A RELAÇÃO ENTRE A PERCEPÇÃO DAS MÃES SOBRE SEUS FILHOS
COM SÍNDROME DE DOWN E A ESCOLHA DA MODALIDADE
EDUCACIONAL
Benedita Cruz Macedo
Mestranda em Educação/UFRN
Lúcia de Araújo R. Martins
Profa. Dra. Orientadora
Introdução
Os primeiros registros históricos sobre a existência de pessoas com Síndrome de Down
surgiram após o século XIX. Ressalta-se entretanto, que possivelmente esta Síndrome sempre
esteve presente na espécie humana. Segundo Pueschal (1999), a ausência de registro histórico se dá
em razão de haverem, na época: poucas publicações, revistas médicas; poucos pesquisadores
interessados pelas questões relativas à genética e à deficiência mental, em decorrência da grande
predominância de doenças infecciosas e da desnutrição, que desviavam a atenção de outras
situações existentes; morte prematura de mulheres, uma vez que a maioria sobrevivia apenas até os
35 anos de idade. Havia, portanto, menor probalidade de gerarem filhos com Síndrome de Down,
considerando que é conhecido o aumento da incidência dessa Síndrome em mães de idade avançada
e, provavelmente a morte das crianças nascidas com Síndrome de Down na primeira infância.
Foi a partir do século XIX (1866), que o cientista inglês John Langdon Down, através de
suas pesquisas, percebeu que havia entre as pessoas com deficiência mental um grupo distinto,
composto por pessoas com características similares e traços típicos da Síndrome, fazendo na época
uma descrição física e clínica tão minuciosa que é válida até os dias de hoje.
Em 1958, os estudos relativos aos cromossomos humanos propiciaram a descoberta, pelo
cientista francês Jerome Lejeune, da verdadeira causa da Síndrome de Down. Até então, havia
tentativas de atribuí-la, indevidamente, a vários fatores, tais como: infeções, sífilis, casamentos
consangüíneos, transtornos endócrinos, tentativas de aborto, implantação defeituosa ou degeneração
do óvulo, incompatibilidade sangüínea mãe x feto, alcoolismo, tuberculose, raio-X, emoções
violentas, privações e sofrimentos morais advindas da I Guerra Mundial. Ao pesquisar os
cromossomos das pessoas com Síndrome de Down, Jerome Lejeune, observou uma alteração: esses
possuíam um cromossomo extra, ou seja, 47 cromossomos em lugar dos 46 existentes por célula,
agrupados em 23 pares. Esse cromossomo a mais, posteriormente, foi identificado no par 21. Com
os estudos dos cromossomos essa alteração genética passou a ser denominada Síndrome de Down, e
como também reconhecida pelo nome de Trissomia 21 (Schwartzman, 1990; Pueschel, 1993; apud
Martins, 1997).
Portanto, a Síndrome de Down é uma alteração genética presente no momento da concepção
do bebê ou imediatamente após, ocorrendo de modo bastante regular na espécie humana e afetando
um em cada 700/900 nascidos vivos.
A família diante da Síndrome de Down
A gravidez proporciona na família muitas expectativas em torno da criança que vai nascer.
Quando uma criança é concebida, já há na mãe e no pai uma organização de fantasias ou de
expectativas ligadas à concepção e ao desenvolvimento da criança, pois o nascimento
“... o nascimento de uma criança para a maior parte das famílias, é um momento de alegria, orgulho,
reunião das pessoas queridas e de celebração de renovação de vida. Para outras famílias, o nascimento
de uma criança pode não ser um momento de alegria. Ao contrário, pode representar um momento de
lágrimas, desespero, confusão e medo. Pode vir a ser uma mudança radical no estilo de vida de todos
os envolvidos (Buscaglia, 1993, p. 32).
Quando, no nascimento, a criança apresenta alguma deficiência, cada um dos elementos da
família reagirá de forma diferente. É importante que os pais possam viver o choro, a tristeza, o
período de luto por este filho idealizado. Ter um filho “diferente” provoca emoções diversas e
muitas vezes estremas, atingindo diretamente todo um conjunto de expectativas inerente à
maternidade e paternidade. Em outras palavras, o nascimento de um bebê com Síndrome de Down
é, na maior parte das vezes, uma situação de grande conflito emocional para as pessoas envolvidas,
principalmente para a família nuclear pai, mãe e, consequentemente, para o bebê.
Os pais como principais colaboradores do “processo de vinculação”, tornam-se elementos
fundamentais para o desenvolvimento da criança, uma vez que a vinculação subtende uma relação
especial, uma ligação afetiva entre duas pessoas, acompanhado por uma tendência a suscitar o
comportamento de manutenção de proximidade de um pelo outro.
Daí a importância do momento da notícia, que seja dada por profissionais atualizados com a
realidade atual, potencialidades e conquistas das pessoas com Síndrome de Down, minimizando a
dor dos pais, oferecendo informações precisa, encorajando-o e ajudando-o a tomar decisões.
Muitos pais queixam-se da forma pouco clara, pouco explícita, com que foram informados
acerca da deficiência de seus filhos. As equipes de profissionais não possuem, muitas vezes,
referências que poderiam utilizar para dar um apoio nesta nova relação e para ajudá-los a tomar
decisões, pois é de fundamental importância o desempenho dos pais no desenvolvimento da criança
com Síndrome de Down.
Para Ackerman (1971), a família é a unidade básica de desenvolvimento e experiência,
realização e fracasso, saúde e enfermidade, é o primeiro grupo a que pertence o indivíduo, onde ele
tem oportunidade de aprender através de experiências positivas (afeto, respeito, sentir-se útil) e
negativas (frustrações, limites, tristezas, perdas), todas elas de grande importância para formação de
sua personalidade.
Umas das característica principais da Síndrome de Down é a hipotonia generalizada presente
desde o nascimento do bebê e que afeta diretamente o desenvolvimento psicomotor. Em função
dessa característica, as ações e manipulações com o bebê favorecem os aspectos adequados do
desenvolvimento e tendem a inibir o aparecimento dos desvios que possam comprometer
qualitativamente o desenvolvimento.
O processo de aprendizagem dessas pessoas, ocorre de uma forma mais lenta. A criança leva
mais tempo para ler e escrever. O fato de levar mais tempo no processo de aprendizagem pode
prejudicar as expectativas que a família e a sociedade têm do seu desenvolvimento.
Os pais necessitam, também, de informações para fazer valer os direitos que seus filhos têm
dos: serviços de acompanhamento especializado, direito de ir à escola regular, de ter lazer e de se
inserir no mercado de trabalho, entre outros.
A deficiência mental carrega marcas de segregação e de reclusão ainda muito fortes. Toda a
visão sobre as pessoas portadoras de deficiência mental no século vinte se baseava no pensamento
médico, esta concepção que atravessa o século vinte é ainda de que algumas crianças com
deficiência mental, mesmo tida como educáveis, deveriam ter sua educação realizada em
estabelecimentos ou ambientes especiais.
A educação direcionada às pessoas com deficiência mental, tradicionalmente, foi
desenvolvida de uma forma segregada, separada daquela dirigida aos alunos considerados normais.
Tal fato, decorria da visão existente sobre a deficiência, que era tratada como doença, sendo essas
pessoas percebidas como incapazes de aprender como os demais alunos. Segundo Little (1997, apud
Martins), criou-se uma teoria dos dois espaços, onde as crianças eram consideradas normais ou
portadoras de excepcionalidade, ficando claro a existência de dois modelos de ensino: o regular e o
segregado, combinando com um agrupamento supostamente homogêneo de educandos.
Infelizmente, continuamos assumindo as marcas deixadas pela história, através dos mitos e
preconceitos em relação às pessoas deficientes/diferentes. Moura (1997, apud Mantoan), concorda
que talvez a mais cruel seja a marca deixada pela tendência de não se acreditar no potencial em
desenvolvimento e no aprendizado do aluno com deficiência mental, “matando-o” precocemente
ou, na melhor das hipóteses, dificultando no decorrer da vida, as oportunidades de educá-lo para a
vida escolar e social. Foi a partir da década de sessenta que o atendimento educativo, com base num
modelo segregado, passou a ser questionado.
Atualmente, observa-se que o movimento pela sociedade inclusiva é internacional. O ideal
da igualdade de oportunidade em todos os setores, incluindo a educação, foi oficialmente
documentado pela ONU, em 1981, sendo novamente consagrado em 1983, no Programa Mundial de
Ação Relativo às Pessoas com Deficiência.
O direito da pessoa deficiente à educação comum está implícito na Declaração Mundial de
Educação para Todos, aprovado pela ONU em 1990, que inspirou o Plano Mundial de Educação
para todos (Brasil, Ministério da Educação e do Desporto, 1993). Em seguida, a UNESCO
registrou, na Declaração de Salamanca, o conceito de inclusão no campo da educação regular.
O princípio da inclusão consiste no “reconhecimento da necessidade de se caminhar rumo à
escola para todos – um lugar que inclui todos os alunos, celebre a diferença, apoie a aprendizagem e
responda às necessidades individuais” (Declaração de Salamanca, 1994)
Acreditar em um novo paradigma é acreditar na diferença como algo inerente à relação entre
os seres humanos e ver, cada vez mais, a diversidade como algo natural.
Existem muitos estudos sobre a percepção dos pais em relação ao comportamento de filhos
com deficiência, especialmente com desvios comportamentais (agressividade, delinqüência,
hiperatividade). Becker (1960), Hastrof (1970), Hines (1974), Newtson (1971-1976), Patterson
(1974-1976 e 1989), Shaver (1972), Bogaard (1976), pesquisaram e demonstraram a influência da
percepção dos pais “especialmente das mães” no êxito do processo terápico com os filhos e vão
muito além, demonstrando que sua percepção pode causar estagnação ou retrocesso na mudança do
comportamento desviante.
Se isso ocorre em relação às crianças com desvios comportamentais, podemos inferir que o
mesmo acontece em relação às crianças portadoras da Síndrome de Down.
Martins (1977), em sua pesquisa “Integração Escolar do portador da Síndrome de Down: um
Estudo sobre a Percepção dos Educadores” entrevistando mães com filhos com Síndrome de Down
que estudam em escolas regulares, atesta que, em 71% dos casos a percepção das mães sobre a
educação escolar que lhes é ministrada foi positiva, pois evidenciaram otimismo frentes a seus
filhos. Foram ressaltados aspectos positivos no tocante ao lado físico, de capacidade, personalidade,
de inteligência como também ligados a independência, persistência e de organização dos filhos. Em
26% das respostas das pesquisadas surgem expressões de cunho negativo como: dificuldades
familiares, em decorrência da ausência de informações sobre a Síndrome de Down, a necessidade
de estabelecimentos de limites pelos pais em decorrência da necessidade especial que tem o filho.
A pesquisa evidencia “um nível favorável de expectativas que existe nas mães entrevistadas,
ao buscarem a escola regular para seus filhos, bem como expressa alegria frente aos resultados
obtidos até então com os mesmos” (Martins op. cit, p.348).
Macedo (1997; 1998) na pesquisa “O Perfil da Família e do Portador da Síndrome de
Down”, entrevistou 140 pais que possuíam filhos com Síndrome de Down, verificou que as
percepções dos mesmos são diferentes. Os pais que percebem seus filhos como pessoas dependentes
carentes, sem autonomia, sem perspectiva de futuro, buscam a escola segregada e esperam que seus
filhos sejam protegidos, orientados quanto aos cuidados pessoais, principalmente no tocante à
higiene, alimentação e vestuário. Isto ficou bastante claro na fala das mães, quando foram
entrevistadas: “aqui meu filho está protegido”, “o meu filho nunca vai ser independente”. “Ele é
muito ingênuo, muito carente”, “não espero nada do meu filho”; só quero que ele saiba escrever o
nome”; se colocar na escola regular, os outros alunos vão bater, vão chamar de mongol”. Observou
por sua vez, que os pais que têm uma percepção positiva do filho procuram colocá-lo em escola
regular e esperam que seus filhos sejam independentes quanto à locomoção e ao desenvolvimento
da vida educacional, e profissional e, principalmente, que sejam felizes.
Pesquisando sobre a Síndrome de Down e a Educação:
Com vistas à elaboração de nossa Dissertação de Mestrado na UFRN buscamos estudar a
relação existente entre a percepção da mãe sobre a deficiência e a escolha da modalidade
educacional e, mais especificamente, conhecer a percepção das mães, no que diz respeito a
deficiência do filho; verificar a percepção da mãe em relação ao tipo de modalidade escolhida;
identificar o nível de participação das mães no processo educativo e sua satisfação com a educação
ministrada aos filhos; conhecer as perspectivas futuras referidas pelas mães em relação aos seus
filhos.
A metodologia utilizada na investigação envolve a pesquisa bibliográfica e de campo, na
qual estão sendo utilizados as técnicas do questionário semi estruturado e da entrevista. Optamos
por uma abordagem quantitativa e qualitativa, e utilizamos o questionário como um dos instrumento
de coleta de dados. Esse está dividido em quatro instâncias distintas: uma de determinação do perfil
da respondente da pesquisa (faixa etária, nível de instrução, profissão, renda familiar, estado civil);
informações referentes ao filho com Síndrome de Down (idade, nascimento, momento da notícia,
encaminhamento a profissionais e reabilitação); informações referentes a percepção das mães a
respeito da deficiência de seu filho com Síndrome de Down); informações sobre a expectativa das
mães a respeito da escolha da modalidade educativa.
A amostra consta de 20 mães que foram escolhidas aleatoriamente tendo como pré requisito
que seus filhos com a Síndrome de Down estivessem na faixa etária de 03 a 16 anos, freqüentando
regulamente a escola especializada ou regular. A pesquisa está sendo realizada em uma escola
especializada e em várias escolas regulares de cunho governamental e particular na cidade de Natal,
RN.
Levando em consideração que a pesquisa está em andamento fornecemos uma análise
parcial das respostas de 10 entrevistas realizadas com as mães que têm filhos em escolas
especializada, através de questionários semi estruturados o que corresponde a 50% do universo que
buscamos.
O Perfil das entrevistadas pode ser assim delimitado:
- Idade: entre 31 e 60 anos;
- Grau de instrução: a maioria tem apenas o 1º grau;
- Renda familiar: maioria de 1 a3 salários mínimos;
- Estado civil: na maioria casada.
Alguns resultados levantados:
Em relação a informação dada a mãe quanto ao diagnóstico da Síndrome de Down
obtivemos os seguintes resultados: por profissionais da área de Saúde (60%), outras pessoas (40%).
Quanto a avaliação do modo de transmissão de diagnóstico à mãe: de forma brusca, utilizando
termos inadequados (50%); não apontavam perspectivas futuras (30%); outros (20%). No que se
refere a percepção das mães sobre o filho com Síndrome de Down: diferente (30%), lento (20%),
dependente (30%), outros (30%). Quando questionadas sobre o motivo da escolha da modalidade
educacional especializada, a maioria das mães (70%), responderam que seus filhos não aprendem e
não se adaptam em outro tipo de escola a escola; como também, porque a escola possui professores
e profissionais especializados (20%), outros motivos (10%).
Quanto a forma de acompanhamento das mães no processo educativo dos filhos, 100% das
mães acompanham o desempenho dos filhos através da participação de reuniões. O nível de
satisfação com a educação ministrada ao filho, 70% diz está muito satisfeita, 20% insatisfeita e
outros (10%). No que se refere aos avanços pedagógicos percebidos pelas mães na modalidade
educacional especializada, 70% coloca que a linguagem é pouco desenvolvida; quanto à escrita e à
leitura 100% das mães não referiram avanços nestas áreas. Quanto a psicomotricidade 50% das
mães consideraram razoável; 30% muito satisfatório e 20% pouco satisfatório.
Outros aspectos referidos como avanços significativos 100% das mães referiram avanços
significativos quanto aos aspectos, de relacionamento professor/aluno, relacionamento com outras
pessoas e cuidados pessoais básicos. Possibilidades de mudanças para outra modalidade de ensino
80% das mães disseram que não gostariam de mudar para outra modalidade de ensino e 20% das
mães disseram que gostariam de mudar para outro tipo de escola.
Considerações Finais
Frente aos dados coletados, até então, podemos inferir que a percepção das mães que têm
filhos nas escolas especializadas, subestimam a capacidade dos filhos, em função da orientação
recebida e do contexto social onde está inserida. Observamos que, a maioria, percebe a alteração
genética dos seus filhos como fator determinante de incapacidade de aprender, de ser autônomo e de
exercer o seu direito como cidadão. No que se refere aos avanços pedagógicos, as entrevistadas
relataram, de forma unânime, haver progressos na atual modalidade de ensino. Entretanto, estes
avanços pedagógicos são mais relatados no que se refere à socialização e a psicomotricidade.
Quanto aos aspectos de leitura e escrita são avaliados como inexistente Apesar das
dificuldades encontradas, ao indagarmos acerca do desejo em modificar a atual modalidade escolar
do filho, a maioria colocou que acredita na adequação desta aprendizagem, em função da
deficiência apresentada pelas pessoas com Síndrome de Down. Até o momento, pode-se perceber
que há uma relação entre a percepção das mães sobre a deficiência de seu filho e a escolha da
modalidade educacional.
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