Pró-Reitoria de Graduação Curso de Psicologia Trabalho de Conclusão de DE Curso UNIVERSIDADE CATÓLICA BRASÍLIA GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA VIVÊNCIAS DE PAIS COM FILHOS DEFICIENTES AUDITIVOS: UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO Vivências de pais com filhos deficientes auditivos: um estudo fenomenológico Projeto de Pesquisa apresentado no Curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília Autora: Paula Alves da para Silva como parte Hilda das exigências impostas ao aluno conclusão de sua graduação. Orientadora: Profª. M.Sc. Gleicimar Gonçalves Cunha Pesquisador/a principal: GLEICIMAR GONÇALVES CUNHA Pesquisador/a associado/a: HILDA PAULA ALVES DA SILVA Brasília - DF 2011 HILDA PAULA ALVES DA SILVA VIVÊNCIAS DE PAIS COM FILHOS DEFICIENTES AUDITIVOS: UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO Artigo apresentado ao curso de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Graduada em Psicologia. Orientadora: Profª M.Sc. Gleicimar Gonçalves Cunha Brasília 2011 Artigo de autoria de Hilda Paula Alves da Silva, intitulada “Vivências de pais com filhos deficientes auditivos: um estudo fenomenológico”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, 09 de maio de 2011, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _______________________________________________ Profª. M.Sc. Gleicimar Gonçalves Cunha Orientadora Curso de Psicologia - UCB _______________________________________________ Profª Dra. Erenice Natália Soares de Carvalho Banca examinadora Curso de Psicologia/Programa de Pós-Graduação em Psicologia - UCB Brasília 2011 Dedico este trabalho a Deus, à Congregação das Irmãs Oblatas do Menino Jesus, da qual faço parte, ao meu pai Paulo José, à minha mãe Aparecida, à minha irmã Ana Paula, a toda minha família, à Caríssima Catarina e aos que, apesar das dificuldades atuais, sendo próximos ou não de alguém com deficiência, valorizam e batalham para o bem deste imenso tesouro que é a família, hoje tão ameaçada, sofrida e ao mesmo tempo campo de tantas realizações. AGRADECIMENTO Agradeço a Deus, que na sua infinita providência, me convidou a fazer este curso por meio e para a minha amada Congregação das Irmãs Oblatas do Menino Jesus, da qual faço parte com muita alegria e amor, à Nossa Mãe Maria Santíssima que sempre esteve ao meu lado nesta jornada, à Madre Rafaella Funari, Madre Bernadete que mesmo preocupada me ajudou muito neste estudo, à Irmã Neula, à Irmã Sueli e à Irmã Rosângela. A princípio imaginei que a Psicologia auxiliaria no apostolado que realizamos, mas com o decorrer do tempo percebi o quanto o apostolado contribuiu para a realização deste curso, o que não seria possível sem o apoio da Congregação, especialmente da Comunidade de Brazlândia. Onde pude contar com a ajuda e compreensão especialmente da Irmã Aparecida e de todas as Irmãs que passaram por esta Comunidade enquanto eu estudava. Meus agradecimentos a minha família, meu pai Paulo José, minha mãe Aparecida, minha irmã Ana Paula com sua família, que apesar da distância estavam juntamente com os demais familiares preocupados, rezando e torcendo por mim, a fim de que eu superasse mais esta etapa na qual eles tiveram uma enorme influência, pois sem eles em minha vida eu não teria tido o desenvolvimento que contribuiu na formação da minha personalidade. Sou imensamente grata a todos que por diversas formas me auxiliaram no que precisei para a realização de trabalhos solicitados, de um modo particular ao Eduardo com sua esposa Lucineide e filhos, que em nenhum momento mediram esforços para que eu conseguisse apresentar bons trabalhos ao longo desta graduação sempre que eu lhes pedi ajuda. Minha gratidão a todos os irmãos e irmãs catequistas, liturgistas e colaboradores do Jardim de Infância Menino Jesus, que me apoiaram e estimularam, ajudando-me a enxergar que juntos com nossos limites e capacidades podíamos e podemos muito a favor de cada família, célula preciosa da sociedade. Ao Diretor do CEAL, Pe. Giuseppe Rinaldi que permitiu o meu contato com pais de Deficientes Auditivos atendidos na Instituição, ao Irmão Thiago que com suas sugestões e indicações me auxiliou para que eu alcançasse os devidos pais. E com muita alegria, agradeço imensamente aos mesmos: J., B., F., G., O. e A., sem eles a realização deste artigo seria impossível. Eles partilharam comigo, uma pessoa estranha para eles, suas vivências. Todos me ensinaram com suas dores, alegrias, vitórias e derrotas que vale a pena estarmos abertos às diferenças e limitações, superando nossas deficiências internas, as quais, nos fazem olhar para o deficiente como um ser incompleto, quando na verdade o nosso olhar é que não está completo o suficiente para abarcarmos o universo que é todo e qualquer ser humano. Admiravelmente agradeço a alguns Anjos que independente da existência deste curso em minha vida, me ensinaram com o próprio jeito de ser que eu posso e preciso ser mais humana em minhas relações. Sem perceberem estes anjos me transmitiram particularidades da vida que nenhum professor jamais ensinou. Agradeço a todo corpo docente deste curso, principalmente a Professora Edna, que com sua retidão e amizade me desvendou pontos importantes da vida, da minha vocação e das relações familiares, isso me auxiliou a valorizar ainda mais o que eu sempre admirei, a família; aos Professores: Luciano, Vitor, Celso, Professoras: Sílvia, Suzana, Lilian, Eveline, Erenice, Graziela, Cibele, à Professora Claudiene que me estimulou a alcançar o tema presente e àquela que com muito empenho e dedicação me orientou para que ele fosse desenvolvido: Professora Gleicimar. Enfim, a todos os colegas da graduação, com os quais também aprendi muito. A todos a minha Gratidão! Meu pequeno milagre (Música de Dalvimar Gallo) Perdão se ainda não sei como te amar Perdão se ainda não sei como me expressar Talvez seja a forma como fui criado, pois acredite sou um pai apaixonado. Quem sabe o meu amor não seja o bastante Pra fazer com que você se sinta amado Eu prometo me esforçar de hoje em diante O contra-tempo existe pra ser superado. Meu pequeno milagre, quero estar sempre ao seu lado Sou um pai apaixonado, dou meu sangue por você Meu pequeno milagre, não exito em dizer, na dureza desta vida Se for preciso morro pra você viver Dia-a-dia vi você crescendo tanto Não deixe o mundo destruir o nosso encanto Longe de você eu choro pelos cantos Sempre encharco a poesia com meu pranto Tô lembrando o dia em que você nasceu O primeiro beijo quem te deu fui eu Tô lembrando quando te peguei nos braços Naquele instante eu fui você, você foi eu. Meu pequeno milagre, quero estar sempre ao seu lado Sou um pai apaixonado, dou meu sangue por você Meu pequeno milagre não exito em dizer na dureza desta vida Se for preciso morro pra você viver. RESUMO SILVA, H. P. Alves da. Vivência de pais com filhos deficientes auditivos: Um estudo fenomenológico. 2011. 37 folhas. Monografia Curso de Psicologia – Universidade Católica de Brasília, 2011. Objetivou-se, neste estudo, analisar as repercussões da deficiência auditiva do(a) filho(a) na vivência paterna dentro da relação familiar. Após a realização de uma entrevista semiestruturada de acordo com as etapas da técnica de análise do discurso, fez-se a transcrição dos relatos. Dentre os aspectos relacionados à deficiência auditiva com suas repercussões, o papel da família no desenvolvimento do(a) filho(a) surdo(a) e o exercício da paternidade na pósmodernidade, decorreu-se a identificação de temas que foram organizados por blocos de significados: surdez e paternidade; surdez e desenvolvimento; visão paterna da relação mãefilho surdo e estratégias de enfrentamento do pai mediante deficiência auditiva do filho. Através dos resultados, concluiu-se que, apesar das mães acompanharem mais os filhos nas Instituições de saúde e educação, os pais também são presentes na vida dos mesmos, porém desenvolvem essa presença sendo provedor da casa e por vezes auxiliando na organização do lar, dado que a esposa passa maior tempo em função do filho. Na maior parte dos casos, há mais comunicação entre mães e filhos devido ao uso da LIBRAS. De modo geral, os familiares atribuem a precária comunicação com o filho surdo à vontade de Deus, atitude que os isenta de sua própria responsabilidade perante a deficiência do filho e decorrentes desafios. Palavras-chave: Paternidade. Deficiência Auditiva. Relação pai-filho SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 08 2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 09 2.1 DEFICIÊNCIA AUDITIVA: REPERCUSSÕES NO DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO ....................................................................................................................... 09 2.2 PAPEL DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO DO(A) FILHO(A) SURDO(A) ............................................................................................................. 14 2.3 EXERCÍCIO DA PATERNIDADE NA PÓS-MODERNIDADE ........................... 15 3 ESTUDO FENOMENOLÓGICO ........................................................................... 17 3.1 METODOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................... 17 3.1.1 Sujeitos................................................................................................................... 18 3.1.2 Procedimentos de levantamento de informações.................................................... 18 3.1.3 Procedimento de análise de informações ................................................................ 19 4 ANÁLISE E RESULTADOS ..................................................................................... 19 4.1 SURDEZ E PATERNIDADE .................................................................................. 20 4.2 SURDEZ E DESENVOLVIMENTO ....................................................................... 22 4.3 VISÃO PATERNA DA RELAÇÃO MÃE E FILHO(A) SURDO(A) .................... 25 4.4 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PATERNA MEDIANTE DEFICIÊNCIA AUDITIVA DO(A) FILHO(A) ............................................................ 28 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 32 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 33 ANEXO ........................................................................................................................... 37 8 1 INTRODUÇÃO A vivência de pais com filhos deficientes auditivos compreende um fenômeno a ser melhor investigado, dados os desafios que este quadro impõe aos pais e à dinâmica familiar. Faz-se necessário que pais e mães reflitam melhor a respeito de suas atitudes frente aos filhos com deficiência, de modo que esta não seja motivo de tantas separações familiares (conscientes ou inconscientes, explicitadas ou veladas). Cabe à ciência, de modo especial à psicologia, contribuir para que os sujeitos diretamente envolvidos com este fenômeno, vejam nele motivos de fortalecimento dos vínculos familiares, o que auxiliará tanto no desenvolvimento do filho como na união do casal. Quando se vê um bebê, uma criança, um adolescente ou um adulto deficiente, na maioria das vezes é acompanhado pela mãe. Caso este filho deficiente, mesmo já adulto necessite de cuidados contínuos provavelmente os receberá da mãe. Porém, pergunta-se: Onde está o pai desta criança? Frente à questão o presente trabalho vem analisar vivências de pais, optando-se por pais com filhos deficientes auditivos, pela inviabilidade de contemplar mais deficiências. Em famílias com filho deficiente, geralmente a mãe dedica-se a este ao ponto de viver em função do mesmo, o que pode ser entendido pelo esposo como se esta fosse uma esposa ausente. Porém, isto é explicado pelo total empenho aos cuidados com o filho ao perceber pouco envolvimento por parte do esposo/pai na sua educação e formação. Ou seja, a ausência da mulher/esposa vista pelo marido pode ser resultado da ausência deste homem como pai e isso é alimentado pela sociedade. A deficiência auditiva (DA)*, como também as demais deficiências trazem consigo repercussões para a vida do sujeito, que pode ter seu desenvolvimento comprometido de acordo com o grau da deficiência. Isso diferencia o sujeito dos demais no que diz respeito aos aspectos biopsicossociais, sendo papel dos responsáveis buscarem meios necessários para o seu melhor desenvolvimento. Conhecimentos e recursos sobre o que pode ser feito para o bem do filho nem sempre estão ao alcance dos pais, porém, ainda que de modo precário, esses podem contar com a ajuda do Estado por meio de instituições da área da saúde e educação para que tenham auxílio favorável ao desenvolvimento do filho. Com o presente trabalho, visa-se analisar as repercussões da DA do(a) filho(a) na vivência paterna, através de uma entrevista com os pais com o intuito de que estes repensem sua relação com seus filhos, bem como com suas esposas, de forma que ao falarem reflitam *O termo Deficiência Auditiva será substituído por DA. 9 sobre suas atitudes mudando o que pode ser melhorado. E como objetivos específicos: compreender a participação do pai no desenvolvimento do(a) filho(a) surdo(a); analisar o vínculo estabelecido entre o pai e o(a) filho(a) com deficiência auditiva; verificar como o pai concebe a relação estabelecida entre o(a) filho(a) surdo(a) e a mãe/esposa; conhecer as repercussões da DA no processo de desenvolvimento da criança; e identificar as estratégias de enfrentamento paterna frente aos desafios decorrentes da deficiência do(a) filho(a). Com isso, tanto os participantes como os interessados pelo tema poderão se mobilizar em relação ao exercício da paternidade. Este estudo compreende uma pesquisa qualitativa de cunho fenomenológico, no qual foram realizadas entrevistas individuais semi-estuturadas, de modo que cada entrevistado pôde falar sobre sua própria vivência junto ao filho deficiente auditivo. As informações levantadas foram submetidas a uma análise do discurso, pela perspectiva qualitativa fenomenológica, a partir da qual algumas categorias comuns foram extraídas e interpretadas teoricamente, o que favoreceu uma melhor compreensão das vivências paternas. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 DEFICIÊNCIA AUDITIVA: REPERCUSSÕES NO DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO A audição e a linguagem são funções correlacionadas e interdependentes, a audição é pré-requisito para a aquisição e desenvolvimento da linguagem, que por sua vez desempenha papel essencial em organizar a percepção, receber e estruturar as informações, contribuir na aprendizagem e nas interações sociais, conforme afirmam Gatto e Tochetto (2007). Sendo assim, o que mais compromete o desenvolvimento da linguagem e da fala é a deficiência auditiva (DA), deficiência congênita mais freqüente e mais prevalente entre as rotineiramente triadas em programas de saúde preventiva. O ouvido é o órgão sensorial indispensável para a aquisição da linguagem, que favorece o pensamento e o desenvolvimento intelectual. Este órgão possibilita uma das funções superiores mais importantes ao ser humano, a comunicação. Por meio dela com o uso da linguagem, o homem organiza o seu universo; entende o mundo que o rodeia; compreende o outro; transmite e abstrai pensamentos e sentimentos alheios; interage com o meio e adquire conhecimento, conforme afirmam Silva, Queiros e Lima (2006). 10 Portanto, quanto mais cedo a DA for detectada com o grau e identificação das causas, maiores serão as possibilidades de contribuição de recursos para evitar ou cuidar dos efeitos da DA na vida do sujeito. De acordo com um estudo realizado por Silva, Queiros e Lima (2006), os principais fatores etiológicos responsáveis pela DA são: primeiramente, a rubéola materna; em seguida, a meningite 1 piogênica; causa 2 idiopática; prematuridade; hereditariedade; icterícia neonatal; uso de 3misoprostol na gestação; sarampo; 4ototoxidade e caxumba. Yoshinaga e cols. (1998, apud GATTO; TOCHETTO, 2007) afirmam que o diagnóstico tardio dificulta que a criança surda alcance desempenho comunicativo próximo ao das ouvintes, causando prejuízos irreversíveis ao seu desenvolvimento. Isso confirma a necessidade de se investir em procedimentos de diagnóstico para identificar a DA o mais precocemente possível e reabilitar as crianças já diagnosticadas. Padovani e Texeira (2005, p. 48) defendem que é por meio do balbucio que se dá o estabelecimento das conexões sensório-motoras nos primeiros meses de vida. Assim, a qualidade do balbucio é um importante sinalizador da necessidade de ações de prevenção, diagnóstico e intervenção dos diversos tipos de distúrbios da linguagem infantil: [...] pode-se supor que a criança surda congênita geralmente encontrará dificuldades para organizar seu sistema de sons, já que não pôde vivenciar e estabelecer a base lingüística necessária para o início da fala. Isso reforça o argumento de que o desenvolvimento da linguagem oral pelo deficiente auditivo será proporcional às medidas tomadas nas fases iniciais do desenvolvimento. Nessa perspectiva insere-se a estimulação essencial que compreende, segundo Silva (1996, apud ORNELAS; SOUZA, 2001), toda atividade enriquece o desenvolvimento físico, mental e social da criança e a integração freqüente com a mesma desde o seu nascimento favorece que um desenvolvimento pleno. Ela deve assegurar à criança pleno desenvolvimento do seu sistema sensório-motor-oral e de suas funções alteradas em virtude da deficiência, 1 Piogênica: Que gera pus. 2 Idiopática: Referente à doença que existe por si mesma. 3 Misoprostol: Versão sintética da prostaglandina E1 (PGE1) usado no tratamento e prevenção de úlcera do estômago. Esta substância também é usada ilegalmente como abortivo. Também é usado na medicina veterinária para proteção estomacal de animais. 4 Ototoxidade: Problema recorrente nos pacientes pediátricos de neuroblastoma tratados com altas doses de componentes derivados de platina, como cisplatina e carboplatina. 11 como destaca Rosa (1999), proporcionando à criança as condições que são essenciais para que o desempenho de suas capacidades seja alcançado. Os exercícios de estimulação essencial baseiam-se nas teorias do desenvolvimento. Assim, cabe ao profissional entender as etapas do desenvolvimento para detectar, comparar e intervir frente às diferenças entre o desenvolvimento limitado (pela DA) e o esperado para as demais crianças. Para isso, o contexto familiar e social; técnicas e meios empregados; estímulos e experiências proporcionadas favorecem o desenvolvimento do sujeito deficiente o mais próximo possível do sujeito não deficiente. Piaget (1967/2003) divide os períodos do desenvolvimento humano segundo o aparecimento de novas qualidades do pensamento, o que interfere no desenvolvimento global. Esses períodos, também chamados estágios, são quatro: Sensório-motor, período que vai do nascimento até os dois anos de idade. Nele a criança conhece o mundo através da percepção e manipulação. No recém-nascido, a vida mental se reduz ao exercício dos aparelhos reflexos de fundo hereditário. Eles vão melhorando com o treino e adquirindo novos hábitos. No final do período, a criança é capaz de usar um instrumento como meio para atingir um objeto, assim ela utiliza a inteligência prática ou sensório-motora, pois envolve as percepções e movimentos. A aquisição de novas habilidades tem como suporte o desenvolvimento físico acelerado (desenvolvimento ósseo, muscular e neurológico), isso propicia um domínio maior do ambiente. Nesse período ocorre na criança uma diferenciação progressiva entre o eu e o mundo exterior, já que no início o mundo era continuação do próprio corpo, mas com o progresso da inteligência, a criança se situa como elemento entre os outros no mundo. Essa diferenciação também ocorre no aspecto afetivo, pois o bebê passa das emoções primárias, como os primeiros medos (enrijecer-se com um barulho forte), para a escolha afetiva de objetos no final do período. Frente a esse curto período, a criança evolui de uma atitude passiva em relação ao ambiente e pessoas de seu mundo para uma atitude ativa e participativa. Mas sua integração no ambiente dá-se, também, pela imitação das regras como por exemplo, ao final do período, ser capaz de falar através da imitação da fala. Pré-operatório é o período da primeira infância que vai dos dois aos sete anos. Nele o acontecimento fundamental, segundo Bock (1999), é o surgimento da linguagem que produz mudanças nos aspectos intelectual, afetivo e social da criança, assim o desenvolvimento do pensamento é acelerado. No início deste período, a criança transforma o real em função dos 12 seus desejos e fantasias; em seguida, utiliza esses desejos e fantasias como referencial para explicar o mundo real e ao final do período, passa a procurar a razão causal e finalista de tudo. O interesse pelas diferentes atividades e objetos se multiplica, diferencia e regulariza, devido ao domínio ampliado do mundo torna-se estável surgindo uma escala de valores própria da criança. Também a maturação neurofisiológica completa-se, permitindo que novas habilidades, como a coordenação motora fina, se desenvolvam. Operações concretas compreende o período da infância propriamente dita, vai dos sete aos onze/doze anos. É nele que se inicia a construção lógica, isto é, a capacidade da criança estabelecer relações que permitam a coordenação e integração de pontos de vista diferentes de modo lógico e coerente. No plano afetivo significa que a criança será capaz de cooperar e trabalhar com os outros e ao mesmo tempo ter autonomia pessoal. No plano intelectual, isso é possibilitado pela capacidade mental das operações, ou seja, ela consegue realizar uma ação física ou mental dirigida para um fim e revertê-la para seu início. Ela também, neste período, consegue exercer suas habilidades e capacidades a partir de objetos reais. Ocorre também neste estágio, o aparecimento da vontade. A criança adquire uma autonomia crescente em relação aos adultos passando a organizar seus próprios valores. Operações formais é o período da adolescência que vai dos onze/doze anos em diante. Nele ocorre a passagem do pensamento concreto para o formal, abstrato. O adolescente será capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, etc. É capaz de realizar uma reflexão espontânea que tira conclusões com puras hipóteses. Na afetividade ele vive conflitos. Deseja libertar-se dos adultos, mas ainda depende deles. Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. Seus interesses são diversos e mutáveis, a estabilidade é alcançada na proximidade da vida adulta. Sabe-se que Piaget, embora tenha se dedicado ao desenvolvimento cognitivo, não explorou em profundidade o papel da linguagem neste processo, como o fez Vygotsky. Para este autor, pensamento e linguagem têm raízes genéticas distintas e se desenvolvem em trajetórias diferentes e independentes. As curvas que representam seu desenvolvimento convergem, divergem e se cruzam, Vygotsky (1996). Segundo o mesmo, ações como balbucio, choro, movimentos e sons inarticulados têm funções predominantemente emocionais e sociais e geralmente ocorrem em uma etapa préintelectual. Por volta dos dois anos, as curvas de evolução do pensamento e da linguagem, até então separadas, encontram-se, de modo que a fala começa a servir ao intelecto. A criança faz perguntas e amplia seu vocabulário, descobre a função simbólica das palavras. A fala que era 13 afetivo-conativa passa para uma fase intelectual, tornando o pensamento verbal e a fala racional. Para Vygotsky (1996), a fala tem como função primordial a comunicação, o intercâmbio social, porém, uma palavra não se refere a um objeto isolado, mas a um grupo ou classes de objetos. A palavra compreende uma generalização. Portanto, o significado é um ato de pensamento e, desta forma, pertence tanto ao domínio da linguagem, quanto do pensamento. “O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento” (Vygotsky, 1996, p. 104). Em outras palavras, em sua perspectiva o significado mediatiza o pensamento, evolui e modifica-se à medida em que a criança se desenvolve e apropria-se da cultura, portanto, está relacionado à evolução histórica da consciência. Com a aquisição da fala racional, a criança inicia a fala egocêntrica, um fenômeno de transição das funções inter-psíquicas para as intrapsíquicas, ou seja, da atividade social e coletiva para funções mais individualizadas. Porém, neste estudo, enfatiza-se dois processos de linguagem: o verbal e o não-verbal. Devido à DA adquirida precocemente, a pessoa pode estar com o processo de linguagem verbal em maior ou menor grau bloqueado, porém, seu processo de linguagem não-verbal não está comprometido. A criança surda em sua potencialidade possui capacidade de comunicação lingüística que favorece processualmente o desempenho do seu papel social e sua interação na sociedade, onde a palavra possui extrema importância. Frente a isto, faz-se necessária a utilização de alternativas de comunicação que propiciem intercâmbio entre surdos e ouvintes, podendo-se compensar a audição pela visão, tato, movimentos e em alguns casos os restos auditivos existentes, a fim de que sejam favorecidas a comunicação e a interação social. Adota-se o pressuposto de que as repercussões das dificuldades de interação com o meio, derivadas da deficiência auditiva, levam a criança a um processo particular de desenvolvimento, em que são criados novos caminhos a partir do estabelecimento de mecanismos não convencionais tanto no nível intra, quanto interpsicológico. Entretanto, neste caso, acredita-se que a mediação do outro, particularmente dos pais, em uma dinâmica de relação afetiva com elevado grau de intersubjetividade, possa favorecer o desenvolvimento integral do sujeito surdo, a despeito de suas limitações, (BRAGA, 1995). Além disso, apesar do dissenso, o oralismo também é concebido como alternativa de desenvolvimento ao sujeito surdo. De acordo com Soares (2005, p. 07), 14 Oralismo, ou método oral, é o processo pelo qual se pretende capacitar o surdo na compreensão e na produção de linguagem oral e que parte do princípio de que o indivíduo surdo, mesmo não possuindo o nível de audição para receber os sons da fala, pode se constituir em interlocutor por meio da linguagem oral. Por um lado, este método tem sido concebido como uma violência contra o surdo que, por não escutar, não pode imitar sons. Para Bueno (1998), o oralismo é uma forma opressiva de uma maioria (ouvintes) sobre uma minoria (surdos), o que o leva a criticar esta prática e defender a linguagem gestual, também conhecida como língua de sinais, no Brasil, Língua Brasileira se Sinais (LIBRAS). Por outro lado, a despeito da surdez, existem teóricos e profissionais que defendem o oralismo em razão da capacidade do surdo, acreditando que o surdo oralizado tem mais oportunidades, por exemplo, no mercado de trabalho. Jucá (2004) vê na oralização um meio pelo qual a criança constrói sua subjetividade de forma mais ampla e isso pode ser favorecido por meio do brincar que impulsiona a fala, preparando o intelecto da criança para o uso dos símbolos expressos pelo acesso à linguagem oral. De um modo ou de outro, concebe-se que a deficiência pode ser entendida não como um problema, mas como um desafio para a superação das limitações por meio de um processo criativo individual e conjunto, o que endossa a necessidade de participação dos pais, conforme retrata o tópico a seguir. 2.2 PAPEL DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO DO(A) FILHO(A) SURDO(A) Bowlby (1993, apud SCHWARTZMAN et al., 1999) afirma que a existência de algum distúrbio em um filho representa uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho ideal tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, esses filhos representam a perda de sonhos e expectativas gerando desespero, dúvidas, conflitos, angústias e frustrações, contrariamente às expectativas criadas acerca do filho ideal pelo qual esperavam. Com isso, os pais precisam superar a “perda” do filho ideal e se adaptarem para cuidar do filho com deficiência. De acordo com Matias (1999), faz-se necessário que o diagnóstico de toda e qualquer deficiência seja dado o quanto antes, a fim de que se recorra aos meios necessários para se minimizar o comprometimento que a deficiência pode gerar na vida da pessoa. Além disso, o diagnóstico precoce evita os vários erros prejudiciais à criança que a família não preparada pode cometer. Apesar das possíveis suspeitas, na maioria das vezes feita pela mãe, a 15 intervenção ocorre apenas entre o segundo e terceiro ano de vida, período este que supera o momento propício à estimulação da linguagem e audição. Matias (1999) acrescenta que é de fundamental importância que uma preparação aos pais seja assegurada antes do resultado positivo de deficiência do filho. Dar um diagnóstico aos pais sem nenhuma preparação e orientação aos mesmos é uma crueldade que pode gerar desespero e, conseqüentemente, aumenta o sentimento de impotência destes frente à deficiência do filho. Com um programa de aconselhamento adequado e adaptado a cada família, atitudes favoráveis frente às dificuldades do filho podem ser tomadas. A aceitação da deficiência do filho por parte dos pais pode favorecer o seu desenvolvimento e enfraquecer algumas atitudes que resultam em vergonha, impaciência ou que castiguem e/ou ridicularizem os filhos (MATIAS; 1999). É possível que hajam atitudes desfavoráveis, às vezes adotadas por alguns pais, podendo ser resultado da própria tentativa da criança em balbuciar alguma palavra, ou ainda ao tentar se expressar, e não conseguir ser entendida. Negrelli e Marcon (2006) afirmam que em uma família com filho surdo, a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é necessária, pois “a comunicação exerce papel fundamental para a vida de qualquer indivíduo, propiciando o desenvolvimento cultural e o delineamento de sua identidade própria” (p.98). Faz parte do papel familiar contribuir e colaborar com a formação dos indivíduos que necessitam de auxílio para desenvolver-se natural e socialmente. Segundo as autoras, em geral, é no contexto familiar que o sujeito adquire suas primeiras experiências e relaciona-se interpessoalmente. A constituição subjetiva decorre, dentre outros fatores, dos modos de funcionamento familiar e retroalimenta, dialeticamente, esse sistema. Desse modo, quando o clima familiar está perturbado em suas interações, a criança pode encontrar-se de forma confusa, o que compromete seu processo de aprendizagem e a formação de sua personalidade. 2.3 EXERCÍCIO DA PATERNIDADE NA PÓS-MODERNIDADE A participação ativa do homem tanto como esposo quanto como pai, favorece o desenvolvimento e a autonomia da criança. Porém, percebe-se que, em muitos casos, a figura paterna ausenta-se com o decorrer do tempo, e conseqüentemente a educação e cuidados do filho ficam apenas sob a responsabilidade da mãe. Schwartzman et al. (1999) enfatizam que 16 quando o pai tem um papel ativo na educação do filho com deficiência a família apresenta funcionamento mais equilibrado. De acordo com Santos, Solza e Felipe (2009), no cotidiano das famílias com filho(s) com alguma necessidade especial, as questões de gênero, no que diz respeito ao exercício da maternidade e da paternidade, ainda se constituem espaços negados, contribuindo para a persistência de posições sexistas alicerçadas e enraizadas na vida cotidiana das mulheres-mães de pessoas com deficiências. Observa-se que comportamentos de homens, que se isentam de cuidados com os filhos, são frutos da construção cultural que é naturalizada pela nossa sociedade. Fala-se muito de paternidade e maternidade responsável, mas o observado é uma enorme cobrança social apenas sob a “maternidade responsável”. Esta maternidade tornou-se o que é hoje, um dos estados humanos mais naturalizados e um dos mais policiados, uma responsabilidade única da mulher e não apenas um dever, mas uma vocação idealizada, cercada de emoção por todos os lados, e isso dificulta o envolvimento do pai com o(s) filho(s), conforme afirma Forna (2003). As atribuições “homem provedor” e “mulher cuidadora” estimulam o funcionamento social desde os primórdios da humanidade. Segundo Ariés (1981), após a segunda Guerra Mundial, quando os homens retornavam da frente da batalha, as mulheres eram bombardeadas com a ideologia de que deveriam permanecer em casa, cuidando dos filhos, a fim de que os homens voltassem para o mercado de trabalho. Antes, cabiam ao homem as relações ligadas à organização da produção, estabelecendo diálogo com os seus filhos e esposa quando desejasse, e à mulher os vínculos pessoais e afetivos, mantendo a harmonia nas relações parentais do lar. Todavia, com as transformações sociais a partir da década de 60 de modo particular com a participação da mulher no mercado de trabalho sendo remunerada, a identidade masculina passa a ser reformulada em relação ao ser provedor da família. Essas mudanças afetaram a paternidade. Ocorreu o declínio do patriarcado e conseqüentemente, afirmam Gomes e Resende (2004, apud FREITAS et al., 2009), o homem é surpreendido pela ruptura da hierarquia doméstica e pelo constante questionamento de sua autoridade. Essa situação pode ser marcada para o homem por ganhos e perdas. Ganhos na medida em que o que antes era atribuído exclusivamente ao homem passa a ser distribuído com a mulher. Perdas, pois partilhar responsabilidades enfraquece o sistema patriarcal. As visões sobre masculino e feminino no que diz respeito ao que é privado e público e a participação de ambos no espaço familiar continuam sendo sustentado pelo sistema 17 simbólico com a distante divisão eqüitativa de responsabilidade. Sobre isso Freitas et al (2009. p. 86) afirmam: [...] para que os homens vivenciem a paternidade de modo equânime e não apenas mais participativo é preciso que homens e mulheres repensem seus atributos sociais em meio à complexidade dessa vivência, reconhecendo que a paternidade constitui uma oportunidade de os homens ampliarem suas dimensões internas e renovarem sua relação com a vida. É importante destacar que a assunção da função paterna se dá pelo exercício de um dever e de um direito. O pai pode analisar suas decisões e aproveitar as oportunidades para desenvolver vínculos mais afetivos, o que antes era mais raro e difícil. Dentro desta função encontra-se a figura de autoridade. Guimarães et al. (2008, apud COSTA et al., 2009) destacam que essa função viabiliza o respeito às leis e regras sociais de convivência, o que modula as relações entre os sujeitos. Em alguns casos, a ausência da figura paterna possibilitará que o sujeito reconheça na Lei, algo a ser confrontado ou cegamente obedecido. Canho, Neme e Yamada (2006) afirmam que, como mães, pais vivenciam diferentemente o impacto e dificuldades emocionais com o diagnóstico dos filhos, porém, as diferenças de papéis familiares favorecem ao pai um menor envolvimento na educação da criança e esta atitude muitas vezes é legitimada pela mulher, quando a mesma acredita que cabe ao homem apenas a manutenção material do lar e à ela os cuidados da casa e dos filhos. 3 ESTUDO FENOMENOLÓGICO 3.1 METODOLOGIA DE PESQUISA Este estudo compreende uma pesquisa qualitativa de cunho fenomenológico, cujo método, segundo Creswell (1998 apud HOLANDA, 2006), consiste na “descrição das experiências vividas” de vários sujeitos sobre um conceito ou fenômeno, visando buscar a estrutura “essencial” ou os elementos “invariantes” do fenômeno, ou seja, saber qual significado o indivíduo dá ao fenômeno; o que a experiência significa para as pessoas que a vivenciaram e que estão aptas a darem uma descrição compreensiva da mesma. É uma abordagem descritiva, na qual parte-se da idéia de que se pode deixar o fenômeno falar por si. Conforme Amatuzzi (2003), a pesquisa fenomenológica é basicamente de natureza qualitativa, na qual a palavra é o mais importante. Através do clareamento do 18 fenômeno, pretende-se dar conta do que acontece. Desta forma, deseja-se construir uma compreensão de algo. Segundo Holanda (2003), a pesquisa fenomenológica busca acessar uma apreensão da realidade, a partir do sentido desta para uma subjetividade intencional. Assim, busca-se alcançar o significado da realidade e do mundo para um sujeito que é ator e protagonista de sua própria vivência. Martins e Bicudo (1989 apud HOLANDA, 2003) compreendem como objetivo da pesquisa fenomenológica o alcance dos significados atribuídos pelo sujeito à situação pesquisada. 3.1.1 Sujeitos Participaram desta pesquisa 06 (seis) pais de alunos com deficiência auditiva, atendidos no Centro Educacional da Audição e Linguagem - Ludovico Pavoni (CEAL - LP), situado em Brasília, cuja faixa etária variou de 11 a 16 anos. A faixa etária dos pais era de 40 a 65 anos e a escolaridade, de ensino fundamental a médio. Esses sujeitos residem nas regiões administrativas do entorno de Brasília. 3.1.2 Procedimentos de levantamento de informações Para o levantamento de informações, foram realizadas entrevistas com uma pergunta norteadora, pautada na questão investigada: Como é o seu relacionamento com seu(sua) filho(a) deficiente auditivo(a) desde quando ele(a) nasceu? – com a finalidade de se compreender melhor a experiência vivida e seu significado para os sujeitos entrevistados. De acordo com Amatuzzi (2003), o objetivo da entrevista fenomenológica é surpreender o vivido no presente. É o que se espera quando a experiência da pessoa é pensada de repente e dita como pela primeira vez. Desta forma, buscou-se acessar a experiência intencional vivida, atuando como facilitador a este acesso, uma vez que o vivido poderia ainda não ter sido falado e/ou expressado antes. Inicialmente o projeto foi apresentado ao diretor do CEAL de Brasília e, após seu consentimento, foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (CEP/UCB). Posteriormente os pais foram contatados e tendo aceitado participar da pesquisa, foram informados quanto aos objetivos e procedimentos de coleta de dados dos 19 quais participaram. Assim, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi iniciada a entrevista para a coleta de dados. Como pergunta norteadora, adotou-se o seguinte questionamento: Como é o seu relacionamento com seu(sua) filho(a) deficiente auditivo(a) desde quando ele(a) nasceu? A pergunta norteadora foi apresentada pela pesquisadora, com cada pai individualmente, em horário e local agendados conforme a possibilidade do mesmo. Além disso, o entrevistado pôde aceitar as palavras dirigidas pelo pesquisador e dizêlas de novo no contexto de uma determinada problemática. Espera-se que a entrevista tenha mobilizado o entrevistado a repensar suas ações e que o mesmo se disponha a modificar o que pode ser melhorado. Teve-se como critério para a realização da entrevista um local resguardado, para que o entrevistado se sentisse seguro e a vontade. 3.1.3 Procedimento de análise de informações Os dados foram analisados em uma perspectiva fenomenológica. Segundo Amatuzzi (2003), numa análise fenomenológica, o melhor relato é o que procura trazer, tornar presente, a experiência vivida. Segundo Bruns (2003), esse processo de análise caracteriza a atitude científica presente no ato de pesquisar, a qual possibilita um desencantamento diante do fenômeno investigado. Para tanto, Martins e Bicudo (1989, apud BRUNS, 2003) sugerem quatro momentos de análise fenomenológica: 1) Transcrição dos depoimentos dos entrevistados, com a intenção de familiarizar-se com a descrição da experiência vivida e apreender o sentido geral do fenômeno indagado. 2) Elaboração da discriminação das unidades de significados, as quais são extraídas após a releitura de cada depoimento. 3) Após a obtenção das unidades de significado, busca-se agrupá-las em temas ou categorias, que expressam o insight psicológico nelas contido. É a transformação da linguagem coloquial do entrevistado no discurso psicológico. 4) Sintetiza e integra os insights contidos em todas as unidades de significado, obtidas no terceiro momento, as quais podem ser agrupadas em temas ou categorias em função das convergências e/ou divergências dos significados atribuídos pelos entrevistados e que constituem os aspectos essenciais da estrutura compreensiva geral do fenômeno. 20 4 ANÁLISE E RESULTADOS Conforme anunciado anteriormente, este estudo compreende uma pesquisa qualitativa de cunho fenomenológico. Sendo assim, as informações levantadas foram submetidas a uma análise qualitativa e, após tematização, foram identificados os seguintes eixos de análise: surdez e paternidade; surdez e desenvolvimento; visão paterna da relação mãe-filho surdo; e estratégias de enfrentamento do pai mediante deficiência auditiva do filho. Diferentes aspectos foram contemplados dentro desses eixos, conforme retratam os quadros a seguir. Porém, apenas os aspectos mais relevantes serão ressaltados de acordo com os objetivos do trabalho. 4.1 SURDEZ E PATERNIDADE A deficiência em si, na maioria das vezes, é vista como uma situação que precisa ser enfrentada em vários aspectos seja biológico, pessoal, familiar, institucional e social. Para isso, pais e mães encaram uma série de questões, pois dificilmente espera-se filhos com deficiência. Frente a isso e a chegada de um filho com DA, muitos pais encontram-se despreparados para acolherem e ajudarem o filho surdo; inclusive porque ainda não existe assistência apropriada específica que acompanhem estes pais antes, durante e após o diagnóstico. Em muitos casos, o resultado do exame é anunciado como apenas mais um resultado; enquanto que, para os que recebem o diagnóstico, é um momento desesperador. ASPECTOS ANALISADOS Comunicação Relação FALAS (Os nomes utilizados neste artigo são fictícios, dado o compromisso ético desta pesquisa em preservar a identidade dos sujeitos.) João: “Eu tinha essa dificuldade de comunicação mais direta, mas eu gostaria de falar mais com ele, porque de LIBRAS eu entendo o mínimo do básico.” Bruno: “Não tenho tempo de aprendê LIBRAS, mas sei o suficiente para comunicar com ele; um pouco que ele fala, no gesto dele, já dá pra entendê.” Felipe: “Eu sei o menos que o básico de LIBRAS, só que ele é um menino que você fala e ele entende quase tudo.” Gustavo: “A gente procurô ler leitura labial, quando a gente não consegue, a gente vai pra LIBRAS, só em forma alfabética, ás vezes a gente tem dificuldade de entendê o sinal.” Otávio: “Quando eu me propus a lutar pelo implante eu cortei um pouco aquilo que eu sabia, pra não me acostumar fazer os sinais com ela, só falando, pra leitura labial.” Augusto: “Tudo que eu quero falá com ela, eu falo olhando pra ela e eu entendo bem o que ela fala.” João: “Já passou na cabeça: „O Pedro é que tem que aprendê a escutá.‟Mas enquanto ele não está escutando eu tenho que aprendê a falá com ele.” 21 Dinâmica familiar Cuidados cotidianos Bruno: “É uma satisfação imensa, eu ganho tudo levando meu filho para o quê ele gosta, como andá a cavalo.” Felipe: “Quando ele tá em casa, que ás vezes ele me pede prá fritar uma carne, uma lingüiça: „Papai, qué comer coração!‟ É bom a gente fazê aquilo; come, levanta e aí vai dormir; „Boa noite!‟ E é muito gostoso!” Gustavo: “Se fô pra ele andá de bicicleta, então eu pego uma e ele pega a dele pra gente andá, mas a gente não dêxa ele saí só não.” Otávio: “Nesses anos todos eu me dediquei no dia-a-dia da melhor maneira possível e senti que meu compromisso com ela era mais importante que os bens materiais” Augusto: “Eu acho que por ela ter essa deficiência eu acabei me apegando mais a ela, eu tornei um pai mais cuidadoso querendo ser muito protetô.” João: “A relação nossa é quando tá nós três juntos é 100% boa.” Bruno: “Que nosso filho que tenha esse problema especial ou não, pra nóis o importante é tê o amor com ele, porque o pai e a mãe é tudo dele.” Felipe: “Quando tô em casa ele pergunta: „Papai, vai trabalhá amanhã?‟ „Eu vô!‟ „Que horas volta?‟ Eu chego ás quatro, mas pra vê o que ele fala, falo: „Sete horas!‟ Ele fala: „Porquê?!? Quatro horas, mamãe, por quê?‟ Aí ela fala: „Seu pai é doido!‟ Mas é muito importante.” (Discurso no tom de brincadeira) Gustavo: “Qualquer coisa que ele vai fazê ele pergunta pra min e pra mãe dele. E em casa a gente faz tudo junto, a gente viaja junto.” Otávio: “Olha, é atrito, porque eu me aprofundei muito no conhecimento e infelizmente a mãe num teve essa mesma oportunidade, interesse, não quero aqui denegrir a imagem da mãe. Até eu fico nervoso porque quero ensinar, mais as vezes não aceita.” Augusto: “Hoje a gente não trata a Manuela como uma coitada, mais a gente procura incará, a realidade e mostrá pra ela que o problema que ela tem, pode ser superado.” João: “Eu vou na escola dele, busco, fico pro almoço dele.” Bruno: “Ele tem problema de bronquite. Tem aquela canseira que era pra morrê sufocado, aí a gente tem que tá cuidando pra ele poder respirar melhor.” Felipe: “Depois da 4ª série ele começô a estudá longe daqui e eu busco ele na escola.” Gustavo: “A gente faz tudo; se ele chega atrasado, a gente dêxa a comida pronta no prato pra vê se ele come.” Otávio: “Todo dia, di manhã cedo 5h da manhã, já bóto ela pra se prepará pra ir pra escola, pro CEAL e depois pra outra da inclusão.” Augusto: “Com a Manuela a gente busca tanto eu, quanto a Irene, tá sempre buscando mostrá pra ela a coisas que não devem, principalmente agora nessa fase de adolescente.” Todos os pais apresentaram dificuldades em relação ao exercício do uso da LIBRAS, tanto pelo esforço que se exigiria por parte de cada um deles, quanto pela dificuldade em aceitar a deficiência do filho. João expressa que “entende o mínimo do básico”; Otávio afirma que não usa LIBRAS a fim de que a filha se esforce em compreender as palavras e fazer leitura labial. Por outro lado, Bruno, Filipe, Gustavo e Augusto apoiam-se no resto de audição dos filhos, porém, percebem que a comunicação com estes exige esforço, formas que a facilitem, como alguns gestos e/ou sinais, mediação de alguém que domine a língua de sinais, ou ao menos interprete o que os filhos pretendem dizer. 22 Entre os pais entrevistados, João foi o que demonstrou ter menos comunicação com o filho, o que prejudica a relação de ambos, uma vez que ela é algo fundamental para a manutenção e sustentação relacional. Os pais expressam satisfação frente aos pedidos dos filhos, seja para um passeio, ou para que se faça um prato de comida, isso intensifica a relação entre eles, mas também aumenta a dependência dos mesmos em relação a eles. Esses pais reconheceram que estão exercendo um papel protetivo em demasia. Segundo eles, este “mimo” justifica-se pela deficiência. Cinco dos entrevistados relataram quão importante é a dinâmica familiar quando pai e mãe estão envolvidos na formação e desenvolvimento dos filhos, os quais, segundo Negrelli e Marcon (2006), podem ser prejudicados dependendo do contexto familiar. Otávio descreveu a relação entre pai-filha-esposa/mãe como conflituosa, por pouco envolvimento da mãe na vida da filha. Este foi o único caso em que, desde o diagnóstico, o casal concordou que um dos dois teria que viver em função da filha DA. A mãe optou por cuidar da manutenção da casa, tornando-se o pai exclusivamente responsável pela filha, que atualmente tem dezesseis anos. Pela fala de Otávio, percebe-se uma relação conjugal fragilizada, que tem gerado prejuízos também na relação mãe-filha. Os relatos indicam que os pais (biológicos, pois este foi um critério de inclusão adotado nesta pesquisa), que vivem com a esposa e com os filhos com DA, são presentes e participativos no desenvolvimento dos filhos, embora em geral como provedores. Eles têm procurado, desde o diagnóstico, acompanhar, levar ao CEAL ou à escola, contribuir na organização dos horários, na alimentação, e, ainda, no estabelecimento de limites necessários principalmente agora que eles estão na adolescência. Contudo, eles estão aparentemente menos freqüentes por estarem empenhados na manutenção material da casa, com exceção de Otávio e ao mesmo tempo reconhecem que podem conciliar melhor quantidade de tempo que empenham no trabalho e qualidade presencial na vida do filho. 4.2 SURDEZ E DESENVOLVIMENTO A criança com DA precisa contar com o auxílio participativo de sua família e de instituições da área da saúde e educação a fim de que alcance mais plenamente seu desenvolvimento biopsicossocial. Contudo, o despreparo familiar e profissional no âmbito da saúde e da educação tem colaborado para que deficientes permaneçam à margem da sociedade, pois, apesar dos avanços científicos em relação à surdez, a sociedade continua em 23 débito com o DA, o que conseqüentemente contribui com o “isolamento” do surdo e reforça as nomeadas “comunidades de surdo” ao invés de uma verdadeira inclusão/inserção social. ASPECTOS ANALISADOS Rede de Apoio Relação filhoescola Visão paterna do filho Deficiência e sociedade FALAS João: “Os patrões da gente deram muito apoio pra gente e falaram que existia o CEAL. Depois os parente deu apoio.” Bruno: “A gente, por meio de um deputado, arrumamos lá no CEAL, para ele fazer tratamento lá.” Felipe: “Aí a gente veio pra qui, conseguimos uma vaga e até ganhamos umas consulta pra ele através do CEAL.” Gustavo: “Minha sogra falô pra gente: „Leva no CEAL!‟” Otávio: “Um médico indicô o CEAL, aí começamos a luta no CEAL, desde o precoce com um ano e nove meses, até hoje com dezesseis anos, que ela vai fazê.” Augusto: “O médico disse: „Olha, eu sô médico, mas O Médico dos médicos é Deus, e se essa criança não tivesse problema nenhum, depois que ela nascesse ela apresentasse um problema, vocês matariam essa criança por isso? Então, a gente conseguiu tirar força disso aí, porque ele oriento muito bem” João: “Ele consegue ficá entre os melhores alunos da sala, passá direto, ele consegue sozinho, pois tem 40 alunos, ele é a única pessoa auditiva (querendo dizer deficiente auditivo) na sala e as professoras não zela dele.” Bruno: “Ele vai pra oitava série com quinze ano com tantos defeitos que ele tem. E isso é uma vitória!” Felipe: “Os professores gostam muito dele, elogiam muito ele, que é tranqüilo, calmo, obediente.” Gustavo: “Não sei se fazem querê passá a criança pra querer se livrá dela, ô o que quê é. Porque que aprende bem, não aprende, não.” Otávio: “Infelizmente os professores estão totalmente despreparados para trabalhar com os surdos. Mais isso a gente vem cobrando nas conferência; é, o aprimoramento; a capacitação dos profissionais na área da educação com o surdo, porque eles não tão preparado, infelizmente.” Augusto: (Não relatou a respeito) João: “A cabeça dele é muito boa.” Bruno: “É muito calmo. Não é brabo, é atencioso.” Felipe: “Ele é um menino normal, anda a cavalo, nada. Ele fica triste quando faz algo e não é pra fazê.” Gustavo: “É uma criança super educada, amorosa demais e amiga, não mente. Ele não dá trabalho de jeito nenhum, muito responsável com as coisas dele, faz tudo.” Otávio: “Ás vezes ela fala sério, vai pro quarto braba daqui a pouco vem, muda da água pro vinho, e eu entendo as agressividade dela.” Augusto: “É uma criança que tá aí na adolescência e esse é um período difícil e a gente tem que tratá como uma criança que não tem problema, normal, pro crescimento dela.” João: “Já passou na cabeça: „O Pedro é que tem que aprendê a escutá.‟” Bruno: ----Felipe: ----Gustavo: “A gente pensa no futuro, de repente ele consegue casá com alguém da mesma deficiência que ele, e a gente tem que entendê o que eles estão conversando.” Otávio: “O surdo é muito discriminado, e ele ás vezes dêxa de se cumunicá oralmente por vergonha, por falar algumas palavra errada e ser criticado pelo ouvinte e não ser compreendido, o surdo oralisado é surdo liberto, porquê o mundo dos ouvintes é muito cruel e discriminativo.” Augusto: “Uma vez nós fomos até o hospital e ali no meio das crianças ela beliscava, 24 batia e até uma mãe puxo a filha e falô assim: „Sai daí que ela é doida!‟ Esse foi mais um momento de desespero. Nossa filha tava sendo discriminada.” Ao receberem o diagnóstico de deficiência auditiva do filho, os pais contaram com os serviços prestados pelo CEAL na área da saúde e da educação, fator favorável ao desenvolvimento do mesmo, de modo que este pudesse alcançar, apesar da deficiência, uma vivência saudável e equilibrada. Cinco entrevistados apontaram o CEAL como Rede de Apoio direta após o diagnóstico, enquanto Augusto viu no conselho do médico um apoio fundamental para que ele e a esposa prosseguissem com a gravidez que já previa a DA da filha, uma vez que a esposa estava com Rubéola. Apesar de discursos diferentes com ênfase em elogios aos filhos os pais percebem as dificuldades que eles enfrentam no ambiente escolar por “facilidades”, indiferenças e despreparo profissional. Faltam, ainda, investimento e exigências na formação profissional, pois sem o preparo especialmente de professores inteiramente comprometidos com a educação inclusiva, esta está fadada ao fracasso, com a ilusão de quem nela acredita. Segundo Angelicci e Luz (2010), por mais que o governo vise efetivar que a escola inclua todos, isso pode ser desumano quando não se observa a particularidade de cada deficiente, pois sem o foco na diversidade que contempla o indivíduo, a generalização concorrerá para o prejuízo do desenvolvimento do mesmo. Ao falar sobre o filho, João afirmou que “ele tem a cabeça muito boa”, haja vista seu bom rendimento na escola apesar da DA. Infere-se que esta admiração pode carregar consigo a crença de que a DA impossibilita o sujeito de desenvolver-se com poucas implicações, ou que a percepção do potencial do filho supera suas expectativas. Bruno, Felipe e Gustavo enfatizaram o comportamento afetuoso de seus respectivos filhos que demonstram atenção, responsabilidade e carinho. Por outro lado, mais de uma vez Otávio faz referência à agressividade de sua filha que, conforme o mesmo, se justifica pela surdez. Este entrevistado compreende que todo surdo é agressivo. Porém, mediante outras informações levantadas junto a este pai, acredita-se que o contexto familiar marcado por conflitos interpessoais, pode estar influenciando o comportamento da filha DA. Augusto, por sua vez, reconheceu a dificuldade de lidar com a filha adolescente, fase que, a despeito da deficiência, costuma exigir mais dos responsáveis, pois conforme afirmam Bisol e Bremm (2008), a adolescência é um período em que a pessoa ressignifica os papéis que ocupava na infância, procurando novos referenciais além do seu grupo familiar. Com isso é importante para o adolescente manifestar alguns comportamentos independente se estes contrariam a opinião dos pais ou não. 25 Um fato ainda presente nos dias de hoje desencadeador de sofrimento para o surdo e sua família é a discriminação social. Porém, conforme Witkoski (2009), existe um imenso leque de preconceitos que envolvem o ser surdo. Neste contexto é possível notar preconceito e discriminação na visão dos próprios pais. João demonstra o desejo que o filho aprenda a falar para comunicar-se com ele, como se isso fosse mais acessível que o fato dele mesmo aprender LIBRAS. Para Bruno, assim que o filho recuperar a audição, com o auxílio da medicina, pelo implante coclear, será “normal.” Identifica-se uma crença de que o surdo é um ser incompleto e incapaz, conforme denuncia a fala de Gustavo, segundo o qual o filho pode “conseguir casar-se com alguém com a mesma deficiência”. Nota-se o desejo explícito de Otávio que a filha seja oralizada, a fim de que esteja mais inserida no mundo dos ouvintes que é exigente. Augusto relata um momento, dentre vários, em que a filha ainda criança foi discriminada por uma pessoa adulta e expõe ter sofrido com aquela situação. Contudo, apesar de terem sofrido com o nascimento de um filho com DA, os entrevistados admitiram que precisam ajudar no desenvolvimento dos filhos, suportando a discriminação social que inclusive eles próprios atravessam. 4.3 VISÃO PATERNA DA RELAÇÃO MÃE E FILHO(A) SURDO(A) Percebe-se que a família tem passado por mudanças estruturais, principalmente no que diz respeito ao papel da mulher que vem se inserindo cada vez mais no mercado de trabalho, sem muitas vezes poder abrir mão dos cuidados do lar e dos filhos. Mães com filhos deficientes tendem a envolver-se bastante com os mesmos, tanto no que se trata da saúde, como da educação. Segundo Costa, Cia e Barham (2007), o envolvimento seguro de mães e pais contribui na identificação de fatores de proteção, que reduzem o risco para o desenvolvimento infantil. Nota-se que, na maioria das vezes, são as mães que participam das atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos. ASPECTOS ANALISADOS FALAS Avaliação da relação mãefilho(a) João: “O que me fez ficar acomodado foi o lado da Mariana (esposa-mãe) pegar tudo muito rápido, senti ela segura demais e a relação do Pedro com ela é muito boa mesmo.” Bruno: “Ela (a esposa-mãe) faz tudo direitinho pra que ele venha crescendo no seu normal, ou melhor, cada dia sucessivamente.” Felipe: “A mãe dele leva ele pro cinema, pra passear com ela, ela é muito cuidadosa.” Gustavo: “Ele é muito apegado com a mãe dele, com a gente é muito apegado, mas com a mãe dele é mais!” Otávio: “A parte da alimentação, saúde, limpeza, asseio, ficou pra mãe, mas ela não tem 26 Relação entre mãe-pai-filho(a) Aspecto de Gênero Mãe Intérprete conhecimento e não se envolve muito, vejo má compreensão entre mãe e filha.” Augusto: “Ela falô pra mãe que ia usá um pircing no umbigo, usá e a mãe falô que ela não ia usá, e ela falô: “Eu vô usá sim!”E depois a Inêz chamô ela, conversô, daí ela foi falá comigo, aí eu falei com ela e ela disse que não ia usá.” João: “Quando tá nóis três juntos a relação é 100% boa.” Bruno: “Que nosso filho tenha esse problema especial ou não, pra nóis o importante é ter o amor com ele. O pai e a mãe é tudo dele.” Felipe: “Não..., é boa, e eu acho que tá..., podia ser melhor, né? Porque ninguém é perfeito, mas eu acho que tá bom, dá para viver tranqüilo.” Gustavo: “A gente vive muito bem. A gente fala que a gente três, somo um só. Graças a Deus a gente é realmente muito amoroso. Qualquer coisa que ele vai fazê, ele pergunta pra mim e pra mãe dele.” Otávio: “Olha, é atrito. (Silêncio) Porque eu me aprofundei muito no conhecimento e infelizmente a mãe num teve essa mesma oportunidade, interesse, não quero aqui denegrir a imagem da mãe. Mais devido ao conhecimento, a intelectualidade da mãe, deixa muito a desejar.” Augusto: “A gente mostra muito o lado familiar pra ela tanto eu, quanto a Inêz. E eu acho que acabei, assim fazendo essa relação boa entre a gente, eu tô muito presente, procuro estar presente na vida dela.” João: “Ele é muito unido a ela.” Bruno: --Felipe: “A relação do Lucas com a mãe acho muito boa, ele é puxa-saco dela.” Gustavo: “Uma hora ele tá abraçando ela (a mãe), eu falo que é minha, aí ele fala que é dele, e eu digo: Então vocês são meu. Somo muito amoroso.” Otávio: “Eu convivi esses 16 anos ao lado dela, tanto que pra ela é, “Deus no céu e o pai dela aqui na terra”. Augusto: “Ela (a filha) tem apego muito grande comigo, e eu realmente sô muito apegado a ela, a Inêz até fala: „Mas você é muito puxa-saco do seu pai, porque tá muito apegada a ele e me deixa um pouco de lado!‟Acho que acabei, assim fazendo essa relação boa entre a gente, eu tô muito presente, procuro estar presente na vida dela.” João: Quando tá nós três e eu não entendo o que ele quer dizer eu passo pra ela (para a esposa), ele fala, ela me passa.” Bruno: --Felipe: “Às vezes a irmã dele interpreta ou ela ou a mãe dele, porque ela não sabe muito LIBRAS, mas sabe mais que eu; bem mais que eu.” Gustavo: “A gente procurô ler leitura labial, quando a gente não consegue, a gente vai pra LIBRAS, só em forma alfabética. Otávio: “Eu fico nervoso porque não tô conseguindo ensinar como ela pode se comunicá com a filha, quero ensinar, mais as vezes ela (a mãe) não aceita.” Augusto: Ás vezes a Maria tenta falá alguma coisa que ela não consegue ou que ela tá falando comigo que eu não consigo, eu peço pra Inêz, a Inêz pede pra ela, ela fala aí em LIBRAS e a Inêz me diz. Mas eu não sei nada de LIBRAS.” Os entrevistados sinalizam a presença de atenção no relacionamento entre mãe (esposa) e filho(a) surdo(a). Essa atenção é positiva até o ponto em que a esposa-mãe consegue desenvolver seu papel de mãe sem comprometer o de esposa. Atitude complexa devido ao seu desejo em suprir no filho uma falta existente, neste caso, a falta da audição. Na medida em que a mãe excede o seu envolvimento em prol do filho pode prejudicar sua relação conjugal caso não tenha a compreensão necessária do esposo; ou ainda, comprometer a 27 relação pai-filho, que normalmente é atravessada pela relação conjugal, isso foi observado na fala de João. Para pai e mãe é difícil assimilar e se adaptar na relação com um filho deficiente auditivo. Há pais, como Bruno e Felipe, que ressaltam os cuidados da esposa para com o filho, enquanto Gustavo envolve-se mais ativamente nesta relação, o que favorece o convívio familiar. O casal precisa estruturar-se tanto para buscarem juntos os meios necessários para o melhor desenvolvimento do filho, quanto para superarem os preconceitos que podem ser deles próprios e/ou de terceiros. Tanto a filha de Otávio como a de Augusto têm maior afinidade com eles (pais). Pelo discurso de Augusto, é percebível que ele criou e contribuiu para que esta idade existisse conversando sempre com a filha, conforme revela o fragmento concernente à avaliação da relação mãe-filha, o qual demonstra mais facilidade por parte desta em obedecer ao pai que a mãe. Já pela descrição de Otávio, infere-se um comprometimento da relação entre mãe e filha; fato que pode ser justificado pela ausência materna na vida da filha, uma vez que, após o diagnóstico, o Sr. Otávio com a esposa decidiram que um ficaria por conta da manutenção da casa (mãe) e o outro da filha (pai). Pode ser que consciente ou inconscientemente, mãe e filha sentem falta da presença, do contato, da comunicação e da afinidade uma da outra conforme normalmente é esperado: que a mãe se dedique mais aos cuidados do(a) filho(a). Isso pode justificar o “atrito” visto na relação mãe-filha, o que contraria o posicionamento dos autores Costa, Cia e Barham (ANO), segundo os quais é importante os pais estarem bem para transmitirem segurança e proteção aos filhos. Pelo relato de Otávio, nota-se insegurança no comportamento da filha, a quem ele se refere como uma pessoa agressiva por causa da surdez. A relação de causalidade estabelecida (agressividade-surdez) parece encobrir fatores familiares aparentemente subjacentes a esta atitude da filha. João e Felipe demonstram dificuldade em falar sobre a relação pai/esposo mãe/esposafilho, já Bruno, Gustavo e Augusto expressam o reconhecimento da união entre os pais para o melhor desenvolvimento do filho. Ao longo da fala destes sujeitos, foi possível perceber que, desde a gestação dos filhos, eles estiveram presentes; fazendo parte do mundo dos mesmos na medida em que estes cresciam. Segundo Guedes (2007), naturalmente as crianças elegem aqueles que lhes transmitem proteção e segurança, para criar com estas pessoas vínculos mais fortes, ao ponto de as amarem mais, tendo maior afinidade com as mesmas. É percebido, no contexto familiar dos entrevistados, que o filho tem maior afinidade com a mãe e que a filha tem maior proximidade com o pai. Segundo Guedes (2007), a figura 28 paterna tende a apontar para a criança que a mãe não é propriedade dela, e indica para a mãe que a criança não é somente um produto seu. Na medida em que o filho percebe a posição que a mãe ocupa diante do pai e vice-versa, pode superar as rivalidades e identificações permeadas de amor e ódio a fim de que se construam as diferenças sexuais que contribuirão no processo da diferenciação do eu, favorecendo a discriminação de noções de gênero. Vê-se que os filhos dos entrevistados vivem este processo. Parece que, para Gustavo, tanto ele como a esposa tentam juntos entender o que o filho deseja comunicar; enquanto Otávio, por acompanhar exclusivamente o desenvolvimento da filha é o único que se empenha para que a esposa/mãe aprenda a comunicar-se com a filha; nos demais casos a mãe é a intérprete entre pais e filhos. É ela quem media e facilita a comunicação entre eles, quando um não consegue entender o que o outro está tentando comunicar. Isso pode ser explicado pela maior presença da mãe no acompanhamento destes filhos na Instituição que os mesmos freqüentam - neste caso o CEAL - pois lá é estimulada a comunicação oral apesar da DA. Porém, compreende-se que o fato da mãe ser mais comunicativa com os filhos não é prerrogativa do contexto familiar com filho(a) surdo(a). Ao contrário, trata-se de dinâmica construída histórico, social e culturalmente, pois desde os primórdios da humanidade coube à mulher cuidar dos filhos orientando os vínculos pessoais e afetivos, enquanto o homem estava ocupado com o sustento da família, conforme retrata Ariés (1981). Conseqüentemente, a mãe torna-se tanto a pessoa que mais se comunica mais com os filhos, como a que também media muitas questões da sua vida. 4.4 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PATERNA MEDIANTE A DEFICIÊNCIA AUDITIVA DO(A) FILHO(A) Apesar de perceberem algumas disfunções no comportamento do filho no que diz respeito à ação, reação, reflexos e respostas a estímulos sonoros, muitos pais resistiram à realidade da deficiência auditiva do filho. Para isso, desenvolveram diferentes estratégias de enfrentamento que podem ser observadas antes, durante e após o diagnóstico. Tais mecanismos podem ser tanto conscientes, como inconscientes e expressam formas de lidar com o sofrimento real. A maioria dos pais atribui a DA do filho à vontade de Deus, e por este motivo devem aceitar. Outros procuram informações e esclarecimentos para lidarem melhor com a situação, enquanto alguns procuram refúgio para se distanciarem do sofrimento de não poderem escutar e serem ouvidos pelos próprios filhos; como parece ser o álcool para um dos entrevistados. 29 ASPECTOS ANALISADOS Quem percebeu a D.A. do filho Percepção antes do diagnóstico Reações mediante ao diagnóstico Estratégia de enfrentamento FALAS João: “A gente assim mesmo, a gente demorô descobrir. A mãe do patrão da gente da época falô assim: “Mariana, vocêis não acham o Pedro muito calado não? Aí a gente achô estranho.” Bruno: “A gente foi que falamos para o médico: Tamo sentino que ele não tá ouvino direito e nem fala direito.” Felipe: “Ele era quetinho, quetinho e a gente foi perceber depois de uns meses.” Gustavo: “Na verdade quem percebeu mesmo foi minha sogra, ela começô a falá: „Gente, esse menino não tá demorando a falar, não?‟” Otávio: “Eu tava notando alguma diferença na menina. Eu achava que ela não tava escutando, ouvindo.” Augusto: “Um dia meu irmão chegô em casa e falô pra Inêz: „Vocês num acha que a Maria tem um problema de audição, não? Porque a criança nessa idade, já era pra respondê, e ela num responde?‟” João: “Antes a gente falava, mas ele não reagia, aí foi que procurô o médico.” Bruno: “Após um ano e dois meses mais ou menos, foi aí que a gente veio sentir que ele não falava direito igual às outras crianças.” Felipe: “A gente chamava, chamava e ele não escutava, não mexia nem nada. Não reagia, aí foi até aqui (no CEAL) que a gente fez os exames.” Gustavo: “A gente ficô estranhano, aí começamo a fazê uns teste com ele, botava de costa fazia barulho, chamava e ele não respondia.” Otávio: “Eu percebi quando ela tinha poucos meses de vida. Eu deitava com ela e ligava uma televisão portátil e ela não reagia, eu saia pra cozinha, pra fazer a mamadeira, quando voltava na mesma posição que ela tava ficava.” Augusto: “Depois que ela nasceu sempre fazendo assim com o dedo ou dava uma palmada pra vê se ela respondia e na maioria das vezes ela não respondia e as vezes que respondia talvez era por coincidência.” João: “Fiquei muito chocado. É muito chato. eu segurei um pouco mais por causa da Mariana, por que ela ficou desesperada e eu tive que ser mais forte pra dar um apoio pra ela, mas por dentro eu fiquei estraçalhado.” Bruno: “Nossas forças foram iguais.” Felipe: “Ela (a esposa) foi mais forte, ficô mais tranqüila e falô: „É coisa de Deus mesmo! Não é porque a gente qué; que procura isso, né? E vamo tocá a vida.‟ E a gente tá aí até hoje.” Gustavo: “Um choque! No começo foi difícil, realmente a gente sofria muito chegar com o filho da gente naquela situação, a Joana teve mais dificuldade pra aceitar.” Otávio: “Eu recebi com naturalidade, a mãe não, a mãe se desesperô como toda mãe, mas eu encarei com naturalidade. Tanto que eu disse pra mãe que nós tínhamos que um viver pra ela. E esse um vivendo pra ela fui eu.” Augusto: “Foi complicado porque a gente num esperava que fosse ter um problema assim, e no primeiro momento você fala: “O quê vai sê agora? A Inêz ficô mais arrasada; não que eu não tenha sentido, pra mim também foi um choque.” João: “Tem também um lado negativo na minha vida, um certo ponto. “De uns dois anos pra cá tô num recomeço com ele. Foi quase dez anos ..., pequeno vício da bebida, coisa passageira.” Bruno: “Pra mim, o que Deus manda pra gente é motivo de felicidade. Tenha defeito, que não tenha, pra mim eu agradeço a Deus por tê me dado, e pra mulher também eu tenho certeza que ela tá contente.” Felipe: “Confiá em Deus, porque a gente foi comprá o aparelho pensando que ia resolvê o problema, mas não resolve.” Gustavo: “A gente que recebe uma criança deficiente, a gente deve pensá: Por quê? Porque Deus pensô em você. Porque você foi escolhido pra cuidar de um filho d‟Ele. E só por um motivo; pra testá sua moral, sua harmonia do seu coração e acho que a 30 pessoa que recebe um filho especial é só alegria, e não tem como explicar. É motivo de amor, ternura, união.” Otávio: “Deus não manda ninguém nem deficiente, nem surdo, não, isso são conseqüências do homem mesmo, faz experiências nas alimentações; o que nós temos que fazê é de nos conscientizar e ir á luta, até conseguirmos o nosso objetivo.” Augusto: “Eu acho que a gente demorô pra procurá o diagnóstico, até por a gente saber que ela (esposa/mãe) tinha tido uma rubéola, mas depois a gente pensô: A gente vai entregar isso pra Deus e a gente vai confiar, a gente vai é aceitá isso. Graças a Deus a gente tinha uma base cristã e não abraçamos o aborto.” Os pais, Bruno e Otávio, antes de terem filho com DA já tinham outros, eles são os pais com maior idade no grupo dos entrevistados. Provavelmente a experiência adquirida com o nascimento e desenvolvimento dos filhos anteriores os tenham auxiliado a enxergar o diagnóstico com mais clareza, ao passo que os demais, por serem “pais de primeira viagem”, necessitaram de um conselho externo para buscarem se certificar da situação auditiva do filho, pois alimentavam expectativas em relação ao filho durante a gravidez e naturalmente tiveram mais dificuldade tanto em perceber, quanto em aceitar a deficiência. Eles, como já foi citado por Bowlby, tiveram que enfrentar o luto para superarem a “perda” do filho ideal para se adaptarem aos cuidados do filho real. Isso gera muito sofrimento, pois sendo ouvintes, eles depararam-se com uma realidade desconhecida como é a surdez. Muitos nessa situação temem o futuro, sem saber como será o desenvolvimento do filho e se este vai ou não algum dia escutar, dado que esta expectativa permanece presente entre os pais, a despeito do diagnóstico. A audição é esperada por meio de uma cura, por meio cirúrgico ou por um implante. Contudo, pode não ser alcançada, o que aumenta ainda mais a angústia e o sofrimento dos pais. O possível temor sentido pelos pais pode estar relacionado à vida do filho, como também à própria, pois eles ficam com seu futuro comprometido, devido à DA, que exigirá deles atitudes, ou até mesmo outra forma de viver distinta da planejada. Todos os pais depararam-se com um recém-nascido que os levou ao desenvolvimento de uma série de comportamentos com intuito de se estabelecer comunicação, a fim de que os vínculos familiares de amor, carinho e afeto fossem estabelecidos de forma recíproca. Porém, a comunicação por parte dos responsáveis e demais pessoas não acontecia, pois as crianças não respondiam aos estímulos sonoros produzidos. Vê-se que os pais despreparados podem ter camuflado consciente ou inconscientemente o reconhecimento de seu filho surdo. Apesar da ausência de respostas dos filhos mediante os barulhos produzidos pelos pais, não foi fácil admitir a deficiência e suas implicações. 31 Bruno afirmou que tanto ele, quanto a esposa, tiveram forças iguais frente à notícia do diagnóstico. Possivelmente pela esposa de Felipe trabalhar na área da saúde e perceber o desenvolvimento do filho que nasceu prematuro, gêmeo com outro bebê que faleceu, tenha tido estrutura para ser mais forte que ele frente à notícia. Os demais entrevistados relatam acreditar que apesar de terem ficado chocados e estraçalhados com a notícia, tiveram um pouco mais de força que as esposas, talvez pelo sentimento de culpa que algumas devem ter experimentado. Algumas mães em casos semelhantes sentem-se culpadas pelo filho ter nascido com alguma deficiência, como se elas tivessem sido incapazes de gerar um filho “perfeito”. Frente à DA do filho, o pai pode desenvolver estratégias de enfrentamento para “encarar” o sofrimento permeado por várias questões e incertezas de como será a própria vida, a do filho e a sua relação com o mesmo. De acordo com Silva, Zanolli e Pereira (2008), a forma estabelecida pelo pai para enfrentar esta situação é um fator importantíssimo que influencia diretamente na relação pai-filho. João, ao longo de toda a entrevista, demonstrou ser distante do filho, pois durante dez anos passou a maior parte do tempo no próprio trabalho e nos finais de semana bebia. Contudo, este pai não estabeleceu nenhuma relação da surdez do filho com a sua busca pelo álcool; e afirmou que isto “foi um pequeno vício, coisa passageira”, mas viu uma necessidade de “recomeçar” com o filho. Pela sua fala foi possível notar um desejo de recuperar com o filho o tempo perdido, conforme afirmou: “Falta é o Joaozinho brincá mais com o Paulo.” (referindo-se ao filho). Ainda segundo este entrevistado, ele se acomodou na distância em relação ao filho quando percebeu que sua esposa abraçou a causa em demasia. Ele viu que ela dava conta sozinha, contudo, afirmou: “Mas hoje eu preciso pegar meu espaço de volta.” O mesmo tem aguardado confiantemente que o filho consiga o implante coclear para que ele ensine o filho a falar, o que continua sendo uma forma de “enfrentar” pautada na não aceitação da surdez do filho. Alguns pais parecem enfrentar de forma criativa e funcional os desafios impostos pela DA, buscando meios favoráveis ao desenvolvimento do filho surdo. Outros se lamentam podendo até isolarem-se. Outros, ainda, podem oscilar entre esses pólos. Otávio recebeu o diagnóstico da filha e buscou meios e informações necessárias para favorecer o desenvolvimento da filha, com a clareza de que a surdez não foi vontade de Deus. Segundo este pai, a surdez pode ser causada pelo modo de viver nos dias de hoje. Os demais entrevistados relacionaram a surdez do filho à vontade divina. Para Bruno, a DA do filho foi enviada por Deus e “ele com a esposa sentem-se felizes com isso”. Felipe buscou um meio de cessar a surdez do filho por meio do aparelho, mas como isso não foi 32 possível, restou a ele conformar-se perante Deus, como o próprio afirmou: “é confiá em Deus”, o que parece ser uma estratégia para minimizar o sofrimento e aceitar melhor a DA. Gustavo acredita que “é um presente” divino para provar sua “moral e harmonia do coração”, mas vê também motivo de união familiar. No contexto de sua fala ele não concebe o pai que “tem a coragem de abandonar esposa com o filho surdo” considera isso uma “atrocidade”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio deste trabalho foi possível conhecer as repercussões da deficiência auditiva no processo de desenvolvimento da criança surda e as reações dos pais mediante o diagnóstico de surdez do(a) filho(a), que desperta sentimentos de frustração, dor, perda do filho ideal e necessidade de superação para devido acompanhamento do desenvolvimento do(a) próprio(a) filho(a), fato que requer o auxílio de Instituições na área de saúde e educação, apesar de estas nem sempre contarem com profissionais devidamente qualificados para darem suporte aos que delas necessitam. É muito doloroso ter que enfrentar determinadas situações inesperadas, principalmente quando a solução da mesma é imprevisível, o que pode gerar sentimentos de impotência aos pais aumentando o sofrimento. O pai que consegue e preocupa-se em ser suporte para a esposa, compreendendo-a e fazendo-se presente nos cuidados com o filho e a esposa que conta com a ajuda do mesmo sem excluí-lo da vida do filho, que é de ambos, concorrem para o melhor desenvolvimento deste sujeito que tanto precisa de uma base sólida, para sustentarse até que consiga “caminhar com as próprias pernas” numa sociedade capitalista e competitiva. Percebeu-se que os pais valorizam a relação entre mães e filhos, porém esta relação pode ser mais profícua quando a relação conjugal é boa. Os pais relataram a importância de estarem em comum acordo com a esposa para educarem melhor os filhos que contam muito com eles. Admitem exceder na proteção relacionando-a à DA e ao mesmo tempo notam que os filhos já estão na fase de terem mais autonomia, mas sentem dificuldade na construção conjunta da mesma. Admitem a necessidade dos filhos se tornarem mais autônomos e responsáveis, mas alegram-se com a dependência deles, dado que o atendimento a suas necessidades proporciona aos pais um sentimento de satisfação. Os pais que procuraram empenhar-se na comunicação com o filho parecem ter um vínculo mais estreito com o mesmo. Enquanto que o pai com dificuldade em aceitar a surdez 33 do filho e em aprender LIBRAS, com um histórico de uso de álcool durante dez anos, sendo que seu filho tem doze de vida, demonstrou ter uma relação bastante fragilizada, apesar de, na época da entrevista, ter revelado um forte interesse em estreitar seu vínculo paterno, tornandose mais próximo de seu filho. Os demais demonstraram de forma particular que procuram conquistar este espaço constantemente, a despeito das dificuldades. Augusto é ciente de que a DA da filha se deu devido à rubéola da esposa enquanto esta estava gestante. Otávio atribuiu a DA ao modo de viver nos dias de hoje, contudo, sinalizou que sua esposa havia tomado alguns remédios para dores durante a gestação, pois não sabia que estava grávida, conotando associação da surdez à atitude da mãe. João foi alcoólatra durante dez anos. Os demais entrevistados atribuíram a deficiência aos desígnios de Deus. Tudo isso foi analisado como estratégia de enfrentamento para suportar a dor da falta de audição do filho, fator que compromete a comunicação entre ambos, gerando sofrimento, sensação de impotência e sentimento de culpa. Por outro lado, alguns relatos indicam que quando a dedicação e os cuidados sobrepujam a esses sentimentos, não somente o(a) filho(a) se beneficia, mas também a família, dado que dialeticamente os vínculos se tornam mais estreitos e funcionais, concorrendo para o sucesso da família, enquanto contexto de desenvolvimento e proteção. Entretanto, os desafios decorrentes da DA exigem da Psicologia, de modo particular, a realização de mais estudos sobre suas repercussões na família, visto que a esta são atribuídos papéis importantes no tocante à formação do sujeito. De outro modo, estima-se que a Psicologia pode e deve contribuir tanto na compreensão, quanto no manejo do sujeito com DA, pois, paradoxalmente, por se tratar de uma deficiência que acomete justamente a capacidade de escuta do indivíduo, resta ao seu contexto mais próximo aprimorar esta mesma habilidade, sob risco de fazer calar aquele que não é mudo, mas apenas restrito quanto a sua capacidade de comunicação em virtude da DA. Sendo assim, sugere-se a realização de outras pesquisas com foco nesta mesma questão, com ênfase nos benefícios da oralização e/ou do uso da linguagem brasileira de sinais, visto serem estes recursos de comunicação para os DA. REFERÊNCIAS AMATUZZI, M. M. Pesquisa fenomenológica em psicologia. In: BRUNS, M. A. T. & HOLANDA, A. Psicologia e fenomenologia: reflexões e perspectivas. Campinas: Alínea, p. 17-25, 2003. 34 ANGELUCCI, C. B.; LUZ, R. D. Contribuições da escola para a (de) formação dos sujeitos surdos. Psicol. Esc. Educ. (Impr.), Campinas, v. 14, n. 1, jun. 2010. ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, p. 35. 1981. BRAGA, L. W. Cognição e paralisia cerebral: Piaget e Vygotsky em questão. Salvador: SarahLetras, 1995. BREMM, E. S.; BISOL, C. A. Sinalizando a adolescência: narrativas de adolescentes surdos. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 28, n. 2, jun. 2008. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498932008000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 26 maio 2011. BRITO, A. M. W. & DESSEN, M. A. Crianças surdas e suas famílias: um panorama geral. Porto Alegre, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0102-79721999000200012&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso em: 12 maio. 2010. BRUNS, M. A. T. A redução fenomenológica em Husserl e a possibilidade de superar impasses da dicotomia subjetividade – objetividade. In: BRUNS, M. A. T. & HOLANDA, A. Psicologia e fenomenologia: reflexões e perspectivas. Campinas: Alínea, 2003. p. 65-75. BUENO, J. G. S. Surdez, Linguagem e Cultura. Cadernos CEDES, Campinas, v. 19, n. 46, 1998. CANHO, P. G. M.; NEME, C. M. B. & YAMADA, M. O. A vivência do pai no processo de reabilitação da criança com deficiência auditiva. Campinas, 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2006000300005&lng= en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 12 maio. 2010. COSTA, C. S. L. da., CIA, F., BARHAM, E. J. Envolvimento materno e desempenho acadêmico: comparando crianças residindo com a mãe e com ambos os pais. Psicologia Escolar e Educacional, 11, 339-351. (2007). COSTA, L. F., LEGNANI, V. N. e ZUIM, C. B. di B. A menina que se constitui no contexto do tráfico: o estudo psicossocial forense e o resgate da função paterna. Fractal: Rev. de Psicologia, v. 21, n. 1, p. 151-162, jan-abr 2009. FORNA, A. Mãe de todos os mitos: como a sociedade modela e reprime as mães. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. FREITAS, W. de M. F., SILVA, A. T. M. C. da. COELHO, E. de A. C., GUEDES, R. N., LUCENA, K. D. T. de. e COSTA, A. P. T. Paternidade: responsabilidade social do homem no papel de provedor. Rev. Saúde Pública, v. 43, n. 1, São Paulo, fev, 2009. GATTO, C. I., TOCHETTO, T. M. Deficiência auditiva infantl: Implicações e soluções. Rev CEFAC, São Paulo, v. 9, n. 1, 110-115, jan - mar, 2007. GUEDES, D. D. Desenvolvimento afetivo e psicossocial e modelos parentais de apego. 2007. Disponível em http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp? entrID=929. Acesso em: 04 maio de 2011. 35 HOLANDA, A. Questões sobre pesquisa qualitativa e pesquisa fenomenológica. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v24n3/v24n3a10.pdf>. Acesso em: 24 março. 2010. ______. Pesquisa fenomenológica e psicologia eidética: elementos para um entendimento metodológico. In: BRUNS, M. A. T. & HOLANDA, A. Psicologia e fenomenologia: reflexões e perspectivas. Campinas: Alínea, 2003. p. 41-63. JUCÁ, L. Sobre o atendimento psicanalítico ao surdo oralizado e sua família: dificuldades e possibilidades. Cogito [online], vol.6, pp. 143-145. ISSN 1519-9479, 2004. MARCON, S. S. NEGRELLI, M. E. D. Família e criança surda. Maringá, v. 5, n. 1, p. 98107, jan. / abr. 2006. Disponível em:<http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/23113>. Acesso em: 15 agosto 2010. MATIAS, G. F. A. A importância da estimulação auditiva durante o período pré e pósnatal. Goiânia: CEFAC, 1999. Disponível em: <http://www.cefac.br/library/teses/2a6c3cae121776b5dd7f8a0cb63e7e8d.pdf>. Acesso em: 15 agosto 2010. ORNELAS, M. A. e SOUSA, C. A contribuição do profissional de educação física na estimulação essencial em crianças com síndrome de down. Maringá, v. 12, n. 1, p. 77-88, 1. Sem. 2001. PADOVANI, C. M. C. A., TEXEIRA, E. R. Do balbucio à fala – reflexões sobre a importância das atividades lingüísticas iniciais e o desenvolvimento da linguagem oral em crianças com deficiência auditiva. São Paulo: Distúrbios da Comunicação, 17 (1): 45-54, abril, 2005. PIAGET, J. Seis estudos em psicologia. (Trad. D'Amorim, Maria Alice Magalhães). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1967/2003 (24ª edição). ROSA, D. Estimulação essencial, uma abordagem fonoaudiológica. Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica – Motricidade Oral. Curitiba, 1999. SANTOS, L. P.; SOLZA, F. R. B. & FELIPE, V. L. M. Maternidade e paternidade: um estudo de gênero na APAE-CG. João Pessoa, 2009. Disponível em: <http://itaporanga.net/genero/gt1/42.pdf>. Acesso em: 12 maio. 2010. SCHWARTZMAN, J. S. [et al.] Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie: Memnon, 1999. SILVA, L. P. A. da, QUEIROS, F., LIMA, I. Fatores etiológicos da deficiência auditiva de um Centro de Referência APADA em Salvador- BA, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/rboto/v72n1/ a06v72n1.pdf>. Acesso em: 15 agosto 2010. SILVA, A. B. de P., ZANOLLI, M. de L., PEREIRA, M. C. da C. Surdez: relato de mães frente ao diagnóstico. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2008, vol.13, n.2, pp. 175-183. ISSN 1413-294X. doi: 10.1590/S1413-294X2008000200010. SOARES, M. A. L. A educação do surdo no Brasil. 2. ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2005. 36 VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. (Trad. Jefferson Luiz Camargo). São Paulo: Martins Fontes, 1996. WITKOSKI, S. A. Surdez e preconceito: a norma da fala e o mito da leitura da palavra falada. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n. 42, Dec. 2009 37 ANEXO ANEXO 01 ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO PERGUNTA NORTEADORA: Como é sua relação com seu(sua) filho(a), desde que você recebeu o diagnóstico da deficiência auditiva dele(a) até o momento presente? 1. Antes do diagnóstico, você percebia esta deficiência no(a) seu/sua filho(a)? Se sim, como? 2. Relate como foi pra você o momento em que recebeu o diagnóstico do(a) seu/sua filho(a). 3. Após o diagnóstico, foi tomada alguma medida? Se sim, qual e como? 4. Que avaliação você faz do desenvolvimento do(a) seu/sua filho(a)? 5. Como é a sua relação com seu/sua filho(a)? 6. Como você avalia sua participação na vida do(a) seu/sua filho(a)? 7. Se você pudesse voltar no tempo, você mudaria alguma coisa em sua relação com este(a) filho(a)? Se sim, o quê?