PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS Maura Vianna Prates Aluna de doutorado do curso de Pós-graduação do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília/UnB. [email protected] Fotografias gentilmente cedidas pelo Prof. Antônio Sebben s ameaças à saúde de seres vivos causadas por infecções de microrganismos resistentes a antibióticos e a vários agentes germicidas vêm atingindo índices jamais registrados. Muitos microrganismos têm desenvolvido resistência tanto contra os já bem estabelecidos antibióticos de uso convencional quanto contra os antibióticos de última geração (Austin D. J., et al., 1999), causando graves problemas de saúde pública e vultosos prejuízos econômicos. O impacto da crescente resistência de microrganismos a medicamentos e a substâncias específicas tem movimentado vários grupos de 30 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Carlos Bloch Júnior Professor adjunto do Instituto de Química da Universidade de Brasília/UnB, Pesquisador do Cenargen/Embrapa. [email protected] Uma alternativa no combate a microrganismos resistentes pesquisa, assim como a indústria farmacêutica para desenvolvimento de novas drogas que sejam capazes de lidar efetivamente com as estratégias de adaptação que esses organismos elaboram, em face de todo o tipo de situação adversa. O surgimento da resistência a antimicrobianos é um exemplo clássico de evolução em resposta a uma forte pressão de seleção. Hospitais e outros estabelecimentos constituem uma comunidade ecológica particular, na qual diversos tipos de micróbios circulam e interagem entre si diretamente, por meio da reprodução e da troca de plasmídeos, e/ou indiretamente, por meio de interações entre pacientes e funcionários. O corpo humano é um conhecido habitat de uma microflora muito diversificada, composta de populações benéficas, populações prejudiciais à saúde e populações que vivem comensalmente, as quais exercem pouca influência sobre seu hospedeiro em condições normais. A respeito dos microrganismos patogênicos, a maior preocupação é o surgimento de cepas resistentes aos antimicrobianos disponíveis. Entretanto, os microrganismos comensais estabelecem um tipo de problema diferente daquele imposto pelos microrganismos patogênicos. Sob condições normais, eles vivem em locais como a pele ou o trato respiratório, causando pouco ou nenhum problema. Porém, quando transferidos para regiões estéreis, como a corrente sangüínea e os pulmões, eles podem ser maléficos e provocar sérios distúrbios na saúde do hospedeiro (Stewart F. M., et al., 1998). Uma vez que os antimicrobianos são introduzidos para tratar os verdadeiros patógenos e não os comensais, vários fatores de transferência de resistência são assim disseminados e podem ser transmitidos a linhagens sensíveis, por meio do contato entre as células. Muitos fatores de virulência, como, por exemplo, os de Staphylococcus aureus, são carregados por plasmídeos e podem ser consignados entre diferentes linhagens. Sem dúvida, esse é o principal mecanismo para o rápido espalhamento de linhagens com resistência múltipla (Brock, T. D., et al.,1994). Além disso, o problema da resistência introduz questões relacionadas com a duração e com a intensidade do tratamento, com as estratégias que envolvem o uso de várias drogas concomitantemente e com o rigor que deve ser obedecido por parte dos pacientes. PROBLEMÁTICA DA RESISTÊNCIA A DROGAS A infecção hospitalar vem despertando interesse não somente para a área sanitária como também para a econômica, devido, sobretudo, à versatilidade com que os microrganismos causadores têm driblado a ação de drogas. A infecção hospitalar atinge dois milhões de norte-americanos a cada ano e cerca de setenta mil acabam morrendo. O S. aureus é um dos microrganismos mais comumente encontrados em hospitais e um dos principais agentes causadores da infecção hospitalar. A resistência da bactéria S. aureus a antibióticos vem crescendo assustadoramente, mesmo em se tratando de drogas poderosas e de amplo espectro como a meticilina. Em 1981, 5% da população de S. aureus eram resistentes a este antibiótico. Dez anos depois a porcentagem aumentou para 38% e as estimativas atuais são de cerca de 50% de Figura 1a: Phyllomedusa tarsius: "Perereca da Floresta" - espécie amazônica resistência à meticilina (http:// www.bhj.org/journal/1997/3901_jan/ special_064.htm). Infecções causadas por microrganismos resistentes não atingem somente a saúde humana. Na pecuária, grandes são os problemas enfrentados pelos criadores de gado leiteiro susceptível à mastite, uma condição inflamatória da glândula mamária causada por bactérias, (S.aureus, E. coli e P. aeruginosa, principalmente) que acarreta mudança das características físicas do úbere e do leite, em vacas. As perdas na indústria leiteira dos Estados Unidos somam mais de dois bilhões de dólares por ano. Os custos incluem a diminuição da produção e a perda da qualidade do leite, seja provocada pela inflamação propriamente dita, seja causada pelo uso de antibióticos para o tratamento e as despesas com veterinários, com laboratórios e com a perda dos animais (http://classes.aces.uiuc.edu/AnSci308/mastitisintro.html). O mesmo quadro pode ser verificado no que diz respeito aos fitopatógenos. O surgimento de resistência de fungos fitopatogênicos de importância agronômica é considerado um fator limitante na eficácia e na vida útil das mais variadas estratégias de controle de doenças (Heaney S., et al., 1994). Muitos gêneros tais como Aspergillus, Botrytis, Venturia, Ustilago, Marnaporte, Colletotrichum, Alternaria, Cercospora, Cladosporium e Penicillium, têm desenvolvido estratégias elegantes de resistência contra os fungicidas mais amplamente empregados como os da classe dos benzimidazóis, das estrobilurinas, das fenoxiquinolinas e das anilinopirimidinas (Steffens, J. J., et al., 1996). Nos últimos anos, tem-se constatado que mesmo fungicidas de amplo espectro de ação como o Benomyl, tornaram-se alvo de resistência. O emprego deste fungicida tem-se mostrado cada vez mais ineficiente para combater a antracnose, doença provocada pelo gênero Colletotrichum sp., em culturas de diversas fruteiras susceptíveis e, sobretudo, contra a doença da flor preta em morango (Tanaka, M. A. S., et al., 1997). Conforme comentado anteriormente, o uso indiscriminado de drogas é o principal fator de indução à resistência; contudo, a prevenção desse abuso não é garantia de que a susceptibilidade seja um fator reversível, uma vez que os efeitos provocados pelos antimicrobianos na fisiologia e ecologia dos microrganismos impossibilitam, cada vez mais, o retorno ao estado de susceptibilidade anterior. Dessa forma, o uso de novas tecnologias para o desenvolvimento de drogas mais eficazes constitui uma estratégia promissora no campo da biotecnologia, uma vez que possibilitará a iniciativa de prospeção de novas classes de moléculas naturais e/ou sintéticas, capazes de neutralizar ou de danificar o patógeno-alvo ao invés de inviabilizá-lo geneticamente, inibindo assim o desenvolvimento da resistência (Heinemann, J. A., et al, 2000). Atualmente, peptídeos antimicrobianos de origem animal Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 31 gas como o LOCILEX, que é um creme de uso tópico com ação microbicida e empregado no tratamento da infecção de úlceras diabéticas. Além disso, derivados da magainina II têm sido amplamente aplicados nas terapias contra o câncer, no tratamento de conjuntivites, de acne, de doenças sexualmente transmissíveis, de micoses, além de serem drogas promissoras no tratamento da gripe (http:// www.magainin.com). SUBSTÂNCIAS BIOATIVAS DE ORIGEM NATURAL Figura 1b: Leptodactylus ocellatus: "Rã-Manteiga" amplamente distribuída no Brasil estão sendo utilizados como mode- diferenças significativas encontradas los para o desenho de novas drogas na sensibilidade entre os microrgacom aplicação nas áreas agrícola e de nismos e as células vegetais têm saúde. Para tanto, seqüências anfifíli- mostrado que tais peptídeos podem cas de peptídeos vêm sendo dese- ser úteis como modelos para o desenhadas, sintetizadas e testadas in vi- nho de genes de resistência (Powell, tro, a fim de permitirem a obtenção W. A., et al., 1995). de genes com potencial de resistênO uso das magaininas na agriculcia a fitopatógenos, bem como com- tura não se restringe a cultivares postos ativos para a fabricação de frutíferos ou alimentícios de um modo drogas de amplo espectro e de múl- geral, mas abrange também o ramo tipla aplicabilidade. de plantas ornamentais geneticamente Um exemplo dessa abordagem modificadas, as quais expressam gesão os análogos sintéticos da magai- nes de magaininas resistentes a funnina II, peptídeo proveniente da se- gos e outros patógenos causadores creção da pele do anfíbio africano de lesões. Da mesma forma, a magaiXenopus laevis (Zasloff, M., 1987) nina II já vem sendo utilizada como que foram testados com sucesso na princípio ativo na fabricação de droinibição da germinação de conídios de Figura 1c: Cryphonectria parasiDendrobates galactonotus: tica, Fusarium oxysEspécie amazônica porum f. sp. lycopersici, e Septoria musiva, e que não provocaram nenhuma interferência detectável na germinação de pólen dos organismos hospedeiros, além de serem eficazes também contra as bactérias Agrobacterium tumefaciens, Erwinia amylovora e Pseudomonas syringae. As 32 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Venenos e toxinas de origem natural há muito representam uma fonte de fascínio para o homem, graças aos seus extraordinários efeitos farmacológicos. Sua utilização científica tem contribuído com sucesso para a elucidação de vários mecanismos fisiológicos, como demonstrado por Claude Bernard em seus experimentos clássicos da década de 1850, com o curare (Erspamer, V., 1994), assim como sua exploração industrial para o uso terapêutico, a exemplo de várias comunidades indígenas e na medicina popular (Daly et al. 1992). Os vertebrados, mais precisamente os anfíbios da ordem Anura, representam um verdadeiro laboratório de bioquímica, tendo em vista o arsenal de toxinas que fabricam. Nas células que revestem as paredes de glândulas granulares presentes na pele desses animais é produzida uma variedade de princípios ativos que compreendem moléculas alifáticas, aromáticas e heterocíclicas, além de uma diversificada gama de esteróides, de alcalóides, de aminas biogênicas, de derivados guanidínicos, de proteínas e de peptídeos, incluindo-se na produção desses dois últimos, seus precursores e todo o sistema enzimático envolvido na sua biossíntese. Essas moléculas acumulam-se em grânulos, os quais compõem a luz de glândulas dérmicas e são liberadas mediante estímulos apropriados. Seu papel é muito diversificado sobre as funções fisiológicas da pele ou na defesa contra predadores e microrganismos. Grande número desses compostos já se encontra caracterizado estrutural e funcionalmente (Sebben, A. et al., 1993). Entre todos os tipos de moléculas mencionados acima, os peptídeos têm despertado bastante interesse devido às suas atividades como mediadores farmacológicos e à descoberta de moléculas homólogas ou análogas em tecidos do trato gastrointestinal e sistema nervoso de mamíferos. O exemplo mais freqüente de moléculas encontradas em ambos os grupos são as taquicininas, as ceruleínas, o hormônio liberador de tirotropina, as bobesinas e os peptídeos opióides (Erspamer, V. e Melchiorri, P., 1980). O primeiro relato da ocorrência de peptídeos com atividade antibacteriana e hemolítica na pele de anfíbio data de 1969, quando foi identificada a bombinina, um peptídeo de 24 resíduos de aminoácidos, proveniente da secreção cutânea do anuro europeu Bombina variegata (Csordas, A. e Michl, H., 1970). No final da década de 1980, foram isoladas as magaininas de Xenopus laevis (Zasloff, M., 1987) e, somente a partir daí, outros peptídeos com atividade microbicida de origens diferentes começaram a ser estudados mais detalhadamente. Atualmente, as magaininas representam uma das mais bem estudadas classes de peptídeos antibióticos, os quais são considerados efetores da imunidade inata, agindo em uma primeira linha de defesa contra infecções bacterianas e fúngicas nos organismos superiores (Zasloff, M., 1992; Boman, H. G., 1995; Nicolas, P., 1995; Barra, D., et al., 1998). GLÂNDULAS DE VENENO Especificamente nos anfíbios há pelo menos dois tipos de glândulas dérmicas denominadas mucosas e granulares, além das glândulas parotóides posteriores aos olhos da maioria dos anuros. As mucosas encontram-se distribuídas no tegumento e sua secreção umectante promove a Figura 2: Exemplar adulto de Physalaemus fuscomaculatus. Notar o aspecto granuloso da pele dorsal. Marcado pelo acúmulo de glândulas granulosas hidratação da pele por onde ocorrem cerca de 90% das trocas gasosas (Orr, R. T., 1986). As glândulas granulares, também chamadas glândulas serosas ou de veneno, podem estar distribuídas ao longo de todo o corpo ou concentradas em algumas áreas, formando protuberâncias, especialmente na região dorsal do animal (Duellman, E. W. e Figura 3: Corte histológico da pele de anfíbio mostrando a epiderme (E) e as glândulas granulosas (G) e mucosas (M) localizadas na derme. Aumento: 100 X Coloração: Azul de toluidina Trueb, L., 1986). Em muitas espécies, essas glândulas, juntamente com as glândulas parotóides secretam substâncias bioativas que constituem um novo sistema de defesa coordenado pelo sistema nervoso, diferente daquele constituído pelas células T e B do sistema imune, e detêm a capacidade de promover a síntese de peptídeos de baixa massa molecular com atividade antimicrobiana de amplo espectro, efetivos contra bactérias e fungos. Tal ocorrência poderia explicar a acentuada resistência desses grupos de anfíbios a doenças (Nicolas, P e Delfour, A., 1994). O lume das glândulas serosas e das parotóides é rico em grânulos que armazenam secreções tóxicas. Em situações de perigo, um estímulo nervoso é recebido pelas paredes glandulares provocando a contração da musculatura local e causando uma descarga sincronizada do seu conteúdo. Após a liberação da secreção, o sistema glandular inicia seu processo de regeneração, que pode variar de poucas horas a alguns dias, dependendo da espécie de anfíbio, até que o conteúdo do lume glandular seja reconstituído (Delfino, G., et al., 1990). PEPTÍDEOS ANTIMICROBIANOS Mais de cinqüenta peptídeos antimicrobianos de anfíbios já foram isolados, tendo como principal característica a natureza catiônica e a capacidade de permeabilizar membranas de microrganismos. Podem ser agrupados segundo sua estrutura primária e muitos são encontrados em indivíduos do mesmo gênero e até mesmo em indivíduos de gêneros distintos, pertencentes à mesma subfamília ou não. Em 1970, a bombinina foi descrita como um peptídeo antibacteriano e hemolítico isolado da secreção da pele do anfíbio B. variegata (Csordas, A. e Michl, H., 1970). Pouco tempo depois, outras bombininas foram detectadas na secreção do mesmo anfíbio, as quais diferiram entre si por poucos resíduos de aminoácidos (Simmaco, M., et al., 1991). Peptídeos do tipo bombinina também foram isolados da espécie B. orientalis e mostraram pouquíssima variação em relação aos encontrados em B. variegata. As bombininas possuem amplo espectro de ação contra microrganismos em geral, porém apreBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento 33 sentam toxicidade sezante. As dermaseptinas letiva contra células são moléculas catiôniAnfíbios Peptídeos sangüíneas, provocancas de 24 a 34 resíduos Xenopus sp. Magaininas do a lise das mesmas de aminoácidos que forBombina sp. Bombininas (Gibson, B. W., et al., mam uma cadeia linear Phyllomedusa sp. Dermaseptinas 1991). com estrutura secundáRana brevipoda Brevininas A secreção da pele ria aleatória em solvenLitoria sp. Caerinas de Xenopus laevis tamte aquoso, porém ordeRana rugosa Gaegurinas bém tem sido objeto nada (α-hélice) quanRana rugosa Rugosinas de intensa investigação. do em meio apolar (Mor, Bufo bufo Buforina Nessa secreção, foram A., et al., 1991; Mor, A. Rana catesbeiana Ranalexinas detectados o TRH (hore Nicolas, P., 1994a; Mor, Xenopus sp. Xenoxinas mônio liberador de tiA., et al., 1994; Mor, A. Rana temporaria Temporinas rotropina), a xenopsie Nicolas, P., 1994b). Litoria genimaculata Maculatinas na e a ceruleína, com Outras espécies, tais Rana esculenta Esculentinas potente atividade hipocomo P. rhodei e P. Rana pipiens Pipininas tensora. Além desses burmeisteri, também Xenopus laevis PGLa peptídeos bioativos, têm sido investigadas Xenopus laevis Xenopsina (fragmento precursor) foram encontrados aincomo prováveis produXenopus laevis Levitídeo (fragmento precursor) da peptídeos homólotoras de peptídeos antiXenopus laevis Ceruleína (fragmento precursor) gos às bombininas, demicrobianos, da família Litoria cerulea Ceruleína nominados magainidas dermaseptinas. Litoria infrafrenata Frenatina nas, que também são Além disso, peptídeos encontradas no estômago do anfíbio, no que se refere ao conteúdo de relacionados com as dermaseptinas porém sem função definida nesse peptídeos antimicrobianos da pele. foram detectados em outros hilídeos órgão. Foram detectados peptídeos com ati- dessa subfamília, nas espécies PaOs peptídeos de defesa isolados vidade antimicrobiana nas espécies chymedusa dacnicolor e Agalychnis da pele de Xenopus sp. estão agrupa- R. esculenta (Simmaco, M., et al., annae, ambas provenientes da Amédos em subfamílias de acordo com 1993, 1994), R. brevipoda (Morikawa, rica Central (Wechselberger, C., 1998) sua origem biossintética. A xenopsi- N., et al., 1992), R. catesbeiana (Cla- . na e a ceruleína são moléculas de rk, D. P., et al., 1994) R. rugosa (Park, As dermaseptinas exercem ativiestrutura e atividades farmacológicas J. M., et al., 1994; Suzuki, S., et al., dade lítica sobre bactérias gram-posianálogas às da neurotensina e da 1995) e R. temporaria (Simmaco, M., tivas e gram-negativas, protozoários gastrina/CCK (colecistocinina) dos et al., 1996) denominados esculenti- ciliados, leveduras e fungos filamenmamíferos, respectivamente. Esses nas, brevininas, ranalexinas, rugosi- tosos em concentrações micromolapeptídeos adotam a estrutura de hé- nas e temporinas, respectivamente. A res (Fleury, Y., et al., 1998). Contudo, lice anfifílica quando em ambiente particularidade encontrada nos pep- tais efeitos citolíticos não foram obhidrofóbico, sendo ativos em doses tídeos desse gênero é a sua estrutura- servados em células de mamíferos, micromolares contra uma variedade ção secundária, a qual é decisiva no devido, possivelmente, à estrutura e de bactérias gram-positivas, gram- modo de interação toxina/microrga- à composição da membrana celular negativas, fungos e leveduras (Be- nismo, distinta de todas as outras até desses animais. De fato, estudos de vins, C. L. e Zasloff, M., 1990). As então descritas (Simmaco M., et al., citólise usando lipossomas de difemagaininas I e II são peptídeos ho- 1998). rentes composições fosfolipídicas e mólogos que possuem um amplo Na América do Sul, os hilídeos da crescente concentração de colesterol espectro de ação antimicrobiana. Em subfamília Phyllomedusinae consti- (característica de animais superiores) doses micromolares, interrompem o tuem uma fonte muito rica de peptí- mostraram maior resistência dessas crescimento e/ou induzem a lise os- deos antimicrobianos. Atualmente membranas artificiais à ruptura (Bamótica de diversos tipos de bactérias quatro espécies do gênero Phyllome- tista, C. V. F., 1999). A adenoregulina gram-positivas e gram-negativas e de dusa vêm sendo estudadas: P. bicolor de P. bicolor é um peptídeo de estruprotozoários. Elas são capazes de (Daly, J. W., et al., 1992; Mor, A., et al., tura similar às dermaseptinas, mas foi induzir uma lise irreversível das célu- 1994; Charpentier, S., et al., 1998), P. isolada primeiramente por sua funlas tumorais hematopoiéticas e de sauvagei (Mor, A., et al., 1991; Mor, A. ção farmacológica neurotransmissotumores sólidos de diversas origens, e Nicolas, P., 1994a), P. distincta ra, que consiste na sua capacidade de mas não provocam efeito sobre célu- (Batista, C., et al., 1999) e P. tarsius induzir a ligação de agonistas aos las diferenciadas de eucariotos (Zas- (Prates, M. V., 1999). Nesse gênero receptores A1 de adenosina, provaloff, M., 1987). foram detectados potentes agentes velmente devido à presença de DAs espécies do gênero Rana de antimicrobianos denominados der- aminoácidos em sua composição diferentes áreas geográficas têm-se maseptinas, com amplo espectro de (Daly, J. W., et al., 1982). Posteriormostrado igualmente interessantes, atividade antimicrobiana e cicatri- mente, foi relatada sua atividade an34 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento timicrobiana, semelhante a das outras dermaseptinas. Da mesma forma, muitas espécies australianas de anfíbios do gênero Litoria têm sido estudadas por apresentarem peptídeos antimicrobianos. As espécies L. xanthomera e L. chloris revelaram a presença de peptídeos antimicrobianos denominados caerinas (Stone, D. J. M., et al., 1992; Steinborner, S. T., et al., 1997; Steinborner, S. T., et al., 1998), e as espécies L. splendida e L. cerulea, o peptídeo ceruleína, todos ativos contra bactérias gram-positivas (Stone, D. J. M., et al., 1992; Waugh, R. J., et al., 1993). Já as espécies L. infrafrenata e L. genimaculata apresentaram peptídeos denominados frenatinas e maculatinas (Raftery, M. J., et al., 1996; Rosek, T., et al., 1998), sendo o primeiro de amplo espectro e o segundo, com atividade semelhante à das caerinas. Na tabela, estão listados os principais peptídeos com atividade antimicrobiana encontrados nas secreções da pele ou em outros órgãos de anfíbios anuros. CONCLUSÃO O recente progresso da indústria farmacêutica relacionado com a descoberta e a produção de novos agentes antimicrobianos não vem alcançando o sucesso desejado na contenção da mutagênese de resistência a drogas desenvolvida pelos microrganismos. Enquanto os mecanismos de resistência criados por muitos micróbios vêm-se tornando cada dia mais eficazes, as drogas conhecidas mostram-se cada vez menos eficientes no combate às patologias. A resistência microbiana a drogas é um problema complexo, uma vez que consiste no produto de um processo natural e, muito mais que isso, essencial, não somente para a origem, como também para a evolução de todos os seres vivos, o qual fundamenta-se na mutação espontânea, na transferência e recombinação de genes, criando assim variabilidade genética atuante na seleção natural. A bactéria Pseudomonas aeruginosa possuí em seu genoma alguns genes codificadores de proteínas for- madoras de bombas, as quais podem ser a chave para a elucidação do mecanismo de resistência contra diversas classes de antibióticos (Stover, C. K., 2000). A hipótese aceita atualmente sugere que bactérias gramnegativas, grupo do qual a P. aeruginosa faz parte, podem resistir ao efeito letal de muitos antimicrobianos, utilizando uma estratégia de bombeamento dos agentes químicos para fora das células bacterianas mais rapidamente do que seu acúmulo no interior destas. Dessa forma, tais proteínas formadoras de bombas teriam a capacidade de conferir a essas bactérias a propriedade de resistência (Nikaido, H., 1998). Ainda não foi esclarecido o procedimento da evolução das bombas. Especula-se que elas teriam surgido da necessidade dos microrganismos em eliminar toxinas naturalmente presentes no seu ambiente (Greenberg, E. P., 2000). Sabendo disso, torna-se cada vez mais importante a investigação e a descoberta de drogas capazes de atuarem diretamente sobre a parede e a membrana plasmática, provocando lise e morte celular, ao primeiro contato. Até onde se tem registro, sabese que mesmo os mais sofisticados mecanismos de defesa desenvolvidos pelos microrganismos ainda não são suficientes para neutralizar uma ação do tipo detergente produzida por peptídeos de caráter catiônico. O modo de defesa mediado pela resposta humoral e celular confere aos vertebrados uma proteção específica e de longa duração contra os microrganismos patogênicos, porém não é de forma alguma adaptado para responder rapidamente e de maneira eficaz a uma invasão microbiana local, por ocasião de uma lesão. Uma das descobertas mais interessantes a esse respeito revelou que, além da resposta imune celular altamente específica, os vertebrados possuem um mecanismo químico de defesa, composto por peptídeos antimicrobianos, análogo ao encontrado em invertebrados (Boman, H. G. e Haltmark, D., 1987; Lehrer, R. I., et al., 1991). A maioria dos peptídeos antimicrobianos descritos até o momento tem correspondentes de estrutura idêntica ou similar nos mamíferos e invertebrados. Sua presença nos vertebrados, considerada como efetora ancestral da imunidade, possui muito mais que um significado vestigial. No que diz respeito às vantagens, não é surpreendente o que esse sistema de defesa química pode conferir ao hospedeiro. De fato, um repertório fixo, porém extenso, de pequenos peptídeos antimicrobianos oferece aos animais superiores um modo de controle particularmente rápido e eficaz contra a proliferação microbiana (Nicolas, P. e Delfour, A., 1994). As possibilidades de aplicação dos peptídeos antimicrobianos pela agroindústria, assim como pela indústria farmacêutica, são inúmeras. Um trabalho sistemático de prospeção dessas moléculas, com identificação e síntese química em larga escala, possibilitará, não somente um grande avanço na produção de novas drogas, melhor conhecimento biológico das espécies doadoras, reconhecimento do valor de cada uma delas, como novas categorias de recursos genéticos e, por fim, a necessidade de preservação desses animais. Agradecimentos: Os autores desejam agradecer ao Professor Antônio Sebben pelas fotos deste artigo, à EMBRAPA-CENARGEN e à Fundação Universidade de Brasília. Referências Bibliográficas AUSTIN, D. J., KRISTINSSON, K. G. e ANDERSON, R. M., (1999). Proc. Natl., Acad. Sci. USA, 96:11521156. BATISTA, C. V. F. (1999) Tese de Doutorado, Universidade de Brasília-DF. BATISTA, C. V. F., SILVA, L. R., SEBBEN, A., SCALONI, A., FERRARA, L., PAIVA, G. R., OLAMENDIPORTUGAL, T., POSSANI, L. 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