios legais e financeiros para que houvesse um processo ordenado de distribuição de encargos (GREMAUD, 1999; OLIVEIRA, 1995; VARSANO, 1996; VARSANO; MORA, 2001). A disputa fiscal foi intensificada pelo significativo aumento da participação de estados e municípios na arrecadação tributária da União, por meio do aumento dos coeficientes dos fundos de participação (AFFONSO, 1995; NATAL, 1994; PIANCASTELLI; PEROBELLI, 1996; VARSANO, 1996). O Conselho não foi eficaz na tentativa de diminuir o desequilíbrio federativo decorrente das políticas fiscais, conforme pode ser confirmado a seguir: A superação desses impasses e dos momentos de crise mais aguda não significou, porém, a consolidação de um novo pacto federativo, O que se observa com nitidez é a ausência de mecanismos cooperativos mais eficazes, quer entre União e estados, quer nas relações entre estes. Tem sido utilizada a expressão “federalismo predatório” para caracterizar a situação reinante, marcada pelo perpétuo conflito em torno dos recursos a serem distribuídos a cada esfera e também pela guerra fiscal entre os estados, ansiosos por atrair novos investimentos através de mecanismos de renúncia tributária, principalmente isenções da cobrança do ICM. A ineficácia do CONFAZ (Conselho de Política Fazendária) que seria, em tese, o órgão harmonizador dos estados entre si, é notória (KUGELMAS; SOLA, 2000, p. 41). O uso da criatividade pelos estados, na concessão de benefícios, visando burlar as determinações do CONFAZ, foi intensificado ao transformar o incentivo fiscal em incentivo financeiro, especialmente com operações de deferimento do 164 pagamento do ICMS e operações triangulares, que se generalizaram nos anos 1990 (ALVES, 2001, p. 15). Os governos subnacionais assumiram a liderança na alocação do investimento público e passaram a coordenar as políticas de desenvolvimento regional, que antes eram coordenadas e tinham como agente ativo o Governo Federal. Segundo Gambi (2013, p. 37): A ação descoordenada dos governos estaduais, sem critérios explícitos para a atração de investimentos nem organização em nível federal, fortaleceu alianças políticas locais, favorecendo o surgimento de decisões pautadas por uma perspectiva de tipo “isolacionista” no âmbito da federação. A ausência de uma política nacional de desenvolvimento regional estruturada e coordenada pelo Governo Federal abriu espaço para que cada estado montasse seu próprio programa de atração de investimentos utilizando como premissa a concessão de benefícios fiscais e financeiros (VIOL, 2000, p. 25). No contexto brasileiro de esgarçamento do poder coercitivo do Governo Federal e fragilização do CONFAZ (CAVALCANTI; PRADO, 1998, p. 84), tornouse frequentes a partir de 1994 verdadeiros “leilões” de oferta de benefícios entre os estados brasileiros, estimulados principalmente pelos investimentos estrangeiros no setor automobilístico. A União perdeu o poder de influência no CONFAZ e a guerra fiscal passou a ser uma estratégia adotada pelos governos subnacionais para suprir a ausência de uma política de desenvolvimento regional de caráter nacional. Esse processo tem sua origem no caráter agressivo e nas ofertas sem limites dos governos estaduais, num conflito comandado pelos governadores e altos executivos das empresas do setor (CAVALCANTI; PRADO, 1998, p. 89). A alternativa encontrada pelos estados para atração de investimentos não reflete necessariamente uma política de desenvolvimento estadual, conforme pode ser confirmado pelas palavras de alguns especialistas: Nitidamente, as disputas fiscais generalizadas fazem com que os estados não definam políticas de investimento explícitas, nem prioridades setoriais compatíveis com as vantagens comparativas locais. Com raras exceções, os benefícios fiscais e creditícios para investimentos são concedidos indistintamente a todos os setores (PIANCASTELLI; PEROBELLI, 1996, p. 26). 165 Os estados concedem esses incentivos de forma unilateral e sem a aprovação prévia do CONFAZ, com o objetivo de estimular a geração de empregos imediatos. Em alguns casos prevalece o interesse populista do governante local, em detrimento de aspectos importantes de uma política regional sustentável de investimentos que demanda conhecimentos específicos regionais e as delimitações precisas do espaço a ser abordado (PEROBELLI; HADAD; DOMINGUES, 2006). Segundo Pacobahyba (2011), podem-se identificar duas grandes omissões do CONFAZ. Primeiro, a prática dos estados brasileiros de negociar vantagens para instalação de grandes empreendimentos, tais como a concessão de isenções, reduções de base de cálculo, entre outros benefícios fiscais noticiados quase que diuturnamente pela imprensa nacional sem a manifestação das outras unidades da Federação. A autora exemplifica com o caso de uma montadora multinacional de automóveis que decide abrir uma nova fábrica no Brasil, iniciando um processo de verdadeira barganha junto aos estados a fim de alcançar o máximo benefício possível para sua instalação. Seja de forma explícita ou implícita, as unidades federadas competem entre si buscando atrair o empreendedor. Nesse jogo a tendência é vencer o estado que, além de possuir arrecadação relevante de ICMS, pode oferecer mais benefícios. A ideia é que a parte do imposto dispensada pelo estado não lhe fará falta, permitindo manter plenamente em funcionamento a máquina pública. Os estados alimentam a esperança de que os benefícios pela instalação da nova empresa superarão a perda e irão contribuir para aumentar sua arrecadação, gerar mais emprego e renda, além do surgimento de novas fontes de consumo e da distribuição da produção por todo o país. Já aqueles estados com menos poder arrecadatório ficam mais limitados para oferecer tais benefícios, haja vista a possibilidade da falta de receita para aplicação em políticas públicas essenciais ao seu funcionamento, o que agrava os níveis de desigualdade regional existente no país. A segunda omissão do CONFAZ está relacionada ao fato de que o Conselho aprova os convênios anteriormente referenciados, concedendo benefícios tributários para a circulação de algumas mercadorias. Entretanto, em contraposição à legalidade tributária, esses acordos são internalizados pelos estados por manifestação unilateral dos Chefes do Poder Executivo ou mesmo 166 tacitamente, pelo transcurso de prazo, o que é explicitado pelo art. 4° da Lei Complementar nº 24/75 (PACOBAHYBA, 2011). O procedimento afronta diretamente o § 6° do art. 150 da CF/8864, o qual prevê que qualquer benefício fiscal só pode ser concedido mediante lei específica. Na realidade, há pelo menos duas linhas que interpretam se a ratificação dos convênios, firmados no âmbito do CONFAZ, se dá por lei específica ou por decreto executivo: Segundo Celso Ribeiro Bastos, há uma corrente dos que defendem a tese de que seria o convênio o instrumento adequado, necessário e suficiente à concessão de isenção de ICMS, independentemente de aprovação legislativa ulterior (é o sistema que tem sido praticado pelos estados-membros, com a só exceção do Rio Grande do Sul). E uma outra corrente agasalha a tese de que o convênio, para gerar os seus efeitos, dependerá de ratificação posterior pelas Assembleias Legislativas Estaduais (CARVALHO, 2006, p. 215). A segunda corrente é a mais transparente e atende melhor aos interesses da sociedade, pois os representantes do povo poderão discutir o alcance das propostas nas casas legislativas. Alguns doutrinadores já concordam com esse entendimento, a exemplo de Geraldo Ataliba, Roque Carrazza e Sacha Calmon Navarro Coelho (SARAIVA FILHO, 2010, p. 51). Outro aspecto importante é a exigência da unanimidade nas decisões do CONFAZ, prevista a partir da promulgação da Lei Complementar nº 24 de 1975, em plena ditadura, pois essa modalidade de decisão prejudica a adoção do princípio democrático consagrado na nova Constituinte e também impede de afirmar sobre a existência de democracia no âmbito do CONFAZ, já que as deliberações tomadas no Conselho desconsideram a vontade da maioria. Nesse sentido, sugere-se que essa exigência necessita ser reavaliada, pois tem contribuído para a reforma não sair do papel. Sano (2008) exemplifica mencionando o relato feito por Eduardo Guardia65 de que o consenso em torno do “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2°, XII, ‘g’.” [BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc03.htm. Acesso em: 2 nov. 2014, 65 Entrevista concedida em 10 de agosto de 2008. Eduardo Guardia foi Secretário de Fazenda do Estado de São Paulo de janeiro/2003 a dezembro/2005. De maio a dezembro de 2002 exerceu a função de Secretário do Tesouro Nacional. Antes ocupou as funções de Secretário-Adjunto do 64 167 ICMS foi quase alcançado durante sua gestão à frente da pasta fazendária paulista: Estávamos tentando formular uma resolução do CONFAZ que disciplinasse a questão dos incentivos fiscais. Ou seja, o tratamento que seria dado aos incentivos fiscais do passado, uma regra de transição e uma regra para o futuro. Discutimos muito e chegamos à conclusão que aceitaríamos uma regra de transição para os incentivos industriais, seríamos menos condescendentes com os incentivos comerciais, e outras questões ficaram de fora porque eram difíceis de enfrentar, como a questão dos portos, principalmente no Espírito Santo. Então estávamos tentando endereçar alguns pontos da guerra fiscal e discutimos uma resolução entre nós e numa reunião extraordinária do CONFAZ em São Paulo, um estado acabou votando contra. Votou contra e pronto, foi uma ducha de água fria, nós quase chegamos lá. Esse é um outro problema, no CONFAZ você é contra e se não quiser falar você não fala: “eu tenho o direito de votar contra e é esse o meu voto. Foi uma pena, nós quase chegamos lá” (SANO, 2008, p. 102). O que pode ser observado no relato de Guardia é que a exigência da unanimidade quando da discussão de uma resolução do CONFAZ que disciplinasse a questão dos incentivos fiscais impediu a realização da plena democracia. Isso porque apenas um único estado com seu voto contra passou a impedir a mudança de vontade dos demais, que além de contrariar a vontade da maioria nas negociações, desconsiderou todo um trabalho de convencimento e consenso obtido após inúmeros debates e discussões sobre o tema. As palavras de Kaufmann (2013, p. 16) corroboram essa idéia: “a prevalecer o requisito da unanimidade nas deliberações do CONFAZ, subverterse-á a ideia majoritária pelo reconhecimento da ditadura da minoria, quando a vontade de um único membro passa a ter supremacia em relação às demais vontades reunidas, de modo totalmente incompatível e inconciliável com o princípio democrático”. A autora também menciona Rousseau, um dos maiores filósofos da democracia, que nunca exigiu a unanimidade para reconhecer a vontade majoritária. Da mesma forma é a opinião de Hans Kelsen (1993), em clássico estudo escrito sobre o tema: Tesouro Nacional, Assessor Especial do Ministro da Fazenda, Secretário-Adjunto da Secretaria de Política Econômica e Assessor do Ministro do Planejamento; no Governo do Estado de São Paulo, assumiu as funções de Chefe da Assessoria Econômica do Secretário-Adjunto da Secretaria da Fazenda, Assessor do Secretário do Planejamento e Pesquisador da Área Fiscal do Instituto de Economia do Setor Público da Fundação para o Desenvolvimento Administrativo IESP/FUNDAP. 168 A democracia, em favor da elaboração de uma ordem social ulterior, renuncia à unanimidade e contenta-se com as decisões tomadas pela maioria, limitando-se a aproximar-se de seu ideal original. [...]. [O estabelecimento de atos normativos] seria impossível se fosse necessário decidir unanimemente as modificações na vontade do Estado (KAUFMANN, 2013. p. 16). Segundo Kaufmann (2013), a exigência da unanimidade nas decisões do CONFAZ afeta o princípio federalista, na compreensão do federalismo cooperativo adotado no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988. No federalismo cooperativo pressupõe-se que as relações entre as esferas de governo não podem mais ser de forma isolada, os entes precisam agir de maneira conjunta e cooperar entre si, o que exige também o desenvolvimento de novas habilidades como, por exemplo, a de negociação e de formação de consensos. A Constituição de 1988 traz em seu bojo a repartição de competências e de receitas públicas entre seus entes e é possível estabelecer a cooperação entre eles desde que cada um desenvolva suas atribuições de acordo com os dispositivos constitucionais. Entretanto, o instituto da guerra fiscal tem mudado esse cenário, comprometendo o equilíbrio federativo. Nesse sentido, é extremamente importante fortalecer a forma de coordenação entre os estadosmembros e a União, resultante da realização de acordos para a concessão de benefícios relacionados ao ICMS. Pois se o poder de decisão ficar na mão de apenas um ente, este poderá colocar toda a negociação a perder, enfraquecendo a capacidade do federalismo cooperativo em contribuir para a redução de desigualdades regionais, já que a dissidência de um único suplantará a cooperação de todos (KAUFMANN, 2013). O Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter (2002), faz importantes observações sobre os resultados do sistema baseado na regra da unanimidade e sugere a adoção da regra da maioria: Negociações frustradas na regra da unanimidade paralisam as ações coletivas [...] considere uma mudança da regra de unanimidade para a regra de maioria. Com a centralização, uma maioria nacional pode impor a sua vontade às minorias. A força da negociação está nas mãos dos membros potenciais de uma coalizão majoritária. Quando se negocia sob a regra de maioria, as regiões e as localidades dentro da coalizão interna podem demandar melhores condições de cooperação dos externos [...] um regime federal que logre ter êxito sob a regra da unanimidade deve possuir poucos membros, enquanto em exitoso regime federal que seja governado pela regra da maioria pode possuir vários membros (COOTER, 2002, p. 112). 169 Avaliando a situação do CONFAZ, a argumentação do autor reforça a tese de que os requerimentos de concessão de benefícios de estados mais desenvolvidos (na maioria das vezes nominados como “estados ricos”), que possuem melhor infraestrutura e maior número de empresas e constituem-se em candidatos mais atrativos, normalmente se opõem àqueles requerimentos apresentados pelos estados mais pobres. Apesar da unanimidade das aprovações dos convênios do CONFAZ estar em vigor desde 1975, torna-se necessária uma reflexão em torno do seu fracasso quando impede a aprovação de reformas do ICMS e, consequentemente, não produz efeitos como mecanismo de redução das desigualdades regionais e da produção de riquezas em todo o território nacional. Entretanto, a questão da guerra fiscal tem ganhado contornos cada vez mais dramáticos pois a maioria dos incentivos fiscais via ICMS não tramitam pelo CONFAZ revelando a insuficiência desse modelo organizacional, e o Conselho não está conseguindo alcançar o resultado almejado. Citam-se como possíveis motivos: o princípio da unanimidade adotado nas decisões do Conselho, que causa paralisia decisória; a omissão do Governo Federal no enfrentamento da questão, no seu enfraquecimento como coordenador do Conselho; a falta de uma política nacional regional usada como justificativa pelos estados para a prática da guerra fiscal, efetuada a partir de leis estaduais inconstitucionais que vigoram até ulterior e eventual declaração de inconstitucionalidade no âmbito do STF. Em algum momento essa situação precisa ser contida. Concluiu-se que, em que pesem as tentativas de reforma do ICMS, as estratégias adotadas pelos atores devem ser revistas, pois geram múltiplas dimensões quando tentam unificar a legislação, proibir a guerra fiscal, instituir o princípio do destino, reformar as vinculações constitucionais e aumentar a progressividade e a eficiência do sistema. Essa diversidade de aspectos dificulta o trabalho dos negociadores que têm que lidar com significativo grau de incerteza quanto ao resultado final da reforma, aumentando o repúdio dos atores à aprovação do projeto. Não obstante todos os problemas relatados em função da atuação do Conselho, que opta na maioria das vezes por discutir convênios e detrimento de decisões estratégicas, com destaque para a solução da guerra fiscal, suas reuniões têm se transformando cada vez mais em arenas para disseminação de 170 conhecimentos tanto nas áreas tributárias como na área financeira e fiscal dos estados. Prova disso é a implantação do SPED, da NFe, das novas Normas Internacionais de Contabilidade aplicadas ao Setor Público - International Public Sector Accounting Standards (IPSAS) - e dos novos Sistemas de Administração Financeira (SIAFs). Apesar do fracasso do Conselho em relação as discussões sobre a contenção da guerra fiscal entre os estados que atinge o ICMS, ou seja na articulação horizontal e vertical desse processo, o mesmo não pode ser dito em relação a disseminação horizontal de informações e boas práticas em que se observa relativo sucesso. As condições que envolvem o CONFAZ o impedem de cumprir seu objetivo institucional de promover a harmonização fiscal, e contribuem para o acirramento da guerra fiscal entre os entes, principalmente após a CF 1988. Por outro lado, a edição de normas bem orientadas precedeu a ativação da cooperação entre os fiscos da União e dos estados, o que possibilitou o surgimento de serviços públicos inovadores, tais como o SPED e a NFE. À luz do processo que antecedeu o surgimento de tais serviços é necessário compreender que as instituições são fundamentais no desenvolvimento de políticas públicas. Ao votar a Emenda Constitucional nº 42/2003, os políticos decidiram pela ação integrada dos fiscos, estabelecendo um comando genérico. O desenho final dos serviços públicos entregues à sociedade dependeu muito da capacidade de articulação dos fiscos e das ideias de seus servidores. A criação do Enat foi crucial, pois antes não havia foro para discussão e deliberação sobre medidas de administração tributária. Além disso, no Enat foram desenhados o SPED e a NFE, a partir de mudança no comando constitucional. Em relação ao processo de implantação das novas normas de contabilidade e a modernização e/ou aquisição dos sistemas de administração financeira novamente observou-se um processo de cooperação entre os estados e União por meio dos técnicos do GEFIN e da STN. A união como normatizadora das IPSAS abriu espaço em seus subgrupos para discussão dos novos critérios de contabilização com representantes dos estados brasileiros, e a partir de uma série de levantamentos obtidos nas discussões decidiu dilatar o prazo para implantação da nova contabilidade por esses entes governamentais o que permitiu aos estados brasileiros passarem pelo processo de uma forma mais 171 amena. Em relação aos sistemas de administração financeira a União vem auxiliando alguns estados 66 na modernização de seus sistemas por meio do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). O Serpro vem atualizando o sistema dos estados de forma a torná-lo apto a receber a nova contabilidade.. Essas discussões e soluções estão presentes nas reuniões que antecedem o CONFAZ, denominadas CONSEFAZ, que depois de amadurecidas vêm incorporar a pauta do CONFAZ, conferindo novo tom às discussões. Isso porque se trata de sistemas nacionais cuja implementação decorre de muita cooperação entre os entes federados e os resultados, além de promoveram mais transparência das ações, beneficiam a todos ao reduzir os custos de implantação.Neste sentido o CONSEFAZ, apesar de sua criação recente, tem se tornado um avanço em termos de cooperação federativa horizontal. 66 Alguns estados brasileiros utilizam um Sistema de Administração Financeira derivado de uma versão do sistema da União desenvolvida pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Outros adquiriram sistemas prontos ou desenvolveram seus próprios sistemas. 172 5O FPE: UM CASO MAIS BEM-SUCEDIDO DE COOPERAÇÃO E ARTICULAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NO BRASIL? Este capítulo tem por objetivo avaliar a atuação do CONFAZ e do Congresso Nacional na revisão dos coeficientes de repartição do FPE, questionada pelo STF em fevereiro de 2010. À época, o STF indagou o caráter estático dos critérios de distribuição e exigiu que fosse restabelecido um sistema dinâmico em que os coeficientes estaduais não fossem fixos, mas que se alterassem em função das modificações das disparidades de desenvolvimento econômico. Ao contrário do ICMS, as arenas CONFAZ e Congresso Nacional conseguiram aprovar uma nova lei, em atendimento à determinação do STF. Resta saber quais foram os mecanismos utilizados por essas arenas para a aprovação do instrumento jurídico e se ele realmente atende às determinações impostas pelo STF, configurando um caso de sucesso na revisão do Sistema de Partilha Brasileiro. Para tanto, esta seção traz um histórico sobre o Fundo, passando pela revisão de seu desenho na Constituição de 1988, pela determinação do STF da revisão de seus coeficientes e finalizando com a avaliação do comportamento das arenas CONFAZ e Congresso nesse processo, procurando caracterizar como um caso de sucesso na advocacy federativa dos estados. 5.1 O Fundo de Participação dos Estados (FPE): origem, conceito e regras Em sistemas federativos, os mecanismos de transferência de recursos entre as unidades federadas são extremamente importantes para ajustamento das desigualdades regionais e para o equilíbrio entre as unidades federadas na oferta de bens e serviços públicos. No caso brasileiro, em função do algo grau de desigualdade regional, essa exigência é ainda maior. E como em qualquer outra Federação, o Sistema Tributário Nacional necessita ter um bom sistema de transferências de recursos entre regiões, que busquem garantir os princípios do federalismo e impeça que as disparidades socioeconômicas atinjam o setor público. regionais e assimetrias 173 Rezende e Lobo (1985) analisam as modalidades de transferências e destacam que, do ponto de vista teórico, a forma de reduzir as diferenças econômicas entre as regiões numa federação se intitula Sistema de Equalização Fiscal. Esse sistema nada mais é que um mecanismo de transferência de recursos ou de uma esfera de governo para outra (transferência vertical) ou entre esferas de governo semelhantes (transferência horizontal) 67. Do ponto de vista horizontal, as diferenças em capacidade econômica entre os estados geram diferenças em capacidade fiscal. E para adequar as receitas de cada um às respectivas necessidades em termos de despesa, é necessário adotar adequado sistema de distribuição. Grande parte dos trabalhos sobre federalismo fiscal no Brasil converge para a análise da dimensão vertical na distribuição de receita e da autoridade fiscal (ARRETCHE, 2005; SAMUELS, 2003; SOUZA, 1994). Entretanto, a dimensão horizontal das transferências, com destaque para a redistribuição entre estados, também foi objeto de mudança na Constituinte e de leis complementares que regularam os dispositivos constitucionais. O mecanismo de repasses de recursos entre as esferas de governo apareceu no Brasil no documento de 1934, mas foi apenas em 1967 que se estabeleceu um sistema de transferências intergovernamental bem definido. Em relação à repartição de receitas, com a redemocratização do país e em contraposição à centralização de recursos na reforma tributária de 1967, houve tendência à descentralização de recursos na Constituinte de 1988, com considerável incremento dos percentuais sobre o imposto de renda (IR) e o imposto sobre produtos industrializados (IPI) base de cálculo do FPE. O FPE foi instituído em 1965 pela emenda Constitucional nº 18 e a regulamentação do Fundo foi feita pelo Código Tributário Nacional (CTN), Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966, tendo os seus repasses efetivamente iniciados em 1967. Trata-se de uma transferência vertical de recursos da União para os Como exemplo de equalização horizontal destaca-se o caso da Alemanha, onde, “além da equalização vertical, baseada na distribuição entre os estados de 75% da arrecadação estadual do imposto sobre o valor adicionado, também são efetuadas transferências de estados com maior capacidade fiscal para os de menor capacidade. Fórmulas tentam expressar as necessidades de receitas e o potencial tributário de cada unidade em relação ao indicador padrão, daí é deduzido o déficit a ser coberto pela equalização horizontal” (AFONSO, 1994, p. 29). 67 174 estados e sempre teve como fonte de financiamento o produto da arrecadação do IR e do IPI. O Fundo surgiu no bojo da reforma tributária de 65/67 como componente fundamental na consolidação de um sistema tributário baseado num esquema de centralização tributária nas mãos do Governo Federal e de "controle" da destinação dos recursos a partir das transferências intergovernamentais a partir de uma visão peculiar de federalismo68 (AFONSO; SOUZA, 1985, 1985, p. 16). Nas palavras dos autores: A Comissão da Reforma reconhecia que com as mudanças na competência tributária, estados e municípios deveriam perder boa parte da capacidade própria da geração de receitas, sendo necessário que o sistema de transferências desempenhasse uma função de compensação àqueles governos. O FPE, desde sua criação, passou por várias alterações constitucionais. O Quadro 6 demonstra a evolução dos normativos que disciplinam o Fundo, explicitando as suas fontes de receita e respectivos percentuais, assim como a presença ou não de vinculações para a sua aplicação. Quadro 6 - Alterações constitucionais do FPE Período Norma 1967/1968 Emenda Constitucional nº 18/65, art. 21 1969/1975 Ato Complementar nº 40/68, art. 26 1976 Emenda Constitucional nº 5/75 1977 Emenda Constitucional nº 5/75 1978 Emenda Constitucional nº 5/75 1979 e 1980 Emenda Constitucional nº 5/75 1981 Emenda Constitucional nº 17/80 1982 e 1983 Emenda Constitucional nº 17/80 1984 Emenda Constitucional nº 23/83 1985 a 1987 Emenda Constitucional nº 23/83 e nº 27/85 1988 Constituição de 1988 1989 Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 62 1990 Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 62 1991 Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 62 1992 Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 62 1993 - 2012 Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 62 2013 Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 143 Fonte: GEFPE/CONFAZ (março 2012). % IR + IPI 10,0% 5,0% 6,0% 7,0% 8,0% 9,0% 10,0% 10,5% 12,5% 14,0% 18,0% 19,0% 19,5% 20,0% 20,5% 21,5% 21,5% Aplicação Livre Vinculada Vinculada Vinculada Vinculada Vinculada Livre Livre Livre Livre Livre Livre Livre Livre Livre Livre Livre Essa visão de federalismo está em Afonso e Souza (1985, p. 16): “O espírito da reforma, de buscar uma utilização mais eficiente dos recursos públicos, justificava a inclusão no esquema de transferências de um critério alocativo: a vinculação às despesas determinadas por categoria econômicas e por função de governo e a tramitação de programas de aplicação e prestação de contas”. 68 175 O Quadro 6 comprova que houve reduções nos repasses do fundo, no período de 1969 a 1980, oriundas da diminuição dos coeficientes de IR e IPI. Além disso, o repasse é sobre o valor líquido dos dois impostos e as isenções e incentivos concedidos pelo Governo Federal reduziram ainda mais os valores transferidos para os estados. Outra inovação à época promovida pelo Governo Federal foi a de vincular parte da aplicação do recurso (50%) pelo estado às despesas de capital, além de exigir desses entes federados a apresentação prévia de planos de aplicação para sua análise e aprovação 69 . Schwengber e Ribeiro (1999) atribuem o esquema de redução dos coeficientes e vinculação do recurso ao endurecimento do regime político à época, alterações que mudaram o caráter do Fundo e reduziram sua importância principalmente até meados da década de 70. Com o enfraquecimento do regime militar, houve um movimento de liberação do uso dos recursos do FPE e os governadores passaram a ter autonomia para aplicar livremente a cota integral do FPE70. A partir de 1981 os coeficientes voltaram a representar novamente 10% da arrecadação líquida do IR e IPI e continuaram a sofrer aumentos anuais. E em 1993 os estados e DF passaram a receber 21,5%, o que representou considerável aumento de volume de recursos. A discussão regional também esteve presente e influenciou nas alterações das regras do FPE, pois blocos regionais almejavam a descentralização do sistema tributário nacional. As regiões menos desenvolvidas reivindicavam o aumento de seus recursos por meio dos Fundos (no caso, os Fundos de Participação dos Estados e Municípios) e as regiões do Centro-Sul buscavam a ampliação da sua base tributária. Os resultados foram materializados pelas providências adotadas na década de 80 e na Constituição de 1988, em que o FPE se fortaleceu como forma de 69 Para mais detalhes destas alterações e as adotadas via Lei Complementar, ver Afonso (1989) e Afonso e Souza (1985). 70 Da Emenda Constitucional no 17, de 02/12/1980, destacamos os pontos relevantes dessas alterações: i) foram abolidas as exigências para apresentação prévia de planos de aplicação, bem como das respectivas prestação de contas; ii) vinculações às categorias econômicas foram eliminadas, permanecendo apenas para o FPE o desconto de 2% como contribuição ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); iii) também foram extintos os descontos de taxas e comissões bancárias; iv) foi determinada, ainda, a liberação automática dos recursos através de créditos pelo Banco do Brasil (com um prazo de até um mês); v) foi atribuída a fiscalização apenas ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao processo de controle tradicional, isto é, pelos legislativos estaduais. 176 descentralizar receitas. A nova Constituinte estabeleceu regras transitórias para o Fundo, promovendo gradual aumento do FPE. Desse modo, somente a partir do ano de 1993 passariam a vigorar os percentuais definidos no texto constitucional. Além disso, prevaleceu a não vinculação, com exceção da vinculação direta constante da Emenda no 24, de 1o/12/1983 (Emenda João Calmon).71 Desde a instituição do FPE até 2013, data da publicação da Lei Complementar nº 143, legislação que alterou o mecanismo de distribuição, foram adotados basicamente três modelos para distribuição horizontal dos recursos do Fundo, conforme resumido no Quadro 7 e detalhado mais adiante. Quadro 7 - Regras de partilha do FPE: 1967 a 2013 Período 1967/1975 Norma Síntese do Critério de Partilha CTN (Lei nº 5.172/66) Superfície, população e inverso da renda per capita Superfície, população e inverso da renda per capita, com CTN + Decreto Lei 1976/1989 Reserva Especial de 20% dos recursos para N e NE (1976 a 1.434/1975 1977 o coeficiente era de 10%) 1990 a 2013 LC 62/1989 Coeficientes constantes no Anexo Único da LC Fonte: GEFPE/CONFAZ (março 2012). No período de 1967 a 1989, os critérios de partilha baseados no CTN conferiam mais dinamicidade ao sistema, haja vista o recálculo periódico dos coeficientes. Até 1975 prevaleceu a distribuição do Fundo com os seguintes parâmetros: 5% proporcionais à superfície de cada estado e 95% proporcionais ao produto dos fatores representativos da população e do inverso da renda per capita, sendo que os fatores representativos da população e do inverso da renda per capita eram enquadrados em “faixas”, com respectivos pisos e tetos. A fixação de limites e tetos relativos à população e ao inverso da renda per capita provocava distorções 72 , a despeito do objetivo ser beneficiar os estados com baixos contingentes populacionais e/ou baixas rendas, limitando o rateio aos estados mais ricos ou populosos (AFONSO, 1989; VILELA, 1993). 71 Essa medida determinou que 25% da receita resultante de impostos, para estados, municípios e Distrito Federal deveriam ser aplicados na manutenção e no desenvolvimento de ensino. Observa-se que a vinculação de tributos para o ensino foi inserida, pela primeira vez, no texto constitucional em 1934, desaparecendo com a Carta de 1937, voltando com a de 1946 e novamente eliminada pela de 1967 (AFONSO, 1989, p. 152). 72 Uma ilustração da distorção gerada pelos limites inferior e superior é a equiparação dos estados de Espírito Santo e Roraima para cálculo do FPE, embora a população do primeiro seja 22 vezes superior à do segundo (AFONSO, 1989, p. 179) 177 O Decreto Lei nº 1.434, de 11 de dezembro de 1975, definiu a adoção de reservas regionais para a distribuição do FPE, sendo que de 1976 (data da vigência do decreto) até 1989 prevaleceu a distribuição de acordo com o CTN, mas respeitando-se as reservas. Segundo Relatório do GEPFE/CONFAZ 73 (2012), os parâmetros que integravam o critério de partilha continuaram sendo os mesmos, todavia, aplicados separadamente sobre as respectivas reservas, sendo: 80% do montante do FPE destinados a todos os estados e 20% apenas aos estados das regiões Norte e Nordeste. A aplicação da reserva obedeceu a um período de transição, ou seja, no período de 1976 a 1977 o coeficiente era de 10%. Já o Decreto nº 1723, de 06 de dezembro de 1979, promoveu nova alteração na distribuição dos recursos, notadamente em relação às reservas, quando incluiu os territórios de Rondônia, Roraima e Amapá na reserva de 20%, com aplicação a partir de 1980. Como resultado da alteração, foram deslocados recursos anteriormente reservados apenas aos estados do Norte e Nordeste para esses ex-territórios, anteriormente financiados pela União. O ANEXO C apresenta uma tabela que resume o critério CTN, com reservas e sem reservas, e os artigos que o definem. Com o advento da Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989, os critérios de rateio tornaram-se fixos, contrapondo-se ao dinamismo do critério anterior (à exceção do PIB estadual e dos coeficientes mínimos e máximos, as mudanças relativas entre os estados eram obtidas quando recalculados os coeficientes pelo TCU - VILELLA, 1993). As próximas sessões se dedicarão a apresentar o FPE com a Constituição de 1988 e seu comportamento a partir da LC. 5.2 O desenho fiscal na Constituição de 1988 Segundo Ferrari (2013, p. 92), “as decisões da Constituinte a respeito do novo desenho fiscal do país foram diretamente afetadas pelas regras decisórias por maioria nas arenas decisórias relevantes”. O autor faz uma análise das subcomissões que atuaram na aprovação da nova Constituinte a partir de 73 O relatório elaborado por grupo técnico do CONFAZ foi entregue ao Conselho em março de 2012. 178 modelos que revelam a preferência dos atores envolvidos. Ele discute os prós e contras do modelo analítico desenvolvido Beramendi (2007; 2012), feito a partir da teoria do eleitor mediano, e contraposição aos estudos de Leme (1992). O modelo de Beramedi (2007) apresenta duas variáveis principais para definir a preferência do eleitor mediano regional, quais sejam: importa a distribuição intra e inter-regional de renda no status quo. Quanto mais baixa a renda do eleitor mediano em relação à renda média, maiores noveis de redistribuição ele demandará de seu governo. A outra variável é a perda de emprego, que está associada ao grau de especialização econômica da região. Quanto maiores forem esses graus, maiores são as chances de perda do emprego. Esses dois fatores determinam a preferência do eleitor mediano por desenhos fiscais ou, da mesma forma, por níveis de redistribuição. À estruturação desses dois fatores dá-se o nome de estrutura territorial da desigualdade (territorial structure of inequality). Entretanto, falta nesse modelo a análise dos partidos e da política partidária (FERRARI, 2013). O novo modelo de Beramendi (2012) incorpora o conflito partidário como um fator que interfere na preferência dos representantes, que pode acontecer em face da discordância entre as preferências das elites regionais e nacional do partido por desenhos fiscais. Nesse sentido, o argumento dispõe que a elite partidária regional pode tentar propor mudança no status quo com o objetivo de descentralizar o sistema. E caso a elite nacional seja contra a descentralização, haverá conflito intrapartidário. Os custos políticos desses conflitos se traduzem na perda de votos dos eleitores regionais, o que pode aumentar a possibilidade de a elite nacional ser a favor da descentralização. Contudo, o modelo omite uma questão fundamental, que é o conflito intrapartidário horizontal. E aí a disputa para a escolha do desenho fiscal, considerando-se o aspecto centralização ou descentralização, não é suficiente para a definição da escolha, haja vista o surgimento de outra perspectiva, que seria qual o “tipo” de descentralização. Poderá haver discordância entre as elites regionais quanto à “forma de descentralização” pela qual se deve optar. Esse tipo de disputa ficou claro na definição do sistema fiscal brasileiro na Constituinte de 1988 (BRASIL, 1988). Pode-se afirmar que essa situação se repetiu recentemente, quando da definição dos novos coeficientes do FPE, após sentença do STF em 2010, que 179 decidiu pela mudança dos coeficientes do Fundo e estipulou prazo para que os estados aprovassem novo dispositivo legal. O mesmo se aplica à distribuição dos recursos do pré-sal. Por fim, é necessário acrescentar a esse modelo outras variáveis, quais sejam: a presença de múltiplos representantes regionais; de multipartidarismo; de incentivos para alianças inter-regionais; e de influência das regras que regulam o processo decisório (FERRARI, 2013). O trabalho de Leme (1992) sugere outros aspectos que foram determinantes nas escolhas do desenho fiscal na Constituinte de 1988, notadamente no que diz respeito à repartição de receita fiscal. Segundo o autor o comportamento das bancadas nesse quesito adotou a lógica estadualista e regionalista. Duas dinâmicas compuseram esse processo. Primeiro, a união das bancadas em prol da garantia de descentralização de recursos da União. Em seguida, estados e regiões travaram uma batalha para decidirem como deveria ser a repartição dessa receita. O mesmo autor descreve que os estados obtiveram sucesso nas negociações relativas ao incremento do montante global das transferências, por duas razões, quais sejam: a) a União não tinha defensores suficientes nas fases decisórias em que os acordos foram firmados (na Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição de Receita e na Comissão do Sistema Tributário, Orçamentário e finanças); b) aqueles que se propuseram a defender os interesses da União demoraram a fazê-lo e apostaram seu poder de convencimento na Comissão de sistematização, na esperança de que essa Comissão fosse decisiva para o processo. A essa altura, os acordos inter-regionais já haviam sido costurados. O autor também revela que a disputa principal ocorreu entre os estados das regiões Norte e Nordeste e Centro-Oeste, em relação aos estados do Sul e Sudeste. Essas duas últimas regiões apoiaram os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em troca de apoio para aprovar regras que concediam mais liberdade aos estados para fixação de alíquotas de ICMS. Entregavam-lhes poder residual e aumentavam o Fundo de Ressarcimento para o Estados Exportadores (FR), o que pode ser confirmado nas seguintes afirmações: 180 Os representantes dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste concederam (sic), no que diz respeito ao fortalecimento da autonomia tributária estadual, em troca de aumento nas transferências federais. Promoveu-se assim a acomodação de interesses regionais cuja condição foi ter a União como perdedora (LEME, 1992, p. 150). O processo decisório para a definição das regras na nova Constituinte mostrou-se ser regional e não só estadual. Os estados do Norte e Nordeste, caracterizados por menor renda per capita e semelhantes do ponto de vista socioeconômico, não possuíam maioria na Constituinte. Sendo assim, estrategicamente captaram os estados do Centro-Oeste. Os primeiros detinham preferências em relação à distribuição dos fundos de participação, com percentuais exclusivos, o que os tornou atrativos para os estados do CentroOeste, que passariam também a compartilhar dos mesmos benefícios. Em relação à composição partidária, as regiões pobres tinham maioria de votos em qualquer das arenas decisórias (seja no plenário, seja nas comissões que se formaram), podendo aprovar sozinhas o aumento do percentual do FPE sem o apoio da minoria (Sul e Sudeste). Mas o vínculo partidário dos constituintes foi responsável pelas negociações, pois a composição das comissões deu-se por meio de acordos dentro do partido e o PMDB detinha a maioria em todas as instâncias decisórias, exceto na Comissão de sistematização, dos quais 50% dos parlamentares pertenciam às regiões N, NE e CO juntas; e a outra metade às regiões S e SE na Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição de Receitas (STPR). Se considerássemos o PFL e o juntássemos ao PMDB os dois detinham juntos 69,7% dos assentos na STPR. Neste sentido, a variável federativa tem de ser combinada com outros condicionantes institucionais, como afirma Ferrari: Essas preocupações orçamentárias, as regras decisórias de decisão por maioria, a distribuição de atores nas arenas decisórias e, esse é o fator que faltava para dar sentido às barganhas, o duplo vínculo dos representantes, ligados partidariamente por um lado, mas eleitos nos estados por outro, se constituíram em incentivos suficientes para a barganha na definição do capítulo tributário. Foi isso que levou o conflito horizontal a ser resolvido de modo consensual, sem imposição de penas para nenhum estado (FERRARI, 2013, p. 21). A coalizão minoritária nada ofereceu em troca das concessões realizadas para seus estados, pois se a coalizão majoritária mantivesse as perdas impostas 181 à minoria, os componentes do mesmo partido sofreriam eleitoralmente em seus estados. A solução para reduzir o custo com a retirada do artigo que regulava a redistribuição horizontal foi o aumento dos percentuais globais do fundo, reduzindo o custo eleitoral dos constituintes, impostos pelo duplo pertencimento (FERRARI, 2013). 5.3 A Lei Complementar nº 62/89 e a partilha do FPE A nova Constituição, conforme art. 159, I, a, manteve o FPE em seu bojo, como também ampliou seus montantes, ao elevar os coeficientes de distribuição do IR e IPI de 14%, em 1987, para 18%, em 1988, e aumentá-lo gradativamente para 21,5% até 1993, coeficiente que permanece até hoje. Conforme o art. 34 do ADCT da CF/88, § 2º, inciso I, o critério de partilha vigente em 1988 foi mantido para 1989, até edição da lei, em atendimento ao disposto no art. 161 da CF/88, conhecida como LC 62/89, que entrou em vigor em 1990. À LC coube estipular novos coeficientes que deveriam ser substituídos por outra lei em 1992, buscando manter o dinamismo do modelo anterior. Entretanto, a nova lei não foi votada nem aprovada no Congresso Nacional, mantendo-se os coeficientes fixos até 2013. A LC 62/89 foi aprovada pelos mesmos parlamentares da Constituinte e a definição de critérios para a partilha do FPE foi um processo bem mais complicado e politizado do que na década de 60. As exaustivas negociações entre os Secretários de Fazenda dos estados resultaram em um acordo “provisório” para a distribuição dos recursos, o qual pode ser sintetizado da seguinte forma: a) os incisos I e II do art. 2° da LC 62/89 estipulam reservas (fixas) para o FPE, sendo 85% para as regiões N/NE/CO e 15% para as regiões S/SE. Note-se, que, a partir dessa LC 62/89, o Centro-Oeste passou a integrar as reservas em conjunto com o Norte e Nordeste, beneficiando-se das vantagens do N e NE; b) o Anexo Único do art. 2º estipula coeficientes fixos de participação para cada estado. Os estados do S e SE apoiaram o aumento da participação dos estados do N, NE e CO de 78% para 85%, constantes do Projeto de Lei nº 104/1989, já que os primeiros seriam compensados pela ampliação da base de incidência do ICMS, haja vista que a reforma tributária da Constituição beneficiaria mais fortemente os estados mais desenvolvidos do país (BRASIL, 1989). O acordo de 182 Secretários de Fazenda também incluiu a fixação de coeficientes individuais para cada estado, que seriam aplicados aos repasses de 1990 e 1991 (§ 1º do art. 2º). A partir de 1992 deveria ser editada uma nova LC estipulando critérios dinâmicos de distribuição, levando em conta os dados do censo demográfico de 1990 (§ 2º do art. 2º). Dessa forma, os estados do N, NE e CO garantiram seus repasses com uma reserva maior do FPE, mas no final das contas aqueles estados que supostamente perderiam com esse Fundo (RJ e SP) seriam compensados com o FR. O Quadro 8 apresenta os coeficientes aprovados. Quadro 8 UF Coeficiente - Coeficientes de distribuição do FPE entre estados UF BA 9,3962% PR CE 7,3369% GO MA 7,2182% RO PE 6,9002% AM PA 6,1120% RR PB 4,7889% RS MG 4,4545% MT TO 4,3400% RJ PI 4,3214% ES RN 4,1779% MS AL 4,1601% SC SE 4,1553% SP AC 3,4210% DF AP 3,4120% Fonte: Lei Complemntar 62/1989. Coeficiente 2,8832% 2,8431% 2,8156% 2,7904% 2,4807% 2,3548% 2,3079% 1,5277% 1,5000% 1,3320% 1,2798% 1,0000% 0,6902% Região ∑ Norte ∑ Nordeste ∑ Centro Oeste ∑ Sudeste ∑ Sul ∑ N/NE/CO ∑ SE/S ∑ Brasil ∑ Coeficiente 25,3717% 52,4551% 7,1732% 8,4822% 6,5178% 85,0000% 15,0000% 100,0000% A aprovação da LC encerrava o capítulo fiscal acordado na reformulação da Constituição, conforme citado por Samuels (2003), quando publicou em seu trabalho entrevista com Clovis Panzarini, economista paulista e componente do grupo que analisou e discutiu o PL nº 104/1989: When we had the meeting to define the criteria, the representatives of the Northeast came with a proposal in hand: ‘the states from North, Northeast and Center-West shall receive 85% and the states from the South and Southeast shall receive 15%. São Paulo will receive 1% of the total’. And so I asked: “What is the criteria for decision? ‘Criteria?’, they said ‘there is none’. I said: ‘You are going to cut our share by 75% without any reason?’ ‘Yes’, they said.’ And if you complaint you will get zero.’ So I said’h, Ok, one percent is good, great, that’s fine (SAMUELS, 2003, p. 173)74. 74 Quando tivemos a reunião para definir os critérios, os representantes do Nordeste vieram com uma proposta na mão: "os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste receberão 85% e os estados do Sul e Sudeste devem receber 15%. São Paulo receberá 1% do total. E então eu 183 Conforme já citado anteriormente, a partir de 1992 deveria ser editada uma nova LC. O Congresso Nacional, apesar de ter apreciado vários projetos de LC para instituir novos critérios, sequer aprovou um. Continuaram, então, sendo aplicados os coeficientes fixos definidos no Anexo Único, com respaldo no § 3º do art. 2º da LC 62/89, o qual admite que, na ausência de nova LC, continuariam sendo aplicados. Assim, o acordo de 1989, que resultou na LC 62/89, terminou prevalecendo com os coeficientes congelados por 24 anos (1990 a 2013), até o início do processo de revisão. Essa revisão começou em fevereiro de 2010, quando o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º e Anexo Único da LC 62/89, sem pronúncia de nulidade, mantendo até 31 de dezembro de 2012 a vigência dos dispositivos julgados, culminado na publicação da Lei Complementar nº 143 em 2013. 5.4 A determinação de inconstitucionalidade pelo STF Em 24 de fevereiro de 2010, o STF, em resposta às ADINs nº 875, dos governadores dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, de 13/05/93; nº 1.987, dos governadores dos estados de Mato Grosso e Goiás, de 30/03/99; nº 2.727, do governador do estado do Mato Grosso do Sul, de 05/08/02; e nº 3.243, do governador do estado do Mato Grosso, de 24/06/04, declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º e Anexo Único da LC 62/89, sem pronúncia de nulidade, mantido até 31 de dezembro de 2012 . O STF contestou o caráter fixo, estático dos critérios de distribuição, afirmando que os dispositivos não atendiam satisfatoriamente à exigência constante do art. 161, II, da CF/88. Segundo esse artigo, uma LC deve estabelecer os critérios de rateio do FPE, com a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos, e esses coeficientes necessitam variar em função das alterações nas desigualdades econômicas. Mesmo argumento utilizado pelos estados que protocolaram as ADINs e também citaram em seus requerimentos que os coeficientes teriam sido estabelecidos por perguntei: "Qual é o critério para a decisão? Critérios? ', Eles disseram:' não há nenhum '. Eu disse: "Você está indo para cortar a nossa quota de 75%, sem qualquer motivo?" "Sim", disseram eles. "E se você queixa você receberá zero" Então eu disse, Ok, um por cento é bom, obrigada (Samuels, 2003, p. 173). 184 acordo político. Como as ADINs tinham objeto similar, foram julgadas conjuntamente. O Ministro Gilmar Mendes, relator da decisão judicial, também comenta que deve haver a possibilidade de revisão periódica dos coeficientes, “de modo a se avaliar criticamente se aqueles até então adotados ainda estão em consonância com a realidade econômica dos entes federativos e se a política empregada na distribuição dos recursos produziu o efeito desejado”. Antes de 1990 havia variação entre os estados de um ano para outro em relação ao recebimento de recursos do FPE, mas, após aquele ano, as variações ocorreram somente em face das oscilações da arrecadação do IR e IPI (SCHWENGBER; RIBEIRO, 1999). Entre os autores (AFONSO, 1994: AFFONSO, 1994; SHAH, 1991; VILELA, 1993) também já estava se formando consenso sobre a necessidade de os critérios atuais dos fundos serem reformulados, tendo em vista não atenderem mais aos objetivos aos quais foram propostos. Prado (2013) confirma a necessidade de revisão do Fundo quando reconhece que, “decorridos mais de 20 anos, é possível dizer que o sentido original da criação dos fundos de participação se perdeu na memória política e institucional do país”. O autor também critica a visão dos técnicos sobre o papel do fundo: As gerações mais jovens de técnicos, na sua grande maioria, entendem tais fundos como um mero compartilhamento estático, pelo qual os governos subnacionais se apropriam de parcelas fixas dos impostos federais. Não existe em geral, consciência tecnicamente fundamentada do caráter particular que este tipo de transferência assume nas federações modernas (PRADO, 2013, p. 14). As palavras de Prado foram reforçadas quando das discussões para revisão dos coeficientes do Fundo ocorridas nas reuniões do GEFPE, grupo de estudo formado pelo CONFAZ, composto de técnicos dos estados brasileiros. O Grupo tinha como missão encontrar uma proposta que contemplasse o interesse de todos os estados. Isso não ocorreu e pode ser comprovado pelo relatório técnico entregue em março de 2012 ao Conselho. No documento constavam seis modelos que contemplavam as mais diversas variáveis, na tentativa de amenizar a perda dos estados, já que a União não sinalizava aumentar o bolo a ser distribuído. A cada reunião surgia uma nova proposta ou a inserção de um novo parâmetro de forma a reduzir a perda do 185 estado que apresentava a alternativa. A regra era não perder ou perder o menos possível. Dessa forma, o papel a ser desempenhado por esse tipo de transferência em federações modernas, conforme afirma Prado, não era aspecto relevante a ser destacado naquele momento. Todas as ADINs propostas pelos seis estados, que resultaram na situação de questionamento pelo STF, reivindicavam o retorno das regras originais do CTN antes de 1989, apesar de que os estados Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que compunham os estados pobres na divisão, entenderem que a reserva “85/15” deveria fazer parte da divisão, algo que não constava no CTN original. Isso não significa que o retorno ao CTN original seria algo simples e de fácil viabilidade política. De acordo com Prado (2013, p. 67), “mesmo uma hipótese de descongelamento conservadora, ou seja, que restitua o sistema anterior, não é isenta de conflitos e dilemas”. O modelo original no CTN em 1965 não tinha reservas. Em 1976 passou a contemplar reservas de 80% para N, NE e CO e 20% para S, SE. Com a LC no 62/89, os percentuais das reservas foram alterados para “85/15%”, respectivamente, congelando-se os coeficientes de participação de cada estado, com trava de 1% imposta ao estado de SP e 1,5% ao Espírito Santo. De acordo com a sentença do STF, qualquer tipo de reserva apoiada em discriminação entre estados individuais (caso das reservas para as macrorregiões) estaria condenado a questionamentos de inconstitucionalidade, pois a sentença considerou inconstitucionais os incisos I e II do art. 2º, da LC 62, os mesmos que preveem as reservas. Diante disso, qual seria o modelo ideal? O que ocorreu é que se travou uma batalha entre os estados no sentido de se encontrar um modelo que trouxesse menos perdas. Por outro lado, o STF também não exigiu o retorno ao CTN, ou seja, o antigo sistema, apenas determinou que fosse recuperado o caráter dinâmico do sistema. E conforme a determinação do Supremo o Congresso Nacional, teria que aprovar uma nova LC ainda em 2012, definindo novos critérios de rateio para o FPE, a serem aplicados a partir de janeiro de 2013. Conforme a complexidade do novo sistema o Congresso precisaria aprovar com razoável antecedência, para que o TCU pudesse calcular os novos coeficientes a tempo de serem aplicados aos repasses a serem realizados em janeiro de 2013. 186 É sobre o desempenho das arenas Congresso Nacional e CONFAZ que, no próximo item, será relatado o desfecho do problema. 5.5 O papel do Congresso Nacional e a atuação do CONFAZ A decisão do STF, ao declarar inconstitucionais, sem a pronúncia da nulidade, o art. 2º e o Anexo Único da Lei Complementar nº 62, de 28 de dezembro de 1989, impõe aos gestores públicos, ao Congresso Nacional em parceria com a sociedade brasileira, o desafio de construir um novo sistema de partilha de recursos que cumpra o papel de promover o equilíbrio socioeconômico e o equilíbrio econômico-financeiro e, consequentemente, de refletir as variações ocorridas na população, produção, renda per capita, receita e despesa dos estados (GEFPE/CONFAZ, 2012). O desenvolvimento desse novo sistema de repartição é absolutamente necessário, porque os critérios previstos no CTN foram revogados 75 e os coeficientes fixos estabelecidos pela referida LC tem prazo de validade até 31 de dezembro de 2012. A atividade legislativa relativa ao sistema de repartição de receita, com destaque para as alterações no FPE, foi bem intensa após a CF de 1988. Entre os instrumentos apresentados, destacam-se quatro PECs, propondo a alteração do art. 159 com o objetivo de aumentar a quantidade de recursos para as regiões menos desenvolvidas e para elevar os percentuais aplicáveis sobre a receita de competência da União que é compartilhada com os estados; aproximadamente 40 projetos de LC (24 na Câmara dos Deputados e 16 no Senado Federal) propondo mudanças nos critérios de distribuição previstos na Lei Complementar nº 62/89. Os projetos encontram-se no ANEXO E. Também foram apresentados vários requerimentos para a obtenção de informações a respeito dos recursos transferidos para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal. Apesar do esforço dos parlamentares, não houve sucesso na aprovação de uma nova lei que pudesse alterar os critérios, o que resultou na decisão do STF. Essa decisão constitui-se em elemento-chave para impulsionar o Congresso Nacional a resolver definitivamente o assunto. 75 Inciso I do § 2º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. 187 Em relação aos projetos em tramitação no Congresso Nacional, o TCU também fez uma análise em 2011, concluindo que apenas alguns poucos teriam sucesso após a sentença do STF. Prado (2013) confirma a análise, acrescentando que grande parte dos projetos tornou-se obsoleta depois da sentença proferida pelo STF, pelo fato de serem variantes do modelo paramétrico com reservas por macrorregião. O Quadro 9 apresenta os sete projetos ativos, segundo o TCU, à época, na Câmara dos Deputados. Quadro 9 Proposição - Projetos ativos na Câmara dos Deputados referentes aos critérios de participação do FPE Órgão Situação Aguardando designação do Relator na C PLP-565/2010 Diversos Diversas Tramitando em conjunto (apensada PLP-435/2008 PLEN à PLP-351/2002) PLP-582/2010 CCJC PLP-351/2002 PLEN Pronta Tramitando em conjunto (apensada à PLP-7/1999) Tramitando em conjunto (apensada PLP-50/1999 PLEN à PLP-7/1999) Tramitando em conjunto (apensada PLP-7/1999 PLEN à PLP-351/2002) Fonte: Câmara dos Deputados PLP-319/2002 PLEN Autor Vanessa Grazziotin Partido PC do B/AM Júlio César José Fernando Aparecido de Oliveira Marina Silva – Senado Federal DEM/PI José Carlos Coutinho PFL/RJ Wilson Santos PMDB/MT Marcos Afonso PT/AC PV/MG PT/AC Pela análise do TCU, todos os projetos anteriores a 2010 estariam fora dos pré-requisitos constantes na sentença do STF, pois estabelecem reservas para parte do FPE e para os valores restantes, mantêm os coeficientes da LC nº 62/89. Isso os levaria a manter vício de inconstitucionalidade, cuja exceção é a proposta do Deputado Wilson Santos. O projeto do Deputado estabelece como critérios de rateio a população, o inverso da renda per capita e a área da UF, mas mantém a repartição de recursos entre as regiões, estabelecida nos incisos I e II do art. 2º da lei, também considerados inconstitucionais. Somente os projetos de 2010 PLP nº 582/2010 e PLP nº 565/2010 não faziam referência a artigos da LC considerados inconstitucionais. Entretanto, quando foram analisados mais profundamente pelo TCU, ficou evidente que poderiam ter sua constitucionalidade questionada, em função das reservas para a 188 área de meio ambiente constantes do primeiro e em relação à distribuição proporcional ao inverso da renda beneficiar os estados mais desenvolvidos constante do segundo, o que aumenta o custo político do projeto. De acordo com o TCU, no Senado Federal foi identificado em tramitação o projeto de LC nº PLS 29/2005 de 23/02/2005, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko (PT/MT). O projeto restabelece os critérios do CTN, mantendo a repartição regional estabelecida nos incisos I e II do art. 2º da LC nº 62/89, considerados inconstitucionais. O TCU fez uma análise desses projetos em tramitação no Congresso Nacional em 2011, com o intuito de identificar o alcance de cada um e critérios que pudessem levá-los a serem questionados em relação à sua constitucionalidade. Conforme já abordado anteriormente, o presidente do Senado, José Sarney, criou em 12 de abril de 2012 uma “Comissão de notáveis”, composta de 14 membros, para construir propostas para uma revisão ampla do Pacto Federativo no Brasil, cujo prazo para apresentação de um relatório foi de 60 dias. A iniciativa foi uma resposta ao congestionamento de matérias sobre o assunto – federalismo –, tratadas de forma dispersa nas duas casas legislativas. Entre os temas discutidos estava a proposta de uma nova distribuição de recursos para os FPEs. Conforme relatório parcial entregue pela Comissão ao Senado, em outubro de 2012 foram discutidos dois modelos para distribuição de recursos do FPE: o primeiro objetivava equalizar as receitas estaduais, na medida em que previa a distribuição dos recursos do Fundo efetuada de forma a tornar mais uniforme a receita per capita dos estados, com mais transferência para aqueles com menor receita. Já o segundo fundamenta-se em indicadores de desenvolvimento que busquem indiretamente detectar os estados mais necessitados de receita, como renda per capita e tamanho da população, entre outros. O relatório e a minuta de projeto de LC sugerida buscam combinar os dois modelos e estabelecer mecanismos que evitem mudanças bruscas na passagem para as novas regras. A minuta do projeto de lei continha um modelo paramétrico, de curto prazo, em função da urgência das definições dos coeficientes, aproximado do que fora adotado como CTN na década de 60. Inicialmente, o projeto mantinha o critério de divisão que reproduzia a forma do que já havia sido distribuído entre os estados em 2012. Um segundo critério atuaria como forma de transição até 2018, 189 com base em dois vetores: um diretamente proporcional à população e outro inversamente proporcional ao PIB per capita do estado beneficiado. A partir de 2018 os recursos seriam entregues de acordo com critérios de equalização e capacidade fiscal per capita das entidades beneficiárias. O grupo GEFPE/CONFAZ também fez uma análise de alguns dos projetos. Para tanto, foram adotados alguns critérios para seleção daqueles que seriam objeto de investigação, quais sejam: a) o quantitativo de projetos submetidos à apreciação na Câmara e no Senado Federal; b) a situação de cada um desses projetos e a possibilidade de solucionarem a questão da repartição de recursos entre as unidades federadas (projetos arquivados não foram objeto de avaliação); c) o conteúdo do projeto, se continha metodologia de cálculo, com clareza das variáveis passíveis de quantificação; d) sua similaridade a outro apresentado na mesma ou na outra casa, caso não estivessem tramitando em conjunto. Com base nessa primeira seleção, a equipe separou os projetos que tinham mais chances de cumprir o mandamento constitucional e a decisão proferida pelo STF. Logo após, foram classificados em relação a: a) se tratavam da destinação de reservas a grupos distintos ou não; b) se tinham algum outro tipo de limitação, como, por exemplo, a determinação do CTN de que a participação da população no cálculo do índice deveria obedecer aos limites constantes de uma tabela; c) os critérios utilizados para a repartição de receita; d) a metodologia de cálculo utilizada para a determinação do coeficiente de participação das unidades federadas; e) os resultados quantitativos esperados. Dos 40 projetos apresentados no Congresso Nacional, foram selecionados pelo grupo GEFPE/CONFAZ 11 passíveis de quantificação. Segundo o grupo, esses projetos são iguais aos PLP 582/2010, PLP 129/2012 e PLS 192/2011. O PLP 582/2010 e o PLS 192/2011 são de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM). O PLP 129/2012, de autoria da Deputada Federal Perpétua Almeida - (PCdoB/AC), é uma reedição do projeto dessa Senadora, conforme a própria Deputada explicita na justificação do projeto. Os 11 projetos selecionados pelo GEFPE são os constantes do Quadro 10. 190 Quadro 10 - Relação de projetos do Congresso Nacional passíveis de quantificação Proposição Autor Partido PLP-50/1999 Wilson Santos PLP-565/2010 Júlio César PLP-97/2011 Eduardo Cunha PLP-107/2011 Anthony Garotinho PLP-135/2012 Nazareno Fonteles PLP-137/2012 Rose Freitas PLS-192/2011 Vanessa Grazziontin PLS-289/2011 Randolfe Rodrigues PLS-744/2011 Marcelo Crivella PLS-761/2011 Ricardo Ferraço PLS-35/2012 Aloysio Nunes Ferreira Fonte: Câmara dos Deputados e Senado Federal. PMDB/MT DEM/PI PMDB/MT PR/RJ PT/PI PMDB/ES PC do B/AM PSOL/AP PRB/RJ PMDB/ES PSDB/SP Os projetos foram classificados de duas maneiras distintas. A primeira, quanto à distribuição regional de recursos, que se refere à solução que o projeto apresenta quanto à manutenção da divisão do Brasil em duas macrorregiões distintas. Segundo, quanto ao estabelecimento de limites, que se refere à determinação de um valor percentual para a unidade federada ou de um número para determinada variável como limite, inclusive com a utilização de tabelas, nos moldes do CTN. O Grupo GEFPE fez uma análise detalhada, com simulações de todos os critérios e variáveis constantes dos projetos. O resultado do retorno dos coeficientes aos valores do CTN, sem reservas, com valores de 2007, está exposto no Gráfico 1. Gráfico 1 - Novos coeficientes de participação no FPE dos estados com retorno do CTN original Participação FPE 12,00 10,05 10,00 8,02 8,00 6,10 6,27 6,40 6,00 4,00 2,00 8,45 0,54 1,11 2,73 2,79 2,25 2,32 2,54 1,78 1,83 1,88 1,97 2,02 2,03 2,17 3,81 4,20 3,39 3,41 3,52 3,76 4,62 DF ES SC MS MT AP RR RO SE AC TO AM RN GO AL PB PI PR RS SP RJ MA PA PE CE MG BA Fonte: GEFPE/CONFAZ (2012). A título de exemplo, apresenta-se breve relato de uma simulação dos valores a serem recebidos pelos estados caso fosse aprovado o retorno do CTN 191 original, ou seja, sem reservas. A metodologia definida pelo CTN contempla três parâmetros de distribuição, quais sejam: superfície, população e renda per capita. Os dois últimos são utilizados para compor o denominado coeficiente individual de participação, obtido pela multiplicação dos referidos parâmetros. O art. 88 estabelece os pesos dos fatores: I - 5%, proporcionalmente à superfície de cada entidade participante; II - 95% (noventa e cinco por cento), proporcionalmente ao coeficiente individual de participação, resultante do produto do fator representativo da população pelo fator representativo do inverso da renda per capita, de cada entidade participante, como definidos nos artigos seguintes. A Tabela 3 compara os coeficientes estabelecidos pela LC 62/89 com os resultantes da aplicação do CTN aos dados de 2007. Tabela 3 - Comparativo entre os coeficientes do FPE relativos à LC 62/89 e CTN Estados Sigla LC 62/89 CTN Variação (p.p.) Variação (%) Acre AC 3,42100 2,2502 -1,17 -34,22 Alagoas AL 4,16010 3,3923 -0,77 -18,46 Amapá AP 3,41200 1,9744 -1,44 -42,13 Amazonas AM 2,79040 2,5428 -0,25 -8,87 Bahia BA 9,39620 10,0544 0,66 7,01 Ceará CE 7,33690 8,0209 0,68 9,32 Distrito Federal DF 0,69020 0,5436 -0,15 -21,25 Espírito Santo ES 1,50000 1,1074 -0,39 -26,18 Goiás GO 2,84310 2,7925 -0,05 -1,78 Maranhão MA 7,21820 6,1029 -1,12 -15,45 Mato Grosso MT 2,30790 1,8808 -0,43 -18,5 Mato Grosso do Sul MS 1,33200 1,8302 0,50 37,4 Minas Gerais MG 4,45450 8,4468 3,99 89,62 Pará PA 6,11200 6,2693 0,16 2,57 Paraíba PB 4,78890 3,4091 -1,38 -28,81 Paraná PR 2,88320 3,7631 0,88 30,52 Pernambuco PE 6,90020 6,4046 -0,50 -7,18 Piauí PI 4,32140 3,5237 -0,80 -18,46 Rio de Janeiro RJ 1,52770 4,6170 3,09 202,22 Rio Grande do Norte RN 4,17790 2,7318 -1,45 -34,61 Rio Grande do Sul RS 2,35480 3,8115 1,46 61,86 Rondônia RO 2,81560 2,0301 -0,79 -27,9 Roraima RR 2,48070 2,0223 -0,46 -18,48 Santa Catarina SC 1,27980 1,7845 0,50 39,43 São Paulo SP 1,00000 4,1969 3,20 319,69 Sergipe SE 4,15530 2,1735 -1,98 -47,69 Tocantins TO Fonte: GEFPE/CONFAZ (março 2012). 4,34000 2,3236 -2,02 -46,46 192 Os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, considerados estados ricos, tiveram os maiores acréscimos em pontos percentuais, ou seja, 3,99, 3,20 e 3,09%, respectivamente. Por outro lado, os estados do Tocantins e Sergipe, dentro do grupo de estados menos favorecidos, teriam decréscimo de 2,02 e 1,98 pontos percentuais, nesta ordem. O mesmo se processando para as variações percentuais positivas e negativas, com SP liderando o ranking das positivas, com aumento de 319,7%. Um dos motivos reside no fato de que o estado estava com seu percentual congelado em 1% desde 1989. Outra comparação interessante é em relação à distribuição regional dos recursos pela metodologia do CTN quanto à metodologia da LC 62/89, pois esta última destacava 85% dos recursos para as regiões N, NE e CO e 15% para as demais regiões. O Gráfico 2 mostra os resultados. Gráfico 2 - Distribuição dos coeficientes do FPE por região: CTN x LC 62/89 CTN 9,36 LC62/89 6,52 NORTE 8,48 19,41 CENTRO- OESTE 18,37 NORTE NORDESTE 25,37 7,17 NORDESTE SUDESTE CENTRO- OESTE SUL SUDESTE 7,05 SUL 45,81 SE S S27,73 -- SE 27,73 N - NE - CO N - NE 72,27- CO 72,27 52,46 - SE S - SES15,00 15,00 N - NE - CO N - NE - CO 85,00 85,00 Fonte: GEFPE/CONFAZ (março 2012). No tocante à distribuição regional resultante da aplicação da metodologia introduzida pelo CTN aos dados de 2007, verifica-se que a maior parte dos recursos (45,81%) é direcionada para a região Nordeste, seguida pela Norte (19,41), Sudeste (18,37%), Sul (9,36%) e Centro-Oeste (7,05). Já comparando a distribuição no CTN com a distribuição regional atual pela LC 62/89, as regiões Nordeste e Norte continuam sendo os maiores destinatários dos recursos, nesta ordem, havendo redução apenas para a região Centro-Oeste. Há redução nos 193 montantes para as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, em virtude, principalmente, da não utilização das reservas regionais estabelecidas na LC. As regiões Centro-Oeste e Sul invertem a participação; pela LC 62/89 a região Centro-Oeste tem participação de 7,17% e passaria para 7,05%, enquanto o Sul passaria de 6,52 para 9,36%. Em apresentação parcial do andamento dos trabalhos na reunião do CONFAZ, realizada em dezembro de 2011, houve orientação dos Secretários de Fazenda para a realização de outras simulações, além do CTN original, como: modelo do CTN com reservas, modelo de equalização, modelo redistributivo, modelo misto, modelo com incremento de recursos da União (GEFPE/CONFAZ, março 2012). Fora o CTN, os demais apresentavam uma série de variáveis sugeridas pelos técnicos principalmente do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, no sentido de amenizar as perdas a serem sofridas com a alteração dos coeficientes. De acordo com o grupo, em que pese a atuação do Congresso Nacional ter produzido as mais variadas alternativas para solucionar a questão relacionada à distribuição dos recursos do FPE entre as unidades federadas, não se obtiveram resultados positivos com muitos projetos tramitando regularmente e outros sendo arquivados. Três questões merecem destaque nos projetos analisados. A primeira é relativa à distribuição regionalizada dos recursos; a segunda, à escolha das variáveis; e a terceira, a dispositivos revogados ou julgados inconstitucionais. Dos 11 projetos analisados pelo grupo, sete previam a distribuição regionalizada, o que reflete o entendimento da maioria daqueles que apresentaram projetos. Embora a divisão existente no PLS 192/11 não seja regionalizada, ele foi incluído no rol desses projetos porque estabelece uma proporção fixa de distribuição, como se o desenvolvimento socioeconômico do país jamais pudesse caminhar para uma sociedade mais igualitária (GEFPE/CONFAZ, março 2012). A escolha das variáveis demonstra a apreciação dos estudiosos sobre o modelo do CTN. Os critérios e as variáveis do CTN foram as mais utilizadas, ainda que a Constituição Federal tenha considerado aquele tipo de repartição de recurso superado, exigindo a sua modificação. Apesar das metodologias apresentadas serem diferentes, acredita-se que os congressistas vejam nessas variáveis as que melhor se adéquam para refletir a realidade socioeconômica brasileira. Destaque para o PLS 35/12, que adota as variáveis e a metodologia do 194 CTN, diferindo deste apenas no que diz respeito à existência de limites, uma vez que esse projeto abandona a utilização de tabelas. Observação interessante é que alguns projetos fazem menção a dispositivos do CTN que se encontram expressamente revogados, bem como a dispositivos da LC nº 62/89 que foram julgados inconstitucionais, sem que os propositores tivessem a preocupação de revigorar tais dispositivos ou incluí-los no corpo do projeto. Essa falha, se não detectada a tempo, pode abrir o caminho para infindáveis discussões judiciais. A partir desse projetos, Rocha (2011) sugere uma análise sobre a possibilidade de Deputados e Senadores tenderem a votar em bloco na defesa dos seus estados. Segundo o autor, a votação potencialmente favorável é dada pela soma de todos os parlamentares, em cada casa do Poder Legislativo, oriundos dos entes ganhadores. Segundo o autor, dos quatro projetos analisados, apenas dois parecem viáveis: PLP 50/1999 e PLS 192/201176. Destaca-se que os resultados possuem natureza contingente, estando sujeitos a mudanças à medida que os dados se alterem ao longo do tempo. Estados como Amazonas, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo são sempre ganhadores, enquanto Paraná e Sergipe nunca ganham e Bahia e Tocantins aumentam as suas cotas-parte no cenário PLS 289/2011. Essa situação confirma a dificuldade de se tratar do assunto, o que não constitui alguma novidade, já que os recursos do FPE representam uma receita fundamental para grande parte das unidades federadas e qualquer variação negativa, por menor que seja, produz significativo impacto no orçamento dessas unidades. Restam ainda alguns detalhes importantes em negociações dessa natureza. Um deles refere-se à previsão de prazo para “transição” de um modelo para outro, o que não consta na proposta da maioria dos congressistas, mas que foi previsto no modelo da Comissão de Notáveis e no trabalho do GEFPE/CONFAZ. E o outro seria alguma proposta de aumento da base de cálculo do fundo. Em relação a esta última, o GEFPE/CONFAZ fez um estudo demonstrando a redução das receitas do IPI e IR que afetam diretamente os repasses do FPE. 76 Este projeto é idêntico ao PLP 582/2010. 195 Pela Tabela 4 são necessários 257 votos para que um projeto de LC seja aprovado na Câmara e 42 para igual desfecho no Senado. Tabela 4 - Viabilidade legislativa: votação potencialmente favorável UF PLP 50/1999 AC AL 9 AM 8 AP BA CE DF 8 ES 10 GO 17 MA MG MS 8 MT 8 PA 16 PB 12 PE PI 10 PR RJ 46 RN 8 RO 8 RR 8 RS SC 16 SE SP 70 TO CD 262 SF 48 Fonte: Rocha (2011). PLP 565/2010 8 9 8 8 PLS 192/2011 8 9 8 8 PLS 289/2011 8 9 8 8 8 10 17 8 8 17 17 8 53 8 12 16 12 10 10 46 8 8 8 8 8 8 8 8 16 16 16 70 70 254 48 267 48 70 8 240 45 8 8 10 46 Bancada 8 9 8 8 39 22 8 10 17 18 53 8 8 16 12 25 10 31 46 8 8 8 31 16 8 70 8 513 81 Segundo o grupo, o desvio da arrecadação federal para os tributos não compartilhados com outras unidades federadas tem imposto significativas perdas nas transferências constitucionais obrigatórias, caso do FPE. Com essa inversão, o Governo Federal diminuiu a participação daqueles entes na partilha de sua arrecadação. O Gráfico 3 demonstra a situação das transferências. 196 Gráfico 3 - Comparativo da arrecadação governo federal IPI + IR x contribuições e outra receitas administradas pela Receita Federal 80% 76% 72% 70% 58% 60% 60% 61% 58% 53% 55% 54% 53%53% 53% 50% 50% 42% 47% 47% 42% 50% 46% 47% 55% 53% 57% 58% 45% 45%47% 48% 52% 53% 48% 47% 43% 40% 55% 55% 52% 40% 39% 42% 44% 45% 45% 5 5% 46% 30% CONTRIBUIÇÕE S + OUTRAS RECEITAS ADMINISTRADA S (D = B+C) 28% 20% IPI+IR (A) 24% 10% 0% 10 20 09 20 08 20 07 20 06 20 05 20 04 20 03 20 02 20 01 20 00 20 99 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 19 90 19 89 19 88 19 Fonte: GEFPE/CONFAZ. Em 1988, ano da promulgação da CF, a arrecadação oriunda do IR e do IPI somava 76,2% do total da arrecadação da União e as contribuições e outras receitas administradas pela RFB somavam 23,8%. Em 2010, o cenário foi bem diferente e o IR e o IPI representaram 45,5% e as contribuições e outras receitas administradas, 54,5% do total da arrecadação federal. Como resultado desse cenário, os estados brasileiros receberam menos transferências livres de FPE. Os cálculos feitos pelo GEFPE/CONFAZ demonstraram a necessidade de recomposição da base de cálculo do FPE, levando-se em consideração dois objetivos: neutralizar o impacto das mudanças na composição da arrecadação dos tributos administrados pela RFB sobre a evolução do FPE; e ajustar os percentuais aplicados sobre o total arrecadado pela União, restaurando a participação relativa da partilha do FPE ao patamar de 1988. Dessa forma, ficaria garantido que os recursos destinados ao FPE seriam sempre equivalentes a 16,4% do total da arrecadação da União, recompondo, assim, a base perdida pelos estados. O grupo também citou em seu relatório que para compensar as perdas decorrentes de um novo modelo de repartição seria necessário aporte extra de recursos. Outra análise diz respeito à soma do IR e do IPI em 1998, o que representava 16,4% do total da arrecadação do Governo Federal, enquanto que em 2010 essa participação declinou para 9,8%, conferindo aos estados, somente 197 no ano de 2010, perda de aproximadamente 40% do total do FPE. O Gráfico 4 demonstra a evolução da base do FPE, comparando-se com a receita total administrada pela RFB. Gráfico 4 - Evolução da base do FPE, comparando-se com a receita total administrada pela RFB EVOLUÇÃO DA BASE DO FPE, COMPARANDO-SE COM A RECEITA TOTAL ADMINISTRADA PELA RFB 18,00% 16,4% 16,00% 15,6% 12,8% 13,0% 12,5% 14,00% 12,4% 11,3% 11,3% 11,5% 10,7% 9,6% 10,3% 10,4% 9,8% 10,1% 9,7% 10,2%9,8% 9,7% 9,3% 9,4% 9,6% 9,0% 12,00% 10,00% 8,00% IPI+IR (A) 6,00% 4,00% 2,00% 0,00% 10 20 09 20 08 20 07 20 06 20 05 20 04 20 03 20 02 20 01 20 00 20 99 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 19 90 19 89 19 88 19 Fonte: GEFPE/CONFAZ. Diante disso, o GEFPE propôs em seu relatório que a União elevasse o aporte de recursos para o FPE, o que a União não apoiou, tornando então o “período de transição” condição indispensável para aprovação de qualquer proposta que viesse a alterar o modelo vigente. A adoção de novos critérios de repartição do FPE exige que se estabeleça um processo de transição como forma de manter o equilíbrio orçamentário das unidades federadas. Com a transição, são atenuados os impactos financeiros para os estados, garantindo, no mínimo, o valor nominal do repasse para aquelas UFs que perdem percentualmente no índice. Essa foi uma demanda de todos os Secretários nas reuniões do CONFAZ após a sentença do STF, uma preocupação da Comissão dos Notáveis e de poucos parlamentares. Conforme afirma Prado, (2013, p. 122): Qualquer proposta séria de reforma não pode ignorar o problema imposto pela “resistência dos perdedores” – é previsível que os estados que venham a perder com uma dada alternativa se oponham a ela, e com bons motivos. Mesmo que o sistema político consiga convergir e aprovar o sistema mais adequado para a federação brasileira – o que não é de forma alguma certo, como ficou demonstrado em 1989 –, restaria ainda a dificuldade da transição da situação atual para a situação desejada. 198 Caso a União aportasse recursos extras, o problema seria amenizado, mas não houve decisões nessa direção, sendo que assim o ajuste teve que ser feito apenas com os recursos existentes. Conforme Prado (2013, p. 123), diante de um cenário desse, “a dimensão do problema vai depender, primeiro, do grau de redistributividade implícito no novo modelo proposto”. Quanto maior esse grau, mais distante fica a distribuição da LC 62/89. Grandes mudanças levam a grandes perdas e ganhos. Sendo assim, um período de transição muito curto é inviável para os perdedores. Entretanto, em 31/12/2012, o Congresso Nacional ainda não havia aprovado alguma proposta. Em 21 de janeiro de 2013 os Governadores dos estados da Bahia, do Maranhão, de Minas Gerais e de Pernambuco ajuizaram uma ADIN por Omissão-ADO nº 23 contra a omissão do Congresso Nacional. Requereu, em sede de liminar, que o Tribunal mantivesse provisoriamente a vigência dos dispositivos da LC nº 62/89 anteriormente declarados inconstitucionais até que o órgão omisso adotasse as providências necessárias para disciplinar a matéria. No dia 22 de janeiro de 2013, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), encaminhou documento ao STF pedindo que o Tribunal desse mais tempo ao Congresso para votar os novos parâmetros para distribuição dos recursos e negando eventual morosidade do Legislativo. Em outra frente, a Ministra-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, citou também que a interrupção dos repasses provocaria rombo no orçamento de vários estados, com consequências para "milhões de pessoas". Em liminar deferida pelo Ministro Lewandowski, na ADO n o 23, em 24 de janeiro de 2013, garantiu-se a continuidade da transferência dos recursos para os estados e o Distrito Federal, em conformidade com os critérios anteriormente vigentes. O Ministro disse que não ceder poderia provocar grave desequilíbrio econômico para os estados, com prejuízos para a população e risco de paralisação de serviços essenciais. Segundo ele, as verbas que integram o FPE pertencem aos estados e ao Distrito Federal. Assim, concedeu o prazo de 150 dias, começando a vigorar a partir de 25/01/2013, dando mais uma chance para ao Congresso Nacional para que decidisse sobre o tema, o que permitiu que os repasses não fossem interrompidos. 199 As discussões sobre os projetos de lei complementar que tramitavam no Congresso Nacional e buscavam resolver a questão do FPE continuaram até que, em 10 de abril, o Plenário do Congresso aprovou substitutivo do Senador Walter Pinheiro (PT/BA), designado relator da matéria, sobre oito proposições com novas regras de rateio do FPE: os PLS nos 192, 289, 744 e 761, de 2011 – complementares – e 35, 89, 100 e 114, de 2012 – complementares. Aprovada a redação final da matéria, foi registrada manifestação contrária dos Senadores Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) e Ivo Cassol (PP/RO). A proposta do Relator Senador Valter Pinheiro trazia mais perdas para os estados do Amapá e Rondônia, caso dos ex-territórios que haviam sido elevados a estados em 1988, pois até então esses territórios pertenciam à União, e ela era responsável por suas políticas e destinação de recursos. Quando do estabelecimento dos coeficientes, à época da LC no 62/89, para essas áreas não havia muitos parâmetros que indicassem o desenvolvimento das regiões, sendo quase arbitrados, o que justificava qualquer perda em relação às simulações para essas regiões. O substitutivo foi enviado à Câmara dos Deputados em 16 de abril de 2013 e passou a constituir o PLP nº 266, de 2013. O PLP em 12 de junho de 2013 foi rejeitado pela Câmara em votação com 334 parlamentares: votos sim - 218; não 115; abstenção - 1. Os projetos que tramitavam apensados ao PLP 266 ficaram prejudicados e a matéria foi arquivada. Em função do esgotamento do prazo legal estabelecido pelo STF e da necessidade de se retomar os debates em torno da questão, o Senado Federal apresentou, em 18 de junho de 2013, o PLS no 240, de autoria dos Senadores Jose Pimentel (PT/CE), Eunício Oliveira (PMDB/CE) e outros, projeto similar ao substitutivo, aprovado com algumas alterações. A relatoria do projeto ficou novamente a cargo do Senador Walter Pinheiro. O Senador Walter Pinheiro (PT-BA) fez pequenas mudanças em relação ao primeiro texto, para tentar viabilizar sua votação pelo Congresso, ao retirar do texto, por exemplo, a obrigatoriedade para o Congresso definir novos critérios de distribuição do Fundo em 2017, como estava na proposta inicialmente aprovada pelo Senado. O Senador manteve o atual modelo de distribuição do Fundo até o final de 2015, sem qualquer mudança em relação aos critérios que estão em vigor. 200 A partir de 2016, os estados passarão a receber os mesmos valores do ano anterior, mas a arrecadação extra do Fundo será dividida com base em dois novos critérios: tamanho de sua população e da renda domiciliar per capita. Quanto maior a população, maior a fatia dos recursos. E o inverso para a renda domiciliar. O Senador também ampliou o limite mínimo do fator populacional, que passou de 1% na proposta anterior para 1,2% em relação à população total do país. O novo projeto também prevê um redutor nas parcelas dos estados com renda domiciliar per capita superior a 72% da renda média nacional. No projeto inicial, o percentual era de 70%. Pela segunda vez no mesmo ano o Senado aprovou, por 54 votos favoráveis e nove contrários, projeto que fixa novos critérios para distribuição dos recursos do FPE. Apesar das mudanças no projeto, os Senadores votaram divididos e trocaram acusações sobre o texto do relator. Os representantes de estados do Sul e Sudeste reclamaram que a proposta reduzia repasses para as duas regiões. Os Senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Paulo Paim (PTRS) e Lobão Filho (PMDB-MA) propuseram emendas ao projeto de Pinheiro, mas apenas Randolfe manteve até o fim a sua proposta, que acabou derrotada. Os outros dois Senadores retiraram as emendas em busca de entendimento. Ficou clara na discussão dos Senadores a questão regional. Cada um queria, com seus projetos, ao menos preservar os recursos já existentes ou amenizar as perdas de sua região, dada a quantidade de variáveis que constavam dos documentos apresentados. O PLS foi aprovado na mesma data no Senado Federal, sem consenso, e encaminhado em 19 de junho de 2013 à Câmara dos Deputados. E em 26 de junho de 2013 foi aprovado, dando origem à LC no 143. Resta saber se a questão foi realmente resolvida e se o Senado Federal foi vitorioso e cumpriu seu papel. E é sobre as novas regras que compõem a legislação que a próxima sessão discorrerá. 5.6 A nova distribuição do Fundo: Lei Complementar nº 143/2013 A Figura 6 traz todo o histórico do FPE, desde seu surgimento com a Emenda Constitucional nº 18 de 1966 até a edição da Lei Complementar nº 143/2013. Representa uma longa trajetória para um instrumento tão importante, 201 principalmente em federações tão desiguais em que a redução das disparidades regionais é primordial para o desenvolvimento socioeconômico do país, caso do Brasil. Essa Lei modificou três outras: a LC no 62/1989, a Lei no 5.172/1966 (CTN) e a Lei no 8.443/1992 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União) e a reserva constante da LC no 62, que dividia o FPE em 85% para as regiões N, NE e CO e 15% para S e SE, mas manteve os coeficientes de repartição da LC no 62 válidos até 31 de dezembro de 2015 (art. 2º, inciso I), por mais dois anos e meio; depois dessa data passa a vigorar nova regra, a saber: Figura 6 - Histórico da legislação sobre o FPE Fonte: Brasil (2014). De acordo com a nova lei, a partir de 1º de janeiro de 2016 haverá dois critérios de distribuição: o primeiro será aplicado sobre o aporte de FPE que o estado recebeu no correspondente decêndio do exercício de 2015 corrigido pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e pelo percentual equivalente a 75% da variação real do PIB do ano anterior ao ano considerado para base de cálculo (art. 2º, inciso II). Ressalta-se que esse critério mantém os atuais percentuais de partilha do FPE para a fração correspondente. O segundo critério será aplicado sobre o montante que exceder o valor calculado anteriormente. Esse critério irá fixar qual a parcela excedente (caso haja) que será distribuída proporcionalmente a coeficientes individuais de 202 participação obtidos, tendo como referência a combinação de fatores representativos da população (estes limitados à faixa de 0,012 a 0,07) e do inverso da renda domiciliar per capita da UF (art. 2º, inciso III) 77 . A forma de cálculo consta da LC. O resultado dos fatores representativos da população e a soma dos fatores representativos do inverso da renda domiciliar per capita participarão cada um com 50% no coeficiente final da UF (art. 2º, inciso III, § 1º, inciso I); e os coeficientes individuais de participação das UFs cujas rendas domiciliares per capita excederem 72% da renda domiciliar per capita nacional serão reduzidos proporcionalmente ao excesso apurado, percebendo-se que nenhuma entidade beneficiária poderá ter coeficiente individual de participação inferior a 0,005 (art. 2º, inciso III, § 1º, inciso III) (BRASIL, 2014). Os cálculos terão como base os valores censitários ou as estimativas mais recentes da população e da renda domiciliar per capita publicados pela entidade federal competente. E em relação ao valor global a ser entregue às UFs num determinado decêndio, ele fica limitado “ao montante a ser distribuído” (art. 2º, § 2º da LC 143/13), ou seja, ao dispositivo constitucional de que o FPE é uma repartição das receitas federais correspondente a 21,5% da arrecadação efetiva do IR e do IPI (CF, art. 159, inciso I, alínea a) (BRASIL, 2014). Nos decêndios, a União poderá enfrentar duas situações possíveis: a primeira é se o valor corrigido a ser entregue, calculado conforme o primeiro critério citado anteriormente, for superior “ao montante a ser distribuído”: aplicamse os 21,5% constitucionais da arrecadação líquida do IR e IPI e os coeficientes individuais de repartição serão exclusivamente aqueles atualmente vigentes. A segunda situação refere-se a se o valor corrigido a ser entregue, calculado conforme o primeiro critério citado anteriormente, for inferior “ao montante a ser distribuído”. Nesse caso, o valor corrigido do decêndio equivalente do ano anterior será distribuído segundo os coeficientes individuais de repartição atualmente vigentes e a quantia que superar esse montante será partilhada segundo percentuais obtidos de acordo com o segundo critério citado anteriormente, cujo cálculo é feito anualmente pelo TCU. 77 Mais detalhes sobre a forma de cálculo podem ser vislumbrados no conteúdo da Lei complementar 143/2013. 203 Além das alterações na LC 62, a nova lei promoveu as alterações contidas no Quadro 11. Quadro 11 - Outras alterações da LC 143/2014 Legislação Alteração Motivação Alterou o prazo para que o Tribunal de Contas da União informe os O PIB anual é divulgado pelo IBGE números do FPE a vigorarem no próximo ao início de março. O TCU CTN – art. 92 exercício seguinte ao Banco do teria cerca de um mês para levantar os Brasil, até o último dia útil de março coeficientes. de cada exercício financeiro. Definiu que seja publicado até 31 de Adequar os prazos de divulgação dos Lei nº. 8.443/1992 Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União - art. 102 dezembro de cada ano no Diário números para que o TCU tenha tempo Oficial da União, por "entidade hábil para comunicar os coeficientes de competente Executivo participação do FPE, calculados de do Poder federal", a relação das populações acordo com os novos critérios, até final dos Estados e do DF. de março. Fonte: Brasil (2014). Considerando o aumento de prazos citados no Quadro 11, que confere mais tempo para os cálculos do TCU, e as novas regras impostas pelo segundo critério de apuração dos montantes a serem transferidos, pode-se inicialmente afirmar que a nova lei buscou suprir a rigidez dos parâmetros da lei anterior ao considerar as alterações da renda per capita e da população dos estados. Além disso, foi extinta a reserva de 85/15 presente na legislação anterior. Os coeficientes a serem adotados até 2015 pela nova legislação são os constantes da Tabela 5, replicados no Gráfico 5. 204 Tabela 5 - Percentuais individuais de distribuição do FPE vigentes até 2015 UF Participação % Acre 3,4210 Alagoas 4,1601 Amapá 3,4120 Amazonas 2,7904 Bahia 9,3962 Ceará 7,3369 Distrito Federal 0,6902 Espírito Santo 1,5000 Goiás 2,8431 Maranhão 7,2182 Mato Grosso 2,3079 Mato Grosso do Sul 1,3320 Minas Gerais 4,4545 Pará 6,1120 Paraíba 4,7889 Paraná 2,8832 Pernambuco 6,9002 Piauí 4,3214 Rio de Janeiro 1,5277 Rio Grande do Norte 4,1779 Rio Grande do Sul 2,3548 Rondônia 2,8156 Roraima 2,4807 Santa Catarina 1,2798 São Paulo 1,0000 Sergipe 4,1553 Tocantins 4,3400 TOTAL 100,0000 Fonte: Lei Complementar 62/1989, Anexo, com redação dada pela Lei Complementar 143/2013 205 Gráfico 5 - Participação dos estados no total a distribuir (vigência até 2015) Fonte: GEFPE/CONFAZ (março 2012). Do ponto de vista teórico, a cada ano a parcela a ser calculada pelos novos critérios irá aumentar até que tudo seja repassado pelo novo modelo. Na realidade, está aí configurado um período de transição do velho para o novo modelo, o que permitirá aos estados que são os grandes perdedores ajustarem suas finanças de modo mais gradativo. Aprovada a nova legislação, resta saber quais são seus efeitos futuros e se realmente o Congresso Nacional e o CONFAZ conseguiram atender às exigências impostas pela sentença do STF, ao juntarem esforços para aprovação do instrumento legal. Esse assunto será explorado na próxima sessão. 5.7 FPE: um caso de sucesso? Com a nova lei, a atualização anual dos valores do Fundo feitos a partir da aplicação do IPCA acrescido de 75% da variação real do PIB resultará em uma parcela considerável, indicando, assim, os valores calculados a partir do primeiro critério. Apenas a parcela que superar esse montante é que será distribuída individualmente, com base nos novos critérios obtidos mediante combinação de 206 fatores representativos da população e do inverso da renda domiciliar per capita da entidade beneficiária. Apesar dessas condições levarem à aprovação da LC, porque teoricamente conferiram ao modelo caráter dinâmico, trata-se de situação subordinada, de certa forma, a algo incerto, que é o crescimento econômico. Além de os valores a serem repassados pelo novo modelo não serem muito significativos, o que demandará um período de transição longo demais, resta a dúvida se a aprovação do instrumento legal realmente atendeu ao previsto na sentença do STF, que declarou inconstitucional a partilha definida em 1989 em função de seu caráter estático e com o objetivo de impor ao novo sistema um caráter dinâmico. Santos (2014) fez uma simulação dos cálculos do FPE entre os anos de 2002 e 2011, comparando a nova forma de partilha prevista na LC 143 com a LC 62/89, cujo resultado pode ser visto na Tabela 6. Tabela 6 - Porcentagem de participação das regiões LC 62/89 x 143/13 Região Legislação N NE CO S SE DF LC nº 143/2013 24,40% 45,00% 8,50% 11,20% 10,30% 0,80% LC nº 62/89 24,90% 45,30% 8,60% 11,00% 9,50% 0,70% Fonte: Santos (2014). No período de 2002 a 2011, apenas 10% do montante arrecadado seriam distribuídos pelos novos coeficientes, o restante seria repassado pelos coeficientes fixos da LC no 62/89. As variações entre as porcentagens das regiões foram mínimas. A maior foi na região Sudeste, que passaria de 9,50% para 10,30%, representando aumento de 0,8 p.p. O DF foi tratado em separado em função da sua renda per capita interferir no cálculo. Já os técnicos da Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo fizeram um estudo cujo resultado é ainda mais estarrecedor. Seriam necessários mais de quatro séculos para que os recursos do FPE fossem repassados de acordo com os novos critérios de rateio. O estudo revela que apenas no ano de 2425, ou seja, daqui a 411 anos, 95% dos recursos estariam sendo repassados aos estados brasileiros pelo novo regime, restando 5% a serem repassados pela regra 207 anterior. Pelos cálculos da Secretaria, que foram feitos em 2013, demorariam 100 anos para que 50% do FPE fossem distribuídos pelo novo regime. O trabalho usou como parâmetros um crescimento médio anual do PIB da ordem de 3% e uma inflação, medida pelo IPCA, de 5% ao ano. De acordo com os técnicos da Secretaria, o ritmo de expansão da economia é decisivo em relação ao prazo de transição entre os regimes. Sendo assim, quanto maior for o crescimento anual, mais rápida será a transição. A simulação dos técnicos para 95% do modelo encontra-se no Gráfico 6. Gráfico 6 - Divisão dos recursos do FPE por região em 400 anos Fonte: Secretaria de Fazenda de São Paulo (2013). O Gráfico 6 demonstra que a região Nordeste terá sua participação reduzida em 2,37% e a região Centro-Oeste em 1,3%. A região Sul lidera o ranking dos perdedores, com o percentual de 13,16%. Já a região Sudeste, onde reside a maior parte da população brasileira, o ganho será em torno de 12,47%. Por fim, a região Norte, com ganho de 4,57%. Segundo esta simulação, a alteração demorará em torno de quatro séculos para ocorrer. Conforme afirma Oliveira (2013, p. 1), “só em 412 anos o FPE será distribuído pelos novos critérios”. 208 Durante a negociação da LC no 143, foi discutida uma proposta que previa outro critério, qual seja, a não correção pelo IPCA do valor nominal recebido pelo estado no exercício anterior. A alternativa não foi aceita e perdeu-se a oportunidade de ampliação do excedente a ser distribuído, bem como de redução do prazo de transição de um regime para outro. Esse prazo poderia ser reduzido de 411 anos para 35, em relação à distribuição dos recursos do FPE pelos novos critérios. Outro problema a ser destacado foi que em agosto de 2013 a LC 143/2013 foi objeto de impugnação no STF. O Governador do estado de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, ajuizou ADIN com pedido de medida cautelar no STF contra dispositivos da LC no 62/1989, com a redação dada pela LC no 143/2013 sobre o cálculo, a entrega e o controle das liberações dos recursos do FPE. Na ADIN nº 5.069, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, são questionados o artigo 2º, incisos I, II e III, primeira parte, parágrafo 2º, e Anexo Único da Lei Complementar Federal no 62/1989, com nova redação dada pela Lei Complementar Federal no 143/2013. Esses dispositivos, segundo o governador, apesar de terem como finalidade aparente sanar vício de inconstitucionalidade já reconhecida pelo Supremo no julgamento das anteriores ADINs 875, 1987, 2727 e 3243, “violam, sem receio de equívoco, a Constituição Federal em diversos preceitos, padecendo, por conseguinte, de insanáveis vícios substanciais de inconstitucionalidade”. O governador de Alagoas argumenta que foram transgredidos o artigo 161, inciso II, da CF, que dispõe sobre a obrigação de estabelecer critérios para o rateio do FPE, a fim de promover o equilíbrio socioeconômico entre estados e municípios; o artigo 170, inciso VIII, quanto à redução das desigualdades regionais e sociais, com base no princípio da ordem econômica. Além disso, o Governador também cita na ação a desobediência ao artigo 3º, inciso III, sobre erradicação da pobreza como um dos objetivos fundamentais da República Brasileira. Em que pese a ADIN ainda não ter ido a julgamento, sua propositura chama a atenção para mais uma oportunidade que proporciona ao STF de revisitar o tema julgado na ADI 875, propostas pelos governadores dos estados do Mato Grosso e Goiás, sobretudo de avaliar o efetivo atendimento por parte do Congresso Nacional dos parâmetros jurídicos definidos nessa decisão. 209 O exposto leva a refletir se teria a nova lei incorrido nos mesmos vícios já constatados pelo STF em relação à antecedente. Nesse caso, qual seria o papel do Supremo? O STF poderia aplicar a técnica de decisão semelhante à adotada no julgamento anterior? Qualquer que seja a decisão, o novo julgamento da lei do FPE certamente poderá contribuir de maneira significativa para a compreensão e o aprimoramento dos instrumentos de superação das omissões inconstitucionais no Direito brasileiro. Se os efeitos futuros da nova legislação demonstram sua incapacidade em resolver o problema de acordo com a decisão do STF, pode-se afirmar que o Congresso Nacional e o CONFAZ, a despeito dos esforços em aprovar nova legislação, não conseguiram atender às exigências impostas pela sentença do STF, adiando da mesma forma que as propostas de reforma tributária a solução do problema. Oliveira (2013) cita um escritor romano, Tomasi Lampedusa, para afirmar que o “Congresso Brasileiro mudou o FPE para que ele fique como estava, pelo menos nas próximas décadas”. Nesse sentido, a LC no 143, aprovada pelo Congresso Nacional, em nada avançou, pelo menos nas próximas décadas, bem como sua aprovação pode ser considerada um caso de sucesso parcial na advocacy federativa dos estados, no mínimo mantendo o status quo pós-Constituição – lembrando que poderia ser pior para grande parte dos estados. Nos casos estudados o STF foi fundamental nas decisões que envolvem o ICMS e o FPE pois apresentou maior capacidade de arbitrar do que a União. 210 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo das CONSIDERAÇÕES FINAIS é analisar comparativamente os resultados obtidos pela atuação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e do Congresso Nacional na aprovação de reformas do ICMS e do Fundo de Participação dos Estados (FPE), com foco no processo de advocacy federativa. Serão recuperadas as sínteses de cada um dos capítulos desta tese, analisados sob o enfoque dos referenciais teóricos e analíticos propostos. Ao longo do trabalho, buscou-se identificar a dinâmica das relações intergovernamentais, o grau de cooperação obtido pelos atores, haja vista a desigualdade socioeconômica dos governos subnacionais na oferta de políticas públicas, como também o impacto da ausência do processo de coordenação vertical. Os aspectos que nortearam esta tese foram a forma como se estabeleceram as coalizões e os efeitos das instituições e das decisões institucionais sobre o processo decisório; e os padrões de autoridade que prevaleceram e a alternância de forças entre o Governo Federal e os estados nos processos de conjuntura crítica vividos pela federação brasileira (redemocratização em 1988 e inversão de forças em 1995). Para estudar este processo, os dois principais modelos analtícos utilizados foram o Modelo de Coalizão de Defesa - Advocacy Coalition Framework (ACF) - sob a ótica dos níveis estruturais que compõem seu sistema de convicções e suas principais trajetórias; e o modelo do Neoinstitucionalismo Histórico, particularmente sua visão de path dependence e conjuntura crítica. Diante desse contexto, comum às políticas analisadas, as relações intergovernamentais desenvolvidas e os resultados alcançados variaram pouco conforme a política e sua trajetória histórica e apontaram a existência de uma outra arena importante, que é o Supremo Tribunal Federal (STF). O diagrama de estrutura do sistema de convicções ACF prevê níveis estruturais que se subdividem em três convicções: uma de núcleo profundo, uma de núcleo da política pública e uma de aspectos secundários, sendo todas elas permeadas por uma linha que determina o grau de susceptibilidade às mudanças para cada um dos níveis. 211 As convicções de núcleo profundo foram identificadas, no caso brasileiro, pela existência da Constituição Federal e pelas posteriores leis que regem os Sistemas Tributário e de Partilha Brasileiro. Segundo essas convicções, tratam-se de mudanças difíceis de serem feitas dado o alto grau de resistência dos atores e a necessidade de alianças fortes no Congresso Nacional. As convicções de núcleo da política pública, que são arenas estratégicas para compor as coalizões e definir a coordenação dos trabalhos, foram representadas inicialmente neste estudo pelo CONFAZ e pelo Congresso Nacional, e as análises revelaram que estas arenas não obtiveram o resultado desejado a não ser por motivação de outra instância, o STF. Este arbitrou mais do que os outros à semelhança da National Governors Association (NGA), que tem uma atuação forte na Suprema Corte Americana. As convicções de aspectos secundários estiveram presentes em maior escala, identificadas pela atuação dos governadores e dos Secretários de estado, que apresentaram no CONFAZ e no Congresso Nacional os mais diversos argumentos sobre como deveria ser conduzido o processo de reforma. Estas convicções abrangeram as razões e informações que embasaram a construção de propostas e as estratégias dos atores para aprovação das reformas e contenção da guerra fiscal. Os atores (governadores e Secretários de estado) convergiram em relação às questões do núcleo da política pública, quais sejam, a necessidade de reforma do Sistema Tributário e de alteração dos coeficientes de partilha do FPE. A discordância foi observada em relação aos aspectos secundários que permearam a mudança, como a condução das reformas, por exemplo, se o governo federal iria socorrer os perdedores de receitas com a implantação de novo sistema, haja vista alterações dessa natureza representarem um jogo de soma zero. Em relação à forma como se estabeleceram as coalizões, dentre os recursos propostos pelo modelo ACF, não foram observadas a opinião pública, a mobilização de tropas e nem a liderança na condução dos processos. Foram identificados a participação de atores, as informações e o financiamento. Ocorreu a participação de atores com autoridade formal institucionalizada, os Secretários estaduais e alguns governadores que atuaram no CONFAZ ou no Congresso Nacional no processo de discussão das reformas. 212 Entretanto, na maiora das vezes, em função do grau de incerteza que as mudanças gerariam para as finanças dos estados, a formação de coalizões minoritárias pelo atores prevaleceu, não contribuindo para que as negociações caminhassem conforme o desejado pelos estados. Em relação à opinião pública, outro recurso da ACF, cujo papel é dar suporte à coalizão estabelecida pelos atores, não se observou nos estudos um convencimento do público externo sobre os benefícios das reformas e o fim da guerra fiscal. Havia uma competição entre os estados para atrair as empresas para seus territórios em nome do desenvolvimento regional, atitude que deixava as empresas em situação confortável, além de estimular o interesse das mesmas em obter o maior benefício fiscal possível ou manter o status quo. Sendo assim, não havia espaço para o convencimento, ao menos desse público. Em relação aos outros recursos do Modelo ACF, informações e financiamento, constatou-se que os processos de reforma continham as informações necessárias e alguns estudos foram financiados pelos estados e organismos internacionais, mas faltou liderança na condução dos processos de reforma e coordenação para se tornar atrativa a coalizão entre os atores. Sobre as principais trajetórias que explicam as mudanças nas convicções da política pública (processo de aprendizagem, choques externos e internos, e impasse político), constatou-se um processo de aprendizagem dos atores, que buscaram retratar nos diversos projetos protocolados e que tramitaram no Congresso Nacional seus ideais e crenças. Os choques externos e as mudanças socioeconômicas contribuíram, em parte, para a aprovação da reforma do FPE mas, no caso do ICMS, a reforma foi deixada em segundo plano. Quanto aos choques internos, o papel do STF foi fundamental ao arbitrar sobre a necessidade de mudanças no ICMS e no FPE. E, por fim, a última trajetória do Modelo ACF, impasse político, o mesmo se revelou nos agrupamentos dos estados para a discussão das reformas do FPE e do ICMS. Houve, por um lado, a formação de coalizões de estados que detinham as mesmas crenças e interesses, mas, por outro, persistiu o sentimento de desconfiança em relação à capacidade de seus oponentes de negociarem de forma clara e de manterem suas promessas. Ao se analisar o processo de mudança sob a perspectiva do Neoinstitucionalismo Histórico, observou-se que durante o regime militar 213 prevaleceu o padrão de autoridade inclusiva e um alto grau de centralização. O governo federal exercia o papel de formulador de políticas e aos demais entes subnacionais cabia o papel de execução. Em relação às duas conjunturas críticas: a redemocratização do país e a inversão de forças a partir de 1995, prevaleceu, num primeiro momento, o modelo da autoridade independente (lógica da competição) e o da autoridade interdependente (sobreposição de funções e competências). A partir de 1995, algumas iniciativas do governo federal demonstraram aspectos do modelo de autoridade inclusiva. Mesmo que a União tenha apresentado uma mudança na sua forma de atuação é necessário que os governos subnacionais sejam convencidos sobre a necessidade de se implementar a política. Além disso, a União deve exercer o seu papel de coordenadora nesse processo. As diferenças e semelhanças entre os dois casos analisados (ICMS E FPE) são apresentadas a seguir, mas, antes, torna-se necessário retomar as questões iniciais desta tese: a) Como os estados se articularam para enfrentar os problemas fiscais advindos da descentralização deflagrada com a Constituição de 1988 e posteriores ajustes, diante de um quadro de heterogeneidade socioeconômica? b) As estruturas de articulação interestadual criadas foram capazes de promover a cooperação horizontal entre os estados e proporcionar instrumentos para se fazer advocacy federativa? Se sim, de que forma e com quais efeitos? e c) O relacionamento interestadual foi capaz de influenciar a coordenação federativa vertical? Houve diferença entre os casos estudados? A análise dos casos demonstrou a importância da existência de uma política nacional na coordenação federativa e de sua influência sobre a articulação horizontal, apesar de tal política não ser uma garantia de coordenação e articulação. Outro aspecto observado foi o alto grau de institucionalização das arenas CONFAZ e Senado Federal, por terem previsão constitucional e serem criados por lei, em comparação com o Fórum de governadores. 214 No caso do Fórum, apesar dos governadores buscarem a cooperação ou o estabelecimento de uma agenda comum para o exercício da advocacy junto à União, em determinado momento essa articulação foi temporal e eles acabaram se dispersando, pela falta de institucionalização e pelos interesses difusos conferidos pela heterogeneidade entre eles. Destaque deve ser dado ao importante papel exercido pelo STF nos dois casos estudados. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) ajuizadas no Supremo foram uma reação dos governadores e Secretários estaduais contra a morosidade do Congresso Nacional em aprovar os projetos de reforma e a ineficiência do CONFAZ em conter a guerra fiscal. O grau de consenso dos atores em relação às decisões sobre as reformas pode ser medido a partir de mais ou de menos aceitação por esses atores da estrutura da política. No caso do ICMS, o acirramento da guerra fiscal, o princípio de unanimidade nas decisões proferidas pelo CONFAZ, a ausência do governo federal, as diferenças regionais e a incapacidade do Congresso em construir um acordo entre os Parlamentares são alguns dos fatores que dificultam obter o consenso em torno da política tributária e uma solução para o andamento da reforma, além de dificultarem o processo de coordenação federativa. No caso do FPE, a guerra se travou no Congresso Nacional em 1976, com a pressão dos governadores pelo retorno dos percentuais aos patamares de 1967 e pelo fim da desvinculação, e em 2013 porque os governadores temiam não receber mais os repasses em função da decisão do STF, o que os motivou a se organizarem regionalmente e pressionarem o Congresso por uma solução. Nesse caso, destaca-se a organização dos Governadores na busca de uma solução que resultou na aprovação da Lei Complementar no143/2013, o que não aconteceu, no caso do ICMS. Nestes dois momentos prevaleceram as convicções de aspectos secundários do Modelo ACF pela forte participação dos atores. Constatou-se que a mudança nas relações intergovernamentais entre os entes federados e a União não varia muito em relação ao assunto discutido e sua trajetória histórica. No regime ditatorial, as relações intergovernamentais se assemelhavam mais à forma de um Estado unitário do que às que caracterizam as Federações, predominando um padrão de autoridade inclusiva, ou seja, há dependência de decisão dos entes subnacionais em relação ao Governo Federal. Os governos subnacionais eram meros executores das políticas públicas cujo 215 planejamento cabia ao Governo Central. Não havia espaço para a cooperação entre os entes e era difícil equilibrar as relações de centralização e descentralização. O Quadro 12 apresenta uma síntese dos aspectos presentes nas decisões sobre ICMS e FPE no regime militar: Quadro 12 - Regime Militar - ICMS x FPE – 1967-1987 Relações Intergovernamentais Instrumentos Advocacy Autonomia Poder decisório Aspectos Sistema Fiscal ICMS a) Criação do Sistema Tributário a) Criação participação FPE dos fundos de b) Da União em matéria fiscal e financeira período de centralização - poder de administrar e controlar o repasse de recursos tributários aos entes subnacionais. c) Aumentou autonomia da União e limitou poder de tributar dos estados; d) Congresso Nacional forte - Senado – responsável por definir alíquotas máxima do ICM em 1967 buscando conter guerra fiscal; d) 1975 - Criação do CONFAZ – para conter guerra fiscal e conflitos entre os estados - Forte pressão do governo federal b) Da União em matéria fiscal e financeira; período de centralização - poder de administrar e controlar o repasse de recursos tributários aos entes subnacionais. c) Aumentou a autonomia da União e reduziu os percentuais de participação do Fundo; d) Reduziu a autonomia dos estados ao mínimo; e) Organização regional - regiões CentroSul reivindicavam ampliação da base tributária; f) 1967 - Disputa e competição entre mesmo nível governo; presença forte do Governo Federal - Modelo autoridade inclusiva ou hierárquica e) Organização regional - regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste reivindicavam maior parcela do FPE; f) 1967 – Disputa e competição entre os níveis de governo; presença forte do Governo Federal - Modelo Autoridade Inclusiva ou Hierárquica d) 1976 - Pressão dos Governadores que provocou o aumento dos percentuais FPE a partir de 1976. g) Baixa coordenação e cooperação; g) Baixa coordenação e cooperação; i)1982 - Competição entre regiões pressão dos governadores – início do Modelo Autoridade Interdependente – acordos/barganha i) 1976 - Competição entre níveis de governo - pressão dos Governadores - início do Modelo Autoridade Interdependente- acordos/barganha j) Enfraquecimento do Governo Federal j) Enfraquecimento Federal do Governo Fonte: elaboração da autora. O CONFAZ, no regime militar, sofreu forte pressão, pois além do Governo Federal presidir o Conselho, os governadores e prefeitos eram nomeados pelo Presidente da República, o que levou ao predomínio de uma postura hierárquica. Seus objetivos de harmonização tributária e contenção da guerra fiscal foram obtidos em função da preponderância do Governo Federal em relação aos 216 estados. No tocante à postura do Congresso Nacional, este detinha o poder de reduzir ou aumentar as alíquotas internas do então ICM, poder esse que foi reforçado em 1968 quando não era necessária a subordinação das resoluções do Senado às leis complementares. O mecanismo conferia mais agilidade ao processo e o Senado era soberano para decidir sobre quais seriam os rumos das alíquotas internas do imposto. Nas discussões relativas ao FPE, a comissão de reforma no Congresso Nacional decidiu pela criação de um sistema de transferências que pudesse compensar os entes subnacionais pelas perdas oriundas da reforma tributária de 1966/67. Esse sistema foi materializado na Constituição de 1967. Entretanto, a União, no período de 1969 a 1980, por meio de normativos, reduziu os coeficientes de repasse do Fundo, além de vincular a aplicação dessa receita de transferência pelos governos subnacionais. Observa-se que nas relações intergovernamentais em cada um dos temas a concepção centralizadora na forma de atuação foi muito forte no Governo Federal, postura que afetou as relações intergovernamentais nos períodos subsequentes. Nesse momento não havia espaço para a realização de advocacy dos estados no ICMS ou no FPE, em função do estreitamento do poder dos governos subnacionais, predominando um padrão autoritário de governo. O período de redemocratização do país alterou o cenário das relações federativas já no final da década de 70, diante de um contexto de pré-eleições e eleições diretas de governadores estaduais. A pressão dos chefes dos executivos estaduais por mais autonomia resultou na desvinculação da receita do FPE e no retorno dos coeficientes de repasse estabelecidos na Constituição de 1967. Os governadores tornaram-se atores políticos fundamentais no Brasil, após as eleições de 1982, e se organizaram regionalmente para o exercício da advocacy de seus interesses junto à União. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste reivindicaram mais recursos por meio do aumento dos percentuais do FPE e a região Centro-Sul reivindicou a ampliação da base tributária. O Governo Federal, na primeira conjuntura crítica, entrou em grave crise financeira, o que o enfraqueceu perante os estados, fortalecendo os governadores e prefeitos no novo desenho federativo que se iniciava. Prevaleceram nesse contexto duas lógicas: a primeira, da disputa e da competição, presente na autoridade independente; e a segunda, a partir de 217 meados da década de 70, o início da construção de acordos e trocas tendendo ao modelo de sobreposição de funções e competências, caracterizado pela lógica da autoridade interdependente que foi proposta pela Constituição de 1988. O Governo Federal reduziu sua capacidade de implementar políticas nacionais e seu poder de resolver conflitos federativos, impactando a legitimidade do CONFAZ. No tocante ao federalismo, emergiu um modelo não cooperativo, predatório e estadualista. A partir de 1995 a relação de forças foi invertida com o fortalecimento do Governo Federal e a grave crise financeira que assolava os estados. A União adotou uma série de medidas de coordenação federativa, além da busca pela legitimação de suas iniciativas perante os governos subnacionais. Por outro lado, os estados se articularam para enfrentar os problemas fiscais, por meio das reuniões do CONFAZ, de discussões no Congresso Nacional e de reuniões de governadores com a União e com o Congresso. No entanto, não foi possível a construção de soluções coletivas, diante de um quadro de heterogeneidade socioeconômica e de diferentes interesses. Inúmeras são as propostas de reforma que transitaram e transitam pelo Congresso Nacional buscando alterar a fisionomia do Sistema Tributário e o FPE sem a obtenção do sucesso desejado. No caso em que houve avanço, materializado pela aprovação de uma nova lei que regulamenta o FPE, o resultado não mudou a situação no curto prazo. As diferentes visões sobre a solução do problema, as diferentes capacidades de arrecadação própria e de dependência dos sistemas de partilha dividiram os estados no exercício da advocacy. 218 O Quadro 13 traz uma síntese dos aspectos presentes nas decisões sobre ICMS e FPE durante e após a Constituição de 1988. Quadro 13 - Redemocratização - ICMS x FPE – 1988-2014 Relações Intergovernamentais Instrumentos Advocacy Autonomia Poder decisório Aspectos Sistema Fiscal ICMS FPE a) Reforma em 1988 e minirreforma em 2013 b) Alternância de poder decisório da União em matéria fiscal e financeira; entre períodos de centralização e descentralização a) Reforma em 1988 e em 2013 a) Ampliou autonomia dos estados e impôs perdas de recursos para a União b) 1997 – aprovação da Lei Kandir suprimindo autoridade decisória dos GSN a) Estados recuperam autonomia para utilização do Fundo e coeficiente do FPE retorna aos patamares de 1967 b) União concede benefícios fiscais em impostos partilhados, diminuindo a receita dos estados e reduzindo a autonomia dos entes. a) Governadores se uniram para defesa coeficientes do FPE em 1988 b) CONFAZ cria CONSEFAZ e inclui discussão FPE c) Senado Federal cria Comissão de Notáveis; d) Governadores solicitam ao STF mais prazo para aprovação do FPE a) 1988 – enfraquecimento do CONFAZ e fortalecimento do Congresso Nacional b)1993-1994 - enfraquecimento do Congresso Nacional c) Senado Federal cria Comissão de Notáveis d) Senado Federal negocia junto ao STF prazo maior para aprovação FPE a) Competição - Modelo e Autoridade Interdependente b) aumento da coordenação vertical do Governo Federal e da articulação horizontal b) Ausência do Governo Federal nas discussões nas discussões c) Enfraquecimento dos estados – acirramento da guerra fiscal. b)Alternância de poder decisório da União em matéria fiscal e financeira; entre períodos de centralização e descentralização a) Competição Modelo de Autoridade Interdependente -Pressão dos governadores junto ao Congresso Nacional – federalismo predatório b) Ausência do Governo Federal nas discussões no CONFAZ e no Congresso Nacional. Fonte: elaboração da autora. As estruturas de articulação interestadual, seja por meio do CONFAZ, da Comissão de Notáveis ou do Senado Federal, não foram capazes de promover a cooperação horizontal entre os estados e de proporcionar a construção de soluções coletivas para os problemas enfrentados, situação caracterizada no Modelo ACF como impasse político, no qual há coalizões por atores que detinham interesses similares. Os estados ora se agrupavam por regiões na defesa de seus interesses, caso do FPE, ora bloqueavam a agenda de reformas individualmente, caso do ICMS, em que o avanço da reforma tributária foi impedido por apenas um voto em uma das reuniões do CONFAZ. 219 Há que se destacar a ausência e o desinteresse do Governo Federal que, nas discussões do CONFAZ em relação ao ICMS, não vem assumindo o seu papel de coordenador do Conselho, o que tem levado os estados a se digladiarem nas reuniões e contribuído para a perpetuação da guerra fiscal. A falta de consenso em torno da política tributária é a principal característica que dificulta a coordenação federativa. Da mesma forma, nas discussões sobre o FPE o Governo Federal também se ausentou, apesar de ter criado um grupo no âmbito do CONFAZ para a solução do problema. Entretanto a declaração do governo federal de que não seria possível aportar mais recursos ao Fundo, fez cair por terra a única alternativa capaz de levar ao consenso e a uma proposta única dos estados, pois, na falta de recursos adicionais, qualquer dos modelos a ser adotado na nova lei traria perda de recursos para um grupo de estados em benefício de outros. Um jogo de soma zero diante de um quadro de escassez de recursos e da ausência de mais aporte por parte da União em que os estados tenderiam a optar por uma proposta que lhes trouxesse menor perda de receita. Nesse sentido, o papel da União não se restringe apenas à coordenação do processo de mudança, mas também ao de assumir as perdas desses entes governamentais durante algum período de transição. Esse papel explica, em parte, a resistência do Governo Federal a agir na resolução do conflito, uma vez que detém previamente o tamanho dessa conta. Em relação à atuação do Congresso Nacional sobre os projetos de reforma, a Comissão de Notáveis criada pela presidência do Senado Federal não não obteve o êxito desejado na sua proposta conjunta de revisão do sistema e a União optou por fazer uma reforma fatiada, acreditando ser essa forma a mais viável de ser aprovada. Outra ação do Congresso tem sido retomar suas resoluções como instrumentos para solução dos conflitos federativos, considerando a impossibilidade de se avançar na proposta de reforma tributária e a ineficiência do CONFAZ em encontrar uma solução, como no caso da Resolução no 13/2012, que teve por objetivo acabar com a guerra dos portos. No caso do FPE, o Congresso Nacional não conseguiu cumprir o primeiro prazo estabelecido pelo STF para aprovação de uma nova lei, tendo o mesmo sido prorrogado pelo STF. Outro aspecto importante a ser destacado é que a falta de soluções para o problema da reforma do ICMS, bem como para a questão do FPE, tem 220 contribuído para o aumento do processo de judicialização da política pública no Brasil. No caso do ICMS, o aumento da guerra fiscal tem conduzido os governos estaduais a ajuizarem ADINs no STF contra outros estados. Apesar do CONFAZ ser a arena de negociação e harmonização do imposto, ele não tem cumprido seu papel a contento. A falta de consenso entre os estados é notória e eles não respeitam as decisões do CONFAZ ao fomentarem a guerra fiscal, principalmente pelo alto grau de desconfiança dos estados em relação às promessas da União de ressarcimento das perdas com o novo modelo fiscal. Um exemplo é a Lei Kandir, que trouxe grandes perdas de receitas para os estados e cujo ressarcimento foi parcialmente cumprido pela União. No caso do FPE, a judicialização se deu pela falta de aprovação de novos coeficientes no Congresso Nacional, para fins de transferência do imposto, que estava prevista desde 1989. Além disso, pouco depois de aprovada a nova lei do FPE, cujo período de transição não muda o status quo no curto prazo, conclui-se que a mesma não confere ao sistema o caráter dinâmico determinado pelo STF, a não ser no longo prazo, o que tornou o instrumento legal questionável e passível de nova ADIN. Decisões que nada mudam, pelo menos no curto prazo, são tomadas devido ao alto grau de resistência às mudanças, por parte dos atores, e ao medo constante das perdas de recursos e de desequilíbrio de suas finanças. A judicialização da política pública é um retrato da pouca cooperação intergovernamental. Em contrapartida, verifica-se que a institucionalização de uma instância colegiada composta de chefes dos executivos estaduais, como foi apresentado nesta tese pelos estudos feitos sobre a experiência dos EUA, Canadá e Austrália, fortalece a cooperação intergovernamental e a proposição de soluções coletivas para problemas comuns. Esses colegiados buscam não só a construção coletiva de soluções para suas necessidades, mas também estabelecem regras de relacionamento entre diferentes níveis de governo, o que os ajudam a exercer a advocacy de seus interesses junto ao Governo Central, contribuindo para a melhoria da relação vertical, por delimitarem a atuação desse nível de governo. Entretanto não é tarefa fácil o estabelecimento de instituições dessa natureza no Brasil em função do alto grau de desigualdade existente no país, além de processos de descentralização e centralização serem vistos de forma dicotômica. As disparidades horizontais prejudicam o estabelecimento de acordos 221 entre os estados e também dificultam o governo central arbitar em favor de uma das partes. Sendo assim, são pouquíssimas as experiências de Fóruns de governadores e de reivindicações conjuntas de soluções comuns, no caso brasileiro, conforme foi aqui relatado. Afirma-se, finalmente, que, como os governos subnacionais podem exercer forte influência sobre as políticas elaboradas pelo Governo Central, um colegiado de governadores - ao levar a posição dos 26 estados da Federação e do Distrito Federal à mesa de negociação – teria o poder de barganha 27 vezes maior. Ficou evidente nas experiências internacionais que instituições de advocacy federativa fortes podem de forma incremental mudar essa situação, alavancar a cooperação horizontal melhorando as relações entre as esferas de governo. Apesar do desafio do federalismo brasileiro ser maior do que o de federações menos desiguais, há espaço para soluções incrementais, o que pode ser observado pelo surgimento de novos grupos como o Consórcio Nacional de Secretários de Fazenda (CONSEFAZ), o Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (ENCAT) e o Grupo de Gestores das Finanças Estaduais (GEFIN) que, apesar de jovens no processo, já trazem experiências concretas de cooperação horizontal e vertical e reacendem a esperança do fortalecimento de uma cultura de negociação e respeito entre os entes governamentais. Na realização desta tese, algumas inquietações, que não são foco deste estudo, foram surgindo e seria pertinente serem verificadas num futuro próximo, como por exemplo: a) a análise do papel do STF na solução de conflitos, substituindo a ação mais proativa das arenas de negociação (CONFAZ e Congresso Nacional); e b) a interferência, se é que ela existe, dos partidos políticos, na formação de coalizões, em detrimento dos arranjos regionais. 222 REFERÊNCIAS ABRUCIO, F.L. Coordenação Federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Curitiba: Revista de Sociologia Política, jun. 2005. ABRUCIO, F.L.; COSTA, V.M.F. Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro. Pesquisas, n. 12, São Paulo, Fundação Konrad Adenauer, 1999. ABRUCIO, F.L.; COSTA, V.M.F. Reforma do Estado e o contexto federativo brasileiro. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 1998. ABRUCIO, F.L. Federalismo e processo de governo: a hipertrofia dos executivos estaduais brasileiros. 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O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, a que se refere o artigo 86, será distribuído da seguinte forma: I - 5% (cinco por cento), proporcionalmente à superfície de cada entidade participante; II - 95% (noventa e cinco por cento), proporcionalmente ao coeficiente individual de participação, resultante do produto do fator representativo da população pelo fator representativo do inverso da renda per capita, de cada entidade participante, como definidos nos artigos seguintes. Parágrafo único. Para os efeitos do disposto neste artigo, consideram-se: I - a superfície territorial apurada e a população estimada, quanto à cada entidade participante, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; II - a renda per capita, relativa a cada entidade participante, no último ano para o qual existam estimativas efetuadas pela Fundação "Getulio Vargas". Art. 89. O fator representativo da população a que se refere o inciso II do artigo anterior, será estabelecido da seguinte forma: Fator I - Até 2% ...............................................................................2,0 II – Acima de 2% até 5%: a) pelos primeiros 2% .....................................................2,0 b) para cada 0,3% ou fração excedente, mais ...............0,3 III - Acima de 5% até 10%: a) pelos primeiros 5% .....................................................5,0 b) para cada 0,5% ou fração excedente, mais ...............0,5 IV - Acima de 10% ......................................... .....................10,0 Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, considera-se como população total do País a soma das populações estimadas a que se refere o inciso I do parágrafo único do artigo anterior. Art. 90. O fator representativo do inverso da renda per capita, a que se refere o inciso II do artigo 88, será estabelecido da seguinte forma: Inverso do índice relativo à renda per capita da entidade participante: Fator Até 0,0045..........................................0,4 Acima de 0,0110 até 0,0130..............1,2 Acima de 0,0045 até 0,0055..............0,5 Acima de 0,0130 até 0,0150..............1,4 Acima de 0,0055 até 0,0065..............0,6 Acima de 0,0150 até 0,0170..............1,6 Acima de 0,0065 até 0,0075..............0,7 Acima de 0,0170 até 0,0190..............1,8 Acima de 0,0075 até 0,0085..............0,8 Acima de 0,0190 até 0,0220............. 2,0 Acima de 0,0085 até 0,0095..............0,9 Acima de 0,220..................................2,5 Acima de 0,0095 até 0,0110..............1,0 Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, determina-se o índice relativo à renda per capita de cada entidade participante, tomando-se como 100 (cem) a renda per capita média do país. [...] 242 ANEXO C - CRITÉRIO “CTN 1966- 1989 – COM RESERVAS” Fator Peso Superfície (proporcional) 5% População (proporcional) Renda Per Capita 95% (inverso) Coeficiente Final Limites P/ Distribuição de 80% (todos os estados) Limites P/ Reserva de 20% (Estados do Norte e Nordeste) piso = 2%; teto =10% piso = 0,4; teto = 2,5 piso = 2%; teto =10% piso = 0,4; teto = 2,5 teto = 10% 243 ANEXO D - DECRETO-LEI nº 1.434, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1975 Decreto-Lei nº 1.434, de 11 de Dezembro de 1975: [...] Art. 1º Fica criada reserva do Fundo de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, a que se refere o item I do artigo 25 da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 5, de 28 de junho de 1975, destinada exclusivamente aos Estados das Regiões Norte e Nordeste, constituída por: I - 10% dos recursos do referido Fundo, nos exercícios financeiros de 1976 e 1977; II - 20% dos recursos mencionados no item anterior, a partir do exercício financeiro de 1978, inclusive. Art. 2º Os recursos da reserva criada na forma do artigo 1º serão distribuídos de acordo com coeficientes individuais de participação, calculados pelo Tribunal de Contas da União, de acordo com os critérios fixados nos artigos 88 a 90 da Lei número 5.172, de 25 de outubro de 1966, sem prejuízo da participação desses Estados, nos termos da legislação em vigor, nos demais recursos do Fundo a que se refere este Decreto-lei. Parágrafo Único. Os coeficientes individuais, calculados na forma do item II do artigo 88 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que forem iguais ou superiores a 10, serão reduzidos em 50%, para efeito da distribuição da reserva instituída por este Decreto-lei. [...] 244 ANEXO E - PLC – FPE - NA CAMARA E NO SENADO FEDERAL PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS VERSANDO SOBRE FPE ITEM NÚMERO ANO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 34 90 99 44 73 121 124 7 50 53 319 351 7 310 435 458 565 582 97 107 112 129 135 137 1991 1991 1992 1995 1995 1996 1996 1999 1999 1999 2002 2002 2003 2005 2008 2009 2010 2010 2011 2011 2011 2012 2012 2012 AUTOR SITUAÇÃO João Maia Maurici Mariano Valter Pereira Ildemar Kussler Gilney Viana Marisa Serrano João Maia Marcos Afonso Wilson Santos Flávio Dérzi José Carlos Coutinho Ramez Tebet Wilson Santos Inocêncio Oliveira José Fernando Aparecido de Oliveira José Fernando Aparecido de Oliveira Júlio César Vanessa Grazziotin Eduardo Cunha Anthony Garotinho Arnaldo Jordy Perpétua Almeida Nazareno Fonteles Rose de Freitas Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Apensado ao PLP 351 2002 Apensado ao PLP 7 1999 Arquivado Apensado ao PLP 7 1999 Pronto para Plenário Devolvido ao autor Arquivado Apensado ao PLP 351 2002 Pronto para Plenário Apensado ao PLP 458 2009 Apensado ao PLP 565 2010 Apensado ao PLP 565 2010 Apensado ao PLP 565 2010 Apensado ao PLP 351 2002 Aguardando despacho Aguardando despacho Aguardando despacho Fonte: Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR DO SENADO FEDERAL VERSANDO SOBRE FPE ITEM NÚMERO ANO 1 165 1989 2 366 1989 3 161 1996 4 571 1999 5 53 2000 6 133 1998 7 136 1999 8 602 1999 9 44 2000 10 208 2000 11 29 2005 12 289 2011 13 192 2011 14 744 2011 15 761 2011 16 35 2012 AUTOR Fernando Henrique Cardoso João Lobo Iris Rezende Machado Iris Rezende Machado Marina Silva Marina Silva Marina Silva Luiz Estevão Heloisa Helena Roberto Saturnino Braga Serys Slhessarenko Randolfe Rodrigues Vanessa Grazziotin Marcelo Crivella Ricardo Ferraço Aloysio Nunes Ferreira Fonte: Senado Federal (www.senado.gov.br) SITUAÇÃO Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Arquivado Rejeitado Arquivado Retirado pela autora Rejeitado Arquivado Relatoria Relatoria Aguardando relatoria Aguardando relatoria Aguardando relatoria 245 ANEXO F - RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS 1- Andre Puccinelli – Ex-governador do Estado do mato Grosso do Sul 2- José Barroso Tostes Neto – Secretário de Fazenda do Estado do Pará – Presidente do CONSEFAZ e Coordenador dos Secretários no CONFAZ 3- Renato Augusto Zagalo Villela dos Santos – Secretário de Fazenda do Estado de São Paulo – Ex-Secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro – Ex-Secretário do Tesouro Nacional 4- George André palermo Santoro – Secretário de Fazenda do Estado de Alagoas; Ex-Subsecretário da Receita do Estado do Rio de Janeiro – ExSubsecretário de Política fiscal do Estado do Rio de Janeiro 5- Leonardo Mauricio Colombini Lima – Secretário de fazenda do DF – ExSecretário de Fazenda do Estado de Minas Gerais 6- José Roberto Rodrigues Afonso - Assessor técnico do Senado Federal economista e técnico em contabilidade e pesquisador do FGV/IBRE,.