FUNDAÇÃO OSWALDO ARANHA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE HILDA TORRES FALCÃO PSICOMOTRICIDADE NA PRÉ-ESCOLA: APRENDENDO COM O MOVIMENTO VOLTA REDONDA 2010 FUNDAÇÃO OSWALDO ARANHA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE PSICOMOTRICIDADE NA PRÉ-ESCOLA: APRENDENDO COM O MOVIMENTO Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional em Ensino em Ciências da Saúde e do Meio Ambiente do UniFOA como requisito à obtenção do título de mestre em Ensino em Ciências da Saúde e do Meio Ambiente. Aluna: Hilda Torres Falcão Orientadora: Profª. Drª. Maria Auxiliadora Motta Barreto VOLTA REDONDA 2010 FOLHA DE APROVAÇÃO Aluna: Hilda Torres Falcão PSICOMOTRICIDADE NA PRÉ-ESCOLA: APRENDENDO COM O MOVIMENTO Orientadora: Profª. Dr.ª Maria Auxiliadora Motta Barreto Banca Examinadora: ____________________________________ Profa. Drª. Maria Auxiliadora Motta Barreto ____________________________________ Profa. Drª. Priscila Pires Alves ____________________________________ Profa. Drª. Maria de Fátima Alves de Oliveira Aos meus pais, origem de tudo. A meu companheiro Vinícius, meu filho Paulo Vitor, meu irmão e sobrinhos, minha amiguinha Ana companheira de Alice viagem e minha Christiane Pançardes. Vocês são a razão de minha vida e motivo movimento. do meu constante AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por ter me possibilitado força e coragem, de não desistir jamais, apesar dos inúmeros momentos difíceis passados durante esta jornada. Aos meus pais pelo cuidado e carinho que sempre me dispensaram. A meu filho Paulo Vitor, pela compreensão, por anos de sacrifício e pelo amor e admiração que sente por mim. Ao Vinícius, meu companheiro, que sempre me incentivou e apoiou não me deixando desistir. A Ana Alice pelo carinho e compreensão. A minha ex-aluna, amiga, filha e companheira Christiane que estendeu-me a mão no momento em que mais precisava, desprendendo seu tempo na formatação e correção deste trabalho. Tão jovem, tão adulta e tão dedicada a mim. Você é com certeza, uma pessoa inesquecível, obrigada por fazer parte da minha história. A Maria Auxiliadora, minha orientadora, pessoa competente e incansável em seu apoio, exigente em suas críticas, mais amiga e compreensiva nos momentos que precisei. Sua firmeza e competência me seguirão por todos os caminhos que ainda quero percorrer. Aos meus alunos que torceram por mim e dos quais retiro minha inspiração para tornarme a cada dia uma pessoa/docente melhor. RESUMO O presente trabalho visa entrelaçar Psicomotricidade e Educação Infantil, na fase pré-escolar, buscando assim, o entrecruzar da teoria-prática-teoria, a partir das ações pedagógicas dos professores e suas estratégias para trabalhar as dificuldades apresentadas pelas crianças na faixa etária pesquisada. O estudo foi realizado na cidade de Pinheiral, localizada na região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A psicomotricidade na Educação Infantil atua como uma ação educativa podendo prevenir dificuldades de ordem motora através do corpo em movimento, auxiliando a criança na construção de sua integridade corporal, afirmação de identidade e conquista de autonomia intelectual e afetiva. Cabe ao professor favorecer o desenvolvimento integral da criança através de habilidades psicomotoras, tais como coordenação dinâmica geral, motora fina, viso-motora, esquema corporal, orientação espaço-temporal, lateralidade, ritmo e equilíbrio, condutas necessárias ao processo de ensino-aprendizagem. A partir desse estudo, propomos discutir a importância da psicomotricidade para as crianças da Educação Infantil na fase pré-escolar; identificar as possibilidades de intervenção psicomotora nas dificuldades apresentadas pelas crianças, nesta faixa etária e, construir um curso de pós-graduação Lato Sensu em Psicomotricidade na Educação Infantil, com o enfoque principal na formação de professores, para torná-los habilitados a trabalhar a partir dessa perspectiva na Educação Infantil. Palavras-chave: Educação Infantil; formação de professores; pré-escola; intervenção psicomotora; psicomotricidade. ABSTRACT The present work aims to weave Psychomotricity and Early Childhood Education in the pre-school, seeking thus the intersection of theory-practice-theory, from the actions of teachers and their teaching strategies to work on the difficulties faced by children in the age group surveyed. The study was conducted in the city of Pinheiral, located in South-Fluminense of Rio de Janeiro. The psychomotor in Early Childhood Education serves as an educational intervention can prevent difficulties in driving through the body in motion, assisting the child in building their bodily integrity, affirmation of identity and achievement of intellectual and emotional autonomy. The teacher has to promote the integral development of children through psychomotor skills, such as general dynamic coordination, fine motor, visual-motor skills, body scheme, spatial-temporal orientation, handedness, rhythm and balance, necessary to conduct the teaching and learning. From this study we discuss the importance of psychomotor for children in early childhood education in preschool, to identify possibilities for intervention in psychomotor difficulties faced by children in this age group, and build a course of postgraduate Sensu Lato Psychomotricity in kindergarten, with the main focus on teacher training, to make them able to work from this perspective in kindergarten. Keywords: Early Childhood Education; teacher training; pre-school; psychomotor intervention; psychomotor. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 09 2. PSICOMOTRICIDADE ................................................................................ 14 2.1 Histórico da noção de corpo ............................................................... 14 2.2 História da Psicomotricidade .............................................................. 16 2.3 Elementos básicos da psicomotricidade ........................................... 24 2.4 Desenvolvimento cronológico psicomotor ........................................ 33 2.5 Formas de intervenção Psicomotora.................................................. 40 2.6 Psicomotricidade e educação ............................................................. 43 3. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL .. 47 3.1 Educação Infantil no Brasil ................................................................. 53 3.2 Organização do referencial curricular ................................................ 62 3.2.1 Organização por idade ................................................................... 63 3.2.2 Organização em âmbitos e eixos .................................................. 64 4. FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................... 67 4.1 O professor e a psicomotricidade ..................................................... 78 5. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................ 82 6. CONCLUSÃO .............................................................................................. 87 7. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 89 LISTA DE ANEXOS 1. Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos - CoEPS ................. 96 2. Questionário .............................................................................................. 97 3. Produto ....................................................................................................... 98 9 1. INTRODUÇÃO Vivemos um momento de profundas e rápidas transformações, principalmente no tocante ao processo de apreensão do conhecimento por parte das crianças, que precisam ser entendidas em sua totalidade: cognição, ação, movimento, emoção, espiritualidade, cultura; numa relação indissociável com o meio do qual fazem parte. As crianças, neste final de milênio, talvez não sejam as mesmas de antigamente. Atualmente são providas de objetividade, determinação e espírito crítico. Para Sarmento e Pinto (apud Kramer, 2005), ser criança tem variado de sociedade para sociedade, de cultura para cultura, ou seja, dentro de uma mesma cultura encontramos múltiplas subjetividades. A criança aparece, então, como fonte de inspiração e aprendizagem para o adulto. Com essas visões naturalizadas da infância, convive uma idéia da criança como sujeito que produz cultura e que, por essa razão, é a chave para informar as práticas da Educação Infantil. Se as crianças mudaram, os professores deverão mudar! Somos a raça humana! Somos a síntese e a antítese. Somos, em cada indivíduo, um SER! Somos, na nossa civilização, humano! Não existe ser humano que não aprenda e que não evolua. (COSTALAT, 2002, p.45). Trabalhando há mais de vinte anos com crianças e profissionais da Educação Infantil, na fase pré-escolar, na região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, surgiram os seguintes questionamentos: existe relação entre o desenvolvimento psicomotor e as dificuldades apresentadas pelas crianças no processo de ensinoaprendizagem na fase pré-escolar? As dificuldades de aprendizagem seriam decorrentes de problemas relacionados ao trabalho do professor em sala de aula? Com base nesses questionamentos, o presente trabalho objetiva investigar como as professoras da Educação Infantil, do município de Pinheiral – RJ, utilizam a psicomotricidade, em sua ação educativa, para facilitar o processo de ensinoaprendizagem, nas possíveis dificuldades apresentadas pelas crianças. Desta forma, propomos discutir a importância da psicomotricidade para as crianças da Educação Infantil na fase pré-escolar; identificar as possibilidades de 10 intervenção psicomotora nas dificuldades apresentadas pelas crianças, nesta faixa etária e, construir um curso de pós-graduação Lato Sensu em Psicomotricidade na Educação Infantil. Na intenção de compreendermos como o professor da Educação Infantil utiliza-se da psicomotricidade para favorecer o desenvolvimento das crianças no processo de ensino-aprendizagem, realizamos uma pesquisa bibliográfica, não com o intuito de mera repetição do que já foi dito ou escrito sob este assunto, mas realizar um exame minucioso a respeito deste tema, com novo enfoque a fim de chegar a conclusões inovadoras. De acordo com Manzo (1971, p. 32), a pesquisa bibliográfica ―oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram suficientemente‖. Para levantamento dos dados referente ao trabalho do professor optamos pelo questionário, com base na formulação proposta por Young e Lundberg (apud Pessoa, 1998) que afirmam que o questionário deverá ser construído em blocos temáticos obedecendo uma ordem lógica na elaboração das perguntas, sendo sua redação feita em linguagem compreensível ao informante. A formulação das perguntas deverá evitar a possibilidade de interpretação dúbia, sugerir ou induzir a resposta, sendo as perguntas relacionadas aos objetivos da pesquisa. Através da nossa experiência profissional, foi observado que alguns professores, em seu cotidiano, organizavam atividades lúdicas, envolvendo a psicomotricidade, mas, de forma aleatória, não orientada à aquisição de habilidades motoras específicas. Isto pode ocorrer, provavelmente porque o professor da Educação Infantil talvez não tenha uma fundamentação teórica sobre psicomotricidade e, muito menos, o conhecimento da necessidade de uma prática psicomotora direcionada, com objetivos para cada faixa etária, para que a atividade motora lúdica, fonte de prazer, permita à criança prosseguir a organização de sua ―imagem‖ e ―esquema‖ corporal ao nível do vivido sendo que tal ação sirva de ponto de partida na sua organização prática em relação ao desenvolvimento das atitudes de análise percepto-motora (OLIVEIRA, 2007). 11 A psicomotricidade é uma ciência que, por ter o homem em movimento como objeto de estudo, envolve o desenvolvimento global e harmônico do indivíduo desde o nascimento. Por se tratar de uma ligação entre psiquismo e a motricidade, passa a englobar a área educacional e da saúde, atingindo o indivíduo em sua totalidade. A prática psicomotora deve ser entendida como um processo de ajuda que acompanha a criança em seu próprio percurso maturativo, que vai desde a expressividade motora e do movimento, até o acesso a capacidade de descentração. Esse processo permite que a criança faça uma análise cognitiva das qualidades dos objetos, dos parâmetros espaciais e temporais, realizando associações, comparações e agrupamentos, ordenando os objetos segundo diferentes critérios, categorias e classificações e criando espaços mediante a utilização de estratégias baseadas na lógica, apropriando-se, por meio deles, da lógica matemática e do pensamento operatório de Piaget (1996). Dessa forma, os objetivos da prática psicomotora se constituem num meio adequado, que favorece o processo de ensino-aprendizagem respeitando o processo maturativo de cada criança (SÁNCHEZ et al, 2003). A importância do trabalho psicomotor no processo de ensino aprendizagem é enfatizada por Piaget, Wallon, La Pierre e Le Boulch. De acordo com Le Boulch (1986) a educação psicomotora condiciona todos os aprendizados pré-escolares, levando a criança a tomar consciência do seu corpo no espaço e no tempo, adquirindo habilidades de coordenar seus gestos e movimentos. Previne dificuldades que possam surgir durante o processo de ensinoaprendizagem na faixa etária estudada. Segundo Lapierre (1986) e Le Boulch (1986) a psicomotricidade deve ser uma formação de base indispensável para toda criança, pois oferece uma melhor capacitação ao aluno para maior assimilação das aprendizagens escolares. Um bom desenvolvimento psicomotor proporciona ao aluno algumas capacidades básicas para um desempenho escolar favorável. 12 Piaget (1996) enfatiza que as atividades sensório-motoras são de suma importância para o desenvolvimento da inteligência. Desta forma, a partir da Educação Infantil, deve ser dada ênfase à atividade motora global, sendo o movimento, fundamental para desenvolver ou fazer surgir inúmeras habilidades motoras, pois há um rápido aperfeiçoamento dos movimentos adquiridos nas fases anteriores, favorecendo a combinação entre os movimentos e uma melhor qualidade dos mesmos. (...) o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo. O movimento (ação), pensamento e linguagem são unidades inseparáveis. O movimento é o pensamento em ato, e o pensamento é o movimento em ato (WALLON, 1979, p.33). Para Wallon (1979), na evolução da criança, estão relacionadas a motricidade, afetividade e a inteligência. A motricidade é uma das origens da vida intelectual, e assim se caracteriza como um dos elementos fundamentais da Educação Infantil. O conhecimento, a consciência e o desenvolvimento geral da personalidade da criança não podem ser isolados das emoções. Sendo assim, no processo de construção do conhecimento, elas utilizam as mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nesta perspectiva constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. Compreender, conhecer e reconhecer o jeito das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da Educação Infantil e de seus profissionais. Nessa perspectiva, a escola na figura do professor é mediadora entre as crianças e os objetos de conhecimento, organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagem através da articulação de recursos e capacidades culturais, afetivas, emocionais, sociais e cognitiva de cada criança com seus conhecimentos prévios e com os conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento humano. Na instituição de Educação Infantil o professor constitui-se, portanto, o parceiro mais experiente, por excelência, cuja função é propiciar e garantir um ambiente rico, prazeroso, saudável, sendo capaz de detectar possíveis dificuldades que possam surgir durante o processo de ensino-aprendizagem, 13 podendo trabalhá-las no âmbito escolar e não encaminhando a profissionais especializados (OLIVEIRA, 2007). É, portanto, imprescindível que o professor da Educação Infantil detenha um conhecimento adequado sobre o desenvolvimento psicomotor das crianças, já que, a psicomotricidade se apresenta como uma alternativa a ser utilizada por ele, diante de possíveis dificuldades que possam surgir no processo de ensino aprendizagem, pois oferece uma maior capacitação a criança na assimilação das aprendizagens escolares. Pensando na formação destes profissionais, o presente trabalho está estruturado como descrito a seguir: no primeiro momento foi realizado revisão da literatura compreendendo a história da Psicomotricidade no mundo e no Brasil. Em seguida, abordamos os elementos básicos, desenvolvimento cronológico e as formas de intervenção psicomotora e depois relacionamos Psicomotricidade e Educação. Num segundo momento abordamos a concepção de infância e a história da Educação Infantil no mundo e no Brasil, assim como a organização do referencial curricular, organização por idades, organização em âmbitos e eixos. A formação do professor que trabalha com a faixa etária estudada, também será descrita neste momento. Em seguida fizemos a descrição da pesquisa com discussão dos resultados e a partir daí, apresentamos nossa proposta de um curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicomotricidade. Trata-se de uma proposta visando contribuir para a formação continuada do professor da Educação Infantil através da utilização de recursos psicomotores que possam favorecer a aquisição de habilidades básicas para aprendizagens futuras. 14 2. PSICOMOTRICIDADE 2.1 HISTÓRICO DA NOÇÃO DE CORPO Através do percurso histórico, do corpo discursivo e simbólico, o mesmo ficará marcado pelas diferentes concepções que o homem vai construindo ao longo da história. O corpo dentro da mitologia é aquele cujo sentido está na possibilidade de dar forma e explicação aos conflitos e sentimentos inexplicáveis. Ou seja, os deuses em suas configurações corporais representam aquilo que os homens sonham em ser, tornando possível conviver com os mais difíceis conflitos do ser humano, que resulta da impotência imposta por seus limites, como por exemplo: limites da dor, morte, sofrimento e fugacidade da vida. A palavra corpo provém, por um lado, do sânscrito garbhas, que significa embrião e, por outro lado, do grego karpós, que significa fruto, semente, envoltura e, por último do latim corpus, que significa tecido de membros, envoltura da alma, embrião do espírito (LEVIN, 2003). Utilizando da etimologia acima, percebemos que a envoltura da alma e o embrião do espírito nos remetem ao corpo anatômico e fisiológico que se constitui singularmente pelas experiências e vivências no mundo vivido, permitindo a imersão da corporeidade que se constrói no emaranhado das redes sociais e culturais, possibilitando o surgimento da multiplicidade de concepções corporais na história da humanidade. Da civilização oriental à civilização ocidental e, dentro desta, a civilização grega, passando pela Idade Média, até os nossos dias, a significação do corpo vem sofrendo inúmeras transformações. Na Antiguidade, havia uma dicotomia entre o corpo e a alma, mas na busca de um corpo belo, através do culto excessivo do esplendor físico, enfatizando músculos bem desenvolvidos considerados sinal de masculinidade. A concepção de Platão pressupõe a noção de instrumentalidade do corpo: sendo apenas lugar de transição da existência no mundo de uma alma imortal. Onde o primeiro elemento da educação do espírito e do corpo está em alimentá-lo e mexê- 15 lo a cada momento, afirmando haver uma separação distinta entre corpo e alma. (Bueno, 1998). Para Aristóteles o corpo era matéria moldada pela alma. A alma é que põe o corpo em movimento, sendo ela a forma do corpo. Enunciava, assim, um primórdio de pensamento psicomotor quando analisou a função da ginástica para melhorar o desenvolvimento do espírito. Afirmava que o homem era constituído de corpo e alma e valorizava bastante a ginástica, pois ela servia para dar graça, vigor e educar o corpo. De acordo com suas idéias, a ginástica deveria ser desenvolvida até o período da adolescência com exercícios não muito cansativos para não prejudicar o desenvolvimento do espírito, dando a esta uma conotação de movimento, como algo mais do que simplesmente o exercício pelo exercício (MASSUMI, 2005). No século XVIII Descartes estabelece ―princípios fundamentais‖ a partir dos quais se acentua a dicotomia: o corpo, ―que é apenas uma coisa externa que não pensa‖, e a alma, substância pensante por excelência que ―não participa de nada daquilo que pertence ao corpo‖. O dualismo corpo – alma marca, por um lado, a separação, mas, ao mesmo tempo e contraditoriamente, sua união. Separações e uniões que formam uma continuidade e articulação ao longo da história, tentando fornecer explicações do corpo e da ―alma‖ do sujeito (LEVIN, 2003). No século XIX, como advento do capitalismo e os movimentos de emancipação da mulher, o corpo é mais uma vez submisso de uma mente que impera e carrega em sua estrutura a luz capaz de esclarecer as dúvidas e trazer a verdade: o corpo torna-se objeto, ou seja, um artefato cultural que pode agora ser moldado, segundo modelos e padrões que dita uma estética de beleza. É o fenômeno da corpolatria, que presenciamos tão intensamente, onde há o endeusamento do corpo, como sendo um fenômeno que não descarta a possibilidade de ―morte do corpo‖ para o espírito, recolocando, de forma invertida a velha dicotomia. Tentamos mostrar como a concepção de corpo atravessou a história e chegou aos nossos dias. Mas, talvez a grande conclusão a que possamos chegar 16 seja, a de que a relação do homem com seu corpo nunca será objetiva, mas carregada de valores e sentimentos. 2.2 HISTÓRIA DA PSICOMOTRICIDADE A pré-história da psicomotricidade começa desde que o homem fala, já que a partir desse instante falará por meio do seu corpo. Sua história é solidária à história do corpo. Historicamente o termo ―psicomotricidade‖ aparece a partir do discurso médico, mais precisamente neurológico, no final do século XIX, quando foi necessário nomear as zonas do córtex cerebral, situadas além das regiões ―motoras‖. Foi Dupré, neurologista francês que, em 1907, com seus estudos clínicos, definiu a síndrome da debilidade motora, dando partida à psicomotricidade (PM) sendo composta de: sincinesias (movimentos involuntários que acompanham uma ação), paratomias (incapacidade para relaxar voluntariamente uma musculatura) e inabilidades, sem que lhes sejam atribuídos danos ou lesão extrapiramidal. Ele rompeu com os pressupostos da correspondência biunívoca entre a localização neurológica e as perturbações motoras da infância e formulou a noção de psicomotricidade através de uma linha filosófica neurológica, evidenciando o paralelismo psicomotor, ou seja, a associação estreita entre o desenvolvimento da psicomotricidade, inteligência e afetividade (LEVIN, 2003). Desta forma, o autor acima afirma (apud FALCÃO, 2005, p. 14) que ―entre certas alterações mentais e as alterações motoras correspondentes existe uma união tão íntima que parecem constituir verdadeiras paralelas psicomotoras‖. A patologia cortical, a neurofisiologia e neuropsiquiatria são conhecidas como as três vias de acesso do conceito de psicomotricidade. Já no século XIX, são descobertos ―distúrbios da atividade gestual e da atividade práxica‖, sem que anatomicamente estejam circunscritos a uma área ou parte do sistema nervoso. Portanto, o ―esquema estático anátomo-clínico‖, que determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal, já não podia explicar alguns fenômenos patológicos. Justamente, é a necessidade médica de 17 encontrar uma área que explique certos fenômenos clínicos que nomeia, pela primeira vez, o termo psicomotricidade, no ano de 1870 (CAMUS, 1986). Em 1918, pesquisas realizadas pela psicanálise, em particular os trabalhos de Spitz e Winnicot, salientaram a importância do afeto no desenvolvimento. A situação afetiva das crianças portadoras de transtornos psicomotores era peculiar, devido a uma situação social de pós-guerra, sem pais, em orfanatos ou nas ruas. Foi constatado que a imaturidade afetiva era a causa principal das dificuldades motoras. Depois da Segunda Guerra Mundial e da teoria de Freud, por volta de 1845, sob o impulso da psicanálise, se orientou a reeducação psicomotora. Surgindo na França a ―Sociedade dos Terapeutas Psicomotores‖, nas figuras de Mazza, Degh, Diamant e Simone Ramain (FERRONATTO, 2006). A corrente educativa nasceu da influência da Educação Física, que não teve condições de corresponder às necessidades de uma educação real do corpo, assim em 1966 foi utilizada a palavra psicocinética (teoria do movimento) correspondendo à escolha definitiva na educação do corpo. Segue então, a educação psicomotora em busca de sua própria identidade (OLIVEIRA, 2007). O grande pioneiro da psicomotricidade vista como campo científico é o médico, psicólogo e pedagogo Henry Wallon (1879-1962). Segundo Fonseca (1998), este forneceu observações definitivas acerca do desenvolvimento neurológico de recém-nascido e da evolução psicomotora da criança. Wallon dizia que ―o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo‖. Na evolução da criança, portanto, estão relacionadas à motricidade, afetividade e a inteligência. Para ele, a motricidade é uma das origens da vida intelectual, e assim se caracteriza como um dos elementos fundamentais da Educação Infantil. O conhecimento, a consciência e o desenvolvimento geral da personalidade não podem ser isolados das emoções. Wallon (1979) realizou um importante trabalho sobre os aspectos psicofisiológicos da vida afetiva, a consciência corporal, a relação intrínseca tônus – 18 emoção, chamando de diálogo tônico, assinalando que a atividade de relação e a atividade postural têm em sua origem, uma raiz comum. Em 1935, impulsionado pelas obras de Wallon, Edouard Guilman (1901-1983) inicia a prática psicomotora, que estabelece, por meio de diferentes técnicas provenientes da neuropsiquiatria infantil, a reeducação psicomotora, que são exercícios para reeducar a atividade tônica, a atividade de relação e o controle motor. Esta primeira aproximação ―prática‖ entre a conduta psicomotora e o caráter da criança foi utilizada posteriormente, como modelo para diferentes reeducadores pedagógicos e psicomotores, como, por exemplo, na Argentina, por Dalila M. Costallat. Era um trabalho dirigido a crianças que apresentavam déficit em seu funcionamento motor e não governavam bem o próprio corpo, o que ocasionava uma série de problemas em seu meio social (LEVIN, 2003). Na Alemanha, em 1942, Kofka, Kohler e os psicólogos da Gestalt interessaram-se pelos mecanismos da percepção. Ainda nesta época, os trabalhos de Schultz e de Jacobson definiram os primeiros métodos de relaxação. Na área da psicologia evolutiva, os psicopedagogos Clapariede, Montessori e Piaget estudaram o desenvolvimento sensório-motor da criança, propiciando uma melhor compreensão de seu desenvolvimento (LEVIN, 2003). Piaget (1896-1980) foi um dos autores que mais estudou as inter-relações entre a psicomotricidade e a percepção, através de ampla experimentação. Descreveu a importância do período sensório-motor e da motricidade principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. Para ele, o desenvolvimento mental se constrói, paulatinamente, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua, de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Segundo Oliveira (2007) a inteligência, portanto, é uma adaptação ao meio ambiente, sendo que para que isso aconteça, é necessário inicialmente a manipulação dos objetos do meio com a modificação dos reflexos primários. (...) adaptação se dá na interação com o meio e se faz por intermédio de dois processos complementares: assimilação, que é o processo de incorporação dos objetos e informações às estruturas mentais já existentes; 19 e a acomodação significando a transformação dessas estruturas mentais a partir das informações sobre os objetos. (OLIVEIRA, 2007, p.31). Em 1947-1948 Ajuriaguerra e Diatkine provocaram uma mudança na história da psicomotricidade e redefiniram o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome de propriedades particulares. Contudo, Ajuriaguerra (1980), em seu livro ―Manual de Psiquiatria Infantil‖, afirma que os transtornos psicomotores oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico. O início da década de 1960 foi rico nos planos teóricos e práticos. Nesse momento, Ajuriaguerra definiu terapia psicomotora: É uma técnica que por intermédio do corpo e do movimento dirigi-se ao ser na sua totalidade. Ela não visa à readaptação funcional por setores e muito menos, a supervalorização do músculo, mas a fluidez do corpo no seu meio. Seu objetivo é permitir ao indivíduo melhor sentir-se no espaço, no tempo, no mundo dos objetos e chegar a uma modificação e a uma harmonização com o outro (AJURIAGUERRA, 1980, p. 213). As contribuições de Ajuriaguerra, por volta de 1960, somadas às de Wallon e Piaget; influenciaram o curso de pensamentos de outros autores como: R. Diatkine, C. Launay, J. Berges, Jolivet, S. Lebovici, permitindo-lhes redefinir os objetos da psicomotricidade, dando ênfase especial à relação, às emoções e ao movimento. Essas redefinições também sofreram influência de conceitos psicanalíticos relativos ao campo de afetividade, destacando-se psicanalistas como S. Freud, M. Klein, J. Lacan, W. Reich, P. Schilder, F. Dolto, Samí Alí, D. Winnicott, Manoni, entre outros. Ajuriaguerra (1980) afirma ser um erro estudar a psicomotricidade apenas por um prisma do plano motor, sem estar acompanhada de um plano mental. É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos objetos e é manipulando-os que ela redescobre o mundo; porém, esta descoberta a partir dos objetos só será verdadeiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e de largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada. A psicomotricidade não é exclusiva de um método, ou de uma ―escola‖ ou de uma ―corrente‖ de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento humano (AJURIAGUERRA, 1980, p. 210). Na década de 1970, devido à influência dos trabalhos de Wallon, surgem os trabalhos na educação psicomotora, por Le Boulch, que desde 1966, em seu livro ―A 20 Educação pelo Movimento‖, tinha como objetivo inicial sensibilizar os professores do primeiro grau, quanto ao problema da educação psicomotora na escola, pois era um contexto desfavorável à pedagogia da época, centrada na aquisição das ―Habilidades Escolares de Base‖. Para Le Boulch (1986, p. 25) A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados préescolares; leva a criança a tomar consciência do seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir quando já estruturadas. Somaram-se a estes, os trabalhos de L. Picq (1985), P. Vayer (1984), A. Lapierre (1986), B. Auconturier (apud LEVIN 2003), Defontaine (apud LEVIN 2003), J. C. Coste (1997) e outros, que percebiam nesse momento a educação psicomotora, enquanto maneira original de ajudar a criança inadaptada a desenvolver suas potencialidades e ter acesso ao mundo escolar. Os autores trouxeram conhecimento e soluções inspiradas na psicologia genética, a qual afirmava que a criança desenvolve o conhecimento de si mesma e do mundo que a cerca através de sua ação. Com estas novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se de outras disciplinas adquirindo sua própria especificidade e autonomia. De acordo com Levin (2003), as contribuições da psicanálise passaram a integrar os interesses teóricos e metodológicos da psicomotricidade e em 1977, Samí Alí, lança uma proposta para articulações entre as teorias psicanalíticas e a psicomotricidade. Sendo assim, a psicomotricidade incorpora em suas construções teóricas vários conceitos psicanalíticos, tais como inconsciente, transferência, imagem corporal, sublimação e outros, formando um esboço de uma teoria psicanalítica de psicomotricidade. Ao longo da história no âmbito psicomotor podem ser especificadas diferentes transições: do motor ao corpo, e deste ao sujeito com um corpo em movimento. Já não é possível confundir o corpo com o sujeito nem o sujeito com o corpo. Eles não 21 são sinônimos, nem tão pouco equivalentes e, é justamente porque tampouco podem ser desamarrados um do outro que a Psicomotricidade é nomeada. Em 1984, Morizot observou que, a partir da década de 30, começaram a ser incorporadas outras noções decorrentes de pesquisas no campo da psicologia e da psicanálise. Charcot trouxe contribuições na área das funções motores, para fazer dela a base da patologia psiquiátrica. Head delimita sua abordagem do esquema corporal, Schilder carrega a visão psicanalítica da imagem do corpo. Gesell e Wallon abordam os aspectos psicológicos da vida afetiva, a consciência corporal e a relação intrínseca tônus-emoção. O propósito foi definir a realidade do fenômeno da ―consciência de si‖, que se manifesta como consciência de seu corpo e que permite a auto-percepção (LEVIN, 2003). Nesta época dá-se uma nova definição a psicomotricidade: ―uma motricidade em relação‖, onde se opera uma passagem no enfoque do olhar do psicomotricista, não mais voltado ao plano motor, mas direcionado a um corpo em movimento. Sendo assim, não se trata mais de uma reeducação, mas de uma terapia psicomotora, que se ocupa, observa e opera num corpo em movimento que se desloca e que constrói a realidade, à medida que se emociona e cuja emoção manifesta-se tonicamente neste corpo. Visto dessa maneira, essa abordagem, com um enfoque ―global‖ do corpo do sujeito, estaria determinada por três dimensões: uma dimensão instrumental, uma dimensão cognitiva e a dimensão tônico-emocional. A Psicomotricidade é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer e de poder fazer, neste sentido o homem não é exclusivamente um ser motor ou somente um ser psíquico. O homem é psicomotor, é a articulação do ter, do ser, do querer, do poder ser e fazer (OLIVEIRA, 2007). Os norte-americanos insistem sobre a concepção perceptivo-motora e o papel do desenvolvimento motor no desenvolvimento perceptivo. Kephart (apud Lorenzon, 1995) considerou as experiências de espaço e tempo como fase da aquisição, bem como da generalização motora, e sugeriu um programa de exercícios de desenvolvimento perceptivo motor, de controle ocular e de percepção da forma. Por 22 outro lado, Cratty estudou o comportamento perceptivo motor numa visão global do movimento, ligada ao desenvolvimento intelectual e esquematizou sua teoria na pirâmide do comportamento perceptivo motor. Ainda neste período, Getman iniciou uma investigação do complexo visuo-motor e Frostig, por seu conhecimento no campo das dificuldades escolares e seu teste evolutivo de percepção visual, assentou seu trabalho na educação e reeducação das aquisições visuoperceptivomotoras, considerando-as básicas e essenciais para o sucesso escolar (LORENZON, 1995). No Brasil, a história da Psicomotricidade segue os passos da Escola Francesa. Os primeiros documentos registram seu nascimento na década de 1950, quando Cruspun já mencionava atividades psicomotoras indicadas no tratamento de distúrbios de aprendizagem. Os estudos de Dupré e Charcot originados da via instinto-emocional – buscando respostas sobre crianças com dificuldades escolares – nortearam também os cientistas sul-americanos e brasileiros a encontrarem, na França, o refúgio para suas dúvidas. Era clara e nítida a influência da Escola francesa de Psiquiatria Infantil, da Psicologia e da Pedagogia, no Brasil e no mundo e, finalmente, na história da Psicomotricidade (COSTALLAT, 2002). Na década de 1960, o governo de Minas Gerais, preocupado em fundar a primeira escola de formação de professores de grau superior, convida a psicóloga russa, Dra. Helena Antipoff, a trazer para o Brasil suas experiências e pesquisas com crianças diferenciais. Sendo assim, esta traz sua experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do interesse, derivada do conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como uma conquista social (COSTALLAT, 2002). Ainda nesta década surgia o questionamento sobre qual era área de atuação profissional da psicomotricidade: a Psicologia, Educação Física, ensino especial, Fonoaudiologia, Fisioterapia etc. Contudo, foi na década de 1970 que realmente eclodiu a psicomotricidade no Brasil. Em 1980, é fundada a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP), entidade de caráter científico-cultural sem fins lucrativos, promovendo congressos, 23 encontros científicos, cursos, entre outros. Em 1999 a SBP define a psicomotricidade como: ciência que tem como objeto de estudo, o homem através do seu corpo em movimento em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Segundo Fonseca (2004), a psicomotricidade na contemporaneidade constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo e da motricidade humana. Seu objeto é o sujeito humano total e suas relações com o corpo, sejam elas integradoras, emocionais, simbólicas ou cognitivas, favorecendo o desenvolvimento das faculdades expressivas do mesmo, nas quais, por esse contexto, assume uma dimensão educacional preventiva, com objetivos e meios próprios que se destacam de outras abordagens. Ainda de acordo com Fonseca (2004) a psicomotricidade, em termos de matriz teórica, compreende um ramo interdisciplinar de conhecimentos, no qual se cruzam várias contribuições científicas, além de conceitos psicobiológicos e psicofisiológicos inerentes ao estudo da função tônico-postural, da percepção e da motricidade expressiva. Integra também conceitos: Psicológicos (desenvolvimento psicomotor, gênese da noção do corpo, formação do caráter e da personalidade, etc); Psiquiátricos (noção de inconsciente, emergência das pulsões, síndromes de despersonalização, anorexias mentais, hipocondrias, etc); Psicossomáticos (dimensão imaginária do corpo, simbiótica e simbólica corporal, etc); Psicolingüísticos (linguagem pré-verbal, linguagem interior e gestual, etc); Fenomenológicos (o sentir o corpo como objeto afetivo, percepção corporal, espacialidade do próprio corpo, motricidade abstrata, intencionalidade motora e análise existencial dos problemas perceptivos, etc); Sociológicos (comunicação não-verbal, proxêmica, etc). 24 Em suma, a psicomotricidade procura aprofundar a interação de dois componentes importantes do comportamento humano: por um lado, a motricidade, entendida como um sistema dinâmico que subentende a organização de um equipamento neurobiológico, sujeito ao desenvolvimento e à maturação e por outro, o psiquismo, entendido como funcionamento de uma atividade mental, composta de dimensões sócio-afetivas e cognitivas. 2.3 ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE Estes são compreendidos como: tônus muscular, equilíbrio, coordenação motora global, coordenação motora fina, coordenação óculo-manual, esquema corporal, imagem corporal, conceito corporal, lateralidade, estruturação espacial, estruturação temporal, percepção visual e percepção auditiva, que serão brevemente descritos, a seguir: a) tônus muscular: é uma tensão ligeira e permanente do músculo esquelético no seu estado de repouso, estando presente em todas as funções motrizes do organismo, tais como equilíbrio, coordenação e movimento. o tônus surge como uma função que assegura a preparação da musculatura para as múltiplas e variadas formas de atividade motora, desde a postura, as diversas formas de locomoção e de atividade até as praxias mais complexas; e está ligado aos aspectos neurofisiológico, hereditários e de maturação (PAILLARD, 1996 apud FONSECA, 2008, p. 184). Ajuriaguerra (1980, p. 210) refere-se a duas formas de tonicidade: de repouso (ou de fundo): de caráter permanente; de atividade: de característica da ruptura da atitude. Entre estas duas formas há uma interação recíproca com sistemas de referências complexas, que se traduz na complementaridade sensório-motora, sendo à base de integração da psicomotricidade em níveis mais hierarquizados do cérebro. b) equilíbrio: é à base de sustentação de toda coordenação entre os movimentos dos vários seguimentos corporais entre si e no seu todo. Desta forma não pode 25 haver movimento sem atitude, como também não pode haver coordenação de movimento sem um bom equilíbrio, pois isso permite o ajustamento do homem ao meio. Segundo Tubino (2003, p. 190) é ―a colocação perfeita do centro de gravidade e a combinação perfeita de ações musculares com o propósito de sustentar o corpo sobre uma base‖. O equilíbrio pode se classificar em dois tipos: Equilíbrio estático – que são movimentos não locomotores como, por exemplo, ficar de pé, apenas com a ponta dos pés tocando o solo, com elevação dos calcanhares e os pés unidos. Equilíbrio dinâmico – são movimentos locomotores como, por exemplo, o andar em marcha normal sobre uma linha pré-delimitada. Equilíbrio recuperado – é a qualidade física que explica a recuperação do equilíbrio numa posição qualquer. c) coordenação motora global: diz respeito à atividade dos grandes músculos, e depende da capacidade de equilíbrio postural, subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas. Através da movimentação e da experimentação, o indivíduo procura seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando um equilíbrio cada vez melhor, vai coordenando seus movimentos, se conscientizando de seu corpo e das posturas. A coordenação motora global e a experimentação levam a criança a adquirir a dissociação de movimentos, possibilitando a realização de múltiplas práxias ao mesmo tempo, com cada membro realizando uma atividade diferente, havendo uma conservação de unidade do gesto. Diversas atividades levam à conscientização global do corpo, como andar, que é um ato neuromuscular que requer equilíbrio e coordenação; correr, que requer, além destes, resistência e força muscular; e outras como saltar, rolar, pular, arrastar-se, nadar, lançar-pegar, sentar (OLIVEIRA, 2007). d) coordenação motora fina: diz respeito à habilidade manual e destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global. Uma coordenação elaborada dos dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos, pois é através do ato de preensão que uma criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de seu 26 meio ambiente. Brandão (apud OLIVEIRA, 2007, p. 42) ―analisa a mão como um dos instrumentos mais úteis para a descoberta do mundo, afirmando que ela é um instrumento de ação a serviço da inteligência‖. e) coordenação óculo-manual: é a habilidade de coordenar o movimento ocular com os movimentos do corpo, acompanhando os gestos das mãos de forma coordenada para se realizar determinada atividade. Efetua-se com precisão sobre a base do domínio visual previamente estabelecido ligado aos gestos executados, facilitando, assim, uma maior harmonia do movimento. Para Ajuriaguerra (1980), os fatores decisivos de precisão da coordenação óculo-manual necessários para o desenvolvimento da escrita dependem: da maturação geral do sistema nervoso, desenvolvimento psicomotor geral em relação à tonicidade, coordenação dos movimentos e desenvolvimento da motricidade fina dos dedos e da mão. f) esquema corporal: se constrói a partir da experiência corporal e se organiza pela experienciação do corpo em seu meio. O termo nasceu em 1911 com o neurologista Henry Head, tendo um cunho essencialmente neurológico. Segundo Head (apud Oliveira, 2007, p. 48), ―o córtex cerebral recebe informações das vísceras, das sensações e percepções táteis, térmicas, visuais, auditivas e de imagens motrizes, o que facilitaria a obtenção de uma noção, um modelo e um esquema de seu corpo e de suas posturas‖. Para Rosa Neto (2002), o esquema corporal pode ser definido no plano educativo como a base de toda organização da personalidade. A elaboração corporal segue as leis da maturidade céfalo-caudal, próximo distal e de movimentos globais para movimentos específicos. Segundo Le Boulch (1986), a construção do esquema corporal, isto é, a organização das sensações relativas a seu próprio corpo em associação com os dados sensoriais múltiplos proprioceptivos, exteroceptivos e interoceptivos, exerce um papel fundamental no desenvolvimento da criança. Essa organização é o ponto de partida de suas diversas possibilidades de ação, através do corpo estático ou em movimento, e suas relações com as partes do corpo, com o espaço, com as pessoas com quem convive, com os objetos circundantes e com o mundo onde estabelece 27 ligações afetivas e emocionais. Assim, o esquema corporal possui três etapas, onde cada uma delas possui aprendizagens próprias, em razão da evolução da maturação da criança e de sua idade cronológica. Corpo vivido (até três anos de idade): corresponde à fase da inteligência sensório-motora de Piaget. Os primeiros movimentos do bebê são através dos outros, ou seja, em virtude da imagem do outro em movimento é que ele aprende a mover-se (imitação). Essa etapa é dominada pela experiência vivida pela criança através da exploração do meio. Até o fim do primeiro ano de vida, o bebê aprende a eliminar todos os comportamentos que não lhe são proveitosos, estabelecendo ligações entre seus movimentos e suas sensibilidades. É uma fase marcada pelo movimento constante, o que possibilita experiência subjetiva de seu corpo e a ampliação de sua experiência motora. Corpo percebido ou descoberto (três a sete anos): corresponde à ―função de interiorização‖. Le Boulch (1986, p.18) define a função de interiorização como a ―possibilidade de deslocar sua atenção do meio ambiente para seu próprio corpo a fim de levar à tomada de consciência‖. Nesta etapa, a criança passa a aperfeiçoar e refinar seus movimentos, conquistando uma melhor coordenação dentro de um espaço e tempo determinado. Ela chega à representação mental dos elementos do espaço, descobre sua dominância e com ela seu eixo corporal. Passa a ver seu corpo como ponto de referência para se situar e situar os objetos em seu espaço e tempo. Com o tempo pode chegar à estruturação espaço-temporal, a qual ocorre a partir de seu próprio corpo. Assimila conceitos como embaixo, acima, direita, esquerda etc., além das noções temporais: o que vem antes, depois, primeiro, último. O final desta etapa pode ser caracterizado como período préoperatório da teoria de Piaget, porque está submetido à percepção num espaço em parte representado, mas ainda centralizado sobre o próprio corpo. Corpo representado (sete a doze anos): esta etapa compreende a estruturação do esquema corporal, pois já apresenta a noção do todo e das partes de seu corpo, conhece as posições e consegue movimentar-se adequadamente no meio ambiente com um maior controle e domínio corporal. A partir daí, a criança amplia e organiza seu esquema corporal. No início desta fase, a imagem corporal é estática e reprodutora, mas por volta dos 10/12 anos a criança começa a possuir 28 uma imagem mental do corpo em movimento. É a fase da representação mental da imagem do corpo, que revela um trabalho mental em decorrência da evolução cognitiva. Segundo a teoria de Piaget, esta fase, é denominada estágio das operações concretas. Ela é marcada por uma modificação decisiva e importante no desenvolvimento dos seguintes aspectos: mental, inteligência, afetividade e relações sociais da criança (ALVES, 2005). g) imagem corporal: é um conceito introduzido pela primeira vez por L‘Hermitte, mas é Schilder que, em 1935, dá toda dimensão à noção, ultrapassando a realidade neuropsicológica, fazendo-nos descobrir o aspecto mental e social (LE BOULCH, 1986). Segundo Schilder (apud OLIVEIRA, 2007), a imagem corporal seria uma representação mental de nosso corpo e não uma mera percepção e sim uma ―integração de diferentes gestalten‖, sendo uma gestalten biológica e uma em contínua modificação como participante da imagem corporal. A imagem corporal não é estática, ou seja, passa por várias fases ou períodos de maturação para que a criança possa a vir constituir-se como um ser que atua sozinha. A imagem do corpo é função da organização das emoções, o que naturalmente implica e exige a relação com o outro, isto é, implica um determinado tempo e momento. As emoções se expressam, fundamentalmente, no campo mímico corporal, e o corpo, nesta perspectiva, é um emissor de sinais de (e com) significado sociocultural (ALVES, 2005). Segundo Rosa Neto (2002) a imagem corporal como resultado complexo de toda a atividade cinética, sendo esta a síntese de todas as mensagens, de todos os estímulos e de todas as ações que permitem à criança se diferenciar do mundo exterior e de fazer do ―eu‖ o sujeito de sua própria existência, sendo assim, o corpo acaba por ser investido de significados, de sentimentos e de valores muito particulares e absolutamente pessoais. h) conceito corporal: envolve um conhecimento intelectual e consciente do corpo e também da função de seus órgãos. Para Alves (2005, p. 56): 29 (...) a criança aprende os conceitos e as palavras correspondentes aos diferentes segmentos e às diferentes regiões do corpo bem como suas funções, através de diversas modalidades e levando em consideração: Identificação da cabeça, das partes do rosto, do pescoço, do tronco, dos membros inferiores e dos superiores em si, nos outros, em objetos, em gravuras; Representação mental e repetição verbal e mental, que seria a introjeção; Transposição nos outros, em objetos, em gravuras; Transcrição: o introjetado é projetado através de habilidades manuais e representações gráficas; Conhecimento e consciência dos órgãos dos sentidos, com suas respectivas funções; Conhecimento, consciência e educação da respiração. A nominação das partes do corpo, como diz Ajuriaguerra (1980, p.343), ―confirma o que é percebido, reafirma o que é conhecido e permite verbalizar (por um mecanismo de redução) aquilo que é vivenciado‖. i) lateralidade: é a capacidade de se vivenciar as noções de direita e esquerda sobre o mundo exterior independentemente de sua própria situação física. Difere, portanto, do conceito de dominância lateral, que significa o predomínio ocular, auditivo e sensório motor de um dos membros superiores ou inferiores que deve ocorrer em todas as pessoas (MELLO, 1989, p.39). Segundo Oliveira (2007), lateralidade é a disposição do ser humano utilizar mais um lado do corpo do que o outro em três níveis: mão, olho e pé. De acordo com a autora o lado mais utilizado possui maior força muscular, mais precisão e mais rapidez, sendo ele quem inicia e executa o movimento, o outro lado só auxilia. Os dois lados funcionam de forma complementar. Ainda de acordo com a autora se o ser humano tiver mesma dominância da mão, do olho e do pé do lado direito chama-se destra homogênea; se for do lado esquerdo, chama-se canhota ou sinistra homogênea. Se possuir dominância espontânea nos dois lados do corpo, o que não é comum chama-se ambidestra. Pode ocorrer também de se usar a mão e olho direito e o pé esquerdo ou qualquer outra combinação, o que significa lateralidade cruzada. De acordo com Alves (2005) é partir dos sete anos, que a criança será capaz de perceber que direita e esquerda não dependem somente uma da outra, mas 30 também da posição de outras pessoas em relação a ela e de seus deslocamentos acontecendo, então, uma descentralização de seus pontos de referência. j) estruturação espacial: não nasce com o ser humano, sendo uma elaboração e uma construção mental que se opera através do corpo em movimento em relação aos objetos que estão a seu redor. A estruturação espacial pode ser definida como: a tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em relação ao meio ambiente, isto é, do lugar e da orientação que pode ter em relação às pessoas e coisas; a tomada de consciência da situação das coisas entre si; a possibilidade, para o sujeito, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentá-las. (DE MEUR e STAES, 1984 apud OLIVEIRA, 2007, p. 75) A criança, primeiro percebe a posição de seu próprio corpo no espaço, depois, a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a perceber as relações das posições dos objetos entre si. De acordo com Craick (apud Oliveira, 2007), o espaço é um conceito que se desenvolve principalmente no cérebro, pois construímos nosso mundo espacial por meio da interpretação de dados sensoriais, tais como: audição, tato, mas principalmente à visão e sensações cinestésicas de movimento. Interpretamos essas informações ao mesmo tempo em que construímos os conceitos espaciais. É um círculo vicioso, que ocorre da seguinte forma: Não podemos desenvolver um mundo espacial estável até que aprendamos a interpretar as informações de nossos sentidos em termos espaciais. No entanto, podemos construir este mundo espacial baseados somente nas interpretações espaciais de dados sensoriais (CRAIK apud OLIVEIRA, 2007, p. 76). A importância da estruturação espacial, para a escrita foi afirmada por Ajuriguerra (1980, p. 290): Como sendo uma atividade motora que obedece a exigências muito precisas de estruturação espacial. A criança deve compor sinais orientados e reunidos de acordo com leis; deve, em seguida, respeitar as leis de 31 sucessão que fazem destes sinais palavras e frases. A escrita é, pois, uma atividade espácio-temporal muito complexa. k) estruturação temporal: o tempo é um conceito abstrato que deve ser construído na criança ao longo da vida. A palavra tempo é utilizada para designar os momentos de mudança. O homem se insere no tempo, nasce,cresce e morre, sendo sua atividade uma sequência de mudanças. Segundo Piaget (apud PICQ e VAYER, 1985, p.39): Nunca vemos nem percebemos o tempo como tal, uma vez que, contrário ao espaço ou à velocidade, ele não é evidente. Percebemos somente os acontecimentos, ou seja, os movimentos e as ações, suas velocidades e seus resultados. A criança apresenta maior dificuldade para assimilar o conceito de tempo. Inicialmente, ela sente a passagem do tempo, pelos seus próprios ritmos e necessidades biológicas (fome e sede que obedecem a uma organização rítmica, sincronizada pela alternância vigília-sono). Desta maneira, desde o nascimento, devem-se ajustar os ritmos corporais de uma criança às condições temporais impostas pelo ambiente (hora de se alimentar, tomar banho, dormir, acordar etc), para que haja uma organização da ritmicidade da mesma, que será o primeiro ponto referencial da informação temporal no decorrer do seu desenvolvimento, fazendo com que a mesma adquira a percepção do tempo (ALVES, 2004). Segundo Oliveira (2007) os principais conceitos que as crianças devem adquirir nas etapas da orientação temporal são: simultaneidade, ordem e sequência, duração dos intervalos, renovação cíclica de certos períodos. O ritmo, considerado um dos conceitos mais importante da orientação temporal, não envolve apenas a noção de tempo, mas de espaço, ordem, sucessão, duração e alternância. A combinação de tempo e espaço dá origem ao movimento. Ele traduz o intervalo de tempo a partir de três níveis: o ritmo motor, que é ligado ao movimento do organismo, como andar, correr, etc; o ritmo auditivo, que é trabalhado com algum movimento, sendo que muitas crianças não o percebem, e por último, o ritmo visual que exige uma transferência espaço-temporal. 32 l) percepção visual: de acordo com Fonseca (2008) ver é muito mais do que olhar, é essencialmente, compreender através dos olhos. Desta maneira, a visão torna-se o processo pelo qual o espaço (e tudo que nele está situado) é percebido como um todo, isto é, a visão surge como um receptor e analisador de estímulos espaciais, proximais e distais, e só depois a interpretação da imagem visual pode ser operada. Ainda de acordo com o autor acima citado, aprendemos a ver com todos os sentidos integrados (paladar, olfato, audição, visão, tato-cinestésico, etc.), também postural e comportamental situados e sustentados. Só a partir dessa dimensão comportamental se pode falar de percepção visual. Segundo Frostig (apud FONSECA, 2008), a percepção visual é, em síntese, a capacidade de reconhecer os estímulos, onde, além da recepção das impressões sensoriais captadas do mundo exterior e do próprio corpo, se incluem também a discriminação, a seleção e a identificação dos estímulos na sua correlação com as experiências anteriores ou similares. Sem percepção, o ser humano não pode receber qualquer mensagem do ambiente ou responder a ele de forma adequada. Sendo assim, a percepção visual, junto com a audição e com o sentido tátilcinestésico, é um componente essencial e complementar do comportamento e da aprendizagem. Para Oliveira (2007) uma boa percepção visual possibilita à criança a retenção dos símbolos visuais apresentados, tais como letras, palavras, sinais de pontuação, desenvolvendo assim uma boa memória visual. Esta memória visual por sua vez desempenha papel importante para que a criança tenha condições de formar uma imagem visual das palavras, o que facilita o reconhecimento rápido e instantâneo dos símbolos impressos durante a leitura. No momento em que a criança tiver condições de discriminar as diversas letras, integrar os símbolos, desenvolver a memória visual, ela atingiu a organização visual, componente tão importante ao processo de leitura. m) percepção auditiva: é o resultado da integração das experiências com a organização neurológica, possibilitando o ser humano de responder aos estímulos auditivos. Os nossos receptores auditivos devem ser capazes de mandar as 33 estimulações sonoras para o cérebro que processará, selecionará e armazenará as informações na memória. A discriminação auditiva está muito ligada à atividade motora, mais precisamente com a escrita. (OLIVEIRA, 2007). De acordo com Morais (1986, p.36), ―uma perfeita discriminação auditiva pressupõe uma acuidade auditiva íntegra, mas uma acuidade auditiva integra não implica na perfeita discriminação dos sons‖. Percepção auditiva não tem o mesmo significado de acuidade auditiva. Para Morais (1986), a primeira é a capacidade de se perceber e discriminar auditivamente e sem ambigüidade todos os sons existentes na língua falada. Sendo a segunda a capacidade do ser humano de captar e notar a diferença entre vários sons e entre intensidades diferentes. Para Oliveira (2007) a memória auditiva é de fundamental importância durante o processo de aprendizagem da leitura, pois favorece a retenção, recordação das palavras captadas auditivamente. Neste período as crianças terão que associar o som percebido a uma grafia, sendo assim deverão ter uma boa discriminação auditiva, além da capacidade de simbolização, decodificação e memorização. 2.4 DESENVOLVIMENTO CRONOLÓGICO PSICOMOTOR O desenvolvimento humano é um processo longo e gradual de mudanças, envolvendo de forma integrada o crescimento, a maturação, as experiências pelas quais o ser humano passa e suas adaptações ao meio no qual se encontra inserido. Entendendo que o ser é biopsicossocial, o desenvolvimento se dá nos aspectos físicos ou motor, afetivo, social ou relacional e cognitivo. De acordo com Rosa Neto (2002) desde o momento da concepção, o organismo humano tem uma lógica biológica, uma organização, um calendário maturativo e evolutivo, uma porta aberta à interação e à estimulação. Entre o nascimento e a idade adulta processam-se profundas modificações que só terminam com a morte. Segundo Ferreira (2000), o desenvolvimento humano segue alguns princípios básicos, que devem ser ressaltados, são eles: 34 Desenvolvimento céfalo-caudal – o desenvolvimento é ordenado e previsível, onde as primeiras aquisições se iniciam na região da cabeça e evoluem em direção aos pés. Desenvolvimento próximo-distal – segue a direção da região central (eixo corporal) para as extremidades. O controle dos movimentos processa-se do tronco para os braços, mãos e dedos. Desenvolvimento geral para específico – os movimentos vão inicialmente ser simples e generalizados e mais tarde específicos e refinados. O processo de desenvolvimento humano é perpetuado e garantido nas relações sociais – sendo a educação um dos principais processos da relação humana - e se apresenta como uma forte indutora da constituição das funções mentais superiores, por meio da interação e/ou cooperação entre indivíduos em diferentes espaços e contextos sócio-históricos (ALVES, 2004). Tanto as crianças quanto os adultos apresentam certos padrões de desenvolvimento ao longo da vida que são previsíveis, independente da cultura, do meio sócio-econômico do qual fazem parte. A seguir apresentamos uma síntese do desenvolvimento psicomotor desde o nascimento até aos dez anos de vida, enfatizando a faixa etária de três a seis anos, que compreende a Educação Infantil, mais especificamente a pré-escola, objetivo deste estudo. Capacidades Motoras Referem-se à capacidade do ser humano modificar o seu próprio ambiente, ou seja, mostrar que é capaz de fazer, de agir e faz parte do seu desenvolvimento psicomotor. Durante os primeiros anos de vida, ocorrem mudanças significativas em relação à capacidade de movimento dos seres humanos. A criança passa de uma total dependência dos pais e cuidadores; e do movimento incoordenado e descontrolado, para um bom controle e coordenação, surgindo numerosas habilidades motoras e uma completa autonomia. As etapas do desenvolvimento da 35 criança têm uma base genética, mas as potencialidades inatas só se desenvolvem na medida em que encontra um meio favorável (LE BOULCH, 1986). De acordo com Tani et al. (1988), há dois subestágios que marcam os diferentes momentos de níveis de aquisição em relação às capacidades motoras. São eles: As aquisições do primeiro ano de vida que culminam com a capacidade de locomoção independente, determinado em grande parte pela maturação, visto que dependem de força muscular, reflexos antigravitacionais e um mínimo funcionamento do mecanismo de equilíbrio. Do segundo ao sexto ano de vida, quando ocorre um aperfeiçoamento e um controle de todas as habilidades motoras essenciais (caminhar, correr, saltar, arremessar, quicar, chutar, etc); época em que se chega ao domínio e ao conhecimento das partes do corpo e de habilidades essenciais para novas aprendizagens motoras. Primeiro ano de vida Desde o nascimento, o bebê está em constante luta para dominar o meio ambiente e poder sobreviver nele. Nos primeiros estágios de desenvolvimento, a interação básica do bebê com o ambiente ocorre através dos movimentos. Passa de alguns movimentos iniciais involuntários a um maior controle destes. O meio no qual o bebê crescerá, irá influenciar seu desenvolvimento geral a curto e longo prazo. Nesta fase, o bebê está provido de uma série de reflexos arcaicos, ou seja, movimentos não controlados conscientemente, pois se trata de respostas a estímulos externos que não passam pela zona do córtex cerebral. Os reflexos compartilham, com o resto do processo evolutivo e com as características dinâmicas da maturação infantil. Enraizados no processo de maturação, eles se desenvolvem, se modificam, se adaptam às circunstâncias do momento, do meio, da saúde geral da criança, da sua idade, do seu temperamento, fornecendo o ritmo de seu desenvolvimento psicomotor. Assim, seu sistema nervoso central está preparado 36 para iniciar uma maturação muito importante, que será à base de todo o desenvolvimento psicomotor posterior (CORIAT, 2001). Os princípios básicos que regem o desenvolvimento neuromotor, baseiam-se nas leis cefalo-caudal e próximo-distal, através do quais ocorre o processo de mielinização (recobrimento das células e das ramificações nervosas de mielina que facilita a efetivação de conexões nervosas). Ele inicia-se na cabeça e gradualmente vai passando para as partes distantes (os pés) e, também, começa nas partes mais próximas ao eixo da coluna vertebral e vai para as zonas mais distantes desse eixo (os dedos das mãos e dos pés). Desta forma, o bebê nasce com seus reflexos (de sucção, de preensão, movimentos automáticos, etc.) e com um sistema nervoso que está preparado para uma maturação constante, que permite passar desse movimento involuntário, que representa os reflexos, a outro, consciente e voluntário que é à base do movimento humano. A existência dos reflexos no momento do nascimento e o seu desaparecimento posterior indicam que a maturação do sistema nervoso central segue o caminho correto (GESELL, 1996). Com um sistema nervoso central íntegro o bebê, então, começa a dominar três categorias básicas de movimento para sobreviver e para interagir, de modo efetivo e eficiente, com o mundo. Primeiro, deve estabelecer e manter certa relação do corpo com a força da gravidade, a fim de atingir uma postura sentada ereta e uma postura em pé ereta (estabilidade), depois deve desenvolver habilidades básicas a fim de movimentar-se pelo ambiente (locomoção) e por último deve desenvolver as habilidades rudimentares de alcançar, segurar e soltar para fazer contatos significativos com os objetos (manipulação) (GALLAHUE, 2003). Os movimentos rudimentares acontecem por volta de cinco meses, quando a criança agarra com toda a mão os objetos que estão ao seu alcance e os explora, colocando-os na boca. Aos poucos, vai fazendo movimentos mais precisos, evoluindo de uma preensão cúbito-palmar difusa, para uma radial e mais tarde preensão em pinça fina, utilizando o polegar em oposição com os quatro dedos da mão, o que lhe permite apanhar objetos pequenos, segurando-os com precisão. 37 O bebê utiliza as mãos para explorar o mundo à sua volta e o seu corpo, podendo coordenar as mãos e desassociar delas os movimentos. Constantemente suas ações informam-lhe sobre o funcionamento dos objetos e das pessoas que ali estão ajudando no ponto de vista da evolução de suas capacidades cognitivas. Nessa evolução, intervém a maturação do sistema nervoso central, todo o crescimento ósseo e muscular, como também as experiências afetivas que o bebê possui com as outras pessoas e objetos à sua volta (COSTE, 1997). Durante o decorrer do primeiro ano, costuma-se estudar a maturação do tono muscular (estado de tensão permanente dos músculos), que varia desde uma hipotonia total (pouca tensão muscular), até uma tensão ajustada à situação. Isso permite lembrar que durante o primeiro mês o recém-nascido passa a maior parte do tempo deitado, não conseguindo ainda um bom controle de cabeça. Suas extremidades ainda estão muito flexionadas e aos poucos, seu tono muscular vai aumentando. Graças à maturação do sistema nervoso, ao final do terceiro mês, mantém a cabeça ereta quando colocado sentado. Gradativamente há aumento do tônus do seu tronco e da cabeça e, por volta dos cinco meses, consegue conservar-se sentada quando colocada. Nesse período começa a exploração do ambiente através do arrastar, engatinhar. Com sete para oito meses já consegue sentar-se sozinha. Em torno dos nove meses mantém-se de pé com apoio e por volta dos dez ou doze meses inicia a marcha bípede com e sem ajuda reorganizando novas aquisições motoras para que progressivamente e de forma definitiva conquiste a segurança gravitacional. Segundo Fonseca (2008) para a criança manter-se de pé é necessário a integração das sensações de todos os músculos, tendões e articulações do corpo, incluindo os músculos do pescoço e dos olhos, daí ser um dos eventos mais importantes e mais significativos no desenvolvimento da criança de tenra idade. De uma maneira geral, as sensações emergidas do corpo da criança e da sua motricidade interativa, jogo, imitação, vinculação, afiliação, atenção e observação, possibilitam a estimulação das áreas cerebrais que estão envolvidas na compreensão e utilização dos sons (FONSECA, 2008). 38 Do segundo ao sexto ano de vida A partir dos dois anos de idade a criança torna-se mais ativa, adquirindo consciência de si mesmo, o que de certa forma leva a uma ampliação do seu universo social e individual. Nesta fase de acordo com Gesell (1996), o avanço no domínio do conhecimento do corpo e de suas possibilidades no espaço e no tempo são elementos fundamentais a partir dos quais se analisam as capacidades das crianças, sendo delimitada desde o segundo ano de vida até aos seis anos. Compreendendo, pois, o desenvolvimento do esquema corporal (entendido como a representação que a criança tem de seu corpo, de seus segmentos e de suas próprias possibilidades e limitações de movimento e de ação) e também da organização espaço-temporal. A construção do esquema corporal da criança se dá a partir da maturação neurológica, da evolução sensório-motora e da relação com o corpo do outro num espaço e tempo. Esta etapa será importante na evolução da imagem do corpo, sendo este o instrumento de inserção da criança à realidade (LE BOULCH, 1986). Durante este período, a criança é uma autêntica exploradora do espaço, fazendo uso das aquisições locomotoras aprendidas anteriormente. Ela se move com vários padrões motores porque adquiriu uma consciência sensorial adicional sobre como o seu corpo funciona e sobre como o mundo físico e gravitacional que o cerca opera. Apanha coisas, manipula-as, atira-as para longe, empurra e puxa brinquedos, abre e fecha gavetas e portas, sobe e desce escadas, aventura-se a explorar o espaço fora de casa, promovendo oportunidades múltiplas à sua motricidade global e fina. Em geral, há uma gradativa dissociação motora, ou seja, capacidade motora, possibilitando um encadeamento de movimentos. Assim, seguindo a classificação dessas habilidades, podemos diferenciar entre as de locomoção e de deslocamentos as de não-locomoção e, portanto de estabilidade e equilíbrio, e, finalmente, as de projeção-recepção e manipulação. Sua interação com o mundo externo é um alimento essencial para a construção de seu mundo interior, ou seja, de sua própria identidade (FONSECA, 2008). 39 Ainda de acordo com este autor, as explorações motoras e corporais, vão possibilitar as crianças aprenderem, como a gravidade trabalha e como as diferentes partes do corpo se movem e interagem entre si, o que elas podem e o que não podem fazer. Todas estas sensações oriundas do seu corpo e de sua motricidade acabam por lhe proporcionar uma noção de si cada vez mais integradas. Para Le Boulch (1986) entre quatro e seis anos de idade, há uma harmonia entre o ritmo e o movimento, estabelecendo-se então a dominância lateral, ou seja, a simetria imaginária que divide o corpo em duas partes, denominadas de direita e esquerda, servindo de base a uma melhor organização do corpo no espaço. Em relação à orientação espaço-temporal, Oliveira (2007) coloca que a principal referência para a construção dessas noções será o próprio corpo da criança, e somente mais tarde ela poderá relativizar, à medida que começar a identificar-se em relação ao corpo de outras pessoas e ao meio. O processo de construção dos conceitos temporais tem muito a ver com as vivências da criança no decorrer do dia, sua rotina, o que faz antes de chegar à escola, na escola, em casa, hora do almoço, do banho, de dormir, acordar ou quando se exige que elas sigam ritmos de caminhar devagar ou rápido, ou mesmo pedindo a elas que ordenem uma história em sua sucessão lógica entre outros. As noções temporais e espaciais servirão de base para o desenvolvimento cognitivo e para aprendizagems de conceitos importantes durante o processo de alfabetização na fase da pré-escola. Do sétimo ao décimo ano de vida. Com sete anos, a criança apresenta plena integração do corpo estando pronta para as aprendizagens escolares, já consegue uma auto-organização e boa concentração, podendo processar informações simultânea e sequencial com seus receptores sensoriais proximais e distais, para poder fazer uso de um controle postural desenvolvido e auto-regulado (FONSECA, 2008). 40 Nesta fase a dominância lateral já esta definida, reconhecendo a lateralidade no outro, sua noção de temporalidade vai se aperfeiçoando, começa a conseguir ver horas, mas não os minutos. Aos oito anos, a criança já possui um sistema tátil - cinestésico bastante evoluído. Consegue captar, decodificar, compreender e associar muita informação auditiva, falando e explicando-se de forma adequada para exprimir suas necessidades e interesses (FONSECA, 2008). De acordo com Gesell (1996), por volta de nove anos, os movimentos habituais se tornam mais ágeis, sua postura é mais relaxada e sua percepção mais aguçada. Já é capaz de combinar simultaneamente os movimentos dos membros superiores e inferiores, equilibrando força muscular e habilidades específicas. 2.5 FORMAS DE INTERVENÇÃO PSICOMOTORA As formas de intervenção se subdividem em: estimulação, educação, reeducação e terapia Psicomotora. Estimulação psicomotora É a possibilidade de acompanhar de forma harmoniosa o desenvolvimento normal do bebê. De acordo com Lévy (2004) caracteriza-se por atividades que dão atenção e vão ao encontro das condições que o ser humano apresenta, acompanhando seu estado maturacional, procurando despertar o corpo e a afetividade através de movimentos em forma lúdica, buscando uma harmonização constante. Assim, estimular significa despertar, desabrochar o movimento. De forma geral, dirige-se aos recém-natos e às crianças da Educação Infantil e pré-escolares. Educação psicomotora A partir do nascimento, com o corpo em movimento inicia-se a educação psicomotora, abrangendo todas as aprendizagens da criança e favorecendo seu desenvolvimento biopsicossocial, processando-se por etapas progressivas e específicas de acordo com o ritmo maturacional de cada indivíduo. Dirige-se 41 basicamente às crianças em fase escolar, mais especificamente Educação Infantil e pré-escola. Pode ser realizada pelos familiares, pelos cuidadores com a participação dos educadores que possuem conhecimento sobre o desenvolvimento psicomotor infantil. Vários autores, citados a seguir, dão ênfase a essa área de atuação e acreditam que a base educativa permeia todas as outras (estimulação, reeducação e terapia). A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola elementar, pois ela é o ponto de partida de todas as aprendizagens pré-escolares e escolares. Ela possibilita a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilidades de coordenar seus gestos e movimentos (LE BOULCH, 1986, p.24). Picq e Vayer (1985) sugerem que os principais objetivos da educação psicomotora, sejam a investigação das técnicas que favoreçam a consciência corporal, domínio do equilíbrio, controle do corpo e mais tarde a eficácia das diversas coordenações gerais e segmentares, organização do esquema corporal, lateralidade, organização espaço-temporal, conduta respiratória com a finalidade de possibilitar a criança uma melhor adaptação ao mundo exterior. O papel e o lugar da educação psicomotora corresponderão, naturalmente, às diferentes etapas do desenvolvimento da criança, e assim entende-se que: no curso da primeira infância toda educação é educação psicomotora; no curso da segunda infância a educação psicomotora permanece sendo o núcleo fundamental de uma ação educativa que começa a diferenciar-se em atividades de expressão, organização das relações lógicas e as necessárias a aprendizagens de leitura-escrita-ditado; no curso da ―grande infância‖ a diferenciação entre as atividades educativas se faz mais acentuadamente, e a educação psicomotora mantém então a relação entre as diversas atividades que concorrem simultaneamente ao desenvolvimento de todos os aspectos da personalidade (VAYER, 1984, p. 193). Lapierre (1986, [s.p]), diz que a educação psicomotora ―é uma ação psicopedagógica que utiliza os meios da Educação Física, com a finalidade de normalizar ou melhorar o comportamento do indivíduo‖. Desta forma, enfatiza-se que a ação educativa da psicomotricidade se ocupa e opera num corpo em movimento. Este corpo que constrói a realidade, que conhece à medida que começa a movimentar-se, que tem sentimento, que se emociona, cuja emoção se manifesta tonicamente. 42 Reeducação psicomotora É a utilização de técnicas desenvolvida em indivíduos que apresentam disfunções psicomotoras em todos os níveis, visando resgatar ao máximo seu potencial produtivo. De modo geral, reeducar significa educar o que o indivíduo não assimilou de forma adequada em fases anteriores. Deve ser realizada uma avaliação com a finalidade de se detectar o grau de comprometimento, para que possa ser traçado um programa de reeducação. Diversas áreas profissionais podem atuar na reeducação psicomotora, dentre elas podemos citar: Pedagogia, Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicologia, educadores com formação em psicomotricidade, entre outras. O fundamental para uma boa reeducação é o intercambio afetivo entre reeducador e educando. Defonaine (apud Ferronatto, 2006), afirma que o alicerce e a eficácia da reeducação se encontram no fato de que se remonta aos mecanismos de base que estão na origem da vida mental, no controle gestual e do pensamento, controle das reações tônico-emocionais, equilíbrio, fixação da atenção, justa preensão do tempo e do espaço. Terapia psicomotora A terapia psicomotora se utiliza do corpo e do movimento para buscar uma harmonização do indivíduo com seu mundo interno e externo, pois acredita que as experiências de vida estão registradas na personalidade e nas estruturadas do corpo. ―É dirigida a indivíduos com conflitos mais profundos na sua estruturação, associados aos aspectos funcionais ou com desorganização total de sua harmonia corporal e pessoal‖ (BUENO, 1998, p. 85). O trabalho é realizado através de exercícios corporais, massagem, relaxamento, onde o indivíduo é levado a desbloquear tensões, liberando a respiração e sentimentos por meio das emoções. A perspectiva da terapia psicomotora é totalmente diferente dos métodos tradicionais e das técnicas clássicas. 43 Segundo Fonseca (1998) é uma nova abordagem dos problemas da motricidade partindo de um aspecto essencial e básico, auxiliando o indivíduo nas múltiplas ações de adaptação à vida corrente. Ainda de acordo com o autor acima citado, a ação terapêutica pretende readaptar a criança à atividade mental que preside a elaboração da motricidade, procura melhorar as estruturas psíquicas responsáveis pela transmissão, execução e controle dos movimentos, através de um melhor reconhecimento espaço-temporal com base numa maior disponibilidade corporal; visa à integração mental do movimento. A terapia psicomotora centra seu olhar, a partir da comunicação e da expressão do corpo, no intercâmbio e no vínculo da corporalidade, na relação corporal entre a pessoa do terapeuta e a pessoa do cliente em um diálogo de empatia tônica. A práxis terapêutica indica o caminho. As modificações e os momentos de mudança são produtos e efeito da dinâmica da vida, que nos interpela e questiona constantemente (LEVIN, 2003). 2.6 PSICOMOTRICIDADE E EDUCAÇÃO É através do corpo que a criança descobre o mundo a seu redor, a partir da experimentação das sensações e situações, expressando e percebendo as coisas que a cercam. Este corpo em movimento na interação com o mundo é o ponto de referência que servirá de base para o desenvolvimento cognitivo, para a aquisição de conceitos referentes ao espaço e ao tempo, assim como para o domínio de sua postura e harmonização de seus gestos. É um processo complexo, em que a combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, produz transformações qualitativas. Assim a psicomotricidade envolve toda ação realizada pela criança, que representa suas necessidades e permite a relação com os outros. A interação do psiquismo com a motricidade se traduz pelo fato de que ambos são elementos fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. É nesta relação, ao mesmo tempo pessoal e social, que a psicomotricidade pretende atingir, na sua ação 44 educativa, a organização neuropsicomotora da noção do corpo, como marco espaço-temporal do EU (concebido como unidade psicossomática), fundamental a qualquer processo de ensino-aprendizagem, ou seja, busca conhecer o corpo nas suas relações múltiplas: perceptivas, imagéticas, simbólicas e conceituais, que constituem um esquema representacional e uma supervivência singular indispensáveis à integração, à elaboração e à expressão de qualquer ato ou gesto intencional (FONSECA, 2004). Pretende transformar o corpo num instrumento de relação e expressão com os outros, o que subentende um componente relacional intra e interpessoal determinante, criando condições que facilitarão a inter-relação entre a criança e a aprendizagem, através do seu corpo em movimento se dirigindo ao ser em sua totalidade: em seus aspectos motores, emocionais, afetivos, intelectuais e expressivos, dentro de um contexto sócio histórico cultural, permitindo a criança melhor sentir-se no espaço, no tempo, no mundo dos objetos e chegar a uma modificação e uma harmonização com o outro. A aprendizagem da criança está diretamente ligada ao desenvolvimento psicomotor. Este é um fator importantíssimo para unir a psicomotricidade á educação. De acordo com Alves (2004), a psicomotricidade, como toda ciência, corresponde a um objetivo de estudo próprio do qual retira sua unidade e especificação, isto é, o corpo e a sua expressão dinâmica, fundamentada em três conhecimentos básicos: O movimento, que segundo os conhecimentos atuais, ultrapassa o ato mecânico e o próprio indivíduo, sendo à base das posturas e posicionamentos diante da vida; O intelecto, que encerra a gênese e todas as qualidades da inteligência do pensamento humano, seu desenvolvimento depende do movimento para se estabelecer desenvolver e operar; O afeto, que é a própria pulsão interna do indivíduo, que matiza a motivação e envolve todas as relações do sujeito com os outros com o meio e consigo mesmo (p. 167). 45 Se a psicomotricidade estiver fundamentada, nesses três conhecimentos (movimento, intelecto e afeto), o desenvolvimento da criança dar-se-á através da promoção, preservação e recuperação da movimentação corporal. Seguindo o pensamento de Alves (2004), durante o processo de aprendizagem da pré-escola, período compreendido entre 4 a 6 anos, a prioridade deve ser ajudar a criança a ter uma percepção adequada de si mesma, compreendendo suas possibilidades e limitações reais e ao mesmo tempo, auxiliá-la a se expressar corporalmente com maior liberdade, conquistando e aperfeiçoando novas competências motoras. A psicomotricidade na pré-escola abre espaço para que as crianças possam desenvolver: Habilidades motoras que as levem a aprender, a conhecer seu próprio corpo e a se movimentar expressivamente; Um saber corporal que deve incluir as dimensões do movimento, que indiquem estados afetivos até representações de movimentos mais elaborados de sentidos e idéias, oferecendo um caminho para trocar afetividades; Facilitação da comunicação e da expressão das idéias; Possibilidade de exploração do mundo físico e do conhecimento do espaço; Apropriação da imagem corporal; Percepção rítmica, através de jogos corporais e dança; Habilidades motoras finas, através de diversas atividades que facilitem à escrita. A prática psicomotora deve ser entendida como um processo de ajuda que acompanha a criança em seu próprio percurso maturativo, que vai desde a expressividade motora e do movimento até o acesso a capacidade de descentração. Esse processo permite que a criança faça uma análise cognitiva das qualidades dos objetos, dos parâmetros espaciais e temporais, realizando associações, comparações e agrupamentos, ordenando os objetos segundo diferentes critérios, categorias e classificações e criando espaços mediante a utilização de estratégias 46 baseadas na lógica, aproximando-se, por meio deles, da lógica matemática e do pensamento operatório de Piaget (1996). Dessa forma, os objetivos da prática psicomotora se constituem num meio adequado, que favorece o processo de ensinoaprendizagem respeitando o processo maturativo de cada criança (SÀNCHEZ et al, 2003). Desse modo, a psicomotricidade, no cotidiano escolar, visa melhorar e oportunizar a criança o movimento, conscientizando-a do seu próprio corpo, do seu esquema corporal, domínio do equilíbrio, construção e controle das coordenações globais e específicas, organização das estruturas espaço-temporal, melhoria das possibilidades de adaptação ao mundo externo e estruturação das percepções. Nesse sentido cabe ao professor da Educação Infantil, o desafio de garantir o movimento, o fluxo de energia, a riqueza do processo, a troca para que possa permitir a sensibilização, percepção do próprio corpo, toque, criatividade, intuição, enfim o desenvolvimento global da criança a partir da psicomotricidade. Isso significa a manutenção do diálogo permanente voltado para a criança, reconhecendo a importância de se criar ambientes de aprendizagem que favoreçam o processo educativo como um todo. 47 3. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL Para que se possa falar em Educação Infantil, é necessário o entendimento do significado da palavra Educação. Educação é a forma nominalizada do verbo educar. De acordo com Romanelli (2007), a palavra educação veio do verbo latim educare. Nele, temos o provérbio ee o verbo – ducare, dúcere. Educare, no latim, era um verbo que tinha o sentido de ―criar (uma criança), nutrir, fazer crescer‖. Etimologicamente, ―educação vem do verbo educar, que significa trazer à luz a idéia, ou filosoficamente fazer a criança passar da virtualidade à realidade‖ (MARTINS, 2003, p.33). Segundo o novo dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009), Educação é o ato ou efeito de educar. É um processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano. Ao remontar a trajetória da Educação Infantil devemos vincular a ela a concepção de infância, visto que estão intimamente unidas numa construção histórica que vem se modificando ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea, nem mesmo no interior de uma mesma cultura. Na Idade Média, encontramos uma sociedade feudal, onde os senhores de terra possuíam um poder quase que monárquico nos seus domínios, construindo suas leis, sua cultura, suas moedas, seus valores etc. A Igreja e o Estado serviam para legitimação política e limitação dos poderes dos senhores feudais. Nesta época, a criança era considerada um pequeno adulto, que quando alcançava certo grau de independência, executava as mesmas atividades dos mais velhos. Estas possuíam pequena expectativa de vida por causa das precárias formas de vida. O importante era a criança crescer rápido para entrar na vida adulta, e aprender o básico para sua inserção social. A identidade pessoal da criança não era considerada (MANACORDA, 2006). Aos sete anos, a criança (independente da classe econômica) era colocada em outra família para aprender os trabalhos domésticos e valores humanos, através da aquisição de conhecimento e experiências práticas. Essa ida para outra casa 48 fazia com que a criança saísse do controle da família genitora, não possibilitando a criação do sentimento entre pais e filhos. Os colégios existentes eram dirigidos pela Igreja e estavam reservados para um pequeno grupo de clérigos (principalmente do sexo masculino), de todas as idades (MANACORDA, 2006). Não existia traje especial para diferenciar um adulto de uma criança. Havia somente trajes que diferenciavam as classes sociais. De acordo com as idéias de Kramer (2003) a partir do século XIII, há um crescimento das cidades devido ao comércio. A Igreja Católica perde o poder com o surgimento da burguesia, responsável pela assistência social. A partir do século XVI, descobertas científicas provocaram o prolongamento da vida, ao menos da classe dominante. Neste momento, o sentimento de infância corresponde a duas atitudes contraditórias no que se refere à concepção de criança: uma a considera ingênua, inocente e era traduzida pela ―paparicação‖ dos adultos, e a outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapondo a ela, tornando a criança um ser imperfeito e incompleto, que necessitava da ―moralização‖ e da educação feita pelo adulto. Ainda seguindo o pensamento da autora acima, essas duas atitudes são originadas por uma nova postura da família em relação à criança, que passa a assumir mais efetivamente a sua função, a família começa a perceber a criança como um investimento futuro, que precisa ser preservado, e, portanto deve ser afastada de maus físicos e morais. A vida familiar ganha um caráter mais privado, e aos poucos a família assume o papel que antes era destinado à comunidade. É importante ressaltar que esse sentimento de infância e de família representava um padrão burguês, que se transformou em universal. O iluminismo, a Revolução Industrial e a constituição de Estados laicos (nação neutra, em relação às questões religiosas) trouxeram modificações sociais e intelectuais, alterando a visão que se tinha da criança. A criança nobre era tratada diferentemente da criança pobre. Tinha-se amor, piedade e dor por essa criança. Lamentava-se a morte dela, guardando retratos para torná-la imortal. A criança pobre não tinha o mesmo tratamento. (MANACORDA, 2006). 49 Surgem as primeiras propostas de educação e moralização infantil. Se na sociedade feudal, a criança começava a trabalhar como adulto logo que passava a faixa da mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Essa missão é designada aos colégios, abrindo portas para os leigos, nobres, burgueses e classes populares (não misturando as classes – surge à discriminação entre o ensino da classe burguesa e a popular) (RAMOS, 2001). Cabe ressaltar a diferenciação entre educação e ensino. A educação era entendida como uma modalidade de influências e inter-relações que convergia para a formação da personalidade social e o caráter, sendo assim uma instituição social e o ensino que por sua vez era conceituado como as ações, meios, condições para que acontecesse a instrução (LIBÂNEO, 1994). O ensino, primeiramente, ocorria somente para os meninos, para as meninas, iniciou-se a partir do século XVIII. A educação se torna mais pedagógica, menos empírica. Nesse momento surge o castigo corporal como forma de educação (disciplinar), por considerar a criança frágil e incompleta, sendo utilizado tanto pelas famílias quanto pelas escolas. Isso legitimava o poder do adulto sob a criança. Com a educação e com os castigos, crianças e adolescentes foram se unindo cada vez mais devido ao mesmo tratamento, passando a se distanciar da vida adulta (ARIES, 1978). Por causa da fragmentação social, a escola popular se tornou deficiente em muitos aspectos. O padrão de criança era a criança burguesa, mas nem todas eram burguesas e nem todas possuíam uma bagagem familiar que poderia ser aproveitada pelo sistema educacional. Ainda neste século, a participação de Rousseau (1712-1778) no movimento chamado Iluminismo ou ―Época das Luzes‖ contra todas as formas de absolutismo; contra o poder absoluto exercido pelo Estado e pela Igreja, foram fundamentais. Suas idéias eram favoráveis à liberdade intelectual e à independência do homem. Este filósofo foi um dos primeiros a considerar a criança enquanto tal, com sentimentos, desejos e idéias próprias, diferentes dos adultos; sendo, precursor da psicologia do desenvolvimento, dando atenção às diversas fases da criança e defendendo uma educação diferente para 50 cada fase. A partir dele começou a intensificar-se a tendência psicológica na educação, que via a educação a partir da criança, da sua natureza, dos seus instintos, e de suas capacidades, em oposição aos padrões e normas impostos pela sociedade. Tal tendência desenvolveu-se de forma acentuada durante o século XIX, com os movimentos de Pestalozzi, Herbart e Froebel (PILETTI, 1988). Pestalozzi (1746-1827) tentou colocar em prática e desenvolver as idéias de Rousseau sobre educação, tanto educando seu filho quanto escrevendo e atuando como professor na escola. Entendia a educação como principal meio de reforma social, desde que respeitassem a natureza e o desenvolvimento do aluno. Mais tarde dirigiu a que foi, provavelmente, a primeira escola profissional para os pobres (1775-1780). Este estudioso encarava a educação, a ser promovida naturalmente segundo o desenvolvimento das crianças, como o principal meio de reforma social. Para ele a educação consistia no desenvolvimento moral, mental e físico da natureza da criança, permitindo ao povo a superação da ignorância, imundice e miséria. Herbart (1776-1841) aprofundou as propostas de Pestalozzi, dando um cunho mais teórico, com ênfase à importância da instrução bem organizada para educação do caráter. Como conteúdo propôs a recapitulação da historia humana e como métodos, a clareza, associação, sistematização e aplicação, que correspondiam às seguintes atividades: observação, expectativa, solicitação e ação. A grande contribuição de Froebel (1782-1852) à educação residiu em seus estudos e aplicações práticas acerca dos jardins de infância, dos quais era considerado iniciador. A escola, para ele, era o lugar onde a criança deveria aprender as coisas importantes da vida, os elementos essenciais da verdade, da justiça, da personalidade livre, da responsabilidade, da iniciativa, das relações causais e outras semelhantes, não estudando, mas vivenciando-as. Segundo ele, para que tal vivência ocorresse, era muito importante o brinquedo, o trabalho manual e o estudo da natureza, enquanto processos espontâneos na criança e, ao mesmo tempo, meios educativos. 51 Partindo dos interesses e tendências inatos da criança para a ação, o jardim de infância deveria ajudar os alunos a se expressarem e a se desenvolverem, baseando-se na auto-atividade. A aquisição de conhecimento estava em segundo plano, subordinado ao crescimento através da atividade. Somente após a Segunda Guerra Mundial foi que o atendimento pré-escolar tomou novo impulso, pois a demanda das mães que começaram a trabalhar nas indústrias bélicas ou naquelas que substituíam o trabalho masculino aumentou. Houve uma preocupação assistencialista-social, com atenção voltada as necessidades emocionais e sociais da criança. Nesse momento, crescia o interesse de estudiosos pelo desenvolvimento da criança, a evolução da linguagem e a interferência dos primeiros anos em atuações futuras. A preocupação com o método de ensino reaparecia. A escola viu-se também colocada no centro de um vasto movimento de idéias e de propostas de reforma, visando torná-la mais adequada aos novos tempos e às novas realidades (MANACORDA, 2006). Com o capitalismo, devido às mudanças científicas e tecnológicas, a criança precisava ser cuidada para uma atuação futura. A sociedade capitalista, através da ideologia burguesa, caracterizava e concebia a criança como um ser a - histórico, acrítico, fraco e incompetente, economicamente não produtivo, que o adulto devia cuidar. Isso justificava a subordinação da criança perante o adulto. Na educação, cria-se o primário para as classes populares, de pequena duração, com ensino prático para formação de mão-de-obra; e o ensino secundário para a burguesia e para a aristocracia, de longa duração, com o objetivo de formar eruditos, pensantes e mandantes (ROMANELLI, 2007). Diante de um mundo caracterizado por constantes e rápidas transformações, numerosos educadores propõem a mudança da escola e da educação, que culmina no Movimento das Escolas Novas1. Este movimento tem como com base duas idéias centrais: o aluno como centro e sujeito da própria educação; os métodos ativos, em que o próprio aluno constrói o conhecimento. 1. A Escola Nova teve suas raízes implantadas na Europa, ainda no final do século XIX. Nos Estados Unidos, seu principal representante foi Dewey que criou as Escolas Ativas. 52 Nas escolas ―novas‖, a espontaneidade, o jogo e o trabalho eram elementos educativos e foi por esta razão que mais tarde foram chamadas de ‖ativas‖. Estas freqüentemente eram escolas nos campos, no meio dos bosques, equipadas com instrumentos de laboratório, baseadas no autogoverno e na cooperação, onde procurava ao máximo respeitar e estimular a personalidade da criança. Desta forma, o conhecimento da psicologia infantil e da psicologia da idade evolutiva foram temas essenciais da pedagogia das escolas novas (MANACORDA, 2006). Um dos principais educadores desta época foi o professor norte-americano John Dewey (1859-1952), responsável pela criação das Escolas Ativas, que tinha como proposta uma educação não só adequada ao mundo atual, mas que fosse fator de progresso e de ação social concreta nesse mundo. Segundo ele, o processo educativo tem dois aspectos: um psicológico, que consiste na exteriorização das potencialidades do indivíduo, e outro social, que consiste em preparar o indivíduo para as tarefas que desempenhará na sociedade. Cabia à escola tentar harmonizar os dois aspectos, tendo em vista que as potencialidades do aluno só encontram significado dentro de um ambiente social (PILETTI, 1988). Ainda nesta época, a médica Maria Montessori (1870-1952), concebe a educação como auto-educação, como um processo espontâneo através do qual se desenvolve na alma da criança o homem que lá estava adormecido. O fundamental para auto-educação é proporcionar à criança um ambiente livre de obstáculos não naturais e enriquecidos com materiais adequados. Assim, propôs a reconstrução, na escola, de um mundo adaptado à criança, em que tudo: mesas, cadeiras, estantes, banheiros, armários, etc. fossem construídos em tamanho pequeno, de forma a permitir às crianças maior liberdade de locomoção e de domínio sobre o ambiente. Os materiais de estudo eram ricos e variados: caixas de vários tamanhos, cubos, prismas, sólidos de diversas formas para serem encaixados em aberturas especiais, botões para abotoar e desabotoar, superfícies ásperas e lisas de várias graduações, campainhas de sons diversos, cartões coloridos, etc. Tais materiais serviam, para educar os sentidos, que são à base do juízo e do raciocínio (PILETTI, 1988). No contexto de pós-segunda Guerra Mundial, surge a preocupação com a situação social da infância e a idéia da criança como portadora de direitos. A 53 UNESCO (United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization), agência educativa das Nações Unidas com sede em Paris, propõe ajudar as associações ―não governamentais‖ na realização de programas educativos e a coligar-se com as ―comissões nacionais‖ que cada Estado-membro da ONU (Organização das Nações Unidas) se empenhava a constituir. Um dos mais importantes documentos da UNESCO, foi a solene Carta Magna da ONU, que incluía a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Assembléia Geral no dia 10 de dezembro de 1948. Nela continha explícita à educação entre os direitos do homem, como liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. O documento era composto por trinta artigos, onde no seu 26º, está sancionado o direito à educação: 1. Cada indivíduo tem direito à instrução. A instrução deve ser gratuita pelo menos para as classes elementares e fundamentais. A instrução elementar deve ser obrigatória. A instrução técnica e profissional deve ser colocada ao alcance de todos e a instrução superior deve ser igualmente acessível a todos com base no mérito. 2. A educação deve ser orientada para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e para o fortalecimento do respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Ela deve promover à compreensão, a tolerância, a amizade entre todas as Nações, os grupos raciais e religiosos, e deve favorecer a obra das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Os pais têm direito de prioridade na escolha do tipo de instrução a ser ministrada aos seus filhos (ONU, 1948 apud MANACORDA, 2006, p. 353 354). Em 1959, a ONU promulga a Declaração dos Direitos da Criança, fator importante para a concepção de infância que permeia a contemporaneidade, a criança como sujeito de direitos (MANACORDA, 2006). 3.1 Educação Infantil no Brasil Durante o período escravista no Brasil, a criança escrava entre 6 e 12 anos já começava a fazer pequenas atividades como auxiliar. A partir dos 12 anos eram vistas como adultos, tanto para o trabalho quanto para a vida sexual. Já a criança branca, aos 6 anos, era iniciada nos primeiros estudos de língua, gramática, matemática e boas maneiras (VASCONCELOS, 2009). 54 As primeiras iniciativas voltadas à criança tiveram um caráter higienista, cujo trabalho era orientado por médicos que ditavam as políticas sócias e damas beneficentes, e se dirigiram contra o alto índice de mortalidade infantil, que se atribuía aos nascimentos ilegítimos da união entre escravas e senhores e a falta de educação moral, física e intelectual das mães (GHIRALDELLI JUNIOR, 2008). Durante muito tempo, a educação da criança foi pensada no espaço privado (doméstico) e considerada responsabilidade da família, ou de um grupo social no qual ela estava inserida. Desta forma, era junto aos familiares e a outros grupos sociais do seu convívio, que a criança aprendia, através da apreensão de tradições e costumes, as noções básicas de convivência e aprendizagem para que ela se tornasse, de maneira gradual, um sujeito ativo, criativo, independente e conhecedor de seu mundo e cultura. Com a Abolição e a Proclamação da República, a sociedade abre portas para uma nova sociedade, impregnada com idéias capitalistas e urbano-industriais. No Brasil, os estudos sobre a criança e a infância, só começaram a ser empreendidos, quando instaladas as primeiras instituições de educação de nível superior no país, em 1820. De acordo com Aquino (2001) a palavra criança só foi explicitada oficialmente, pela primeira vez, nos Anais da Assembléia Constituinte, em meados de 1823, no Rio de Janeiro. O surgimento de creches e jardins de infância no país foi um pouco diferente do restante do mundo. Surgiram somente no final do século XVIII e princípio do século XIX, bastante posterior ao que aconteceu na Europa, onde as creches existiam desde o início do século XVIII e os jardins de infância, a partir do século XII (KRAMER, 2003). Até o século XIX, de acordo com Rosemberg (2004), a concepção que orientava a educação da criança estava centrada no ―progresso‖ feminino, entendido como capacitação de ‗criadeiras‘: isto é, das mulheres serem boas mães e, conseqüentemente, se traduzia na preparação de uma boa educadora e, nesse contexto, não se vislumbrava qualquer perspectiva de profissionalização. A 55 passagem dessa concepção, do âmbito privado, para o público foi fácil, ou seja, a mulher deveria exercer seu papel de educadora, não só em casa, mas em qualquer contexto, local ou situação. Desta forma, a Educação Infantil começa a se configurar de maneira improvisada, pouco sistematizada, mas ligada à vocação e aos dons femininos, do que a uma formação consistente, especializada e profissional. Na década de 30, do século passado, a educação sofreu grandes e profundas transformações, caminhando de acordo com as necessidades do momento. No Brasil, no período compreendido entre 1930, até meados dos anos cinquenta, houve a penetração do movimento da Escola Nova2, período denominado escolanovismo, onde a criança passa a ser considerada como centro da atividade educativa, em contraposição com a concepção tradicional (OLIVEIRA, 2005). No período pós Guerra, em 1950, há uma ênfase nas discussões e estudos sobre a importância da criança. A partir da década de 70, se intensifica a temática sobre Educação Infantil, já com um novo enfoque, em decorrência do contexto vivenciado pelo país. De acordo com Aquino (2001, p. 32): (...) Surgiu no decorrer desse século uma nova concepção de criança que soa curiosamente parecida a certa dimensão da noção pré-moderna. Vemos a criança de novo como um adulto em miniatura só que alguém privilegiado com direitos tradicionalmente considerados como sendo de adulto: respeito, individualidade, liberdade e cidadania. Essa concepção sobre a criança foi sendo delineada, a partir das transformações sócio-políticas, econômicas e educacionais, e das mudanças ocorridas face ao tratamento a ser dispensado à criança, que se consubstanciava na valorização dessa faixa etária. 2. No Brasil, Anísio Teixeira, ex-aluno de Dewey, conjuntamente com outros teóricos como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, entre outros, levantaram a bandeira da Escola Nova e, sobretudo, dos seus princípios básicos – laicidade, educação pública e gratuita – que se contrapunham à ideologia católica, defensora da Pedagogia Tradicional e, obviamente, do ensino centrado no professor e de cunho particular e confessional. 56 O avanço de ciências como Antropologia, Psicologia, Pedagogia e das pesquisas realizadas por especialistas destas áreas sobre as características da criança e a importância desse sujeito, foi fundamental para a concretização de uma nova forma de se organizar as instituições destinadas a essa faixa etária. Segundo Kramer (2003), as mudanças políticas e econômicas vivenciadas nesse período, foi muito importante e contribuíram para as transformações educacionais. O modelo econômico implantado, a nova burguesia urbano-industrial, a substituição do coronelismo pela política dos Estados, o avanço das indústrias e a urbanização da classe média causaram mudanças radicais na sociedade brasileira. Desta forma, a idéia de proteger a infância começava a gerar interesses, mas as iniciativas ainda eram muito isoladas e partiam de certos grupos como médicos, associações, entre outros. Faltava um maior empenho e dedicação do poder público pela educação das crianças brasileiras, principalmente, pelas crianças das classes menos favorecidas. No entanto, creches e pré-escolas foram instaladas, assim como instituições de ensino elementar, em um momento no qual se estruturava um novo modelo familiar e um novo papel feminino, decorrentes da inserção da mulher no mercado de trabalho. Nessa época, a infância e o papel da criança na sociedade foram muito discutidos, em conformidade com a visão de homem e educação, então, priorizada. A creche e a pré-escola representavam alternativas concretas para viabilizar a liberação da mulher para o mercado de trabalho, mas em todos os tipos de atendimento se coloca como igualmente relevante a necessidade de que o trabalho realizado no seu interior tenha não só caráter assistencial, mas educativo (ROCHA, 2001, apud CABRAL, 2005, p. 53). No entanto, essas instituições tinham, sobretudo, um caráter assistencial, visando, apenas, o cuidado médico - higiênico, em sintonia com o que era feito no lar das crianças pobres, sendo dirigidas por médicos. Segundo Kramer (2003), nesse momento, a educação das crianças de 0 a 6 anos era de cunho assistencialista, sendo poucas as iniciativas educacionais, nesse nível de ensino. ―A educação assistencialista promovia uma pedagogia da submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social. O Estado não deveria gerir diretamente as instituições‖ (KUHLMANN, 2000, apud CABRAL, 2005, p.53). 57 Na década de 50, a Educação Infantil passa a ser considerada como um tipo de ensino ―pré-primário‖ 3, como o próprio nome indica, trata-se de um período que antecede à fase primária de ensino, ―podendo ser ministrado nos jardins de infância e também, nas chamadas escolas infantis e nas classes de pré-primário, anexas aos estabelecimentos de ensino primário‖ (VIEIRA, 2003, apud CABRAL, 2005, p.54). Devido ao crescente processo de industrialização e de urbanização, as mulheres da classe média, também, começaram a ingressar, com maior força, no setor produtivo, sendo então, necessária a expansão de espaços nos quais pudessem deixar seus filhos, enquanto se dedicavam à atividade laboral. Dessa forma, ocorreu um acirramento da demanda por vagas na pré-escola sendo, então, necessário promover sua expansão, entre as quais se destacaram, na época, as denominadas escolas alternativas4. ―A temática contracultural e a sua crítica à família e aos valores tradicionais inspiraram estudantes e profissionais, assim como foram referência para a criação de pré-escolas particulares alternativas‖ (KUHLMANN, 2000, apud CABRAL, 2005, p. 55). Devido à enorme procura por esse segmento de educação, escolas, sobretudo, particulares de cunho confessional, comunitárias e filantrópicas, começaram, então, a se dedicar à oferta do ensino pré-escolar. As Igrejas passaram a atuar nesse nível de ensino, com grande ênfase, principalmente, as ligadas à concepção católica, e à protestante. Segundo Kramer (2003, p.61): Associações religiosas e organizações leigas, bem como médicos, educadores e leigos eram solicitados a realizar juntos com o setor público, a proteção e o direito à infância, com a direção e alguma subvenção deste último. Se desde o século XVII, com a assistência social privada, principalmente a católica, precedera a ação oficial no Brasil, a partir da década de 30, o Estado assumia essa atribuição e convocava indivíduos 3. Da nomenclatura de pré-primário, passou a ser chamada de pré escola, sobretudo, entre os anos 60 e 70, do século passado e atualmente, recebe o nome de educação infantil. 4. A portaria n.º 2854, de 19 de julho de 2000, elaborada pelo MPAS (Ministério da Previdência Social), resgatou os chamados ―modelos alternativos‖ de Educação Infantil, legitimando a preocupação debatida no Interfórum da Educação Infantil, em 2002. 58 isolados e associações particulares a colaborarem financeiramente com as instituições destinadas à proteção da infância. A demanda pelas instituições infantis que tinham diferentes denominações creches, jardins de infância, escolas maternais, parques infantis, pré-escolas aumentaram, pois as crianças das classes menos favorecidas, entre 0 a 6 anos, nelas adentraram, com maior força. Essas escolas, por serem públicas ou particulares de periferia, ofereciam um ensino de qualidade questionável, sobretudo, porque não eram fiscalizadas. De acordo com Kramer (2003), em 1970, a procura pela Educação Infantil pública aumentou, mas também houve uma crescente evasão escolar e repetência das crianças das classes menos favorecidas, no primeiro grau. Por conta disso, foi instituída a educação pré-escolar, ou a chamada ―educação compensatória‖, para as crianças de quatro a seis anos, a fim de suprir as carências culturais existentes na educação familiar dessas classes. Essas carências culturais existiam porque as famílias de baixa renda não conseguiam dar condições para um bom desenvolvimento escolar, o que fazia com que seus filhos repetissem o ano. Faltavam-lhes requisitos básicos que não foram transmitidos por seu meio social e que seria necessário para garantir o sucesso escolar. Ainda Kramer (2003) acreditava que a educação pré-escolar ou ―educação compensatória‖ daria oportunidades a aprendizagens pré-elementares. Entretanto, essas pré-escolas não possuíam um caráter formal; não havendo contratação de professores qualificados e remuneração digna para a construção de um trabalho pedagógico de boa qualidade, sendo a mão de obra oferecida por voluntários, que logo desistiam do trabalho. Percebe-se que a educação era fragmentada, não sendo a responsabilidade assumida por um único órgão. Através de congressos, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e, sobretudo a promulgação cidadã da Constituição de 1988, a educação pré-escolar foi vista como necessária e de direito de todos, além de ser dever do Estado, no sentido da democratização do ensino público, em todos os níveis escolares. Com essa constituição, a defesa da Educação Infantil se ampliou de maneira considerável e, essa lei, tornou-se um marco na 59 história da construção social desse novo sujeito de direitos, a criança pequena (BRASIL, 1988). A partir desta época constatam-se quatro marcos importantes para a valorização da criança e de sua educação no Brasil: a Constituição de 88, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)5, a lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), de 1993, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/966 (LDBN). Pela Constituição de 1988, tem-se a construção de um regime de cooperação entre os estados e municípios, nos serviços de saúde e educação de primeiro grau. Ocorrendo a reafirmação da gratuidade do ensino público em todos os níveis, além do direito à creche e a pré-escola à criança de zero a seis anos, direito a ser garantido como parte do sistema básico e fundamental enquanto cidadão em processo de formação. Sendo assim, tanto a creche quanto a pré-escola, são incluídas na política educacional, segundo uma concepção pedagógica, complementando a ação familiar, e não mais assistencialista, passando a ser dever do Estado e direito da criança. Ao definir que ―o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de‖ (art.208), entre outros ―o atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade‖ (inciso IV), a Constituição cria uma obrigação para o sistema educacional. No entanto, a Constituição, ao regulamentar a emenda constitucional n.º14, no art.211, parágrafo 2º, assegura que a responsabilidade passa a ser dos municípios ―Os municípios atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e Educação Infantil‖. A prioridade é reforçada quando diz respeito aos percentuais mínimos da receita de impostos que devem ser destinados ao ensino pela União- 18% - e pelos Estados e Municípios – 25% (art.212). 5. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069, de 13/04/1990, criança é a pessoa até os 12 anos de idade incompletos e adolescentes aqueles entre os 12 e os 18 anos. 6. O art. 29, da LDBEN diz que a Educação Infantil, 1ª etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade. 60 No entanto, na lei 9394/96, no artigo 11, inciso V desta constituição há uma contradição no que se refere ao atendimento igualitário à Educação Infantil, quando se explicita ―... e, com prioridade, o Ensino Fundamental‖. Dessa forma, os municípios seriam incumbidos: (...) oferecer a Educação Infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o Ensino Fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais vinculados pela Constituição Federal a manutenção e desenvolvimento do ensino (LDBN, art.11, inciso V, p.9). Assim, quando se analisa o art. 212, da Constituição, em seu parágrafo 3º, compreende-se, melhor, a prioridade dada ao Ensino Fundamental, na distribuição de recursos financeiros, pelo fato dele ser obrigatório, pois se constitui como um direito público subjetivo. Percebe-se, mais uma vez, que a Educação Infantil é colocada em segundo plano, pois, segundo a LDB, em vigor, a educação nesse nível de ensino é um direito e não uma obrigação nem do Estado, nem do indivíduo. No atual contexto, os documentos normativos enfatizam que a criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida numa sociedade, com uma determinada cultura em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais (BRASIL, 1998). A educação que dera uma arrancada em 88 começa a sofrer retrocessos, devido à crise vigente na década de 90. Campos (2002) explica que os retrocessos se devem à falta de uma legislação que completasse e regulamentasse os setores educacionais e, sendo, também, decorrentes: (...) da falta de implementação do que se encontrava definido em lei, tudo isso tendo como pano de fundo um discurso que denuncia a Constituição de 88 como entrave ao desenvolvimento e que prega a desresponsabilização do Estado em relação a uma gama de esferas de ação pública (CAMPOS, 2002, p.28). O processo de descentralização das responsabilidades do Estado e, muitas vezes, a sua omissão, serviram para transferir as responsabilidades governamentais 61 para as ONGs (Organizações Não Governamentais) e para instituições de caráter privado. Por outro lado, o que era de responsabilidade do poder público federal e/ou estatal passou a ser dos municípios que na maioria das vezes, não possuía condições adequadas para arcar com o custeio da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, conforme lhes tinha sido atribuído. Segundo Vieira (2003, apud CABRAL, 2005, p. 65), “(...) cabe ao Estado, sobretudo ao poder público municipal, oferecer às crianças pequenas oportunidades de acesso às instituições infantis educativas, compartilhando com a família a sua educação e socialização‖. Nas Disposições Transitórias da LDB, de 1996, no seu art. 87, foi instituída a ―década da educação‖, a contar a partir da sua publicação. Segundo o parágrafo 3º, deste documento, cada município e, supletivamente, o Estado e a União, deverão: ―matricular todos os educandos a partir de sete anos de idade e, facultativamente, a partir dos seis anos, no Ensino Fundamental‖. Para Cabral (2005) foram elaborados, no período de 1997-98, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI), que viabilizou certo direcionamento, para esse ensino. Este documento foi concebido para se tornar uma referência para as escolas, objetivando redirecionar o trabalho pedagógico, para obtenção de uma maior e melhor qualidade. Nesse sentido, orienta o professor no seu trabalho de planejar, criar dinâmicas e processos educativos, compatíveis com o desenvolvimento da criança, seguindo as intenções educativas pré-estabelecidas. Com a aprovação da Lei nº 11.274 (BRASIL, 2006), altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Este projeto de Lei que ora se apresenta visa resgatar o conceito de educação básica, definido no Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, especialmente o direito à Educação Infantil de qualidade. A partir deste momento, pode-se considerar que a Educação Infantil não é mais concebida como uma etapa da educação de importância menor. Ela ganhou espaço político, afirmando-se tecnicamente e encontra defensores em todos os 62 âmbitos da sociedade. Por isso, está presente no FUNDEB (Fundo de Manutenção da Educação Básica), em igualdade de condições com as etapas seguintes do processo educacional (DIDONET, 2008). É importante salientar que os RCNEI têm suscitado muitos questionamentos, pois não contemplam a realidade e as necessidades da maioria das escolas brasileiras. Como explicitam Palhares e Martinez (apud Cabral, 2005), existe uma polêmica no âmbito desses referenciais, pois o documento não contempla a formação dos profissionais para esse nível de ensino e desconsidera as diversas práticas e experiências acumuladas pelos docentes da Educação Infantil. 3.2 Organização do referencial curricular para Educação Infantil Em 1996 foi realizado um diagnóstico pela COEDI/DPE/SEF/MEC (Brasil/ Mec/Sef 1998) sobre as propostas pedagógicas e sobre os currículos de Educação Infantil de vários estados e municípios brasileiros, sendo possível observar alguns dados importantes que contribuíram para a reflexão a respeito da organização curricular e seus componentes. Foi possível verificar que a maioria das propostas apresentadas concebia a criança como um ser social, psicológico e histórico, tendo sua maior referência histórica pautada no construtivismo, mostrando o universo cultural da criança como ponto de partida para o trabalho e defendendo uma educação democrática e transformadora da realidade, que tem como objetivo a formação de cidadãos críticos. Mas, ao mesmo tempo, verificava-se um grande desencontro entre os fundamentos teóricos adotados e as orientações metodológicas, não sendo esclarecidas as formas pelas quais se darão a articulação entre o universo cultural das crianças, o desenvolvimento infantil e as áreas do conhecimento. A estrutura do RCNEI (1998) com o objetivo de tornar clara uma possível forma de articulação, estabelece a relação de objetivos gerais e específicos, conteúdos e orientações didáticas numa perspectiva de operacionalização do processo educativo. 63 Sabemos que o RCNEI utiliza-se das capacidades das crianças e não dos comportamentos para definir seus objetivos, que ―visa a ampliar a possibilidade de concretização das intenções educativas, uma vez que as capacidades se expressam por meio de diversos comportamentos e as aprendizagens que convergem para ela podem ser de naturezas diversas‖ (BRASIL, 1998, p.47). Estabelece uma integração curricular na qual os objetivos gerais para a Educação Infantil norteiam a definição de objetivos específicos para os diferentes eixos de trabalho. Desses objetivos específicos decorrem os conteúdos que possibilitam a concretização das intenções educativas. O tratamento didático que busca garantir a conexão entre objetivos e conteúdos torna-se explícito por meio das orientações didáticas. Essa estrutura tem por base uma organização por idades – crianças de zero a três anos e crianças de quatro a cinco anos e seis meses (de acordo com a Lei nº 11.274/2006) – e se concretiza em dois âmbitos de experiências: formação pessoal e social e conhecimento de mundo – que são constituídos pelos seguintes eixos de trabalho: Identidade e autonomia, Movimento, Artes visuais, Música, Linguagem oral e escrita, Natureza e sociedade, e Matemática (BRASIL, 1998). Cada documento de eixo organiza-se em torno de uma estrutura comum, na qual estão expressas as idéias e práticas correntes relacionadas ao eixo e à criança e aos seguintes componentes curriculares: objetivos, conteúdos e orientação didáticas, orientações gerais para o professor e bibliografia. 3.2.1 Organização por idades A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 estabelece no art. 30 capítulo II, seção II que a Educação Infantil que se constitui como 1ª etapa da educação básica será organizada da seguinte forma: ―I- creches, ou entidades equivalentes para crianças de até três anos de idade; II- pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade‖ (BRASIL, 1996, p.17). Este RCNEI adota a mesma divisão por faixas etárias contemplada nas disposições da LDB. Embora contrariando as diversas teorias de desenvolvimento, buscou apontar possíveis irregularidades relacionadas aos aspectos afetivos, 64 emocionais, cognitivos e sociais das crianças das faixas etárias abrangidas. Mas, em alguns documentos foi feita uma diferenciação para os primeiros 12 meses de vida da criança, resguardando as especificidades dessa idade. A opção pela organização dos objetivos, conteúdos e orientações didáticas por faixas etárias e não pela designação institucional- creche e pré-escolapretendeu também considerar a variação de faixas etárias encontradas nos vários programas de atendimento nas diferentes regiões do país, não identificadas com as determinações da LDB. 3.2.2 Organização em âmbitos e eixos Devido à diversidade do mundo sociocultural e natural apresentada, fez-se a opção por um recorte curricular visando instrumentalizar a ação do professor, destacando os âmbitos de experiências essenciais que servem de referência à prática educativa. Levando em consideração as particularidades da faixa etária compreendida entre zero e seis anos e suas formas específicas de aprendizagem, criaram-se categorias curriculares para organizar os conteúdos a serem trabalhados nas instituições de Educação Infantil. Esta organização visa abarcar os diversos e múltiplos espaços de elaboração de conhecimentos e de diferentes linguagens, a construção da identidade, os processos de socialização e o desenvolvimento da autonomia das crianças que por sua vez, favorecem as aprendizagens consideradas essenciais. Os âmbitos são entendidos como domínios ou campos de ação que dão visibilidade aos eixos de trabalho educativo afim de que o professor possa organizar sua prática e refletir sobre abrangência das experiências que propicia às crianças. Como mencionado anteriormente, o documento trabalha com dois âmbitos de experiências que são definidos pelo Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (BRASIL/MEC/SEF 1998), sendo eles: ―Formação pessoal e social e conhecimento de mundo‖. É necessário destacar que esta organização tem um caráter instrumental e didático, sendo que os professores devem ter consciência, de que em sua prática educativa, a construção de conhecimento se dá de maneira 65 integrada e global, havendo uma inter-relação entre os diferentes âmbitos a serem trabalhados com as crianças. O primeiro âmbito que é a ―Formação Pessoal e Social‖ se refere às experiências que favorecem a construção do sujeito. Está organizado de forma a demonstrar as complexas questões que envolvem o desenvolvimento de capacidades de natureza global e afetiva das crianças, seus esquemas simbólicos de interação com os outros e consigo mesmo e com o meio do qual fazem parte. Neste âmbito de trabalho o desejo é fazer com que as instituições possam oferecer condições para que as crianças aprendam a conviver, a ser e estar com os outros e consigo mesma em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança. Sendo assim, este âmbito abarca um eixo de trabalho denominado Identidade e autonomia. O segundo âmbito em questão é o de ―conhecimento de Mundo‖ que se refere à construção das diferentes linguagens pelas crianças e às relações que estabelecem com os objetos de conhecimento. A ênfase deste âmbito é dada na relação das crianças com alguns aspectos da cultura, aqui entendida de forma ampla e plural, como o conjunto de códigos e produções simbólicas, científicas e sociais da humanidade construído ao longo das histórias dos diversos grupos, englobando múltiplos aspectos e em constante processo de reelaboração e ressignificação. Esta idéia de cultura transcende, mas engloba os interesses momentâneos, as tradições específicas e as convenções de grupos sociais particulares. O domínio progressivo das diferentes linguagens que favorecem a expressão e comunicação dos sentimentos, emoções e idéias das crianças, facilita a interação com os outros e realiza a mediação com a cultura e os conhecimentos adquiridos. Recai sobre aspectos fundamentais do desenvolvimento e da aprendizagem englobando instrumentos essenciais para que as crianças continuem aprendendo ao longo da vida. Aqui são destacados os seguintes eixos de trabalho: Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e Matemática. Estes eixos foram contemplados por constituírem-se em uma parcela significativa de 66 produção cultural humana que amplia e enriquece as condições de inserção das crianças na sociedade. Tais eixos estão inseridos no RCNEI (BRASIL, 2006), que tomamos como base neste estudo. Acreditamos ser o elemento orientador de ações que visam buscar a melhoria na qualidade da Educação Infantil brasileira. Favorecendo o diálogo com propostas e currículos que se constroem no cotidiano da escola e tendo como projeto educativo, três instâncias, sendo elas: práticas sociais, políticas públicas e sistematização dos conhecimentos. 67 4. FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL Para compreender a formação dos professores da Educação Infantil optamos por resgatar a sua construção histórica, dando ênfase à trajetória construída no Brasil. Freitas (apud CABRAL, 2005, p. 29) afirma: Há hoje uma consciência generalizada de que a formação de professores é um desafio relacionado com o futuro da educação básica, esta por sua vez, intimamente vinculada ao futuro de nosso povo e a formação de nossas crianças, jovens e adultos. No entanto, as perspectivas de que essa formação ocorra em bases teoricamente sólidas e fundada nos princípios de uma formação de qualidade e relevância social são cada vez mais remotas no quadro das políticas educacionais implementadas. A primeira escola normal brasileira foi criada na Província do Rio de Janeiro, pela Lei nº. 10, de 1835, que determinava sua abertura, para que: ―nela se habilitarem as pessoas que se destinarem ao magistério de instrução primária e os professores atualmente existentes que não tiveram adquirido necessária instrução nas escolas de ensino mutuo, na conformidade da Lei de 15/10/1827‖. Os prérequisitos para ingresso limitavam-se a: ―ser cidadão brasileiro, ter 18 anos de idade, bons costumes, saber ler e escrever‖ (MOACYR, 1939 apud TANURI, 2000, p. 191). Outro fator que se destacou nesse período foi à diferenciação político ideológica estabelecida entre a educação feminina e a masculina. A educação para as mulheres deveria ser mais simples, pois se acreditava que como o magistério era a extensão do lar, seria a mais útil habilidade domestica do que trabalhar com a qualificação intelectual, dentro dos conteúdos matemáticos e de outras ciências (CABRAL, 2005 p. 79). Neste contexto, a formação docente tomava como referencia ―o saber fazer‖, pois a capacitação didática, ou seja, as reflexões do ―porque ensinar‖, não ocupava lugar de destaque, na grande maioria das instituições para professores, no Brasil. A trajetória histórica da formação docente foi permeada por avanços e retrocessos. Após a instauração da Escola Normal do Rio de Janeiro, várias outras províncias reproduziram essa iniciativa, mas devido à falta de normas nacionais, currículos bastante rudimentares e deficiência didática, essas instituições perderam sua credibilidade, sendo fechadas. 68 No período entre 1868–70 ocorreram muitas mudanças de ordem ideológica, política e cultural que influenciaram a educação7. Nessa época houve aumento do numero de instituições, uma melhora do nível das escolas normais, embora elas não se equiparassem ao ensino secundário. A função dessas escolas, no desenvolvimento do ensino primário começa a ser reconhecido. Dessa forma, novos requisitos passaram a ser exigidos para o ingresso, ocorrendo à abertura para a entrada do sexo feminino8, mas o currículo continuou não atendendo às necessidades de uma formação consistente (CABRAL, 2005 p. 80-81). Segundo Tanuri (2000), o fato de a educação ser considerada como extensão do lar e dar continuidade à missão maternal, já começava a ser defendida por educadores e políticos, devido à sua ―aptidão natural‖ para cuidar e educar crianças. Podia-se constatar desde então a presença de duas vertentes para o exercício do magistério como: tarefas específicas de dona de casa e mãe e outra que visualizava o magistério feminino como solução para o problema de mão de obra para a escola primaria. No período de transição compreendido entre o Império e a Primeira Republica ocorreram muitas transformações nos âmbitos sócio-políticos e econômico. Os processos de industrialização e de urbanização foram responsáveis pela expansão escolar que procurava atender às novas exigências, objetivando equacionar o desenvolvimento da economia do país, para expandir o capitalismo. Segundo Romanelli (2007, p.59): (...) com o capitalismo cresce a necessidade de proporcionar o acesso ao conhecimento a um número cada vez mais considerado, devido às próprias exigências mercadológicas da produção ou pelas necessidades do consumo que essa produção acarretava. 7. Nessa época, apesar da vitória do Brasil na Guerra do Paraguai, o ônus econômico, social e político fortalecem as reações ao regime monárquico que entra em declínio e as idéias republicanas disseminam-se, mesmo que ainda timidamente. 8. Ressalta-se a abertura para o sexo feminino, pois a exclusão sempre esteve presente nas escolas normais. No inicio as escolas eram destinadas somente para o sexo masculino e, quando houve a inserção feminina o currículo foi diferenciado. 69 Campos (2002) ressalta que a formação de professores no período compreendido entre o Império e mudança para a Republica (1889) foi marcado pela seleção que priorizava a moral, privilegiando a prática em relação à teoria. Em Minas Gerais, a Reforma de Francisco Campos foi instituída pelo Decreto nº. 7970-A em 15 de outubro de 1927 e objetivava desenvolver o país por meio da educação, pois se acreditava que a escola priorizando o desenvolvimento intelectual e a moral poderia inserir o individuo na sociedade, com mais facilidade e compromisso (CABRAL, 2005). Então, por meio do Decreto 81629, foi realizada a Reforma do Ensino Normal, visando capacitar o corpo docente para a atualização de métodos e estratégias de ensino, a fim de desenvolverem melhor suas funções. Desta forma, o foco do centro da educação do professor mudava para o aluno e que, entre outras características, valorizava o uso de recursos didáticos, de técnicas didáticas modernas, de novos ambientes escolares e uma revisão crítica dos padrões da escola normal existente. Nessa época, Francisco de Campos foi nomeado para o cargo de Ministro da Educação e implementou a Reforma Educacional, em âmbito federal, que visava reorientar a educação no país. Ainda nesta época, destaque-se a criação de uma Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, com dois anos de continuação de estudos profissionais, para professores já em exercício. Para a instalação de tal escola, foram fundamentais os trabalhos desenvolvidos por uma comissão de pedagogos europeus trazida pelo Ministro Campos, e também os estudos realizados por um grupo de professores enviado ao ―Teacher‘s College‖ da Universidade de Columbia (PEIXOTO, 1983, apud TANURI, 2000, p. 71). Em 1931 ocorreram duas reformas educativas de extrema importância para o sistema educacional brasileiro: A Reforma do Ensino Secundário e a do Ensino Superior, realizada através do Estatuto das Universidades Brasileiras, Decreto nº. 19852 enfatizando a importância de a formação docente ser realizada em nível superior. Em 1931 o Decreto 19852, de 11 de abril de 1931, promulgou o autodenominado Estatuto das Universidades Brasileiras, estabelecendo o primeiro modelo que serviu de padrão de organização para o ensino superior do país, entre outras, foi incorporada a esse modelo único de organização didática administrativa do ensino superior, a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, como parte da Universidade do 9. Decreto de 20 de fevereiro de 1928 (CABRAL, 2005). 70 Rio de Janeiro e padrão para todo o país, como Lócus especifico destinado à formação do professor (DAMIS, 2002 apud CABRAL, 2005, p.84). A nova política educacional impôs reformas profundas que reforçaram o valor social da escola em 1932, sendo um marco na educação brasileira. No documento elaborado por um grupo de intelectuais, denominados de ―profissionais da educação‖ era explicitada a necessidade de se implantar o ensino publico, em âmbito nacional, obrigatório e gratuito, a concretização efetiva do direito à educação para todos os indivíduos, como dever do Estado (CABRAL, 2005). Os Pioneiros da Educação lutavam por um Plano Nacional para a Educação, a fim de viabilizar que se concretizassem as reformas propostas. Nesta época, foi também propagada à importância da escola na formação de sujeitos sociais, capazes de exercer seus direitos e deveres, enquanto cidadãos. Acreditava-se que a educação seria equalizadora dos problemas sociais, possibilitando uma sociedade mais justa e igualitária, uma vez que o país apresentava um desenvolvimento econômico, mas que não era acompanhado, no mesmo nível, pela educação. A educação agora era considerada como instrumento de reconstrução nacional (CABRAL, 2005). Em relação à formação dos professores, a nova visão educacional ressaltava a necessidade de que ela se fizesse em nível superior, já que era notório o descaso com a preparação desses profissionais, em todos os níveis. Os pioneiros consideravam que, unindo os princípios e os ideais (unidade de Espírito), se elevaria a cultura dos professores e, conseqüentemente, a qualidade do ensino. Desta forma, via-se ―a impossibilidade de se organizar o sistema e dar-lhe unidade de ação sem a unidade de formação de professores, os quais, de todos os graus de ensino, devem ter formação universitária‖ (ROMANELLI, 2007, p.149). Segundo Monarcha (1999) no âmbito da escola normal, nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, houve avanços significativos que se consubstanciaram numa maior consistência curricular, priorizando-se as disciplinas cientificas, no aumento da duração do curso para quatro anos, na exigência de exames para o ingresso nos cursos de formação de professores. 71 Dessa forma, com estes avanços observa-se certa valorização do magistério e de sua institucionalização como profissão, passando a tornar mais controlada a hierarquização. A Constituinte de 1934 contemplou, em grande parte, as reivindicações dos pioneiros da educação: nesse contexto, a educação passa a ser vista, pela primeira vez, como um direito do cidadão, principalmente no âmbito do ensino primário e o ingresso à carreira do magistério por meio de concurso público, tornando-se obrigatório. Passa a ser enfatizado a importância desse movimento para as escolas públicas brasileiras; ―o movimento dos pioneiros foi o mais autentico em defesa da escola democrática‖, embora não tenha sido suficiente para que as propostas educacionais fossem, realmente, efetivadas pelos gestores das políticas publicas (BRZEZINSKI, 1987 apud CABRAL, 2005, p. 88). A Carta Constitucional outorgada, em 1937, desresponsabilizava, em parte, o Estado de obrigação de cumprir o direito constitucional explicitado na Constituição de 34: ―educação como direito‖, e atribuía à família, o dever para com a educação (TANURI, 2000). Em 1938 criou-se tanto o INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – quanto uma Comissão Nacional de Ensino dos Professores, em diversas escolaridades do Brasil, visando aprimorar a formação dos professores primários, para elevar o nível de qualidade de ensino (CABRAL, 2005). Em 1941 na I Conferência Nacional de Educação, convocada pelo governo federal, ficou evidenciada certa preocupação relativa à ausência de normas centrais, que garantissem um alicerce comum aos sistemas estaduais de formação de professores. Num Parecer apresentado pela Comissão do Ensino Normal, propunhase o estabelecimento de normas que, mediante a exigência de provas complementares ou estágios, garantissem: ―a) a transferência de alunos entre os estabelecimentos oficiais de ensino normal do mesmo tipo ou de tipo equivalente; b) o registro no Ministério de Educação dos diplomas dos atuais professores 72 normalistas por escolas oficiais ou reconhecidas a fim de adquirirem tais diplomas validade para o exercício de profissão em qualquer parte do território nacional‖ (TANURI, 2000, p.75). Em 1947 devido à necessidade de se formular uma legislação mais abrangente para o país, o Ministro Clemente Marian solicitou a uma comissão de quinze renomados educadores a elaboração de um Projeto de Lei, para criar um Plano Geral da Educação Nacional, que objetivava o estabelecimento de Diretrizes Nacionais (CABRAL, 2005). Devido a várias razões, correlações de forças opostas, sobretudo, as relativas ao ―conflito‖ entre os defensores da escola pública de ideologia laica (profissionais da educação), e os representantes da Igreja Católica, defensores da escola privada, a referida legislação não seguiu seu curso normal, tendo sido arquivada por muito tempo. Conforme ressaltam Paiva e Paixão (1995, p. 43): (...) modernizar o ensino primário e, na perspectiva do Programa, trazer para o Brasil as inovações no campo da metodologia das áreas de ensino existentes nos Estados Unidos e procurar adaptá-las às especificidades do nosso país. Os multiplicadores foram capacitados nos EUA, e quando retornaram ao Brasil, faziam o repasse do aprendizado obtido, para outros professores, esses professores atuavam nas escolas incumbidas da formação do professor primário: as Escolas Normais. Em dezembro de 1961, após vários debates e ―conflitos‖, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 4024 de 20/12/1961), que promoveu a flexibilização da estrutura do ensino e determinou a equivalência de todos os cursos de 2º. Grau, o que possibilitou o acesso ao ensino superior, a todos os egressos do citado nível. Com a promulgação do referido documento normativo, o debate sobre a formação dos professores foi resgatado e questões como elevação da qualidade do ensino e do tempo de capacitação entrou em cena. Também foi discutida a formação dos professores do ensino primário, em nível superior. Por essa legislação, cada estado poderia optar por suas políticas de educação, mas a formação de professores continuava nos parâmetros estabelecidos em 1941, possibilitando a diversidades dos níveis: ginasial (ministrados em escolas 73 normais de grau ginasial); colegial (ministrado em escolas normais de grau colegial ou em Institutos de Educação) e pós-normal (cursos de especialização em Institutos de Educação. Com toda essa hierarquização cresce a desigualdade na formação dos docentes do país, sendo esse um dos maiores problemas na citada legislação. Pela primeira vez, na década de 70, a legislação nacional passou a mencionar a formação do profissional da pré-escola, em nível médio ou superior, para atuar com crianças na faixa etária de 4 a 6 anos. O Ministério de Educação e Cultura (MEC), de acordo com o Parecer 349/72, organizou um currículo para o curso de magistério, modalidade normal, que buscou contemplar, ao mesmo tempo, o enfoque nos conteúdos comuns em nível nacional com o estudo de conteúdos específicos, tendo em vista atender às particularidades de cada estado ou região (CABRAL, 2005). Em 1978 destaca-se o Seminário de Educação Brasileiro ocorrido na Unicamp (Universidade de Campinas) e a I Conferencia Brasileira de Educação sediada na PUC/SP, em 1980, que foi responsável pela instauração do Comitê Nacional Pré-Formação do Educador, que objetivava centralizar a formação docente nos âmbitos dos Cursos de Pedagogia, Licenciatura e do Curso Normal, em nível médio (CABRAL, 2005). Na década de 80 com o agravamento nas condições de formação do professor em âmbito nacional e o descontentamento com a desvalorização da profissão levariam a um movimento em âmbito federal e estadual, com discussão de projetos de estudo, pesquisas e propostas de ação, denominado de ―revitalização do ensino normal‖, propiciando iniciativas por parte do Ministério da Educação e de Secretarias Estaduais no sentido de propor medidas para reverter o quadro instalado (TANURI, 2000). Entre as propostas do MEC, destaque-se primeiramente a referente ao projeto dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), elaborados em 1982 pela antiga Coordenadoria do Ensino Regular de Segundo Grau do MEC e divulgado junto às Secretarias de Educação. O projeto tinha por objetivo redimensionar as escolas normais, dotá-las de condições adequadas à formação de profissionais com competência técnica e política e ampliar-lhes as funções, de modo a tornálas um Centro de Formação Inicial e Continuada para professores de 74 educação pré-escolar e para o ensino das series iniciais (CAVALCANTE, 1994 apud TANURI, 2000, p. 82). O referido projeto não foi adiante devido à mudança de governo federal e, pela descontinuidade do custeio por parte das políticas públicas estaduais, acarretando assim sua extinção. Na nova Republica entrou em vigor a Constituição de 1988 que expandiu a obrigatoriedade e gratuidade do ensino, de quatro para oito anos. A educação no país passou a ser concebida, pelo menos no texto constitucional, como direito do cidadão e dever do Estado. É a primeira vez que a criança é visualizada como sujeito de direitos, no campo de uma legislação. O documento também enfatiza a preocupação com uma formação consistente dos profissionais da educação (CABRAL, 2005). Em 1990 foi formada a ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação) que luta contra a proletarização da profissão, a desqualificação da formação docente e o descaso dos gestores das políticas publicas para com a formação/profissionalização dos docentes. Afinal a ANFOPE acabou consolidando a posição de que ―a docência constitui a base da identidade profissional de todo profissional da educação‖ (TANURI, 2000, p. 84). A Constituição Federal, em seu artigo 206, inciso V, determina a valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério publico, com piso salarial profissional e ingresso, exclusivamente, por concurso publico de provas e títulos (CURY, 2002, p.52) A Lei 9.394/96, a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispõe, no título VI artigo 62 que: A formação de docentes para atuar na educação far-se-á em nível superior, em curso de Licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil e nas primeiras quatro séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. Portanto, os professores que possuam a formação nesse nível estão garantidos por lei, para exercer sua profissão, nessas etapas da educação. Na citada Constituição Federal, no título II, dos DIREITOS e GARANTIAS FUNDAMENTAIS, dentro do Capítulo I se refere aos DIREITOS e DEVERES INDIVIDUAIS e COLETIVOS, e em seu artigo 5º afirma: “XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa 75 julgada. (CABRAL, 2005, p.106). Em 1999, o Decreto 3.276/99 determinou que a formação de professores fosse feita, exclusivamente, em Institutos Superiores de Educação e Cursos Normais superiores. Entretanto as entidades representativas dos professores, ANFOPE (Associação Nacional pela Formação do Profissional de Educação); ANPED (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação); ANPAE (Associação Nacional de Políticas e Administração em Educação) lutaram pela anulação do referido decreto, e conseguiram a promulgação do Decreto 3.554/2000, que substitui o ―exclusivamente‖ pelo ―preferencialmente‖, o que representou uma conquista, mas parcial, pois as universidades puderam continuar formando docentes. (CABRAL, 2005) Assim, a formação em níveis superiores, dos professores da 1ª etapa da Educação Básica, na LDBEN em seu artigo 63, inciso I, prevê que será de responsabilidade dos Institutos Superiores de Educação manterem: I. Cursos formadores de profissionais para educação básica, inclusive o curso normal superior, destinando à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séries do Ensino Fundamental. II. Programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar a educação básica. III. Programas de educação continuada para os profissionais de educação de diversos níveis. Em Julho de 2002, foi elaborado um projeto de resolução, que teve como finalidade consolidar e atualizar as Resoluções CNE/CP 2/97, 1/99, 01/02 e 02/02. Nesta proposta de projeto no seu capítulo II, seção I – art. 9º fica claro, mais uma vez, que a formação mínima, exigida para atuar na Educação Infantil e nas primeiras séries iniciais do Ensino Fundamental, ainda, é a modalidade normal, em nível médio. No seu capítulo III, referente à formação de professores para a Educação Infantil e para as séries Inicias, na seção I, do normal superior, é explicitado: Art. 16 – A formação de docentes para atuação na Educação Infantil e no Ensino Fundamental far-se-á no curso Normal Superior, aberto a concluintes do Ensino Médio e que poderá prever uma ou duas 76 licenciaturas: I. Educação Infantil – para formar professores capazes de promover práticas educativas que considerem o desenvolvimento integral da criança até seis anos, em seus aspectos físico, psico-social e cognitivolingüístico, na licenciatura para Educação Infantil (BRASIL, CNE, 2003). Considerando a necessidade de um período de transição que permita incorporar os profissionais, cuja escolaridade ainda não é a exigida, e buscando proporcionar um tempo para adaptação das redes de ensino, esta mesma Lei no título IX, art.87, 4º parágrafo que: ―até o fim da década da Educação10 somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço‖ (BRASIL, 1996). Isso significa que as diferentes redes de ensino deverão colocar-se a tarefa de investir de maneira sistemática na capacitação e atualização permanente e a serviço de seus professores, aproveitando as experiências acumuladas daqueles que já vêm trabalhando com crianças há mais tempo e com qualidade. Ao mesmo tempo, deverão criar condições de formação regular de seus profissionais, ampliando-lhes chances de acesso à carreira como professores de Educação Infantil, função que passa a lhes garantir pela LDB, caso cumprido os pré-requisitos. Nessa perspectiva, é necessário que estes profissionais, nas instituições de Educação Infantil tenham ou venham a ter uma formação inicial sólida e consistente acompanhada de adequada e permanente atualização em serviço. Assim, o diálogo no interior da categoria tanto quanto os investimentos na carreira e formação do profissional pelas redes de ensino são hoje um desafio presente, com vista à profissionalização deste docente. A LDB com este referencial utiliza a denominação ―professor de Educação Infantil‖, que hoje é ainda em todo o país, formado em sua grande maioria por mulheres, para designar todos os/as profissionais responsáveis pela educação direta de crianças de zero a seis anos, tenham eles/elas uma formação especializada ou não (BRASIL, 1998). 10. É intitulada a década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei (9394/96). 77 O trabalho direto com crianças pequenas exige que o professor tenha uma competência diversificada, cabendo a ele trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que possam abranger desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento. Esse caráter diversificado demanda, por sua vez, uma formação bastante ampla do profissional devendo este tornar-se também, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática, debatendo com seus pares, dialogando com as famílias e a comunidade, e buscando informações necessárias para reflexão sobre a prática direta com as crianças, a observação, o registro, o planejamento e avaliação (BRASIL, 2006). A implementação e/ou implantação de uma proposta curricular de qualidade depende, principalmente dos professores que trabalham nas instituições. Por meio de suas ações, que devem ser planejadas e compartilhadas com seus pares e outros profissionais da instituição, pode-se construir projetos educativos de qualidade junto aos familiares e às crianças. A idéia que preside a construção de um projeto educativo é a de que se trata de um processo sempre inacabado, provisório e historicamente contextualizado que demanda reflexão e debates constantes com todas as pessoas envolvidas e interessadas (BRASIL, 1998). As Diretrizes Curriculares para a formação inicial de professores da Educação Básica, em nível superior: Tratou-se de um processo menos democrático, trazendo de volta a elaboração de currículo por grupos de trabalhos integrados por representantes das diferentes secretarias do MEC, sem a participação dos profissionais das IES (DIAS, 2003 apud CABRAL, 2005, p.116). Villa (apud Cabral, 2005) coloca que para a plena organização curricular e uma estabilização educacional nas instituições de Educação Infantil, o professor deve assumir uma postura de inovar constantemente seus conhecimentos, um pensar permanente, desconstruindo teorias arraigadas e construindo novos conceitos. Este deve tornar-se pesquisador e contribuir com seus conhecimentos para a qualidade do ensino. A formação não se constrói por acumulação (de cursos, conhecimentos ou técnicas), mas sim por meio de um trabalho de reflexão crítica sobre as 78 práticas e de (re) construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. A idéia de ―investir a pessoa‖ está ligada à perspectiva de que a formação envolve aspectos da vida pessoal entrelaçados à vida profissional (NÓVOA, 2000, p.25). Em relação à formação do professor, será que ela existe somente para exercer exigências impostas? De acordo KRAMER (2005), não deveria ser, pois a formação assume um papel que vai além do ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que os professores aprendam e se adaptem, podendo então conviver com as mudanças e incertezas que lhes são apresentadas a cada instante. O desafio que se coloca para as políticas públicas de educação no terreno da formação dos professores torna a experiência contável a fim de que possa ser transformadora e recortada pelos professores como sujeitos produtores da história e da cultura, inseridos na linguagem. Sendo que o processo de formação dos professores deve estar aberto à criação, à inovação e a participação dos mesmos, conferindo-lhes autonomia. A questão da formação de professores da Educação Infantil ainda tem sido um grande desafio para as políticas educacionais. Muitos são os debates, mas poucas são as ações realmente consistentes de uma política nacional para a formação destes profissionais. Existem políticas locais em que as conquistas têm se dado de acordo com a competência, com os recursos e os dados disponíveis do projeto político de cada município e da equipe no poder naquele momento. 4.1 O PROFESSOR E A PSICOMOTRICIDADE Na ação entre a criança com o meio social ocorre à interação com o ambiente, processando-se o seu desenvolvimento e a aprendizagem. Acreditamos que esta é um ser ativo capaz de conhecer cada vez mais as coisas ao seu redor, adaptando-se e transformando às diferentes situações e ambientes. O desenvolvimento da criança é um processo complexo que não se faz sem a interação das pessoas envolvidas neste contexto, principalmente a do professor. Nestas vivências através de diferentes situações a criança se posiciona em relação 79 ao outro, ao objeto e ao mundo que a rodeia, enriquecendo-se gradativamente, desenvolvendo assim habilidades, formando conceitos, tornando-se cada vez mais autônoma, criativa e socializada. É neste contexto que a psicomotricidade se apresenta para o desenvolvimento da criança. Sabendo que este não é linear, que possui oscilações que se manifestam em avanços e retrocessos contínuos e simultâneos, conforme a faixa etária. Assim, a cada etapa vencida, a criança acumula possibilidades que promovem a aprendizagem de atividades para superar a etapa seguinte que traz novas necessidades. As etapas sucessivas dessa evolução diferenciam-se em virtude das disponibilidades psíquicas que são construídas nas interações com o meio. Desse modo, os progressos das crianças não são uma simples adição de funções. O comportamento de cada idade é um sistema em que cada uma das atividades já possíveis concorre com todas as outras propostas pelo professor, recebendo do conjunto o seu papel (WALLON, 1979). A psicomotricidade está relacionada ao processo de maturação. Onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas, sociais, culturias e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. A prática da psicomotricidade na pré-escola possibilita à criança vivenciar ludicamente suas emoções e desenvolver-se posteriormente de forma equilibrada. Como dito anteriormente neste estudo, pesquisa as ligações em relação ao tônus, equilíbrio, lateralidade, organização espaço-temporal, esquema, imagem e conceito corporal, organização óculo-visual, respiração, ritimo etc, além de detectar possíveis dificuldades que possam ser apresentadas pelas crianças nesta fase. Desta forma, torna-se consciente as relações existentes entre o gesto e afetividade, que vem de encontro ao desenvolvimento global da criança na fase da pré-escola, favorecendo o desenvolvimento da personalidade e da inteligência prevenindo e preparando para os anos posteriores (FONSECA, 2008). A educação psicomotora na idade pré-escolar deve ser antes de tudo uma experiência ativa de confrontação com o meio A ajuda educativa proveniente do meio escolar, tem a finalidade não de ensinar à criança comportamentos motores, mas sim permitir-lhe, mediante o jogo, exercer sua função de ajustamento, individualmente ou com outras crianças no estágio pré-escolar, a primeira prioridade constitui a atividade motora lúdica, fonte de prazer, permitindo à criança prosseguir a organização de sua 80 ―imagem corporal‖ e de seu ―esquema corporal‖ ao nível do vivido e de servir de ponto de partida para o ajustamento da práxis motora em relação ao desenvolvimento da análise perceptiva (LE BOULCH, 1986, p.129). A função peculiar do jogo é o desenvolvimento psíquico da criança, não um simples entretenimento ou diversão banal e inútil. Este deve constituir uma atividade obrigatória na idade pré-escolar por possibilitar as pré-aptidões para aprendizagens simbólicas (escrita, leitura e cálculo), devido a seus fundamentos maturativos básicos. O enfoque sócio-histórico da origem e do desenvolvimento do jogo humano passa, assim a ser, o alicerce fundamental para compreender a natureza do psiquismo da criança (FONSECA, 2008). Para Gomes (1995), 75% do desenvolvimento psicomotor ocorrem na fase pré-escolar e o bom desenvolvimento desta área facilitara o processo de aprendizagem futura, portanto é muito importante que o professor da pré-escola tenha conhecimento de que a criança atua no mundo por meio de seus movimentos: as experiências precoces são de grande importância, pois criam a base para o indivíduo desenvolver sua independência, autonomia e maturidade sócio-emocional, já que ao experimentar diferentes situações, a criança sempre se encontra em relação com o outro ou com o espaço ou com o objeto, trocando conteúdos entre ―eu‘ e o outro. Ao professor da pré-escola é imprescindível um conhecimento adequado dos fundamentos teóricos e práticos da psicomotricidade e suas áreas de intervenção, pois cabe a ele o papel de facilitador no desenvolvimento integral no processo de ensino-aprendizagem. Para que isso ocorra é necessário que dê à criança tempo para suas próprias descobertas, oferecendo situações e estímulos cada vez mais variados, proporcionando experiências concretas e plenamente vividos com o corpo inteiro em diferentes situações ou sensações, afim de que ela possa enfrentar desafios e buscar soluções para seus problemas. Assim, evitando possíveis dificuldades que possam surgir neste período. Muitas das dificuldades apresentadas pelas crianças nesta faixa etária e em idades posteriores poderiam ser facilmente trabalhadas no âmbito escolar, sem a necessidade de encaminhamento a profissionais especializados. Bastando que o 81 professor estivesse mais atento e consciente de sua responsabilidade enquanto educador, despendendo mais atividades que possam favorecer e melhorar o potencial motor, cognitivo, afetivo e de relacionamento interpessoal do aluno. Um bom professor não é aquele que transmite conhecimento, mas sim aquele que procura conhecer, escutar e enxergar seu aluno, considerando suas capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas. Este deve estar aberto a mudanças, não se prendendo a teorias como se fossem únicas e verdadeiras, buscando questioná-las propondo e repropondo novas formas de ser e estar no processo de ensino-aprendizagem (ALMEIDA, 2001). 82 5. MATERIAL E MÉTODOS Visando entrelaçar a psicomotricidade e a Educação Infantil, na fase préescolar, buscamos compreender como professores utilizam a abordagem psicomotora, nas possíveis dificuldades apresentadas pelas crianças, no contexto de sala de aula, durante seu processo de ensino-aprendizagem. Para isso, aplicamos um questionário, após aprovação pelo COEPs – UniFOA (anexo I), à 18 professoras da Educação Infantil/ pré-escola, da rede municipal de Pinheiral – RJ, em 09 (nove) escolas públicas de Educação Infantil, das quais 07 (sete) urbanas e 02 (duas) rurais.Essas 09 escolas representam 100% do universo da Educação Infantil deste município. A pesquisa serviu para fundamentar o trabalho que viemos realizando ao longo dos anos com professores da Educação Infantil na região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. O questionário aplicado integrou um Projeto de Iniciação Científica do UniFOA, no segundo semestre de 2009. A escolha da cidade ocorreu, devido à proximidade do Centro Universitário de Volta Redonda – UniFOA e a preocupação desta instituição com a atuação e pesquisa, no campo da Educação. Este instrumento possibilitou a apreensão de informações, abrangente e uniformizada, visando o delineamento sobre a ação deste profissional e a psicomotricidade. Sua elaboração ocorreu através de perguntas fechadas, para os quais fizemos uma análise quantitativa e uma caracterização generalizada dos profissionais. Para suprir as limitações da utilização do questionário no que concerne ao aprofundamento dos conteúdos e aspectos subjetivos do informante, foi deixado um espaço aberto nas duas últimas perguntas para observações complementares. Com este questionário, buscamos indícios (GINZBURG, 1989) de como as professoras da Educação Infantil, das instituições pesquisadas, utilizam os recursos da psicomotricidade para favorecer o desenvolvimento das habilidades motoras, visando o trabalho preventivo, enfocado no processo de ensino-aprendizagem. Dentro desta opção metodológica, o autor nos auxiliou a desenvolver o olhar aguçado, atento, desconfiado e desafiador, pois o cotidiano é o lugar das incertezas, das dúvidas, das práticas fugidias, difíceis de serem apreendidas, e que emergem 83 nos detalhes, nas fissuras: no ―não dito‖. Com base em nossa vivência profissional, trabalhando com professores da Educação Infantil e no questionário aplicado, surgiram as seguintes indagações: Os professores procuram desenvolver, nas crianças, as habilidades psicomotoras como lateralidade, esquema corporal, estruturação espaço-temporal, coordenação motora global e fina? Os professores estão preparados para lidar com possíveis dificuldades no processo de ensino-aprendizagem respeitando as fases desenvolvimento psicomotor das crianças (4 a 5 anos)? Percebemos que a relevância do desenvolvimento infantil, ocorre em sua maioria no espaço escolar, onde é necessária uma adequada relação professoraluno, para que sejam oferecidas possibilidades de crescimento, desenvolvimento das etapas psicomotoras e da personalidade da criança. Com o entrelaçar desta afirmação e a aplicação do questionário, obtivemos os resultados que serão apresentados a seguir: As professoras participantes assinaram termos de consentimento contendo nível de formação acadêmica. Desta forma, foi possível constatar que: Gráfico 01: Formação Acadêmica 4 Apenas Magistério Magistério e Cursando Terceiro Grau 3 11 Magistério e Graduada em Pedagogia Na composição do questionário, em anexo foram realizados 04 (quatro) perguntas, sendo os resultados apresentados a seguir: 84 Gráfico 02: Tempo de exercício do magistério 3 Menos de 5 anos de 05 a 10 anos 10 mais de 10 anos 5 Gráfico 03: Dificuldades no processo de ensino-aprendizagem Muita frequência 9 9 Pouca Frequência Gráfico 04: Dificuldades mais comuns apresentadas pelas crianças Desorganização espaço temporal 1 1 "Hiperatividade" ¹¹ 2 Incoordenação motora global 3 3 1 Incoordenação motora fina Dificuldade de socialização Instabilidade emocional 11 5 2 nenhuma das alternativas outros 11. O termo Hiperatividade está sendo usado a partir do senso comum das professoras, ou seja, como inquietação, agitação e falta de atenção. 85 Gráfico 05: Primeira atitude de intervenção do professor Utilizar recursos pedagógicos em sala de aula 1 4 7 Encaminhar para o serviço de orientação Soliciltar presença dos responsáveis 6 Encaminhar para um profissional da área da saúde Com base nos resultados obtidos com a pesquisa, foi possível constatar que muitas dificuldades são apresentadas pelas crianças, cabendo ao profissional olhar os alunos em sua totalidade, individualidade e em seu trabalho coletivo. O professor em suas atividades cotidianas em sala de aula, tais como: escrever, jogar e manter a atenção de seus alunos deverá ser capaz de perceber possíveis indícios de falhas no desenvolvimento psicomotor da criança. Algumas atividades como integração e socialização das crianças com o grupo, podem minimizar maior dificuldade apresentada neste questionário. Outras ações educativas que se utilizam dos movimentos, expressões e gestos corporais, desempenharão um papel para melhor funcionamento do sistema fisiológico (motor) e psicológico (psicomotor) deste aluno. De acordo com os gráficos I e II apresentados, foi possível avaliar que a formação dos professores, em sua maioria, é apenas o magistério e seu tempo de prática profissional é menor que 05 anos. Desta forma, os dados obtidos, nos mostrou a necessidade da elaboração de um produto, que será um curso de PósGraduação Lato Sensu em Psicomotricidade na Educação Infantil, na região SulFluminense do Estado do Rio de Janeiro, como formação continuada. Nosso produto será apresentado para prefeituras da região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro e aos profissionais da Educação Infantil. 86 O programa de Mestrado Profissional em Ensino em Ciências da Saúde e do Meio Ambiente possibilitou a realização de um produto, que inserido neste contexto tem o objetivo de levar a Psicomotricidade ao ambiente escolar. Pensamos que a forma com que os seres humanos percebem e interagem com seu ambiente natural e social depende do seu desenvolvimento biopsicoemocional. Assim, considerando o corpo humano uma estrutura energética que interage dialeticamente com o ambiente, influenciando e sendo influenciado por este, percebemos a necessidade de propor um curso que prepare para os desafios no espaço institucional da escola. 87 6. CONCLUSÃO O presente trabalho teve por base a formação continuada do professor da Educação Infantil, especificamente da pré-escola, a partir de conhecimentos básicos sobre psicomotricidade. A intenção é que possam se utilizar de instrumentos psicomotores adequados coletivamente em sala de aula, com a finalidade de suprir as possíveis deficiências de seus alunos favorecendo, assim, o processo de ensinoaprendizagem. Uma ação pedagógica eficaz é necessária e deve enfocar uma educação global, em que devem ser respeitados os potenciais intelectuais, sociais, motores e psicomotores das crianças. Não se pretende que o professor faça sessões de terapia com seus alunos, afinal existem alguns casos que não são e não devem ser de sua alçada, como por exemplo, perturbações neurológicas mais sérias ou de articulação da palavra. Cabe ao professor tornar-se reflexivo, crítico e inventivo, vivenciando a pesquisa no cotidiano de formação e ter uma visão interdisciplinar do conhecimento que lhe possibilite compreender as dimensões da realidade social de seus alunos, produtores de saber e de conhecimento. Assim ultrapassar as concepções tradicionais de sua formação, buscando formas inovadoras para vencer as possíveis dificuldades de ensino-aprendizagem que seus alunos possam apresentar. É necessário o conhecimento sobre a relevância da educação pelo movimento (trabalho psicomotor), como peça fundamental do currículo pedagógico do professor. Permitindo, que a criança vivencie e compreenda seu corpo, diminuindo as dificuldades que possam surgir no processo de ensino-aprendizagem, sobretudo porque, é através do movimento que o professor proporcionará desenvolvendo habilidades perceptivas e cognitivas. As análises e conclusões mostradas nesta pesquisa, evidentemente referemse aos professores da Educação Infantil/pré-escola do município de Pinheiral, mas refletem a situação dos profissionais da Educação Infantil, no geral, relativamente à sua formação e prática profissional. Como vimos, as dificuldades são inúmeras e complexas e achamos que não basta apenas apontá-las, é necessário avançar na busca de soluções práticas, que venham somar e transformar a fim de proporcionar 88 a ―formação‖ de profissionais conscientes, críticos e comprometidos a estas questões. Porém, a complexidade desta prática não se fixa apenas aos profissionais, já que sua formação está conectada a políticas públicas do Brasil e em particular de cada município. A proposta que aqui se apresenta, é a criação de um produto que será um curso de pós-graduação Lato Sensu em Psicomotricidade na Educação Infantil, com a finalidade de capacitar o professor em seu cotidiano escolar, afim de que ele possa detectar possíveis dificuldades e utilizar de recursos da psicomotricidade minimizando essas falhas em seus alunos, evitando o fracasso escolar. Para isso, deverão estar preparados para realizar uma reeducação, quando se fizer necessário, no âmbito de sala de aula ou encaminhar a um profissional competente quando seus recursos se esgotarem. A teoria em si (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar como seus atos reais efetivos, tal transformação. Entre teoria e atividade prática transformadora sem inserir um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais efetivas. Nesse sentido uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente com o conhecimento a realidade ou antecipação ideal de sua transformação (VAZQUEZ, 1997, p. 206-207). 89 7. REFERÊNCIAS AJURIAGUERRA, Jean. Manual de psiquiatria infantil. 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