PERSPECTIVAS E PROPOSTAS NA FORMAÇÃO PARA O MUNDO DO TRABALHO Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados 2008 Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados Centro de Documentação e Informação Coordenação de Biblioteca http://bd.camara.gov.br "Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.” Deputados Comissão de Educação e Cultura Perspectivas e Propostas na Formação para o Mundo do Trabalho Seminário realizado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados em 31 de maio de 2007. Centro de Documentação e Informação Edições Câmara Brasília | 2008 ação parlamentar Câmara dos ação parlamentar CÂMARA DOS DEPUTADOS DIRETORIA LEGISLATIVA Diretor Afrísio Vieira Lima Filho CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO Diretor Adolfo C. A. R. Furtado COORDENAÇÃO EDIÇÕES CÂMARA Diretora Maria Clara Bicudo Cesar DEPARTAMENTO DE COMISSÕES Diretor Silvio Avelino da Silva Projeto gráfico Racsow Diagramação, capa e ilustração André de Oliveira Câmara dos Deputados Centro de Documentação e Informação – Cedi Coordenação Edições Câmara – Coedi Anexo II – Térreo – Praça dos Três Poderes Brasília (DF) – CEP 70160-900 Telefone: (61) 3216-5802; fax: (61) 3216-5810 [email protected] SÉRIE Ação parlamentar n. 368 Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Coordenação de Biblioteca. Seção de Catalogação. Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2008. 124 p. – (Série ação parlamentar ; n. 368) Seminário realizado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados em 31 de maio de 2007. ISBN 978-85-736-5550-6 1.Educação para o trabalho, Brasil. 2. Educação para o trabalho, Alemanha. 3. Qualificação profissional, Brasil. 4. Qualificação profissional, Alemanha. 5. Formação prossional, Brasil. 6. Formação profissional, Alemanha.1. Série. CDU 37:331(81) ISBN 978-85-736-5550-6 ação parlamentar Sumário Membros da Comissão de Educação e Cultura – 2007.........................5 Apresentação.........................................................................................9 I Painel “A formação dos jovens diante das exigências do mercado de trabalho desde a perspectiva da construção de novos paradigmas laborais: segurança social e justiça social.”.....................13 II Painel “A situação da escola frente às atuais relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista”...........................................75 Comissão de Educação e Cultura Mesa da Comissão Presidente Gastão Vieira PMDB (AL) Vice-Presidentes Maria do Rosário PT (RS) Frank Aguiar PTB (SP) Osvaldo Reis PMDB (TO) ação parlamentar Membros da Comissão de Educação e Cultura – 2007 Titulares PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB Deputado Alex Canziani – vaga do PSDB/PFL/PPS PTB/PR Deputado Angelo Vanhoni PT/PR Deputado Antônio Bulhões PMDB/SP Deputado Antônio Carlos Biffi PT/MS Deputado Antônio José Medeiros PT/PI Deputado Carlos Abicalil PT/MT Deputado Clodovil Hernandes PTC/SP Deputada Fátima Bezerra PT/RN Deputado Frank Aguiar PTB/SP Deputado Gastão Vieira PMDB/MA Deputado João Matos PMDB/SC Deputado Joaquim Beltrão – vaga do PSDB/PFL/PPS PMDB/AL Deputado Lelo Coimbra PMDB/ES Deputada Maria do Rosário PT/RS Deputado Osvaldo Reis PMDB/TO Deputado Paulo Rubem Santiago PT/PE Deputado Professor Setimo PMDB/MA Deputado Raul Henry – vaga do PSDB/PFL/PPS PMDB/PE Deputado Waldir Maranhão PP/MA (Deputado do PSB/PDT/PCdoB/PMN/PAN ocupa a vaga) Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Suplentes Deputada Angela Amin PP/SC Deputada Angela Portela PTC/RR Deputado Beto Mansur PP/SP Deputada Elcione Barbalho PMDB/PA Deputada Eliene Lima PP/MT Deputado Elismar Prado PT/MG Deputado Gilmar Machado PT/MG Deputado Jilmar Tatto PT/SP Deputado Márcio Reinaldo Moreira – vaga do PSDB/PFL/PPS PP/MG Deputado Neilton Mulim PP/RJ Deputado Pedro Wilson PT/GO Deputado Reginaldo Lopes PT/MG Deputado Ricardo Izar PTB/SP Deputado Saraiva Felipe PMDB/MG Deputada Solange Almeida PMDB/RJ Suplente (vaga) Suplente (vaga) Suplente (vaga) Titulares PSDB/PFL/PPS Deputado Atila Lira – vaga do PSB/PDT/PCdoB/PMN/PAN PSDB/PI Deputado Clóvis Fecury PFL/MA Deputado Lobbe Neto PSDB/SP Deputada Nice Lobão PFL/MA Deputado Nilmar Ruiz PFL/TO Deputado Paulo Renato Souza PSDB/SP Deputado Professor Rui Pauletti PSDB/RS Deputada Professora Raquel Teixeira PSDB/GO (Deputado do PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB ocupa a vaga) Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho (Deputado do PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB ocupa a vaga) Suplentes Deputado Bonifácio de Andrada PSDB/MG Deputado João Oliveira PFL/TO Deputado Jorginho Maluly PFL/SP Deputado José Anibal PSDB/SP Deputado Lira Maia PFL/PA Deputado Paulo Bornhausen PFL/SC Deputado Paulo Maganhães PFL/BA Deputado Raimundo Gomes de Matos PSDB/CE Deputado Ronaldo Cunha Lima PSDB/PB ação parlamentar (Deputado do PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB ocupa a vaga) (Deputado do PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB ocupa a vaga) Titulares PSB/PDT/PCdoB/PMN/PAN Deputada Alice Portugal PCdoB/BA Deputado Ariosto Holanda PSB/CE Deputado Rogério Marinho PSB/RN Deputado Severiano Alves (vaga do PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB) PDT/BA Deputado do PSDB/PFL/PPS ocupa a vaga Suplentes Deputado Dr. Ubiali PSB/SP Deputado Eduardo Lopes PSB/RJ Deputada Luiza Erundina PSB/SP Deputado Ribamar Alves PSB/MA Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar PV Titulares Deputado do PSOL ocupa a vaga Suplentes PV/SP Deputado Marcelo Ortiz PSOL Titulares Deputado Ivan Valente Secretário(a): Iracema Marques Local: Anexo II, Pav. Superior, Ala C, sala 170 Telefones: 3216-6622/6625/6627/6628 Fax: 3216-6635 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho PSOL/SP ação parlamentar Apresentação O Simpósio “Perspectivas e Propostas na Formação para o Mundo do Trabalho”, realizado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil, no dia 31 de maio de 2007, em Brasília, permitiu a apresentação das visões de dois países em um profícuo diálogo entre Alemanha e Brasil sobre um mesmo problema: a formação para o mundo do trabalho dos cidadãos de ambas as sociedades. O Brasil vive um momento especial de desenvolvimento, quando estão se implementando diversos projetos que deverão atender à demanda para a formação de jovens e adultos, demanda esta surgida do processo de democratização da educação e da formação que se processou nos últimos anos. A Alemanha, em que pese ter uma proposta para a educação de jovens e adultos mais antiga e arraigada na sociedade, enfrenta atualmente a necessidade de também adaptar o seu sistema às mudanças econômicas e tecnológicas das últimas décadas. Assim, as dificuldades e soluções em ambos os países mostraram, durante o Simpósio, que podem ser criadas as bases para um profícuo intercâmbio no presente e no futuro. Este evento foi uma enriquecedora experiência de diálogo de dois países entre a Universidade e o Parlamento sobre o futuro da formação das próximas gerações. Nós – Professor Dr. Richard Huisinga, Diretor da Faculdade de Pedagogia, Psicologia e Pedagogia Social da Universidade de Siegen Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar – UNI-Siegen, Professora Dra. Ulrike Buchmann e eu, Professor Bernd Fichtner, – professores da Universidade de Siegen, na Alemanha, e membros do staff do Doutorado Internacional em Educação – INEDD, programa de excelência, financiado com recursos do Ministério da Educação da Alemanha (único programa de excelência na área de educação em todo o nosso país), ficamos muito bem impressionados com o alto nível das apresentações dos senhores parlamentares e dos acadêmicos brasileiros, bem como com o teor dos debates que aconteceram ao longo do Simpósio. O objetivo principal do INEDD e da Faculdade de Pedagogia, Psicologia e Pedagogia Social da Universidade de Siegen é o de qualificar como teses de doutorado experiências inovadoras na área de educação em nível mundial. Nosso trabalho é o de conhecer e debater as novas propostas surgidas no campo da formação para o mundo do trabalho, cujo tema será o norteador das pesquisas a serem desenvolvidas nos próximos anos. Estas pesquisas têm como objetivo principal servir como base para desenvolver um modelo de projeto de formação para o mundo do trabalho, que tenha como eixo central elaborar junto à sociedade programas que atinjam parâmetros de excelência dentro dos conceitos de segurança social e justiça social, relacionados à inclusão dos jovens não só na escola, mas relacionar a escolarização com oportunidades de trabalho para essa faixa etária. Estes últimos conceitos têm, para a equipe de trabalho alemã, uma importância enorme para a qualidade de vida dos cidadãos e da sociedade na qual eles se inserem. Mesmo sendo complexa e variada, a agenda do Simpósio teve um eixo comum: a nossa preocupação em trazer para a comunidade acadêmica e o poder público propostas e perspectivas que possam ajudar na formação dos membros da sociedade para o mundo do trabalho. Os debates que se seguiram às apresentações, ambos registrados nesta publicação, mostram a necessidade de fortalecer e estimular este tipo de encontro, tendo em vista que o tempo foi muito curto para aprofundar a riqueza das colocações, das informações, dos problemas e das propostas. Ficou clara, para os organizadores e participantes, a necessidade de continuar com esta discussão em todos os âmbitos possíveis, porque foi constatado que a aprendizagem foi 10 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar mútua, tanto no que se refere às posições de ambos os países, quanto no que se refere às posições dos acadêmicos e dos parlamentares. Sugerimos que o caráter binacional do encontro futuramente possa ser aberto à participação de outros países que tenham a mesma necessidade de encontrar caminhos para a formação do indivíduo. Pelo exposto, na qualidade de Diretor do Doutorado Internacional em Educação – INEDD e professor-titular da Faculdade de Pedagogia, Psicologia e Pedagogia Social da Universidade de Siegen, gostaria de deixar expresso o nosso agradecimento ao Deputado Federal Gastão Vieira, Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, já que, sem a sua calorosa acolhida e os esforços realizados para a sua viabilização, este projeto não teria sido possível. Agradecemos ao Deputado Federal Carlos Zarattini pelo empenho na realização do evento, à Sra. Maria Aparecida Perez, que apresentou a idéia ao Deputado Federal Gastão Vieira, que conjuntamente com a Sra. Maria Benites, Coordenadora do INEDD e Diretora do Instituto Vygotskij, foram responsáveis pela organização e execução do programa do Simpósio. Gostaríamos também de externar nosso respeito, admiração e agradecimento ao Deputado Federal Arlindo Chinaglia, Presidente da Câmara dos Deputados, pelo apoio e o parabenizamos pela brilhante exposição feita na abertura do evento. Agradecemos também a todos os conferencistas pela alta qualidade dos trabalhos apresentados, aos participantes pelas colocações que contribuíram para a excelência do debate e a todas as pessoas que ajudaram a organizar este simpósio “Perspectivas e Propostas para a Formação no Mundo do Trabalho”, que ficará na Universidade de Siegen como um modelo de colaboração internacional a ser perseguido nas futuras ações com o Brasil. Professor Bernd Fichtner Diretor do INEDD – Universidade de Siegen, Alemanha 11 Comissão de Educação e Cultura “A formação dos jovens diante das exigências do mercado de trabalho desde a perspectiva da construção de novos paradigmas laborais: segurança social e justiça social.” ação parlamentar I – Painel HUMBERTO PINHEIRO (Apresentador) – Autoridades presentes, senhoras e senhores, bom-dia. Iniciamos neste momento a abertura solene do Seminário Internacional “Perspectivas e Propostas na Formação para o Mundo do Trabalho”, promovido pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Este evento está sendo transmitido, via Internet, para todas as escolas técnicas do Brasil, os CEFETs, ligados à Secretaria de Ensino Tecnológico do Ministério da Educação. Compõem a Mesa de honra as seguintes autoridades: o Exmo. Sr. Deputado Arlindo Chinaglia, Presidente da Câmara dos Deputados; o Exmo. Sr. Deputado Gastão Vieira, Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados; o Exmo. Sr. Prot Von Kunow, Embaixador da Alemanha; o Dr. Bernd Fichtner, Diretor do Programa de Doutorado Internacional da Faculdade de Educação da Universidade de Siegen, na Alemanha. Senhoras e senhores, este evento binacional, Brasil/Alemanha, tem como objetivo propiciar aos participantes a oportunidade de repensar a formação dos jovens e adultos para o mundo do trabalho, em decorrência das mudanças tecnológicas, econômicas, geopolíticas e empresariais, assim como a troca de informações e de novas perspectivas que possam enriquecer este diálogo. Serão abordados os seguintes temas: “A formação dos jovens diante das exigências do mercado de trabalho, desde a perspectiva de construção de novos paradigmas laborais: segurança social e 13 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar justiça social”; “A produtividade da escola frente às atuais relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista”. Com a palavra o Exmo. Sr. Deputado Gastão Vieira, Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. DEPUTADO GASTÃO VIEIRA (Presidente) – Bom-dia a todos. Estamos abrindo este Seminário Internacional que a Comissão de Educação e Cultura promove dentro do ciclo de debates que, todas as quintas-feiras, estamos realizando na Comissão. Saúdo os Parlamentares presentes, por intermédio do nosso Presidente Arlindo Chinaglia; nossos visitantes, por intermédio do Sr. Embaixador, e os representantes do Governo, por intermédio do MEC, do Dr. Ricardo Henriques. Sr. Presidente, para muitos pode parecer mais um evento, dos muitos que V.Exa. é convidado a participar e a honrar com sua presença, mas aproveito esta oportunidade para dizer que, com o apoio incondicional de V.Exa. – revelo a todos os membros da Comissão –, o Congresso, principalmente a Câmara dos Deputados, resolveu tomar a iniciativa de medidas legislativas e de discussões com relação ao atual momento por que passa a educação brasileira. Em alguns países, isso já aconteceu. Quando acende a luz vermelha da má qualidade da educação, é o Parlamento que toma a iniciativa de promover discussões e votar as medidas indispensáveis não encaminhadas pelo Executivo, para que a situação seja equacionada e resolvida. Poucos nesta Casa, Sr. Presidente, conhecem a contribuição que a Câmara dos Deputados tem dado à educação. Mostro a V.Exa., como exemplo, este trabalho produzido na Casa, com a colaboração de cientistas de vários países, quando discutimos a alfabetização infantil. Foi uma grande contribuição que a Câmara deu, quase desconhecida por muitos e, com certeza, ignorada pela nossas autoridades. Se tivessem seguido alguma das propostas, repito, científicas contidas neste relatório, com certeza a situação da educação brasileira não se teria agravado, como tem ocorrido nos últimos 10 anos. Agora anuncio a todos que, com o apoio do Presidente – não estamos dando despesa à Casa, a não ser as usuais –, buscamos a colaboração da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Vamos realizar, Sr. Presidente, três grandes seminários internacionais na 14 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Casa, em agosto, setembro e outubro, para os quais convidamos V.Exa. e esperamos contar com sua presença. Em agosto, vamos discutir a qualidade da educação brasileira. Será um dia de seminário. Como foco, ouviremos experiências de países onde a qualidade da educação melhorou. Portanto, queremos fazer uma comparação entre o que esses países fizeram e aquilo que pode ser aproveitado no Brasil. Este é o primeiro seminário para o qual estamos convidando V.Exa. Vamos convidar pesquisadores da Coréia, da Irlanda e do Chile para o seminário de políticas educacionais de ensino médio e diversificados, casos de sucesso. Queremos conhecer experiências bem-sucedidas do Canadá e da Alemanha, Sr. Embaixador. O seminário será realizado nesta Casa em agosto. O terceiro seminário versa sobre políticas de educação infantil. Experiências bem-sucedidas, pontuais, de educação infantil temos inúmeras neste País, mas não temos uma política de educação infantil, e o Parlamento tem de se preocupar com a definição de políticas para o País. Este é, portanto, o terceiro seminário que realizaremos. É a Câmara dos Deputados tomando a dianteira na discussão dos problemas brasileiros. V.Exa. tem conhecimento da importância do nosso Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica – e está presente o eminente Deputado Ariosto Holanda, presidente do órgão, que vai coordenar o primeiro painel deste nosso seminário e que realizou um belíssimo trabalho sobre centros vocacionais, apresentado nesta Comissão. Ontem, na LDO, viabilizamos recursos para que a Câmara dê prosseguimento a este trabalho. Portanto, Sr. Embaixador, o Parlamento brasileiro tem um papel ativo no que toca à questão educacional. Sr. Presidente, tenha certeza de que a Presidência de V.Exa. será marcada por atitudes e iniciativas que toma como Presidente do Poder voltado para o funcionamento da Casa. Mas, com certeza, também será marcada por ter sido um período rico, porém grave, da educação brasileira, porque os indicadores são péssimos. Como disse, é um período rico, porque há uma discussão ampla com relação ao que é preciso ser feito para que a educação brasileira melhore. Ontem aprovamos o FUNDEB. V.Exa. criou uma Comissão. Mandou para a Comissão de Educação, com rapidez e nós nos 15 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar comprometemos com V.Exa., e contamos com a colaboração de todos os partidos: aqui não há PSDB, não há Democratas, não há PTB. Todos nós atuamos de forma suprapartidária. Está chegando, brevemente, o projeto que trata do refinanciamento das instituições privadas, um projeto complexo. Quero lembrar V.Exa. que, no dia 15 de junho, menos de 30 dias de tramitação nesta Comissão, nós aprovaremos o relatório, para que ele seja encaminhado para duas Comissões de Mérito e V.Exa. possa colocá-lo em votação no plenário no prazo possível. É um prazer enorme para nós – acho que posso falar em nome de todos os Srs. Deputados – realizarmos este seminário. Em nome da Comissão, agradeço a V.Exa. São estes pequenos gestos que mostram que a Casa apóia nosso trabalho. Tenham certeza todos de que vamos realizar aquilo que os parlamentos dos países mais avançados realizam, ou seja, enfrentar e vencer a crise da educação. Muito obrigado, Sr. Presidente, mais uma vez. Muito obrigado, Sr. Embaixador. Muito obrigado a todos pela presença. Dando prosseguimento aos nossos trabalhos, depois desta breve introdução, passo a palavra ao Sr. Presidente Arlindo Chinaglia para fazer sua saudação. ARLINDO CHINAGLIA (Presidente da Câmara dos Deputados) – Bom-dia a todos os presentes e a todas as presentes. Ao cumprimentar o Exmo. Sr. Deputado Gastão Vieira, digníssimo Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, agradeço-lhe suas generosas palavras, ao tempo em que cumprimento todos os Deputados e Deputadas desta Comissão, a qual respeitamos e valorizamos tanto quanto as demais Comissões. Eu não posso, entretanto, deixar de fazer um registro opinativo. Sabidamente, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, ao longo dos anos, vem acumulando não só o conhecimento, mas também a experiência de quem trabalha com um tema tão importante e, no nosso País, tão complexo e difícil como a educação. Tem esta Comissão a responsabilidade pela condução de seus eventos e seminários – eu gostei muito quando o Presidente Gastão Vieira falou em experiências de sucesso. Eu creio que nós nos devemos orientar 16 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar pela ciência e pela experiência internacional. É por meio da própria Comissão e das suas iniciativas que a Câmara tem-se valorizado. Eu acho que é no sentido contrário: a Presidência da Câmara tem o dever, portanto, de estimular e apoiar as boas iniciativas. Foi por essa razão que eu fiz questão de estar presente a esta reunião e agradeço pelo convite. Cumprimento o Exmo. Sr. Embaixador da Alemanha, Sr. Prot Von Kunow e o Dr. Bernd Fichtner, Diretor do Programa de Doutorado Internacional da Faculdade de Educação da Universidade de Siegen, Alemanha. Sras. e Srs. Deputados, representantes do Ministério da Educação, demais autoridades, convidados e especialistas nacionais e internacionais, todos os presentes, quero manifestar a minha satisfação em participar da abertura deste evento, que vai tratar do tema formação para o mundo do trabalho. Quero fazer algumas reflexões, principalmente porque caberá aos especialistas, por meio da pauta já anunciada, fazer os debates específicos. A expressão “mundo do trabalho” pode ser entendida de várias formas. Eu penso que a concepção mais abrangente, embora não seja talvez a mais freqüentemente empregada, é aquela que situa o mundo em que vivemos como resultado da transformação operada pelo trabalho do homem. Nesse sentido, pode ser dito que o mundo do trabalho é, pois, o mundo trabalhado pelo homem. Isso supõe a compreensão de que é o trabalho do homem que promove a história, e que é pelo trabalho que o homem se realiza. Se é pelo trabalho que o homem promove as condições de sua existência, a dignidade desta existência humana depende de como o trabalho é considerado no meio social. Sua dignidade, portanto, está diretamente relacionada à dignidade do trabalho no mundo das relações sociais, políticas e econômicas, que também ao longo da História se transformam, na verdade, na centralidade que o trabalho ocupa nas nossas relações. Isso, por sua vez, implica que a relação transformadora do homem com a natureza se dê em uma sociedade em que as relações com os outros homens se estabeleçam sob a forma de cooperação e não de dominação. Aqui se trata, portanto, de propugnar a construção de uma sociedade cujo centro e cujo fim seja o ser humano, valorizado em 17 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar sua dimensão criadora, em que este homem, agente e fim último da história social, não seja transformado em meio, mas permaneça como sujeito das relações sociais. Este é, certamente, o desafio das sociedades democráticas, que, como a brasileira, fundam-se na organização e na apropriação diferenciada dos meios de produção, que gera desigualdades e estruturas de dominação e de sujeição do trabalho humano. A história da educação brasileira reflete claramente esta realidade. As primeiras iniciativas do chamado ensino técnico ou profissionalizante foram oferecidas no que foi chamado de “escolas para os filhos dos outros”. Embora esta clivagem tenha sido ultrapassada, persistem várias diferenças dentro dos sistemas de ensino que reforçam as desigualdades sociais: tanto as diferenças de qualidade que penalizam os mais pobres como as de ramo ou nível de ensino, reservando ainda hoje, para os filhos das classes mais elevadas, socialmente, se não de modo exclusivo, porém majoritário, o êxito na trajetória escolar básica e o acesso ao ensino superior. Presentemente, o ensino técnico ou profissional de nível médio é considerado, não raras vezes, como uma oportunidade que a sociedade concede ao estudante que não tem chances de alcançar o ensino superior. Fica claro, portanto, que a concepção de formação para o mundo do trabalho a que me refiro não se relaciona de modo simplista ou linear apenas à diversificação do sistema de ensino com oferta de cursos técnicos especializados e terminalidades diferenciadas. Sem dúvida, a formação para o mundo, no qual o trabalho ocupa posição de centralidade, requer o domínio de saberes, competências e habilidades tanto relativas à ciência em geral como às tecnologias específicas das diferentes profissões. Mas isso não é suficiente. Essa formação supõe a compreensão de como se dão as relações desse conhecimento com o mundo real. Como afirma, por exemplo, a legislação educacional brasileira, para o ensino médio: “ é preciso assegurar a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos (...) a educação tecnológica básica; a compreensão do signifi- 18 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho Por todas essas razões, são oportunas as discussões previstas neste seminário voltadas para a segurança, a justiça social e para a situação da escola frente às atuais relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. Tais relações são complexas. Não há, neste momento, tempo suficiente para discorrer sobre elas. Mas não posso deixar de lembrar que seu debate passa pelas formas como o desenvolvimento capitalista vem moldando a escola de acordo com as tendências de reprodução da divisão hierárquica e técnica do trabalho e, em última instância, as relações de poder. Ou como a educação, especialmente a escolar, expandindo-se em resposta às demandas das camadas populares por maior igualdade e mobilidade social, por outro lado, pode cumprir um papel de reforço das relações sociais que perpetuam as desigualdades, disciplinando para a aceitação das diferenças e não socializando de fato o saber. Por outro lado, constituindo um espaço no qual circula esse saber, a escola abre oportunidades de inclusão social e de renovação, favorecendo a formação da consciência crítica. Com certeza, as modernas sociedades da atual civilização do conhecimento, marcadas pelo avanço da tecnologia, não podem prescindir de uma escola que, efetivamente, assegure o acesso democrático e igualitário ao saber e às competências indispensáveis para que cada cidadão possa promover sua participação no meio produtivo, valorizada com justiça. Esta tensão situada no âmago da relação dialética que se estabelece entre escola e sociedade seguramente constitui um dos eixos fundamentais para a análise do tema deste seminário. Sua realização é extremamente oportuna no momento em que, ao lado da aceleração de decisivas políticas de inclusão social, esta Casa inicia o debate de projeto de lei que propõe modificações substantivas ao capítulo da educação profissional da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional. Assim, além de expressar as boas-vindas aos especialistas nacionais e estrangeiros que nos visitam, agradecendo desde já as contribuições ação parlamentar cado das ciências, das letras e das artes do processo histórico de transformação da sociedade e da cultura”. 19 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar que certamente aportarão para o encaminhamento dessas questões, quero cumprimentar mais uma vez a Comissão de Educação e Cultura na pessoa de seu Presidente, Deputado Gastão Vieira, pela iniciativa deste evento, em cujo êxito acredito. Obrigado, mais uma vez, pelo convite para participar desta reunião. BERND FICHTNER – Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Exmos. Srs. Deputados, Exmo. Sr. Embaixador da Alemanha, nossa equipe alemã está muito feliz e honrada por participar de evento desta qualidade e tamanho. Não gostaria de começar por uma palestra. Farei, brevemente, duas ou três observações. O Brasil e a Alemanha são muito diferentes na sua história, cultura e sociedade. Existem dificuldades de entendimento, para nós, alemães, dessa outra cultura. Apesar dessa dificuldade, temos enormes possibilidades de diálogo entre os dois países. Por quê? Nos últimos três dias, assistimos a uma experiência impressionante no Brasil, nas discussões, nos contatos. Foi importante para nós como um resumo. A sociedade no Brasil está vivendo transformações sociais muito graves e importantes. Na Alemanha, há as mesmas transformações sociais. Não apenas transformações, mas rupturas, às vezes rupturas muito graves e brutais. Na Alemanha, e também no Brasil, chamamos de crise de educação. A crise da educação não é uma crise da escola como algo isolado do contexto social. A crise da educação tem muito a ver com as grandes transformações sociais de ambas as sociedades. Um dos objetivos desse diálogo poderia ser a discussão dessas transformações e também a reflexão sobre possíveis propostas para a educação. O enfoque principal neste encontro é a formação profissional e técnica. Se a formação profissional técnica não conseguir realizar propostas, não somente técnicas mas educativas, o futuro será difícil. Gostaria de terminar com uma pequena história. Há 400 anos nasceu na cidade de Siegen, perto de Colônia, uma personalidade que os moradores da cidade chamam, com certa ternura até hoje, “o brasileiro”. Era Maurício de Nassau, que trabalhou no Brasil 8 anos, como Governador da Companhia das Índias Ocidentais. 20 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Essa personalidade, para mim, tem muito a ver com as grandes transformações no início da modernidade. O sonho de Maurício de Nassau era o de uma sociedade em que diferentes culturas e etnias pudessem viver juntas. Muito obrigado. O SR. PROT VON KUNOW (Embaixador da Alemanha) – Exmo. Sr. Presidente da Comissão, Deputado Gastão Vieira, Exmos. Sras. e Srs. Deputados, professores da Universidade de Siegen, Prof. Dr. Richard Huisinga e o Prof. Dr. Bernd Fichtner, respectivamente Diretor da Faculdade de Pedagogia e Diretor de Cooperação Internacional, caros amigas e amigos, para mim, Embaixador da Alemanha no Brasil, constitui grande prazer estar presente na abertura deste seminário, que contou com a honrosa presença do Presidente da Câmara dos Deputados. Não sou educador de profissão. Por isso, não vou falar sobre o assunto educação. Mas acho que a educação é também um projeto político democrático muito importante, porque a educação é a base da inclusão do cidadão no Estado. Sem educação, não há cidadão. Para nós, é um grande prazer ver como a educação no Brasil e na Alemanha se desenvolvem. No Brasil, temos o grande sucesso do Governo, o atual e o anterior, com a Bolsa Família, responsável pelo índice de 98% de escolaridade. Isso é um grande sucesso. Hoje, praticamente, toda criança brasileira está na escola. Outra questão importante é a qualidade da escola. Costuma-se perguntar se a escola prepara de verdade para a vida profissional, porque a vida real muda. É claro que nosso sistema de educação foi muito bem há 50 anos. Mas devemos nos perguntar se esse sistema de educação é o de que o cidadão ainda precisa hoje. Daí por que a relevância de um seminário como este. Hoje, na Alemanha, mais ou menos 10% da população está excluída da vida profissional e, com isso, também excluída da vida. Isto porque o emprego é a base da vida que temos hoje. Uma pessoa que só recebe ajuda não se sente bem. Ela deve ter a possibilidade de encaminhar a própria vida, o que só é possível por meio da educação. Na Alemanha, como disse, temos 10% da população excluída da vida profissional. Não conheço os números brasileiros, mas acho que aqui também uma percentagem da população está excluída da 21 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar vida profissional. Professores, políticos, educadores, todo mundo se pergunta o que fazer, ou seja, como incluir esse pessoal na vida profissional, o que é muito importante, hoje, com todas as mudanças econômicas e sociais. Gostemos ou não, a globalização muda a nossa vida. A concorrência internacional também muda a nossa vida. Por isso, devemos pensar na preparação dos nossos jovens – e não só dos jovens, mas também dos adultos – para as mudanças que ocorrem na vida profissional. Na Alemanha, como no Brasil, diz-se que educação não é só para os jovens; educação é para toda a vida. Por isso, repito, este seminário é tão importante. Estou muito feliz pela cooperação entre a Universidade de Siegen e o Brasil. Em especial, Sr. Presidente da Comissão, estou muito feliz pelo fato de a Câmara dos Deputados, por intermédio desta Comissão, realizar este seminário. Para todos nós, é bom aprendermos uns com os outros, porque cada um tem boas idéias. E só se juntarmos as idéias poderemos sobreviver como homens, como cidadãos e como profissionais. Muito obrigado e espero que o seminário seja um sucesso. DEPUTADO GASTÃO VIEIRA (Presidente) – Obrigado, Sr. Embaixador. Antes de dar início à composição da Mesa para o primeiro debate, gostaria, em nome da Comissão, de agradecer à Profa. Maria Aparecida Perez, ex-Secretária Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, por nos ter proposto a realização deste seminário. Portanto, receba, Profa. Maria Aparecida Perez, os agradecimentos da Comissão. Esta primeira parte do nosso debate será coordenada pelo Deputado Ariosto Holanda, talvez o Deputado mais especialista nessas questões desta Casa: S.Exa. faz parte do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados. Deputado Ariosto Holanda, por favor, assuma a coordenação dos nossos trabalhos. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Convido para compor a Mesa deste primeiro painel o Prof. João Wanderley Geraldi, da UNICAMP; o Prof. Dr. Bernd Fichtner, da Universidade de Siegen; o Prof. Dr. Richard Huisinga, Diretor da Faculdade de Pedagogia da Universidade de Siegen, e o Prof. Dr. Ricardo Henriques, titular 22 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação. Este painel tratará do tema “A formação dos jovens diante das exigências do mercado de trabalho desde a perspectiva da construção de novos paradigmas laborais: segurança social e justiça social”. Antes de passar a palavra ao primeiro expositor, eu gostaria de tecer algumas considerações sobre o tema. Na qualidade de Secretário de Ciência e Tecnologia do Ceará, um Estado pobre, enfrentei a grave questão social do desemprego e da capacitação das pessoas. A verdadeira cidadania só será alcançada quando pudermos garantir aos milhões de excluídos educação e oportunidades de trabalho. Este, para mim, é o maior desafio que o País enfrenta. Ele é grande, porque, com a economia globalizada e com as freqüentes inovações tecnológicas, as oportunidades de trabalho são cada vez mais seletivas e o mercado mais exigente no tocante à atualização permanente de conhecimentos por parte dos trabalhadores. Na minha visão, o profissional de hoje deve ser um eterno estudante. Postos de trabalho surgirão e em curto tempo desaparecerão, tal é a velocidade das transformações. Essa velocidade, meus senhores, é tão grande que há a expectativa de que em 10 anos usaremos 50% de bens que ainda não foram inventados. Diante desse quadro, o avanço da tecnologia tem resultado no aprofundamento do conhecimento de poucos e no aumento da ignorância de muitos. Como novos conhecimentos surgirão com velocidades cada vez mais crescentes, as camadas sociais mais pobres correm o risco de sofrer a mais perversa das exclusões: a do conhecimento, o que se caracteriza pela sua marginalização em relação às fontes de informação e de saber. Torna-se, assim, complexa a geração de trabalho, porque temos pela frente um mercado demandando novos conhecimentos e uma grave questão social traduzida pelo analfabetismo funcional, concentração de renda e pobreza. O Brasil, na área da educação, tem uma dívida muito grande com seu povo. Recentemente, o Instituto Paulo Montenegro, do 23 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar IBOPE, ao publicar o 3º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, mostrou um quadro preocupante. Ao analisar a população na faixa etária de 15 a 64 anos, identificou que existem 114 milhões de brasileiros com os seguintes graus de instrução: 10 milhões são analfabetos; 35 milhões têm nível muito baixo de escolaridade; e 41 milhões estão no início de um processo de alfabetização. Desses 114 milhões de brasileiros, 85 milhões são analfabetos funcionais, são pessoas que não conseguirão entrar no novo mercado de trabalho que exige conhecimento. Ao apontar o crescimento econômico como fórmula de geração de trabalho diante dessa massa de excluídos, o discurso dos economistas torna-se inócuo, porque poderemos ter aumento significativo de PIB, de superávit, sem que isso implique geração de um grande número de empregos. Tal é o avanço tecnológico que, em breve, poderemos nos deparar com situações em que teremos, de um lado, pessoas procurando emprego e, de outro, na contramão, trabalho procurando profissional. Na minha visão, a educação profissional só terá êxito se tiver enlace com os planos de desenvolvimento do País ou de regiões. Ela não avançará se não tiver um link com o Plano de Desenvolvimento Regional. Tenho exemplos de profissionais com vários títulos de doutor que não conseguem entrar no mercado de trabalho. Portanto, há que se definir um Plano de Desenvolvimento Regional em que a educação esteja inserida. Certamente, a geração de emprego e a distribuição de renda só acontecerão quando investirmos no capital humano e procedermos a uma profunda transformação na lógica do desenvolvimento. Temos de definir com urgência: desenvolvimento para quê e para quem. O modelo que temos de discutir é o que esteja pautado numa visão de crescimento socioeconômico, ou, melhor dizendo, que esteja baseado numa economia que leve em conta as pessoas. O que fazer com milhões de trabalhadores cuja força de trabalho é cada vez menos exigida ou nem mais o é? Temos de criar, com urgência, mecanismos ágeis e flexíveis de transferência de conhecimentos para a população, a partir do que chamo de atalhos que avancem sobre os mecanismos tradicionais da educação e tenham uma ação de massa, porque os excluídos são muitos. 24 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Deixo para o conhecimento dos debatedores uma experiência nossa no Ceará em que aponto alguns atalhos: os centros vocacionais tecnológicos, os centros de formação de instrutores, os centros de inclusão digital e um termo de referência como uma contribuição do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica a este simpósio, que consideramos da mais alta importância – e dele esperamos sair com algumas diretrizes e, quem sabe, com um convênio mais estreito com a Universidade alemã. RICHARD HUISINGA – Sr. Presidente da Comissão de Educação, Sras. e Srs. Deputados, Sr. Embaixador, quando, na Alemanha, me preparei para este encontro, não tinha noção da importância do público ao qual me dirigiria hoje. Eu gostaria, portanto, de sinceramente agradecer pelo convite e pela oportunidade de falar a todos os senhores nesta Câmara dos Deputados. O Presidente da Câmara dos Deputados referiu-se a duas idéias essenciais para mim. Eu gostaria de “linkar” a minha apresentação com essas idéias. A primeira dessas idéias diz respeito ao fato de as sociedades e as pessoas que nela vivem serem um fenômeno histórico e, desse ponto de vista, serem sempre dependentes do desenvolvimento histórico. De outro lado, no entanto, são as pessoas que fazem a história da sociedade, mas, para poder desenvolver a sociedade, precisamos, para formular de uma forma geral, capacitar a sociedade, e essa capacidade eu a considero num sentido bem amplo. Pensando nessa forma, estará no foco – e como cientista da educação posso afirmar isso – sempre o sujeito, o ser humano. No mínimo, ele é o alvo de todas as reflexões que estamos fazendo na educação. O Sr. Presidente também deixou claro que o conhecimento científico sempre precisa estudar fatos complexos. A vida simplesmente não é trivial, simples. Há dependências múltiplas, contradições e rupturas múltiplas nas nossas sociedades que precisamos analisar com precisão, se quisermos reconstruir sistemas educacionais. O que não posso fazer com a minha apresentação desta manhã é criar empregos. Gostaria muito de fazê-lo – afirmo isso do fundo do meu coração. Criar empregos eu não posso, mas vou retomar a palavra do Deputado Ariosto Holanda. Posso tentar entender a lógica que 25 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar faz com que empregos e educação se tornem possíveis ou impossíveis. Quero desenvolver isso na minha apresentação. Com isso, passo para a minha primeira tese importante, que eu faço como cientista da educação. Peço perdão aos senhores. Estou aqui como cientista. Então, analiso esse problema como cientista. É claro que me refiro, em primeiro lugar, ao sistema educacional alemão, embora já tenha estudado alguma parte do sistema educacional brasileiro. Não sou especialista no sistema educacional brasileiro, mas acredito que esse tipo de intercâmbio possa nos enriquecer mutuamente para entender e resolver melhor problemas atuais e futuros. Para o cientista, é importante – e disso depende a construção dos sistemas educacionais e de formação – a posição do ponto de vista da teoria do conhecimento. Na Alemanha, houve uma grande disputa sobre essa questão. Se hoje estou nesta Mesa, é porque entendo a ciência da educação como uma ciência social. Não a entendo como a história de idéias, porque, se a considerasse como uma história de idéias, tenho certeza de que não conseguiria captar o que há dentro das pessoas, por meio delas, e como elas produzem, como elas vivem na esfera do trabalho. Então, a ciência da educação como ciência social significa, em primeiro lugar, se submeter a uma análise social da sociedade. Quero fazer isso em pequenos tópicos para a Alemanha Federal a fim de mostrar a complexidade das mudanças dos sistemas educacionais. Por isso, peço-lhes a gentileza de se submeterem a uma pequena retrospectiva na história alemã. Peço aos senhores que imaginem um eixo temporal que comece em 1970 e que se subdivida em quatro décadas: as décadas de 70, 80, 90 e a que começou em 2000. Eu escolho essa cesura de 1970 porque, para o sistema educacional da Alemanha, foi de fundamental importância. Em 1969, na Alemanha, foi criado o primeiro Ministério da Pesquisa federal. Esse Ministério tinha dois programas essenciais: o primeiro, de informática e comunicação; o segundo, de biologia marítima. A tarefa desse Ministério era, por meio desses programas, adaptar o sistema educacional universitário alemão ao nível de conhecimento que havia no mundo àquela época. 26 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar A segunda cesura importante foi a partida da sociedade alemã sob o slogan Ousar mais Democracia. Esse foi o slogan do então Primeiro-Ministro Willy Brandt, social-democrata que talvez os senhores conheçam por causa da discussão do Diálogo Norte-Sul. Ele foi Presidente da Internacional Socialista. Como pontos pragmáticos, estavam na ordem do dia a abertura da sociedade e do sistema educacional, a modernização do pensamento e, principalmente, a independência do Estado de influências externas. Naquela época – podemos dizer isso hoje de uma perspectiva histórica – foi principalmente uma defesa perante os Estados Unidos. Por último, um ponto muito importante que prevalecia naquela época era que a sociedade federal alemã queria manter a antiga idéia da economia do bem-estar, que fazia parte da discussão de modernização. Se os senhores me perguntarem o que caracterizava a década de 70 do século passado, posso dizer que naquela época se reorganizaram os chamados Institutos Max Planck, instituições de pesquisa de grande renome na Alemanha Federal. Na década de 70, a República Federal da Alemanha duplicou o número de universidades públicas, que, devemos dizer, não são universidades federais, mas universidades da esfera estadual. Isso tem a ver com a estrutura federal da Alemanha. Só há duas exceções, mas elas não são essenciais. Além disso, criou-se, na Alemanha, um tipo totalmente novo de escolas superiores, chamadas escolas superiores especializadas. Devo dizer o seguinte: as universidades serviam principalmente à pesquisa de base e à geração de uma inteligência acadêmica. Já as escolas superiores técnicas, que também têm um nível acadêmico alto, tinham por propósito principal preparar acadêmicos com vocação mais prática. A Alemanha tem cerca de 90 escolas superiores técnicas, que foram criadas naquela década. Esse foi o ponto central de partida. Na verdade, poderíamos dizer que naquela época se traduzia na produção de conhecimento num alto nível científico. Além disso, havia, como já disse, os Institutos Max Planck; foi duplicado o número de universidades, e foram criadas escolas superiores técnicas. 27 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Naquela época, houve mais uma característica: tratava-se de explorar as tais chamadas reservas de talento do povo. Não posso explicar isso agora de forma detalhada, talvez na discussão, se for do interesse dos senhores. Mais duas características tinham um papel importante naquela fase. Uma delas era mudar as relações de intercâmbio econômico da República Federal da Alemanha com vistas ao petróleo. O choque do petróleo que o mundo industrializado viveu em 1972 modificou as relações de intercâmbio das sociedades. A partir de 1975, houve um segundo evento muito influente: as fases de conjectura nacional passaram a se sincronizar nas grandes nações industrializadas, as quais se viram forçadas a modernizar suas sociedades. Esses eram os pontos centrais da década de 70. As mudanças, principalmente na área científica, levaram, na década de 80, a uma grande cientificação da produção industrial, principalmente na produção automobilística, na qual a ciência passou a ter um papel cada vez mais importante – e esse processo continua até hoje; modernização do capital investido; forte racionalização, que leva ao aumento da produtividade, e terms of trade, termos de intercâmbio, ou seja, internacionalização da economia nacional alemã. Na década de 90 até o final do milênio, a Alemanha se encontrou numa situação totalmente nova, modificada, que se baseava em três pontos: primeiro, a Alemanha se caracterizava na divisão do trabalho por estruturas totalmente novas. Tínhamos novas interfaces do trabalho, novas formas de distribuição do trabalho, e isso exigia novas habilidades no trabalho. Segundo, a educação geral e a educação profissional não estavam minimamente correspondendo às exigências do novo mundo do trabalho; terceiro, tínhamos de reconhecer que a Alemanha possuía capacidade de produzir, mas isso não acontecia porque a estrutura de qualificação e a estrutura mental das pessoas estavam muito atrasadas com relação ao nível tecnológico alcançado. A partir de 1990, houve programas de desenvolvimento de pessoal. Expressões como “aprender a vida toda”, “trabalhar em equipe”, “pensamento empresarial”, “mudanças estruturais” e palavras continuous, improvement, process, just in time são termos globalizados que todos certamente conhecem. 28 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar A partir de 1970, com base numa política da OECD, Union Public Management, tudo isso tinha por objetivo, na Europa, a redução do chamado subconsumo europeu. Europeus consumiam a menos naquela época e as capacidades não eram utilizadas. Então, tentou-se descobrir onde as reservas de capital estariam engessadas e tentar desengessá-las. Como cientista da educação, posso dizer que, naquela época, se tratava de mobilizar os potenciais mentais e se poderia ter como subfunção real entre as obrigações da valorização. Toda essa visão descritiva concorria com uma discussão filosófica e sociológica. Depois, na década de 70, discutiu-se a questão como deveria ser o modelo da sociedade nos países industrializados. E os modelos discutidos eram – vou só listar – sociedade pós-industrial (Galbraith e Beel desenvolveram esse termo) e sociedade pós-moderna, usado por Thuram, um sociólogo francês. Depois, nós falamos na sociedade do conhecimento, discussão que Leothar começou. Também temos sociedade de serviços e sociedade de informações, termos que também foram usados. Uma análise profunda desses desenvolvimentos mostrou que talvez fosse importante definir a sociedade não com um ou outro, mas como sociedade de riscos. Eu quero explicar isso um pouco, e com isso passo a um segundo argumento central da minha apresentação. Quando se parte dos riscos das mudanças da sociedade alemã e o que a racionalização provocou na estrutura do trabalho, então, de repente, tanto na vida pública quanto na privada se manifestavam as contradições da época moderna, rupturas, descompassos. E eu vou citar rapidamente essas contradições. A questão era: vamos organizar o sistema educacional de forma pública ou privada? Quanto controle o Estado deve ter, ou quanta auto-regulamentação as escolas deveriam ter? Quanto tempo de trabalho é necessário para a reprodução da sociedade? Quanto tempo de lazer as pessoas deverão ter? Quanta inclusão é necessária, mas quanta exclusão deve ser aceita politicamente? As novas formas da solidariedade? Trabalho em equipe? E do outro lado também havia a concorrência capitalista. Então, os senhores vêem as contradições. As pessoas são educadas para trabalhar em equipe, em condições da concorrência capitalista. 29 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar E as pessoas precisam aprender a lidar com essa contradição, e isso não é tão fácil. Ao mesmo tempo, tratava-se de ser econômico com os recursos públicos e privados e de aumentar o consumo. Nós temos rupturas, contradições, divisões e paradoxos. Rupturas essas que passavam pelas pessoas e determinavam o seu cotidiano, e onde a jovem geração precisou aprender a definir de forma totalmente nova por qual mundo se decidiria. As contradições agora mencionadas tiveram por conseqüência que o sistema de reprodução da sociedade mudou. Os sistemas de reprodução, eu vou enumerá-los rapidamente, incluem entre eles o sistema de educação, as igrejas como instituições, o Estado com suas instituições, sindicatos, associações patronais e todo o tipo de associação, o que é muito importante na sociedade alemã. Nessas instituições, reproduz-se o sistema de normas e de valores da sociedade. Ao lado desses antigos mecanismos de reprodução, novos mecanismos surgiram com uma força totalmente inesperada. Um desses mecanismos novos é a tal de variedade de consumo, os parques temáticos etc., ou, então, a nova mídia, a nova tecnologia da comunicação. Minha tese é a seguinte: os sistemas de produção se desenvolveram de forma mais rápida do que os sistemas de reprodução na sociedade alemã, de modo que os jovens começaram a preferir sistemas de reprodução que aparentemente lhes proporcionassem um futuro garantido ou um ganho de prazer imediato. Esse problema e essa contradição básica caracterizam a Alemanha de hoje. Com isso, eu chego à minha terceira linha de argumentação, depois das contradições e da tese de reprodução. Essa terceira argumentação parte da idéia que a integração – e o Deputado Holanda mencionou a inclusão – da jovem geração se torna cada vez mais difícil, pelo menos através dos antigos mecanismos de reprodução. Quer dizer que os jovens não podem ser desenvolvidos nas suas capacidades, potencialidades pelos antigos mecanismos de reprodução, mas esse é o ponto de vista do status quo. Quer dizer que, do ponto de vista antigo, do ponto de vista das normas antigas, criou-se um problema de integração. Esse problema de integração na Alemanha, de uma certa forma vulgar, é discutido na psicologia, quando se exige uma – entre aspas – “conservadora” educação 30 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar de valores que a nova geração seria obrigada a aceitar. Por isso, eu ouso dizer, uma segunda tese, que a sociedade da Alemanha Federal e, com ela, a ciência da educação são submetidas a uma perda de controle sobre a sua juventude. Ou, dito de outra forma, nós temos uma perda de controle sobre os jovens e cada vez menos nós, velhos, sabemos sobre os caminhos e as metas com as quais os jovens querem se integrar na sociedade e contribuir para o desenvolvimento da sociedade. As palavras-chaves que reúnem esses fenômenos na Alemanha Federal são a individualização – nosso interesse é a mais nas instituições tradicionais – a pluralização – os jovens são criados num único contexto de valores e em contextos de valores plurais, e junto com isso há a chamada autodescentralização, ou seja, a idéia que nós, seres humanos, no nosso desenvolvimento, criamos uma individualidade, e essa individualidade só se cria hoje de forma “situativa”. Isso teria a vantagem de os jovens serem muito flexíveis. Hoje, pensam de um jeito; amanhã, de outro; depois, de outro jeito. Mas, em relação ao que nós, velhos, considerávamos confiabilidade, no sentido da identidade, essa confiabilidade some. E nós, na teoria da educação, temos de responder a esse desafio. Em seguida, nós temos uma matéria sobre o controle interno na sociedade. Eu só quero descrever isso rapidamente. A idéia é a de que há uma instância que nós chamamos de EO, que é a regulação entre as exigências externas e internas. Esse EO também não é mais formado de forma suficientemente forte. Diria que o EO não é mais o dono da própria casa. Há três ou quatro outros desenvolvimentos que merecem ser mencionados. A Alemanha, como os senhores sabem, está localizada numa parte muito central da Europa. Com isso, é um país de trânsito de norte a sul, de leste a oeste. Nós nos tornamos um país de imigração de primeira importância. O último relatório do Governo Federal da Alemanha mostra um nível de pobreza muito aumentado na Alemanha. Há mais violência e mais agressão na população alemã. Por isso, torna-se mais difícil ainda. Isso vale, principalmente, para a formação educacional. Quando os alemães falam em formação profissional, falam num sistema bem específico. Esse sistema se situa no âmbito do 31 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar secundário. Se os senhores imaginam um grupo etário a partir de 15, 16 anos, vão ver que cerca de 30% desses jovens vão para o chamado ginásio e, a partir daí, para a universidade. A ascensão para a universidade é pelo chamado ginásio. Então, cerca de 30% de uma faixa etária vai para a universidade. A OECD já recomenda 40% nas nações industrializadas. Para fazer face à produção científica de hoje, 60% dos jovens de uma faixa etária vão para a escola profissional, que é um sistema dual, composto de uma fase numa empresa e uma parte na escola profissionalizante. E há 13 grandes grupos de profissões, que seriam profissões nas áreas metalúrgica, elétrica, gráfica, profissões na indústria de couro, profissões administrativas, contábeis, na área da indústria alimentícia. Não vou citar todas. Mas são 13 grandes blocos, o que corresponde aos grandes ramos da economia nacional alemã. O grande problema que existiu, só para lhes dar um número, foi o seguinte: na medida em que a estrutura da produção mudou a partir de 1980, 40 profissões metalúrgicas que então existiam foram reduzidas para apenas sete profissões. Os senhores podem perceber com que velocidade essas mudanças aconteceram e se refletiram na formação profissionalizante. Quanto à formação profissionalizante, esse sistema dual entre a escola profissionalizante e a empresa não se adaptou a essas mudanças estruturais. Isso fez com que as empresas, principalmente as industriais, passassem a contratar cada vez menos aprendizes. Isso faz parte dos processos de exclusão ou do não-funcionamento do mecanismo de reprodução, que é a formação profissionalizante. Então, a sociedade exige dos jovens um esforço de inclusão, mas ao mesmo tempo lhes recusa a possibilidade da inclusão. É uma contradição que nós enfrentamos, e a partir dela nós, como educadores, teremos de encontrar novas respostas para o sistema educacional. Com isso, eu passo à minha quarta linha de argumentação, e, em seguida, termino. Eu começo com uma provocação: a ciência alemã da educação está desprovida, diante do descrito, das respostas. Pior, talvez, como cientistas, não tenhamos mais perguntas. Formulado 32 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar de forma positiva, eu poderia perguntar: será que a ciência alemã da educação está sem coragem de criar utopias sociais? Senhoras e senhores, caros colegas e caras colegas, é uma provocação essa formulação. Como cientista, é claro, tenho de ter uma posição um pouco mais objetiva, pragmática, e tenho de tentar definir o state of art. É uma coisa que lhes devo. Então, se eu pergunto quais os aspectos principais ou quais foram os focos da ciência educacional na Alemanha, eu posso citar quatro abordagens principais: a primeira abordagem foi a da DFG, que seria o CNPq alemão. É a pesquisa interinstitucional. Então, principalmente do ponto de vista da migração, tenta-se definir bem a passagem de uma instituição de ensino para outra e de diminuir o risco do fracasso na passagem de uma instituição para outra. Essa é uma das linhas de pesquisa na Alemanha. Isso talvez permita ver quais os interesses de integração com que essa abordagem foi criada. A segunda abordagem é a chamada pesquisa biográfica. Perguntando diretamente para os sujeitos, nós acreditamos que conseguimos entender os mecanismos sociais causadores de exclusão ou de inclusão. Não quero avaliar as chances de sucesso dessa vertente científica. Há muitas questões de metodologia que deveriam ser discutidas. A terceira abordagem ou vertente resulta das pesquisas de PISA. Os senhores conhecem essas pesquisas e sabem que, nesses estudos de PISA, a Alemanha ocupa apenas um lugar intermediário. Então, agora, há muita atividade científica na tentativa de ver os conteúdos curriculares, desde a pré-escola, educação infantil, desde a creche, para a criança de até 3 anos. Eu não sei exatamente qual é o termo correto no Brasil. Na Alemanha, há a escola primária, o jardim de infância, escola fundamental e creche. Então, nós queremos padronizar os conhecimentos a serem transmitidos, de forma que esse conhecimento possa ser testado de forma clara. A idéia é a da possibilidade de testar, de medir. Esse é o termo do padrão educacional que nós usamos. E agora vou falar da quarta vertente. Houve uma grande procura para entender como as competências que os alunos precisam ter podem ser medidas de forma mais clara e objetiva. Essa pesquisa de 33 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar padrões são abordagens orientadas no output, nos resultados. Elas nada mais fazem do que constatar o que já aconteceu ou não. Essa orientação no output, nos resultados, não diz o que poderia ser feito, como os processos educacionais, como o desenvolvimento do sujeito poderia ser organizado de forma mais adequada. A nossa universidade em Ziegen tem duas abordagens centrais. A primeira, é a pesquisa biográfica e a outra, que apóio e tem grande afinidade com o que o Presidente da Câmara disse hoje de manhã, é a orientação do sujeito na participação e segurança social. É uma abordagem científica da educação com esse foco. Quais as abordagens paradigmáticas que usamos? A orientação do sujeito pensa do ponto de vista de uma oratória psicossocial. Cada indivíduo, segundo essa teoria, tem direito a um oratório psicossocial organizado de acordo com a idade. Uma criança de 3 anos não pode estudar informática. Piaget, psicólogo muito famoso, mostra, nas suas experiências, as capacidades de diferenciação da estrutura do pensamento espacial. Então, há limites. Essa a idéia do oratório psicossocial. Essa idéia deveria ser pensada de forma institucional, é nova, as instituições de ensino precisam ser adequadas à idade. Em segundo lugar, isso é típico para essa abordagem, não podemos fechar os olhos para o desenvolvimento no mundo do trabalho. Nós temos de perguntar realmente quais são os mecanismos de reprodução de uma sociedade e como podemos criá-los como mundo do sistema e mundo da vida, como inseri-los nos currículos e como os professores podem realizar esses currículos de forma adequada à idade das crianças. Então, tem que ter a unidade do mundo do sistema e do mundo da vida real. Isso garante a realidade do que é ensinado e também que os jovens, um dia, poderão entender a sociedade, desenvolvê-la e defendê-la de forma real. Terceiro, isso significa uma nova forma de pesquisa curricular. Cada vez mais nós nos convencemos de que a divisão tradicional do currículo em matérias, ou seja, Química, Biologia, Matemática, Alemão, Inglês, Francês, não corresponde mais à dimensão psicossocial e à constelação psicossocial dos jovens, da nova geração. Isso significa, do ponto de vista científico, que estamos implantando uma grande integração de conhecimentos das matérias em novos complexos de aprendizado. 34 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Quarto, essa abordagem se caracteriza por projetos experimentais. Nós realizamos um grande projeto de alfabetização, financiado pelo ministério. Os senhores conhecem – e têm muita experiência, no Brasil – projetos de alfabetização. Não se trata, nesse projeto, de alfabetização funcional, ou seja, aprender as letras, mas induzir a um aprendizado que parta não das deficiências, e sim dos potenciais dos jovens. Ele permite que os potenciais dos jovens se desenvolvam de forma contextualizada. Trabalhamos em projetos com excluídos sociais, com jovens que não têm mais possibilidade de entrar no sistema clássico de formação educacional, profissional. A terceira vertente é a idéia de criar uma unidade integral de formação profissional. Com isso, quero finalizar não sem mostrar que essas abordagens se baseiam tipicamente em sistemas de referência. Há elementos que não posso explicar agora, nesse pouco tempo, eu precisaria de discussões científicas mais detalhadas. É importante dizer que os projetos que estamos desenvolvendo contribuem para criar novos paradigmas científicos para aprender a lidar com as ambivalências entre o velho, que tem que ser mantido, e o novo, que precisa ser criado. Muito obrigado a todos pela paciência com que acompanharam essa matéria, que, certamente, não é muito fácil. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – O Prof. Richard Huisinga fez uma apresentação não só brilhante, mas citou temas extremamente relevantes que vão contribuir para um bom debate. Eu, pelo menos, anotei vários pontos que merecem reflexão e debate. Concedo a palavra ao segundo debatedor, Prof. Ricardo Henriques, Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC. RICARDO MANOEL DOS SANTOS HENRIQUES – Agradeço ao Deputado Ariosto Holanda e parabenizo a Câmara por trazer esse debate em parceria com a Universidade de Siegen, na Alemanha, e com as estruturas brasileiras. Parabenizo também a Dra. Maria Aparecida Perez, pela organização deste evento, no qual, conforme conversei com o Prof. Fichtner, 35 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar há expectativa de desdobramentos de médio e longo prazos na parceria promissora entre Brasil e Alemanha. Podemos discutir alguns recortes desse desafio da possibilidade de formação para o mundo do trabalho. Na verdade, queria dialogar a respeito de parte da ponderação do Prof. Richard Huisinga, mas partindo do pressuposto formulado pelo Deputado Ariosto Holanda. A discussão sobre formação para o mundo do trabalho precisa estar contextualizada em uma reflexão acerca dos modos de desenvolvimento que venhamos a construir para o Brasil – na expressão do Deputado, desenvolvimento para quê e para quem. Trata-se evidentemente de saber como – aí a questão do contexto brasileiro torna-se necessária diante de tamanha desigualdade produzida ao longo de nossa história – produzir um modelo de desenvolvimento econômico que não se confunda com a matriz usual que organizou a idéia de desenvolvimento no Brasil. Em última instância, foi uma idéia de crescimento econômico como propulsor de uma agenda que, de forma derivada, seria de desenvolvimento. O que chamaria de certo “crescimentismo” econômico e não a idéia do desenvolvimento stricto sensu que busca a inclusão social, que esteja referenciado em um território preocupado com a redução das desigualdades e que seja sustentável. É obvio que a palavra sustentabilidade perdeu muitos conteúdos porque se banalizou – sustentável em termos econômicos, sociais, políticos, ambientais, culturais e regionais. Evidentemente é possível fazer essa discussão fora de uma abordagem de perspectiva do desenvolvimento com inclusão que o País possa vir a ter. No entanto, parece-me que hoje a grande questão que se coloca é como refletir sobre o mundo do trabalho e a formação para esse mundo em uma perspectiva de desenvolvimento distinta da nossa tradição. Como foi dito, para além dos saberes, das competências, das habilidades, dos conteúdos, uma das dimensões que estão na ambivalência que o Prof. Richard Huisinga abordava é que o mundo do trabalho é muito mais plástico, requer muito mais adaptabilidade, tomada de decisões diferenciadas, capacidade de trabalho em equipe, modos de 36 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar proceder distintos dos que usualmente organizaram a estrutura de formação dos trabalhadores ao longo de tudo. Requer modelagens de formação diferentes das que eu tive e acredito todos os senhores tiveram. Talvez isso permita acionarmos perguntas para três sujeitos diferentes: os jovens, as instituições de ensino (escolas e universidades) e os professores, tudo dentro de um quadro de desigualdade, do qual não quero desviar. Especificamente, começando pelos jovens, entendo que é impossível, no Brasil e no mundo contemporâneo, continuarmos criando agendas no mundo educacional e no do trabalho que suponham uma visão homogênea da juventude. Tradicionalmente fomos formados para lidar com a juventude. Evidentemente, cria-se uma clivagem desde a escola, passando pela universidade e posteriormente para o mundo do trabalho, que desconsidera o que chamaria de “as juventudes”, no plural. Não vou citar exemplos quantitativos, mas só um exemplo para vermos o que estamos falando da juventude. Se compararmos, hoje, um jovem específico do Brasil – de família pobre, negro, morando no Nordeste – com a média dos jovens brasileiros, na velocidade com que vai o sistema educacional brasileiro, esse jovem concreto, que tem face e nitidez, demorará entre 18 e 22 anos para chegar à escolaridade média. Isso comparando jovens com jovens. Então, esse jovem chegará, daqui a 20 anos, em média, aonde a juventude está hoje. Evidentemente, a média da juventude estará muito à frente. Então, quando homogeneizamos o tratamento da juventude, a priori, impedimos que o sistema educacional seja capaz não só de se vincular ao futuro como o do trabalho, mas seja capaz de vincular-se com o presente, com a capacidade de redução das desigualdades na nossa sociedade. Para isso, acho importante reconhecer que, sobretudo as juventudes dos espaços populares, tanto no mundo urbano quanto no rural, muitas vezes esquecidas, ocorre que em uma sociedade tão desigual como a nossa os horizontes do ponto de vista da temporalidade e de “espacialidade”, os horizontes de tempo e de espaço, aproximaram-se, reduziram-se. Ou seja, as expectativas e a confiança dos jovens quanto às possibilidades de mudança reduziram-se 37 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar enormemente e a baixa mobilidade tanto espacial quanto temporal desses jovens estabelece um registro de desconfiança e de descrença no futuro. Evidentemente, o descrer e o não confiar no futuro cria uma cisão e um distanciamento entre a expectativa do jovem que estuda hoje e o que acontecerá com ele quando sair do mundo da escola, da educação. Basicamente, o que exigimos hoje dos jovens? Exigimos o mesmo comportamento adequado ao antigo mundo do trabalho. Quero trazer a ambivalência do Prof. Richard Huisinga para dentro da educação. Qual a ambivalência que geramos? Solicitamos a esse jovem, na verdade, a essa criança: invista 12 anos da sua vida em educação básica e mais uns 3 ou 4 anos, dependendo, em educação técnica ou superior, e acredite, de alguma forma, que esse investimento vai se traduzir em futuro assegurado. Esse foi o paradigma do mundo do trabalho após a 2ª Guerra. Ele organiza o mundo da educação como um todo e solicita a essa juventude, absolutamente heterogênea, uma capacidade de confiança num longo prazo que não está de forma alguma adequada a sua forma de constituir o seu presente. Além de se exigir isso, o que se dá, no presente, a essa criança e a esse jovem, nesse investimento que terá retorno indefinido em um futuro bastante longínquo? Dá-se uma escola – na verdade, não quero discutir a instituição – uma educação tanto na escola primária, para ficar o exemplo, quanto nos ensinos fundamental, médio e superior absolutamente descolados dos olhares e das expectativas dessa juventude. As visões de mundo desses jovens e os seus horizontes são desconsiderados num processo de ensino-aprendizagem que esse sistema pretensamente quer conduzir. Ou seja, a escola, os sistemas de ensino descontextualizados dessas visões de mundo absolutamente legítimas. O que ocorre nesse sistema? Evidentemente isso tem a ver com a ponderação do Prof. Richard Huisinga. Esse sistema de ensino nem sequer – como a grande escola iluminista que organizou o século XX, na verdade, produtor de homogeneidades – é redutor das diferenças, 38 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho “Posso assegurar às senhoras e aos senhores que hoje, em todas as cidades do país – em Paris, Lyon, Marselha – às 11h30 de uma terça-feira, todas as turmas da sexta série de Matemática estão dando o módulo J, alínea B, ponto X”. ação parlamentar é capaz, a grande escola republicana, de tratar todos como iguais e produzir iguais. Cito – perdão, só porque vivi isso na França, imagino que deve ser parecido na Alemanha – o que um professor responsável pelo ministério da educação francês disse em uma conferência: Disse isso com um orgulho peremptório nessa perspectiva. Imagino que essa seja a mesma questão da Alemanha: a capacidade de produzir o homogêneo, de tratar todos como iguais e igualá-los tanto naquele momento como no futuro. Essa busca radical da homogeneidade, que é a de apagar as diferenças, que organizou os sistemas de ensino no século passado e que, de forma infeliz, ainda os organiza hoje, parece-me que está na raiz do nosso debate, porque nela está a questão da efetiva aprendizagem e não simplesmente a idéia da escolarização. A questão da aprendizagem, entre outras dimensões – há várias importantes, mas não quero tratar delas, somente uma me interessa sublinhar – remete à da “alteridade”, à do outro, à do diferente. Se os senhores quiserem, talvez para dialogar um pouco com a Europa, poderemos abordar a questão do estrangeiro no sentido pleno. O estrangeiro ao saber erudito, às normas bem dadas, à família ideal, à comunidade ideal ou diferente. Ocorre que numa sociedade contemporânea, ainda mais numa tão marcada pela desigualdade como a nossa, essa heterogeneidade da juventude é o que mais lhe caracteriza e constitui. Como a escola – da creche, do pré-escolar, dos 3 anos de idade à pós-graduação – se comporta neste País? O que interessa é a educação básica. O que ela faz? Procede três movimentos idealizadores que produzem homogeneização. Como se promove? Ela idealiza o aluno e busca o bem comportado, elegante, que não fala palavrão, bem vestido, cordato, atento, que 39 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar acorda às 7 horas e é capaz de responder algo. É a matriz das nossas grandes classes homogeneizadoras no sistema de ensino como um todo. Mas isso se torna muito mais grave quando pensamos em escolas nos espaços populares absolutamente fragilizados, do que a nossa sociedade urbana e rural contemporânea. Além disso, o que idealizamos? A família. As práticas cotidianas nas salas de aula – e os nossos professores são formados assim – estabelecem uma relação no cotidiano, supondo que a família é bem comportada, homogênea, heterossexual, com pais casados e estáveis, com filhos e filhas harmônicos. Sempre uso a imagem da família margarina quando falo sobre essa questão. Vou usá-la aqui, mas não sei se fará sentido para os colegas alemães. Na verdade, as propagandas de margarina no Brasil são o mundo dos céus. O que ocorre? A família margarina é aquela que às 6 horas o pai e a mãe estão lindos, sorridentes, elegantíssimos, bem vestidos, atentos, preocupadíssimos, um casal de filhos, o pai pergunta sobre o dever de casa da criança, a filha interage com o irmão mais velho, pede a ele que a ajude no dever, a mãe amorosa. Cria-se todo esse clima idealizado. Esse ideal organiza práticas cotidianas de reprodução de supostos ensino, aprendizagem, no qual organizo o vocabulário e os ritos escolares em torno dessa família ideal. Mais do que isso, idealizo a comunidade. Suponho que essa comunidade é previsível, estável, organizada, que todos contribuem para a Previdência Social, que todos, quando se aposentarem, terão recursos, que todos têm emprego estável. Por que estou dizendo isso? É que esse modo de olhar a escola – que é o ideal da Europa após a 2ª Guerra, nada mais é do que o grande ideal dos anos gloriosos, o grande ideal da nossa classe média – desconsidera totalmente as nossas desigualdades, desconsidera os jovens dos espaços populares e, sobretudo, as nossas diferenças, a nossa diversidade. Portanto, desconsidera o outro. Não existe uma escuta aos sujeitos. Não há como existir, porque não há busca de compreensão. A relação não precisa disso. Volto a frisar – não terei tempo de falar sobre as três questões – que os professores são formados para não escutar. Não há reconhecimento das diferenças nem valorização das diversidades como um todo. 40 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar A questão-chave é: se essa norma – é evidente que existem belíssimas e fantásticas exceções, inclusive todas elas estão tentando sistematizar – serve de referência para a mudança da política pública no campo educacional pelo Ministério da Educação, como solicitar a esses jovens que, ao pedirem investimento de longuíssimo prazo, confiem nos valores e nos discursos transmitidos na sala de aula pelo professor? Como é possível estabelecer vínculos de confiança em que o paradigma é o desconhecimento do outro e, nesse desconhecimento do outro, a não-consideração desse outro, dessa autoridade como dimensão-chave de aprendizagem? Eu faço o quê? Transmito conhecimentos. Estou falando da “boa escola”, entre aspas, que não tem problema de mérito no sentido conteudístico. Transmito capacidades, conhecimentos, estratégias, modos, valores, mas de forma absolutamente descontextualizada e com capacidade de desconsideração do outro. O que estou buscando? Uma homogeneização dessas subjetividades e uma tentativa de formatação, a priori, de um modo de transmitir e absorver conhecimentos que, ao sair da escola, irá se confrontar com o mundo do trabalho muito menos homogêneo do que esse mundo da educação que estou propondo. Um mundo do trabalho radicalmente distinto do mundo do trabalho pós-fordista ou fordista que basicamente nos organizou. Deputado, parece-me que o quadro analítico que nos permite pensar essa questão é muito mais amplo e desafiador do que o mundo da educação e o mundo do trabalho. Parece-me que há certa coerência nessa agenda do olhar e da atitude sobre a juventude, que não fica somente no mundo da educação e procura recorrentemente esse processo de ocultar a diferença, reduzir as juventudes a uma unidade e tratá-la de forma homogênea. Esse quadro analítico é importante. Isso acontece no mundo da saúde, da segurança, da educação e do trabalho. Do ponto de vista do mundo da saúde, parece-me que cada vez mais na agenda internacional – acredito que na Alemanha isso se dê do mesmo jeito – a intolerância com as diferenças faz com que se produza uma agenda de medicalização da juventude. Não sei se isso ocorre e com que intensidade na Alemanha, mas ocorre fortemente em outros países da Europa e no Brasil. Cada vez mais – essa questão 41 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar está associada ao desenvolvimento da ciência e tecnologia e dos psicofármacos – pode-se definir comportamentos desviantes, e os comportamentos excêntricos ao que se supõe ser a norma, reduzse a uma intervenção medicalizadora. O que ocorre nesse cenário? Reduz-se o papel pedagógico, da psicologia e da psicanálise radicalmente, reduz-se a intervenção do medicamento e consegue-se, ao estabelecer aquilo que era o sonho referido pelo Prof. Richard Huisinga, o controle, definir qualquer comportamento desviante para a juventude. Tenho o remédio adequado capaz de colocar os jovens como devem ser. Então, o jovem que tem uma manifestação estética indesejada por parte de alguns segmentos relevantes da sociedade pode ser diagnosticado com comportamento desviante e agressivo, e podese tentar medicalizá-lo. Agora, o diagnóstico dos desvios é associado ao avanço dos psicofármacos e à capacidade de medicalização da juventude. Mais do que isso, no campo da segurança, de forma análoga à medicalização da juventude, tenho idéia da criminalização da juventude, a priori, dado que a violência urbana tornou-se mais jovem do ponto de vista etário no mundo. Desculpe-me dizer isso, Deputado, mas parte do falso debate em torno da antecipação da idade penal está associado, é evidente, ao claro processo que ocupa o senso comum de criminalização da juventude. Evidentemente, essa não é uma juventude homogênea. O processo homogeneizador, que medicaliza o jovem supostamente excêntrico, criminaliza o jovem pobre e negro da periferia urbana. O alvo da medicalização é absolutamente claro, definido, e o alvo da criminalização também é claro e definido: todos os supostamente não toleráveis. Lembro aos presentes o filme/documentário feito por MV Bill e Celso Athayde, Falcão – Meninos do Tráfico. São 16 jovens entrevistados em várias periferias do Brasil. Desses, 15 morreram um e meio, dois anos depois. Só um não morreu até hoje porque por acaso foi preso e, quando Bill soube, retirou-o da prisão. Hoje, o jovem trabalha numa escola de circo ligada à Central Única das Favelas, uma das ONGs que trabalham com jovens na perspectiva não-criminalizante. 42 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Entre os 16 jovens entrevistados, há um menino que fisicamente aparenta ter 9 anos, mas pode ter 12, considerando nossos padrões de subnutrição. É virtualmente impossível que ele tenha mais de 12 anos, devido à voz. MV Bill o entrevista e, depois que o menino baixa um pouco as suas resistências, começa a perguntar sobre a morte, numa perspectiva um pouco mais existencial. Evidentemente, o menino é do narcotráfico e é provável que seja assassino, já deve ter cometido algum crime. Ele dá duas respostas, uma sociológica e uma existencial. A resposta sociológica é a seguinte: “Não vai acontecer nada”. É perguntado: “Como assim, não vai acontecer nada?” “Se eu morrer, vem outro para o meu lugar”. Constatação sociológica dele. Depois, o menino vai quebrando um pouco a resistência e a entrevista continua. Esse menino, pequenino, reduz o tom da voz e diz: “Se eu morrer, pelo menos eu vou descansar”. Tenho certeza de que todos que estão nesta sala já refletiram sobre a morte quando jovens, agora ou em qualquer momento da vida. Duvido que algum de nós tenha usado esse verbo acerca da expectativa da morte. Nosso vocabulário é bastante amplo. Devemos ter usado várias palavras, mas a idéia de “descansar” para uma criança de 12 anos de idade... Evidentemente, não estou justificando nada. Esse menino teria de sofrer uma intervenção de punição qualquer que fosse, mas depois da educação, que é mais importante. A idéia, porém, de descansar com 12 anos de idade dá certa noção da barbárie em que esse menino vive e, evidentemente, dessa agenda que quero sublinhar: o processo de criminalização desses meninos e dessas meninas. Desculpem, não é este o assunto, mas quero somente produzir coerência do ponto de vista da nossa análise entre formação e mundo do trabalho. A terceira dimensão não é a da saúde nem da segurança, mas da educação. 43 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar A educação tem a ver com tudo o que estou dizendo. Além da medicalização da juventude quanto à saúde e da criminalização da juventude do ponto de vista da segurança pública, produzimos a invisibilidade da juventude do ponto de vista da educação. O nosso sistema de ensino torna o jovem invisível, e assim se satisfaz. Passando de um ponto para outro, pensamos a nossa universidade, que forma os futuros educadores. No que se refere às diferenças, sobretudo dos jovens dos espaços populares – imagino que os jovens da periferia de Berlim ou imigrantes na Alemanha não devem ser muito diferentes; digo isso para fazermos um diálogo concreto, porque acho o processo absolutamente análogo – o que a universidade tende a fazer? Primeiro, recusar essa juventude assim que puder e de todas as formas que puder. Por exemplo: a idéia de uma universidade pública que se recusa a discutir sistemas diferenciados de seleção para o acesso à reserva de vagas. Por que a universidade pública pode se dar ao luxo de não discutir reserva de vagas? Porque ela naturalizou a relação com a desigualdade e entende que esses mais pobres ou esses negros ou esses que estão fora devem entrar quando tiverem mérito. E o que essa universidade faz? Uma falsa oposição entre mérito e relevância. É evidente que não saberei comparar a nota de uma jovem minha filha ou de um jovem filho de pessoas que tenham a minha trajetória de vida hoje e tirar uma nota 8 no vestibular, com o 7 do jovem negro, pobre, filho de analfabetos e que mora no Nordeste. Alguém é capaz de dizer quem vale mais, se é o 7 de um ou o 8 do outro? Vai ter de ser muito corajoso para definir o valor dessas métricas, pois descontextualizamos completamente isso. Agora, mais do que recusar, Deputado, é que quando não recusa, o que busca em geral a universidade? Estou pegando só universidade para rebater e para concluir, porque do contrário não vou conseguir. A universidade estabelece uma relação de tutela. Quando não recusa, faz tutela. Aceita, mas com reservas. Ou aceita com – uso uma expressão citada pelo Prof. Richard Huisinga – certa incorporação que, diria, com anestesia. Na grande maioria das vezes, essa universidade não traz esses diferentes num campo da interlocução, num campo do respeito, num campo intercultural, valorizando essa diferença. 44 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Quando essa universidade traz o diferente, acata-o numa relação de tutela e subalternidade e quer, em geral, com uma certa visão paternal, educá-lo de forma diferente, para que ele possa ser igual àquele outro. Não se estabelece uma relação de reconhecimento. Volto agora para pegar aquele exemplo de jovem. Que valor agregado o jovem da periferia urbana de São Paulo ou do Rio de Janeiro, filho de analfabeto migrante do Nordeste, que entra numa universidade pode gerar para aquela universidade? Isso é totalmente desconsiderado. É desconsiderado que esse jovem provavelmente produzirá outros campos de saber nessa própria universidade, fazendo com que a instituição seja melhor. Cito a mídia. Quantos jovens jornalistas efetivamente conviveram com a diferença nas universidades federais? Quantos jovens jornalistas provavelmente seriam melhores jornalistas se tivessem convivido com essas diferenças quando estavam fazendo matérias sobre violência, sobre favelas, sobre o crime? Peço desculpas por ter passado do tempo, mas quero voltar um pouco. É evidente que a questão da educação ligada ao mundo do trabalho solicita que venhamos a produzir uma educação mais atrativa, como foi dito, com currículo integrado e vários outros pontos. Não tenho tempo para falar do conteúdo disso. Essa educação vinculada ao mundo do trabalho – quero somente destacar o elemento de que estou tratando o tempo todo –, para não se escolarizar e para não se aligeirar, porque também não adianta fazermos cursos rapidinhos de técnicas ligadas ao mundo do trabalho, precisa ser capaz, entre outras dimensões, de trazer a questão da diferença, de trazer a “alteridade” para o ponto de produção de conhecimento que permita um outro espaço de ensino e aprendizagem. Na dimensão que reconheça expectativas, horizontes temporais, horizontes espaciais diferenciados e heterogêneos dessa juventude, talvez a educação possa estabelecer uma relação de confiança, de pacto intertemporal, inclusive para um mundo que não vai gerar emprego para todas as pessoas. Mas estar na escola, na universidade ou no ensino técnico, estar quotidianamente no mundo da educação enquanto se é jovem – possivelmente enquanto se é adulto, estar ligado à educação – passa a ser um valor que permite redefinir os campos de ensino e aprendizagem, os campos de produção 45 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar de conhecimento e, evidentemente, os campos de interação com o mundo do trabalho. Sei que à tarde vamos ter outra discussão. Quero simplesmente sublinhar que, para além da questão dos conteúdos, se fôssemos capazes de associar mérito com relevância, e na idéia da relevância trazer o diferente para dentro dos sistemas, provavelmente estaríamos restabelecendo outros modos de relacionar o mundo da educação com o mundo do trabalho. Modos mais promissores, mais transformadores e, evidentemente, com maior capacidade gregária de produção de outra inclusão social e outro sistema de desenvolvimento. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Obrigado, Prof. Ricardo Henriques, pela sua excelente exposição. Deixo duas provocações para a reflexão dos expositores, cujas falas foram muito ricas. O que os senhores apontariam como solução para milhões de jovens, no caso do Brasil, que estão fora da escola e que não têm condição de voltar para uma escola que não está formando para o mundo do trabalho? Como os senhores vêem a falta de foco do plano dos projetos de desenvolvimento com a educação? Ela está totalmente desfocada. Cito como exemplo um dado que tive do MEC: hoje, 60% dos jovens matriculados nas universidades públicas e privadas estão cursando Direito, Administração, Pedagogia ou Contabilidade. Então, há algo errado no País. Em toda essa nossa extensão territorial, somente 1% da juventude está matriculada nas ciências agronômicas, por exemplo. Nas engenharias, cada vez decresce o número de matrículas. Então, defendo a tese de que a educação está desfocada dos planos de desenvolvimento, se é que eles existem. Como o foco dessa discussão é preparar o jovem para o mundo do trabalho, as escolas formais que existem, principalmente os CEFETs – quero destacar o papel dos Centros Federais de Ensino Tecnológico – estão desempenhando papel importante. Mas e quanto aos jovens que estão fora, muitas vezes analfabetos? Não seria a hora de criar atalhos, modelos diferentes que avancem sobre os mecanismos tradicionais da educação, para que possamos transferir conhecimento para essa juventude? Quem sabe através de um programa de extensão das universidades e dos centros 46 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar tecnológicos faríamos a transferência do conhecimento que está nas prateleiras das nossas universidades, transformando-o numa linguagem que o povo entenda! Faço essa provocação dentro desses dois pontos: criar atalhos para atender essa juventude e definir modelos econômicos que tenham enlace com a educação. Com a palavra o Prof. Dr. Bernd Fichtner, da universidade de Siegen, na Alemanha. BERND FICHTNER – Penso que a função de um debatedor é a de provocar, através da sua crítica, às vezes bem exagerada, o debate, a discussão. Assim, minhas provocações e críticas a respeito de ambos os palestrantes são realmente exageradas, devido a essa função de provocar a discussão, o debate. Gostaria de apresentar brevemente, em três passos, os meus comentários. O primeiro passo é uma perspectiva histórica a respeito da realidade social da escola. Depois, eu gostaria de comparar as duas palestras a respeito da temática principal. Para nós, o que é a escola, é um fenômeno histórico bastante novo. Conhecemos escolas em todas as culturas grandes e tradicionais que têm uma escrita, como China, Japão, nesses 5 mil anos. O que para nós é uma escola existe há 200 anos. As primeiras formas foram criadas no contexto da Revolução Francesa, o plano Le Pelletier, uma escola pública, igual para todos. Que problema estava por trás dessa escola formal, a escola para todos? Nenhum motivo filantrópico ou pedagógico, mas um problema prático da sociedade no contexto da industrialização. A sociedade no contexto da industrialização é confrontada com um problema sério que surge da divisão acelerada do trabalho. Todos os membros dessa sociedade precisam relacionar-se, e por isso é necessário que, no mínimo, todos os membros dessa sociedade tenham o mesmo conhecimento, os mesmos valores morais e as mesmas habilidades. A escola tinha que resolver esse problema. Não a pedagogia, mas um problema prático da sociedade no contexto da industrialização. É absolutamente novo e revolucionário nesse contexto que, pela primeira vez, o referencial concreto dessa escola foi a sociedade. Esses futuros membros da sociedade precisam desse complexo, dessa área de conhecimento de valores morais e de habilidades. 47 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar A sociedade funciona pela primeira vez na história da escola como uma referência concreta. Isso foi realizado em diferentes países, como Inglaterra, Alemanha e Itália. Passo a passo, esse tipo de escola tornou-se uma universalia histórica. Em todos os países do mundo, encontra-se esse tipo. Ambos os palestrantes, para mim com precisão, fizeram uma provocação muito clara de que esse referencial – a sociedade como um sistema inteiro – não funciona mais. Há 200 anos, a sociedade era pensada igualmente, como uma nação. Hoje, encontramos não mais a nação, mas o mercado do trabalho. Esse é ou deveria ser o enfoque principal. Mas obviamente esse referencial concreto não funciona mais. Ambos os palestrantes apresentaram de diferentes maneiras uma posição pedagógica. Eu também sou pedagogo, trabalho nessa área. A Pedagogia, necessariamente, é uma disciplina tradicional e conservadora. Por quê? É claro, essa disciplina deve ocupar-se com a forma com que a sociedade transmite um sistema de conhecimentos, de valores e de habilidades para a nova geração. É conservadora, tradicional, e está relacionada também com essa posição: “Isso é necessário para entrar no mercado do trabalho”. Na pedagogia, encontra-se uma incapacidade muito estranha de perceber, de olhar o novo, que surge em qualquer geração de jovens e crianças. Por exemplo, hoje, na sua palestra, o Prof. Richard Huisinga referiu-se aos jovens como individualistas, pessoas que perdem o autoreferencial, que perdem o controle para dentro de si. Isso é bem sofisticado. A respeito do contexto, o Prof. Richard Huisinga estava falando de como a nossa sociedade está perdendo o controle sobre crianças e jovens. Bem interessante este aspecto. Outros pedagogos, no meu país, a Alemanha, falam um pouco mais ingenuamente sobre isso. As crianças atualmente são egoístas, consumidoras, agressivas, egocêntricas. Para mim, isso foi um pequeno exemplo dessa interpretação. A pedagogia é conservadora, tradicional, tem dificuldades de perceber o que é novo, que, com qualquer geração nova de crianças e jovens, está surgindo. 48 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Para concretizar, segundo palestra do Prof. Richard Huisinga – importantíssima para a discussão – há algumas hipóteses. Primeira, o sistema de produção atual desenvolve-se com uma velocidade maior do que o sistema de reprodução. Acho que vale a pena refletir mais a respeito: o que isso significa? Quais são as conseqüências a respeito do fenômeno que chamamos escola, igreja, Estado, outras instituições da sociedade, que se ocupam com a reprodução? Segunda, a integração dos jovens é sempre mais difícil usando os velhos mecanismos de reprodução. Caro amigo, Richard Huisinga, quais poderiam ser os novos mecanismos de integração? A integração de jovens é sempre mais difícil usando os velhos mecanismos de reprodução da sociedade. Finalmente, a minha crítica à proposta que o Prof. Richard Huisinga apresentou é a de uma reforma bastante cosmética. Precisamos abandonar, deixar o sistema de disciplinas no ensino, precisamos mudar algo dentro do contexto estabelecido que chamamos escola. Obviamente, essa escola não funciona mais. Precisamos de algo novo. Que potencial tem uma nova união entre escola formal e a escola profissional e técnica? Que potencial tem uma integração radical, num nível novo, para resolver esse problema? Para mim, foi muito provocadora a sensibilidade com que Ricardo Henriques, em diferentes exemplos, apresentou, em sua palestra, o fenômeno da “alteridade” das crianças e dos jovens brasileiros. Devo confessar que na Alemanha raramente se encontra essa radicalidade. Enquanto ouvia todos esses exemplos, pensava: que pena não termos nesta Mesa o diretor técnico de produção da Chrysler-Daimler, na Alemanha. Depois, o que ele diria a respeito dos seus exemplos? Será que a perspectiva de Ricardo Henriques a respeito dessa realidade social em ambas as sociedades, uma sociedade de risco, na qual o sistema de produção se desenvolve com maior velocidade do que o de reprodução, não é um pouco romântica? Muito obrigado. 49 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Passo a palavra ao nosso observador, que deve ter observado bem essas intervenções, Prof. Wanderley Geraldi, da UNICAMP. JOÃO WANDERLEY GERALDI – Bom-dia a todos. Antes de mais nada, parabenizo a Comissão de Educação e Cultura pela realização deste seminário e agradeço ao Deputado Ariosto Holanda o material com que nos brindou para estudarmos e ao INEDD o convite para ocupar essa posição um tanto ambígua de observador de uma área que não é a minha. A minha área é letras, é literatura, é linguagem, e estar em um seminário sobre formação para o trabalho é um pouco surpreendente, mas também me dá o direito de falar externamente e observar mais de longe. Nesta observação, muito rapidamente, gostaria de retomar as três teses principais do Prof. Huisinga e a tese que entendi como principal da exposição do Dr. Ricardo Henriques, como também de tecer algumas considerações sobre esse tema, levantando de novo as questões, talvez quase como um debatedor. Concordo realmente que os sistemas de produção e de reprodução crescem em temporalidades distintas. Qual é a grande novidade para nós em relação ao sistema de produção no mundo contemporâneo e as exigências que se está fazendo aos mecanismos de reprodução? Parece que duas coisas aconteceram no sistema de produção capitalista tal como estamos vivendo hoje. Não dá para escondermos isso, se quisermos pensar com certa seriedade qualquer formação para o trabalho. O sistema capitalista de produção se quer liberado de qualquer prejuízo e risco. Portanto, não quer atalhos, sob hipótese alguma, porque atalho pode produzir risco. Nesse sentido, liberou-se a mãode-obra pela tecnologia. E, quanto àquelas coisas que as máquinas ainda não são capazes de fazer, tenta-se liberar o tempo todo de toda e qualquer relação de trabalho por meio da idéia de prestação de serviços. Quer dizer, toda relação de trabalho envolvida na produção efetiva, e que é necessária para a produção, hoje não passa de um serviço executado na corporação por uma outra empresa, de tal ordem que o setor de produção, o setor do fazer na sociedade contemporânea encontrou uma ética que não tem futuro. É uma 50 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar ética preocupada só e unicamente com o hoje, aliada a uma preocupação extrema com a lucratividade, a realidade única em que tantos vivem. É, portanto, impossível formar, pelo sistema de reprodução, sujeitos capazes de trabalhar nesse sistema de produção, seja qual for a escola, seja qual for a educação que possamos oferecer aos jovens. A pergunta do Deputado Ariosto Holanda é fundamental: que solução apontar para milhões de jovens que estão fora da escola e fora desse sistema? O que oferece o sistema em que estão? Se a sociedade perdeu o controle sobre a juventude, então há um paradoxo. Ao mesmo tempo em que a tese do Prof. Richard Huisinga, a da perda do controle da juventude se expõe, a tese principal defendida pelo Prof. Ricardo Henriques, mostra, ao contrário, que o medo da perda desse controle produz na nossa sociedade a intolerância. E essa intolerância vai aliar-se à intolerância das diferenças na medicação, na criminalização da juventude e na invisibilidade dos sujeitos da periferia no sistema escolar e no sistema produtivo. Uma inviabilidade de tal ordem que, digamos, dá até para pensar que hoje ainda exista função econômica nesse sistema de produção. No passado, nós nos referíamos à categoria de exército de reserva de mão-de-obra. Talvez, o excluído hoje já não seja mais sequer exército de reserva, mas um descartado para o sistema. Mas ocorre que, nesse lugar do descarte social, que é o lugar da desigualdade, está-se produzindo uma heterogeneidade. O Prof. Ricardo Henriques chama a atenção para a heterogeneidade, a diferença, e ainda mostrando a intolerância com a diferença. Vejam que uma sociedade como a nossa, intolerante com a diferença, mostra-se anestesiada diante da desigualdade. A desigualdade social nos anestesia! Estamos o tempo todo dizendo que o mercado é cada vez mais seletivo, e que, portanto, queremos soluções para um mercado de trabalho cada vez mais seletivo. Ora, se ele está cada vez mais seletivo, não há solução. A questão recai sobre os modos de construção da desigualdade social. E o sistema de produção é que é problemático. Talvez a nossa sociedade ocidental tenha transformado aquilo que sempre nos dignifica, e que também dignificamos, que é o trabalho humano. Farei referência agora a uma frase do Exmo. Sr. Presidente 51 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar da Câmara dos Deputados. Quer dizer, se o homem dignifica o trabalho, talvez a nossa sociedade tenha transformado o fazer o trabalho não mais em trabalho, mas em mera tarefa, em mera execução de ações. E, enquanto há somente execução de ações, estamos condenados a uma espécie de produção em série, na medida em que a população cada vez aumenta mais. Mas essa produção em série já está se fazendo pela máquina, o que nos torna, os seres humanos, desnecessários. Talvez nós nos tenhamos acostumado a considerar apenas o fazer e as práticas. E, quando não há mais prática, mas apenas tarefas? Aquelas práticas, o aprender que remete ao conhecimento, à área de cognição, envolvem o ontem, não mais o hoje, quando a realidade é outra, digamos, abstraída daquela realidade vivida nos moldes do fazer. A terceira ponta desse triângulo seria o projetar ou o sonhar, a área da arte, da ficção, o lugar da estética e, portanto, o lugar não da realidade vivida, única e repetitiva do fazer, nem da realidade abstraída do conhecimento científico, mas a realidade criada como projeto que se preocupa de fato com o amanhã. Talvez tenhamos que inverter isso um pouco. Sempre consideramos as relações com o fazer. Se produzo conhecimento, aprendo. Aliás, aprender para fazer é a idéia da formação. Então, talvez tenhamos que colocar no ápice desse nosso triângulo não mais o fazer, mas talvez o projetar e o sonhar. Uma das incompetências levantadas pelo Prof. Richard Huisinga é a incapacidade do sistema educacional de projetar utopias, ou seja, o lugar onde efetivamente devemos nos sentar para refletir, porque, quem sabe, o que esteja faltando na nossa sociedade e, conseqüentemente, para os jovens, é um conjunto de utopias que não sejam mais utopias modernas de homogeneização nem utopias modernas que tenham o trabalho como tarefa, mas a utopia contemporânea, aquela que podemos criar, que é uma utopia das possibilidades de investimento nos potenciais, repetindo uma expressão do Prof. Richard Huisinga, e não um investimento nas faltas. Temos excessivamente pensado em investimento nas faltas e pouco no social, nas potencialidades do homem. Talvez isso nos leve a pensar, como cientistas, que tenhamos que levar mais a sério a idéia de atalhos, ou a idéia de inéditos viáveis, de Paulo Freire. Eu 52 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar traduzo e compreendo a noção de atalhos, trazida pelo Deputado Ariosto Holanda, como um lugar social fundamental nessa relação. Quer dizer, tal como estamos nesse sistema de produção e nesses mecanismos de reprodução, não há formação para um trabalho possível, porque nessa sociedade não há trabalho, mas apenas tarefas. Portanto, o mundo do trabalho se transformou num mundo de tarefas. E, no mundo de tarefas, o homem não é chamado. Nossa parte mais autônoma é chamada. E, para recuperar ou corrigir isso, talvez tenhamos de reorganizar nossas relações entre o fazer, o conhecer e o projetar, ou entre a ética, a estética e a cognição. Muito obrigado. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Obrigado, Prof. João Wanderley Geraldi. Antes de passar a palavra aos Parlamentares debatedores, quero fazer um comentário sobre as observações do Prof. João Wanderley. Realmente, quando falei sobre a noção de atalho, eu o fiz no sentido de se criar um ambiente que fosse não ao encontro, mas de encontro a esse modelo de desenvolvimento que é perverso e que tem como base o mercado. O mercado, na minha visão, aprofunda a pobreza e concentra a renda, porque hoje temos tecnologias avançadas, com base na engenharia genética, na química fina, na biotecnologia, na nanotecnologia, capazes de promover uma superprodução de alimentos e medicamentos, capazes de assegurar que nenhuma criança morra de fome. E, se não fazemos isso, é porque vivemos em um mundo desigual que tem como base esse modelo de mercado. Foi por isso, portanto, que insisti naqueles pontos. É preciso pensar em uma educação que esteja “lincada” a um modelo de desenvolvimento, a um modelo que contemple principalmente a questão social. Antes de passar a palavra ao próximo orador, eu gostaria de agradecer a presença à Dra. Eunice de Sá, que nos ajudou na montagem deste seminário. Como primeiro debatedor inscrito, passo a palavra ao Deputado Waldir Maranhão, que foi reitor e professor da Universidade Estadual do Maranhão e se destaca nesta Comissão de Educação. DEPUTADO WALDIR MARANHÃO – Congratulo-me com o nosso Presidente, Deputado Gastão Vieira, que vem cobrando de 53 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar nós, Parlamentares, um olhar diferenciado para as questões nacionais, notadamente no que se refere à educação. Isso estimula em nós o refinamento, a compreensão das adversidades, mas, fundamentalmente, um compromisso de ordem social, em um país que vive os seus desencantos neste mundo globalizado. Entendo, nas palavras dos expositores, que as nossas diferenças estão próximas das nossas igualdades. Entendo que não se pode esperar que uma norma, sem a participação da sociedade, tenha efetividade. Somos especialistas, retóricos, às vezes, em falar sobre a nossa sociedade por meio dos nossos olhares e das nossas assertivas, mas eis que não nos disciplinamos para entendê-la na sua realidade íntima. Concordo em que todas as vezes que discutimos uma hipótese ou uma teoria, à luz da educação, encontramos saídas para tudo e para todos no campo das idéias. Porém, na prática construtiva, há de se pensar realmente naquilo que Paulo Freire nos deixou: os atalhos. E que atalhos são esses? É impossível ficar acomodado diante das nossas desigualdades sociais. Acho que foi isso que o Deputado Ariosto Holanda enfocou. E S.Exa. vem mostrando neste Parlamento e nesta Comissão que é possível irmos além da educação básica, porque é ali que reside realmente a projeção para o ensino profissionalizante e mesmo para o ensino nas nossas universidades, até a pós-graduação – tudo isso como um ciclo que se multiplica, que se revela, que se reconstrói como programa de inclusão nacional. Pensar dessa forma nos dá a exata dimensão do que seja a nossa sensibilidade, nas palavras do Prof. Ricardo Henriques. Que sensibilidade humana nós temos já como indutor de um processo de crescimento econômico que não pode estar abstraído do crescimento social? Nós, que estamos vivendo sob a égide do PAC, queremos, sim, crescer em dimensão econômica; porém, vemos que não dá para inverter a ordem dos fatores. Na nossa consideração, tudo o que foi dito neste Seminário acrescenta, sim, de forma muito positiva, àquilo que acumulamos ao longo do tempo. E a reflexão que faço é esta: no momento em que invertemos os valores, reconhecemos que não há maior riqueza que o homem. Mas ocorre que esse homem está, muitas vezes, sujeito à ação decorrente da nossa boa vontade ou das nossas omissões. A 54 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar solução certamente será tanto mais tardia quanto tardia for a nossa compreensão sobre quais metas alcançar. Vou me firmar em um exemplo bem simples que aprendi com o Deputado Ariosto Holanda. Temos a estatal brasileira, a Petrobras, que vende ao mundo know-how em exploração de petróleo. Seus macroinvestimentos não podem, em algum momento, ser direcionados, porque sabemos que a prospecção de petróleo precisa de 20 ou 30 anos para alcançar viabilidade econômica. Porém, essa empresa carece de sensibilidade para criar, dentro das cadeias produtivas, mecanismos para atendimento, por exemplo, à agricultura familiar, aos pequenos produtores, porque é aí que ela vai gerar emprego e renda numa base geográfica local. Com isso, são inibidos atalhos que temos que criar, como, por exemplo, diminuir o percurso, porque aquele indivíduo está lá no interior do interior. Como, então, promover o desenvolvimento sustentável se não houver deslocamento de propósitos? Só centralizando as ações e fazendo o macrodesenvolvimento, não damos sustentação àqueles que efetivamente estão excluídos desses avanços. Dessa forma, estaremos sempre cultivando a existência daqueles que são conhecidos como analfabetos funcionais. Esta a minha ponderação. É a reflexão que faço depois de tudo que ouvi neste Seminário, obviamente a partir da contribuição de cada um dos senhores expositores. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Muito obrigado, Deputado Waldir Maranhão. Concedo a palavra ao Deputado João Oliveira, representante da Região Norte, tão necessitada do desenvolvimento com base no homem. DEPUTADO JOÃO OLIVEIRA – Muito obrigado, Deputado Ariosto Holanda. Meus caros professores, doutores e especialistas em educação, sou administrador de empresas, mas também sou admirador da educação e me preocupo com o ensino e aprendizado no Brasil. Serei sucinto. Todos os palestrantes foram bastante técnicos, e devo dizer que sempre admirei pessoas que colaboram com o Brasil e com o mundo, contribuindo com a educação, com a expansão do conhecimento. 55 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar No Brasil, temo-nos preocupado muito com o ensino fundamental, com o ensino profissionalizante e até com o mercado de trabalho. Muitas vezes, um jovem, ao terminar a faculdade, continua fora do mercado de trabalho. Alguns dados a esse respeito têm sido comentados nesta Casa, o que nos tem preocupado. Vejo, principalmente em meu Estado do Tocantins, que o crescimento dos cursos telepresenciais têm formado bastante profissionais. Não obstante, muitos deles estão fora do mercado de trabalho, e isso nos preocupa muito. Preocupa-nos também o olhar da sociedade e a atitude das autoridades sobre o assunto. Todos olham a situação como se aí estivesse o grande problema da sociedade – digo, aqueles que necessitam de boa aprendizagem, na sua faixa etária ou mesmo fora dela, os excluídos, os que estão fora do mercado de trabalho e fora do contexto da sociedade. Que atitude esperar da parte dos governantes e daqueles que têm conhecimento pedagógico? Será que esse paradigma pedagógico não tem de ser repensado diante das circunstâncias atuais em que vivemos? Todos os debatedores têm observado o seguinte: fala-se que o problema é pedagógico, estrutural, a par das questões sociais. Não será hora de buscar talentos pensantes para localizarem as causas? Uma delas, acredito, é a falta de recursos para investimento na educação básica, que considero prioritária. Mas entendo também extremamente necessário preparar cidadãos pensantes que busquem colocar em prática o que se pode fazer de imediato no sentido pedagógico. Quero chamar a atenção também para o fato de que a Igreja, o Estado e as entidades da sociedade organizada, juntamente com pessoas da área pedagógica, poderiam fazer um estudo minucioso para identificar por que estamos ainda tendo dificuldade de fazer com que os jovens saiam bem preparados do ensino fundamental. Temos visto estudantes saindo das escolas com muita dificuldade porque, afinal, não estão aprendendo como deveriam. O que está faltando? Mais investimento? Não creio que seja apenas investimento. Está faltando um modelo que possa adequar essas pessoas nas escolas, que faça com que elas saiam com melhor aprendizado. Quanto à preocupação atual do Governo em relação à profissionalização dos estudantes, colocando nas cidades-pólos cursos 56 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar profissionalizantes, acho que é importante o avanço do conhecimento. O mundo está bastante avançado e globalizado, e a industrialização moderna tem deixado muitas pessoas fora do mercado do trabalho. Entendo que essa preocupação hoje é pertinente, qual seja, aperfeiçoar nossos cursos tecnológicos. No meu Estado foram recentemente criadas doze indústrias de etanol. E, quando procuram profissionais com essa mão-de-obra para trabalhar nessas indústrias, constata-se que se deve buscá-los em Estados mais desenvolvidos, como São Paulo. Portanto, é da maior importância a preparação de cursos tecnológicos. Mas a minha preocupação ainda é com a exclusão social: o que fazer com as crianças que se encontram fora das salas de aula? O Deputado Ariosto Holanda pergunta muito sobre isto. Quem pode fazer alguma coisa mais pertinente? Estive no Rio de Janeiro, com o Deputado Gastão Vieira, nosso Presidente, e vimos ali uma coisa importante – mas sei quanto é difícil para os governantes, para a iniciativa pública dar conta. Vimos ali o SENAI e o SESC fazendo uma escola onde o professor mora, ali mesmo! Trata-se de uma cidade. São escolas profissionalizantes, de onde saem os empreendedores. Os alunos saem da escola já como empreendedores, como pessoas que sabem montar um negócio. Ah! se o Brasil e o mundo inteiro tivessem condições de fazer isso... Mas com os recursos centralizados em poucas pessoas isso se torna ainda mais difícil. Seria bom se pudéssemos ter isso como modelo para colocar em prática. E até aposto que dá certo, se os governos focalizarem este aspecto como prioridade absoluta. Era o que tinha a dizer. Parabéns para todos os senhores, que tão bem expressaram para nós essas questões da maior relevância para o Brasil! Muito obrigado. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Muito obrigado, Deputado João Oliveira. Para concluirmos, eu gostaria de adotar a seguinte sistemática. Há mais quatro debatedores inscritos, e minha idéia seria a de que todos anotassem suas indagações, para não fazermos intervenções ponto a ponto. 57 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Vamos ouvir agora o Deputado Eudes Xavier, muito ligado aos movimentos sindicais e, com certeza, preocupado com a capacitação dos trabalhadores. DEPUTADO EUDES XAVIER – Quero saudar o Deputado Ariosto Holanda, que tem sido uma referência no Ceará, como no Brasil inteiro, a respeito de temáticas tão importantes como as tecnologias para produção de biodiesel. Tem sido uma referência para nós também em relação à tecnologia. No Brasil, principalmente na década de 1990, havia um mito muito grande em relação à formação do trabalhador. O mito dizia que bastaria ter uma formação para se ter um emprego garantido. Ora, isso é falso. Mas as centrais sindicais entraram nessa. Naquela época, fui dirigente da Central Única dos Trabalhadores e havia uma discussão muito forte, porque, se formação profissional desse mercado de trabalho, não haveria tanta gente, no mundo inteiro, qualificadíssima, mas desempregada. E quando essa formação é aplicada ao trabalhador em cursinhos de 30 ou mesmo 100 horas, isso já é muito. O que quero dizer é que houve uma farra de recursos públicos no Brasil, nessa década, com a ilusão de que abriria mais empregos para a classe trabalhadora. Nós embarcamos nessa – e quero me incluir nisso. Outro ponto: há no modelo um modo de produção perverso, que não degrada somente as pessoas, mas também o meio ambiente. É necessário que haja tantos tipos de produtos, se um só pode abastecer a comunidade, de forma ética e solidária? Para que dez marcas de sabonete, se uma nos pode dar o essencial? Assim, ao trabalharmos sobre a formação do jovem, levando em conta o modo de produção capitalista, ficamos às voltas com a seguinte pergunta: existe alternativa? é possível outro mundo que leve em conta a formação integral do trabalhador? Acompanhei de perto uma experiência mais recente do Governo brasileiro, que seria bom ser investigada. Ela terminará agora sua primeira etapa. Trata-se do ProJovem. Vou citar algumas situações. Ajudei a montar a parte da qualificação profissional. Era um universo com jovens pobres e eu me via entre esses jovens, nessa experiência, porque também tenho raízes em uma família muito pobre. Eram jovens sem o ensino fundamental completo, ocupando uma 58 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar faixa etária já distante – e diga-se que a maioria já se envolvia com casos de violência. Chegavam à escola pública e a diretora mandava que tirassem o brinco, o boné, porque aquela sala seria diferente da do ensino regular. Quanto a isso, numa escola pública, em Fortaleza, há uma gestão que eu considero até avançada. Depois, fizemos questão de apresentar para os professores da formação profissional desse projeto os alunos recém-formados ou que estavam no último semestre do CEFET. Foi uma surpresa para mim, Prof. Ariosto. E, veja, o CEFET é uma excelência; eu o tenho como referência na minha vida. E sempre digo assim: é público e lá estão bons educadores. De forma direcionada, intencional, todos os professores da educação profissional no ProJovem, em Fortaleza, teriam que fazer primeiro, mesmo o CEFET não querendo, uma discussão acerca do modelo de produção capitalista, porque, na nossa opinião, não bastava só ensinar a fazer a peça; o jovem tinha que ter a visão integral. Isto porque nós não defendemos um modo de produção que aliene o trabalhador. Eu acho que quem estuda educação – e os senhores são os estudiosos – deveria fazer uma pesquisa em torno dessa juventude, que, no nosso caso, é de origem pobre. Há tempos de fora da escola, agora tenta voltar aos poucos. Portanto, é importante um programa que una integração com educação, com formação profissional e também com uma animação comunitária. Toda essa garotada tinha que ter uma relação com sua comunidade. Ao fazer uma peça, como iriam trabalhar? Eu diria que esse pode ser um bom atalho, mas reconheço que há muita dificuldade para se fazer experiências desse tipo no Brasil. A escola regular ainda não absorveu, não compreendeu a vida desses jovens. Muitas vezes, chegávamos para fazer uma visita e a sala estava cheia de crianças, porque principalmente as jovens do ProJovem não tinham onde deixar seus filhos. A escola não permitia. É uma luta nossa. Não vemos como essas pessoas possam voltar a estudar, se não têm com quem deixar seus filhos. Eu diria que é uma tarefa revolucionária mesmo, num modelo tão desigual, algum governo ou prefeitura tentar fazer isso. Quero deixar essas considerações e pedir aos senhores uma referência bibliográfica. Será que há alguma coisa no mundo que dê os 59 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar fundamentos da escola, do trabalho, pelo menos alguns princípios? Gostaria de receber dos senhores algumas dicas. Eu tento ainda, na minha simples ignorância, ver se aproximamos a vida parlamentar com o que tem de bom produzido, em termos de teoria. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Muito obrigado, Deputado Eudes Xavier. Passando aos debatedores, concedo a palavra à Sra. Eneida Soller, Diretora da Cooperativa de Música do Estado de São Paulo. ENEIDA SOLLER – Senhores, uma das batalhas em que estamos engajados é a do ensino de música nas escolas e do acesso aos instrumentos musicais a preços mais acessíveis pela população brasileira. Temos debatido que é uma questão de política pública mesmo. Na China, eles criaram uma indústria só para fazer violino; obrigaram a educação musical na escolas, e o instrumento básico é o violino. Então, a criançada estuda violino e os trabalhadores fabricam violinos. Com isso, eles estão descobrindo talentos incríveis, maravilhosos, de muitas crianças chinesas. O que eu sinto é que nossa terra brasileira é fértil em música. Quem já viajou por este País, a qualquer lugar, qualquer cantinho das mais de cinco mil cidades, sabe o potencial artístico em termos musicais do nosso povo. Então, eu penso que os Parlamentares deviam se sensibilizar porque esta é uma terra fértil. Se investirmos mais nessas crianças, nesses jovens, em termos musicais, faremos barulho no planeta Terra porque temos um potencial musical de criação, de composição que o mundo inteiro já reconhece. Inclusive na Alemanha o povo reconhece: a gente vai lá e ouve música brasileira. Esse é mais um potencial do povo brasileiro. E qualquer escola de samba, desde as pequenas com 3 mil componentes, até as grandes, com 10 mil, 15 mil pessoas, têm uma variedade grande de compositores. E é impressionante como a música aqui é o nosso talento, é a nossa fertilidade. Há outro aspecto que observo. Sou diretora da Cooperativa de Música, mas faço parte de uma ONG que ensina música, teatro, dança e artes plásticas para oito mil crianças na periferia de São Paulo. O mais importante é que os professores são de lá. Sobre essa coisa da diversidade, quero dizer que a criança reconhece no professor alguém que é da região dela. Ele aprende com muito mais 60 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar facilidade porque os professores são de lá mesmo. Não exportamos os nossos músicos; os que temos são os que nascem na terra; são os nativos que são os nossos oficineiros. Então, penso que seria ótimo se houvesse uma política pública neste País dirigida para a área de música. E digo isso porque também sou compositora. Fiz 20 trilhas sonoras de musicais em São Paulo e sei que o talento que temos no Brasil é sem fim – só precisamos de oportunidade. Oportunidade para ter esses conhecimentos mais arrumados na cabeça, porque o povo vai cantando, vai compondo e sequer conhece seus direitos. Portanto, se nos ajudarem um pouco, a técnica musical e o conhecimento musical simplesmente explodem! Os Estados Unidos exportam filmes para o mundo inteiro; a maioria dos filmes que vemos são americanos. Da mesma forma, podemos exportar música para o mundo inteiro. Mas é preciso vontade para investir no que temos de fertilidade, e a música é um dos nossos pontos fortes. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Com certeza, Professora. Aproveitando o ensejo, quero dar uma boa notícia para o pessoal do mundo da arte. Ontem, na Comissão de Educação e Cultura, aprovamos na LDO uma linha de implantação de mil postos de centros profissionais para área de música – não só música, mas também tudo que envolve arte. A meu ver, esse será um avanço importante. Portanto, na LDO vamos trabalhar sobre as emendas para que haja mais recursos. Concedo a palavra ao Sr. José Silvério, Presidente do Instituto Pensarte. JOSÉ “Px” SILVEIRA – Sr. Presidente, o Instituto Pensarte é uma ONG que se dedica à reflexão de práticas e políticas culturais no Brasil. Minha intervenção é em torno de duas palavras, e a primeira é “trabalho”. Este é o motivo do encontro: Perspectivas e Propostas na Formação para o Mundo do Trabalho. Penso que parte da solução poderia ser encontrada se colocássemos perspectivas e propostas na formação para o mundo, porque o trabalho vem como conseqüência e não como finalidade. Como o professor disse, afinal, estamos formando para o mercado de trabalho ou estamos formando para a Nação? Queremos formar trabalhadores ou queremos formar cidadãos? E, a respeito do 61 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar cidadão, declaro o meu estarrecimento e a minha surpresa porque, em momento nenhum, nos trabalhos deste Seminário, ouvi a palavra cultura, a segunda palavrinha que faço questão de destacar. Estou estarrecido, porque falamos de educação, de sociedade, de trabalho, de segurança, de violência, e a cultura está por trás de tudo isso. O nosso debate se enriqueceria muito mais se tivesse como ponto central a questão cultural. Afinal, toda escola é um ponto de cultura. O Prof. Ricardo Henriques não fala de outra coisa que não distinção de culturas. E vejam bem que são culturas, plural – porque a cultura é por si heterogênea. Então, a cultura esteve por trás de tudo o que foi falado, mas em nenhum momento ouvi essa palavra neste Seminário. Falei que cada escola é um ponto de cultura. Mas também devo destacar um programa do Ministério da Cultura, que está dando muito certo, chamado Cultura Viva. E adianto que está sendo implementada uma comissão interministerial que tratará de cultura e educação juntas, em paralelo. Os chamados pontos de cultura estão sendo inaugurados no Brasil inteiro. Atualmente são cerca de 600. Busca-se cultura pela visão da educação numa forma que faça interagir o aprendizado com a busca da cidadania. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Obrigado. V.Sa. tratou de uma questão importante – e até tenho uma reflexão sobre isso. O grande erro que se cometeu neste País foi colocarmos em compartimentos estanques e separados educação, ciência e tecnologia e cultura. DEPUTADA ANGELA AMIN – E a Comissão de Educação está querendo cometer esse mesmo erro de separar. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – A Deputada Angela Amin tem razão. Considero, portanto, que o José Silvério está certo, ao tratar da questão da importância da cultura nesse contexto. Concedo a palavra à Sra. Maria Corina, assessora do Deputado Paulo Rocha. 62 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar MARIA CORINA DAVID DE MORAES KLAUTAU – Senhoras e senhores, o mercado formal de trabalho absorve cada vez menos jovens formados. Pergunto ao Prof. Richard Huisinga: o que a Alemanha pensa investir para melhor formar seus jovens para o trabalho? Ainda pensam em aperfeiçoar as escolas profissionalizantes? Prof. Ricardo Henriques, no meu ponto de vista, seria melhor formarmos cada vez mais trabalhadores empreendedores, cidadãos que conheçam o mundo em que vivem e saibam nele se posicionar, e não meros empregados em potencial. Por que o MEC aposta num programa que prevê a construção de 50 novas escolas profissionalizantes? DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Vamos passar agora a palavra para os debatedores, começando com o nosso expositor, Prof. Richard Huisinga. RICHARD HUISINGA – Em primeiro lugar, eu gostaria de responder à última pergunta, porque é bem concreta: sobre as perspectivas das escolas profissionalizantes na Alemanha. Eu acredito já ter mostrado que uma parte cada vez maior dos jovens na Alemanha é excluída do mercado de trabalho. É necessário saber que o número de jovens, por ano, é mais ou menos 700 mil – são 700 mil crianças a mais, por ano, mais ou menos. É claro que é uma dimensão quantitativa bem diferente da que existe no Brasil. É claro que os senhores precisam considerar essas proporções, por serem diferentes entre os nossos países. Mesmo assim, a educação profissionalizante sempre teve um papel muito importante na Alemanha, e as escolas profissionalizantes também sempre tiveram um papel de destaque, embora sempre sejam consideradas como o parceiro menor no quadro da formação profissional. Para ser mais concreto, digo que os aprendizes fecham o tão chamado contrato de formação com o empregador. Em função de uma lei, os aprendizes são obrigados a ir para uma escola profissionalizante, onde têm entre 8 a 14 horas de aulas teóricas por semana. A lei sobre formação profissional na Alemanha parte do princípio de que a educação é pública. Ou seja, até as empresas, ao contratarem um aprendiz, se submetem a essa lei pública. Não existe, portanto, direito privado nessa área educacional. 63 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Então, as empresas, para si mesmas, sempre definiram esse papel. Como são elas que têm o dinheiro, elas mesmas devem ocupar a maior parte nessa formação profissionalizante, devem dar o tom, devem decidir quais seriam os currículos, qual seria a parte de tempo para aulas práticas e para aulas teóricas. Esse sistema é bem estruturado na Alemanha; juridicamente também é bem estruturado. Na Alemanha, nós falamos de um sistema corporativo, em que os empregadores, sindicatos e o poder público – o governo federal – definem as estruturas e os processos de regulamentação. Eu já falei que a nossa produção tem hoje bases muito mais científicas, e a educação profissionalizante gera um tipo de conhecimento, que é o conhecimento da experiência, o conhecimento empírico – não é um conhecimento científico, que é resultado de hipóteses, questionamentos, experiências, discursos, e também pelo que é considerado correto pela comunidade científica. Ao passo que o conhecimento empírico é um conhecimento individual, o que não é tão fácil de ser transferido. Então, é um conhecimento “situativo”, digamos, ao passo que o conhecimento científico é um conhecimento supracontextual, mais universal. Então, quando a produção tem bases mais científicas, isso tem por conseqüência a redução do conhecimento empírico nas empresas, e, em razão disso, se reduz a parte dos contratados como aprendizes. Além disso, as empresas sempre entenderam a formação profissionalizante como uma medida de política social – uma amostra de boa vontade das empresas. Nós falamos de uma tal de estratégia de satisfação, para satisfazer a sociedade, para evitar conflitos, debates, brigas. Agora nós estamos entrando num dilema. Nós calculamos que entre 20% e 25% de um grupo de uma faixa etária não consiga mais entrar nesse sistema profissionalizante. Ou seja, teremos 250 mil jovens por ano, para os quais nós não temos mais postos em escolas profissionalizantes. Então, lá existe o problema que o Deputado levantou, relativamente aos milhões de excluídos no Brasil. É um problema bem parecido. Se as empresas não querem mais contratar tantos aprendizes, pergunta-se, o que vai ser das escolas? Como as escolas profissionalizantes vão reagir? Até agora, eram escolas em tempo parcial. 64 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Então, a questão é saber se essas escolas profissionalizantes vão ficar sob a tutela do Estado, ao passo que a parte da formação prática nas empresas está sob a competência do governo federal. Então, a questão é esta: como as escolas profissionalizantes vão reagir diante dessa nova situação? Há duas vertentes diferentes. Uma vertente considera – e esta posição é mais a dos empregadores – que essas escolas profissionalizantes devem ser privatizadas e submetidas à lógica do mercado. A outra vertente considera que se deveria ampliar para período integral os cursos de formação profissionalizante, tornando obrigatória a escola até os 18 anos – digo as escolas profissionalizantes. Só que aí haveria um problema: a passagem para o mercado de trabalho seria totalmente aberta. Ou seja, se um jovem, ao concluir o 10º ano da escola, optasse por outros três anos numa escola profissionalizante, ou escola técnica profissionalizante, em determinada área, digamos, administração, ou mesmo área jurídica, como assistente de advogado, ou metalúrgico – ou seja, uma formação específica – ele estaria totalmente numa incógnita sobre se haveria lugar para ele no mercado de trabalho após a conclusão do curso. Ou seja, o problema seria simplesmente jogado adiante. Porque nós não temos uma solução que diga respeito à passagem da escola direto para o mercado de trabalho. Penso que essa solução só poderá resultar de uma decisão política, que precisa ser conquistada. Nós, educadores, podemos discutir, podemos bater pé. Na Alemanha, há uma discussão muito forte entre os cientistas da área de educação. Na Alemanha, discute-se muito sobre a preponderância da economia sobre a pedagogia. E, se essa preponderância não for decidida por meios políticos, nós, educadores, não importa o que façamos, não conseguiremos solução. A sociedade é que tem que tomar posição, decidir o caminho a ser seguido. Portanto, esta é uma questão política. Mas aí a política também tem que discutir as conseqüências da sua decisão, porque essas conseqüências não são fáceis de serem resolvidas diante da integração econômica, bem como da interdependência econômica. Mas vamos à resposta a essa pergunta. Na Alemanha, nós temos, então, duas vertentes antagônicas: uma vertente que aponta que se deve partir para o mercado e outra que procura fortalecer a escola 65 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar pública. Mas eu tenho que restringir essa visão. Na Alemanha, nos últimos anos, nós tivemos uma idéia muito interessante, qual seja, implementar uma política de oferta no sistema do trabalho, a fim de fortalecer mais os fatores de oferta e menos os fatores de demanda de consumo. Enquanto preponderar essa política, a perspectiva do mercado vai prevalecer sobre a racionalidade pedagógica. Esta é a minha convicção profunda. Isso seria o fim do sistema profissionalizante alemão, que é tão único! Sr. Deputado, sua contribuição estava indo para um lado bem parecido, quando começou a relatar a sua experiência, a falar da questão do controle. O senhor mencionou o Programa ProJovem, em Fortaleza. Disse que o problema básico é a estrutura da formação, a nova maneira de aprender e produzir. Acredito que esse seja o problema básico, que continua sem solução. O Deputado João Oliveira começou dizendo que, embora seja administrador de empresas, é também amante da educação. Seu propósito é elaborar estudos diferenciados sobre como as escolas técnicas e profissionalizantes poderiam melhor se estabelecer no Brasil. Eu queria chamar a atenção para algo importante que ocorre na Alemanha. Os jovens alemães excluídos são cerca de 250 mil por ano, considerada a faixa etária. Nós paramos de mentir para eles; ou seja, não lhes dizemos mais que um dia terão um posto de trabalho. Mas, em compensação, começamos a desenvolver seus potenciais, perguntando-lhes: “É isso que você sabe fazer? Você sabe manusear a Internet? Você domina alguma língua estrangeira? Que tipo de texto você consegue redigir?” Essas são algumas das perguntas que lhes fazemos. Deixamos de lado a visão das deficiências e partimos para a visão das potencialidades. E dessa visão das potencialidades aprendemos a gerar currículos de uma forma nobre; e, com esses currículos, nós tentamos estimular os jovens a criar sua própria empresa. É uma atitude pedagógica voltada para a autonomia. Nós tentamos conciliar a força produtiva com a força criativa desses jovens. Nós tentamos 66 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar fazer com que eles criem e vendam produtos voltados para o mercado, sempre com a idéia de que é necessário estar atento para os limites de dado tipo de produção, bem como para as contradições sociais, para as conseqüências de uma produção meramente capitalista e assim por diante. Mais alterações no nosso sistema educacional nós não vislumbramos no momento. Gostaria de ressaltar algo muito importante que aprendi hoje, nesta Mesa. O Prof. Ricardo Henriques falou sobre o caso dos 16 jovens dos quais só um sobreviveu e também sobre a morte e a perda de tolerância; o Prof. Wanderley mencionou a perda de controle sobre os jovens e a situação paradoxal que estamos vivendo. Tudo isso me faz refletir muito. Acho que a perda tem outra conseqüência: que o exército de desempregados e jovens não instruídos se torne mercadoria que estimula a indústria farmacêutica, para que depois simplesmente padeça. Isso foi o que aprendi hoje de forma muita amarga. Se for verdade o que disseram, estamos abandonando esses jovens. Este é um assunto que teremos que tematizar, como cientistas da educação, para combater a primazia da economia sobre a educação. Para mim, isso seria uma ofensiva educacional que deveríamos começar. Discussões de currículos, construção de escolas, formação de professores, isso tudo é conseqüência. Primeiro teríamos que discutir essa questão do abandono da jovem geração. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Obrigado, professor. Com a palavra o Sr. Ricardo Henriques, para suas considerações finais. RICARDO MANOEL DOS SANTOS HENRIQUES – O Deputado Ariosto Holanda está exatamente no foco que nos interessa. Entendo bem a idéia do atalho. Penso que se trata de alguma coisa em torno dessa noção para pensar os jovens, meninas e meninos que estão fora da escola. Nosso grande desafio, depois de ter resolvido um pedacinho do problema da democratização, que é a questão do acesso, seria como garantir a permanência qualificada dos meninos e das meninas na escola. Infelizmente, fazendo a análise da educação no País é que se reduziu a questão da democratização, a dimensão do acesso. Temos 67 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar de pensar tanto no acesso quanto na permanência e, além disso, na redução significativa das defasagens em série e idade. Para isso, a única observação, sem entrar em detalhes de conteúdo, é que acredito não existir modelo único para realizar isso. Do ponto de vista do ensino regular, o que vimos durante a elaboração do Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE – respondo duas ou três questões nessa linha – foi que existe um conjunto de experiências muito promissoras, uma tentativa concreta de produzir essa agenda, caminhar em direção à educação integral e à educação integrada. É a perspectiva de se garantir, além das disciplinas regulares, disciplinas com conteúdo, com qualidade evidentemente, e estratégias de fixação dos jovens na escola, algo capaz de aumentar a atratividade. De forma muito concreta, isso, por exemplo, tem relação com o mundo da cultura, com o mundo das artes. Pode-se ler esse contexto de forma negativa, mas pode-se lê-lo de forma positiva. A idéia da palavra cultura pode não ter aparecido muito porque existe uma falsa clivagem produzida na sociedade brasileira entre educação e cultura. Essa fronteira é absolutamente arbitrária. Trata-se de fronteira administrativa. Essa fronteira não faz sentido do ponto de vista do processo educacional. Do ponto de vista da militância, é importante repisarmos a palavra “cultura”. No entanto, é um falseamento do processo educacional brasileiro. Evidentemente, é importante haver uma estrutura administrativa que viabilize ao Ministério da Cultura o andar. Não tenho nenhum problema com isso. No entanto, ao se estabelecerem as falsas fronteiras, produz-se também, por exemplo, uma escola em que o mundo das artes está fora do seu cotidiano. Portanto, caminhando-se na direção da educação integral e integrada, verifica-se que a questão das artes no sentido amplo, a questão do esporte, a questão do modo de fixação, que tem a ver com lidar com aquilo que estamos analisando aqui, os mundos associados à questão do conhecimento voltado ao trabalho aumentam a probabilidade de fixação dos jovens na escola, com qualidade. Considera-se que a problemática está em torno da atratividade. Não há um modo único. Todos eles passam por algum campo de sedução – palavra não usada aqui, mas que é fundamental – ou algum campo de encantamento. A escola, hoje, é o espaço de produção do 68 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar desencanto. Estamos produzindo desencantos. Penso que a escola tem de voltar a produzir encantos. Não se trata de visão nostálgica, é preciso muita inovação. Para isso, há que se que produzir seduções. De uma forma muito concreta, lidar com a questão da diversidade na sala de aula é o caminho necessário e incontornável, sobretudo neste País, considerando-se a dimensão das desigualdades que temos. Posso falar somente do Brasil, mas, quando penso na periferia de Paris, acho que é a mesma coisa. Só é possível gerar um campo de atratividade, em que o jovem se sinta valorizado e capaz de reconhecer a escola como algo que lhe traz valor, se produzirmos a diversidade, as diferenças como elemento de produção de conhecimento, e não há diversidade sem campo cultural nem ambiental. Simplesmente essas palavras se perdem. Não podemos esquecer que o Brasil se supõe monolingüísta. Falamos o português, mas, na verdade, falamos mais de 180 línguas. Essa coisa não é tão homogênea assim. Estou só expandindo para a questão da agenda. Não tenho nenhum problema em ter uma perspectiva romântica, até me encanta. Gostaria de ter uma perspectiva romântica. As palavras, às vezes, são mal colocadas, mas entendo o sentido. Sendo efetivamente romântico, o que me move é que eu nunca consegui resolver, até hoje, uma questão analítica: eu oscilo entre um pragmatismo utópico ou uma utopia pragmática. Não sei qual o melhor equilíbrio quanto a isso, mas acho que hoje um grande executivo de multinacional que nos estivesse ouvindo diria que quer um profissional formado nesse ambiente educacional que valoriza a diversidade. Inclusive, a fronteira da tecnologia hoje preferiria – não quer dizer que todos que lá estivessem formados tivessem emprego nessa empresa – um profissional que saísse desse ambiente. O que estamos fazendo são dois movimentos perversos. Há um argumento conservador, mas necessário, e um enorme desperdício de talentos. Na sociedade brasileira, por uma razão de seleção natural que tem a ver com nomes e ascendência, os desembargadores e os médicos são filhos de desembargadores e de médicos. Então, estabeleceuse um determinismo hereditário que é, estritamente, uma seleção natural perversa. 69 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Teríamos que ter uma agenda em que a escola fosse efetivamente mais inclusiva, mas para isso não basta colocar as crianças lá dentro. As crianças entram e saem, permanentemente. Elas vão evadirse ou repetir e ter uma defasagem de série e idade de 3 ou 4 anos. Vão tornar-se jovens com 15 anos de idade que estarão na 4ª série; não vão ter ambiente de socialização e irão embora. Para que fiquem, é fundamental criar esse campo de ensino e aprendizagem em que se valoriza a diferença e o outro. Isso é essencial no Brasil. Coincide com o que o Prof. Richard Huisinga estava falando. Tem a ver com a questão da primazia da economia ou não sobre os outros campos. Eu não acho que a economia tenha que deixar de ter primazia. A minha questão não é de inversão de sistemas, mas de redefinição de sistemas. O meu problema é que eu preciso que o mundo social – entendido aí tudo, as questões cultural, ambiental – tenha uma relação de equivalência com o econômico. Eu não quero mudar a ordem. O econômico em segundo plano não tem nenhuma função. Tenho que colocá-los numa relação de equivalência, mas para isso tenho que entender que o desafio social brasileiro não é só enfrentar a pobreza. O problema é que essa sociedade gerou uma relação muito perversa em que o diferente é sinônimo de desigual. O que estou querendo dizer é utópico? É utópico com muito pragmatismo. Não é romântico? É a questão. Para reduzir desigualdades no Brasil, preciso quebrar essa idéia de que desigual é idêntico a diferente. Tenho que dizer que, para reduzir desigualdade, preciso reconhecer o valor da diferença. É a partir do diferente que vou reduzir a desigualdade. É a partir daquele exemplo que falei do jovem negro do Nordeste ou a menina com gravidez precoce na periferia urbana deste País. Qual o sistema perverso que faz com que ocorra uma incidência radical sobre adolescentes com gravidez na juventude e sobre as meninas mais pobres deste País? Preciso redefinir os campos de ensino e aprendizagem nessa história e, para tal, preciso da diferença. Entretanto, políticas de ações afirmativas não são apenas para os excluídos; as políticas de ações afirmativas para negros não são apenas para os negros, mas para toda a sociedade, porque se tornará melhor. 70 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Os brancos serão melhores profissionais se os negros estiverem na escola. A sociedade será melhor se houver ações afirmativas. O processo de valorização da diferença produz um outro campo de ensino e aprendizagem que melhora a capacidade de produção de conhecimento de todos. Se os meus filhos que estão na escola não conviverem com a diferença, eles serão piores pessoas e profissionais do que seriam se lá houvesse a diferença. É essa a questão que está em jogo. A valorização da diferença é melhor para todos. É evidente que as distâncias são tão grandes que uma política de ações afirmativas parece ser só para aqueles que lá não estiveram. A política de ações afirmativas e de valorização e reconhecimento da diversidade pode ser capaz de mudar isso. Existem atuações operacionais, como a cultura, que é fator operacional nesse processo. A música, a arte e a dança são operacionais nesse sentido, tanto quanto o exemplo dado pelo Deputado. Hoje, a escola faz com que o rapaz tire o boné, não entre de calça rasgada, mas valoriza isso de modo estigmatizado porque não consegue dar conta do conteúdo pedagógico. Não vamos confundir a idéia de um ensino empreendedor com a não-necessidade de um ensino tecnológico. As duas coisas não podem ser confundidas. O Brasil gerou enorme perversão ao interromper a expansão do ensino profissional e tecnológico, o que criou um desvio radical na sociedade brasileira. Precisamos de um ensino profissional tecnológico mais forte. Precisamos dar uma alternativa àqueles que desejam uma formação decente e não querem passar por uma estrutura universitária. É um absurdo o País só valorizar quem estudou em universidade. Não sou contra o ensino empreendedor, mas creio que é um falso dilema pensar que o ensino empreendedor substitui o ensino de formação tecnológica. Em relação à pergunta do Deputado Ariosto Holanda, toda a agenda de expansão dos CEFETs, cujo número será dobrado, é em cima da agenda de Arranjos Produtivos Locais, tanto para sistemas tradicionais (caprinocultura, piscicultura) quanto para arranjos produtivos contemporâneos, com novas tecnologias, e arranjos produtivos que trabalham com o turismo, com a cultura, com o terceiro setor. É um absurdo nossa capacidade de desperdício. É um absurdo um jovem da periferia de Fortaleza não aprender três, quatro línguas 71 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar (o português e mais três). Temos de fazer com que o jovem da periferia fale inglês, francês, italiano, espanhol. Não é possível uma escola no Brasil não ensinar português, espanhol e inglês. Isso deveria ser o minimum minimorum obrigatório. Para um jovem da periferia de Fortaleza que deseje ingressar no mercado de turismo – não o turismo sexual – seria fundamental que dominasse essas três línguas. Deveria ser regular essa questão da formação em idiomas. O que aconteceu? Fundamentamos o ensino na naturalização das desigualdades, ou seja, ele é de segunda categoria para os pobres e de primeira para os não-pobres. E não-pobre, neste caso, pode ser o rico ou o herdeiro de sobrenomes. Precisamos de um ensino de qualidade que seja para todos, mas de forma diferente do daquela sociedade homogênea comum. O ensino para todos será tão melhor quanto mais diferença houver. A tese seguinte não é trivial: a qualidade do ensino é função da diversidade. Em geral, acreditamos que qualidade é só função do mérito. Não sou contra o mérito, pelo contrário, mas creio que qualidade é função de uma combinação entre mérito e relevância, que, por sua vez, é algo ligado ao mundo da diversidade. Se não mudarmos essa equação, se não incorporarmos essa idéia, toda a discussão sobre a ligação entre educação e o mundo do trabalho vai por água abaixo em uma sociedade tão desigual como a nossa. GAUDÊNCIO FRIGOTTO – Aceite-se a tese de que somos uma sociedade desigual. Desigualdade é diferente de diversidade. Há uma diversidade fruto da desigualdade. Isso não é diversidade, é desigualdade. Penso que é correto partir da diversidade, tanto em relação a cultura quanto a etnia e gênero, mas distinguindo a diferença da desigualdade. Qual o papel de uma educação que diminui a diferença pela desigualdade? É esse, para mim, o grande problema, a grande questão. Gostaria de ouvi-lo, talvez até no período da tarde, a esse respeito. RICARDO MANOEL DOS SANTOS HENRIQUES – Esse é o ponto central da discussão. Vou usar uma imagem que talvez seja mais forte. Os nossos sistemas de ensino simplesmente reproduziram o obscurantismo dessa desigualdade gerada na sociedade brasileira. Chegamos ao seguinte paradoxo: somos capazes de nos tornarmos piores e de nos submetermos a um campo de ensino e aprendizagem 72 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar e, por decorrência, a um campo de socialização mais rebaixado do que poderíamos, dado o fato de que não tratamos desigualmente os desiguais, dado o fato de que não incorporamos as diferenças. O nosso projeto de sociedade está se reduzindo como perspectiva de qualidade no tempo, porque acaba por confundir essas questões de diferença e de diversidade. Ele abre mão da força da diferença, da força da diversidade, da riqueza absurda que existe na sociedade, em nome de perpetuar o status quo da desigualdade. Em nome disso, nós nos tornamos uma sociedade pior do que poderíamos ser. DEPUTADO ARIOSTO HOLANDA (Coordenador) – Antes de encerrar, comunico que o conteúdo deste evento riquíssimo, levando-se em conta as intervenções e os debates, será degravado e publicado. Concluo este painel falando algo sobre a linha que persigo, a dos atalhos. Quando fui Secretário de Ciência e Tecnologia do Ceará, implantamos no interior do Estado três centros de ensino tecnológico. Esses centros têm como base as ciências exatas – Matemática, Física, Química – a Biologia, e, no último ano, durante seis meses, os alunos recebem aulas de Filosofia e Ética. Penso que precisamos de um choque de ética neste País, e é importante trabalhar essas questões com a juventude. Quem sabe seria possível incluir como disciplina obrigatória em todas as escolas a questão da ética? Fiquei muito feliz com a intervenção do pessoal da arte, que deu um puxão de orelhas importante: por que ficar a cultura em segundo plano se é ela que devia puxar todas as demais? Permitam-me finalizar com uma piada. Não é de Maurício de Nassau, que, aliás, estou sabendo era alemão e não holandês. A piada diz respeito à qualidade da nossa mão-de-obra. Ela me foi contada por um médico-cirurgião, Régis Jucá, sobre algo que aconteceu no hospital. Ele era um excelente cirurgião e estava preocupado com a mão-de-obra que havia no hospital. Um cidadão, depois de sofrer um infarto, acordou e já estava na UTI, monitorado, com aqueles cateteres. Havia um eletrocardiógrafo que sinalizava se o coração estava batendo. Era uma bolinha que pulava – bip, bip –, indicando aquele monitoramento. Quando ele acordou, viu um servente limpando a UTI e lhe perguntou onde estava. O homem disse que ele estava num hospital. O paciente então perguntou: 73 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar “Mas, por que tanto fio, o que está acontecendo comigo? O que é isso?” O homem disse: “Olha, eu não sei para que servem esses fios, não, mas, se eu fosse o senhor, eu rezava para essa bolinha não parar de pular”. “Se essa bolinha parar de pular, aparecem quatro tarados, montam” – para fazer a ressuscitação – “e dois ficam dando murro no seu peito, e ainda tem uns veados que ficam beijando sua boca”. Com essa piada ele pretendia mostrar a qualidade da mão-deobra que havia no hospital. Agradeço a todos a atenção. Parabéns aos expositores! 74 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho “A situação da escola frente às atuais relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista” ação parlamentar II – Painel DEPUTADO GASTÃO VIEIRA (Presidente) – Declaro abertos os trabalhos relativos ao segundo painel do seminário “Perspectivas e Propostas na Formação para o Mundo do Trabalho”. Este painel tratará do seguinte tema: “A situação da escola frente às atuais relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista”. O coordenador será o nobre Deputado Átila Lira, do PSB do glorioso Estado do Piauí. S.Exa. foi Secretário de Educação Profissional do MEC e, nos intervalos, foi Secretário de Educação e Secretário do Trabalho do Estado do Piauí. Convido o Dr. Johannes Doll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para tomar assento à mesa, assim como o Dr. Antônio Américo Biondi Lima, Diretor de Qualificação do Ministério do Trabalho; o Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto, do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; a Profa. Dra. Ulrike Buchmann, da Universidade de Siegen, Alemanha. Quero dizer ao Prof. Ibañez, ex-Secretário do MEC e ex-Reitor da Universidade de Brasília, que nos sentimos muito honrados com sua presença neste seminário. Assumirá a coordenação dos trabalhos o Deputado Átila Lira, com todo o dinamismo que lhe é peculiar. DEPUTADO ÁTILA LIRA (Coordenador) – Cumprimento todos os presentes e agradeço ao Presidente da Comissão de Educação e Cultura a confiança em mim depositada. 75 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Senhores conferencistas e debatedores, Profa. Ulrike Buchmann, que representa a instituição alemã neste encontro, Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Dr. Johannes Doll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Dr. Antônio Américo Biondi Lima, Diretor de Qualificação do Ministério do Trabalho, sejam bem-vindos. Inicialmente ouviremos a Profa. Ulrike Buchmann, que falará em alemão, razão pela qual peço ao pessoal de apoio que providencie a tradução simultânea. Concedo a palavra à Profa. Ulrike Buchmann. ULRIKE BUCHMANN – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, prezados colegas, senhoras e senhores, em primeiro lugar, agradeço pela oportunidade de participar deste evento muito interessante e muito importante em ambiente internacional. Durante a manhã, já ouvimos muitas apresentações interessantes. Então, nesta segunda parte dos trabalhos, o meu papel vai ser um pouco difícil, pois terei que abordar outros aspectos importantes, além dos que já foram mencionados pela manhã. Mas acredito que mesmo assim será possível um diálogo ampliado. Eu quero retomar uma das perspectivas da manhã, que é a da utopia. Eu acredito que a utopia, sob a perspectiva de criar potencialidades, é central, do ponto de vista da ciência da educação. Do meu ponto de vista, trata-se de capacitar jovens para se tornarem utopistas. Essa é uma tarefa central do sistema educacional, tanto no Brasil quanto na Alemanha. Nós percebemos que, apesar de todas as diferenças, as questões objetivas, técnicas são comparáveis em âmbito internacional. Por isso, do meu ponto de vista, eu gostaria de falar a favor de uma análise das condições da educação para definirmos novos currículos, novos caminhos da educação dos jovens, para que eles realmente sejam capazes de se tornar utopistas. Sob esse pano de fundo, eu gostaria de lhes apresentar as questões da transformação, como se apresentam com relação ao trabalho da educação na Alemanha. Isso apenas em alguns aspectos bem centrais. Quando falamos em processos de transformação social, do ponto de vista da ciência da educação, nós temos que citar três desenvolvimentos. Primeiro, as mudanças demográficas, com as quais temos que aprender a lidar. Quando eu vejo os números da Alemanha, acredito 76 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar que sejam bem diferentes dos números do Brasil, mas, certamente, um processo similar acontecerá também neste País. Eu vou citar para os senhores alguns poucos números do IBGE alemão para demonstrar o quão grave é esse problema. Há 50 anos, um em cada três cidadãos da Alemanha tinha menos de 20 anos de idade. Daqui a 50 anos, um em cada três habitantes do país terá mais de 60 anos. O número de pessoas com mais de 80 anos vai triplicar. A imigração não será capaz de reduzir o processo de envelhecimento da população. No máximo, fará parar esse processo. Isso se, no mínimo, milhões de imigrantes entrarem na Alemanha. A idade média da população vai aumentar muito com relação à idade em que a população é economicamente ativa. O segundo contexto que tem um papel central é o das mudanças tecnológicas, que hoje de manhã já foram discutidas sob algumas perspectivas. Eu acredito que, com o início da década de 2000, as reestruturações iniciadas nas décadas de 80 e 90 serão efetivamente postas em prática, o que faz com que na tecnologia da informação se conte com um grande empurrão na racionalização, principalmente na área da comunicação de massa. Essas perspectivas podem ser resumidas nesta expressão em inglês: data warehousing. Quanto às tecnologias importantes no dia-a-dia, são principalmente as tecnologias de informação e comunicação, a automatização, as tecnologias de controle, a emissão de novos materiais e as transformações desses novos materiais. Todo esse complexo precisa ser analisado. O terceiro ponto sobre o qual eu quero chamar a atenção dos senhores diz respeito às questões relativas à internacionalização. Na Europa nós estamos, atualmente, fazendo uma tentativa de harmonização, principalmente dos currículos escolares, e de implementação de instituições de ensino e também de uniformização dos diplomas. Além disso, tem sido feita a implementação sucessiva de um mercado universal globalizado de trabalho. Esse mercado é resultado das novas tecnologias. Na verdade, nós já estamos concorrendo, hoje, num mercado de trabalho mundial, global. Este é um ponto que precisa ser levado em consideração. 77 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Essas tendências de desenvolvimento, que eu só esbocei brevemente, incluem um grande potencial de risco quando se fala em integração e distribuição sociais. Isso já foi deixado bem claro hoje de manhã. Os portadores do risco dessas transformações são, via de regra, os jovens, a geração nova. Isso pode ser demonstrado em vários contextos históricos. Com certeza, é esse o grupo que sofre o maior risco com esse processo. A ciência da educação, até agora, não conseguiu elaborar formas de análise das condições regionais e nacionais em que esses jovens vivem. Eu acredito que essa análise seria uma condição prévia que nos permitiria formular as condições desejáveis, do ponto de vista científico, de um currículo escolar, de modo a estabelecer quais deveriam ser as condições de desenvolvimento das novas gerações. No fundo, os jovens devem ser capacitados para enfrentar as novas transformações e condições cada vez mais complexas. Isso significa que os recursos humanos – para usar um termo da economia – precisam ser desenvolvidos de maneira a fazer face à complexidade aumentada das tarefas na economia, na política e até em casa. Essa foi a perspectiva individual mencionada hoje de manhã. Não se trata, no entanto, de escolher catálogos de conhecimento e de saberes. Só para não causar mal-entendidos, trata-se de saber qual é a relação entre formação geral e especial, entre qualificações extrafuncionais e qualificações funcionais. Desse ponto de vista, nós não dispomos nem de instrumentos, nem de padrões, o que é algo desejável para a ciência da educação. Além disso, como já foi dito hoje de manhã, o sistema alemão de formação profissional, que já foi brevemente explicado, estabeleceu um procedimento bem complicado para a criação de novos currículos. É por isso que há muitos atrasos e, às vezes, decisões não muito profundas, que fazem com que as expectativas não sejam correspondidas – há mau funcionamento do mercado de trabalho e precarização das relações de trabalho. A ciência da formação profissional deve começar aqui para criar a tão desejada transparência e para lançar as bases da formação profissional do futuro, que implica a dialética do desenvolvimento e a qualificação com vistas à participação social do outro. Com isso, ela 78 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar é parte integrante do desenvolvimento de currículo e visa capacitar os jovens para agirem de forma adequada no trabalho público, no trabalho mesmo e também na reprodução privada. A pesquisa da qualificação já obteve os primeiros resultados, e gostaria de citar apenas alguns deles, que me parecem muito importantes, inclusive em âmbito internacional. Com vistas às transformações demográficas e estruturais, mostrase que jovens e adultos têm relações bem diferentes relativamente ao trabalho, à prestação de serviços e aos bens e que isso muda a relação ao saberem as normas e valores. Com isso, as autoridades, no processo educacional, não são mais necessariamente reconhecidas. Isso também já foi mencionado hoje. O desenvolvimento de novos currículos, no entanto, deveria levar em consideração as condições de vida concretas dos jovens e do seu contexto social. A situação real na Alemanha é diferente. Os números podem ser interpretados de várias formas. Eu diria que entre 20% e 40% de cada faixa etária não é alcançada nem de forma cognitiva, nem emocional, nem social. Esses são os drop-outs, ou os que levam desvantagem na vida profissional. São eles que entram no mundo do subemprego ou em cursos bem precários, que prometem poucas chances de sucesso na profissão. O segundo ponto na questão da integração social se mostra no momento em que os jovens terminam a sua formação profissional: se tiveram a sorte de conseguir uma formação, aí a questão é conseguir um emprego. Esse passo também implica um grande potencial de risco, e apenas entre 18% e 22% de jovens conseguem uma real perspectiva no mercado de trabalho logo depois de se formarem na escola profissionalizante. Outro complexo muito importante de desenvolvimento é a nova lógica de criação de valores, que também já foi mencionada hoje, a qual surgiu, no final das contas, nas condições da reestruturação das décadas de 80 e 90 e que se acelera mais ainda nas condições atuais de racionalização. Nesse processo, as mudanças das estruturas de divisão de trabalho são iniciadas e se baseiam na separação, que pode ser interpretada de forma social e de forma econômica. Vamos falar da separação econômica, por termos que identificar principalmente as sociedades de ações, com fusões, aquisições 79 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar de todo tipo, como os senhores conhecem. Há essa discussão no mercado mundial, como também a de terceirização, joint ventures, alianças e assim por diante. Com essas separações, acontecem paralelamente desenvolvimentos com relevância para a qualificação, que modificam as condições de vários setores e ramos de trabalho. Isso diz respeito também à valorização de conhecimento, de separações de estruturas do trabalho. Mas é dessas estruturas que dependem a construção da profissão e as condições necessárias para o exercício dessa profissão. A pesquisa de separação que nós realizamos em vários ramos da economia demonstrou que, em bancos, seguradoras, no comércio, no setor elétrico, nas telecomunicações e no setor da saúde, a questão central é realizar contatos massivos com clientes, por meio de call centers, ou centrais de relacionamento, centrais 0800. Certamente também no Brasil. Com isso, muda a estrutura do pessoal, o uso do conhecimento e, também, a qualificação dos funcionários. Outro segmento do desenvolvimento que estudamos de forma explícita é a questão da profissão e do setor de serviços cada vez com bases mais científicas, como já foi mencionado. Trata-se principalmente de criar bases de conhecimentos científicos para as várias áreas do trabalho social, para que possam ser analisadas em profundidade. O sistema dual da formação profissionalizante na Alemanha se baseia principalmente na experiência empírica. A questão é saber como se ajusta a questão da formação profissional nas várias áreas. Em uma grande pesquisa que realizamos na área de saúde, nós detectamos, entre outras coisas, que, nas profissões acadêmicas da área de saúde, as ciências de referência se ampliaram muito. Ou seja, além da medicina clássica e das ciências tradicionais, tais como química e biologia, há novas ciências que têm implicações. São exemplos a economia, a ecologia, as ciências sociais etc., as quais adquirem papel mais importante quando se trata de se conseguir formação e qualificação, que permitam uma ação adequada nos seus contextos de trabalho. Nas profissões de saúde não acadêmicas, nós percebemos que há uma tendência de profissionalização cada vez mais explícita, que faz com que, no nível do sujeito, da pessoa, se treine a capacidade 80 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar de decisão e julgamento, capacidade essa que depende essencialmente da ampliação e do aprofundamento dos conhecimentos. A perspectiva que disso deriva para a estrutura de divisão de trabalho das respectivas áreas do setor de saúde nós definimos como case management. É o princípio segundo o qual o trabalho nesse setor específico se ajustou de forma nova. Mas essa tendência parece que se aplica também a outras áreas do terceiro setor. Outro ponto que ficou muito claro é que há a terceirização de funções e que essa terceirização exige um mínimo de competência social. E a questão é de se saber como se pode garantir emprego sem formação. Com essas poucas palavras-chaves, já se pode dizer de forma bem clara que nós precisamos de uma nova forma básica, ou uma nova forma de alfabetização, como nós chamamos. Outro complexo se refere à questão da europeização, à estabilização de uma área comum européia de educação. Os princípios segundo os quais essa área deverá ser estruturada são a mobilidade e a flexibilidade. Esse é o conceito básico da União Européia, que decidirá sobre o quadro europeu de qualificação na profissionalização não-universitária e também sobre a harmonização de diplomas universitários, o modelo do master, o mestrado, e a certificação das qualificações pelo chamado europassaporte. Eu acredito que nós precisaremos de processos de educação que não caiam numa perspectiva top-down, de cima para baixo. Fazemos aqui um nexo com os problemas que os senhores têm no Brasil: a questão de saber como podemos conciliar internacionalização e regionalização como perspectiva nas diferentes áreas, nos diferentes currículos ou cursos. Outro ponto central que precisamos levar em consideração é o GATS, o Acordo Geral sobre Serviços, que fez com que os serviços também tenham sido liberalizados e desregulamentados. Isso fez com que, na República Federal da Alemanha, o novo gerenciamento público, o new public management, tenha-se tornado o novo modelo de controle nos serviços públicos e nas ONGs. O new public management leva a mudanças em todas as áreas administrativas, sem dúvida; à implementação de uma orientação no cliente como uma das perspectivas no setor público. Por exemplo, é algo bem interessante, mas também nas escolas o new public 81 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar management fez com que fossem implementadas novas bases curriculares, que permitem mais liberdade curricular no nível operacional das escolas. Mas podem causar muitos problemas, inclusive na formação de professores. Essa descrição um pouco grosseira dos aspectos centrais da análise das condições – acredito que seja tão importante quanto para a Alemanha descrever as condições em que trabalhamos – não nos permite prever concretamente como vai ser o futuro exatamente. Mas talvez nos permita desenvolver um cenário futuro. São perspectivas que precisam ser ainda discutidas, mas que têm a pretensão de fazer face à complexidade que nós enfrentamos nessas condições de mudanças. Podemos diferenciar o nível de conteúdo e o nível curricular, que seria a questão relativa ao modo como os processos de formação profissional devem se basear numa pesquisa científica da qualificação profissional. É a questão também de o trabalho curricular poder basear-se numa orientação em tarefas. Isso porque se trata de deixar clara a arquitetura do conhecimento dos currículos. Isso, além dos catálogos de provas já conhecidos. Talvez fosse desejável inventarmos como alternativa um sistema modular para conciliar a relação entre formação geral e formação especial técnica e também permitir que sejam acoplados processos de formação contínua e cursos prévios que já foram feitos. Então, nós temos a perspectiva de quais são os componentes de conhecimento geral e quais são as questões de formação técnica. Há a problemática de interfaces entre esses dois tipos de educação. Do ponto de vista estrutural, organizacional, eu diria que um currículo-quadro talvez fosse algo a ser realizado, mas ele pressuporia uma forma de controle regional para que os processos de convergência internacional pudessem ser levados em consideração, sem desmerecer as lógicas regionais e as possibilidades de organização em âmbito regional. Então, talvez a prestação de contas em âmbito regional, conferências regionais que levassem em consideração as condições regionais. Eu acredito que isso seja totalmente compreensível e lógico. As questões da educação básica, da alfabetização devem ser repensadas? Eu diria que sim e gostaria de sugerir a discussão sobre 82 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar esse assunto. Deveríamos também pensar se é necessário ampliar a duração dessas fases da educação. Nós já começamos a discutir isso hoje. A questão é saber como a formação básica pode ser usada como base para outros cursos acadêmicos – como, por exemplo, o curso de bacharel, com trainee – a fim de garantir novos conhecimentos e também assegurar a formação em contextos escolares ou empresariais, com mais ou menos tempo de duração. Isso para fazer com que a formação continuada garanta uma integração dos conhecimentos práticos com os conhecimentos acadêmicos. Acredito que as duas perspectivas oferecem pontos de partida para abordagens específicas e regionais. Uma questão importante nesse contexto é o financiamento. Na Alemanha, sob as novas condições do New Public Management, nós ressaltamos o princípio da obrigatoriedade da participação dos cidadãos. Isso significa que parte do financiamento será certamente feito pelas famílias. Isso não quer dizer que o princípio do Estado social não esteja em vigor. Vamos ter de conversar sobre novos tipos de co-financiamento, de sistemas de vale ou qualquer tipo de co-participação. Para finalizar, gostaria de mencionar dois pontos centrais que a ciência da educação deve estudar diante da complexidade das tarefas que estão por vir e que não são outra coisa senão a participação social e a distribuição social, perguntas estas que não permitem soluções unilaterais, sejam só políticas, sejam só técnicas. Será necessário o assessoramento da política do ponto de vista científico, que deve ser levado adiante. Isso significa que a ciência deve levar a sério as questões da assessoria que presta à publicidade que dá às suas pesquisas. Para que essa perspectiva seja coroada de sucesso e a assessoria política pela ciência seja realizada, precisamos de resultados de pesquisa. A ciência da educação precisará responder duas perguntas nesse contexto. Primeiro, o esclarecimento urgente sobre as mentalidades diferentes da nova geração e da geração dos adultos, quando se trata de analisar e avaliar as atitudes dos jovens, como base para uma ação pedagógica. Será que nós interpretamos de forma correta a atitude dos jovens? Ou será que nos enganamos ao interpretar essa atitude? 83 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Temos de relativizar os padrões de relacionamento dos adultos com os jovens. Como pretendemos resolver a questão? Será que queremos a inclusão de 100% dos jovens pelo instrumento do mercado de trabalho ou iremos “engolir o sapo” de algumas soluções substitutivas à de incluir todos os jovens nesse mercado? Consideraríamos isso muito crítico como estratégia de satisfação. Do meu ponto de vista, lancei muitas perguntas para a discussão. Estou muito interessada em saber como ocorrem essas variáveis no Brasil. DEPUTADO ÁTILA LIRA (Coordenador) – Passo a palavra ao Prof. Gaudêncio Frigotto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. GAUDÊNCIO FRIGOTTO – Sr. Presidente, Deputado Átila Lira, estimados colegas componentes da Mesa, Sra. Ulrike Buchmann, Sr. Antônio Biondi Lima, Sr. Johannes Doll, sinto-me imensamente honrado em poder participar deste seminário e dizer da alegria de ter compartilhado com o Dr. Ricardo Henriques, o Prof. Bernd Fichtner, a Dra. Ulrike Buchmann e a Dra. Maria Benites um intercâmbio de idéias, de questões e de perplexidades. A síntese que fiz pela manhã sobre a esplêndida apresentação do Dr. Ricardo Henriques e dos demais debatedores me lembrou um intelectual uruguaio, que marcou minha geração com o livro chamado As Veias Abertas da América Latina, que há pouco tempo dizia: quando pensamos ter quase todas as respostas, infelizmente as perguntas mudam. Acredito que, com o que ouvi agora mesmo da sucinta e provocadora exposição da Dra. Ulrike Buchmann, temos mais perguntas do que respostas. Gostaria, então, com todas essas perguntas, de tentar refletir a partir de um esquema de debate. Como foi feito pela manhã, talvez possamos nos desdobrar sobre cada um desses problemas. Há 30 anos, eu entrava em uma escola para fazer Mestrado em Educação, na Fundação Getúlio Vargas. O Prof. Ricardo Martins, que trabalha nesta Casa, foi meu companheiro. Lá, na condição de egresso do curso de Filosofia, deparei-me com o orientador economista Cláudio Moura Castro, que tem grande influência nos destinos das reformas educacionais do País. Fui estudar economia para entender por que a escola – como dizia o Dr. Bernd Fichtner nesta manhã – passou, de repente, da 84 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar atividade clássica de lidar com conhecimentos, com valores, com culturas e com símbolos para uma espécie de apêndice do mercado de trabalho. De acordo com Anísio Teixeira, pensador que marcou da década de 30 até a de 60 a educação brasileira, o cenário era ocupado por economistas – não que os economistas não pudessem fazê-lo. Mas o que significava isso? Há vinte e poucos anos eu me ocupo da relação entre escola, mundo da economia e mundo do trabalho. O título primeiro que tinha me suscitado esta fala era exatamente a tese de doutorado A Produtividade da Escola Improdutiva. Quero, então, traçar um esquema no sentido de tentar entender a perplexidade e, ao final, levantar algumas idéias. Entendo que a escola tem um papel, mas não necessariamente o que tem sido programado nos últimos 40, 50 anos. Quando se fazia a relação entre a economia e a educação, havia no Brasil a discussão se éramos um país subdesenvolvido porque a nossa economia era dual, ou se a nossa economia era dual porque era uma opção de desenvolvimento. Ou seja, a tese era de que não nos alçávamos a um país desenvolvido porque tínhamos um trabalho informal exagerado, um analfabetismo exagerado e uma mentalidade conservadora, não consumista, não competitiva. Nessa época, o cientista político e social Francisco de Oliveira escreveu um livro chamado Crítica à Razão Dualista, defendendo a tese de que somos o que somos porque nossa sociedade se alimenta da desigualdade e produz desigualdade. Trinta anos depois, o informal cresceu exorbitantemente. O analfabetismo funcional permanece quase o mesmo. A última estatística de que tive conhecimento é que a força de trabalho brasileira adulta tem, em média, 3 anos e 6 meses de escolaridade. Então, é uma perplexidade entender e interpretar o que nos reproduz e produz dessa forma, a despeito de que a escolaridade das crianças e dos jovens, em termos proporcionais, seja hoje bem maior, quanto ao acesso à escola, do que há 30 anos. Para entender isso eu tenho de entender a relação entre a especificidade da escola, que, como dizia o Bernd Fichtner esta manhã, para nós tem dois séculos. Ela é coetânea com o modo de produção que 85 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar nós vivemos. E qual é a mudança profunda que o modo de produção capitalista instaura? Em tom provocativo, eu diria que se a mentalidade escravocrata pensava que o trabalhador era um boi que fala, um animal que fala, o capitalismo entende que o trabalhador é um animal que até pensa. E quem diz isso não sou eu, é Taylor. Quando começou a organizar a administração científica do trabalhador, Taylor pensava que era interessante ter um macaco domesticável. Do ponto de vista do trabalho, é uma sociedade em que, diferentemente da escravocata, em que o escravo era um meio de produção, o trabalhador hoje é livre para vender sua força de trabalho, e, portanto, a exploração é regulada por lei. O grau da exploração depende desse confronto entre a força do boi que pensa e de quem compra sua força de trabalho. Vou dar um exemplo dos dois países com os quais estamos aqui convivendo amavelmente. Um deles viveu o estado de bem-estar social, como diz o historiador Hobsbawm, dos 20 países que conheceram a integração ao trabalho, o direito ao trabalho e um salário digno. Não deve ser menos de mil euros o salário mínimo na Alemanha. Isso dá 2 mil 650 reais. O nosso salário, que esta Casa aprovou não porque assim quis, mas devido a relações de força, é de 380 reais. Interpreto isso, sociológica e politicamente, como a correlação de forças entre capital e trabalho numa sociedade ainda com estigma escravocrata, que conheceu o estado de mal-estar social, como diz esse mesmo autor que citei antes. Então, o que é pensar a escola nessa relação? Faço uma analogia com as décadas de que o Dr. Richard Huisinga tratou pela manhã. Ele tomou as décadas de 70, 80 e 90 para cá. O que era o nosso País na década de 70, justamente quando comecei a estudar a relação entre a economia e a educação? Nós estávamos sob os auspícios de uma ditadura civil-militar. Os militares pagaram o preço durante muito tempo, pois até o pensamento de esquerda dizia que era uma ditadura militar. Mas ela foi civil-militar, porque a sociedade não é militar e as forças que estão aí não são só civis nem só militares. E a ditadura incorporou, pela força, uma reforma educacional da préescola à pós-graduação. E qual foi essa reforma educacional, sob os auspícios da chamada teoria do capital humano? E o que é a teoria do capital humano 86 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar senão a forma de a economia capitalista, perante o fracasso ou a impossibilidade das teses keynesianas e das teses da regulação fordista, explicar por que a desigualdade entre os países aumenta e também a desigualdade individual, a desintegração social? Então, Schultz vai dizer que as nações mais ricas são mais ricas porque têm investimento em capital humano. Capital humano era educação e saúde. Como os positivistas só acreditam naquilo que podem medir, abandonou-se saúde, e só incorporamos a mensuração dos anos de escolaridade ou de treinamento. Capital humano passou a ser o montante de investimento que os indivíduos ou as nações fazem em educação. Comparando, poderíamos ter dois capitais: os meios de produção, como propriedade privada, ou o capital cultural. Este é um estigma, um fetiche que habita a mentalidade das escolas, das universidades e da sociedade brasileira. Mas ele é um raciocínio tautológico e circular. Onde está a circularidade? O economista da UNICAMP Luiz Gonzaga Belluzzo sintetizou recentemente nisto: os países pobres são pobres porque têm pouca escolaridade, ou têm pouca escolaridade porque são pobres? Os pobres que estão morrendo hoje na favela, em guerra civil no Rio de Janeiro, os excluídos de que o Sr. Ricardo Henriques falou hoje, são excluídos porque têm pouca escolaridade, ou têm pouca escolaridade porque são excluídos? Isso implica analisar uma relação de forças entre países e dentro dos países. Senão, ora estou numa ponta, ora na outra. O que é determinado é determinante; o que é determinante é determinado. Eis um raciocínio circular. Mas quero dizer que as reformas educacionais da década de 70 já queriam profissionalizar o jovem ou dar iniciação ao trabalho no quinto ano. A Lei nº 5.692, de 1971, é famosa, pois pretendia adestrar rapidamente. Passou-se no imaginário dos jovens – e isso tem reflexo sobre a descrença do jovem de classe média – que indo à escola teriam inserção social. Vivemos 20 anos de ditadura e tivemos uma grande década de 80, da Constituinte e da luta por uma reforma educacional. A década de 80 no Brasil, pelo menos na lei, estabeleceu o que 50 anos atrás países como Alemanha, França e Itália incluíram nos direitos reais: políticos, sociais e subjetivos. 87 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Mas, como o castigo de Sísifo, entramos na década de 90 sob os auspícios da noção enganosa de globalização. O que se globaliza? O direito ao remédio? O direito à saúde? O direito à educação? O direito ao emprego? Ou se globaliza um mercado sem fronteiras? Pelas crises do fim do século XIX, pagas com duas guerras mundiais, de 1914 e dos anos 40 – a Europa sabe o preço disso – e com uma revolução socialista que marcou o século XX, a soviética, o capitalismo se repensou, e um empresário chamado Ford disse que era preciso gerar uma sociedade de pleno emprego para poder produzir algo que alguém consumisse. Quem teorizou isso foi o economista mais importante do século XX que pensou o capitalismo, John Keynes, o pai das políticas de integração no limite que o capitalismo permite integrar, porque há uma contradição entre uma sociedade de classes e uma sociedade que queira dar igualdade às pessoas. Mas o keynesianismo aposta na possibilidade de redefinir o capitalismo, até porque está na correlação de forças com uma revolução socialista. Temos que pensar o tempo historicamente, senão as coisas não têm explicação. A década de 90 sinaliza que o mercado, como dizia muito bem hoje pela manhã o observador e meu amigo pessoal Wanderley Geraldi, o capital encontrou seu caminho de desregulamentar ou de fugir à lei. Qual é o decálogo que nos torna comuns hoje, em experiências históricas diferentes? Que a pobreza volta onde já tinha sido grandemente superada. O mercado já não precisa de todos. O mercado já não precisa integrar todos. Portanto, a teoria do capital humano, por mais conservadora que seja, é integradora, é fordista, é keynesiana. As teorias pedagógicas das reformas da década de 90 no Brasil são desintegradoras, e o pensamento educacional mundial é profundamente conservador. Estou aqui com um texto sobre a síntese das propostas da Comunidade Européia, não o que pensa a Universidade de Siegen, mas o establishment. As propostas são profundamente conservadoras, não no sentido de conservar, e sim no de regredir. Depois posso socializar esse documento para os colegas brasileiros. O que significa isso? A noção de globalização passa a idéia de que agora todo o mundo pode se integrar. É exatamente o contrário. A integração é uma das mercadorias que pouca gente pode comprar e 88 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho 1) a teoria dos outros é melhor – portanto, somos um país mimético; 2) fazemos obras não com nosso dinheiro, mas pedindo dinheiro externo, boa parte dele corroído pela corrupção; 3) a simetria entre capital e trabalho é das mais abismais. ação parlamentar busca mercado onde tem força para se impor. Então, hoje todos começamos a ter medo da China, porque produz mercadorias a preço de banana. Quando me dizem, muitas vezes, que no Brasil é preciso diminuir o trabalho infantil, sou a favor disso, mas não pelas razões apresentadas, da competitividade das mercadorias. Sou a favor de acabar com o trabalho infantil, mas temos de apresentar alternativas. Os anos 90 no Brasil entram no discurso da desregulamentação, privatização, flexibilização. Em bom português, é perda de direito do trabalhador e desregulamentação do mercado. Deixaram o mercado livre e, portanto, já não é uma exclusão que tem culpa. É uma exclusão sem culpa. Então, tivemos uma década de 90 regressiva no Brasil, porque também nos integramos no mundo de forma associada, subordinada, ao preço da sociedade brasileira. Um clássico pensador brasileiro, Caio Prado, diz que nossos três males crônicos são: As estatísticas que leio sobre os ricos no Brasil mostram que são em média mais ricos do que os ricos europeus, mas são poucos. Aí se pensa num salário mínimo de 380 reais e nos lucros concentrados. Portanto, esse capital está absolutamente integrado. Quais são, então, as propostas pedagógicas a partir dos anos 80, em que os jovens dentro da nossa casa não acreditam? Hoje pela manhã foi apontada com muita propriedade a dimensão da cultura. Eu acompanho dois vetores: o de quem tem cartão de crédito sem limite, filhos de executivos, que freqüentam os melhores cursos superiores do Brasil; e o de quem vem da favela, de Manguinhos, da Maré, jovens que estão uns na universidade e outros nas escolas de nível médio. Os dois grupos de jovens estão em crise, porque 89 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar o Brasil já não produz executivos, é o mercado mundial que os produz. Os filhos de executivos de alto padrão já não conseguem reproduzir seu desempenho. Estão no consultório de psicólogos para ver como definir seu futuro. Uns criam bandas, outros vão tentar até formar gangues, para manter o padrão de vida. A juventude da ponta da pirâmide e a da base da pirâmide, por razões diferentes e evidentemente com conseqüências diferentes, não acreditam no discurso que fizemos durante três décadas, do capital humano: vá à escola, capitalize, que terás futuro. O que se promete hoje é uma pedagogia da desintegração, da qualidade. E não é qualquer qualidade. Já não temos grandes estoques. No entanto, vender um carro que custe 300 mil reais para uma empresa é mais lucrativo do que vender 30 fuscas. Por isso, a intenção piedosa do ex-Presidente Itamar Franco, com os fuscas, não vingou. O capital só conhece uma força: outra força. Portanto, vender hoje carros blindados é mais lucrativo do que fazer carros populares ou para o transporte público, do ponto de vista que o Wanderley Geraldi apontou pela manhã: o capital não tem pátria e também não vê a dor da pátria. Por isso, a miséria do mundo está voltando. Qualidade total significa o quê? Uma mercadoria produzida no menor tempo, com a melhor qualidade e o menor custo, e vendida no menor tempo. Portanto, a pedagogia das competências é uma reza, como o Pai-Nosso. Ela diz: “Veja as competências que o mercado quer, vá buscar essas competências e serás integrado”. A última que vi no Brasil era que se tinha de fazer muito trabalho voluntário. Outra, que não se podia ter mais que 30 e poucos anos. Outra, que se tinha de ter jeito feminino. Tudo bem. Tenho 48% de feminino no XY, mas ainda é difícil. Ou seja, os trabalhos hoje são tão preconceituosos com o homem que só a mulher pode fazê-los. E são preconceituosos também com a mulher. Então, a pedagogia das competências é para um mercado de quem acerta a loteria do que o mercado quer. Agora, se este auditório me 90 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar responder o que é o mercado além de uma relação de forças, saio daqui feliz. E o mercado presente não é o mercado futuro, na velocidade de que o Richard Huisinga falava pela manhã, no cenário da dificuldade de integrar o jovem para o futuro. Então, a pedagogia das competências é correlata da exclusão sem culpa e delega ao indivíduo a culpa de ser excluído. E isso é eticamente letal. Uma geração de jovens: preferível tê-los rebeldes do que crentes de que são culpados de não estarem integrados ao mercado de trabalho. Eles ou seus pais. As palavras não saem do cenário por razão pífia. Ninguém fala mais em educação para o emprego. Fala-se em educação para a empregabilidade. E educação para empregabilidade é o eterno procurador do emprego. Como Viviane Forrester disse no livro O Horror Econômico, é o emprego de buscar emprego. Temos um Presidente da República que foi ferramenteiro. Ele foi líder sindical porque tinha uma massa de trabalhadores numa planta de milhares de metalúrgicos. Só assim foi alçado a líder, o que o credenciou a ser Presidente de um país. Onde estão esses trabalhadores hoje? Encontro muitos vendendo na rua, aumentando o trabalho informal. Na Grande São Paulo, no ABC de São Paulo, havia grandes empresas montadoras. Hoje, é um deserto de empresas. E os filhos desses trabalhadores são os alvos das políticas distributivas e compensatórias. Não sou contra essas políticas, mas acho que são insuficientes. Têm que ser uma travessia. A pedagogia das competências é uma regressão da regressão, da idéia circular do capital humano. Por isso, penso que as chamadas propostas educacionais têm mais perguntas do que respostas. Entretanto, a escola tem que ter clareza. Não se pode continuar cinicamente pedindo que sejam empreendedores aqueles que não conseguem sequer se integrar na exploração capitalista. Isso é cínico. Pedir aos nossos filhos que sejam empreendedores ainda é menos cínico porque, se perdem o dinheiro que emprestamos, voltam para casa. Estou falando de algo concreto. Os filhos da classe média brasileira vivem na casa dos pais até os 30 anos. Casam e descasam, 91 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar e quem paga a escola dos seus filhos é o avô. Essa é uma realidade cada dia mais presente na classe média brasileira. Então, do que estamos falando? Vamos continuar dizendo que empreendam? Vamos parar de ser cínicos e idiotas, com o perdão da palavra. A ciência ajuda, se ajuda em alguma coisa, a pôr ordem nas idéias. Quando consegue pôr alguma ordem, ela nos ajuda. Então, a teoria educacional brasileira copiou. Não que não tenhamos que dialogar. Estamos dialogando e aprendendo muito mutuamente. Mas não podemos copiar. Paulo Freire foi mais vendido na Alemanha em 2000 do que no Brasil – na Alemanha! Ele é traduzido em 40 idiomas e não utilizamos a pedagogia do oprimido nas nossas escolas. Quem a usa é o movimento dos sem-terra, que evita a guerra civil no campo e que a imprensa demoniza, apesar de todos os problemas que têm os movimentos nessa circunstância. Desafiaria os que estão aqui a viver na circunstância em que vive um acampado para ver se daria beijinhos à República. Não tem como. Que saídas teríamos para uma sociedade cuja economia cresce e se concentra velozmente sem gerar empregos? Os economistas me ensinaram que é mais vantagem incluir capital morto – ciência e tecnologia, máquinas –, porque não têm enxaqueca, não têm raiva, não fazem greve e produzem de acordo com o que se programa. A isso chamamos de máquinas inteligentes. E aí dizemos que a sociedade é do conhecimento. Pergunto: a sociedade é do conhecimento para quê e para quantos? Então, essa economia põe por terra o ideário iluminista de que a escola é filha. Qual é o ideário iluminista? O ideário iluminista é o de que o homem, pela ciência, pela tecnologia, vai se libertar da fome, da Lei de Malthus, do sofrimento e vai gerar tempo livre. E tempo livre não é sinônimo de férias. Como diz o historiador italiano Manacorda, tempo livre é tempo de fruição, de gozo. Tempo livre tem Chico Buarque, que tem um campinho de futebol, bebe bom vinho, faz duas músicas por ano e vai à Rede Globo quando quer e ao preço que quer. Ele tem liberdade, como alguns outros brasileiros também têm. Então, tempo livre pressupõe a materialidade que dê o tempo livre. 92 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Portanto, a tecnologia virou a Esfinge do nosso tempo: deciframe ou te devoro. Mas não é da natureza da tecnologia ser excludente. O Brasil hoje mantém seu superávit primário de 4,25% do PIB como garantia do capital do mundo porque exporta muitos produtos do agribusiness. Mas não podemos nos esquecer – e eu sou filho de minifundiário, campesino; hoje, não sou mais colono, porque se fosse não teria sido convidado para vir a esta Casa debater – de que o agribusiness tem um preço: 20 milhões de sem-terra. Pesquisei os assentamentos brasileiros no Ministério da Reforma Agrária. Em nenhum assentamento os assentados têm escolaridade média acima de quatro anos. Estão reivindicando escolas de 5ª a 8ª séries, depois, escolas de nível médio. Como é que se assenta sem fornecer o indício civilizatório do direito à escolaridade fundamental? Então, o grande enigma é como enfrentar uma tecnologia que não é propriedade de Estados. O Estado keynesiano queria os setores estratégicos sob o controle do Estado, não porque o Estado Keynesiano fosse anticapitalista, mas porque ele queria um capitalismo que não corresse riscos. Quando se privatiza a energia elétrica, privatiza-se a soberania. Quando se privatiza o subsolo, privatiza-se a riqueza. Quando se privatiza a mídia, perde-se a opinião da sociedade e tem-se a opinião do monopólio. E a mídia faz escárnio da República. Estamos vendo nesses dias situações dramáticas. Para a mídia, suspeita já vira prova. Qual é o papel da escola hoje? Não quero ser redundante, mas gostaria de levantar algumas idéias. A primeira delas é de que concordo em gênero, número e grau com o historiador octagenário Eric Hobsbawm, que, num livrinho pequeno, cujo título em português é O Futuro do Século XX, fruto de entrevista que deu a um jornalista espanhol, mais ou menos retoma a grande tese exposta em Era dos Extremos, no qual conclui que, se seguirmos o mesmo caminho que seguimos até hoje, o futuro será a escuridão. 93 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Ele diz: “Não sabemos para onde vamos. Sabemos de onde viemos. Se continuarmos o caminho de onde viemos, o futuro será a escuridão”. As conclusões a que chegamos pela manhã não são tão peremptórias nesse sentido, mas indicam que não temos respostas aos jovens. O Dr. Richard Huisinga foi muito claro ao mostrar as diferentes perspectivas. E não vai ser fazendo testes de avaliação na pré-escola, com um suposto conhecimento universal e padronizado, e padronizado para o mercado, que se vai gerar emprego e integração. Concordo com esse historiador quando diz que o desenvolvimento sustentável não será dado pelo mercado, será contra o mercado. Traduzo isso em termos keynesianos, não em termos marxistas, ainda que tenha lido Marx. Em termos keynesianos, o Estado capitalista é que regula o capital. Foi isso o que o João Wanderley Geraldi apontou pela manhã. Mas não esse Estado, nem o Estado que tira as liberdades por um meio, nem o Estado que tira a liberdade do outro. O Estado é pequeno? Educaram-nos, durante décadas, dizendo que o Estado era um elefante. Hoje, é um mastodonte, praticamente só para um lado. No Brasil, os recursos públicos passaram de 28% para 38% do PIB. Na Alemanha, provavelmente, os recursos públicos são maiores. Na Espanha, na França e na Itália com certeza são maiores, só que a sociedade regula melhor o seu uso. Quanto ao financiamento, onde está o dinheiro para financiar o atalho a que se referiu o nosso coordenador pela manhã, do ponto de vista de investimento em educação? Vou citar um dado e uma fonte insuspeita, o Banco Mundial. Em um relatório encomendado em 1998 ou em 2000 sobre o futuro da América Latina, um centro de pesquisas chega à seguinte conclusão: o país que não investe 4.193 dólares por aluno/ano em educação – não perguntem o porquê do 3 – não tem futuro. O que totaliza isso em reais? Nove mil reais por aluno/ano na educação básica. É o que paguei para os meus filhos cursarem uma 94 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar escola particular mediana no Rio de Janeiro. Quem tem filhos na escola não paga menos do que isso por ano. Paga uma mensalidade de 800 a 900 reais e, depois, os complementos. Comparem o que investimos no Brasil. Foi realizada conferência no Ministério da Educação sobre qual o futuro da educação profissional. O Secretário Ibañez sabe muito bem disso. E vimos um paradoxo. Na Constituinte, o campo de esquerda cometia um equívoco: queria acabar com o Sistema “S”. Seria um equívoco. Hoje eu diria que o Sistema “S” tem de ter uma nova função social. Ele movimenta um orçamento quase igual ao do MEC. Então, o fundo público aumentou, mas não está à disposição da sociedade, mas de quem tem o poder de drená-lo. Essa é uma questão do ponto de vista do futuro do financiamento. Então, qual seria o papel da escola? Voltamos à velha utopia, Dr. Richard Huisinga, Dra. Ulrike Buchmann. E o que é utopia? Utopia é traduzida, no senso comum, como algo inalcançável. Mas na origem grega significa não querer estar neste lugar, mas em outro lugar. A provocação que eu faria seria a seguinte: a escola pública, que quer mudar a sociedade que exclui, não pode moldar as pessoas para se ajustarem a essa sociedade que exclui. Essa é quase a tese de Tomás de Aquino. Trata-se de um raciocínio silogístico, mas que tem aderência ao real. Então, adaptar as pessoas ao mercado de trabalho é adaptá-las à exclusão ou à exploração sem culpa. Temos de criar jovens, adultos, anciãos que eduquem o mercado ou reeduquem, no mínimo, nos padrões keynesianos. Isso não é saudade. Isso tem fígado, tem direitos. Quem me conhece sabe que quero ir mais longe, mas não é o caso de discutir isso neste Seminário. Em termos capitalistas, se o capitalismo quer um futuro saudável de integrar terá de regular o mercado. Diferente, portanto, das teses de Hayek, que começou a combater Keynes, no tempo de Keynes. Hayek escreveu O Caminho da Servidão, em 1942, partindo da tese de que, por natureza, o ser humano é igual, só que as relações sociais não são iguais. O antigo escravo no Brasil, em 1888, pelo fato de ter sido libertado, não foi igualado aos seus compradores no dia seguinte. Como 95 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar disse um ex-aluno meu, o dia 13 de maio de 1888 foi o mais feliz para os negros, porque foi o dia da carta de alforria. O dia 14, o mais infeliz, porque nasceram dois preconceitos: o primeiro contra o negro que voltou ao antigo patrão, considerado um negro covarde, submisso, um lambe-botas do patrão; e o outro contra o que se organizou e lutou. Como dizia Abdias Nascimento, era o delito de ser negro. As cadeias brasileiras são jovens e têm cor. Daí por que estou plenamente de acordo com o que disse o Dr. Ricardo Henriques pela manhã sobre políticas que incluam essa leitura histórica como atalho. Portanto, a escola que queira interrogar e dar uma nova perspectiva ao jovem terá de ser uma escola – sei que essa tese é cara ao Dr. Richard Huisinga – que afirme sujeitos capazes de subverter essa ordem. Capazes não como o movimento sem terra e sem escola. Um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, fez um internato de padre comigo; padre capuchinho. Estudei lá no nível médio, nobre Deputado. Como o senhor acha que o filho de um colono vai se transformar em doutor? Era uma escola tradicional e conservadora, mas que me ensinou um pouco de grego, um pouco de latim, e depois a sociedade me deu alguma chance. Mas não posso fazer um sofisma do que a teoria liberal faz: se esse colono conseguiu, então os outros não acertaram nas competências. Convidaria os senhores a lerem o meu inventário. Depois que completar 80 anos, eu o tornarei público. Meu inventário foi mais difícil do que minha tese de titular na universidade, porque eu não tinha resposta. Qual é a travessia do ser colono ao mundo intelectual? A sociedade diz que os oito irmãos que tenho e que têm o 4º ano de escolaridade são imbecis, e este que lhes fala é um gênio. Essa é uma visão metafísica, como os escravocratas acreditavam. E a Igreja escravocrata acreditava que o escravo e o índio não tinham alma, eram ímpios. A escola do capital humano, da teoria das competências, é uma escola do mercado. Temos de ter a escola que afirme sujeitos, que tenha a ver com cultura, com a rebeldia, com o dissenso. Mas cuidado – e por isso, pela manhã, interrompi o meu amigo Ricardo Henriques – porque a sociedade brasileira não é diferente, ela é 96 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar “também” diferente e profundamente desigual. Eu quero a diferença que venha de uma igualdade de condições. Não se trata de uma igualdade “dada”, mas de uma igualdade de direito, onde o trabalho é princípio. O Presidente desta Casa, de manhã, disse, e muito bem, que o trabalho é que cria o homem, numa sociedade pré-capitalista, póscapitalista etc. Portanto, precisamos de uma escola que não forme pessoas unidimensionais. Que escola seria essa? Ela tem de caminhar pari passu com as mudanças da sociedade. Concordo com o jovem economista que pensa a sociedade, exSecretário Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, Marcio Pochmann, que traçou o mapa da exclusão social no Brasil e concluiu que temos de fazer três coisas ao mesmo tempo. Políticas distributivas, sim: dentaduras para 30 mil pessoas não é brincadeira, é direito. Quem tem dente não sabe o que significa estar sem dente. Comer é elementar ao cachorro que muitos dos senhores têm em suas casas. Dormir protegido do vento e do frio e não amontoado é outro direito do animal. Não sou contra nenhuma política distributiva numa sociedade criminosamente desigual. Mas cuidado, porque ela pode gerar todos os tipos de problemas e desmandos – e a imprensa adora explorar isso –, a exemplo daquela mãe que, por causa do direito ao saláriomaternidade por 4 meses, tem um filho a cada 9 meses. Depois de 9 anos, tem 9 problemas. Então, o que são as políticas distributivas compensatórias? São um ovo de serpente, se forem, em vez de travessia, o ponto de chegada. Temos de criar políticas emancipatórias. Este é um problema, porque não temos fórmula para gerar emprego e renda, a fim de que as pessoas não precisem de caridade ou de políticas distributivas. E, como diz o cientista político José Luís Fiori, para se fazer omelete é preciso quebrar os ovos. Visitei Alemanha, França, Itália, visitei o lugar de onde meu avô saiu há cento e poucos anos, morrendo de fome. Lá comprovei que com um pedaço de terra do tamanho desta Casa uma família produz com dignidade de manhã e, à tarde, integra-se em algum trabalho. 97 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Somos um continente – o Brasil tem área superior a 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados – com a vergonha de abrigar milhões de sem-terra e de bóias-frias e favelas em guerra civil. Esse é o tamanho da violência de classe em meu País, meus conterrâneos e colegas alemães. A escola que afirma o sujeito será omnilateral, empregando o latim uma vez mais, ou de technologia, do grego (techno + logus), que dá a base de todas as ciências, não só econômica e física, química e biológica, fundamentais, mas a histórica, geográfica, filosófica e, como disse muito bem o Dr. Richard Huisinga, de manhã, a pedagogia como ciência social. Se fornecermos condições para o animal que pensa desenvolver-se como sujeito, haverá formas de ele encontrar soluções para os problemas para os quais a sociedade tem mais perguntas do que respostas. A história mostra que a sociedade demora, condensa contradições, mas num momento explode. O século XX foi uma lição, como diz o historiador Eric Hobsbawm em Era dos Extremos. O ser humano pode ser tudo, menos inferior às formas de produção a que é submetido; o ser humano é superior ao escravismo, ao estamento e a sociedades cindidas. Um dia ele descobrirá uma maneira de encontrar respostas para a igualdade, não a que é dada, mas efetivamente a de condições. Essa escola, na contradição, tem um papel. Por isso a criticamos. Mas não nos podemos eximir do fato de que com ela temos de pensar na dialética do velho e de novas relações sociais e pedagógicas. O jovem não acredita, porque a sociedade está velha, e a escola que estamos construindo é para essa sociedade velha. DEPUTADO ÁTILA LIRA (Coordenador) – Passo a palavra ao Prof. Dr. Johannes Doll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. JOHANNES DOLL – Senhores, em primeiro lugar, eu gostaria de cumprimentar os colegas de Mesa e de agradecer imensamente à Câmara dos Deputados, por intermédio da Comissão de Educação e Cultura, que organiza este evento, e à Universidade de Siegen, que dele é parceira, a honra de participar desta discussão tão importante, que pensa, de certa forma, um dos elementos mais importantes para o nosso futuro: a educação. De certa forma, sinto-me um pouco como alguém que passa dos dois lados: sou alemão, como os senhores podem notar pelo meu 98 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar sotaque, e moro no Brasil há 18 anos. Aliás, a primeira cidade onde morei foi Brasília. Há mais de 10 anos sou professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, preocupado com a formação dos professores na área da didática em geral. As exposições brilhantes dos nossos palestrantes nos mostram um pouco essa dialética que existe no encontro de dois países por um lado tão diferentes e por outro com problemas bem parecidos. O Prof. Gaudêncio Frigotto tem razão em apontar para os pontos de partida diferentes que Alemanha e Brasil têm para pensar seu desenvolvimento, sua educação. Essas diferenças têm de ser consideradas. Mas, óbvio, há, especialmente no mundo globalizado, desafios comuns, e o Prof. Ricardo Henriques apontou muito bem alguns. Envelhecimento da população, tecnologias novas e globalização são desafios que afetam os dois países. Mas o ponto de partida é diferente. Por isso também os impactos dessas mudanças são diferentes. Assim temos de pensar soluções diferentes para os dois. Mas essas diferenças não impedem que possamos, com diálogo, aprender juntos. Temos alguns elementos que nos podem ajudar, e a Profa. Ulrike Buchmann nos apontou alguns. Já falei dos desafios parecidos que temos. Fiquei muito contente porque ela apontou um desafio que no Brasil estamos começando a pensar: o envelhecimento da população. A população brasileira ainda não é velha, mas está num processo de envelhecimento muito rápido. Poucos setores estão se dando conta disso. Segundo estudos que estamos fazendo, o mercado de trabalho parece que não se deu conta ainda de que a mão-de-obra está envelhecendo. Estudos do IBGE mostram muito claramente esse envelhecimento. Mas de certa forma ainda se acredita que somos um país jovem, assim podemos resolver nossos problemas e não precisamos nos preocupar com as pessoas mais velhas que trabalham nem com a atualização profissional. Aproveito esse elemento que a Profa. Ulrike Buchmann apontou como – aliás, ela usou uma palavra que me fez pensar em como os intérpretes a estariam traduzindo – um certo desafio, para pensarmos a análise das condições educacionais. 99 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Acho que este realmente é um dos desafios mais importantes para pensar o desenvolvimento dos nossos sistemas educacionais e que também atende ao que o Prof. Gaudêncio Frigotto apontou. Temos de olhar para onde estamos, o Brasil, e analisar as suas condições, principalmente a improdutividade escolar, como vários estudos apontam, mas também as relações em que a escola está inserida. Essa análise deve ser feita com todo o cuidado. Temos de avançar um pouco mais e perceber as condições específicas em que a educação se encontra no País. Temos falado nas diferenças entre Brasil e Alemanha. A formação dos professores talvez nem seja tão diferente, mas as condições de vida deles nos dois países são basicamente diferentes. E essa não é só uma questão de salário, embora, obviamente, envolva sim o salário. Na Alemanha, em geral, o contrato, que é de dedicação exclusiva, é de 28 horas/aula. Se passo 40 horas em sala de aula, ou até mais, isso cria condições totalmente diferentes. Confesso, conhecendo os dois lados – lecionei em escolas no Brasil durante sete anos –, que fico até, muitas vezes, impressionado com o que se consegue fazer sob essas condições de trabalho. Assim, o que faço é muito mais reconhecer o esforço sobre-humano do que criticar o trabalho pedagógico malfeito. Outro elemento que gostaria de abordar, sob o aspecto da perspectiva da educação a que a Profa. Ulrike Buchmann se referiu – e novamente pensei na dificuldade de tradução –, é a formação básica que sirva de fundamento para enfrentar os desafios do mundo atual e pensar em como essa – ela chama de alfabetização – alfabetização pode ser pensada. O que precisa entrar nessa formação fundamental e abrangente no Brasil? Acho que é muito importante pensar no que entra aqui. Não são só as disciplinas clássicas que têm de ser pensadas. Esse tem de ser um leque mais amplo, porque não se trata – e aí concordo plenamente – só de se adquirir alguma competência, mas de se preparar uma pessoa para enfrentar os desafios não só do mercado de trabalho, mas da vida na sociedade contemporânea. Temos de pensar isso realmente de forma mais ampla. O tema pode e deve ser uma pauta interessante para a discussão entre nós e os que estão preocupados com a educação no Brasil. 100 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Quando falamos sobre essa nova formação básica necessária, temos de pensar, entre esses conhecimentos que talvez sejam mais técnicos, num aspecto que o Prof. Gaudêncio Frigotto apontou, para mim muito caro, um pensamento que vem do educador Paulo Freire, que aponta na educação não simplesmente a aquisição de conhecimento, mas – e Paulo Freire entra em certa tradição do iluminismo – a libertação das pessoas. Essa libertação não acontece de graça, é um desafio. Na perspectiva de Paulo Freire, ela acontecerá quando eu começar a compreender o mundo em que estou vivendo. Esse, de repente, é um dos grandes focos em que temos de trabalhar mais. Saber bem português é importante; saber química, física, matemática também é. Mas esses são saberes que ficam desvinculados de qualquer realidade em que as pessoas vivem e se tornam uma coisa, usando a expressão de Marx, alienada do mundo. Dessa forma, ela não tem mais esse poder libertador que poderia ter. Quando conheço a química e compreendo de que forma ela interfere no meu cotidiano, no esgoto, no lixo, no contexto em que vivo, a química ganha outra importância. Entender química não é mais saber decorar uma tabela, mas compreender o que está acontecendo em minha casa. Esses elementos que se baseiam no pensamento de Paulo Freire e numa conscientização e compreensão do mundo em que as pessoas estão vivendo deveriam ser focos importantes para o futuro. De certa maneira, falando sobre a crítica que o Prof. Gaudêncio Frigotto fez em relação à mídia, também para pegar um dos desafios que nós temos, não temos de saber simplesmente se ela deve ou não existir ou o que ela vai fazer. A mídia é necessária, é muito importante no quotidiano. O problema que temos hoje no Brasil é que as pessoas não sabem lidar com a mídia. Enquanto eu simplesmente acredito em tudo só porque está passando na televisão, eu me torno dependente. O fato é que uma educação para lidar com a mídia seria muito importante. Na escola, eu tenho que aprender como se produz um filme, uma notícia, quais são os interesses envolvidos nessa notícia, a importância da quota, do IBOPE, para que uma notícia seja vinculada ou não, ou por que um certo evento aparece numa mídia e não 101 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar aparece em outra. Se eu começo a compreender essas relações, eu não dependo mais simplesmente do que aparece na novela ou na televisão, eu começo a fazer perguntas. Esses conhecimentos são necessários para melhor compreender o ambiente em que estamos inseridos. Esse é um dos grandes desafios que devem entrar, necessariamente, nessa perspectiva de uma alfabetização que deveria orientar uma reforma educacional, para educar as pessoas, os jovens, para conviver na sociedade atual. Para realizar essa educação precisamos de professoras e professores que possam dar essa formação. No fundo, vamos voltar à importância dessa questão da formação e de se criarem condições para que os professores e as professoras possam realizar seu trabalho de forma dedicada e com qualidade. Nas condições atuais – há muitos estudos sobre isso, não é preciso detalhar –, é quase impossível conseguir elaborar essa parte. Finalmente, só queria citar um ponto sobre o qual pensei quando eu estava viajando para cá. Para que tenhamos uma educação de qualidade, uma educação que atenda ao que Paulo Freire exige de uma boa educação, as pessoas também precisam acreditar que elas podem ter essa educação. É o que falamos sobre o processo de reprodução. Quer dizer, os filhos dos acadêmicos em geral vão ser acadêmicos de novo. Isso não é uma questão de ter condições, mas de se poder imaginar em certo lugar. Trata-se de um ponto que remete a Paulo freire. Ele vai competir ou ele vai lutar muito contra essa auto-restrição. A pessoa pensa: “Não, esse não é o meu lugar.” Como Paulo Freire relata no livro A Pedagogia da Esperança. Os camponeses dizem para ele: “Você deve falar. Você é doutor, nós não”. E ele ensina como trabalhar com isso. O importante não é fazer discurso: “Não, vocês também sabem, vocês são importantes”. Paulo Freire não entra nessa discussão. Ele diz: 102 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho E começa uma atuação interessante, quando ele pergunta qual é a maiêutica socrática. Eles dão aquela risada geral, porque ninguém sabe. Obviamente, Paulo Freire faz seu primeiro gol, porque ele também não brinca, ele fala sério. Depois os camponeses fazem uma pergunta do meio deles, que Paulo Freire não sabe responder. Eu confesso que não me lembro mais da pergunta. Esse jogo segue e, no final, eles empatam 10 a 10. O importante é que Paulo Freire não fez um sermão, como vocês sabem, mas entrou num diálogo com as pessoas e mostrou, dessa forma, que elas tinham saberes diferentes e, naquele momento, elas se deram conta de seus saberes. Não porque alguém lhes disse, mas porque ele criou condições para elas compreenderem que tinham saberes. Esse exemplo tem vários elementos nos quais podemos pensar para a educação e a formação de professores e que nos levarão a uma educação que não fique simplesmente dependente do mercado. Isso, obviamente, vai ser um apêndice, não vai levá-los muito adiante, mas vamos criar uma educação em que as pessoas vão ganhar certa autonomia para pensar e, de repente, para ter valores. Elas vão poder dizer: ação parlamentar “Eu sei; e vocês não. Tudo bem. Então, vamos fazer o seguinte jogo: eu vou fazer uma pergunta para vocês, vocês vão fazer uma pergunta para mim. A cada 10 perguntas que um não puder responder, o outro vai ganhar um gol. E vamos ver como funciona”. “Inclusão digital é superimportante, mas por que eu preciso daquela máquina mais nova? Eu não preciso comprá-la”. De repente, ele vai criar outros valores que não entrem na lógica do mercado e possam mostrar que existem outras formas de viver. Mas são coisas mais para pensar no futuro. Agradeço pela possibilidade de participar desta boa discussão. 103 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar DEPUTADO ÁTILA LIRA (Coordenador) – Passo a palavra ao Prof. Antonio Almerico Biondi, do Ministério do Trabalho e Emprego e que será um dos nossos debatedores. ANTONIO ALMERICO BIONDI LIMA – Senhoras e senhores, saúdo esta Casa e a Comissão por esta iniciativa. Aliás esta discussão está acontecendo na Comissão de Ciência e Tecnologia, com o debate sobre a capacitação tecnológica da população, e na Comissão do Trabalho, com a discussão sobre qualificação profissional. De fato é um tema, usando a expressão dos jovens, “da hora”, do momento, e que deve, de fato, ser um elemento de reflexão para todos nós. Saúdo o Prof. Johannes Doll, a Profa. Ulrike Buchmann e o sempre presente em nossos debates Prof. Gaudêncio Frigotto. Para mim é uma alegria vir aqui não apenas como pesquisador da área – fiz mestrado e doutorado na área da educação profissional –, mas como gestor de quatro anos no Governo e que humildemente tenta construir coletivamente respostas para os problemas que estamos vivendo. Sou um otimista. Digo isso porque, se não fosse, não estaria no Governo. Acredito que é possível fazer algo para melhorar o setor. E, nessa perspetiva, esse tipo de debate ajuda a precisar o assunto, para que Legislativo e Executivo possam acertar o alvo. Não podemos perder tempo. Mais uma geração está se perdendo. Temos que fazer algo com bastante consistência. Uma primeira questão muito importante, em nossas tentativas de formular as perguntas, é o que fazer com os excluídos da escola. Nosso debate tem-se dado muito fortemente – isso é da tradição da educação brasileira –, em relação aos jovens, àqueles que na idade – entre aspas – “correta” estão acessando a escola e se evadindo dela. O Prof. Gaudêncio Frigotto se referiu aos anos de escolaridade da população. Nós temos dados que dão conta de que dois terços da População Economicamente Ativa do País têm menos de 11 anos de escolaridade. Ou seja, essa parcela da população não alcançou o seu direito à educação básica. Foram negados a essa população, que está produzindo, que está no mercado, atuando, procurando emprego ou ocupado de alguma maneira, esses 11 anos de escolaridade. E vemos, mais uma vez, o raciocínio circular. 104 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Se formos pesquisar que trabalho estão fazendo, veremos que é o trabalho precário, de baixa remuneração. E alguém que defende o capitalismo vai dizer: “Ele está com baixa remuneração porque tem baixa escolaridade”. E se esquece de que ele foi expulso da escola muito provavelmente porque teve que trabalhar, porque sua família não tinha renda suficiente. Então, esse raciocínio, essa lógica tem que ser quebrada. E tem que ser quebrada, de um lado – concordo com o Prof. Frigotto –, com ações de caráter temporário, compensatório, mas com uma coisa fundamental para a inclusão social: o trabalho. A grande inclusão social se dá pelo trabalho. O trabalho dá autonomia. Mesmo o trabalho subsumido ao capital ajuda a organizar, a ter autonomia, a criar identidade social muito forte. Mesmo em tempos em que se diz que o trabalho não é mais a categoria central da explicação da sociedade, nunca se escreveu tanto sobre ele e suas mutações. Acho muito importante registrar essa questão. Pensando em políticas públicas, é importante perceber que na Constituição Federal tanto o trabalho quanto a educação são considerados direitos que não prescrevem. Mais ainda: o Brasil é signatário da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, que é um avanço na área. É, talvez, o único – não sei se há algo parecido na Comunidade Européia – inscrito como direito. Há cerca de 10 anos que, no âmbito do MERCOSUL, se discute qualificação profissional como direito dos trabalhadores. Esse é um avanço fantástico. Mas a necessidade de que, a partir desse reconhecimento formal, se estabeleça como direito é a grande discussão que está estabelecida. No Brasil recente se elaboraram e se construíram diversas políticas públicas voltadas para a qualificação profissional do trabalhador, muitas vezes desvinculadas da idéia de educação integral. Se pensarmos em formação humana, muito comentada tanto pela Profa. Ulrike Buchmann quanto pelo Prof. Johannes Doll, a idéia de uma educação que não é só técnica, o saber fazer, mas formação humana e educação integral, vamos verificar que boa parte das políticas no Brasil dos anos 90 acirraram a separação histórica entre educação geral e profissional. Exacerbaram-na. O Decreto nº 2.208, de 1997, na nossa opinião, representou, do ponto de vista legal, essa separação. 105 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar O Deputado Carlos Abicalil já saiu, mas deve lembrar-se de que, na época em que participávamos do movimento sindical, discutíamos o currículo integrado como forma de resistência, por meio de experiências concretas, a essa separação. Essa discussão nos levou, no Governo, a debater a necessidade de reintegrar a educação profissional com a educação geral. Demos passos tímidos, concordo. O Prof. Ibañez está aqui e sabe da luta que travamos para aprovar o tímido Decreto nº 5.154, de 2004. Mas a correlação de forças, no momento, foi a possível para não só reintegrar, mas dar passos: o decreto do PROEJA e o decreto da formação inicial e continuada, que, pela primeira vez no País, vai regular os cursos de curta duração. Ele se encontra na Casa Civil, assim como o que regula a certificação profissional, que é o reconhecimento social do saber dos trabalhadores. Não é certificação de competências, mas de conhecimentos e habilidades construídos socialmente na vida e no trabalho das pessoas e, como tal, uma aplicação prática do trabalho como princípio educativo, que tentamos propugnar nas nossas discussões. Essa questão é importante frisar, porque no período que citei se disseminou a idéia de que qualificação profissional gera emprego. Em Brasília ou em qualquer grande cidade há outdoors com os dizeres: “Faça um curso de informática e terá emprego. Entre no mundo profissional”. Esse é um apelo ao jovem e ao adulto no sentido de que apenas a educação profissional aponta para a geração de emprego. A vida real demonstra claramente que isso não é possível. Temos inúmeros universitários fazendo coisas completamente diferentes, inclusive precarizados em relação ao trabalho! Essa relação não é direta, tem de vir com a macroeconômica, com a estrutura ocupacional do País. Ocupações são destruídas e outras são criadas muito rapidamente. Não existe essa relação tão direta, como propugnam os defensores da teoria do capital humano. O que o Ministério do Trabalho e Emprego, trabalhando em articulação com o Ministério da Educação, tem tentado discutir? Uma forma de articular a qualificação profissional, que nós chamamos de 106 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar qualificação social e profissional. Social porque ela é uma formação para o direito ao trabalho, na perspectiva do sujeito trabalhador, do sujeito de direitos, que, para acessar as políticas públicas, tem de ter conhecimento delas. Damos uma dimensão também social à qualificação profissional, daí o nome qualificação social e profissional. Nossa luta é para vincular isso às políticas de trabalho, emprego e renda e às políticas de desenvolvimento, para que o desenvolvimento não seja apenas econômico, mas também social e ambiental. Mas essa luta não é fácil, porque a tradição do planejamento brasileiro é focar apenas a dimensão econômica, considerando a dimensão social como acessória, compensatória: para aqueles pobrezinhos que estão ali em volta nós vamos fazer algo. Não é isso. A questão é estruturante. Estão em grande discussão no Governo as chamadas portas de saída do Bolsa-Família. Sabe-se que o Bolsa-Família é o maior programa social que o Brasil tem, mas, como foi bem dito aqui, ele é insuficiente numa perspectiva estratégica de superação dessa política. Para isso é preciso vincular o desenvolvimento do País, particularmente as ações do PAC, a ações de caráter social. Temos defendido no Governo e tentado executar nas nossas políticas uma educação profissional vinculada a essa dimensão das outras políticas e uma educação profissional com efetividade social, isto é, focada na população vulnerável. Não faz sentido o Estado brasileiro financiar curso de educação profissional para o jovem que fez universidade. Neste momento, isso não faz sentido. Se a universidade não está preparando o jovem para o mundo do trabalho, algo errado está acontecendo. Então nosso foco é a população vulnerável, mas não numa perspectiva compensatória, e sim porque esse tem de ser o foco do fundo social dos impostos. A redistribuição se dá com esse tipo de política pública. Outro aspecto muito importante da educação profissional é a qualidade pedagógica. Agora sai de cena o gestor e entra em cena o pedagogo. Infelizmente, a maioria das ações de qualificação profissional são de uma pobreza pedagógica muito grande. Nem a diversidade das populações é considerada. O mesmo curso que se dá na área rural se dá na área urbana, se dá na periferia e no centro das cidades. Ministra-se 107 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar curso de metalurgia ou de turismo, não importa onde. A formação dos educadores em educação profissional é coisa nova, ainda em discussão. Na verdade, temos quase sempre um trabalhador que aprendeu a ensinar. Temos feito discussões muito interessantes sobre isso. O que é mais fácil: um pedagogo aprender uma profissão para ensinar ou um trabalhador aprender a ensinar? Ficamos com a segunda opção, porque o trabalhador, com a construção do conhecimento do trabalho, adquire, rapidamente, a capacidade de ensinar. Temos refletido muito, então, sobre efetividade social, ou seja, indicadores que nos permitam perceber onde está sendo usado o recurso e a qualidade pedagógica. Uma terceira dimensão seria a participação dos sujeitos envolvidos. Eu me lembro de uma reunião no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – não sei se o Prof. Ibañez se lembra – sobre educação corporativa. Estavam reunidas várias empresas, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho. Fiz a seguinte observação: está faltando alguém nesta mesa, os sujeitos de direito da educação. Os trabalhadores não estavam representados. É muito comum esquecermos dos trabalhadores na hora de definir políticas públicas que os afetam. Nós trabalhamos muito com a negociação coletiva da qualificação profissional – às vezes com o nome de diálogo social –, com a necessidade de que haja instrumentos jurídicos concretos, contratos coletivos firmados que considerem a qualificação profissional como elemento no caso das relações privadas, capital e trabalho, e grandes concertações no campo da relação com o público. Nesse sentido, nós desenvolvemos uma tecnologia social chamada Plano Setorial de Qualificação. Chamo de tecnologia social porque ela é uma forma de induzir a participação de trabalhadores, Governos Municipais, Estaduais ou Federal e empresariado quando há uma discussão. Agora vou abrir um parêntese. Estou totalmente de acordo que não é o mercado, exclusivamente, que deve determinar os conteúdos da educação profissional. Não vamos formar para atender o mercado. Alguém abriu um supermercado, o Wal-Mart, por exemplo. Não vamos qualificar nosso jovem para trabalhar no Wal-Mart. A idéia 108 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar não é essa, não pode ser essa. A formação profissional tem de ser mais densa, mais ampla. Não é à toa que os cursos do PLANFOR duravam 59 horas, em média. Os nossos têm hoje 200 horas, e isso ainda é insuficiente. Queremos chegar a 350, 400 horas. Estamos no processo. Reafirmo que não se trata de formar exclusivamente para o mercado, mas o mercado é uma realidade que não se pode ignorar. A grande dificuldade prática é fazer a mediação entre uma formação que permita a inserção no mundo do trabalho de forma consciente e autônoma e, ao mesmo tempo, instrua o jovem para a vida com instrumentos que lhe permitam, digamos assim, barganhar com mais peso, com mais força, na hora de conseguir o emprego. A discussão não é fácil. De vez em quando resvalamos no simplismo de esquecer tudo isso e oferecer apenas o curso que interessa à empresa. Outras vezes parte-se para uma formação muito abstrata, que também não ajuda. Muito recurso foi gasto em cursos os mais diversos e que não tinham nenhuma relação com a realidade. Esse pêndulo entre uma formação estritamente vinculada ao mercado e uma formação que não tem nenhuma relação com o mercado tem de ser equilibrado num processo de mediação que não é fácil conduzir. Temos trabalhado com a tentativa de construção de um experimento pedagógico que chamamos de Formação Técnica Geral e Arcos Ocupacionais. Vou explicar rapidamente o que significa isso. Se abstrairmos as características específicas de cada trabalho – urbano, rural, intelectual, manual, de empresa, de fábrica, de escola etc. –, algumas questões inerentes ao trabalho permanecem. Todo trabalho tem de ser organizado de alguma maneira. Organização no trabalho é fundamental. O direito ao trabalho é fundamental. A compreensão da própria situação ocupacional, do lugar no trabalho, também permanece. A saúde e a segurança no trabalho também são essenciais. É como se eu trabalhasse as características, digamos, abstratas, no sentido filosófico do termo – abstração do trabalho concreto –, mas que têm papel concreto, aí sim no sentido físico, nos trabalhos particulares. Todos nós temos de saber nos organizar em relação ao trabalho, seja o Parlamentar, seja o engenheiro, seja o trabalhador que está reformando ou limpando 109 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar o piso do banheiro. Todo mundo também tem de ter alguma consciência ambiental. Isso se vincula ao conceito de que educação profissional também é – esta discussão nós estamos fazendo com o pessoal da ciência e tecnologia – uma forma de popularizar ciência e tecnologia. Em vez de aprender apenas a fazer, o cidadão aprende também por que fazer. Essa dimensão do ensino é um elemento formativo fundamental. Mas essa não é uma construção do Ministério do Trabalho. Ela surgiu com os trabalhadores metalúrgicos, nos anos 90, e foi desenvolvida pelo pessoal da Coordenação de Pós-Graduação em Engenharia da URFJ. Agora está sendo utilizada por nós em alguns programas, de forma experimental, para adensamento da formação profissional. Aliados a isso estão os chamados arcos ocupacionais. Os cursos de curta duração, aqueles que não têm vinculação com a elevação da escolaridade – é claro que preferimos que eles tenham, mas há casos específicos em que isso não acontece –, geralmente são vinculados a uma tarefa. Como foi dito, isso, obviamente, não é desejável. Vou organizar toda uma atividade para que uma pessoa aprenda uma tarefa específica? Essa é a famosa formação para o posto de trabalho. No Brasil, um curso de curta duração em educação profissional para mim já é “bom” – entre aspas – quando pensa a ocupação como um todo. Mas a maioria nem isso pensa. É um pedacinho. Então, há curso para fazer a gola da camisa – o que reflete uma visão taylorista –, há curso para fazer a manga, curso para moda feminina, para moda masculina, para salgado, para doce. Não há uma formação em confeitaria, pensando na cadeia produtiva no sentido mais amplo da palavra, não só como uma linha crescente, mas como conhecimento mais amplo, no sentido do seu conteúdo. Estamos fazendo uma experiência muito boa, uma das coisas de que eu mais me orgulho, com as trabalhadoras domésticas no Brasil. São 6 milhões de pessoas, na maioria mulheres negras. Alguém me perguntou na Conferência de Educação Tecnológica: por que vocês estão fazendo isso para trabalhadora doméstica, mas não para engenharia naval? Como se, de repente, ser trabalhador doméstico fosse inerente a ser mulher e negra e, por isso, escrava, e não uma profissão que se precise aprender. 110 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Na discussão de elaboração do material, do currículo, dizíamos que o nome do serviço não é cozinha, mas segurança alimentar. Não é preciso aprender a cozinhar, mas sim aprender segurança alimentar, aprender a olhar a qualidade da verdura, o rótulo do alimento, pensar como nutricionista, com elementos de nutrição, para pensar o balanceamento dos alimentos. São muito mais amplos o conteúdo e a visão do que propriamente um curso de cozinha. Arrumadeira, passadeira, não, mas profissional voltada para manutenção da qualidade de vida, porque se trabalha com a perspectiva de que ela ajuda na reprodução da força de trabalho e, por isso, ela pensa a qualidade de vida como um todo. E não formamos apenas babás, mas cuidadoras de pessoas, o que é mais amplo, porque envolve adultos, deficientes e assim por diante. Estou dando esse exemplo para mostrar que é possível enriquecer os currículos numa perspectiva de educação integral para qualquer profissão, para qualquer ocupação, e não ficar apenas na mesmice de aprender a fazer determinado trabalho: passar um pano, lavar algo. Os atos ocupacionais são uma tentativa de localizar dentro da mesma base técnica ou sociotécnica comum quatro ou cinco ocupações. Não se trata ainda de um curso técnico, mas de conseguir trabalhar com esses elementos, tanto técnicos quanto práticos, que possibilitam desenvolver um itinerário formativo da pessoa. Como isso surgiu? Por exemplo, o engenheiro aprende a fazer viaduto, casa, edifício e faz da fundação à cumeeira, faz o processo completo. Um técnico em edificações não faz viadutos, estradas – isso é para o técnico de estradas –, mas faz edificações da fundação à cumeeira. O pedreiro, não. Ele faz a parede e depois é demitido, porque vem o trabalhador que faz o ladrilho, o que coloca o gesso, o que coloca o vidro e assim por diante. Por que não pensar, então, num curso formativo que trabalhe com essas várias ocupações e não apenas com uma. E aí não no sentido polivalente, mas com uma visão politécnica, porque há uma base sociotécnica comum. Ele não vai fazer tudo ao mesmo tempo, mas vai ganhar mais oportunidades para se inserir no mercado de trabalho. Qual o risco disso, Deputado? Esse debate foi interessante com as trabalhadoras domésticas. As educadoras, no debate sobre o currículo, disseram que havia polivalência. A patroa ou o patrão quer a babá 111 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar que sabe cozinhar. Isso é polivalência. As trabalhadoras disseram que não, que vão poder escolher no que vão trabalhar. Então, serão babás e não vão cozinhar, mas se não houver emprego de babá, poderão entrar na cozinha. Então, haverá mais liberdade na escolha do mercado de trabalho. Esse exemplo bem simples e popular esclareceu para nós o seguinte: eu me submeto ao mercado, na medida em que só me formo para aquela ocupação determinada. Se a formação for no sentido de possibilidades de ocupação – apesar de eu defender também a questão de que empreendedorismo não é nenhuma panacéia universal –, por exemplo, no setor metalmecânico, eu posso formar a pessoa para trabalhar com funilaria, com esses elementos vinculados para concertos de carros, mas posso também ensiná-lo, no mesmo curso, a trabalhar com serralheria, que na maioria das vezes é uma ação autônoma. Pode-se fazer chave, afiar tesoura, fazer grade. Então, eu também tenho de permitir essa mobilidade do trabalhador no mundo do trabalho. Por isso falamos que a formação não é para o mercado, mas para o mundo do trabalho como um todo. Por último, há uma questão muito importante: para onde vai a educação profissional no Brasil como proposta estratégica? Temos defendido a idéia de um sistema nacional de formação profissional, até para que não fiquemos, como acontece sempre, ao sabor dos subsistemas existentes no Brasil. Há o Sistema Nacional de Educação no País, que acaba refletindo também na educação profissional. Há, por exemplo, a rede dos CEFETs, a rede federal, o que é ótimo. Fui aluno do CEFET, que está expandindo. A expansão é positiva, maravilhosa. Mas há as redes estaduais, a rede do Sistema “S” e as redes confessionais. A Escola Salesiana do Trabalho é uma rede confessional, e deve haver várias redes. Então, como isso dialoga? Quais são os princípios? Eu perguntava ao pessoal do CEFET, na conferência, se eles tinham o trabalho como princípio educativo. Para minha convicção pessoal, esse é um elemento fundamental para analisar a perspectiva de uma escola de educação profissional, não apenas como princípio declarado, mas como algo prático. 112 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Algumas pessoas não sabiam dizer isso. Uns tentavam medir a sua qualidade pelo resultado do emprego que conseguiam. O Sistema “S” afirmava: “Eu sou melhor porque eu emprego”. Quando se compara o resultado do Sistema “S” em anos de crescimento econômico e em anos de depressão econômica verifica-se que ele cai, porque o que determina não é a formação, mas as condições macroeconômicas e a situação estrutural e conjuntural. Estão proliferando inclusive – e é positivo – no próprio Congresso algumas propostas, como o FUNDEP, o Fundo de Educação Profissional, proposta do Senador Paulo Paim. O Deputado Ariosto Holanda defende o Fundo de Capacitação Tecnológica. O FUNDEB tem uma dimensão de educação profissional com currículo integrado, o que é muito importante. Não podemos perder a perspectiva de que é preciso estar integrado. Senão, serão iniciativas parciais, como acontece hoje. Parte da educação profissional está no MEC, parte no Ministério do Trabalho, parte no Ministério da Ciência e Tecnologia e, vou ser muito sincero, dispersa em todos os Ministérios. Há o Fundo de Educação Profissional da Marinha, que atende não só aos marinheiros, aos militares, mas também a portos e pessoal civil embarcado. Há o fundo da Aeronáutica, que não atende só aos militares, mas toda a infra-estrutura aeroportuária e a aviação civil. E não há diálogo, não há os mesmos princípios, a mesma linha. O Sistema “S” tem uma megaestrutura: mais de 2.800 unidades em todo o Brasil. A discussão do sistema é fundamental. Estamos tentando concretizar junto com o MEC essa idéia do decreto da formação inicial e continuada, antiga educação profissional básica. Esse nome foi retirado por questões históricas que não valem a pena discutir no momento. Mas a idéia é a de que possamos, tanto na área pública quanto privada, ter alguns parâmetros mínimos que permitam, primeiro, aumentar o número de ações em currículos integrados de elevação de escolaridade com qualificação profissional. Essa é uma coisa muito precisa que tem de ser feita. E estabelecer uma carga horária mínima para aqueles que não concluíram a educação básica e com isso elevar a carga horária média de qualificação no País. 113 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Hoje a nossa estimativa é que ela está em 32 horas. É um dado confuso, uma fórmula que se fez lá. No caso do PLANFLOR, 59 horas. Estamos medindo os custos da educação corporativa. É muito baixa. Então, conseguimos aumentar, no nosso caso, para 200 horas. Por que não podemos tentar aumentar, para efeito de cálculo, para 200 horas no plano nacional para quem não tem a educação básica? Assim posso incluir elementos da educação básica e estimular por meio dessa relação que ele volte à escola. E aí o sistema de certificação profissional aparece também nessa perspectiva. Para terminar, quero dizer que sou bastante otimista. O que apresentei aqui são experimentos. Na verdade, precisam ganhar mais corpo. Mas de uma coisa o MEC e o Ministério do Trabalho têm clareza: não dá para trabalhar separado; não dá para cada um seguir um caminho. A dimensão pedagógica é fundamental, mas a dimensão ocupacional também é fundamental. Não podemos pensar a educação apenas a partir da escola, mas também não podemos pensar em educação somente fora da escola. Então, essa compreensão dos papéis entre os Ministérios é fundamental para construirmos de fato uma política pública de educação profissional no Brasil que tenha essa dimensão estratégica para o País e para as pessoas, que são o objeto da política. DEPUTADO ÁTILA LIRA (Coordenador) – Concluída esta fase, vamos abrir um espaço para a participação das pessoas que tenham interesse em dar sua contribuição. Está inscrita a Profa. Maria Aparecida Perez, a quem concedo a palavra. MARIA APARECIDA PEREZ – Senhoras e senhoras, na verdade, eu queria estabelecer um diálogo com tudo o que foi falado aqui hoje. Inclusive, em função da utopia, Prof. Gaudêncio Frigotto, vou usar parte de uma música da Rita Lee em que ela faz uma paráfrase do Paulo Freire. O Paulo Freire fala que o futuro é aqui e agora. Se não for, não tem. E ela fala assim: “As pessoas podem achar que eu sou louca, mas o melhor lugar é aqui e agora”. 114 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho “Espere que um dia será sua vez. Fique na escola estes 12 anos porque vai chegar sua vez”. ação parlamentar Isso porque é onde eu posso agir, é o nosso espaço de mudança, de propor o futuro, se é que queremos que em relação a esse tempo que é roubado da criança falemos para ela: E ela fica esperando e esperando. Ela deixa de ser sujeito. Não a tratamos, em nenhum momento, como sujeito, como ela é. Costumamos, como professores e pedagogos, a falar por elas. É como o Almerico Biondi Lima falou há pouco: falamos pelos trabalhadores. Temos mania de falar pelas pessoas e não escutá-las, não deixá-las dialogar, porque podem apontar muito para nós. Este debate se faz necessário porque hoje temos o PAC, que é nosso plano de desenvolvimento. Todo mundo está pautando a discussão se o PAC é viável ou não pelo financiamento, pelo dinheiro. A minha preocupação é outra. Temos técnicos suficientes que possam não só começar o PAC, mas também dar continuidade a ele? O primeiro passo é sempre fácil. E depois? Aí pára de novo? Para onde queremos ir? Aí é esta coisa de pensar a educação. Acho que a educação, mais do que o sistema único de qualificação, tem que ser um sistema único de educação, como a saúde conquistou no Brasil, para que dialoguemos com todos que trabalham com o mesmo assunto e para que possamos pensar do zero aos 100 anos. A educação ao longo da vida não é só o Ministério da Educação pensando, não é a saúde com a melhor idade e outros projetos. Teríamos que estar mais integrados, mas há uma dispersão de recursos, por mais que discutamos. Fui Secretária de Educação em São Paulo e trabalhei muito tempo no MEC, com o Ricardo Henriques, na implantação da SECAD. Para mim, um dos temas mais ricos hoje para a educação, que pode mudar a educação no Brasil, discutir sua qualidade, é a questão social, são os temas que compõem a diversidade. Se eu não introduzir esses temas no currículo, se eu não olhar o mundo em que estou inserido – e todos aqui falaram sobre a leitura do mundo –, se eu não reconhecer o território onde eu moro e com o qual crio uma identidade, eu não pertenço a lugar nenhum. Se eu não pertenço a 115 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar lugar nenhum, para que eu quero uma coisa diferente? Por que eu vou pensar na construção do futuro se eu não tenho uma relação com o território? A educação é fundamental para isso, porque o reconhecimento do território se faz na escola. Eu acredito nisso. Acho que não dá para ensinar Física e Química, como foi dito, sem falar com o cotidiano das pessoas. Se a escola não recuperar a cultura das pessoas que a freqüentam, se não respeitar o que elas levam para dentro da escola, se não dialogar com sua cultura, com seus problemas, se não identificá-los na sociedade e introduzi-los na sala de aula, a educação não ganhará qualidade, porque o aprendizado não vai melhorar. Iremos decorar coisas, como se fez durante vários anos no País. Tive a felicidade de ter bons professores, porque eles me ensinaram a duvidar. Esse é o papel fundamental do professor. Aquele professor que não ensina o jovem e a criança a duvidar não é um bom professor. Senão, nunca vamos conseguir interpretar a mídia, nunca vamos conseguir interpretar os discursos, nunca vamos poder fazer escolhas na vida. Em São Paulo e em alguns outros lugares, temos feito esse trabalho de aproximação no sentido de fazer com que a escola construa seu currículo a partir do diálogo com a sociedade local, com a participação da pedagogia do lugar, mais do que da pedagogia do cotidiano. Na verdade, sem querer parecer pretensiosa, acho que a pedagogia do lugar dá continuidade à pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, porque ela reconhece essa opressão e, mais do que isso, dialoga com ela dentro da escola, a introduz no currículo e faz com que a criança e o jovem entendam o seu lugar no mundo e, aí, sim, possam fazer sua opção. Na minha opinião, só vamos conseguir avançar no País e criar sujeitos sociais quando conseguirmos fazer esse diálogo. Acredito também que em qualquer plano de desenvolvimento, seja econômico, seja educacional, se não refletirmos sobre que quadros nós queremos e como vamos dar continuidade ao processo que estamos iniciando, viveremos um movimento de desenvolvimento, mas ele vai ter curta duração, porque vamos cair, de novo, no vazio por falta de qualificação. 116 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho “Eu uso e jogo fora. Então, eu não preciso mais dos saberes populares, porque eu tenho de usar e jogar fora”. ação parlamentar O Almerico falou de algo superimportante: o reconhecimento dos saberes populares. Reconhecer o artesão, reconhecer o sapateiro, reconhecer todos que fazem parte, em vez de se entrar na cadeia produtiva do descarte: DEPUTADO ÁTILA LIRA (Coordenador) – Passaremos à fase conclusiva deste Seminário. Quanto à participação da Profa. Ulrike Buchmann, eu tinha idéia de que a Alemanha estivesse somente com problemas relativos à riqueza que acumulou e à questão existencial. Mas eles também têm questões semelhantes às nossas. Porém, nós temos mais problemas – muito mais. Temos um país moderno convivendo com um país extremamente pobre. Ainda não sabemos qual é a melhor educação. Falou-se sobre formar o jovem. Para nós, este também é o grande desafio. Estamos vivendo um problema na economia que não se resolve, uma economia de mercado, dentro da idéia de que na função do Estado perdemos a visão social. O Estado existe para a sociedade. O pensamento mais moderno, mais recente, de retirar o papel do Estado na condução da economia e da sociedade está levando o Brasil a ter os mesmos problemas da Alemanha, mas ainda não chegamos à mesma fase. Mas é sempre uma boa contribuição. Fazia tempo que eu não ouvia uma pessoa tão diferente do ponto de vista das idéias. Muito interessante a participação do Prof. Gaudêncio Frigotto. Eu achava que o PT iria fazer tudo isso... professor? Ele mudou o nome de polivalente para politécnico, não há diferença. Li muito o Eric Robsbawm. Também tenho este dilema de não enxergar o mundo novo com perspectiva. Isso para mim é lamentável, sobretudo por ser um homem público. Agradecemos a todos os senhores a sua contribuição. Passaremos a condução dos trabalhos ao Deputado Gastão Vieira. Gostei da definição de utopia: não querer estar neste lugar. Daqui para frente vou falar muito sobre isso. 117 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar DEPUTADA ANGELA AMIN – Sr. Presidente, senhoras e senhores, gostaria de fazer uma provocação ao Prof. Gaudêncio Frigotto antes de o Deputado Gastão Vieira chegar à Mesa. Acho que S.Sa. é um laboratório de políticas públicas. O Prof. Gaudêncio Frigotto é originário do Rio de Janeiro, pelo menos vem de lá. Há uma coisa que me incomoda muito nos dias de hoje. Trabalho na área da educação e na área social desde 1975. Sou de Santa Catarina, onde houve as primeiras invasões do movimento dos sem-terra, quando o Esperidião Amin era Governador e eu tive participação ativa naquele processo. Um exemplo típico da falência das políticas públicas no Brasil, independentemente de cor partidária, e isso se estende por todo o País, é a Rocinha. Passaram pela Rocinha todos os tipos de governo, todos os tipos de experiências. O Estado não esteve ausente, não se omitiu. E nós perdemos a guerra em termos de política social. E isso também ocorreu em várias Capitais de regiões metropolitanas. Tenho estudado muito, tenho lido muito a respeito disso, porque é algo que me incomoda, uma vez que nem política social nem política da educação conseguem enfrentar aquele mundo que sintetiza a Rocinha. GAUDÊNCIO FRIGOTTO – A questão é o tamanho do problema, a quantidade é a qualidade perversa do problema. Peguemos, por exemplo, o êxodo rural. Os países da Europa demoraram 100 anos para fazer a passagem da cidade para o campo, enquanto nós fizemos em 20 anos. Eu moro no Rio há 30 anos. As favelas multiplicaram-se por três. Não é que as políticas públicas não façam. Fazem, mas não na proporção que deveriam fazer. Falei aqui, como disse o Deputado, do espaço da radicalidade que tem de ter a teoria. Sou um cara imiscuído cotidianamente em políticas concretas, na condição de professor e participante dos movimentos sociais. Ajudei a fundar uma escola na FIOCRUZ para favelados. Hoje é uma das melhores escolas de nível médio do País, indicada pela Organização Mundial de Saúde para coordenar as escolas técnicas de saúde do Brasil. É a Fundação Politécnica de Manguinhos. A primeira turma, por definição política, era só de gente da favela de Manguinhos, do João e da Maré, que constituem um complexo de favelas. 118 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho “Bigode, não”. Então, “doutor”. “Também não precisa ser doutor”. ação parlamentar Chegou dentro da escola aquilo que a escola sabe fazer: o pessoal fumava e transava. E chamaram o coitado do Prof. Gaudêncio para dar conselho. Não se dá conselho. Eu fui ouvir. Era uma escola de tempo integral. Eles voltavam ao meio-dia. Eles não me chamaram de professor, me chamaram de Bigode. Eu tive de dizer: E um menino me disse: “A gente aqui tem um sapato e uma camisa da pior qualidade, que o pai pode nos dar. E ninguém quer esse sapato e essa camisa, porque a mídia nos diz todo dia que a gente não é gente. Se a gente quiser tomar uma cerveja e namorar no fim de semana, a gente tem de descolar”. Todos eles, os 12, eram funcionários do tráfico. Bom, uma bolsa de 150 reais... DEPUTADA ANGELA AMIN – É exatamente para esses que nós estamos perdendo. GAUDÊNCIO FRIGOTTO – Era isso que o Deputado dizia. Se o Estado está ausente do ponto de vista da política pública, quem emprega hoje? As empresas enxugam, o Estado enxuga. Vão fazer milagre? O tráfico emprega. Por que o Exército e a Polícia estão perdendo no Rio de Janeiro? Só no Morro do Alemão há 500 pessoas altamente armadas, treinadas no Exército. Ficaram um ano no Exército e saíram. Aprenderam a estratégia militar. Hoje, o tráfico está formando, com bolsa, advogados e administradores. Então, é essa a perplexidade. O tamanho é enorme e não aparece. Se houver uma política, ela tem de ser de quantidade, e essa política é cara. Uma qualidade com pouco é uma pífia qualidade. DEPUTADO GASTÃO VIEIRA (Presidente) – Para as pessoas que estão aqui hoje pela primeira vez, eu quero afirmar que estes debates ocorrem todas as quintas-feiras. É um debate marcado pelo 119 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar contraditório. Ficamos ouvindo sempre as mesmas coisas, e há um momento, na quinta-feira, em que debatemos o contraditório. Antes de encerrar, quero agradecer muito ao Deputado Carlos Zarattini, que, no plenário, me chamou e passou a idéia de que poderíamos realizar este Seminário. E nós a aceitamos dentro deste debate das quintas-feiras. Gostaria de ler duas notícias que acabei de receber enquanto aguardava o momento de encerrar esta reunião. A primeira diz o seguinte: “Paulo Henrique de Jesus está há quatro meses desempregado. Com o ensino médio completo, o que representa 11 anos de estudo, ele perdeu a vaga que preenchia há oito anos de encarregado numa transportadora de valores, ganhando R$800,00. Desde então, e com 50 currículos já distribuídos, só encontra oferta para ganhar R$ 300,00, um salário mínimo. E aceitou trabalhar por isso, sem carteira assinada, como garçom numa casa de festas para fazer as despesas. ‘Só de aluguel gasto R$ 230,00. Não sei como vou fazer quando acabar o auxílio-desemprego’. O caso de Jesus foi uma das explicações encontradas pelo economista Marcelo de Ávila, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), para o rendimento médio real do trabalhador estar no mesmo nível de um ano atrás: R$932,80. A oferta abundante de mãode-obra (são 2,243 milhões de desempregados apenas em seis regiões metropolitanas) obriga o trabalhador a aceitar salário menor, mesmo sendo bem qualificado.” Segunda notícia: 120 “Na edição 2006 do ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), um dos sistemas de avaliação da qualidade do ensino superior, apenas 0,79% dos 5.701 cursos avaliados (exatos 45) tiveram nota máxima nos dois conceitos empregados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC).” Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar Quero, com essas duas notícias, fazer uma reflexão. O problema do Brasil é tão complexo quanto de difícil solução. O nosso ensino fundamental é péssimo: ficamos no penúltimo lugar no PISA! Ganhamos uma vez da Macedônia, que, fora Alexandre, o Grande, não sabemos bem onde fica, e outra vez de um país africano. Penúltimo lugar no PISA dentre os alunos que dominam, segundo o padrão brasileiro, a leitura! As nossas crianças estão levando 12 anos para fazer aquilo que deveriam fazer em 8; os nossos jovens estão continuadamente sendo reprovados no ensino médio e, considerando-se a população de 18 a 24 anos, menos de 25% chegam no ensino superior. Na Constituinte de 1988, da qual participou o Deputado Átila Lira – eu era Deputado Estadual; não sei se a Deputada Angela Amin foi Constituinte –, decidimos que o ensino superior no Brasil é um bem público, como o ar que respiramos. Todos os brasileiros têm o direito de ir para o ensino superior. É um bem público. Como conseqüência dessa decisão, acabamos construindo um ensino médio completamente equivocado. O Brasil é o único país no mundo onde o ensino médio é geral e o ensino superior é profissionalizante. Aulas desinteressantes. Acabamos com os cursos técnicos. Quero citar um exemplo. Venho de um Estado extremamente pobre, o Maranhão. Como a Deputada Angela Amin, que também foi Prefeita de Florianópolis, e o Deputado Átila Lira, que foi Secretário de Educação do Piauí, fui Secretário de Educação e sei como é difícil, extremamente difícil fazer política pública em Estado pobre. No Maranhão, 15 anos atrás, havia a Escola Técnica Federal. Nesse período, instala-se, no meu Estado, a ALCOA, imensa fábrica de alumínio e alumina. Precisava de 100 técnicos de nível médio. Foi ao mercado e contratou todos os formandos da Escola Técnica. Estava ali disponível uma mão-de-obra no padrão que a ALCOA exigia. Quinze anos depois, a Companhia Vale do Rio Doce, que também está no meu Estado, para instalar uma unidade de pelotização abre vagas para 200 alunos com ensino médio concluído. Nenhum passou! Tivemos, emergencialmente, de mandar os menos ruins – dói-me dizer isso – ao Espírito Santo para, num programa de treinamento de seis meses, adquirirem as habilidades mínimas para trabalhar na Companhia Vale do Rio Doce. 121 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Quero dizer aos senhores – aqui está o Dr. Ricardo Martins, Coordenador da área de educação na Consultoria Legislativa, que diariamente estabelece com esta Comissão uma discussão muito forte com relação aos problemas brasileiros – que não adianta enxugar o chão com a torneira aberta. Se não acertarmos uma política para a infância, se não acertarmos um ensino fundamental em que o aluno tenha o direito de aprender a ler até o segundo ano, não vamos caminhar; vamos fazer os ziguezagues que este País sempre fez. Sou funcionário de carreira do Conselho Nacional de Pesquisa. Vivi a grande fase do CNPq, de 1976 até 1982, quando me afastei para exercer mandato parlamentar. A maioria dos nossos programas deram resultado. O Brasil é um dos maiores exportadores de produção científica: comunicações científicas, teses. Mas aproveita menos de 5% desse conhecimento para as suas exportações de produtos. Ai de nós se não fosse a EMBRAPA! Estaríamos com uma grande produção científica, sem aproveitar esse conhecimento para aumentar as nossas exportações. Portanto, este é um país extremamente complexo nas suas soluções e nos seus problemas. E o que agrava mais é que não se quer discutir, ouvir opiniões divergentes, estabelecer o contraditório e reconhecer que, depois de 10 anos de SAEB, ENEM e Provão, estamos muito piores do que antes. Alguma coisa está errada. E, se está errada, temos de discutir. Não se pode mais viver da ditadura do pensamento da moda. Brasileiro adora modismo e mimetismo. Eu gostaria de encerrar este Seminário com algo bastante produtivo. Os nossos problemas concentram-se principalmente no Nordeste brasileiro. A nossa ciência e tecnologia é extremamente concentradora: se dá em São Paulo, com as suas grandes unidades, um pouco no Rio Grande do Sul e um pouco menos em Minas Gerais. No Nordeste, há um respirar em Pernambuco, um pouquinho na Bahia e, como sempre, no Ceará. No resto, Deus pede que os professores e os reitores rezem todo dia para que as universidades consigam sobreviver. Então, eu gostaria de divulgar as possibilidades de bolsas que os senhores nos apresentaram, principalmente nos cursos de mestrado 122 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho ação parlamentar e doutorado das instituições públicas e privadas existentes no Nordeste brasileiro. Gostaria de ampliar essa discussão. Não podemos passar o dia inteiro aqui, chegar à porta e permitir que o vento leve tudo o que ouvimos, fizemos e aprendemos. Temos, nesta Casa, um Centro de Altos Estudos Estratégicos, comandado pelo Deputado Ariosto Holanda, e um grupo da mais alta qualificação técnica, que é a nossa consultoria da área de educação, no momento coordenada pelo Dr. Ricardo Martins. Portanto, temos os instrumentos para prosseguir com esse debate. Vou encerrar estas palavras referindo-me a algo que ouvi muito aqui: o saber que vem quase que espontaneamente da sociedade, da convivência, da vivência e que às vezes desperdiçamos. Na Universidade de Stanford, Paulo Freire não consta da lista dos educadores lidos, mas é o sociólogo mais lido e indicado. E me lembrando de Paulo Freire, vou encerrar. Meu Estado é muito pobre: 50% da população está na zona rural e o nosso índice de analfabetismo já chegou a 34%. Sou oriundo de Guimarães, uma cidade marítima que vai fazer 320 anos. O maior poeta do Maranhão e um dos maiores do Brasil, Gonçalves Dias, morreu exatamente ali, quando o barco dele bateu. Na campanha política de 2006, encontrei um amigo que é cantador de boi, espécie de ópera popular em que as músicas são feitas de improviso. Ele é absolutamente analfabeto – não lê e não escreve –, mas sabe fazer conta, porque todos eles sabem fazer conta. Eu disse a ele: “Rapaz, ando com saudade do tempo em que fui Secretário de Educação, porque esse negócio da Câmara não dá resultado. A gente fala, está gravado; a gente faz isso, está não sei o quê. Sabe, o meu saco está enchendo dessa atividade parlamentar.” Aí ele me olhou e disse: “Não diga saudade. Saudade a gente tem quando perdeu todas as esperanças. Fale em lembrança, que é muito mais certo do que saudade.” 123 Comissão de Educação e Cultura ação parlamentar Vejam a capacidade, a sapiência de um homem analfabeto que nunca foi à Capital do Estado e faz versos de improviso. É nesse brasileiro, nessa educação simples que acreditamos nesta Comissão. Com esse pensamento, agradecemos a presença a todos neste dia tão produtivo! Está encerrada a presente reunião. 124 Perspectivas e propostas na formação para o mundo do trabalho