PARTE II Os pavimentos da villa 1. Metodologia de trabalho Na medida em que os nossos estudos integram o projecto de elaboração do Corpus de Mosaicos Romanos de Portugal, adoptámos praticamente na íntegra a ficha elaborada pela MSP para os mosaicos da villa de Torre de Palma (CMRP, II, 1). Desta forma, visamos a constituição de um corpo uniforme de dados, capaz de proporcionar um tratamento mais cómodo e objectivo dos mesmos. A elaboração de fichas de inventário rigorosas e completas tem sido uma das grandes preocupações dos investigadores na matéria. Trata-se, efectivamente, do primeiro passo para futuros estudos estilísticos, técnicos ou de conservação e restauro. A maior parte dos corpora mais recentes contemplam informações que foram outrora marginalizadas, nomeadamente no que se refere às características técnicas dos pavimentos7 e estruturas arquitectónicas envolventes, onde faltam contudo informações sobre a técnica de colocação ou a estratégia de execução do mosaico. A ficha de inventário que apresentamos pode ser aplicada a qualquer tipo de pavimento (opus tessellatum, opus sectile, ou outro) com pequenas adaptações na terminologia, esteja ele in situ ou depositado num museu, esteja ele publicado ou não. Algumas entradas, ainda que pouco pertinentes neste primeiro estudo, poderão justificar-se no futuro, caso as escavações prossigam. Assim, cada ficha apresenta as seguintes entradas: N.0 A numeração dos mosaicos, em algarismos, inicia-se a partir da entrada na casa, neste caso, a Este, por compartimento, distinguindo os vários painéis musivos que, nalguns casos, aí possam existir, com letras (A, B, C,...). Tema Identifica-se sumariamente o tipo de decoração musiva. Compartimento Identifica-se o local da casa onde se encontra o mosaico, remetendo para a planta da estação. Tecem-se ainda alguns comentários em relação à sua funcionalidade, sempre que existam elementos pertinentes ou, pelo menos, descrevem-se sumariamente as informações disponíveis quanto à sua caracterização arquitectónica. Dimensões do compartimento Por ausência quase total de paredes, é difícil identificar correctamente as dimensões do compartimento. No mosaico n.0 15A, onde não há mosaico em toda a superfície, é possível reconstituir aproximadamente as suas dimensões. Todas as dimensões são dadas em metros, assinalando-se com “ * ” quando incompletas, mormente no caso de compartimentos não exumados em toda a sua área. Dimensões do mosaico As dimensões, em metros, são totais, incluindo orlas de remate à parede. As dimensões internas serão apresentadas na descrição, entre parênteses, sempre que pertinentes. Quando há ligação com outro mosaico, a medida é dada até à bordadura, com indicação de que a medida da faixa de ligação é comum a outro pavimento. Assinalam-se com “ * “ as medidas incompletas. Quando é possível reconstituir o painel e apresentar as medidas totais, identifica-se como “reconstituído”. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 35 Local de conservação Com excepção do fragmento n.0 15B, todos os mosaicos se encontram in situ. Aqui assinalamos também os fragmentos recolhidos durante as escavações ou trabalhos de limpeza das lacunas que estejam em depósito nas reservas da Câmara Municipal de Rio Maior (= CMRM). Área visível aquando da descoberta No caso em estudo, dada a simultaneidade dos trabalhos arqueológicos, não se verificaram, ainda, destruições significativas e irreversíveis, pese embora o estado de degradação das orlas a que assistimos nos últimos anos. Área conservada Relacionado com o item anterior, a sua pertinência reside no facto de podermos aqui analisar as lacunas verificadas e a percentagem de mosaico conservada e/ou destruída. Técnica de colocação Sempre que possível, realizaram-se sondagens que permitiram descrever as camadas de argamassas em que assentam os mosaicos. A descrição é feita tendo em conta as instruções de Vitrúvio. A sua pertinência reside sobretudo nas potencialidades que os dados recolhidos podem conter no que diz respeito à identificação de oficinas. De facto, a comparação entre as várias camas, não só em termos de espessura, mas também em termos de constituição, poderão caracterizar diferentes técnicas de trabalho. Para obter estas informações é necessário proceder a trabalhos arqueológicos. Poderão aproveitar-se eventuais lacunas e escavá-las ou ainda, como é o nosso caso, beneficiar da ausência de paredes para realizar as sondagens junto às bordaduras. Quando nenhuma destas situações existe, só se pode recorrer ao levantamento do pavimento, tarefa que exige a presença de técnicos especializados, para além dos avultados custos de trasladação. Materiais Não podendo efectuar uma análise petrográfica das tesselas, realizámos uma identificação a olho nu (cf. apêndice I). A paleta de cores apresenta-se em capítulo próprio. Densidade das tesselas A unidade de medida seguida é o dm2. Sempre que se verifiquem diferenças no mesmo painel, serão assinaladas. Por outro lado, acrescentam-se as dimensões médias das tesselas em cm. Estratégia de execução Por estratégia de execução entende-se a forma como o mosaísta foi realizando o pavimento, destacando-se o local por onde iniciou o seu trabalho e o concluiu. Este último identifica-se facilmente pela introdução forçada de determinado motivo, frequentemente truncado se a ordinatio do pavimento for deficiente. Contudo, uma análise correcta só poderá ser feita com pavimentos bem limpos e completamente desobstruídos, o que não é o caso em todos os mosaicos de Rio Maior. Em virtude deste handicap, nem sempre é possível tecer comentários válidos neste ponto. Acrescentam-se ainda todas as informações pertinentes quanto à compreensão do trabalho do mosaísta. Restauros antigos Até ao momento, não se registam. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 36 Restauros modernos Afora algumas pequenas consolidações8 que fomos realizando, a fim de retardar o acelerado processo de desagregação das argamassas que sustentam as tesselas, acentuado pela ausência de paredes e pelos afundamentos naturais, os mosaicos de Rio Maior ainda não foram alvo de intervenção especializada neste domínio. Ilustração Assinala-se toda a ilustração existente de cada um dos mosaicos: fotografias, desenhos e levantamentos. Bibliografia Todos os mosaicos são inéditos, afora algumas pequenas notas em jornais locais (vide n. 1). Descrição Todos os termos empregues constam no Décor e/ou no Dicionário, procurando-se um discurso telegráfico para uma leitura mais rigorosa, isenta da subjectividade inerente a prosas eruditas. Toma-se como ponto de observação a entrada do compartimento, descrevendo o pavimento de cima para baixo, da esquerda para a direita e sempre da periferia para o centro. Para facilitar a leitura, fracciona-se a descrição nas suas três áreas fundamentais: orla de remate, bordadura e campo. A orla de remate à parede é, na maior parte das vezes, uma simples faixa branca cujas medidas são apresentadas entre parênteses. Por se tratarem de dimensões reduzidas, apresentam-se em cm. Quando não existem muros, aqui na grande maioria dos casos, as dimensões da orla são incompletas, assinalando-se os casos, excepcionais, em que existe. O campo, descrito em primeiro lugar pelo esquema geral e depois por motivos de enchimento, procura ser pormenorizado. No fim, descrevem-se os motivos junto à linha de remate da composição. As cores são identificadas entre parênteses rectos, com “ / ” sempre que no mesmo elemento descrito exista mais do que uma cor (por exemplo, no caso de um cordão de trança) e com “ , ” para as combinações (por exemplo, no caso da trança completas com três cordões). Comentários Constitui a síntese do estudo estilístico. Reúnem-se todos os paralelos conhecidos e criticam-se com vista ao estabelecimento de cronologias. A esta análise acrescem-se todas as informações pertinentes quanto ao espólio encontrado. Datação Esperávamos evitar em Rio Maior o eterno fantasma da datação com base em critérios unicamente estilísticos, pois dispúnhamos de mosaicos in situ com registos arqueológicos sérios. Na realidade, não aconteceu. O revolvimento dos estratos superiores e a impossibilidade de levantar os pavimentos deitou por terra os dados arqueológicos que aí pudéssemos obter. Pelas razões apresentadas na Introdução, não se efectuaram sondagens sob os pavimentos, pelo que a datação com base em critérios arqueológicos está, de momento, afastada. O valor arqueológico dos materiais encontrado sobre os mesmos é quase nulo. Aguardando as intervenções adequadas, estabelece-se, por ora, a cronologia dos pavimentos com base em critérios estilísticos. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 37 1.1. O levantamento e tratamento gráfico dos pavimentos Ao folhearmos os vários corpora de mosaicos romanos deparamo-nos inevitavelmente com o problema da ilustração. As boas fotografias a cores nem sempre se podem obter e, quando possíveis, são caras e não proporcionam informações métricas. Por outro lado, danificam-se com o tempo. A ilustração de pavimentos de mosaico continua hoje a constituir uma grande preocupação por parte dos investigadores. Nesta matéria, a missão MSP deu um importante passo, desenvolvendo um novo processo que, também nós, procurámos aplicar (cf. CMRP, II, 1, p. 23-25). Todavia, nenhum dos procedimentos conhecidos até ao momento dispensa o registo fotográfico, suporte indispensável para completar a documentação gráfica. As técnicas de levantamento utilizadas até há poucos anos consistiam essencialmente em três métodos: levantamento com régua de alidade, através de coordenadas ou ainda de fotometria (cf. Adam, 1987, p. 36-37). Estes procedimentos permitiam o desenho da composição nas suas linhas essenciais, submisso à rectilinearidade do material empregue, sem registo de pormenores e não dispensavam as fotografias como complemento documental. Exigiam ainda a presença de um especialista no domínio do desenho. O surgimento de rolos de plástico transparente no mercado e os progressos no domínio das fotocopiadoras e scanners permitiram uma solução inovadora. De facto, tornou-se possível um levantamento à escala natural, com pormenores, estendendo tantas tiras de plástico (com largura máxima de 90 cm) quantas as exigidas pela largura do pavimento e desenhando os motivos através de uma vulgar caneta de acetato. Qualquer membro da equipa, sem conhecimentos específicos, pode executar o levantamento. Apenas se exige algum cuidado particular na união das tiras, quando múltiplas, sobrepondo-as e assinalando pontos de referência. As tiras são posteriormente reduzidas à escala desejada. A técnica apresenta alguns inconvenientes que podem, no entanto, ser minimizados. A exposição do plástico ao calor provoca encolhimento que altera as dimensões, daí o cuidado que deve prestar-se ao dia escolhido para realizar o trabalho e ao local onde se guardam, caso não se proceda logo à sua redução gráfica. O excessivo calor emitido pelas fotocopiadoras pode também provocar algumas distorções que rondam cerca de 1 mm na escala natural e que se esbatem nas reduções. Outro cuidado a ter reside na qualidade das canetas, devendo imediatamente ser substituídas quando a sua tonalidade enfraquece, sob pena de provocar anomalias no traçado. Largamente divulgado entre arqueólogos das mais variadas especialidades, o processo de levantamento através de suportes plásticos transparentes deve ser adaptado ao objecto levantado, sendo um trabalho particularmente penoso no caso de pavimentos de solo com uma extensa área. Em Rio Maior, foram necessários cerca de 150 m de plástico para realizar os levantamentos. É, porém, no tipo de tratamento gráfico que reside a nova técnica preconizada pela missão MSP. Esta consiste em desenhar tessela a tessela todos os motivos, com excepção do fundo (Fig. 10.1.). Para além do rigor desta técnica, ela obriga a uma repetição do trabalho do mosaísta e, nessa medida, contribui para compreender as opções, os erros e também as diversas mãos que trabalharam. A fase posterior à redução em papel consiste num reprodução de cores tão fiel ao original quanto possível. Para esse efeito, utilizam-se lápis de cor de marca Derwent Studio, na maior parte dos casos misturados até se obter a cor mais precisa. A constituição mineral destes lápis confere à superfície colorida uma textura semelhante à da pedra. Esta segunda etapa pode demorar quatro vezes mais tempo do que a anterior. A título de exemplo, citaremos o caso do nosso mosaico n.0 2B, a concha, cuja primeira fase de levantamento à escala natural obrigou a 60 horas de desenho (Fig. 10.1). Não nos foi possível proceder à sua coloração por res- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 38 FIG. 10.1 – Desenho tessela a tessela do mosaico n. 2B. FIG. 10.2 – Desenho a traço do mosaico n.0 2B. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 39 0 1m 0 1m 0 trições de tempo, no entanto, em cálculos superficiais, ela teria levado cerca de 240 horas. É evidente que esta segunda fase não é pertinente para todos os mosaicos, nomeadamente os geométricos onde os motivos e as cores são repetitivos. É essencialmente reservado para painéis figurativos. Esta técnica procura fundir os vários tipos de tratamento gráfico desenvolvidos até à data (vide Raynaud, 1987, p. 40-42), inovando nos procedimentos a ter. Recorde-se a técnica desenvolvida por Richard Prudhomme, desenhador dos vários volumes do Recueil e do Décor. Tratam-se apenas as tesselas pretas como tais, sendo as restantes realizadas a pontilhado, mais ou menos denso consoante a intensidade da cor. A visão global do pavimento é obtida com algum sucesso, no entanto, não há tratamento de cor. As aguarelas foram, pelo contrário, um excelente processo no registo de cores, contudo o elevado tempo despendido e a necessária presença de um artista levaram ao abandono da técnica à medida que a fotografia a cores se divulgou. Alguns especialistas recorreram ainda ao papel milimétrico para reproduzir graficamente os mosaicos. O efeito final pouco ou nada tinha a ver com a realidade. A principal dificuldade da técnica da Missão reside na sua morosidade, como tivemos ocasião de assinalar, mas também nas variações ópticas quanto à leitura da cor, tão difícil de afinar quanto mais irregular for a luminosidade do ambiente envolvente. Porém, nenhum dos outros processos é tão completo quanto este. No fundo, trata-se de refazer o percurso do mosaísta, compreendendo-se, assim, todas as suas opções e os seus erros. Para o fundo ou zonas luminosas não desenhadas, é indispensável o registo fotográfico de pormenor. A condição essencial para se desenvolver este tipo de levantamento é a correcta limpeza dos mosaicos. Em Rio Maior, são inúmeras as áreas cobertas de concreções que não pudemos remover por falta de equipamento, de tempo e de vontade por parte dos responsáveis pela estação em proporcionar condições para que esse trabalho fosse realizado. A concreção impede uma leitura perfeita das tesselas, condicionando à partida o sucesso deste tipo de levantamento que exige, por outro lado, muitas horas de desenho ou uma grande equipa, o que também não houve, pois executámos sozinha todos os levantamentos, com excepção do n.0 2B. Por estes motivos, optámos portanto por uma técnica menos morosa, menos rigorosa também, mas conveniente às nossas condições de trabalho, não lhe retirando valor científico. De facto, com os mesmos instrumentos de desenho (plástico cristal e canetas indeléveis), desenhámos os contornos dos motivos, previamente humedecidos, obtendo um desenho à escala natural, mais esquemático. Num levantamento deste tipo é possível colmatar as áreas concrecionadas directamente no desenho seguindo as marcas dos contornos perceptíveis. O desenho a traço contínuo é o mais utilizado entre os investigadores. Apresenta, porém, alguns inconvenientes a grande escala. Não é possível dotar o levantamento de cor, alguns desenhos, tais como tesselas irregulares, cruzetas, cabos e outros motivos sobre o vértice, não podem ser desenhados, a irregularidade real do traço desaparece a grandes reduções. Apesar destas limitações, é o processo mais fácil para quem não dispõe de meios humanos, nem financeiros. Obtém-se um bom desenho de conjunto, à escala, que se completa necessariamente com os dados técnicos registados na ficha de inventário e com as fotografias. Ficaram infelizmente por desenhar, mercê do seu estado lamentável de conservação, os mosaicos n.0s 9, 7E, 12 e 13. A tabela de cores completa a documentação, pois apenas os filetes pretos se adensam no desenho. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 40 2. Corpus dos mosaicos N.0 1 Tema A – Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados (campo) B – Entrançado (soleira). Compartimento Corredor oriental do edifício, ligando o sector sul e o sector norte. A Sul, é visível a continuação do pavimento em mosaico, do qual se vê apenas uma pelta delineada a duplo filete preto, com enchimento rosa debruado a preto. O resto do motivo permanece, de momento, oculto. Dimensões do compartimento 15,58 * x 3,35 m. Dimensões do mosaico A – 15 x 3,35 m. B – 3,35 x 0,84 * m. Local de conservação In situ. Conservam-se pequenos fragmentos de mosaico e tesselas retiradas das lacunas nas reservas da Câmara Municipal de Rio Maior (=CMRM). Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. A Sul e a Norte o pavimento ainda se encontra parcialmente por exumar. Área conservada Bastante bem conservado na área actualmente visível, o corredor foi destruído junto às linhas de parede, aquando da remoção dos muros e, sensivelmente ao centro, apresenta uma lacuna considerável. Algumas áreas abatidas no centro e a Sul são devidas à queda de materiais pesados do telhado e das paredes. As lacunas não invalidam, porém, a compreensão da composição. Técnica de colocação A sondagem realizada entre o painel A e B, a Norte, revela um leito de cal, com cerca de 3 cm, onde assentam as tesselas, depois, grandes fragmentos de tijoleira dispostos na horizontal formando um nucleus de 3 cm e, finalmente, um rudus de areia e cal com 12 cm. Materiais Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para as linhas mestras da composição (limites do campo, desenho dos fusos e cordões da trança); ocre castanho, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para os motivos de enchimento. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 41 Densidade das tesselas A – 41 tesselas por dm2 na orla sudoeste e 75 dm2 no campo e restantes orlas. Tesselas com 2 cm de lado na orla sudoeste e 1 cm no campo e restantes orlas. B – 82 tesselas por dm2 . Tesselas com 0,6 cm a Oeste e 1 cm nos restantes lados. Estratégia de execução Apesar de coberto a Norte, o facto de encontrarmos os motivos truncados a Sul, leva-nos a interpretar o sentido a realização do pavimento do corredor de Norte para Sul. A orla de remate do tapete foi realizada através da colocação de três filetes paralelos à bordadura. A Sudoeste, a orla apresenta tesselas de grandes dimensões, exceptuando a orla da parede confinante com o compartimento 8, cujo menor tamanho pode talvez indicar a presença de uma passagem. No que se refere à organização dos motivos menores que preenchem a composição, não se observa um ritmo sequencial, tendo sido aleatória a sua escolha. Merece um particular relevo a flor-de-lis preta que rompe o repertório geométrico do tapete. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Des 1. Est. I. Bibliografia Inédito. Descrição Painel A Faixa branca (7,5 cm a Sudoeste; 4 cm na soleira n.0 2A; 8 cm junto ao painel B e 5, 5 cm a Sul). Filete duplo preto; faixa branca (7 cm); linha em dentes de lobo entre dois filetes duplos pretos (entre 20 e 23 cm) (cf. Le Décor, est. 10 c) (cada dente tem uma base entre 13 e 16 cm de largura). No lado oeste, o estado de conservação é razoável, nomeadamente porque a zona em que este se liga ao mosaico n.0 2A não sofreu a destruição provocada pelo arranque das pedras da parede, como aconteceu no lado oposto. No canto sudoeste, o dente de lobo foi transformado numa folha fusiforme. Segue-se: faixa branca (5 cm); trança policroma de três cordões (26 cm) [cinzento francês, ocre violeta e castanho amarelado/vermelho acastanhado, com uma fiada branca interna] em fundo preto (cf. Le Décor, est. 72 d); faixa branca (7 cm); filete duplo preto. Composição ortogonal de onze cruzes de dois fusos entrelaçados (cf. Le Décor, est. 246 b). As cruzes (1,30 a 1,40 m de comprimento) são desenhadas com trança de dois cordões [ocre castanho e vermelho acastanhado] em fundo preto (cf. Le Décor, est. 70 j). Quer o centro da cruz, quer os espaços residuais dos seus braços apresentam motivos variados. O centro da cruz é decorado com um rectângulo de lados ligeiramente convexos, formado por filete simples preto (28 x 18 cm), preenchido com os seguintes motivos: entrançado policromo; xadrez policromo; quadrado denteado policromo com cruz preta diagonal e, nos cantos, linhas denteadas justa- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 42 postas; nó de Salomão; quadrado denteado policromo flanqueado por triângulos de lados denteados; rectângulo preto de lados denteados policromo. Os braços são preenchidos por triângulos de lados direitos policromos [combinações variadas de preto, cinzento francês, ocre castanho, branco e vermelho acastanhado ou simplesmente pretos], com uma excepção que leva uma flor-de-lis preta. Os espaços residuais entre as cruzes formam losangos de lados côncavos e, junto à bordadura, triângulos de lados côncavos. Os primeiros são todos delimitados com filete simples preto e a maior parte preenchida com losangos policromos embutidos, com rectângulo de xadrez preto e branco flanqueado por dois triângulos com enchimento cinzento francês e vermelho acastanhado, com uma linha de triângulos em dentes de lobo alternadamente erguidos e invertidos em oposição de cores [branco, vermelho acastanhado e ocre castanho], com losangos formados por quatro paralelogramos adjacentes. Os triângulos junto à bordadura são todos delimitados a filete preto e tratados em policromia [ocre castanho, cinzento francês e vermelho acastanhado], com uma excepção que leva xadrez preto e branco (uma tessela por casa). As extremidades das cruzes da composição unem-se através de um pequeno rectângulo amarelo ou vermelho. Painel B Trança policroma de oito cordões em fundo preto (cf. Le Décor, est. 73 f) [ocre castanho/ocre violeta/cinzento claro/cinzento francês/vermelho acastanhado]. Comentários A bordadura em dentes de lobo conta-se entre os motivos mais antigos, remontando os primeiros testemunhos aos pavimentos de seixos rolados, como é o caso em Eretria (Grécia) na segunda metade do século III a.C. (Salzmann, 1982, n.0 154, p. 121-122 ). Daqui, terá passado para as oficinas itálicas que laboraram em opus tessellatum, mantendo-se no imaginário dos mosaístas até épocas tardias, sem ter sido, por isso, muito divulgado. Entre os exemplos mais antigos registam-se em tessellatum num mosaico bicromático da Villa de Horácio em Sabina, com uma data situada na quarta década a.C. (Blake, 1930, est. 24.2; Stern, 1965, p. 239, fig. 19); em Pompeia, numa moldura de um tapete da Casa del Cinghiale (Blake, 1930, p. 99, est. 27.2) e noutros pavimentos da mesma cidade no século I, nomeadamente na Casa di Trittolemo, na Domus M. Lucreti e ainda na casa VIII-V, 16 e 18 (Blake, 1930, p. 106-107, est. 39.2). Na primeira metade do século II, reencontramos esta bordadura em dentes de lobo no longo corredor do vestíbulo de acesso ao jardim da Villa Adriana (De Franceschini, 1991, VE 11, p. 291-292 e p. 539) e num pavimento de Ravena (Calvani e Maioli, 1995, compartimento 24, p. 83, fig. 69). Na província africana da Proconsular documenta-se a partir do século II, aquando da introdução da própria técnica do opus tessellatum, nomeadamente em Utica (CMT, I, 2, n.0 221, p. 74, est. XLI) e em Sousse (Foucher, 1960, 57.056, p. 26-27). Dispersos pelos vários cantos do Império, torna-se difícil estabelecer pontos de referência do motivo com vista à definição de percursos estilísticos individualizados. De facto, cerca de 200 d.C. encontramo-lo no Mosaico da Medusa de Salsburgo (Jobst, 1982, p. 33-35, est. 11.1 e 11.3); no século III, nos Banhos de Apolónia (Anamali e Adhami, 1974, p. 37); no século IV foi utilizado pela Durnovarian School na abside de Frampton (Smith, 1965, p. 101, Fig. 6), na villa gaulesa de Bapteste-Moncrabeau (Fages, 1995, sala J, p. 245) e, na mesma altura, na bordadura do mosaico da abside do compartimento adossado à muralha da Casa de Cantaber de Conimbriga, de cujo motivo central teremos ocasião de falar nos comentários ao n.0 2B. No seu largo período de vigência que vai desde o século III a.C. até ao século VI, o motivo mantém-se imutável nas suas características pictóricas, dificultando o estabelecimento de uma PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 43 baliza cronológica para o nosso exemplar unicamente com base em paralelos estilísticos. Destacamos o mosaico de Conimbriga pela sua proximidade geográfica e pela cronologia, que se integra perfeitamente nas balizas estabelecidas para os mosaicos da residência. A trança de três cordões regista-se desde o século II, na sua versão bicroma, assim como nos séculos III-IV, nas províncias africanas e na Hispânia (cf. Pinto, 1997, tabela n.0 8, com numerosos exemplos). Com uma dispersão geográfica restringida ao Norte de África, Hispania, Itália e Sul da Gália (Aquitania), não encontrámos paralelos próximos para a composição de cruzes de dois fusos nas restantes províncias romanas. Os mosaístas do Próximo Oriente adoptaram o esquema-base da composição em épocas tardias, mormente a partir do século V, simplificando as molduras e miniaturizando as cruzes de fusos que passaram a preencher espaços secundários nas grandes basílicas bizantinas. O exemplo mais antigo da composição que tivemos oportunidade de inventariar está datado, arqueologicamente, de princípios do século III, e provem do cubiculum XII da Maison des Animaux Liés de Thuburbo Majus (CMT, II, 1, n.0 80, p. 97-98, est. XXXVIII). Apesar de bastante destruído, é visível a grande afinidade no tratamento do esquema de base, em trança de dois cordões (vermelho e verde), pesem embora os diferentes motivos de enchimento: no centro das cruzes, os florões inseridos em círculos, nos braços da cruz, as peltas e os florões nos losangos longiformes entre as cruzes (CMT, II, 1, n.0 80, p. 97-98, est. XXXVIII). O seu carácter marcadamente vegetalista, ao gosto das oficinas africanas da terceira centúria, é um indício cronológico importante que lança o nosso pavimento, com tratamento essencialmente geométrico à base de uma gama variada de pequenos elementos decorativos grosseiros e banais, para uma época mais tardia. A presença de outra composição em Thuburbo Majus, estilisticamente filiada na mesma escola de mosaístas (com elegantes florões longiformes nos espaços residuais, tratamento floral no interior das cruzes e presença de peltas nos seus braços) num compartimento das Termas de Verão, datado da primeira metade do século IV (CMT, II, 2, n.0 150A, p. 24-26, est. X-XI) favorece não só a ideia de uma origem africana para o modelo do nosso mosaico, como acentua, pelas suas características pictóricas, uma datação ligeiramente posterior, ainda durante a quarta centúria. De facto, este segundo pavimento da Proconsular acusa tendências decorativas próprias da sua época, nomeadamente ao nível do tratamento do ápice das peltas — em hedera — da sobrecarga da composição com molduras interiores no centro das cruzes em filetes denticulados e da alternância cromática dos fusos das cruzes. A densidade das tesselas é também elucidativa da qualidade de execução: o pavimento da Maison des Animaux Liés consiste num trabalho de fina execução, com 97 tesselas por dm2, enquanto que o das termas ronda as 71 tesselas por dm2, execução mais grosseira, ao nível do pavimento de Rio Maior, com 75 tesselas por dm2. A composição não se conhece na Hispânia antes da primeira metade do século IV. Dois pavimentos de Rielves (Toledo) testemunham-no: primeiro no compartimentos C das termas e, depois, no triclinium, envolvendo parcialmente o painel dos guerreiros (Fernández Castro, 1977-1978, p. 225, fig. 20 e p. 225-226, fig. 21, respectivamente). Pela mesma altura, o corredor Sul do peristilo de La Malena, apresentava a mesma composição em trança com pequenos triângulos nos braços das cruzes e quadrados no centro (Royo Guillén, 1992, fig. 2). A aproximação deste último com Rio Maior é óbvia, não só pelo tratamento dado ao esquema, como também pela sua aplicação a um espaço arquitectónico similar — um corredor. Finalmente, o último dos pavimentos com afinidade pertence ao corredor da villa de La Vega e varia apenas na continuidade dos círculos que dão origem aos fusos, criando uma composição de círculos secantes, bem definidos, traçados a trança de dois cordões e deixando entrever nos seus espaços residuais flores-de-lis com longo caule (Regueras Grande e Pérez Olmedo, 1997, p. 53-54, fig. 23). Parece-nos lícito colocar este pavimento em meados do século IV. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 44 Cerca de cem anos separam o modelo africano dos seus congéneres hispânicos. Se os pavimentos de Rielves são os mais próximos geograficamente, temos porém em La Vega e La Malena uma aplicação da composição em corredores, como é o nosso caso. Todavia, é com certeza a villa de Rielves que nos interessa particularmente pela afinidade estilística com outras composições (cf. n.0s 3A, 3C, 7A e 15A), num conjunto arquitectónico onde as semelhanças com Rio Maior são também manifestas. A cronologia proposta para o programa arquitectónico de Rielves é anterior à que advogamos para a villa de Rio Maior, talvez uma a duas décadas. É também no decorrer do século IV que a composição, desenhada a trança, chega à Aquitânia e à Península Itálica. Conhecem-se dois pavimentos no Sudoeste da Gália com características decorativas muito próximas, possivelmente fruto de trabalho de uma mesma oficina: na Maison des Mosaïques em Saint Christoly, de época posterior a 330-340 (Balmelle, 1996, p. 194, fig. 1 e 3) e na villa de Palat Saint-Emilion, realizado já na centúria seguinte (Balmelle, 1980, p. 84-85, 87, fig. 22-23). O tratamento dos fusos é em tudo igual ao nosso mosaico, divergindo apenas nos círculos colocados nos pontos de tangência das cruzes que sobrecarregam a composição. Não se ficam por aqui os exemplos nesta região gaulesa, pois ainda se conhecem em Mouchès (Gers – Lot et Garonne), datado do século IV (Recueil, IV, 2, n.0 334, p. 207-208, est. CL), em Plassac (Gironde) e Moncrabeau Bapteste (Lot et Garonne) (Recueil, IV, 1, p. 89). Infelizmente, estes três últimos exemplos apenas se conhecem através de aguarelas cuja análise estilística e cronológica é, obviamente, insegura. Na Itália, a composição em trança documenta-se no século IV na Villa di Casignana (Faedo, 1994, p. 454, est. XXVII). O gosto pelo meandro fraccionado e pelas linhas de ressalto para delinear os fusos parece ter-se implantado também no século IV, com incidência particular na Hispania. Aconteceu em Navatejera, no oecus da villa onde o pavimento apresenta fusos com linhas de meandro fraccionado com secções abiseladas, denteadas, imbricadas e policromáticas, para além de pequenos quadrados de lados direitos no centro das cruzes e losangos nos espaços residuais (Torres Carro, 1990, est. II 1, 2; CME, 10, n.0 17, p. 31-32, fig. 13, est. 30). O pavimento de Camarzana de Tera, em tudo semelhante, é datado por F. Regueras Grande de meados do século IV à primeira metade do século V (1985, p. 41-42, n.0 4, fig. 4B, est. IIIb; 1991b, p. 169-170, fig. 4). Encontramos ainda o mesmo tipo de fusos, embora inseridos em duas fiadas de quadrados adjacentes, numa variante do esquema, em Cuevas de Soria, no compartimento confinante com o triclinium a Nordeste, na segunda metade da centúria (CME, 6, n.0 58, p. 67-68, fig. 7). É certamente da mesma época o mosaico lusitano da Tapada do Garriancho. Trata-se de uma linha de cinco cruzes, em meandro fraccionado com fracções imbricadas, das quais três estão completas, cuja sumária publicação, com fotografia, se deve a J. M. Bairrão Oleiro (1956, p. 11-12). Em linhas de ressalto, são os fusos da mesma composição de Almenara de Adaja, com destaque para as florzinhas que decoram os espaços residuais entre as cruzes (CME, 11, n.0 13, p. 28-29, est. 10). Quer os fragmentos de Milla del Río, quer os painéis do Rabaçal, procuram quebrar a simetria e a monotonia dos pavimentos anteriores, entrelaçando dois fusos com molduras diferentes. O mosaico do triclinium da villa de Rabaçal é constituído por cinco painéis justapostos dispostos em U+T. Os dois painéis laterais apresentam doze cruzes de dois fusos desenhadas com linhas de ressalto e arco-íris (Pessoa, 1995, p. 483, desenho 1b; 1998, fig. 20). Apreende-se logo a grande preocupação em cobrir espaços vácuos, sobrecarregando a composição com triângulos nos braços da cruz, quadrílobos no centro das mesmas, volutas e losangos oblongos em filete denticulado nos espaços residuais entre as cruzes, produzindo um efeito estético fortemente barroquista. Os fragmentos de Milla del Río, dispersos pelo Museu de León e pelo Museo Arqueológico Nacional de Madrid (CME, 9, n.0 24, p. 40-41, est. 21; CME, 10, n.0 9, est. 7 e 27) aproximam-se do Rabaçal pelo tratamento de um dos fusos em linha de ressalto. Se localizarmos geograficamente este conjunto de composições desenhadas com meandro fraccionado e linhas de ressalto, individualiza- PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 45 -se um grupo com afinidades estilísticas na região mais setentrional da província romana da Tarraconense: León, Zamora, Valladolid e Soria. Sendo notórias as afinidades estilísticas entre os pavimentos, parece-nos agora essencial recorrer a outras informações técnicas, tais como paleta de cores, dimensões, técnica de colocação e estratégia de execução, que não dispomos de momento, para confirmar a presença de um mesma oficina a funcionar nesta região durante a quarta centúria. Os restantes dois pavimentos são portugueses e encontram-se já fora da área definida para os restantes. Seriam trabalhos do mesmo círculo oficinal? Ainda que existam semelhanças na idealização da composição, apresentam elementos secundários que os distanciam. O conjunto de mosaicos que definimos pela moldura em trança não se integra geograficamente neste segundo grupo, registando-se na sua área limítrofe. Ainda assim, não há dúvidas de que coexistiram e podem, eventualmente, definir duas correntes ligadas a oficinas diferentes que não quiseram copiar trabalho alheio, nem intervir nos circuitos laborais regionais. Por tudo isto, surpreende-nos a existência de um mosaico no Museu Arqueológico de Istambul do qual se desconhece a proveniência, mas cujas semelhanças com o grupo tarraconense são fortíssimas. O mosaico é datado por J. M. Blázquez Martínez (1989, p. 366-367, est. 89) do século III-IV. Parece-nos demasiado baixa a datação proposta pelo autor, que colocaríamos mais além, nunca antes de meados do século IV. Quanto ao tratamento dado aos losangos (com quatro paralelogramos), documenta-se em Djebel Oust nos meados do século IV e corresponde a uma fase intermédia da evolução apresentada por M. Fendri, com origem nos finais do século III, em vários locais do Norte de África (1965, fig. 19). Não parece anterior ao século III a sua presença na Hispania, sendo o mosaico de El Regadio o exemplar mais antigo (Blázquez Martínez, 1993, p. 235). No século IV são muito frequentes como é o caso de El Ruedo (Hidalgo Prieto, 1991, n.0 2, p. 330-333, est. IV). A pequena flor-de-lis preta colocada num dos braços da cruz que se encontra também nos mosaicos n.0 2A, a preto, 3C e 15A, em policromia, recorda a solução tardia adoptada para o painel geométrico do mosaico do caçador da villa de El Hinojal, exposto no Museu de Arte Romano de Mérida (CME, 1, n.0 64, fig. 5). Nos seus espaços residuais, os artesãos colocaram flores-de-lis monocromáticas, ora pretas em fundo branco, ora rosa em fundo preto. Todos os restantes elementos que preenchem espaços residuais (xadrez policromo, quadrados denteados policromos, nós de Salomão, entrançado policromo) são muito frequentes na tradição artística musiva romana, não contrariando a datação proposta (cf. Pinto, 1997, tabela n.0 6). O motivo escolhido para a soleira é bem conhecido dos artífices musivos ao longo de toda a época imperial, desde a sua versão em bicromia nas oficinas itálicas: Pompeia (Blake, 1930, p. 108, est. 26.3, 30.2 e 39.1) e Óstia, na Domus Fulminata, na segunda metade do século I (Becatti, 1961, n.0 192, p. 105, est. XXXVIII). Praticamente abandonada no século II, a trança de múltiplos cordões retoma-se em África a partir do século III: Thuburbo Majus, na Maison des Animaux Liés (CMT, II, 1, n.0 81, p. 98-101, est. XXXIX), onde achámos a origem da composição de cruzes de dois fusos. É, porém, no século IV que aumentam os paralelos hispânicos: Calle Masona e Calle Concordia de Mérida (CME, 1, n.0 43, p. 45-46, est. 77b; Álvarez Martínez, 1990, n.0 7, p. 53-57, est. 24, respectivamente), Arroniz (CME, 7, n.0 2, p. 15-22, est. 3), Navatejera (CME, 10, n.0 17, p. 31-32, est. 30). Os mais significativos materiais arqueológicos exumados consistem em fragmentos de estuque pintado e mármore, cavilhas, tesselas de vidro, um numisma de Cláudio II, póstumo, de cunhagem provincial (268-275) e um ceitil em cobre de Afonso V (século V). Todos eles são provenientes de camadas de revolvimento. Datação Segunda metade do século IV. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 46 N.0 2 Tema A – Linha de octógonos e quadrados adjacentes (Soleira). B – Concha policroma (Abside). Compartimento Abside aberta sobre o grande corredor oriental. Dimensões do compartimento Ver dimensões do mosaico. Dimensões do mosaico A – 4,05 x 0,54 m. B – Raio: 2,80 m. Base: 4,20 m. Local de conservação In situ. Vários pequenos fragmentos de mosaico retirados da grande lacuna e tesselas soltas conservam-se nas reservas da CMRM. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada No momento em que foi trazido à luz, o mosaico estava totalmente coberto de concreções calcárias. Só foi possível definir a área realmente conservada após demorados trabalhos de limpeza manual. Os primeiros trabalhos de limpeza foram realizados nas campanhas de 1995 e, posteriormente, em Agosto de 1998, pela equipa do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal e por nós. Trabalho extremamente moroso pela delicadeza que exige, sob pena de danificar os mosaicos ou alterar as suas cores com aquecimentos excessivos provocados por fricção. O mosaico apresenta uma série de lacunas, umas menores e outras (duas) de grandes dimensões. Uma das grandes lacunas abrange uma área com cerca de 1,70 m de largura máxima, situada no centro do mosaico e atingindo também a soleira. Ainda é possível observar a camada de assentamento do mosaico nesta área. A segunda grande lacuna, com cerca de 80 cm de largura, realizada aquando da abertura de uma cova para plantação de árvore, abrange o lado esquerdo do mosaico e prolongase para o mosaico n.0 1. A lacuna é funda e foi objecto de limpeza. Apesar de conservada em grande parte da sua extensão, a abside foi bastante afectada pela destruição em toda a sua orla, tendo esta praticamente desaparecido, bem como as paredes do compartimento. Técnica de colocação As tesselas assentam numa camada de argamassa branca de cal com aproximadamente 0,1 a 1,2 cm de espessura. Segue-se uma segunda camada de argamassa avermelhada constituída por areia, cerâmica em pó e em nódulos bem visíveis a olho nu com cerca de 3 cm (nucleus). O corte da pedra é bastante irregular deixando interstícios com 0,1 cm em média, mas que podem atingir 0,2 cm. Da amostra de tesselas soltas que recolhemos na lacuna, verificamos que a maior parte delas tem forma paralelepipédica, sendo pouco frequentes as de talhe em bisel. A união entre o painel A e o B apresenta um assentamento diferente. A camada de cal aumenta até aos 3 cm, seguida de uma camada de tijoleiras também com 3 cm (nucleus) e uma argamassa de areia e cal com 12 cm (rudus). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 47 Materiais A – Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para o traçado da composição e as folhas lanceoladas dos florões; castanho amarelado, ocre castanho, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para os florões e triângulos policromáticos. B – Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para o desenho das caneluras; castanho amarelado, ocre castanho, rosa, ocre rosa claro, ocre rosa escuro, ocre violeta, terracota, cinzento metálico. Densidade das tesselas A – 119 tesselas por dm2. B – 101 tesselas por dm2 nas caneluras. Tesselas com 1,5 cm nas ondas e 1 cm nas caneluras e caracol. Estratégia de execução Apesar do elevado grau de destruição da orla de remate à parede, é possível compreender a sua técnica de execução com base nos pequenos pedaços que a ela resistiram. Dada a exposição do pavimento, a orla foi realizada com filetes que seguem o contorno da abside/concha, vindo morrer em jeito de botaréu contra a orla do mosaico n.0 1A. Na soleira, o mosaísta procurou imprimir à sua obra uma certa harmonia e variedade nas cores, quebrando as repetições monótonas de tonalidades, como aliás foi preocupação noutros mosaicos da mesma estação. Uma malha de quadrados realizada obliquamente em relação aos lados maiores proporcionou a esquematização da composição na soleira. A deficiente ordinatio do espaço disponível provocou um progressivo desajuste métrico da direita para a esquerda (o último octógono do lado esquerdo perdeu 3 cm na sua largura em relação ao primeiro do lado direito). O último trapézio, à esquerda, também não pôde ser realizado na íntegra. Por tudo isto, é fácil concluir um sentido de execução a partir do lado direito. A alternância dos motivos de enchimento obedece a uma sequência organizada. A mesma preocupação se revela na escolha da paleta para tratar os florões. A bordadura em acanto sofreu também graves prejuízos, porém, ainda lhe podemos atribuir com alguma precisão o seu ponto de partida, situado no topo da abside, no eixo central da nervura principal da concha. A partir deste ponto, de ambos os lados, o mosaísta terá desenrolado o motivo até à base da concha. Quanto ao motivo em concha, considera-se de belo efeito cromático, porém com uma execução bastante grosseira, tendo em conta a dimensão média das tesselas empregues. A obtenção da gradação das cores nas caneluras é um aspecto importante do mosaico, dada a sua peculiaridade. De facto, observámos uma série de anomalias muito invulgares, algumas propositadas, outras não. Quanto às primeiras, é notória a transição suave de cores nas caneluras, passando o ocre castanho a vermelho acastanhado, roçando pelo terracota, de tal forma que a mesma tessela acolhe esta gradação, sem interrupção brusca entre as suas pares. Esta curiosa obtenção de dégradê, tão natural, suscitou alguma perplexidade. Não é de excluir que o mosaísta tenha procedido ao aquecimento das tesselas in loco. Por outro lado, observamos também alterações que não foram propositadas, provocadas por fonte de calor. Observam-se na segunda onda a contar do lado esquerdo, onde os dégradês ocre castanho/castanho amarelado se tornam terracota/vermelho acastanhado (no seu enchimento e na parte superior); na grande vaga central, onde muitas tesselas vermelhas estão escurecidas, tornando-se castanhas ou mesmo pretas. Muitas tesselas pretas decompuseram-se, tornando-se cinzentas. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 48 Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento realizado tessela a tessela em plástico cristal, à escala 1/1 com apoio de Diane Bédard (membro da Missão MSP). Fig. 10.1., 10.2. Des. 11. Bibliografia Inédito. Descrição Painel A Orla branca (8 cm), totalmente destruída a Sul e bastante danificada a Norte. Filete duplo preto. Linha de seis octógonos irregulares e seis quadrados alternadamente adjacentes, determinando trapézios junto às bordaduras superior e inferior (cf. Le Décor, est. 27 c). A estrutura da composição, formada por octógonos, quadrados e trapézios, é delineada por um duplo filete preto. Em cada um dos octógonos foi inserido um segundo, simplesmente definido por um filete preto, que serve simultaneamente de moldura ao florão nele colocado. Dois tipos de florão alternam entre si: dos três florões de lótus, apenas dois estão totalmente conservados, tendo-se preservado apenas uma das flores do terceiro. Trata-se de um florão compósito com oito elementos não contíguos, quatro em pétalas lanceoladas pretas e quatro em lótus trífido em redor de um círculo concêntrico (cf. Le Décor II, est. 268 a). Os lótus são tratados em policromia: vermelho acastanhado, ocre violeta e ocre castanho ou preto, ocre castanho, castanho amarelado e vermelho acastanhado. Dois dos restantes três florões estão totalmente perdidos. Resta-nos, felizmente, um exemplar. O seu enquadramento é substancialmente diferente do anterior. No interior do octógono foi inserido um quadrado formado por um filete duplo preto, definindo um espaço interno de 22 x 24 cm onde se centrou o motivo floral. Trata-se de um florão simples de quatro elementos não contíguos, com pétalas de cinco pontas obtidas através de um contorno cinzento francês simples com enchimento ocre castanho, pequenas hastes bífidas vermelho acastanhado e centro em círculo concêntrico policromo (cf. Le Décor II, variante da est. 257c). Nos espaços residuais foram centrados quatro trapézios delimitados por uma fiada de tesselas pretas e preenchidos a ocre castanho e vermelho acastanhado em oposição de cores. Cinco dos seis quadrados que separam os octógonos conservam-se (15 cm de lado), preenchidos alternadamente com quadrado denteado policromo com uma cruzinha no centro e roda denteada preta, com um círculo preto no centro. Nos trapézios laterais, seis em cada lado maior, foram inseridos outros, delimitados por um filete simples preto e adossados à bordadura para que esta lhe sirva de base (36 cm). Ainda se conservam completos três trapézios em baixo e um em cima. Os restantes estão total ou parcialmente destruídos. O interior de trapézio foi decorado com uma folha lanceolada com duas folhas laterais pretas. As folhas estão assentes num travessão preto com 16 cm de comprimento disposto paralelamente à bordadura e ligado a ela através de uma tessela preta. Finalmente, os quatro cantos da composição foram também ornamentados: no canto superior e inferior direito, com um triângulo de lados denteados policromo PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 49 (uma cruzinha de quatro tesselas liga o motivo a um dos lados do octógono da composição); no canto superior e inferior esquerdo com um triângulo policromo denteado dividido ao meio por uma linha branca (a ligação à bordadura do campo consiste numa tessela preta). Painel B Faixa branca (6 cm conservada no topo e na ligação à soleira; 18 cm no canto inferior direito até ao muro). Um filete denteado oblíquo, visível apenas no canto direito, faz a união à soleira. Filete duplo preto; folhagem de acanto (33,5 cm de largura e 30 cm de diâmetro médio no enrolamento) com flores e folhas de hera (cf. Le Décor, variante da est. 64 e). As folhas de acanto são delineadas a filete preto simples e tratadas a cinzento metálico. Na extremidade do enrolamento há folhas de hera debruadas a preto e preenchidas a ocre castanho ou vermelho acastanhado ou debruadas a ocre castanho com enchimento castanho amarelado (conservam-se cinco exemplos), tendo-se preservado uma florzinha com pétalas vermelhas, intervaladas por quatro filamentos ocre castanhos. Apesar de muito destruído, pode identificar-se o ponto de arranque da folhagem, no topo, consistindo num caule cinza/ocre castanho, com uma folha de acanto no lado direito realizada a castanho amarelado/ocre castanho. Concha policroma, formada por vinte sete caneluras rematadas com meio disco preto, em jeito de cortina (cf. Dicionário, p. 31) e separadas por duplo filete preto. Cada canelura é tratada em gradação de cor de forma a obter o efeito de profundidade do interior do bivalve. Ao realizar as caneluras, o artista teve em conta a incidência da luz no motivo, quer no ponto de arranque junto da vaga central, menos luminosa, tornando-se progressivamente mais clara para a periferia, quer em cada fiada da canelura, onde o efeito de sombras é realizado com dégradê de vermelho acastanhado, terracota e ocre violeta (junto à vaga central), ocre castanho e castanho amarelado (na periferia). Na canelura central, onde incide directamente a luz, os efeitos de sombra convergem para o centro. A cerca de 90 cm do centro do motivo, pode ver-se uma circunferência desenhada a filete vermelho acastanhado que corta todas as caneluras, e a 44 cm desta, um meandro de ressaltos com dentículos nos intervalos (cf. Le Décor, variante da est. 30 c). Junto à base, convergem para uma grande vaga central enrolada, quatro vagas com pequena ondulação, assentes num filete duplo preto. A vaga central é desenhada mediante quatro fiadas de tesselas pretas e preenchida com fiadas brancas, rosa, ocre rosa claro, ocre rosa escuro, ocre violeta, vermelho acastanhado, terracota e ocre castanho. As duas pequenas vagas adjacentes (no lado direito, apenas uma se conservou) foram realizadas a preto na estrutura interna e cobertas com vermelho acastanhado e ocre violeta, as restantes com ocre castanho e castanho amarelado. Comentários Com um largo período de vigência artística, a composição de octógonos e quadrados adjacentes é conhecida desde o século I a.C. até ao século IV, com especial incidência nas províncias africanas e hispânica nos séculos III-IV. O estilo no desenho simples a filete repete-se no mosaico n.0 15A para o qual remetemos de imediato no que se refere à análise estilística da composição. Quanto aos elementos que preenchem a supracitada composição linear, deter-nos-emos essencialmente no tratamento floral dos octógonos. Por um lado, os florões de lis, presentes também nos mosaicos n.os 10 e 15A e, por outro lado, os florões com folhas largas de cinco pontas, presentes também no mosaico n.0 3C. A origem da decoração vegetalista nos mosaicos remonta às rosáceas realizadas em composições musivas centradas ou em bandas de soleiras da época helenística (Lancha, 1982b, p. 245). Os romanos, por sua vez, não deixaram de beber desta fonte, fundindo-a ao gosto que revelaram pela imitação dos lacunaria nos pavimentos, inserindo o florão numa malha quadri- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 50 cular ou em favo, desde o século I a.C. (Lancha, 1982b, p. 245-246). A partir desta data, os florões evoluem para formas diversas, cabendo a cada mosaísta dar o volume e o cromatismo capaz de os fazer rivalizar com a própria natureza. Documentam-se desde cedo na Itália, achando-se em Pompeia no século I a C.(Blake, 1930, p. 64, est. 15,4 e p. 107, est. 27.4). A Escola de Vienne, fortemente influenciada pelas suas congéneres transalpinas, tais como Spoleto, Cremona ou Aquileia (Lancha, 1982b, p. 246) impôs-se neste domínio, privilegiando os esquemas em quadrados ou em favos de hexágono para moldurar os seus típicos florões, realizados com quatro folhas fusiformes e quatro cálices de lis ou lírio: em Sainte Colombe, um bairro meridional da antiga Saint-Romain-en-Gal, nos hexágonos da composição, em data aproximada de 150-175 d.C. (Recueil, III, 1, n.0 358, p. 189-190, est. XCIX). Pela mesma altura, noutro ponto da mesma cidade, surge num quadrado da composição (Recueil, III, 1, n.0 385, p. 249-251, est. CXL-CX-LI) e, na outra margem, em Vienne, num mosaico conhecido como Diederichs, é num círculo inserido num hexágono que se documenta no desenho que dele resta (Lancha, 1977, p. 61, fig. 19). A tradição prolonga-se em Saint-Romain-en-Gal pelos princípios do século III, em composições à base de hexágonos e quadrados (Recueil, III, 1, n.0 407, p. 290-295, est. CLXX-CLXXI). Ao círculo estético vienense, pertencem ainda dois pavimentos de Lyon, a romana Lugdunum, onde duas composições em meandros ostentam exemplares de florões. O primeiro data da segunda metade do século II (Recueil, II, 1, n.0 45, p. 42-43, est. XXII-XXV) e o segundo de princípios da época severiana (Recueil, II, 1, n.0 138-4, p. 107-110, est. LXXVIII). As cidades alemãs de Treveris e Colónia são também depositárias de importantes paralelos destes florões, inseridos preferencialmente em esquemas de octógonos e quadrados em estrela. Assim, documentam-se no sobejamente conhecido Philosophenmosaik de Colónia, em data exacta pouco consensual entre os investigadores, mas que nos reporta grosso modo a meados do século III9 (Parlasca, 1959, p. 80, fig. 110, est. 80-82; Lancha, 1977, n.0 115, p. 272-274, est. CXVI) e, na segunda metade do século IV, em Treveris, num mosaico encontrado na rua Johann-Philipp (Parlasca, 1959, p. 59, est. 56-1). As escolas africanas souberam captar, adaptar e inovar uma estética própria e inconfundível, outros locais, mais ou menos inventivos reproduziram as suas ideias. O florão de lis documentase na África Proconsular (Schmelzeisen, 1992, p. 456, Typ. 6a/7b 8) onde encontramos os melhores exemplares, menos frequentes no Oriente. Em Thaenae, N. Jeddi atesta no seu tipo a2 (1990, est. CV) os vários exemplos conhecidos do século III, inseridos preferencialmente em círculos: na sala III das Thermes des Mois (Jeddi, 1990, n.0 2, p. 225-242, est. LIVb e na Maison de Dionysos (Jeddi, 1990, n.0 25, p. 179-188, est. XLIV b e d e XLV). O painel geométrico do Triomphe de Neptune de Constantine, datado de cerca de 315-325, é talvez um dos exemplos mais emblemáticos da aplicação do motivo em octógonos (Baratte, 1978, n.0 6, p. 30-36, fig. 18-22). Pela mesma altura também se documentam em Cartago, num mosaico sem localização precisa, onde os octógonos de uma composição de cruzes de scuta levam florões (Ben Osman, 1981, n.0 67, p. 212-214), da mesma forma que no das estrelas da Maison de la Course de Char (cf. n.0 7C), nos medalhões octogonais, na segunda metade da centúria (Hanoune, 1969, painel 12, fig. 12). O Décor regista outros exemplos muito próximos na mesma cidade (cf. est. 133 e, 207 d e 213 c, revelando a predilecção do motivo por parte das suas oficinas. Todos estes exemplos africanos constituem elementos referenciais importantes na determinação da origem mais próxima dos nossos florões. O salão Norte do frigidarium das termas de Aquileia, datado de meados do século IV, também documenta o motivo com folhas fusiformes, aplicado aqui em círculos, num painel cuja influência africana é salientada pela autora do seu estudo (Lopreato, 1994, p. 96, est. XLIX 1). É bem provável que o pavimento de Negrar, considerado anterior ao século III por E. Guislanzoni (1962, p. 124, fig. 32), com grandes florões de lis inseridos em octógonos numa composição do tipo Le Décor est. 180 b e c (cf. n.0 3C), seja um pouco mais tardio, talvez já da quarta centúria. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 51 As oficinas que laboraram na Hispânia da quarta centúria reproduziram o modelo africano. Na villa de El Hinojal, o florão insere-se num octógono ou num quadrado, mas a variante aqui presente procura uma efeito estético singular que se caracteriza pela subtil presença de um fundo preto que deixa adivinhar as folhas, sem contudo as desenhar (CME, 1, n.0 62, p. 51, est. 93A e n.0 63, p. 51, fig. 4, est. 93). Em Liedena, achamos outro exemplo em octógonos1o (CME, 7, n.0 26, p. 49-50, est. 30). L. Correia dedicou a sua dissertação de Mestrado à decoração vegetalista nos mosaicos romanos em Portugal, tendo classificado no tipo 2 um florão muito próximo do nosso exemplar, sob a designação de florões com cálices de lótus (Correia, 1985, p. 21). Cita como locais de ocorrência: Arnal, Boca do Rio, Conímbriga, Milreu, Faro, Fontão, Pisões e Vila Cardilio (Correia, 1985, p. 29-33, estampas 3, 4 e 5; Wrench, 1996, p. 597). Deste vasto grupo, muito heterogéneo, destacamos o florão de Pisões (cf. Costa, 1988, fig. 7B), o da Casa da Cruz Suástica de Conímbriga (cf. Correia, 1985, fig. 8 e fig. 9, levantados à escala) e o de Fontão (cf. Acuña Castroviejo, 1974b, fig. 7) como paralelos mais próximos de Rio Maior. Não há dúvidas quanto ao parentesco do nosso florão com o de Pisões, inseridos em composições similares. O tipo de folha preta lanceolada e o estilo das pétalas de lis são inquestionavelmente idênticos, encontrando congéneres em Mérida e El Pesquero, também em composições de quadrados e octógonos (vide comentários ao n.0 15A). O caso da villa de El Pesquero, datado da segunda metade do século IV, é particularmente significativo porque associado a uma concha na abside, ainda que a paleta seja muito mais pobre do que em Rio Maior (Rubio Muñoz, 1988a, p. 194, est. II). Os dois exemplos de Mérida, obra de uma mesma oficina, datam do século IV (Álvarez Martínez, 1990, n.0 2, p. 34-37, est. 6-7; n.0 17, p. 98-101, fig. 10, est. 48-50). O exemplo registado em Conímbriga, datado de finais do século III — princípios do século IV, é formalmente mais complexo, partindo no entanto de uma base idêntica de quatro fusos e quatro pétalas de lis (cf. Oleiro, 1994b, p. 42; Wrench, 1996, fig. 9). De resto, trata-se do mesmo tipo de motivo em Fontão, com o mesmo tratamento dos espaços, ainda que as folhas se apresentem aqui em lança (cf. Acuña Castroviejo, 1974a, p. 30-32, 1974b, p. 204-205). A sua datação poderá eventualmente entrar na quarta centúria, ao contrário do que pensa F. Acuña Castroviejo (cf. 1974a, p. 32). Os florões aquitanos destacam-se também como um conjunto homogéneo que reflectem uma tendência para a utilização deste tipo de elemento decorativo como enchimento de composições variadas, onde merece particular realce o octógono ou o quadrado de lados côncavos, mais raramente o círculo, no século IV (especialmente na sua segunda metade) e no século V. A estrutura destes florões é bastante semelhante ao grupo a que pertence o nosso exemplar, com algumas particularidades assinaláveis que lhes conferem originalidade própria, num círculo regional bastante bem definido como é o aquitano. As folhas são, em geral, contornadas a branco, com enchimento vermelho ou preto, e a sua forma é mais fusiforme do que lanceolada. Os cálices dos florões possuem um tratamento cromático que se caracteriza geralmente por um contorno a preto ou verde e pétalas tratadas a cinzento, vermelho, cinza azulado com a ponta central amarelo ou vermelho e frequentemente adornadas com estrias pretas de modo a dar volume ao motivo. Documentam-se em desde meados do século IV em Lescar (Recueil, IV, 1, n.0 140, p. 145-148, est. LXXIX-LXXX), até finais da centúria em Valentine (Recueil, IV, 1, n.0 58, p. 67-70, est. XVII-XVIII), Auriébat (Recueil, IV, 1, p. 102, p. 105-107, est. XLIV-XLVI3), Gleyzia d’Augreilh – Saint Sever (Recueil, IV, 2, n.0 208 C, p. 72-78, est. XXX-XXXII; n.0 209, p. 78-81, est. XXXV; n.0 214 A, p. 89, est. XLIV), Auch (Recueil, IV, 2, n.0 357, p. 218, est. CLV; n.0 358 A, p. 219-220, est. CLVI-CLVII; n.0 360, p. 221-222, est. CLVIII-CLIX), Gee-Rivière (Recueil, IV, 2, n.0 258, p. 137-138, est. LXXXV), Cieutat (Recueil, IV, 2, n.0 267, p. 142-144, est. LXXXVII-LXXXVIII) e Cadeillan (Recueil, IV, 2, n.0 421, p. 249-252, est. CLXVIII-CLXXXI), em fins do século IV e princípios do século V em Lescar (Recueil, IV, 1, n.0 134, p. 138-141, est. LXXVI), Séviac A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 52 estudo tipológico global do motivo dificulta o seu enquadramento num grupo particular ou numa época, ainda que nos seja permitido aproximar o nosso exemplar do tipo 12Q14 apresentado por Shmelzeisen para a Proconsular (1992, p. 258), P. Aragon-Launet e C. Balmelle ensaiaram um interessante estudo a nível local, com base nas esplêndidas folhagens de acanto da villa tardo romana de Séviac (Aragon-Launet e Balmelle, 1987-88). Os exemplares apresentados pelas autoras possuem, porém, dimensões muito superiores às de Rio Maior, modéstia que se manifesta nos tímidos dentes de serra das folhas, despojados da exuberância dos pavimentos aquitanos de folhas policromas com dentes profundos e agudos (Aragon-Launet e Balmelle, 1987-1988, p. 191-192). Assim sendo, resta-nos, por ora, apontar alguns paralelos próximos que possam esclarecer a cronologia do nosso pavimento. No território português apenas se conhece um exemplo próximo, de fraca valia11. Encontrado em S. Miguel, na Golegã, foi publicado por M. Heleno (1966, p. 250) e dele pouco se sabe, uma vez que foi praticamente destruído, restando uma fotografia que nos mostra uma folhagem branca em fundo preto, com folhas agudas ao estilo de Séviac, sem ornamentos nas extremidades. M. Heleno não propõe datação. Os exemplos registados em Conímbriga, na Casa dos Repuxos, são mais antigos, situando-se entre os finais do século II e o século III (CMRP, I, n.os 3, 9 e 10, est. 66), época de maior esplendor estético patente no realismo imprimido ao tufo de acanto. Exigindo um bom domínio da arte musiva, as folhagens de acanto reaparecem na época de Constantino, sucedendo ao grosseiro estilo da Tetrarquia (Kiss, 1973, p. 5912). A realização de bordaduras de abside em acanto não é inédita, encontrando-se uma excelente execução da mesma nos princípios do século IV, em Cartago, com aves na extremidade dos enrolamentos, rodeando um tema central de caça ao javali (Dunbabin, 1978, est. XI 21; Yacoub, 1983, p. 261, fig. 133) e na Villa de Tabarka, em redor de uma paisagem rural com edifícios, já nos finais da centúria ou princípios do século V (Dunbabin, 1978, est. XLV, 113). A abside com o busto de Diana da villa de Bignor, datada de cerca de 300 d.C., é também decorada com folhagens estilizadas, muito pobres no tratamento formal, com folhas de hera e cálices de lótus nos enrolamentos (Rainey, 1973, p. 23, est. 10B; Johnson, 1982, p. 35, est. 24). Nestes três exemplos citados, a folhagem rodeia completamente a abside, envolvendo sempre um painel figurativo. Quer em aplicações directas de cardium, quer em mosaico parietal figurado, o mundo clássico concebeu a concha como elemento simbólico de lugares aquáticos ou alusivos à deusa Vénus ou às Ninfas. Segundo M. Eliade, as ostras, as conchas marinhas, o caracol e a pérola são solidárias tanto das cosmologias aquáticas como do simbolismo sexual, sendo também consideradas emblemas destas forças pela semelhança que apresentam com os órgãos femininos (apud Servajean, 1989, p. 935). F. Servajean salienta ainda a ligação da concha à lua, através da mulher, cujos ciclos de fertilidade se associam aos do referido planeta (1989, p. 936). Água-concha-mulher formam uma trilogia alegórica à qual a lua empresta a noção de ciclo e renovação. A concepção de Afrodite/Vénus como deusa celeste e astral sugere conotações cósmicas particularmente expressivas quando a concha se realiza nas semi-cúpulas das absides. Será este o caso de Rio Maior? Em 1965, D. Joly apresentou ao CMGR, 1, um estudo detalhado acerca de três fontes pompeianas em forma de nicho, datadas do período entre 62 e 79 d.C., onde as conchas assumem um lugar de destaque. Na Casa dell’Orso, no jardim próximo da Grande Palestra, a Oeste do anfiteatro e na casa IX-7 que fica atrás do Vicolo di Tesmo. O cardium é aplicado em filas que desenham os contornos da construção e o ambiente aquático é reforçado pela presença do nascimento de Vénus na abóbada (Joly, 1965, Casa dell’Orso, p. 58-61, fig. 1 e casa IX-7, p. 63-69, fig. 2), conferindo ao local um valor magico-religioso. Para além destes locais, a mesma autora cita outros exemplos de fontes onde podemos ver o uso do cardium como elemento decorativo disperso. A Fontana Grande (Joly, 1965, fig. 17, 19 e l), a Fontana Piccola (Joly, 1965, fig. f) e A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 54 a fonte do peristilo da Casa degli Scienziati (Joly, 1965, fig. H e k) em Pompeia, ou ainda a da Casa de Nettuno ed Anfitrite em Herculano (Joly, 1965, fig. 25-26). Acaba por demonstrar a influência da pintura no mosaico parietal, ainda que a dúvida permaneça quanto à influência nos pavimentos de Pompeia (Joly, 1965, p. 71). Apropriado pela arquitectura ao longo da História, o motivo abandonou a plasticidade e cromatismo do opus musivum para enveredar pela rigidez da pedra e passar a cobrir cabeceiras e nichos. Do seu significado inicial, pouco terá perdurado ao longo dos tempos, transformando-se num mero adorno arquitectónico, mais ou menos estilizado. Seria olhando para as abóbadas que os mosaístas se inspiraram para realizar pavimentos com o motivo? Por razões económicas, as conchas feitas inicialmente em estuque nas salas termais, nos nichos ou nas êxedras, passaram a ser pintadas em falso relevo, o que ditou um certo afastamento do seu modelo original. A transferência do motivo para o chão, em espaços semicirculares, naturalmente propícios, poderá corresponder a uma fase seguinte que levou à perda do volume e profundidade que um espaço côncavo era capaz de lhe proporcionar. Por outro lado, a tradição itálica da aplicação de cardium em locais emblemáticos transferiu-se para o opus musivum onde surge em composições variadas, de forma mais ou menos realista consoante a habilidade do artista. O primeiro obstáculo a ultrapassar neste domínio da investigação, é a identificação correcta do motivo. De facto, se na maior parte dos casos a concha nos parece de óbvia identificação pelo naturalismo da sua representação, noutros, pelo contrário, a tarefa é dificultada pela sua geometria que incita a interpretações dúbias. A inexistência de um vocabulário padrão para este tipo de decoração leva a descrições ambíguas e variadas: concha, leque, demi-dôme, conque ou veneras, são alguns dos exemplos que povoam a literatura especializada portuguesa e estrangeira. Os contextos em que nos surge são vários. Em contexto funerário13, não lhe será alheio a ideia de “renascimento” além da morte, propiciada pela energia regeneradora da concha (DACL, s. v. Coquillages). É o caso de um mosaico sepulcral, proveniente da necrópole de Alfaro, datada através de um numisma de Constâncio II de 326 a 361 e cujos modelos se situam nas províncias africanas (CME, 9, n.0 12, p. 32, est. 39). A concha, numa versão naturalista em jeito de dossel, foi colocada na cabeceira do mosaico, sobre a cabeça do defunto. Em contextos domésticos, o motivo traz consigo a ideia de vitalidade e regeneração e nos ambientes aquáticos, com especial incidência nas termas e fontes, a ligação à força vital da água é ainda mais evidente. Nos pavimentos de opus tessellatum, os mosaístas romanos aplicaram o motivo de três formas diferentes: como motivo único em espaços semicirculares, como motivo de enchimento em composições de superfície (nomeadamente as composições de medalhão circular centrado com semicírculos nos lados e quartos de círculo nos ângulos, vulgarmente conhecido como esquema “a compasso”, entre outras) e nas representações figuradas da Vénus Marinha. Pelo seu formato em leque, foi privilegiado para espaços arquitectónicos semicirculares — as absides. Geograficamente, é nas províncias ocidentais (Norte de África, Hispânia, Gália e Britânia) que se registam os paralelos deste tipo, desde o século II aos princípios do século V. A tradição das oficinas africanas nos temas marinhos pode constituir um argumento válido para lhes atribuirmos a “invenção” da concha, naturalista e polícroma, aplicada a espaços semicirculares. A sua presença noutras gramáticas decorativas, em ângulos de composições centradas ou como elementos de enchimento, é também extremamente forte no Norte de África. No entanto, é importante salientar que desde os princípios do século II se conhece também o motivo em Itália, em composições de superfície ditas “a compasso” (Maioli, 1980, p. 466 e 471, fig. 5, 465, fig. 3). O paralelo estilístico mais próximo do nosso mosaico é oriundo da cidade britânica de Verulamium. O mosaico do edifício I da Insula II data do século II e nele podemos apreciar uma concha de vinte e quatro caneluras, engastada num fundo liso, com uma bordadura em motivo de vagas (Johnson, 1995, p. 17, est. 5). Este mosaico inglês, cuja alusão á água é inelutável, apre- PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 55 senta uma grande qualidade de execução. As características técnicas observáveis, nomeadamente a projecção de sombras das caneluras na mesma direcção, a resolução do problema do ponto de convergência das caneluras através da sua interrupção simultânea alguns centímetros antes da intersecção e a forma como representou o bordo do bivalve conferem ao pavimento uma individualidade própria. Não se conhecem produções contemporâneas com o mesmo cartão. O mosaico da abside do oecus da villa de Fuente Álamo (Puente Genil-Córdova), cujo painel central apresenta o triunfo de Baco, apresenta as características estilísticas mais próximas de Verulamium e de Rio Maior, não só pela bordadura de acanto com flores-de-lis, como também pela concha policroma de 28 caneluras com uma projecção de luz convergente para o centro (López Palomo, 1985, n.0 4, p. 112, fig. 3, est. IV). A villa e os seus pavimentos datam da segunda metade do século IV (López Monteagudo et al., 1988, p. 795). Cerca de duzentos anos separam estes pavimentos. Que percurso estabelecer para o motivo em questão? Terá o modelo vindo do mesmo local? Os exemplos coevos de Verulamium incluem-se maioritariamente num grupo com carácter geométrico. É o caso do pavimento do compartimento 56 da ala Norte do Palácio de Fishbourne. Tratam-se de dois painéis absidais com raios policromos separados através de um rectângulo onde se vê uma linha de losangos erguidos e adjacentes, servindo de base de apoio a uma figura muito danificada e causadora das divergências de interpretação que têm rodeado o mosaico. Seriam duas caudas de peixes afrontados, talvez golfinhos, ladeados por duas conchas, ou seriam as patas de um pavão cujas asas, abertas, formariam os dois motivos laterais em leque (Cunliffe, 1971, p. 186-187, est. 55). A dificuldade em aceitar a versão das conchas reside não só no tratamento dos raios, marcadamente geométricos, sem projecção de sombras nem volume, ainda que sugerido por duas linhas onduladas que cortam os raios, mas também na ausência do rebordo do bivalve que encontramos no motivo naturalista. A destruição do topo do mosaico dificulta uma opção definitiva por uma hipótese ou outra. Terá sido no decorrer do século II que o motivo chega ao Norte da Hispania, à cidade de Clunia. Na primeira metade da centúria, encontramo-lo nas Termas de los Arcos, constituído por caneluras delineadas a filetes brancos que se repetem por pares em preto e terra de siena sobre fundo amarelo e acabam em semicírculo, com uma águia no ponto de convergência (Palol Salellas, 1994, Fig. 119; CME, 12, n.0 26, p. 77-78, fig. 23, est. 49) e, por volta de meados da mesma centúria, no compartimento 9 da casa dita n.0 1 de Taracena — um triclinium absidal —, com um tratamento policromático das caneluras em vermelho, amarelo, ocre e terra de siena queimada, simplesmente separadas por filete branco (Palol Salellas, 1994, fig. 56; CME, 12, n.0 7, p. 23 e 45, est. 23 e 25). No primeiro mosaico citado parece não haver dúvidas quanto à presença de uma concha, ainda que numa versão muito esquemática, pelo contexto termal em que se encontra. A colocação de um medalhão com um animal no ponto de convergência não invalida a interpretação, uma vez que em Littlecote (século IV) encontramos a mesma solução com uma cabeça de leopardo (Smith, 1982, n.0 9, 323-324, est. CCIC e CCX). No segundo mosaico, o elevado grau de destruição torna impossível uma hipótese fiável. Nem resistiram sequer os quadrados do centro do painel rectangular cuja possível decoração figurativa pudesse iluminar um caminho. A abside sofreu grandes danos, conservando-se apenas um quarto da sua superfície, todavia, é possível aproximar as características estilísticas do exemplo supracitado do Palácio de Fishbourne, nomeadamente no filete branco que separa as caneluras e no tratamento cromático. O compartimento 44 da casa n.0 1 da mesma cidade hispânica, possui uma abside preenchida por 19 raios alternando com os dois tons dominantes do mosaico (Fernández Galiano, 1980, fig. 1, p. 14-16; CME, 9, p. 30-31, fig. 15, est. 17; CME, 12, n.0 10, p. 62-65, fig. 15, est. 80). A abside é preto e branco, embora também se registe o vermelho e o amarelo. A bordadura é uma ramagem com flores. A sua datação foi estabelecida através de uma moeda de Constantino no rudus de um dos pórticos da galeria (CME, 9, p. 35). O estilo das conchas que decoram os semicírculos de uma composição centrada A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 56 com o tema de Hylas e as Ninfas, exposto no átrio do Museu de Saint Romain en Gal, datado de 175-200 (Recueil, III, 2, n.0 380, p. 241-244, est. CXXXIIe e CIXXXIIIb, é de relacionar com Verulamium pela qualidade e naturalismo da execução. No século III, o motivo parece desaparecer, conhecendo-se apenas dois exemplos na Gália Lionesa, ambos conhecidos através de desenhos e pertencentes a compartimentos absidais. O mosaico de Sennecey-le-Grand, estilisticamente datado da época severiana, apresenta uma abside com 2, 15 m de base, com uma pequena concha tratada a branco, vermelho, bege, branco e preto que parece irradiar como um sol através de linhas de dentes de lobo (Recueil, II, 2, n.0 302, p. 110-112, est. LIX-LX). O segundo exemplo da região, proveniente de Mont-Saint-Jean, apresentase com uma concha em sentido inverso, pois a base do bivalve toca o topo da abside, tratada em tons azul e cinza, com dois golfinhos encaixados (Recueil, II, 4, n.0 710.2A, p. 101-102, est. XXXIX). Não estando datado, parece contudo anterior ao incêndio que destruiu a casa em 275. O motivo ressurge com maior naturalismo durante o século IV. O supracitado mosaico de Puente Genil oferece-nos um dos melhores paralelos. Com 5 m na base da abside, apresenta um tratamento ondiforme do rebordo do bivalve muito próximo do de Rio Maior, mas a solução adoptada para a zona central consiste num vértice simples. Por outro lado, as caneluras não morrem nesse vértice, mas projectam-se ao longo da base da concha. A estas observações de carácter técnico, há que acrescentar a reduzida paleta de cores do mosaico cordovês — vermelho, branco, preto e sépia (cf. López Palomo, 1985, p. 112), manifestamente mais pobre do que o nosso mosaico. Não se registam grandes diferenças ao nível da densidade das tesselas, ligeiramente mais fina em Puente Genil, com 93 tesselas por dm2 face às 101 de Rio Maior. A projecção das sombras é centrada como em Rio Maior, mas a bordadura de acanto é mais larga e pujante em Puente Genil. A abside do compartimento n.0 5 da villa de El Pesquero, nas proximidades de Badajoz, coeva de Puente Genil, é outro paralelo muito próximo. O compartimento onde se encontra apresenta características peculiares de que tivemos já ocasião de falar. O solo da abside é pavimentado com uma concha de 23 caneluras que irradiam de uma pequena vaga central ao jeito de Rio Maior (Rubio Muñoz, 1988a, est. II). Porém, os mosaístas de El Pesquero não recorreram às ondas no rebordo da concha, preferindo uma bordadura em ogivas realizada com uma paleta muito pobre de três cores (preto, branco e vermelho). A projecção das sombras é feita num único sentido, da esquerda para a direita. Tal como em Rio Maior, a concha está separada do tapete principal através de uma soleira com uma composição linear de losangos tangentes pelos vértices (cf. Rubio Muñoz, 1988a, est. II). As afinidades com Rio Maior registam-se noutros pavimentos da casa (cf. n.0 15A). Outro paralelo hispânico de realce é o mosaico da toilette de Pégaso e as Ninfas, achado em S. Julián de Valmuza e datado do século IV com base num desenho, sem escala, da Real Academia de História (CME, 5, n.0 12, p. 19-20, fig. 12). Trata-se de um pavimento rectangular figurado com duas absides laterais das quais se conserva uma, com um motivo em concha, embora J. M. Blázquez Martínez se limite a descrevê-lo como motivo radiado (CME, 5, p. 19). Não há referências à paleta de cores empregue e o autor do seu estudo apenas menciona paralelos estilísticos para o tema mitológico de indubitável ligação ao mundo aquático. Do ponto de vista técnico, o mosaico de S. Julián procura o naturalismo não só no rebordo da concha, vista do interior, mas também no efeito ondulante do bordo exterior. Data de 36014 o mosaico de Orfeu de Littlecote Park cujas três absides foram ornamentadas com conchas (Smith, 1982, n.0 9, p. 323-324, est. CCIC e CCX). A concha central é de maiores dimensões, com 14 caneluras, enquanto as laterais apenas possuem 9. Em todas elas o ponto de convergência é ocultado através de um medalhão com cabeça de leopardo. Segundo Smith (1982, p. 323-324) trata-se de uma obra da Durnovarian officina (cf. discordância de Johnson, 1994, p. 320). O valor simbólico do motivo neste contexto temático pode ser discutível. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 57 Walters (1980, p. 441) contestou a identificação deste motivo como concha, considerando-os antes raios solares que iluminam a imagem divina de Orfeu e ainda a utilização da abside central como local para o stibadium, que vê como local para o mestre-de-cerimónias religiosas. Porém, a naturalidade da representação do bordo do bivalve e o volume criado pelo jogo da luz, constituem, na nossa opinião, indícios importantes a favor da presença de conchas, tanto mais que o meio aquático não é estranho à lenda de Orfeu que acalmou as águas com a doçura e beleza da sua voz na expedição dos Argonautas e desposou a Ninfa Eurídice, cuja morte tanto sofrimento lhe causou. Em Leicester, numa villa situada fora das muralhas na época romana, hoje Norfolk Street, preservou-se um pavimento de abside com uma concha flanqueada por dois golfinhos (Rainey, 1973, p. 104). Conhece-se o mesmo tema na abside do compartimento junto à muralha da Casa de Cantaber de Conímbriga, particularmente importante porque não se trata de um vulgar cardium, mas de uma vieira, único exemplar registado por nós no Império. Porquê uma vieira? Adaptação local ao gosto do proprietário por alguma razão particular? A execução, a preto e branco, é extremamente grosseira e a sua inserção no espaço disponível é inábil. Apesar destas diferenças, o simbolismo subjacente às imagens parece enquadra-se perfeitamente no imaginário romano. Maiores dúvidas suscitam a abside do mosaico de Diana da villa de Prado, datado recentemente dos primeiros decénios do século IV (Torres Carro, 1988, n.0 1, p. 178, est. I, 1 e 2; cf. Wattenberg, 1962, p. 45, cuja datação situou nos finais do século II). É constituída por um semicírculo radiado com linhas duplas de tesselas vermelhas, rematadas com um arco de quádruplo filete vermelho (Wattenberg, 1962, p. 43; CME, 11, n.0 21, p. 48-53, fig. 8, est. 18-19, 37-38). A interpretação como representação do sol com ligação ao culto mitraico não tem sido contestada. Com efeito, o tratamento cromático difere substancialmente dos motivos considerados como conchas. Não obstante as dificuldades apresentadas por este mosaico, cujo esquematismo e estilo depurado podem legitimar diversas interpretações, não podemos, de todo, ignorar a ligação de Diana ao mundo aquático, pois a deusa consagrou-se à natureza na mitologia clássica. No caso do mosaico de Diana de Villabermudo, esta associação às águas é reforçada pelo achado de uma ara votiva às ninfas e de uma fonte nas proximidades (Palol Salellas, 1963, p. 247-248 e 250). O estilo geométrico do motivo recorda os seus congéneres do século II. Veja-se, por exemplo, a concha da Vénus de Cártama (Blázquez Martínez, 1986, fig. 35) cuja interpretação suscita dúvidas. Ora, contestada esta datação a favor da quarta centúria, torna-se difícil o enquadramento estilístico, pois veremos que a esta época corresponde uma corrente estética de carácter naturalista, com muitos exemplos na Hispânia. Apenas dois casos de motivos radiados datados do século IV, mas associados a painéis geométricos, se apresentam de forma geométrica: Daragoleja (CME, 4, fig. 9) e Puente de La Olmilla (García Bueno, 1994, fig. 8). A mediocridade da execução do painel figurativo terá tido as suas repercussões na realização da abside. Por outro lado, a ideia de fertilidade aportada pela presença das estações personificadas (cf. Torres Carro, 1988, p. 180-181) é o contexto propício à presença de uma concha. A estas ideias poderemos acrescentar a vontade dos artesãos em provocar deliberadamente a livre interpretação: concha ou sol. Além da aplicação deste motivo às absides, encontrámos ainda dois pavimentos muito interessantes, onde os mosaístas realizaram falsas absides no próprio mosaico, desenhando um semi círculo num dos topos de um rectângulo. Os dois mosaicos apontam novamente para a Britânia e a Hispânia, apresentando-nos dois motivos raiados adjacentes a um painel geométrico. O primeiro é proveniente de Nothleigh e seria uma produção da Durnovarian School na primeira metade do século IV, supostamente aquela que terá realizado o mosaico de Littlecote (Smith, 1965, p. 109). Do desenho apresentado por Smith, ainda que pouco claro, é possível identificar 10 raios e um semicírculo no ponto de convergência das mesmas (1965, fig. 16). O segundo A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 58 exemplo provém do triclinium da villa de Daragoleja (CME, 4, n.0 34, p. 43-44, fig. 9). Também é conhecido através de um desenho onde é evidente a maior complexidade de execução em relação ao anterior, tendo contudo adoptado a mesma solução decorativa no ponto de convergência dos raios. É muito provável que o mosaico descrito por Grenier e que ornamentava uma pequena abside na ala nordeste da villa de Téting, hoje desaparecido, corresponda a uma concha (Recueil, I, 2, n.0 225B15, p. 61, est. XXXIV). É, no entanto, nas províncias africanas que encontramos os melhores exemplos de conchas. M. Gauckler descreveu desta forma um dos mosaicos das êxedras do frigidarium das grandes termas de Thaenae, datadas de finais do século II: “motivo geométrico semicircular, em leque, em volta de um semicírculo de base, ornamentado de ricas volutas” (1910, n.0 18C, p. 11-12). Sem dispormos de ilustração, é temerário alongar-nos em análises. O contexto termal aponta para a presença de uma concha, mais ou menos estilizada, como se documenta nos quatro nichos do frigidarium das termas Memmiens de Bulla Regia, do segundo quartel do século III, dos quais apenas nos restam dois (Hanoune, 1993, p. 250-254 e 271, fig. 237-245). Em Timgad, documentam-se vários tipos de aplicação de conchas, mantendo-se contudo uma certa afinidade estilística entre elas. Em absides, surgem nos contextos termais como é o caso na Grande Casa a Norte do Capitólio16 e nas Grandes Termas do Norte. No frigidarium da Grande Casa subsistem dois dos mosaicos que provavelmente ornamentavam os quatro nichos semicirculares, caracterizados pelo fundo amarelo claro, caneluras pretas e dégradês em vermelho, amarelo e cinzento (Germain, 1969, n.0 173, p. 115, est. II e n.0 174, p. 116, est. LVIII). A autora não propõe datação, reagrupando o conjunto dos pavimentos do edifício em torno do século III-IV (Germain, 1969, p. 118). O edifício das Grandes Termas do Norte, construído no século II, também documenta uma abside em concha, no frigidarium, com um desenho muito esquemático (Germain, 1969, n.0 85, p. 72, est. LXXXV). O Musée des Antiquités et d’Art Musulman de Argel expõe ao público um pavimento rectangular absidal, proveniente de Mrikeb-Thala (Derder, 1991, n.0 26, p. 25, fig. 12), cuja concha da abside é muito semelhante à de Djemila no tratamento das “barbas” do bivalve. Com uma rica paleta de sete cores (amarelo, castanho, vermelho, verde, azul, rosa e laranja), sem contar o preto e o branco, adivinham-se nove caneluras na fotografia parcial publicada (Derder, 1991, fig. 12). No mesmo museu, um outro mosaico absidal, proveniente de Batna, ostenta uma concha com 28 caneluras tratadas a vermelho, castanho, amarelo, cinzento, preto e branco (Derder, 1991, n.0 29, p. 25, fig. 14). Infelizmente, não dispomos de ilustração do pavimento que M. Pachtere documenta nas termas de Tebessa situadas a 200 m da Porta de Constantino (1911, n.0 5, p. 3). Trata-se de uma abside com cerca de 1,70 m de raio com um mosaico em “concha rodeada por uma trança e uma banda com flores que escapam de uma taça”. Em Djemila, na Maison de Castorius, o mosaico da êxedra do peristilo, datado de finais do século IV — princípios do século V, consiste numa concha desenhada com espessos filetes pretos (sete caneluras, sendo a central mais larga) e colorida com uma paleta bastante rica de oito cores (Blanchard-Lemée, 1975, p. 168-169). Em Sousse, L. Foucher registou a destruição de um motivo radiado em forma de leque com uma paleta policroma, na abside do pórtico frente à entrada do oecus de uma casa (1960, n.0 57 109). O modelo das conchas de Timgad reencontra-se em Jurançon, na Gália, no século IV, em duas absides laterais de uma piscina, sendo a central decorada com uma divindade e o painel rectangular com fauna marinha (Recueil, IV, 1, n.0 154, p. 159-162, est. XCIV). Da ilustração em aguarela que restou, podemos apreciar conchas amarelas com contorno preto, compostas de caneluras pretas e vermelhas, com três cálices trífidos no topo que a autora do estudo interpreta como caudas de golfinho tratadas a amarelo e vermelho (Recueil, IV, 1, p. 160). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 59 Do vasto conjunto analisado, as conchas em posição de leque invertido predominam nas absides africanas, associadas a edifícios termais, geralmente frigidaria, ou locais com referências aquáticas. É o caso de Timgad, Bulla Regia, Sousse ou Djemila. Tratam-se de conchas com tratamentos de pormenores variados que obedecem sempre à mesma estrutura de base. O mosaico de Rio Maior, em forma de leque, apresenta uma estrutura frequente nos mosaicos que representam o nascimento de Vénus, quer africanos, quer hispânicos. Entre os primeiros contam-se os exemplos de Timgad, no Ilôt 24, datado do século III (Germain, 1969, n.0 8, p. 13, est. IV), Cartago, na Maison de la Cachette de Statues, datada de fins do século IV-princípios do século V (Dunbabin, 1978, est. LIX 150), Sétif, no frigidarium das Termas, da segunda metade do século IV (Mohamedi, 1991, p. 71-77, fig. 16, est. 47 e 49) e Thaenae, no frigidarium das Termas (Dunbabin, 1978, est. IX, 18). Os exemplos hispânicos de Cártama, do século II e La Quintilla do século IV (Blázquez Martínez, 1986, fig. 35 e 36) apresentam-se sob a mesma forma. A concha de Cártama é levada ao máximo da sua geometria, corroborando o estilo que encontrámos nos exemplares de Clunia no século II. O tratamento naturalista da concha é típico do século IV, como podemos ainda confirmar na Vénus de Hemsworth, obra da Lindinis Officina durante a quarta centúria (Johnson, 1982, p. 45, est. 34) com um tratamento muito próximo ao de Rio Maior. Em suma, o nosso mosaico enquadra-se num tipo de larga divulgação nas províncias africanas, num estilo artístico naturalista típico do século IV, bem conhecido não só em exemplares singulares, como também em associações com a deusa Vénus. Os exemplos registados em Puente Genil e El Pesquero são referências importantes do ponto de vista do estilo e da cronologia que nos proporcionam o enquadramento suficiente para sustentar a datação. Estes três mosaicos surgem em contextos domésticos, em particular residências rurais, onde a alusão ao meio aquático não é evidente e, por isso, talvez se lhes deva atribuir um valor simbólico querido aos terratenentes: vitalidade, regeneração e fertilidade. A localização em compartimentos específicos da casa reforça a vontade destes proprietários em exibir aos seus convidados um certo modus vivendi. Os relatórios de escavação não registam espólio significativo, à parte os habituais fragmentos de estuque e mármore na camada de tufo branco e telhas que cobre o mosaico. Datação Segunda metade do século IV. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 60 N.0 3 Tema A – Composição ortogonal de meandro de suásticas de volta dupla e de quadrados (vestíbulo). B – Grinalda de folhas de loureiro (soleira). C – Composição ortogonal de octógonos e hexágonos oblongos adjacentes, formando espaços cruciformes decorados com meandros de quatro suásticas e um quadrado no centro (tapete principal). D – Composição em xadrez preto e branco (painéis entre muros). Compartimento Grande sala aberta para Sul, cujo acesso se fazia provavelmente através de um vestíbulo parcialmente escavado. É difícil, de momento, atribuir-lhe uma função específica, uma vez que não se encontra totalmente escavado. Teria, na época romana, duas paredes, das quais subsiste parte a Oeste, terminadas com um entalhe em cunha onde colocaram uma coluna em mármore rosa cuja base se preserva. A parede é em alvenaria de tijoleira regular. É provável que a base de coluna seja um elemento reaproveitado, uma vez que o mosaico foi colocado sobre o plinto que ficava totalmente escondido. A Noroeste, o recorte dado ao mosaico denuncia a existência de um patamar de acesso ao compartimento vizinho, situado a uma cota superior (n.0 4). A Nordeste existe um escoadouro com rebordo de opus signinum (7 cm de diâmetro) cuja canalização atravessa o mosaico no sentido Este-Oeste. Não é possível definir com rigor a função dos espaços ocupados pelos painéis D1 e D2, uma vez que a área não se encontra totalmente escavada. Do painel D2 apenas se recolheram alguns fragmentos de mosaico com decoração semelhante. Dimensões do Compartimento 6,8 x 6,3 m. Dimensões do mosaico A – 3,21 x 1,50* m. B – 3,13 x 0,40 m. C – 6,60 x 4,08 m (a Oeste – 3,65 m). D – 1,12* x 1,04 m. Área total aproximada – 34 m2 Local de conservação In situ. Tesselas soltas nas reservas da CMRM. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Devido à estrutura colocada a fim de proteger os mosaicos, não foi possível proceder à escavação total dos painéis A e D. Área conservada As zonas centrais e orientais do painel A encontram-se bastante destruídas. O mosaico abateu cerca de 25 cm em relação ao painel B, o que provocou deslizamento de argamassas, que se fenderam, soltando inúmeras tesselas ou alargando consideravelmente os interstícios, como aliás é visível no levantamento que efectuámos, afectando as medições planimétricas efectuadas, uma vez que o mosaico não está nivelado. O painel B está ligeiramente destruído na extre- PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 61 midade este, embora aí se possa ainda ver o filete preto da bordadura. Cerca de 97 % do mosaico está praticamente intacto. Afora algumas pequenas lacunas, conserva-se praticamente todo o painel C. Parcialmente escavado, o painel D apenas sofreu um acentuado abatimento a Sul. Do segundo painel, a Este, não restam senão pequenos fragmentos encontrados nas camadas revolvidas sobre o pavimento. Técnica de colocação A sondagem realizada a Norte do painel C apresenta um leito de cal de cerca de 0,5 cm de espessura, seguido de uma camada de argamassa de areia, cerâmica moída e cal, com 3 cm, que corresponde ao nucleus. Com 7 a 8 cm, o rudus é formado por pedras, sobre um statumen de terra, pedras e tesselas. Num fragmento do painel D2, as tesselas assentam numa argamassa branca de cal com cerca de 1,2 cm. O nucleus é formado por uma argamassa de areia de grão grosso, cal e nódulos de cerâmica visíveis a olho nu, com uma espessura de 4,5 cm. Materiais A – Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para o meandro de suástica e a moldura dos quadrados; ocre castanho, ocre violeta e vermelho acastanhado para os motivos de enchimento. B – Calcários. Vermelho acastanhado para o fundo; calcário preto e branco marfim para a bordadura; ocre castanho e castanho amarelado para as folhas. C – Calcários. Branco marfim para o fundo; calcário preto para as linhas mestras da composição; ocre violeta, ocre castanho , castanho amarelado, cinzento ou vermelho acastanhado para os motivos de enchimento geométricos e vegetalistas. D – Calcários. Branco marfim e preto. Densidade das tesselas A – 37 tesselas por dm2 na orla e 81 por dm2 no campo. Tesselas de 1,5 cm de lado na orla e 1 cm no campo. B – 99 tesselas por dm2. Tesselas de 1 cm de lado. C – 40 tesselas por dm2 na orla e 98 por dm2 no campo. Tesselas com 1,5 m de lado na orla junto do patamar e 1 cm junto do escoadouro. D – 34 tesselas por dm2 no campo e orlas. Tesselas com 2 a 2, 5 cm, chegando a atingir os 3 cm na orla oeste. Estratégia de execução A orla de remate do painel A, bem conservada a Oeste junto ao muro, foi realizada com duas linhas de tesselas paralelas à bordadura, sendo as restantes colocadas de forma perpendicular. Assim, o mosaísta colmatou a irregularidade na largura da orla, evitando as possíveis linhas incompletas. Os vestígios de estuque na parede mostram que este revestimento cobria parcialmente a orla do mosaico. No painel D1 reconhecemos a mesma técnica na execução da orla. A irregularidade na colocação das tesselas atinge o seu máximo nas últimas linhas. Nas três orlas do painel C as tesselas estão colocadas paralelamente ao tapete. A estas estratégias diferenciadas não estará alheia a maior ou menor exposição de cada um dos painéis. Uma vez que os quatro painéis terão sido realizados no mesmo momento, o seu sentido de execução teria que ser concertado de forma a não criar empecilhos aos vários artistas e evitar que se danificasse um trabalho ainda fresco. O sentido de Noroeste para Nordeste parece apropriar-se à situação (Des. 4). O tapete principal (C) foi composto com base numa grelha orto- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 62 gonal com módulo de cerca de 24 cm, imposta não só pelo patamar das escadas, como também pelo escoadouro. Estes últimos não cortam em nada a composição, tendo sido adequadamente inseridos numa orla mais larga. Os pontos de intersecção da grelha correspondem ao centro das cruzes suásticas, aos centros dos quadrados e dos florões/nós de Salomão. A presença de um patamar de escadas, zona exposta visualmente, determinou a partir daí um sentido de realização da esquerda para a direita. Efectivamente, os motivos estão truncados a Sul e a Oeste, e a orla de remate reduzida a Este. Simultaneamente, podiam realizar-se os painéis D1 e D2. Foram artistas menos hábeis que se ocuparam destas zonas. A feitura é muito grosseira, com tesselas de grandes dimensões, de corte irregular e cuja colocação, pouco cuidada, provocou largos interstícios. Parece-nos a mesma mão que realizou as orlas dos mosaicos n.0 1 e 15A. A dimensão dos quadrados vai reduzindo de Sul para Norte, tendo sido inclusive integrados na bordadura junto ao painel C para perfazer a dimensão correcta. Este sentido pode ter sido determinado pela existência de uma parede a Sul que impossibilitava a conclusão do pavimento nesse lado. Aceitando como certo este sentido, é inegável o contributo que aporta à interpretação de uma estrutura arquitectónica que desconhecemos por ora. No painel B, o mosaísta deve ter iniciado o seu trabalho a partir da realização da folha central, a que podemos chamar a folha mestra, perfeitamente perpendicular à bordadura e com as duas extremidades alinhadas. Em seguida, deverá ter procedido à execução das folhas de ambos os lados para o centro. À esquerda, realizou sete conjuntos de três folhas, com dimensões aproximadas, ao passo que à direita foram oito, sendo as últimas muito menores, por deficiente ordinatio. A seguir à soleira, realizou-se o painel A onde os pontos de arranque das duas linhas laterais de meandro de suástica são bem visíveis e regulares. Aqui, ao contrário do painel C, parece existir uma alternância ritmada entre os motivos de enchimento dos quadrados. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal, levantamento tessela a tessela do painel B e de pormenores nos restantes. Des. 2-4. Est. III-IV. Bibliografia Publicou-se apenas uma foto do painel B no jornal local (Região de Rio Maior, n.0 369, 27/10/95, p. 7). Os restantes são inéditos. Descrição Painel A Junto à parede, a Oeste, faixa branca (14 cm). Destruída a Este e desconhecida a Sul. Filete duplo preto ligado à bordadura do painel B; triplo filete branco junto à soleira e quádruplo nos lados; filete duplo preto a Norte a partir de onde se desenvolvem os meandros de suástica laterais. A Oeste e Este, linha de meandro de suástica de volta dupla (36 cm de largura), desenhada a filete duplo preto (cf. Le Décor, est. 35 f). Conservam-se três cruzes suásticas a Oeste e duas a Este. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 63 Composição ortogonal de meandro de suásticas de volta dupla e de quadrados (cf. Le Décor, est. 190 b). O meandro é desenhado a duplo filete preto e os quadrados (30 cm de lado) são alternadamente preenchidos com entrançado e quadrílobos policromos. Painel B Faixa branca de quatro fiadas de tesselas grandes a Oeste e destruída a Este. A união ao painel C faz-se por meio de três fiadas de tesselas brancas com dimensões idênticas às do tapete. Filete duplo preto com dentes de serra internos brancos. Grinalda de loureiro, realizada sobre fundo vermelho acastanhado, com bordo em dentes de serra, constituída por três folhas grandes e duas pequenas colocadas lateralmente de forma variável (cf. Le Décor, est. 27 c). As folhas foram colocadas paralelamente, a partir dos lados menores, para convergirem numa folha colocada perpendicularmente, no centro do mosaico. As folhas grandes, na sua maioria com contornos ondulantes, apresentam, em média, 24 cm de comprimento, enquanto as pequenas, muito irregulares, têm em média 6 cm. Cada folha de louro é ocre castanho, com a extremidade amarela, ao passo que a folha central, fusiforme, possui três fiadas de tesselas ocre castanho e enchimento castanho amarelado. Painel C Faixa branca a Norte (muito destruída) e Oeste (8 cm); a Este, faixa branca (28,5 cm) com linha de onze florzinhas pretas não contíguas (cf. Le Décor, est. 4 j), equidistantes de 15 cm em média (exceptuando um caso em que atinge os 28 cm) e florzinha preta no canto junto ao escoadouro; a Sul, triplo filete branco. Apenas a Norte, linha de meandro de dez suásticas de volta dupla (cf. Le Décor, est. 35 f) com 4,10 m x 0,48 m; filete duplo preto que se transforma em filete denticulado a Sul (cf. Le Décor, est. 2 j) na zona de ligação ao painel B; filete triplo branco; trança de quatro cordões policromos (22 cm) em fundo preto (cf. Le Décor, est. 73 e); filete triplo branco. Composição ortogonal de dez octógonos determinando hexágonos irregulares oblongos, formando espaços cruciformes guarnecidos com meandros de quatro suásticas e um quadrado no centro (cf. Le Décor, est. 180 g). O meandro de suástica, formado por um filete duplo preto, desenha o esquema base e contorna toda a composição, encerrando o campo. O enchimento das figuras geométricas não obedece a nenhum critério específico, variando indiscriminadamente numa preocupação quase obsessiva pela não repetição das combinações estruturais e cromáticas. Os dez octógonos apresentam uma bordadura (11 cm), ora em trança de dois cordões em fundo preto (cf. Le Décor, est. 70 j), ora em cálices policromos alternadamente invertidos, não adjacentes, com sinusóide e fundo branco (cf. Le Décor, variante da est. 62 c). No interior dos octógonos foi inserido um quadrado desenhado por um filete duplo preto (26 cm), com uma excepção que se apresenta em filete simples, com florões idênticos ao do n.0 2A (florão simples de quatro elementos não contíguos, com pétalas de cinco pontas), com tratamento cromático diversificado e nós de Salomão num disco preto. Dos cantos dos quadrados de três dos octógonos partem, na diagonal, três tesselas pretas tangentes pela ponta. Todos os quadrados são flanqueados por trapézios desenhados a filete preto simples com enchimento ocre castanho e vermelho acastanhado em oposição de cores. Os hexágonos oblongos, desenhados por um filete simples preto apresentam decoração variada: xadrez policromo; sequência de trapézios embutidos tratados em policromia; hexágono com um nó de Salomão no centro em fundo preto, flanqueado por dois pares de paralelogramos adossados ou não e uma variante, com disco preto, em fundo branco; motivo formado por um filete preto central no sentido longitudinal, flanqueado por oito triângulos adjacentes de lados curvos com pequenos filetes pontiagudos vermelho acastanhados nos sete intervalos. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 64 Os quadrados são bastante similares na estrutura, variando nas cores empregues, com uma excepção: quadrado policromos de lados denteados (cf. Le Décor, est. 5 a) ou d), com cruzeta de cinco tesselas no centro (cf. Le Décor, est. 4 a) ou com florzinha preta no centro; quadrado de lados direitos delimitado por um filete simples preto (cf. Le Décor, est. 15 d), preenchido sucessivamente com quadrados policromos embutidos; quadrado de lados direitos com uma cruz grega de braços denteados, no interior, contornados a preto e preenchido em dégradé em oposição de cores, enquanto no centro há uma linha denteada em cruz branca. O remate da composição a Este consiste em quatro trapézios com três lados em bordaduras em cálices. No interior do primeiro hexágono foi embutido um trapézio delineado por filete simples preto em três dos lados e adossado à bordadura. Aí foi inserida meia florzinha preta em fundo branco. O segundo foi preenchido com meia florzinha policroma, tratada a preto, ocre castanho e vermelho acastanhado, adossada à bordadura do campo através de uma tessela preta. No interior do terceiro, o mosaísta tentou realizar uma pelta. Contudo, um espaço demasiado exíguo obrigou-o a reduzir o motivo a dois semicírculos encostados com extremidades cruciformes. No interior dos semicírculos, em fundo branco, foram embutidas duas meias luas vermelhas. Finalmente, o quarto apresenta meia florzinha policromática unida à bordadura através de uma tessela preta. O remate da composição a Este consiste em quatro trapézios rectângulos (afrontados pelos ângulos rectos), que descrevemos de cima para baixo: preenchido com uma sequência de trapézios policromos embutidos; xadrez policromo; pelta com contorno preto em fiada dupla, extremidades em cruz e centro preenchido a ocre castanho; sequência de trapézios policromos embutidos. A Norte, a composição é rematada através de quatro trapézios, tendo os três primeiros, da esquerda para a direita, uma moldura em cálices policromos alternadamente invertidos, não adjacentes (cf. Le Décor, variante est. 62 c, em fundo preto para o primeiro e branco para os seguintes). O quarto tem moldura em trança de dois cordões. Finalmente, os lados oeste e sul foram rematados com dois e quatro semi-octógonos respectivamente, com idêntico tratamento dos octógonos: moldura em trança ou cálices com florão ou nó de Salomão, com algumas excepções. No semioctógono a Oeste, o florão apresenta quatro linhas denteadas pretas em vez dos filamentos. No primeiro semioctógono a Sudoeste, há um motivo vegetal único no pavimento. Trata-se de um motivo, sem moldura quadrada, constituído por uma folha central lanceolada preta e duas folhas laterais, com caule preto, depois vermelho acastanhado e rematadas a ocre violeta. As três folhas assentam num travessão preto ligado à linha de contorno do semioctógono através de um triângulo denteado invertido, da mesma cor, ambos unidos por uma tessela. Os trapézios que flanqueiam o quadrado interno dos semioctógonos, perpendiculares à bordadura tornam-se trapézios rectângulos. Painel D Faixa branca (12 cm a Este e Oeste e 9 cm a Norte). A Norte a ligação ao painel C consiste num triplo filete branco de tesselas de menores dimensões (1 a 1,5 cm). A Sul não pôde ser determinada. Filete duplo preto. Composição em xadrez preto e branco (cf. Le Décor, est. 114 a) com casas bastante irregulares (13 x 14 cm e 12 x 10 cm). O tapete é certamente rectangular uma vez que, estando totalmente definida a largura, constituída por seis casas (três brancas e três pretas alternadamente), estão já visíveis de momento oito casas, no sentido longitudinal, prolongando-se o pavimento sob a banquete. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 65 Comentários A estrutura geral dos painéis faz lembrar o mosaico n.0 1 de La Sevillana, onde reencontramos uma soleira de folhas de louro como elemento de separação, para além do filete denticulado separando os painéis (Aguilar e Guichard, 1993, fig. 46). Na mesma villa, outro elemento decorativo se aproxima do nosso painel C. Trata-se de uma folha isolada inserida num hexágono de uma composição de octógonos secantes (Aguilar e Guichard, 1993, fig. 47). Permanece a dúvida sobre a presença deste motivo de forma isolada. A composição de meandro de suástica com quadrados, ou com rectângulos como acontece no mosaico n.0 6, conta-se entre as mais antigas que se conhecem, usado em bordadura ou em composição de superfície, desde os pavimentos em seixos de Pella, de princípios do século III a.C. (Lancha, 1977, p. 106). Fazendo parte do repertório dos primeiros artesãos do opus signinum, passou para o opus tessellatum e acompanhou todo o seu período de esplendor ao sabor das tendências da moda de cada época e de cada região, sem desvirtuar contudo a sua estrutura original. A suástica é um dos símbolos mais antigos da Humanidade, conhecendo-se desde a Ásia Oriental à América Central, passando pela Mongólia, Índia e Europa do Norte, cujo significado mais lato se prende com a geração dos ciclos universais e das correntes de energia (Chevalier, 1999, s. v. suástica). Encontramos em Rio Maior várias aplicações do meandro de suástica: em linha (n.0s 3A, 3C, n.0 7), em superfície (n.0 4) ou combinado com figuras geométricas (n.0s 3A, 3C, 5, 6). São bem conhecidos os exemplos da época republicana em opus signinum, quer na Itália, quer na zona costeira levantina de Espanha. Sem nos alongarmos, uma vez que excederia o âmbito dos nossos comentários, citaremos apenas um exemplo em Roma, datado de finais do século II a.C., na Casa da frente meridional da Domus Augustana (Morricone Matini, 1967, n.0 58, p. 52, est. 19, 1971, p. 13, est. I), outro em Óstia, também do período republicano (Becatti, 1961, n.os 23-24, p. 19-20, est. IV; Morricone Matini, 1971, n.0s 42-43, p. 14, est. III) e vários na região do Levante espanhol no século II a C, como é o caso em Andión (CME, 7, n.0 1, p. 13-15, est. 1 e 217). De opus tessellatum encontram-se paralelos desde o século III a.C. em Morgantina (Lancha, 1977, p. 106) e, no século I a.C., são inúmeros os exemplos registados em Pompeia, em bordadura ou composição de superfície (cf. Blake, 1930, p. 84), assim como em Óstia, já nos meados do século II, nos Horrea Epagathiana et Epaphroditiana (Becatti, 1961, n.0 18, p. 17-18, est. XIX). O traçado simples que marca os primeiros modelos vai-se tornando mais complexo, quer no tratamento do meandro da suásticas, que se vê transformado em tranças, quer nos quadrados que vão também receber motivos ao gosto de cada época, desde os belos florões ao estilo vienense, aos motivos geométricos mais ou menos simples. Os quadrados, por sua vez, enriquecem-se de molduras com as mais variadas formas. Segundo J. Lancha terá sido nos pavimentos do Norte de Itália, do Vale do Pó, que os artesãos das oficinas vienenses se inspiraram para realizar os seus, divulgando-os por todo o vale do Ródano a partir da segunda metade do século II (Lancha, 1977, p. 108-109). Chegaria à Britânia talvez na mesma centúria, ainda em versão bicroma, como documenta o mosaico de Silchester datado de 140-160 d.C., obra da Callevan Officina (Johnson, 1982, est. 11, p. 21, 1995, p. 21-22, est. 11). A partir do século III, o esquema vai desaparecendo dos pavimentos gregos (Waywell, 1979, p. 310), enquanto se mantém bem presente nas províncias africanas e, inclusive, renasce na Britânia do século IV pelas mãos da Corinian School, uma das mais famosas oficinas britânicas do século IV. O mosaico de Chedworth, datado da primeira metade do século IV, ilustra este gosto especial pelo motivo, aqui combinado com rectângulos e com um quadrado maior no centro (Smith, 1965, p. 109 e 111, fig. 14; Johnson, 1995, p. 39, est. 30). Todos os pequenos quadrados e os rectângulos são preenchidos com entrançado e, quando o rectângulo assim o exige, o meandro de suástica duplica-se para acompanhar o comprimento como acontece noutro pavimento de Rio Maior com o qual não podemos também negar as afinidades estilísticas A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 66 (cf. n.0 6). A linha de meandro é também extremamente frequente no século IV: Aldborough, Bancroft, Cirencester, Rudston e Woodchester (Neal, 1981, n.0 3, p. 38-39; n.0 5B, p. 41-42; n.0 8, p. 43-44; n.0 27, p. 62-63; n.0 30, p. 65-66; n.0 68, p. 94-95 e n.0 87, p. 115-122). Numa das alas do peristilo da villa de Puente de la Olmilla encontrámos um paralelo bastante próximo para o nosso pavimento, mais variado nas opções decorativas para os quadrados. O longo corredor apresenta-nos os motivos típicos da quarta centúria: xadrez, nós de Salomão inseridos em círculos, nós de colchetes, peltas adossadas, quatro folhas, quadrados sobre o vértice e, elemento comum ao nosso pavimento, entrançado (García Bueno, 1994, n.0 10, p. 102-104, fig. 4). Os quadrados são ligeiramente superiores aos nossos (36 cm) mas o meandro na sua variante de volta dupla é idêntico. O mosaico castelhano está datado de “un momento evolucionado del siglo IV” (sic.) (García Bueno, 1994, p. 104). Mais próximo de nós, regista-se na Rua Augusta em Lisboa, no frigidarium das termas, variando no enchimento dos quadrados, aqui com quadrados brancos sobre o vértice e meandro de volta simples (Pinto, 1997, n.0 6B, p. 48). Acerca da sua datação, vejam-se os comentários ao n.0 8 deste estudo, onde contestamos a cronologia da segunda metade do século III proposta por T. Pinto (1997, p. 51; Caetano, 2001, p. 79), situando-a antes na segunda metade do século IV. Um dos compartimentos da villa de Abicada foi também decorado com uma composição musiva semelhante, mas completamente despojada de decoração, datada do século IV por Blázquez Martínez (1994b, p. 189, fig. 3). A divulgação do esquema foi acentuada durante a quarta centúria em todas as áreas do Império, encontrando-se paralelos muito próximos do nosso em zonas tão distantes como a actual Bulgária. Em Galatin, J. Valeva regista um mosaico onde os quadrados decorados com nós de Salomão alternam com suásticas num campo envolvido por uma moldura de meandro de suástica de volta dupla, que a autora data de finais do século III, princípios do século IV (1994, p. 254, fig. 7). A existência de paralelos estilisticamente tão próximo, porém geograficamente tão distantes, constituem obstáculos de peso a quem procura elementos de datação, tendo como únicos argumentos os critérios estéticos. Sobre o entrançado que decora os quadrados, presente noutros mosaicos de Rio Maior os (n. 6 e 8), remetemos para a tabela de M. Pinto que regista os primeiros exemplos no século II, a Ocidente, até ao século V (1997, tabela n.0 19). O quadrílobo foi um pequeno elemento decorativo utilizado para preencher espaços vácuos nas composições, quadrados ou circulares. Não se documenta antes do século IV, época a partir da qual gozou de uma grande aceitação por parte dos mosaístas hispânicos, com especial destaque para a Lusitânia. É o caso de Mérida (CME, 1, n.0 14, p. 33-34, est. 24-25) e nas suas proximidades, em El Hinojal (CME, 1, n.0 65, p. 52, fig. 11). No território actualmente português, não se conhece em mosaicos anteriores ao século IV: Odrinhas18, nos quadrados da composição de quadrados adjacentes, datado da primeira metade do século IV (Pinto, 1997, p. 70, est. XVII-XX), no quadrados do mosaico de Oeiras (Borges, 1996, p. 60-63, fig. 9-10, est. I-II) e no triclinium da villa do Rabaçal, decorando o centro das cruzes de dois fusos (Pessoa et al., 1995, p. 477; Pessoa, 1998, p. 37, fig. 20). Fora da Lusitânia, documenta-se em Requejo, nos fins do século IV- princípios do século V (Regueras Grande, 1991b, p. 166-168, figs. 2 e 3), Talavera de la Reina, nos círculos da composição, associado a moldura em onda com dentículo, no século IV (CME, 5, n.0 31, p. 43-46, fig. 21, est. 35), na sinagoga de Elche, entre os meandros de suástica, durante a segunda metade da centúria (Palol Salellas, 1967, fig. 73) e em La Malena (Royo Guillén, 1992, fig. 5). A sua difusão abrange toda a área do Império Romano. Datada de 320 d.C., a aula teodoriana da Basílica Patriarcal de Aquileia é depositária do motivo nos octógonos de uma composição (Sansoni, 1998, p. 65), assim como Ravena, na mesma centúria (Farioli Campanati, 1975, p. 63, fig. 21; Calvani e Maioli, 1995, p. 79, est. 64). T. Pinto cita ainda na sua tabela de paralelos dois PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 67 A qualidade de execução destas grinaldas, organizadas em feixe de cinco folhas, distingue-as do nosso exemplar, contudo, é notória a mesma filiação estética. Sobejamente conhecidos pela sua superstição, não é estranha esta preocupação dos romanos em proteger o limen da sua residência. Atribuir este significado a todos eles de forma categórica é discutível, mas certamente um grande número deles prognosticam um sentido profilático. Comentámos já a raridade das grinaldas de louro na Mauritânia Tingitana, todavia, parece ter sido frequente a realização de faixas de “folhas pontiagudas” (sic) nas soleiras com um significado mágico (Thouvenot, 1965b, p. 270). No caso de Rio Maior, fica-nos a dúvida, pois o sector Sul ainda carece de escavação a fim de definir correctamente a sua funcionalidade e, eventualmente, um acesso ao exterior da casa que possa indiciar esta preocupação. É um facto que usada em soleira, a grinalda de folhas de louro não é tão frequente quanto o é em bordadura. Os exemplos mais antigos registam-se em Conímbriga, na Casa dos Repuxos, onde encontramos duas grinaldas muito simples, cuja interpretação como folhas de louro é, quanto a nós, insegura, datadas do último quartel do século II ou primeiro do século III, que se afastam estilisticamente dos exemplares africanos, mas que podem ter sido uma primeira experiência local na realização deste motivo. Tratam-se de duas estreita faixa de umbral: no oecus triclinium, com folhas desenhadas a preto e amarelo que arrancam de um círculo com quadrado curvilíneo ligadas a uma haste central (CMRP, I, n.0 10, p. 110-116, est. 39) e entre o corredor e o pátio porticado, com folhas amarelas e uma moldura de meandro de suástica (CMRP, I, n.0 6, p. 94-95, est. 34 e 58.2). Os quatro exemplos hispânicos que merecem atenção particular pela sua afinidade situamse cronologicamente no século IV dispersos pela região da Meseta espanhola. Os dois exemplos de Rielves21 devem contar-se entre os primeiros trabalhos desta natureza. Encontramo-los em ambos lados da composição da galeria ocidental do pátio A e na êxedra do compartimento C das termas (Fernández Castro, 1977/1978, p. 219-220, fig. 8 e p. 224-225, fig. 20, respectivamente; CME, 5, p. 68, fig. 29 e p. 72, fig. 41, respectivamente). Tratam-se de singelas grinaldas de sentido único, em feixe de cinco folhas. Não há registo do tratamento cromático e M. Fernández Castro data os pavimentos do quarto ou quinto decénio do século IV (1977-1978, p. 228). Muito próxima do nosso exemplar na disposição das folhas, a soleira de La Sevillana (Badajoz), datada de finais do século IV, foi realizada num sentido único, com um centro marcado através de um círculo com uma cruz de malta (Aguilar e Guichard, 1993, p. 126-127, fig. 46; Aguilar Saenz, 1994, n.0 1, p. 286, fig. 4). A soleira do apodyterium da villa de Cuevas de Soria que separa o compartimento do vestíbulo (CME, 6, n.0 54, p. 60-63, est. 25) é outro paralelo importante. A descrição feita na referida obra é demasiado parcimoniosa e a ilustração fotográfica que dela apresentam não é esclarecedora. Sabemos que se trata de uma grinalda de cinco folhas com roda de triângulos no centro e uma espécie de broche lateral (CME, 6, p. 61). A disposição das folhas em feixe, a sua forma lanceolada e a sobrecarga com elementos geométricos acusam um barroquismo que se perdeu em Rio Maior, mas ainda em vigor nos finais do século IV e princípios do século V, data proposta pelos autores do corpus espanhol (CME, 6, p. 61), na região da Meseta. Entre finais da quarta centúria e meados da quinta, a villa de Requejo apresentava outro exemplo de soleira de folhas de loureiro. É a soleira entre o mosaico n.0 5 e o n.0 8 cujo desenho é de difícil interpretação, deixando ver apenas que as folhas convergem para um medalhão central (Regueras Grande, 1991, p. 166-168, fig. 2). O mosaico de Magagoz poderá eventualmente integrar este grupo, ainda que deslocado geograficamente em relação ao conjunto. É possível que se trate de uma soleira separando a abside do compartimento rectangular, cuja grinalda apresenta um círculo central para onde convergem dois ramos com folhas em feixe, datado do século IV (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 238-239, fig. 13). Pese embora o número reduzido de paralelos conhecidos, parecem situar-se numa zona interior bem delimitada — a Meseta — PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 69 individualizando-se aí uma predilecção por soleiras de loureiro produzidas entre os meados do século IV e os princípios da centúria seguinte. Não há dados suficientes para falarmos em grupo oficinal uma vez que as suas características vão divergindo, mas é um facto inabalável que as villae de Rielves, Cuevas de Sória e La Sevillana são locais de referência para outras composições de Rio Maior (cf. nomeadamente o painel C deste número ou o mosaico n.0 14). A ideia não é originária da Península Ibérica, pois encontrámos na Gália um exemplo em Blanzy-lès-Fismes datado da primeira metade do século IV (Recueil, I, 1, n.0 77b e 77d, p. 50-52, est. XXIIIa, XXVIc, d, e e f). Trata-se da soleira da abside norte e este do mosaico de Orfeu, caracterizada por um feixe de três folhas (verde, vermelho e amarelo) em fundo branco de lados direitos que arranca de um cesto. Não sabemos como terá chegado a esta região tão setentrional, mas terá sido certamente através de oficinas meridionais, tal como aconteceu na Hispânia cujas grinaldas de louro acusam influência directa das províncias norte africanas. Do ponto de vista da sua forma, a nossa grinalda é muito singela e aproxima-se do exemplo de Althiburos na Tunísia, documentado pelo Décor na est. 89 f), sem a fita do exemplar africano, mas com fundo escuro e, sobretudo, o bordo em dentes de serra. Algumas particularidades marcam o nosso pavimento e serão objecto de análise. Na bordadura, os dentes de serra destacam-se em branco de um filete preto, engastando-se nos dentes de serra do fundo vermelho. Por outro lado, as três folhas habitualmente organizadas em ramo, ou seja, dispostas a partir de um centro comum, estão colocadas longitudinalmente, de forma quase paralela, não havendo nenhum outro elemento decorativo. Estas peculiaridades podem constituir argumentos válidos para aferir a sua cronologia. A disposição solta das folhas lembra as grinaldas do século II que S. Gozlan apelidou de aérées (1992, p. 246-247) e o fundo colorido é característico das grinaldas do século III. Documentam-se bordaduras em dentes de serra desde meados do século II nas províncias norte-africanas. É o caso do mosaico com os bustos das Estações de Acholla com uma grinalda despojada de ornamentos com folhas amarelas em feixe que se destacam de um fundo vermelho (Yacoub, 1995, p. 116, fig. 48 a) e que pode considerar-se um arquétipo para Rio Maior. L. Foucher documenta dois exemplos de finais do século II numa casa da cidade de Sousse: no primeiro uma bordadura de um medalhão com um golfinho e um cupido, em feixe de três folhas verdes e brancas em fundo preto (Foucher, 1960, 57 050, p. 24-25, est. XII-XIIIa) e no segundo como bordadura de um painel com dois barcos em feixe de cinco folhas com frutos, desconhecendo-se a cor (Foucher, 1960, 57 051, p. 25, est. XIIIb). Da mesma época data o pavimento da galeria n.0 32 das Catacumbas de Hermes. Trata-se aqui de uma bordadura de uma cena de pesca com peixes, moluscos, barcos e pescadores, com mesmo tipo de bordo, mas ornamentado de máscaras femininas, flores, frutos e uma pinha (Foucher, 1960, 57 204, p. 91, est. XLVI), abrindo caminho a uma série individualizada de curta duração que se desenvolve em paralelo com as grinaldas simples e que, pelo contrário, nunca deixarão de existir. A sobriedade no tratamento das grinaldas, sem ornatos, como no nosso caso, verifica-se de facto nos pavimentos do século III, que apresentam fundos vermelhos em dentes de serra e folhas amarelas em feixe: bordadura do painel de Hércules aos pés de Onfalo de Thina (Yacoub, 1995, p. 83, fig. 27), o mosaico com os bustos das nove Musas e o de Diana Caçadora de El Djem (Yacoub, 1995, p. 135, fig. 58 e p. 188, fig. 97 respectivamente), o mosaico do Poeta com as Musas e as quatro Estações de Sfax (Yacoub, 1995, p. 145, Fig. 66) ou ainda numa casa de Sousse numa bordadura de um mosaico de triclinum com animais selvagens (Yacoub, 1995, p. 279, fig. 140) entre outros. A tradição das grinaldas em dentes de serra mantém-se durante o século IV nas mesmas províncias africanas, mormente na África Proconsular. Quer na sua primeira metade, na Maison du Char de Vénus de Thuburbo Majus onde as grinaldas rodeiam o medalhão da deusa (CMT, II, 3, n.0 296, compartimento XVIII, p. 80-82, est. XXI-XXXII e LX, com terminus post A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 70 quem de 317 d.C.) e, na mesma época, em Nabeul no compartimento 11 da ala leste da Nymfarum Domus desenhando os medalhões da composição (Darmon, 1980, n.0 28, p. 110-114, est. LVI-LX e LXXXIII), quer na segunda metade da centúria, novamente em Thuburbo Majus onde se documentam três mosaicos do sector do Trifolium: na sala XI, desenham a composição (CMT, II, 3, n.0 278, p. 43-51, est. XX-XXIII e LIX), na sala XIV desenham medalhões (CMT, II, 3, n.0 280A, p. 53-54) e na antecâmara XX (CMT, II, 3, n.0 284, p. 57-58, est. XXVI-LXIII). Em Puput, na Maison do Viridarium, existem dois mosaicos com grinalda de fundo vermelho em dentes de serra, ambos datados da segunda metade do século IV. A primeira, num mosaico com xenia em composição de quadrados definidos por grinaldas de louro com 3 folhas ocre/cinza/branco (Ben Abed, 1965, p. 268, est. CLXXIV 1 e 2) e a outra, em bordadura de um mosaico figurativo com feixes de 5 folhas amarelo/amarelo claro/branco e amarelo/verde/amarelo (Ben Abed, 1965, p. 268, est. XXVII 3-4). Em Cartago predominam também os bordos em dentes de serra desde a segunda metade do século II, porventura antes mesmo dos citados exemplos de Sousse. A bordadura do oecus de uma luxuosa casa de Dermech mostra-nos com uma bela grinalda de sete folhas tratadas a amarelo claro e escuro, verde jade e verde azeitona em fundo preto, povoada de máscaras báquicas e flores, ao gosto da época (Ben Osman, 1981, n.0 91, p. 266). Do século III temos os medalhões do compartimento da Maison d’Ariane com fundo vermelho (Ben Osman, 1981, n. 0 40, p. 107-109). No século IV ainda se assiste à execução de belas grinaldas nas casas de Cartago, recorrendo à profusão de elementos decorativos tais como fitas, flores, frutos, milho, uvas, num fundo preto como é o caso da Maison du Paon (Ben Osman, 1981, n.0 98, p. 285-288) mas, à medida que a centúria avança, como noutros locais, as grinaldas tornam-se menos naturalistas e exuberantes acusando uma época de menor esplendor artístico que ainda procura contudo agarrar-se aos modelos tradicionais, mantendo os cânones, mas perdendo a qualidade na execução. A essa época, finais do século IV, corresponde um mosaico exposto no Museu do Bardo (Ben Osman, 1981, n.0 18, p. 57-58). A rigidez das folhas colocadas paralelamente marca o estilo do tardio século IV e dos vindouros, de que é exemplo expressivo a bordadura do mosaico dos Amours pêcheurs de Cillium (Desparmet, 1994, fragmento b, p. 133, est. VII-1). É nesse estilo tardio que se enquadra o nosso exemplar de Rio Maior. Timgad documenta dois exemplares coevos: um no Quartier Episcopal Donatiste, no compartimento rectangular no ângulo ocidental do atrium da grande Igreja, decorando a parede exterior do baptistério, com datação de fins do século IV — princípios do século V, onde duas grinaldas convergem para um círculo central (Germain, 1969, n.0 185, p. 123, est. LXI) e outro na Maison d’Optat, uma coroa com bordo liso em fundo preto no compartimento que se abre sobre o pórtico oeste do pátio, com datação paleocristã confirmada pelas três inscrições nele realizadas (Germain, 1969, n.0 191, p. 126-127, est. LX) e ainda no Ilôt 24, num compartimento a Nordeste da insula, a bordadura em dentes de serra, em fundo negro, emoldura o mosaico das pinhas, as folhas são amarelas e verde cinza com extremidades brancas e está datado do século V (Germain, 1969, n.0 5, p. 14, est. V). Pela sua proximidade com as províncias africanas, a Sicília adoptou o seu repertório desde cedo (cf. Wilson, 1982). Em fins do século III, princípios do séc IV, encontramos grinaldas muito próximas de Rio Maior em Desenzano, não só pelo seu estilo geométrico, mas também pelo seu fundo vermelho em dentes de serra e folhas ocres com extremidades brancas (Guilanzoni, 1962, p. 109, est. XIII-XIV). O expoente máximo situa-se na famosa villa de Piazza Armerina, datada da época constantiniana, menção quase obrigatória em qualquer estudo de pavimentos musivos (cf. Carandini et al., 1982; Wilson, 1983). As grinaldas de loureiro de bordos em dentes de serra, em fundo preto, destacam-se aqui em vários pavimentos servindo de bordaduras: nos medalhões do mosaico do pórtico quadrangular do lado Oeste (Carandini et al., 1982, p. 134-135, fig. 45 a 54, est. VII-XIV, 27-30 e 32-35) e nos da sala absidal do apartamento A (Carandini PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 71 et al., 1982, p. 239-242, fig. 138, est. XXXV, 72); na moldura do mosaico da sala absidal aberta sobre o peristilo com tema de Orfeu (Carandini et al., 1982, p. 140, fig. 64 a 68, est. XV, 36); ou ainda nos medalhões dos octógonos num compartimento de serviço (Carandini et al., 1982, p. 190-191, fig. 110, est. XXV, 54). Na Hispânia, além dos exemplares supra mencionados, em soleiras, conhecem-se outros mosaicos situados cronologicamente na segunda metade do século IV. Novamente em Rielves, as grinaldas de loureiro são usadas para desenhar composições em quatro pavimentos da casa (Fernández Castro, 1977-1978, p. 223, fig. 17; p. 222, fig. 14; p. 224, fig. 19 e p. 223-224, fig. 18 respectivamente). Da mesma época, datam as grinaldas de bordo em dentes de serra, de cinco folhas, do mosaico das cráteras da villa de Prado (CME, 11, n.0 22, p. 53-56, est. 20-21 e 39) e do mosaico do triclinium (ou tablinum) da villa de El Romeral (CME, 8, n.0 7, p. 16-17, est. 4). É provável que pertença à mesma oficina de El Romeral o fragmento encontrado na estação ferroviária de Lérida (CME, 8, n.0 16, p. 19-20, est. 6). Os mosaístas que laboraram na villa de Almenara de Adaja também revelaram predilecção pelo loureiro, quer em bordaduras, como no mosaico com a toilette de Pégaso da sala octogonal (CME, 11, n.0 15c, p. 29-34, est. 11-12 e 31-34) e nas absides da aula (CME, 11, n.0 10, p. 26-27, est. 9 e 30), ambas com lados direitos, quer desenhando a composição como na sala rectangular a Norte da sala da êxedra, com lados em dentes de serra (CME, 11, n.0 6b, p. 22-23, est. 6-7 e 23). Quanto ao mosaico das quatro Estações encontrado na Bodega de la Compañia de Córdova, actualmente no Museu da cidade, apresenta uma grinalda com folhas paralelas cuja datação situada por J. M. Blázquez Martínez e J. González na quarta centúria (1972/74, p. 427-429) foi contestada por Nicolini que a leva à terceira década do século V (1983, p. 86). No território actualmente português existem também alguns exemplos heterogéneos deste motivo com aplicações variadas. Na Casa da Cruz Suástica de Conímbriga, datada de finais do século III, a grinalda em fundo vermelho, de bordos lisos, define os hexágonos de uma composição ortogonal no compartimento adjacente ao triclinium (Correia, 1985, p. 80, est. 32.1; Oleiro, 1994b, p. 42). As folhas estão organizadas em feixes triplos e são cinza esverdeado com extremidade branca. Em Ferragial d’El Rei uma grinalda de folhas de loureiro acompanha um meandro de suásticas e quadrados que constituem a composição de parte deste mosaico (Oleiro, 1956, p. 12-13; Correia, 1985, p. 81, foto 1-2). As folhas estão organizadas em feixe de cinco dispostas quase paralelamente e com pontas brancas. A moldura do medalhão da sala 9 de Pisões, com um mascarão e tratamento cromático verde, preto e vermelho (Correia, 1985, p. 82, est. 32.2; Costa, 1988, p. 103, fig. 6) aproxima-se estilisticamente da de Torre de Palma que envolve o quadro de Sileno do grande painel das Musas (CMRP, II, 1, p. 167). É também nesta villa que se conhece outro exemplo de bordadura de loureiro em fundo preto com dentes de serra e folhas esverdeadas, com ornatos vegetais e frutas, no quadro central do painel floral com Ariana adormecida, considerado um dos primeiros locais hispânicos de execução deste motivo decorativo, finais do século III (CMRP, II, 1, p. 224) Tendo em conta os paralelos, é de crer que a nossa grinalda é única em Portugal no seu estilo, filiando-se em modelos africanos bem identificados que terão passado para a Hispânia, a partir de finais do século III, princípios do século IV. Aplicada aqui numa zona particular da casa, parece tratar-se de uma atitude tipicamente regional, senão influenciadas pelas soleiras da Mauritânia Tingitana. Só na segunda metade do século IV, princípios do século V é que o motivo chega à Aquitânia através de uma oficina que realizava as suas grinaldas em fundo preto ou vermelho com lados direitos e folhas quase paralelas de extremidade brancas, primeiro em Jurançon (Recueil, IV, 1, n.0 161, p. 166-169, est. XCIX) e nos finais da centúria em Sorde l’Abbaye (Recueil, IV, 2, n.0 174, p. 34-37, est. II a V e n.0 175A, p. 39), Saint-Sever (Recueil, IV, 2, n.0 221A, p. 102, est. LIX) e Loupian (Lavagne et al., 1976, p. 220-223, fig. 2). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 72 Comparando com a frequência dos restantes esquemas musivos da residência, esta composição de octógonos e meandro de quatro suásticas é bastante rara. A carência de paralelos exactos dificulta a sua análise estilística e cronológica que procuraremos, por isso, complementar com o estudo dos variados elementos de enchimento, quer geométricos, quer florais. Foi aplicada preferencialmente em composições de tapetes, mas também se conhece em bordadura (cf. Le Décor, est. 41 c). Nos vários corpora consultados, encontrámos apenas seis pavimentos similares nas províncias ocidentais (três no Norte de África, dois na Hispania e um na Itália) seis em regiões mais orientais ou orientalizadas, dos quais apenas dois serão objecto de análise. A composição é muito frequente na variante com cruz em vez de suásticas (Le Décor, est. 180b e c, de onde poderá derivar, com uma especial divulgação a partir de meados do século IV e século V, quer no Oriente, quer no Ocidente (cf. Guislanzoni, 1962, p. 123-124; Kiss, 1973, p. 31-32 e 62-63; Lavagne et al., 1976, p. 228-229; CME, 9, p. 45-47, entre outros). O exemplo mais antigo que recolhemos na literatura especializada data do século II e foi encontrado em Cópia, na Domus dietro il teatro (Faedo, 1994, p. 447, est. XXI). Em finais do século II — princípios do século III regista-se em Mérida, no mosaico de Huerta de Otero, consistindo numa composição centrada, desenhada a filete, com um octógono central ornamentado com uma cabeça de Górgona, rodeado por meias-escamas, nos quadrados foram colocados pássaros e máscaras e, nos hexágonos, pavões (CME, 1, n.0 57, p. 49, fig. 10, est. 88b, 89, 90). A composição distancia-se da de Rio Maior não só na simplicidade das molduras como na estrutura centrada que apresenta, reduzida a um grande medalhão octogonal. Um outro pavimento a ter em consideração é dado como desaparecido. Foi encontrado no centro da actual vila de Dellys na Argélia, no frigidarium das termas e consistia numa composição com um painel central com o tema labirinto (Daszewski, 1977, n.0 3, p. 102, est. 19; Laporte, 1988). Daszewski (1977, p. 102) datou-o de fins do século II, princípios do século III, enquanto Laporte (1988, p. 134) o colocou nos séculos III-IV. Para L. Faedo, a origem do esquema encontrar-se-ia na Itália comprovado pelo achado do mosaico de Cópia, contrariando a ideia generalizada de uma origem africana (1994, p. 448). O estado fragmentário em que se encontra um dos pavimentos da casa situada no terreno de Ali Slama Boulah em Thysdrus (Foucher, 1960, p. 18, est. Vb) impede uma afirmação peremptória quanto à similitude da composição. O traçado é muito semelhante ao exemplo emeritense, sendo provável que se tratasse de um esquema do mesmo tipo, cada octógono é preenchido com um florão muito complexo de oito folhas fusiformes, enrolamentos e hederae, enquanto os quadrados são preenchidos com entrançado e os hexágonos compostos por um quadrado com trama ladeado por dois triângulos. O pavimento dataria de 220 (Foucher, 1960, p. 22-23). No finais do século III, a grande sala das termas do centro do Bairro do Fórum de Timgad recebeu um esquema semelhante ao de Rio Maior, embora mais sobrecarregado com meandro e restantes figuras geométricas realizados com trança de dois cordões, tratada a vermelho, amarelo e verde-cinza (Germain, 1969, n.0 61, p. 55-56, est. XXII-XXIII). O objectivo do mosaísta era preencher totalmente os espaços mortos da composição para dar maior realce às figuras que inseriu nos octógonos e nos hexágonos: as Estações personificadas e aves variadas, respectivamente. Os quadrados receberam uma pequena flor. Próximo dos pavimentos de Copia e Huerta de Otero pela simplicidade das linhas do esquema, o mosaico da galeria setentrional de Rielves, com pequenos florões inseridos nos elementos geométricos, está datado de meados do século IV (Fernández Castro, 1977-1978, p. 222, fig. 15). Estes constituem os únicos pavimentos que encontrámos nas províncias romanas ocidentais e catalogados nos corpora. As afinidades com o nosso mosaico são bastante superficiais. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 73 O desenho do meandro de suástica aproxima-se de Rielves e as molduras dos octógonos lembram, de certa maneira, as de Timgad. Cronologicamente, este grupo não ultrapassa os meados da quarta centúria. Apesar do elevado grau de destruição, incluiríamos neste grupo um mosaico do frigidarium das grandes termas de Aquileia onde são ainda bem visíveis os quatro meandros de suástica em filete duplo preto e o arranque dos hexágonos (Lopreato, 1994, est. L 3). Subsiste a incerteza quanto à decoração uma vez que o fragmento ilustrado foi alvo de restauros, assim como em relação à sua extensão — bordadura ou composição de superfície? O segundo grupo, situado cronologicamente entre a segunda metade do século IV e o século VI, é essencialmente constituído por paralelos orientais em contextos religiosos. A Kaoussie Church de Antioquia, datada de 387, foi pavimentada com uma composição traçada a trança e guilhochê, com motivos de enchimento variados (rosetas, arco-íris, motivos metálicos) e uma inscrição no centro (Levi, 1947, p. 283-284, fig. 112, est. XCV; Campbell, 1988, n.0 18c, p. 44, est. 131-132). Os artistas responsáveis pela execução do mosaico de Ge e as Estações da casa de Antioquia com o mesmo nome (Levi, 1947, p. 346-347, 476, fig. 139, est. LXXXI), inspiraram-se no pavimento de Timgad e da Kaoussie Church. Com efeito, a composição é desenhada a trança de dois cordões, mas com execução diferente do meandro de suástica que arranca da moldura dos octógonos, ao contrário de Timgad, onde o seu percurso é autónomo dos restantes elementos. As aves cederam lugar a enchimentos em ziguezagues e arco-íris multicolores, ao gosto oriental. D. Levi data o pavimento entre a morte de Teodósio II e o saque persa de Antioquia, ou seja, meados do século V (1947, p. 626). O fragmento de mosaico, proveniente de Constantinopla, apresentado por G. Salies ao CMGR, 4 (1994, est. CIV) parece corresponder a um paralelo importante. Datado de fins do século IV-princípios do século V, combina trança e cabo no meandro de suástica, apresentando no seu centro um busto feminino com uma cesta de frutas. A sua ligação estilística ao círculo artístico sírio é evidenciada pela autora (Salies, 1994, p. 187). A bordadura em cálices de lótus, dispostos alternadamente ao longo de uma linha sinuosa, representa um motivo bastante frequente nos mosaicos romanos. Encontramo-la sob diversas formas (cf. Le Décor, est. 62 a, f e 65 g), quase sempre utilizada como moldura. A origem do motivo em opus tessellatum encontra-se em Pompeia, num friso com flores de lótus. Segundo D. Levi (1947, p. 454), deriva da transformação do motivo da fita ondulada, observação esta que procurou confirmar nos mosaicos de Antioquia. A adição de pequenos elementos tais como triângulos ou três quadradinhos unidos, aliado ao alargamento da fita central, ditaram a evolução para a flor de lótus (Levi, 1947, p. 454). Todavia, o motivo em onda manter-se-á até tarde, não se anulando em favor do outro motivo. A coexistência dos dois motivos comprova-se em Navatejera (CME, 10, n.0 15, p. 30-31, fig. 11, est. 10, 28, 29). A evolução estilística que sofreu, desde o século I ao século V, é notória, tendo o motivo perdido volume e naturalismo, para se tornar, a partir do século IV, não só mais frequente, como também profundamente geométrico. A sua difusão foi acentuada nas regiões do Mediterrâneo Ocidental, sendo raro encontrá-lo na Britânia, com excepção de um mosaico com Neptuno e fauna marinha de Rudson, datado de meados do século IV (Neal, 1981, n.0 67, p. 94). Da sua fase mais naturalista restam-nos os exemplos mais antigos nas oficinas vienenses no século II: em Vienne, emoldurando um tapete geométrico na Mosaïque des Capucins (Recueil, I, 3, p. 102; Lancha, 1977, p. 91-93 e 100, fig. 46) e Ste Colombe desenhando alguns quadrados da composição na Mosaïque Burrus (Lancha, 1977, p. 96-97 e 100-101, fig. 48-48bis; Lancha, 1990, p. 31, fig. 7). Cerca de 220 a 230 d.C. encontramos em Treveris, uma bela bordadura de um mosaico de composição geométrica (Parlasca, 1959, p. 31-32, est. 5) e, na mesma altura, em Lure (Recueil, I, 3, n.0 371, p. 99-102, est. LXIII-LXVII). Regista-se ainda em Ormes na época severiana (Recueil, II, 1, n.0 299, p. 104-107, est. LVI-LVII) e em Bergheim, no segundo quartel do século III (Recueil, I, 3, n.0 472, p. 149-151, est. XCVII-XCVIII). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 74 Os mosaístas que trabalharam na Casa dos Repuxos de Conímbriga conheciam bem as produções das regiões mais setentrionais do Império, uma vez que adoptaram o motivo em três molduras de medalhões da domus desde o último quartel do século II ao primeiro do século III: no de Perseu no ângulo sudoeste do peristilo (CMRP, I, n.0 1.1, p. 32-36, est. 3 e 54.1), no do caçador regressando da caça no ângulo sudeste do mesmo (CMRP, I, n.0 1.5, p. 46-47, est. 10 e 54.1) e no do cubiculum entre o peristilo e o pátio com fonte (CMRP, I, n.0 4, p. 88-90, est. 31, 32, 57.2 e 68.2). A partir do século IV, assiste-se à vulgarização do motivo, não só no Norte de África, como também na Hispânia onde encontraremos os paralelos mais próximos para o nosso pavimento, utilizados na sua maior parte em bordaduras de grandes tapetes musivos. Com efeito, em Almenara de Adaja, o motivo foi usado em cinco mosaicos como moldura de tapete: com sinusóide preta (CME, 11, n.0 5, p. 19-21, est. 4, 5, 26; n.0 6b, p. 22-23, est. 6-7 e 23; n.0 7, p. 23-24, est. 8 e 28), com sinusóide branca (CME, 11, n.0 15b, p. 30, est. 11) ou com um filete simples preto e branco cortando os cálices no sentido longitudinal (CME, 11, n.0 10, p. 26-27, est. 30). Em Navatejera, encontramo-lo na moldura do grande octógono, com sinusóide preta, pelos meados do século IV (CME, 10, n.0 15, p. 30-31, fig. 11, est. 10, 28 e 29) e ainda na villa de Prado, na bordadura do mosaico n.0 3 na segunda metade da centúria (Torres Carro, 1988, est. XV-2). Em Rielves, as bordaduras do corredor D, da galeria A e do compartimento G, descritas como ondas por Fernández Castro com base nos desenhos antigos de Arnal, situados cronologicamente em meados do século IV, parecem corresponder na realidade, após uma análise atenta dos referidos desenhos, a linhas de cálices (Fernández Castro, 1977-1978, p. 219, fig. 6, p. 219-220, fig. 8 e p. 121, fig. 12, respectivamente). Mas nenhum destes paralelos é tão próximo quanto o mosaico de Cuevas de Soria onde os octógonos da composição do apodyterium da villa são debruados com linha de cálices e decorados com florões (CME, 6, n.0 54, p. 60-63, est. 25). Outro mosaico muito próximo, datado do século IV, é o de Mazerolles, na Gália, onde as molduras octogonais são também realizadas com cálices (Hiernard, 1996, n.0 204, p. 256-257, fig. 183 a e b). A paleta é mais pobre e a execução mais grosseira do que em Rio Maior. Entre os vários exemplos africanos, conta-se dois exemplos particularmente próximos em Cartago. No medalhão central da sala 35 das Termas de Antonino que apresenta uma bordadura deste tipo com sinusóide branca debruada a preto, datado da Tetrarquia ou Constantino (Picard, 1980a, p. 168, fig. 8) e, na segunda metade do século IV, na bordadura do mosaico das estrelas da Maison de la Course de Chars, com fundo preto (Hanoune, 1969, fig. 4). Entre os motivos de enchimento destaca-se o nó de Salomão. A sua inclusão num hexágono, inserido num hexágono oblongo, não é frequente, ao contrário da versão inserida num quadrado sobre o vértice, num hexágono oblongo, tão característico das composições de estrelas do século I (Blake, 1930, p. 112, est. 35.1 e 35.4). U. Sansoni não o regista na sua tabela (cf. 1998, p. 29). É reconhecido como o elemento decorativo mais frequente nos mosaicos romanos, alargando-se o seu emprego no tempo e no espaço do Império Romano. O testemunho mais antigo regista-se na villa de Volusii Saturnini no último ano do século I a.C. — segundo decénio do século I d.C. Documenta-se nos mosaicos itálicos do século I, nomeadamente em Pompeia, no triclinium da Casa del Camillo, na Casa del Caccia Nuova, entre outros, ainda que pouco frequente comparando com épocas posteriores (Blake, 1930, p. 103; Sansoni, 1988, p. 30-31). Na segunda metade do século I inicia-se a sua difusão, primeiro em Itália e, em finais da centúria-princípios do século II, nas províncias (Sansoni, 1988, p. 35). Não se registando noutro tipo de artes decorativas, poderá ter constituído invenção de artistas (Ovadiah, 1980, I.4, p. 152). Perdura até à Idade Média, época em que se torna símbolo da impenetrabilidade de Deus (Blake, 1930, p. 103). Seria infindável a lista de mosaicos com nós de Salomão que poderíamos citar, pelo que restringiremos a nossa análise ao motivo inserido num disco preto. Este tipo de nós em discos pre- PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 75 tos, mais raramente em círculos com fundo branco, são menos frequentes, embora se deva dar particular destaque ao seu emprego em Antioquia, onde se registam a partir do século II. Na Casa do Aqueduto de Trajano, datada de princípios da centúria, abandonada mais precisamente aquando do terramoto de 115 e sem sinais de reocupação, existe um fragmento de uma composição linear de quadrados e rectângulos, destacando-se o nó de Salomão num dos cantos, com a particularidade de possuir pontos nos intervalos (Levi, 1947, p. 34-35, est. LVa, XCIVa). Em Seleucia, no mosaico que dá o nome à Casa dos Concurso de Bebidas entre Dionísio e Hércules, desenvolve-se uma composição geométrica de estrelas de oito losangos com quadrados e losangos nos intervalos, decorados com elementos geométricos e vegetalistas, em volta do tema figurativo. Em quatro dos vinte e quatro quadrados, surgem os nós como motivo decorativo, dentro de um círculo delineado por dois filetes escuros com um claro de permeio (não é disco preto, mas uma variante). O mosaico é atribuído ao triclinium e os materiais cerâmicos encontrados sob ele apontam para cronologias do período severiano (Levi, 1947, p. 156-163, S 18-K, est. XXX-XXXII, CI b-c e CLV b e ainda p. 396, para a análise da composição). Ainda em Antioquia, na House of the Buffet Supper-west Complex, novamente uma composição linear de quadrados e rectângulos, encontramos o emprego de nós nos quadrados, desenhados num disco preto, com cronologia a apontar para a segunda metade do século III, com base nos materiais cerâmicos recolhidos sob o mesmo — cerâmica tardia A e lucernas (Levi, 1947, p. 217-219, DH 26/27-o, est. XLVIII, CVIC, CVII a-b). No triclinium da House of the Boat of Psyques, formado por nove painéis musivos figurativos, destaca-se uma composição de estrelas de oito losangos com quadrados nos intervalos onde foram inseridos nós em disco preto (painel H) (Levi, 1947, n.0 1, p. 167-169, DH 23/24-M/N, fig. 63, est. CIII e). No vestíbulo da mesma casa, desenvolve-se uma composição similar em que é possível ver dois quadrados com o mesmo tipo de nó em disco preto (Levi, 1947, n.0 7, p. 186, DH 23/24-M/N, fig. 63, est. XXXVIII). Os critérios de datação apresentados para os mosaicos da casa consistem em fragmentos de lucernas helenísticas de tipo VII, datadas do século II e III, encontradas em camada selada sob o pavimento n.0 8 da casa (Levi, 1947, p. 167). Em Itálica, conhecemos um exemplar de finais do século II no mosaico dito da Casa da Condessa de Lebrija, mas do qual se desconhece data e local de achado, ornamentando dois dos cantos dos quadrado (CME, 2, n.0 15, p. 38, est. 38). Do século posterior é o mosaico de El Regadio com o mesmo motivo (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 235). É, porém, no século IV que encontramos o grande grupo de paralelos africanos e ibéricos. Em Bulla Regia, na Casa de Hippone (Hanoune, 1980, p. 10, fig. 28 a), em Djemila (BlanchardLemée, 1975, est. XLVI a), El Jem (Foucher, 1960, est. VII d), entre outros. Na Hispania, documenta-se em Portus Illicitanus, no corredor do peristilo e no compartimento de acesso ao mesmo (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 239, fig. 14 e p. 240, fig. 15, respectivamente); em Mérida, na Calle Legio X, (CME, 1, n.0 11, p. 33, est. 22 e 23 a) e em Puente de la Olmilla, nos compartimentos n.os 1 e 2 (Puig e Montanya, 1975, fig. 2; CME, 5, n.0 23, p. 28-29, fig. 19 e n.0 24, p. 29-30, est. 14, 15 e 45, fig. 20). Nos locais supramencionados, o nó de Salomão é colocado num quadrado. Regista-se ainda a variante do círculo com fundo branco em Cuevas de Soria, em contextos cronológicos da segunda metade do século IV, inícios do século V (CME, 6, n.0 65, p. 72-73, fig. 14). Finalmente, na villa de Algoros, trabalharam, na segunda metade do século IV, mosaístas que revelaram uma predilecção particular pelo motivo, característica essa, aliás, que serviu de argumento para identificar uma mesma oficina (Mondelo, 1985, p. 140-141). Assim, podemos vê-lo em seis mosaicos diferentes, usados no enchimento de grandes composições (hexágonos e pentágonos — Mondelo, 1985, n.0 1, p. 107-111, fig. 1; octógonos e quadrados — Mondelo, 1985, n.0 5, p. 120-124, fig. 7; n.0 6, p. 125-133, fig. 8 e n.0 7, p. 133-134, fig. 9) ou de pequenos espaços nas bordaduras (Mondelo, 1985, n.0 7, p. 133-134, fig. 9; n.0 8, p. 134-135, fig. 10 e n.0 9, p. 135-140, fig. 11). A mesma oficina trabalhou certamente nos pavimentos da Sina- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 76 goga de Elche onde encontramos a sua presença em três mosaicos, na mesma faixa cronológica (Palol Salellas, 1967, p. 201-210, fig. 73). As características estilísticas dos nós de Elche diferem substancialmente das de Rio Maior: na villa valenciana os nós inseridos em octógonos apresentam dimensões superiores e ocupam praticamente todo o espaço disponível ao passo que em Rio Maior se verifica uma certa miniaturização do motivo embutido num quadrado com fundo branco, por sua vez, no octógono ou ainda presente num hexágono. Na Basílica de Elche, reencontramos o mesmo tipo de nós (Palol Salellas, 1967, fig. 73). Enquanto elemento decorativo singular, as primeiras representações de peltas remontam aos primórdios do opus tessellatum, nomeadamente desde o século I. a.C. em Pompeia (Gozlan, 1992, p. 90). Por volta do princípio da centúria seguinte, os mosaístas introduzem-na nos esquemas compositivos tesselados (cf. comentários aos n.0s 5, 9 e 14). Quanto ao xadrez policromo, A. Ovadiah documenta-o em Delos e sustenta uma derivação a partir dos têxteis cujo padrão pretendia imitar (1980, p. 131), enquanto S. Gozlan lhe atribui uma origem africana (1992, p. 69). A sua ocorrência na Hispânia regista-se sobretudo no século IV (Pinto, 1997, tabela n.0 11). Quanto aos motivos, insólitos, que decoram dois dos hexágonos, não lhes encontrámos paralelos seguros. O seu carácter geométrico dificulta qualquer interpretação. Os florões que decoram alguns octógonos foram analisados nos comentários ao n.0 2A. A simplicidade da sua forma geométrica tornou o xadrez do painel D um dos mais fáceis de realizar nos vários tipos de suportes decorativos, nomeadamente na pintura e na cerâmica a partir da qual poderá ter sido apropriada pelas restantes artes (Ovadiah, 1980, p. 129-130). Generalizou-se o seu emprego a todo o tipo de pavimentos: pebble mosaics, opus sectile ou opus tessellatum. Terá sido em pavimentos de seixos rolados (pebble mosaics) que se fizeram as primeiras experiências de aplicação deste motivo a pavimentos no Mediterrâneo Oriental: Palácios de Arslan-Tash e Til-Barsib, datados do século VIII a.C. (Salzmann, 1982, n.0 15, p. 84, est. 1,3; Blázquez Martínez, 1993, p. 455), de Gordión, da segunda metade do século VIII a.C.- século II (Stern, 1975, est. 1; Salzmann, 1982, n.0 48, p. 93, est. 4). Ao Mediterrâneo Ocidental, nomeadamente à região de Cástulo, terá chegado a moda através das intensas relações comerciais que manteve com as zonas mais orientais, nomeadamente as semitas. Assim o prova o pavimento de La Muela, considerado o mais antigo documento do esquema nesta zona, pois a sua cronologia recua ao século VI a.C. (Blázquez Martínez, 1993, p. 453; cf. Fernández Galiano, 1983, p. 114, fig. 1, cuja proposta cronológica se situa no século VII a.C.22). O local onde se encontrou o mosaico tem sido interpretado como construção de carácter religioso ou santuário, com claras afinidades com seus congéneres fenícios e cipriotas, onde também era frequente este tipo de pavimentos (Blázquez Martínez, 1993, p. 454). Neste contexto, não estará alheio ao simbolismo do xadrez como representação de forças contrárias que se opõem na luta pela vida (Chevalier, 1993, s. v. damero). Posteriormente, o esquema passou muito lentamente ao opus tessellatum com a mesma simplicidade decorativa, mantendo-se contudo raro até ao século II, época a partir da qual entra no repertório geral dos mosaístas romanos (Blake, 1930, p. 187) perdurando, sem grandes mudanças, a não ser um certo crescimento no tamanho das tesselas, até à Idade Média. O esquema foi aplicado não só a bordaduras, mas também se estendeu em grandes tapetes, quer de compartimentos menores quer, contrariamente ao que se poderia pensar à primeira vista, de grandes em dimensão e importância. Foi ainda muito bem aceite como micro-composição, quer na versão bicroma, quer policroma, preenchendo espaços vácuos, mormente em composições geométricas. O primeiro pavimento em xadrez conhecido em Roma terá sido, segundo Plínio, o do Templo de Júpiter Capitolino, realizado depois da 3.a Guerra Púnica (Historia Natural, XXXVI, 185, PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 77 apud Ovadiah, 1980, n. 16, p. 129). A escolha deste esquema recorda ainda os santuários do Mediterrâneo Oriental de que falámos a propósito de La Muela. No século II, começam a divulgar-se os mosaicos com o esquema em xadrez bicromático, não só no Ocidente, como na região da Grécia, onde se mantém preso à tradição policroma dos pavimentos de seixos rolados. Encontra-se aí em pequenas áreas como é o caso da villa romana de Corinto (Waywell, 1979, p. 309). Em Óstia, o esquema é conhecido, pelo menos, desde 130 d.C. na Insula delle Pareti Gialle (Becatti, 1961, n.0 224, p. 129, est. XXXV). No século III, perdura em duas casas da cidade: na Domus dei Pesci, num grande pavimento (Becatti, 1961, n.0 335, p.182, est. CIC, CCXXVII) e na Insula delle Volte Dipinte, num restauro de um pavimento de princípios do século II (Becatti, 1961, n.0 187, p. 102, est. XXXIV). Ainda se conhece na necrópole da Via Ostiense, num túmulo datado dos Antoninos (Becatti, 1961, n.0 434, p. 233-234, est. IX). No século IV, a cidade testemunha ainda a sua aplicação na soleira do tablinum da Domus delle Colonne (Becatti, 1961, n.0 334, p. 181, est. LVII-LVIII). Os exemplos do século II comungam de uma influência itálica marcante, nomeadamente os vários exemplos da actual Suiça, onde perdura até épocas tardias: Zofingen, de 150-175 (Gonzenbach, 1961, n.0 144, 238, est. 6), Oberkulm e Windisch, ambos de 150-200 (Gonzenbach, 1961), Munzach e Kloten, ambos de 175-225 (Gonzenbach, 1961, est. 42). Um pouco mais tarde, cerca de meados do século II, a composição documenta-se na Alemanha, destacando-se os casos de Emmerting e Tacherting (Parlasca, 1959, p. 107, est. 14.C5 117, est. 14.B3). Na Britânia, é também durante a segunda centúria que se documentam os primeiros exemplos, como é o caso na insula 18 – St. George’s Hall — de Colchester (Rainey, 1973, p. 55). Na Hispânia, a sua divulgação ter-se-á iniciado no século I pela costa mediterrânea, como documenta um pavimento encontrado na Calle Palas de Cartagena (CME, 4, n.0 68, p. 69, est. 27), acentuando-se naturalmente no século II, nomeadamente em Cartago Nova e Barcelona. Da Calle Quatro Santos de Cartago Nova, provem o mosaico interpretado por S. Ramallo Asensio como um painel de um triclinium e datado através de critérios estilísticos por ausência de dados arqueológicos (1985, n.0 4, p. 40-44 e 176, est. V, fig. 6). O de Barcelona é proveniente da Praça Regomir e talvez um pouco mais tardio do que o anterior (Barral y Altet, 1978, n.0 5, p. 30-31, est. V-3). Na segunda metade do século II, é conhecido em Mérida, na Casa Basílica, como motivo de enchimento num dos quadrados da composição (CME, 1, n.0 44, p. 46, est. 80a) e, em finais da mesma centúria, está patente na Casa del Mitreo, na bordadura do painel com emblema de Eros (CME, 1, n.0 24, p. 40, est. 47-48). Por esta altura, chegara já a outros locais da Lusitânia, nomeadamente a Póvoa de Cós (cf. n.0 9, a propósito do painel das peltas do mesmo mosaico). A mesma villa, possui outro pavimento com xadrez bicromático, mas de quadrados sobre o vértice (Borges, 1986, n03, p. 16-19, est. V). Datado arqueologicamente do final da época dos Antoninos a princípio dos Severos, o mosaico de Benicató enquadra-se perfeitamente nesta fase bicroma (Navarro, 1977, p. 155-156 e 158, est. I). A Norte da Hispânia, encontramo-lo já na primeira metade do século III nas termas de Astorga (CME, 10, n.0 1, fig. 2, est. 22). No século III são raros no Norte de África, conhecendo-se, porém, na Maison du Grand Oecus em Utica (CMT, I, 2, n.0 148, p. 6-7, est. III). Com excepção do edifício XII.2 — Beeches Road — de Cirencester, com quadrados vermelhos e branco, a maior parte dos exemplos britânicos da quarta centúria provém de villae. Foi a província romana onde contabilizámos mais exemplos deste esquema (onze no total). Surgem em composição de superfície como em Haceby (Rainey, 1973, p. 90), Newport, no compartimento IV (Rainey, 1973, p. 122), Bignor, no compartimento 55, pertencente às termas (Rainey, 1973, p. 25, est. 13A), Lenthay, no mosaico de Apolo (Smith, 1969, est. 3.31; Rainey, 1973, p. 107-108), Newton St. Loe no corredor (Rainey, 1973, p. 122, est. 12B), Nunney num painel diagonal com Orfeu, datado de 350-370 (Rainey, 1973, p. 126-127; Smith, 1983, p. 324-326, est. CCXI), mas também em bordaduras como na Norfolk Street de A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 78 Leicester23, com tesselas vermelhas (Rainey, 1973, p. 104), Newport, no compartimento I (Rainey, 1973, p. 122), Bignor, no compartimento 56 (Rainey, 1973, p. 25, est. 13A), ou ainda em Pit Meads, dos princípios do século IV (Smith, 1965, p. 108, fig. 13; Rainey, 1973, p. 128; Smith, 1983, p. 234 e 236, est. CCXI-1) e Rudston (Rainey, 1973, p. 131-132; Neal, 1981, n.0 70, p. 97-98). Dos poucos exemplos existentes na Hispânia do século IV, destaca-se o mosaico da galeria 76 do lado Sul da villa de Liedena, actualmente no Museu de Navarra, em Pamplona (CME, 7, n.0 31, p. 51-52, est. 32). Em Treveris, conhecem-se dois exemplos datados da quarta centúria, numa bordadura (Hoffmann et al., 1999, n.0 14, p. 94, est. 9) e num grande tapete (Parlasca, 1959, p. 50, est. 51.1; Hoffmann et al., 1999, n.0 110, p. 144, est. 75). No século IV, continuam raros nas províncias africanas. Na Maison du Bassin Figuré de Utica (CMT, I, 1, n.0 144, p. 126, est. LVII) há um pavimento datado do século IV e nas Termas de Inverno em Thuburbo Majus, conhecem-se dois pavimentos datados da primeira metade do século V: no vestíbulo XXVIII e no compartimento XXXI (CMT, II, 2, n.0 205, p. 77, est. XXXIII e n.0 208, p. 79-80, est. XXXIV-XXXV, respectivamente). O pavimento do vestíbulo XXVIII aproxima-se do de Rio Maior não ao nível da densidade (39 tesselas por dm2 para 34 em Rio Maior), como também ao nível da dimensão dos quadrados (15 cm para 13/14 em Rio Maior). Porém, dada a vulgaridade do pavimento e a falta de informações similares para os restantes pavimentos citados, não podemos retirar ilações conclusivas destes dados. A semelhança pode ter sido fruto de um mero acaso. Da análise efectuada, não parece haver provas suficientes para tomar como pertinentes as afirmações de M. C. Fernández Castro (1977-1978, p. 219) e F. Regueras Grande (1991, p. 135) quanto à predisposição do esquema para ambientes termais. Por coincidência, quer em Rielves, quer em Asturica Augusta, foi usado nesse tipo de locais, mas só encontrámos em Nyon, Bignor e em Thuburbo Majus outros paralelos, com datas muito diversas, o que não é manifestamente prova de nada. A justificação parece prender-se ao facto de se tratar de uma composição de simples execução, reservada para espaços secundários. Recolheram-se alguns materiais cerâmicos interessantes na camada de telhas sobre o mosaico. Segundo o relatório de escavação de 1997, consistiram em fragmentos de terra sigillata tardia estampilhada, terra sigillata hispânica tardia, terra sigillata clara D (Hayes 76, datada de 425 a 475), uma moeda datada de 379-387 e uma matriz de estampilha em cerâmica. Os restantes materiais consistem em fragmentos de estuque e mármore, vidros esverdeados tardios, pregos e cavilhas. Datação Segunda metade do século IV. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 79 N.0 4 Tema Composição de linhas de meandro de suástica de volta dupla. Compartimento Compartimento com funções secundárias evidentes na simplicidade da decoração musiva – um cubiculum? A Sul, existia certamente uma passagem para o compartimento 3 e, a Oeste, é provável que tivesse acesso directo ao grande corredor 6. As dúvidas são suscitadas pela total ausência de estruturas arquitectónicas capazes de identificar com segurança os mencionados acessos. Dimensões do compartimento Ver dimensões do mosaico. Dimensões do mosaico 4,7 x 2,95 m*. Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Conservam-se cerca de 70 % do mosaico. As orlas de remate e as bordaduras encontramse particularmente destruídas. Apresenta ainda uma lacuna circular com cerca de 1 m de diâmetro que atingiu apenas a camada de assentamento das tesselas. Técnica de colocação É um trabalho de fina execução comparativamente aos restantes pavimentos da estação. Colocar-se-ia ao nível do n.0 9 e do n.0 15A. As tesselas são de pequenas dimensões e os interstícios mínimos. Assente em terra preta, uma camada de tufo calcário suporta um nucleus de 2 a 2,5 cm formado por pequenos nódulos de cal e fragmentos de cerâmica. Um fino leito de cal fixa as tesselas. Materiais Calcários. Branco-marfim para o fundo e preto para a composição. Densidade das tesselas 138 tesselas por dm2. Tesselas com 0,7 cm de lado. Estratégia de execução Apesar da simplicidade da composição que ostenta, a sua ordinatio foi cuidada, de tal forma que se enquadrou perfeitamente no espaço disponível sem recorrer a cortes. A orla de remate foi realizada em filetes paralelos aos muros nos lados Norte, Sul e Este. A Oeste, as linhas de tesselas são irregulares e de dimensões ligeiramente superiores. A composição parece ter sido executada em linhas no sentido do comprimento, iniciando possivelmente a Este. Restauros antigos Não existem. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 80 Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995, com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 5. Bibliografia Inédito. Descrição Faixa branca (11 cm * a Oeste). Filete duplo preto; banda de xadrez (19 cm) com casas pretas sobre o vértice (cf. Le Décor, est. 14 e) e filete preto simples, apenas a Oeste; filete triplo branco; filete preto duplo. Composição de seis linhas de dez meandros de suástica de volta dupla (cruz com 11 cm) desenhada a filete duplo preto (cf. Le Décor, est. 35 f) na variante composição de superfície). Em cada linha (29 cm de largura), o meandro desenvolve-se pela esquerda. Em toda a sua volta corre uma pseudobordadura em meandro idêntico, separado da composição central por um filete duplo preto. Comentários Quer a bordadura, quer a composição de superfície, retomam modelos clássicos conhecidos desde a origem da técnica do opus tessellatum. A linha de quadrados sobre o vértice documenta-se desde os finais do século II a.C. em Óstia (Becatti, 1961, n.0 22, p. 19, est. IV), tendo sido especialmente apreciada nas regiões ocidentais ao longo de toda a época romana. Cite-se, a título de exemplo, dois mosaicos de Vienne, datados de finais do século II (Lancha, 1977, fig. 1-1bis e 2-2bis, 1990a, n.0 53, p. 113-115, fig. VII). Da segunda metade do século IV, há a registar o caso da soleira da villa de Prado, tratada a vermelho e preto (CME, 11, n.0 23, p. 56-57, fig. 9). A origem e evolução da composição em meandro de suástica acompanham de perto as suas variantes em linha ou com quadrados que abordámos a propósito do mosaico n.0 3A. A singeleza do tratamento dificulta o estabelecimento de cronologias. Conhecem-se alguns exemplos em Mérida, nomeadamente na Casa del Mitreo (CME, 1, n.0 19, p. 39, est. 41 e n.0 20, p. 39, est. 42-43), mas são os dois paineis da Ermita de la Piedad, com paralelos muito próximos para outros mosaicos de Rio Maior (cf. n.0 15A), datados do século IV (Alvarez Martínez, 1990, n.0 1D e F, p. 27-34, est. 1-6) que servem de referência cronológica. Em finais da centúria, ainda é executado pelos mosaístas como se comprova no corredor norte do peristilo da Casa de Baco de Complutum (Fernández-Galiano, 1984b, p. 118-119, fig. 6). Um dos mosaicos descobertos no Arnal, classificado como composição em palhetão por M. Borges (1986, p. 29) é, na realidade, uma composição muito idêntica à de Rio Maior (cf. Douguédroit, 1964, p. 469). Não dispomos de elementos suficentes para contrariar a datação proposta pelas autoras citadas, o século II (Borges, 1986, p. 30). A datação do nosso mosaico baseia-se essencialmente nas propostas feitas para pavimentos coevos da casa que oferecem critérios estilísticos mais seguros. Os paralelos supracitados vêm dar algum sustento ao enquadramento cronológico proposto. Afora os fragmentos de estuque e mármore, não se registam materiais significativos. Datação Segunda metade do século IV. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 81 N.0 5 Tema Composição ortogonal de octógonos adjacentes, determinando quadrados tratados em meandro de suásticas. Compartimento Sala parcialmente escavada, com possível acesso desde o largo corredor ocidental da casa. Dimensões do compartimento Indetermináveis. Dimensões do mosaico 2,40 x 2,24 m (área descoberta). Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente, ou seja, o canto superior direito da sala. Área conservada A área a descoberto apresenta um afundamento bastante acentuado em relação às suas margens e foi danificada por uma abertura circular de cerca de 1,88 m que rasgou o pavimento. Técnica de colocação As tesselas assentam num leito de cal quase imperceptível, seguindo-se um nucleus de cerca de 5 cm, formado por uma argamassa de saibro e areia, sobre um rudus de terra solta com pedrinhas. Materiais Calcários. Branco-marfim para o fundo, preto para o traçado da composição e das peltas da bordadura; ocre castanho, ocre rosa escuro, vermelho acastanhado e cinzento francês para os enchimentos. Densidade das tesselas 51 tesselas por dm2 na orla e 78 por dm2 no campo e bordaduras. Tesselas com 1,5 cm de lado na orla e 1 cm no campo e bordaduras. Estratégia de execução A estratégia de execução da orla obedece ao mesmo princípio de outros pavimentos da casa. Os três filetes junto à bordadura são colocados paralelamente, enquanto os restantes se distribuem perpendicularmente. O nível artístico é suficiente. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 82 Desconhecida na Itália durante as três primeiras centúrias da era cristã, é nas províncias africanas e britânicas que se documentam os exemplos mais antigos, datados do século II, bem como no Mediterrâneo Oriental, nomeadamente na Grécia e em Antioquia, onde a sua distribuição parece ter sido alargada até ao século III, mas não após essa data (Waywell, 1979, p. 308). Cite-se, a título de exemplo, os Banhos de Argos, da primeira metade do século II ou o odéon de Herodes Atticus em Atenas, de meados da centúria, entre outros (Waywell, 1979, n.0 3, p. 295, fig. 4, est. 45 e n.0 8, p. 295, fig. 8, est. 46, respectivamente). A Ocidente, destacam-se duas correntes estilísticas. Uma delas procura criar um fundo profusamente decorado, optando por tratar os meandros em tranças, linhas de triângulos ou xadrez, de onde se destacavam medalhões octogonais, em geral com temática figurativa ou floral num fundo branco. Este foi também um procedimento usual com composições de meandros de suásticas e quadrados ou rectângulos (cf. n.0 6). São particularmente ilustrativos desta tendência um mosaico de Orbe, conhecido através de um desenho, onde os octógonos estão decorados com divindades do zodíaco (Blanchet, 1909, n.0 1382, p. 152) e um mosaico de Caerwent, também desaparecido, com florões nos octógonos (Rainey, 1973, p. 35; Smith, 1975, p. 286-287). O mosaico de San Martín de Losa, cujo esquema é desenhado através de xadrez policromo, recorda o mesmo espírito decorativo numa variante tardia de menor perfeição, datado da segunda metade do século IV (Abásolo Álvarez, 1983, p. 247-252, fig. 14). Alguns elementos decorativos que preenchem os octógonos recordam Rio Maior, nomeadamente o quadrado entrelaçado com coxim. O grupo onde se enquadra o nosso exemplar caracteriza-se pelo desenho de meandro com filete duplo preto. Nas províncias africanas individualizámos um subgrupo constituído por três pavimentos, dois provenientes da actual Líbia e um da Tunísia, onde os octógonos desenhados pelo meandro deixam entrever círculos com florões simples. Trata-se do painel geométrico do mosaico do touro da villa de Silin (Blázquez Martínez et al., 1990, fig. 1) e o corredor do pórtico setentrional da villa de Zliten (Aurigemma, 1926, p. 60, fig. 31 e 32). Em Bulla Regia documentase uma variante deste esquema (Le Décor, est. 167 d). O painel do peristilo de Lièdena e um mosaico de Brescia podem integrar-se no subgrupo a que pertence também o nosso exemplar, com molduras octogonais em filetes. O mesmo motivo decorativo formado por quatro peltas de volutas com uma cruz no centro decora os medalhões de Lièdena (CME, 7, 19E, p. 40, fig. 4, est. 26). Segundo Taracena, data do século IV em virtude do achado de uma moeda de Constantino no muro e outra do Baixo Império no jardim, ao passo que M. Mesquiríz, por análise estilística, propõe datação situada entre o século I e II (CME, 7, p. 28). No mosaico de Brescia, os mosaístas recorrem a nós de Salomão e conjuntos vegetalistas variados (cf. Le Décor, est. 166 b). A composição de Abicada, datada do século IV (Blázquez Martínez, 1994b, p. 191, fig. 5), cabe noutro subgrupo, esteticamente mais depurado, caracterizado pela ausência total de moldura nos espaços octogonais desenhados pelo meandro de suástica. No que respeita os motivos de enchimento dos octógonos, merece destaque o coxim entrelaçado com quadrado de cantos rectos. Este documenta-se também como elemento decorativo de enchimento no mosaico n.0 7A, enquanto no n.0 7C o mesmo coxim vai entrelaçado com um quadrado de cantos enlaçados. Quer um, quer outro, são desconhecidos antes do século IV. É possível encontrar os primeiros exemplos no Norte de África, especialmente aplicado à decoração de espaços octogonais, como acontece em Constantine no tapete geométrico do triunfo de Neptuno, datado do segundo quartel do século IV (Baratte, 1993, medalhão n.0 28, p. 325, figs. 2 e 4) e, com toda a probabilidade, no mosaico encontrado no litoral africano, entre Cherchel e Ténès, numa localidade outrora chamada Francis Garnier, conhecido através de um desenho que se data do século IV (Marcillet-Jaubert, 1956, p. 340). É já da segunda metade da A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 84 centúria o exemplo documentado no mosaico das estrelas (cf. n.0 7C) da Maison de la Course de Char de Cartago (Hanoune, 1969, medalhão 5, fig. 7). Causa-nos alguma perplexidade a datação proposta por E. Guislanzoni para dois mosaicos da villa de Desenzano onde se encontra este elemento decorativo dentro de quadrados, que situa em fins do século III, princípios do século IV (1962, p. 66-69, p. 75-84, fig. 14, est. II-III). Ora, tendo em conta a série de paralelos que apresentamos, não será atrevimento advogar o princípio da quarta centúria como cronologia, mais do que a terceira. Não encontrámos provas da presença deste motivo composto na Hispânia antes da segunda metade do século IV. É nessa metade da centúria que uma oficina que laborou na região de Elche o executa nos octógonos da nave central da sinagoga da cidade (Palol Salellas, 1967, p. 203-207, fig. 73) e na villa de Algorós (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8). Divulga-se para Norte da Hispânia na mesma altura, registando-se na villa de San Martín de Losa (Burgos), nos octógonos do mosaico da habitação C cuja composição é do mesmo tipo (Abásolo Álvarez, 1983, p. 248-249, est. VI.1). Conhecidos através de desenhos na posse da Real Academia de la Historia, os dois mosaicos de Comunión, não datados pelos autores do seu estudo (CME, 5, n.0 3, p. 16, fig. 4, est. 41 e n.0 4, p. 16, fig. 5, est. 42), não devem ser anteriores aos mosaicos supracitados. Corrente nas oficinas do Oriente, encontramo-lo na Grécia, na Basílica de Ilisso na primeira metade do século V (Spiro, 1978, p. 295, est. 34), mas também em Antioquia (Levi, 1947, p. 366, est. CXXVIII). Para além da sua aplicação aos pavimentos, foi também executado em elementos arquitectónicos como é o caso das placas parietais em mármore da villa de Rabaçal (Pessoa et al., 1995, p. 487, fig. 11). O florão assemelha-se aos exemplares analisados aquando do mosaico n.0 2A, que encontraremos de novo no n.0 10 e 15A, com a adição inédita de folhinhas pretas que lhe conferem uma certa individualidade no conjunto dos pavimentos citados. A opção por meios nós de Salomão para preencher espaços residuais junto à linha de remate da composição, retoma-se no mosaico n.0 7C. Datação Finais do século IV – princípios do século V. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 85 N.0 6 Tema Composição linear de meandros de pares de suásticas intercalados por rectângulos e quadrados grandes ou quadrados pequenos. Compartimento Corredor com orientação Norte/Sul, situado a Oeste da casa. Dimensões do compartimento Parcialmente escavado. Provavelmente as mesmas que o corredor oriental n.0 1. Dimensões do mosaico Indeterminadas por se encontrar parcialmente coberto. Provavelmente as mesmas que no n.0 1A. Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Grande parte da sua área não pôde ser escavada por constituir a base de assentamento da estrutura metálica que cobre parte dos pavimentos. Área conservada As áreas escavadas (uma parte a Norte e outra a Sul) estão razoavelmente conservadas, apresentando apenas algumas lacunas provocada pela queda de materiais de construção do telhado e paredes. Técnica de colocação As tesselas assentam num leito de cal de cerca de 1 cm, seguindo-se um nucleus rosado de cal, areia e cerâmica moída com cerca de 3,5 cm, colocados sobre um rudus de fragmentos de tijoleira e de imbrices com cerca de 8 cm. Uma camada de 10 cm composta por terra e areia serve de statumen. Materiais Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para as linhas da composição; ocre castanho, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para o tratamento dos diversos motivos de enchimento. Densidade das tesselas 154 tesselas por dm2. Tesselas com 0,7 cm de lado. Estratégia de execução É difícil de momento analisar o sentido de execução do pavimento, todavia, a repetição e a banalidade dos motivos de enchimento fazem do pavimento um trabalho monótono e pouco original. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 86 Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995, 1996 e 1998 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento parcial à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 7. Bibliografia Inédito. Descrição Orla de remate totalmente destruída. Duplo filete preto; triplo filete branco; trança policroma de três cordões (18 cm) em fundo preto (cf. Le Décor, est. 72 d); quádruplo filete branco; duplo filete preto. Composição linear de meandros de pares de suásticas de volta dupla erguidos, intercalados por rectângulos erguidos (66 x 31 cm) e quadrados grandes (64 cm) e separados por linhas de meandros de pares de suásticas de volta dupla deitados com quadrados menores (cf. Le Décor, variante da est. 193 d). O meandro de suástica é traçado a filete duplo preto. Os quadrados maiores (63 x 50 m) têm molduras (11 cm), ora em trança de dois cordões em fundo preto (cf. Le Décor, est. 71 c), ora em faixa de ressaltos rectangulares (cf. Le Décor, est. 30 b) seguido de triplo filete branco e duplo filete preto cordões, com quatro tesselas nos cantos externos. À moldura, segue-se uma faixa branca (3,5 cm) e um quadrado (35,5 cm) com entrançado cujos cantos externos também estão guarnecido com quatro tesselas. Os rectângulos, desenhados a filete simples preto, são preenchidos, ora com doze filetes duplos em ziguezague não contíguos policromos separados por filetes duplos em ziguezague brancos, ora com entrançado policromo. Os quadrados menores são decorados com entrançado policromo e nos cantos externos colocaram quatro tesselas. Comentários A composição que combina meandro de suástica com quadrados, comentada na sua versão simples a propósito do mosaico n.0 3A, surge-nos aqui mais elaborada, conjugando quadrados, pequenos e grandes, e rectângulos. As afinidades entre ambos consistem essencialmente no tipo de tratamento em entrançado dos quadrados menores, no tipo de meandro de volta dupla e na repetição monótona e pouco original da decoração das figuras geométricas. O esquema foi particularmente bem recebido entre os mosaístas da conhecida oficina britânica que exerceu a sua actividade no século IV: a Corinian School. Curiosamente, numa época em que os grandes terratenentes procuravam vistosos programas decorativos, renasce um esquema de pendor clássico, sóbrio e até monótono. Saudosismos artísticos? Muitos investigadores na matéria falam de Renascimento artístico no século IV. Será esta uma prova desse retorno à gloriosa arte clássica? O corredor do edifício XIV2 de Cirencester constitui o paralelo mais próximo para o nosso pavimento, seguindo-se um grupo de mosaicos provenientes de Gloucestershire (Neal, 1981, n.0 23, p. 58). Na Lusitânia, documenta-se um exemplo muito próximo na villa de Abicada, datada do século IV, onde os rectângulos são também decorados com entrançado (Blázquez Martínez, 1994b, p. 191, fig. 5). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 87 Os grandes quadrados com entrançado foram também particularmente apreciados no Baixo-Império. Citaremos, entre os vários exemplos conhecidos, o peristilo octogonal da villa do Rabaçal, principal eixo de circulação da residencia, cuja decoração musiva consiste em grandes quadrados adjacentes com entrançado (Pessoa, 1998, p. 22-23, est. 10-11). As linhas quebradas policromas são pouco frequentes na Hispânia, registando-se na primeira metade do século V em dois pavimentos da villa de Baños de Valdearados (CME, 12, n.0 2, p. 16-18, fig. 3, est. 3-4 e 33; n.0 3A, p. 18-19, fig. 4, est. 4) num estilo muito próximo do nosso mosaico. Datação Segunda metade do século IV. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 88 N.0 7 Tema A – Composição ortogonal de quadrados e hexágonos oblongos (Ala este). B – Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados (Ala norte). C – Composição ortogonal de estrelas formadas a partir de dois quadrados entrelaçados tangentes por um vértice (Ala oeste). D1 – Linha de três quadrados adjacentes flanqueados por dois rectângulos erguidos, também adjacentes, com peltas e quadrílobos inscritos (Soleira da abside no topo da ala norte). D2 – Concha bicroma (Abside no topo da ala norte). E – Composição centrada de bandas policromas entrelaçadas (Ala oeste). F – Composição indeterminada de linhas de ondas denticuladas policromas (Ala sul). Compartimento Peristilo. Dimensões do compartimento 15,5 x 9,40 m (tanque de 8,1 x 3,65 m). Dimensões do mosaico A – 6,85 x 3,42 * m B – 11,90 * x 2,90 m C – 6,65 x 3,03 m D1 – 2,35 x 0,30 m * (dimensões totais reconstituídas 2,35 x 0,56 m) D2 – Raio: 1,20 m * (Raio reconstituído – 1,40 m) Base: 2,67 m E – 3 x 2,6 m F – 8,20 x 2,70* m Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. À excepção de uma grande parte da ala F, todo o peristilo se encontra descoberto. Área conservada O painel A é o mais danificado, apresentando lacunas muito graves que dificultam a leitura da decoração. O estado de degradação em que se encontra limitou as limpezas das concreções que poderiam vir a danificar irremediavelmente o mosaico. O painel B conserva-se na totalidade, apresentando algumas zonas destruídas pela queda de materiais de construção do telhado e paredes. O painel C sofreu um abatimento bastante acentuado em grande parte da sua área, tendo provocado fissuras no tesselado. No alinhamento da parede do impluvium, o pavimento mantevese à cota original devido ao embasamento sólido proporcionado pelos vestígios de um muro anterior. Apresenta uma lacuna considerável a Norte, talvez provocada pela abertura de uma cova para plantação de árvore. Da abside (D), conservam-se praticamente todas as caneluras, embora o pavimento apresente bastantes pontos de afundamento. Perdeu-se uma faixa na base, impossibilitando-nos de PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 89 saber como nasciam as caneluras. A destruição desta zona deve-se ao facto do pavimento ter mantido a sua cota original nessa área, ao contrário da restante que abateu consideravelmente, ficando assim à mercê das máquinas agrícolas. A soleira foi, pelo mesmo motivo, destruída na sua metade superior no sentido longitudinal, todavia, a sua estrutura decorativa permite a fácil reconstituição, ao contrário da concha. O painel E parece conservar-se razoavelmente ainda que apresente algumas pequenas lacunas. Técnica de colocação A construção do painel B é deficiente, tendo, por isso, sofrido abatimentos acentuados, nomeadamente a Oeste. Identificaram-se as camadas vitruvianas, pese embora a sua débil resistência. Assim, sobre o solo virgem (terra acinzentada muito compacta e argilosa) assenta um statumen (3 a 4 cm) constituído por fragmentos de materiais de construção cerâmicos avulsos muito mal compactados. Segue-se uma camada (de cerca de 3 cm) formada por uma argamassa grosseira de cal com nódulos cerâmicos que identificamos como rudus e, sobre esta, uma outra formada por argamassa avermelhada com pequenos nódulos de cal, cerâmica e areia, correspondente ao nucleus (cerca de 2 cm). Finalmente, a camada de assentamento das tesselas, obtida com uma argamassa fina de cal, muito branca (cerca de 1 cm). Na sondagem efectuada a Noroeste do painel C, identificaram-se também as camadas vitruvianas: as camadas assentam em terra amarelada arenosa (12 cm) e terra acinzentada (15 cm) (statumen); o rudus é constituído por materiais de construção, terra e argamassas (19 cm); o nucleus formado por uma argamassa alaranjada de cerâmica moída e areia e a camada de assentamento formada por uma argamassa de cal (1 cm). Uma outra sondagem realizada numa lacuna do painel E aporta-nos informações diferentes. As tesselas assentam sobre 1 cm de cal, seguida por uma argamassa de cal e cerâmica moída com cerca de 3 cm que corresponde ao nucleus. Fragmentos de tijoleira constituem o rudus com cerca de 3 cm e, finalmente, um statumen de 12 cm é composto por areia, terra e pedras. Materiais Calcários. A – Branco-marfim para o fundo; preto para os cordões; castanho amarelado, castanho amarelado escuro, vermelho alaranjado, cinzento claro e metálico e ocre rosa claro para os motivos. B – Branco-marfim para o fundo; preto para as bordaduras e os contornos das cruzes; cinzento claro, vermelho acastanhado, ocre castanho para o tratamento das ondas. C – Branco-marfim para o fundo; preto para o desenho da composição e debruns dos motivos; castanho amarelado, ocre castanho, ocre rosa claro, vermelho acastanhado cinzento claro e cinzento metálico para o tratamento dos variados motivos. D1 – preto para as linhas da estrutura da composição (bordadura, peltas e triângulos); ocre castanho, ocre rosa claro, ocre violeta e vermelho acastanhado para o enchimento dos motivos. D2 – preto para a estrutura da concha; branco-marfim, cinzento bronze e cinzento metálico para o dégradê das caneluras. E – Branco-marfim para o fundo; preto para o debrum; castanho amarelado escuro, ocre castanho, ocre rosa escuro, terracota, cinzento metálico e bronze para o tratamento das bandas. F – Branco-marfim para o fundo; ocre violeta, rosa, vermelho acastanhado, cinzento claro e cinzento metálico para o tratamento das ondas. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 90 Densidade das tesselas A – 122 tesselas por dm2 B – 116 tesselas por dm2 C – 110 tesselas por dm2 D – 109 tesselas por dm2 E – 120 tesselas por dm2 F – 116 tesselas por dm2. Tesselas com 0,9 a 1 cm de lado. Estratégia de execução A necessidade de organizar os vários operários envolvidos na execução desta vasta área, composta por cinco painéis, obrigou à racionalização do espaço de trabalho. Assim, parece-nos verosímil que os vários painéis foram executados separadamente, no sentido dos ponteiros de um relógio, com excepção da ala oeste, cujo sentido é inverso (Des. 8). Alguns indícios vêm comprovar este sentido de execução: no painel A, a dimensão mais reduzida dos últimos hexágonos a Sul (cerca de 60 cm em vez de 71 cm) e no painel F, a correcção da composição a Este e o corte nos mesmos motivos operado a Oeste. A orla de remate que corre junto ao muro do impluvium foi realizada através de seis filetes brancos paralelos à bordadura, tendo seguido o mesmo procedimento na orla da abside. Na generalidade, a ordinatio das composições é correcta, tendo sido reduzidos ao máximo os motivos truncados. A última linha do painel F, a Oeste, junto ao painel E, vem contrariar a regularidade da execução. O trabalho foi inábil, particularmente grave numa área de grande exposição visual como é esta. Do ponto de vista da opção decorativa e da sua estratégia de aplicação, possuímos três grupos: o painel B, com uma composição simples que vale por si mesma; os painéis A e C, com estruturas em trança com elementos decorativos secundários variados, alguns comuns como é o caso dos quadrados entrelaçados com coxim ou o quadrílobo curvo onde reconhecemos mãos idênticas; os painéis D e E, com composições centradas. Globalmente, dominam os motivos geométricos ondulados, entrelaçados e cruzados cujo tratamento cromático relega para plano menor as linhas rectas. É o caso também do painel F cuja composição não é ainda identificável. A concha foi executada a partir de um traçado prévio de linhas em raio, a partir de um centro de que não restam vestígios, que se adivinham do correcto alinhamento das tesselas brancas, ao contrário das restantes, desalinhadas. A partir destas linhas, o artista preenchia as caneluras com filetes seguindo a linha de raio. O tratamento denticulado em dégradê cinzento recorda a linha em onda do painel F. Os quadrílobos curvos dos painéis A e C foram realizados pela mesma mão, particularmente expressiva nos pequenos quadrados côncavos que inseriu nos espaços residuais. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração Utilizada Relatório de escavações de 1998 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 8-10. Est. V, VI, VII, VIII. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 91 Bibliografia Inédito . Descrição Faixa branca (7 a 8,5 cm junto ao tanque, 5 cm junto ao muro oeste). Duplo filete preto; triplo filete branco; duplo filete preto de onde arrancam os braços de uma cruz suástica de volta simples traçada a duplo filete preto e tratada em meandro (18 cm de largura). Esta última é visível em toda a volta do tanque, no exterior dos cinco painéis e ainda na divisão entre eles, com excepção da união entre o painel B e C. Painel A Composição ortogonal de quadrados e hexágonos oblongos (cf. Le Décor, variante da est. 169 a), obtida através de octógonos secantes. Esquema desenhado através de trança de dois cordões em fundo preto (10 cm) (cf. Le Décor, est. 70 j). Os motivos de enchimento dos quadrados irregulares (42,5 x 38,5 cm, com quadrado menor de 36 x 32 cm) e dos hexágonos oblongos (70 x 21,5 cm) são heterogéneos, repetindo-se estes últimos nos quatro lados dos quadrado. Nos quadrados: moldura interna de filete simples preto com quadrílobo de ângulos rectos com quatro triângulos isósceles acantonados debruados a preto e preenchidos a ocre rosa claro; quadrílobo curvo castanho amarelado com quadrados de lados côncavos vermelhos alaranjados nos espaços residuais; coxim entrelaçado com quadrado, desenhados a filete preto e tratados a ocre rosa claro, cinzento claro e vermelho alaranjado; nós de Salomão com longos colchetes, entrelaçado com quadrado de cantos enlaçados, mas sem moldura quadrada; onda policroma com sinusóide preta trancada num quadrado a filete preto e quadrado policromo de lados direitos no centro; meandro fraccionado policromo com fracções imbricadas (cf. Le Décor, est. 32 e) com rectângulo policromo no interior. Nos hexágonos oblongos: losango delimitado a filete simples preto e preenchido com quatro fiadas policromas e enchimento ocre rosa claro; bordadura em onda policroma com sinusóide preta; par de linhas quebradas cruzadas, opostas, em filete policromo determinando losangos castanho amarelado claro ou quadrados de lados direitos em fundo branco e triângulos brancos (cf. Le Décor, est. 21 d); quadrílobo oblongo formando um oito; xadrez policromo; motivo ondiforme constituído por dois “uu” adossados. Painel B A Oeste, linha de quadrados denteados pretos com quatro tesselas de lado, não contíguos, mas ligados uns aos outros através de um filete vermelho acastanhado simples de três ou quatro tesselas (cf. Le Décor, variante da est. 5 a) inserida num rectângulo desenhado a filete duplo preto (2,13 x 0,17 m). Nos lados maiores do rectângulo foi adossado um outro filete de T não contíguos constituídos por quatro tesselas vermelhas (a uma distância irregular de sete a oito tesselas). Composição ortogonal de cruzes de dois fusos enlaçados, formando uma dupla composição de círculos secantes que determinam losangos côncavos (cf. Le Décor, est. 246 b). Cada fuso (73 cm de comprimento) é definido por um filete preto e constituído por ondas em oposição de cores com sinusóide preta (cf. Le Décor, est. 60 d). A reconstituição permite afirmar que o pavimento possuía 4 x 22 fiadas. Os losangos de lados côncavos que ocupam os intervalos são delimitados com um filete simples de tesselas pretas e preenchidos a cinzento claro. Junto à bordadura, os losangos tornam-se triângulos isósceles de lados côncavos. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 92 Painel C Composição ortogonal de estrelas de oito pontas formadas por dois quadrados de trança de dois cordões entrelaçados, tangentes por um vértice, deixando entrever uma composição de octógonos adjacentes (cf. Le Décor, est. 177 e). Os cantos externos das estrelas são decorados com losangos debruados a preto e tratamento policromático e os intervalos preenchidos por quadrados com decoração geométrica. No interior das estrelas foram desenhados octógonos com quadrados inseridos onde se alternam quadrílobos e nós formados por quatro colchetes fechados entrelaçados. Os quadrados apresentam um motivo geométrico formado por um quadrado de cantos enlaçados com um coxim entrelaçado. No centro deste motivo foi realizado um quadradinho de lados côncavos, vermelho acastanhado ou castanho amarelado, alternando com um quadrílobo. Um dos quadrílobos destaca-se pela sua execução mais cuidada, apresentando um enchimento ocre castanho nos espaços residuais angulares. Junto à bordadura, os quadrados tornam-se triângulos isósceles com meios nós de Salomão de igual tratamento cromático. Painel D1 Faixa branca (27 cm a Sul e 23 cm a Norte). Filete duplo preto. Linha formada por três quadrados flanqueados por dois rectângulos erguidos (cf. Le Décor, variante da est. 18 d). Cada rectângulo foi preenchido com uma pelta erguida, debruada a duplo filete preto, com enchimento ocre violeta e duas meias luas com o mesmo tratamento cromático foram colocadas entre o ápice e as extremidades. Nos cantos livres foram encaixados triângulos debruados a filete preto e preenchidos com tesselas ocre violeta e ocre castanho. No centro é um triângulo de lados côncavos debruado a filete preto com enchimento vermelho acastanhado e ocre violeta. Os quadrados adjacentes apresentam um quadrado sobre o vértice, desenhado a filete duplo preto, seguido de um segundo, a filete simples preto com um quadrílobo tratado a vermelho acastanhado e ocre violeta. Painel D2 Faixa branca (16 cm*) muito destruída, com tesselas de maiores dimensões. Filete duplo preto. Motivo em concha com vinte e cinco caneluras conservadas, rematadas com meio disco preto em jeito de cortina, preenchido a cinzento bronze e cinzento metálico. Cada canelura é formada por fiadas em gradação preto, cinzento bronze, cinzento metálico e branco, do centro para os lados. Na canelura central, onde incide directamente a luz, as sombras convergem para o centro. Algumas caneluras da metade esquerda da concha apresentam estrias em filete denticulado (branco e cinzento bronze). Painel E Bordadura em trança a Oeste. Composição mista, num círculo, de uma estrela de dois quadrados (aqui com cantos em laço), com entrelaçado de bandas policromas (6,5 cm de largura) debruadas a filete preto com quatro combinações cromáticas [castanho amarelado escuro/ocre castanho; ocre rosa escuro/terracota; cinzento bronze/cinzento metálico; ocre rosa escuro/cinzento bronze] (cf. Le Décor II, variante da est. 397d). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 93 Painel F Linhas cruzadas de ondas policromos denticuladas [vermelho acastanhado/ocre violeta/rosa/branco e cinzento metálico/cinzento claro/branco] com sinusóide preta (cf. Le Décor, variante da est. 60 d). Comentários A composição do painel A é conhecida em opus tessellatum desde os seus primórdios, em Pompeia, na Casa de M. Lucretius, na sua versão mais simplificada (Blake, 1930, p. 100, est. 29), registando-se até épocas tardias, nomeadamente nas províncias africanas, onde encontra grande aceitação. Ao longo dos séculos, o esquema foi tratado de maneiras diferentes, fazendo-se acompanhar dos mais variados motivos. É com base nas variantes do seu tratamento que se podem estabelecer cronologias mais ou menos próximas. A. Ovadiah atribui-lhe uma origem arquitectónica (1980, p. 137), que não podemos deixar de relacionar com a problemática exposta a propósito da composição de octógonos e quadrados (cf. n.0 15A). Em 1978, antes da publicação do Décor, Henri Lavagne procurou sistematizar os vários subtipos de esquemas de octógonos secantes num pequeno artigo muito interessante (Lavagne, 1978b). Assim, definiu um tipo A, quando a largura do quadrado apresenta o dobro da do hexágono; um tipo B, quando a largura do quadrado é idêntica à do hexágono e um tipo C, quando o lado do hexágono é o dobro do quadrado central (Lavagne, 1978b, p. 8). A cada um dos tipos definidos atribuiu um sentido cronológico: o tipo A é relativamente raro e os exemplos situam-se maioritariamente em época alta, não ultrapassando os meados do século III; o tipo B é muito mais frequente em época tardia, nomeadamente em mosaicos do Próximo Oriente e nos pavimentos de época bizantina e paleocristã; o tipo C é menos frequente do que o tipo B, atestando-se alguns exemplos no Baixo-Império (Lavagne, 1978b, p. 8-9). Pois é neste último tipo que podemos integrar o mosaico de Rio Maior. Os hexágonos predominam sobre os octógonos. No seu conjunto, são inéditos na Alemanha, Suiça e Inglaterra, com poucos exemplos documentados em França (cf. Lancha, 1977, n.0 162, fig. 87), mas são relativamente frequentes em Itália, a partir do Baixo-Império, tendo tido maior aceitação no Norte de África. Foi especialmente divulgado na Hispânia, sobretudo em épocas mais tardias, quer em ambientes privados, quer nos religiosos, como confirmaremos em seguida. A Meseta terá sido uma área de destaque, em pintura e mosaico, aplicando-se posteriormente à arte hispano visigoda e inclusivamente à moçárabe (Regueras Grande, 1991, p. 176). Cronologicamente, a maior incidência de exemplos situa-se entre o século II e o século IV, com testemunhos que alcançam o século VI (CMRP, I, p. 90). É sobretudo a partir do século II que começamos a registar os exemplos mais abundantes. Entre os primeiros contam-se dois pavimentos provenientes de Óstia: Casa dependente de Serapeum (Becatti, 1961, n.0 286, p. 149, est. XXXIX) e na Insula delle Pareti Gialle (Becatti, 1961, n.0 228, p. 124-125, est. XXXIX e LXVII). Pela mesma época conhecem-se muitos exemplos hispânicos tratados de forma muito depurada. O mosaico de Póvoa de Cós apresenta o esquema na sua versão mais simples, ocupando um pequeno painel rectangular (Moita, 1951, fig. 1; Borges, 1986, n.0 1, p. 4-12, foto 1-5, est. I-III). Abordaremos a questão da cronologia do mosaico a propósito de outro painel do mesmo mosaico (cf. n.0 9), pelo que apenas nos importa reforçar a datação aí proposta, ou seja, os finais do século II e princípios do século III. Com um desenho simples, a filete duplo, com quadrados preenchidos a cinzento e hexágonos a amarelo, conhecemos um exemplo proveniente da villa de Bobadilla, datado da primeira metade do século III (Rodríguez, 1988, n.0 3, p. 160-166, Figs. 3 e 4, est. V). O autor do estudo cita vários locais na costa mediterrânea como paralelos para Bobadilla: Río Verde, Sabinillas, Las Torres e Torrox (Rodríguez, 1988, p. 164), mas não os data, nem os comenta estilisticamente. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 94 Compete-nos apenas, no contexto em apreço, situar grosso modo o conjunto em fins do século II e princípios do século III, caracterizando-se pelo seu depuramento estético que contrasta com os seus congéneres do Baixo Império, quer em versões preto e branco, como é o caso de Torrox, quer em versões timidamente coloridas, como é o exemplo de Sabinillas, já da terceira centúria (Posac e Rodríguez, 1979, p. 131, est. I-1), com paralelo estilístico muito próximo em Uxama (CME, 6, n.0 52 G, p. 54, fig. 5). Na mesma faixa cronológica, conhecem-se outros pavimentos com o mesmo esquema em San Baudilio de Llobregat, Belbimbre, S. Pedro de Alcántara, Balaguer, Marbella, entre outros (Mondelo, 1984-85, p. 121-125). A introdução do esquema nas províncias do Norte de África fez-se de forma pouco exuberante, essencialmente através de composição de simples traçado a filete direito ou denteado, documentando-se os exemplos mais antigos na Maison du Triomphe de Neptune de Acholla (Gozlan, 1992, compartimento XXIII, p. 115-118, est. XXX-XXXI) e no corredor A das termas do tíase marinho no século II (Picard, 1968, p. 100-103, fig. 2). Num esquema desenhado a filete foram inseridos nos quadrados motivos geométricos e vegetalistas muito leves e nos hexágonos foram colocados tirsos, no primeiro, e nós de Salomão, no segundo. Conhecem-se vários exemplos em Utica desde a primeira metade do século II, na Casa H, numa versão simples traçada a filete, com quadrados preenchidos com nós de Salomão (CMT, I, 1, n.0 127, p. 110-111, est. XLIX), ao longo da segunda e terceira centúria (CMT, I, 1, n.0 45, p. 42-43, est. XVIII; n.0 101, p. 91-92, est. XLIII e XLIV; CMT, I, 2, n.0 224, p. 75-76, est. XLII), até à segunda metade do século IV (CMT, I, 1, n.0 88, p. 79-80, est. XXXVIII). Também em Thysdrus se conhece desde a primeira metade da segunda centúria (Foucher, 1960, p. 36, est. XIV; p. 45, est. XVII; Foucher, 1964, p. 8-9, est. VI) e em Thuburbo Majus, desde a segunda metade do século II e mormente na primeira metade da terceira centúria (CMT, II, 3, n.0 69D, 107A, 171, 135, 137 A e B 217A, 221, 304 e 326A). É a partir de finais da terceira centúria e princípios da quarta que a composição passa a realizar-se com trança. O exemplo mais próximo é o mosaico encontrado em 1983 na Calle Concordia, em Mérida, desenhado a trança de dois cordões com enchimentos geométricos ao estilo dos de Rio Maior (Álvarez Martínez, 1990, n.0 7, p. 53-57, est. 24-25). Datado do século IV, apresenta uma paleta de cores bastante reduzida e uma densidade de 97 tesselas por dm2. A gramática decorativa do pavimento emeritense, acerca da qual o autor não tece comentários, caracteriza-se por elementos geométricos e vegetalistas variados aplicados indiscriminadamente num caixilho de filete: os quadrados levam nós de Salomão, florões de pétalas fusiformes, cruzes, quadrados de lados côncavos e os hexágonos levam motivos vegetais formados por dois fusos, enchimento de linhas policromas paralelas, linhas quebradas policromas e secções de círculo adossados. O nosso pavimento distingue-se pela perda dos elementos decorativos vegetalistas e pela sobrecarga do esquema com molduras secundárias, quer nos quadrados, quer nos hexágonos, à base de ondas e meandro fraccionado policromos. Possivelmente, serão indícios de uma época ligeiramente mais tardia. Pela mesma altura, um dos quatro painéis do mosaico encontrado no oecus da villa de Casa de los Guardas em Tarazona de la Mancha apresentava também um traçado a trança de fio duplo, com uma paleta de seis cores (CME, 8, n.0 42, p. 59-60, fig. 18, est. 42 e 44). Com uma malha de tranças bastante mais densa do que a nossa, este mosaico caracteriza-se pela total ausência de motivos de enchimento que deixam apenas entrever pequenos quadrados e hexágonos brancos, o fundo suficiente para salientar a malha. Ao contrário de Rio Maior onde a bordadura em trança do tapete corre separadamente da grelha do campo, em Tarazona ela é parte integrante, acontecendo o mesmo no citado mosaico de Mérida. De meados do século IV conhecem-se vários paralelos. Destacamos a villa de Rielves, com quatro pavimentos contemporâneos onde o mesmo esquema foi tratado de formas diferentes: PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 95 na galeria ocidental B e no compartimento G, desenhado a filete preto (Fernández Castro, 1977-1978, p. 221-122, fig. 11 e 13); no compartimento F pertencente às termas, desenhado a trança de dois cordões (Fernández Castro, 1977-1978, p. 221, fig. 12), como em Rio Maior, ou ainda, desenhado a grinalda de loureiro no compartimento H (Fernández Castro, 1977-1978, p. 222, fig. 14). Os motivos de enchimento são repetidos: flores lanceoladas e nós de Salomão. A mesma oficina que realizou o pavimento G de Rielves trabalhou da mesma forma em Uxama onde encontramos um mosaico muito semelhante (CME, 6, n.0 52F, p. 54, fig. 5). Com a mesma cronologia, encontramos um outro exemplo na villa de Navatejera, singular no seu traçado a triplo filete bícromo (CME, 10, n.0 14, p. 29-30, fig. 10, est. 27). O mosaico do auriga da villa romana de El Val pode incluir-se neste grupo de paralelos, ainda que se trate de uma variante da composição na qual o quadrado é transformado num meandro de suástica, não só pelo tratamento do esquema em trança como pela concepção estética da decoração dos hexágonos (Rascón et al., 1993, p. 312-314, fig. 4-8; cf. XIV.1 a propósito da sua larga bordadura de peltas). Os enchimentos são de cariz vegetalista, figurado e geométrico, com um especial destaque para a sua diversidade estrutural. Datado de fins do século IIIprincípios do século IV (Rascón et al., 1993, p. 329), encontramos alguns motivos comuns nos hexágonos, nomeadamente os semicírculos adossados ou a malha de losangos policromos. O pavimento do compartimento Ia de Santervás del Burgo é também a incluir no grupo de paralelos hispânicos da composição traçada a trança, tratada aqui com decoração à base de folhas de hera, lótus e florões (CME, 6, n.0 34, p. 40, est. 13). O nosso pavimento abandonou os elementos vegetalistas e optou pelos elementos entrançados, deixou também os tradicionais nós de Salomão e quadrílobos de traçado redondo para os apresentar com ângulos rectos. A variante da composição estruturada à base de filete duplo preto com enchimentos de simples hexágonos policromos e um caixilho preto quadrado simples com quadradinho de lados direitos preto no centro é também bastante divulgada no círculo oficinal de Navarra/Castela Velha, na quarta centúria, nomeadamente num corredor da villa de Villafranca (Mesquíriz, 1971, n.0 3, p. 182, est. XIV; CME, 7, n.0 51, p. 77-79, fig. 12, est. 49 e 60) e num compartimento da villa de Los Quintanares, com uma cruzeta nos quadrados (CME, 6, n.0 9, p. 24-25, est. 6). Na Meseta espanhola individualiza-se outra fórmula estética documentada em dois pavimentos, constituída por hexágonos desenhados a filete denticulado e quadrados decorados com nós de Salomão ou elementos florais: La Sevillana (Aguilar Sáenz, 1994, n.0 2, p. 287, fig. 5) e Santervás del Burgo (CME, 6, n.0 39, p. 42, est. 15-16). Há ainda a registar o painel de Liédena (CME, 5, n.0 30, p. 51, fig. 5, est. 32). Especialmente adoptada para grandes espaços, sejam compartimentos, sejam corredores, é mais rara encontrá-la em absides como é o caso da villa de Las Tamujas, onde um traçado simples de triplo filete deixa espaços livres para uma decoração repetida de tabula ansata com cruz interna (CME, 5, n.0 35, p. 47-50, fig. 24). Os dois exemplos da composição conhecidos na villa de Pisões parecem corresponder a distintas fases cronológicas. O painel mais antigo, do pequeno átrio com impluvium, é uma sóbria composição bícroma, onde os quadrados se evidenciam pelas suas dimensões, decorados com peltas, quadrados de lados côncavos, nós de Salomão e quatro folhas (Costa, 1988, p. 102, fig. 4). A datação proposta por M. Costa é adequada às características estilísticas já conhecidas na Península Ibérica, mormente na área mediterrânea como vimos atrás, ou seja, o século II (1988, p. 120). O segundo pavimento da casa, tratado em policromia, pertence ao longo corredor com sentido Norte-Sul, em conjunto com um outro painel cujas semelhanças com o nosso n.0 15A teremos ocasião de esclarecer. Trata-se de um painel de estrutura simples, onde se evidenciam os hexágonos pelas suas dimensões, com uma decoração depurada à base de quadra- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 96 dos e hexágonos oblongos policromos denteados (Costa, 1988, painel A, p. 104-105, fig. 7), em nada próxima do nosso mosaico, mas que documenta a presença do esquema no século IV, contrariamente ao que pensa a autora do seu estudo que situa nos princípios do século III (cf. Costa, 1988, p. 121; cf. comentários pertinentes acerca da datação no n.0 15A). A propósito dos exemplos da Casa dos Repuxos, Bairrão Oleiro citava ainda um outro pavimento com idêntico esquema, em Conímbriga, no triclinium da Casa das Suásticas (CMRP, I, p. 90). Trata-se, de facto, de um painel geométrico em U, constituído por uma composição desenhada a filete triplo denteado com quadrados desenhados a filete duplo preto com suásticas, datado de fins do século III — princípios do século IV, data da construção da muralha que obrigou ao abandono da domus. Entre os exemplos mais tardios conta-se certamente o mosaico de Requejo, datado de fins do século IV a meados do século V (Regueras Grande, 1991b, p. 176, fig. 2). O mosaico gaulês de Migennes, datado do terceiro quartel do século V (Bassier et al., 1981, p. 143), constitui um exemplo particularmente interessante da tendência artística que se acentua a partir da quinta centúria, de cuja fase inicial o nosso pavimento pode ser expressão. Os pontos comuns situam-se no tratamento decorativo em linhas quebradas cruzadas, nos losangos inseridos em hexágonos oblongos, nos semicírculos adossados aos hexágonos, assim como na singularidade dos vários elementos tratados. Evidencia-se uma nítida vontade de quebrar com a ordem racional herdada dos modelos clássicos. As figuras embutidas perdem a proporção e a correspondência geométrica, as curvas tomam contam dos espaços rectilíneos e abandonam-se progressivamente os padrões decorativos tradicionais de larga divulgação, subvertidos em criações autónomas e originais24. O mosaico de Rio Maior situa-se precisamente nessa fase de transição. O mosaico de Souzy la Briche obedece à mesma tendência estética de Migennes (Blanchet, 1909, n.0 921, p. 51; Recueil, II, 3, p. 125, est. XCV-XCVII). Podemos afirmar que se trata de um verdadeiro catálogo de motivos, alguns deles em voga desde o século IV até à Idade Média, outros criações originais sem paralelos conhecidos. Com especial expressão artísticas nas regiões do Mediterrâneo oriental, o nó de longos colchetes entrelaçado com quadrado de cantos enlaçados é especialmente frequente nos mosaicos do Oriente (CMG, I, n.0 16, est. 13; Sansoni, 1998, p. 88). Os exemplos de nó de Salomão com colchetes rectos (cf. Sansoni, 1998, p. 29) são tardios, registando-se sobretudo a partir de finais do século III, com especial incidência no século IV. Foram um pequeno motivo de enchimento utilizado para preencher todo o tipo de figuras geométricas (quadrados, octógonos, losangos, círculos,...) mas também para colmatar espaços residuais nas composições, coexistindo com o tradicional nó de Salomão curvo. Quase todos os exemplos hispânicos datam do século IV: Almenara de Adaja, em dois pavimentos, ocupando respectivamente losangos e octógonos (CME, 11, n.0 12, p. 27-28, lám. 31 e n.0 14, p. 29, lám. 11); em Olivar del Centeno também em dois pavimentos, em octógonos no compartimento I e num quadrado do compartimento II (García-Hoz et al., 1991, p. 396, fig. 3 e 8; p. 399, fig. 4 respectivamente). Da primeira metade do século IV pode citar-se um mosaico da villa de Los Castillejos de Magán (Menéndez et al., 1985, p. 206-212, fig. 4). De meados da centúria data o pavimento do compartimento 10 de La Malena com nós nos espaços residuais da composição de círculos adjacentes (Royo Guillén, 1992, fig. 5), da sua segunda metade, o mosaico das cráteras da villa de Prado cuja bordadura possui este tipo de nós nos círculos (CME, 11, n.0 22, p. 53-56, lám. 20-21 e 39) e nos círculos da bordadura de outro pavimento da mesma villa (Torres Carro, 1988, n.0 4, est. III-1 e X-1). Os pares de linhas quebradas cruzadas não são inéditas em bordaduras, documentando-se em mosaicos de Liédena (CME, 7, n.0 26, p. 49-50, est. 30 e n.0 27, p. 50, est. 31), mas a sua versão miniaturizada como elemento de enchimento é mais rara, destacando-se a sua presença num dos hexágonos do supracitado mosaico de Migennes (Bassier et al., 1980, fig. 5). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 97 Quanto às ondas policromas que desenham os hexágonos oblongos, tratam-se de uma miniturização do motivo usado no painel B, cuja análise se segue. Conhecem-se bordaduras de ondas em quadrados de composições de superfície como aconteceu em Alcázar de San Juan no século IV (CME, 5, n.0 21, p. 27, fig. 17, est. 13 e 45) ou na villa de Las Tamujas (CME, 5, n.0 33, p. 47, fig. 22), muito provavelmente pelas mãos dos mesmos artesãos. Aplicada em bordaduras de círculos, documenta-se em Talavera de la Reina (CME, 5, n.0 31, p. 43-46, fig. 21, est. 35). Pelos exemplos em apreço, trata-se de uma opção corrente entre os mosaístas do vale do Tejo. A composição do painel B não é inédita no edifício de Rio Maior (cf. n.0 1A), apresentandose porém com algumas variantes no tratamento que poderão ligar-se a um círculo artístico ligeiramente mais tardio. As cruzes são de menores dimensões, mais fechadas, formando um elemento que mais se aproxima ao nó de Salomão fuselado. O espaço residual dos braços das cruzes desapareceu e o centro reduziu-se. Assistimos, pois, a uma nova concepção estética, marcada ainda pelo tratamento da moldura, aqui em onda. A paleta aclarou-se para tons pastel. Estilisticamente, parece enquadrar-se numa corrente em voga no Próximo Oriente em épocas tardias. É muito comum nos pavimentos sírios e palestinos, documentando-se também nos Cárpatos, na Basílica de Santo Anastácio, e ainda na Grécia (Blázquez Martínez et al., 1995-97, p. 88). A sua evolução analisou-se a propósito no mosaico n.0 1A, sendo no entanto pertinente citar o pavimento da villa de Silin, datado dos séculos II-III, pelo pioneirismo do seu estilo. O esquema enquadra o painel de Licurgo e caracteriza-se por uma composição ortogonal de pequenos nós de Salomão fuselados totalmente brancos que se destacam num fundo vermelho (Al Mahjub, 1983, p. 73, est. XXIVa, 1984, p. 302-303, fig. 9). Este pavimento líbio poderá ter sido um dos primeiros a apresentar a composição. No primeiro quartel do século IV, documentam-se dois mosaicos expostos no Museu de Damasco e provenientes de Shahba-Philippópolis: mosaico de Euteknia, Dikaiosine e Filosofia e o mosaico de Dionísio (Blázquez Martínez, 1993a, p. 571, 573-574). Como acontece em tantos outros casos, a origem do motivo em onda e sucessivo desenvolvimento parecem ainda pouco claros. A hipótese de Ovadiah que a considera derivada dos têxteis (1980, B1, p. 109) carece de comprovação séria, ao contrário da derivação das cintas onduladas dos modelos pictóricos helenísticos, que tem provado ser mais consentânea (Fernández-Galiano, 1984, p. 131). O efeito plástico em relevo, obtido através de efeitos cromáticos variados, ter-se-á mantido nos modelos pictóricos musivos romanos, tendo daí derivado o nosso exemplar, depurado e sem profundidade. O efeito que produz e a sua ordinatio é indissociável do motivo linear em cálices alternadamente opostos (cf. n.0 3C). Assim, numa fase inicial, a adopção do motivo em onda por parte dos mosaístas romanos itálicos submeteu-se às restrições impostas pela bicromia, convertendo-se num tema puramente geométrico, despido dos belos efeitos ondulantes que a plasticidade pictórica policromática lhe conferia. Conhecem-se exemplares deste tipo em Roma desde os Antoninos, nomeadamente em Santa Trinitá de Pellegrini (Blake, 1930, p. 170, est. 39.3; Germain, 1971, p. 157-158, fig. 3; Le Décor, est. 60a) e, no século III, ainda se continuava a executar em bicromia como comprova o edifício perto da basílica de Junius Bassus, no Esquilino (Blake, 1936, p. 88, est. 15, 1-4). A partir do século II, esta versão itálica muito simples expande-se para a Panónia, onde a conhecemos no Palácio do Governador de Aquincum (Kiss, 1973, fig. 5) e para a Hispânia, nomeadamente em Mérida, quer na Casa del Mitreo, emoldurando uma malha de hexágonos (CME, 1, p. 38-39, n.0 18, lám. 40), quer em Huerta de Otero, num dos rectângulos da composição datada de fins do século II, princípios do século III (CME, 1, p. 49, n.0 57, fig. 10, lám. 88b). Por esta altura, outras regiões a adoptavam na versão policromática. Um dos primeiros exemplos africanos com o motivo, usado em bordadura no medalhão central, com sinusóide branca, é o um pavimento de Thysdrus, datado da época de Adriano (Poinssot, 1965, p. 228, fig. 24). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 98 No século II-III, executa-se em pavimentos de Cartago (Ben Osman, 1981, n.0 184, p. 421-422). As oficinas vienenses também foram pioneiras na realização do motivo, em molduras. É o caso do medalhão com cabeça de Oceano da Rue des Colonnes, datado da segunda metade do século II (Recueil, III, 2, n.0 277, p. 83-84, est. XXIXb, c e XXX). Pela temática do mosaico, não é de afastar a possibilidade de contactos com as províncias africanas. Em fins do século II, encontramolo no medalhão de Orfeu do Champs de Mars, numa versão cromática mais ousada (Recueil, III, 2, n.0 282, p. 89-93, est. XXXIVa e b – XXXVII). Em fins do século II-princípios do século III e encontramos em Nea Paphos uma bordadura policromática, simples, no mosaico do Pavão da Casa de Dionisio (Michaelides, 1992, n.0 9, p. 25-26). Na Itália mantinha-se ainda o modelo tradicional testemunhado na bordadura da composição da Domus Fulminata de Óstia, datada da primeira metade da terceira centúria (Becatti, 1961, n.0 205-206, p. 108-109, lám. XXXVII-XXXVIII). Podemos seguir o percurso deste modelo até época tardia em Mérida. Além dos exemplos supracitados, conhecem-se três mosaicos de proveniências diferentes: do século III, uma bordadura de um painel geométrico, em preto e vermelho, depositado na Alcazaba (CME, 1, n.0 8, p. 30, lám. 41); de finais dessa centúria a princípios da seguinte, data o mosaico dos peixes da Casa del Anfiteatro, cujas estrelas de oito pontas possuem medalhões com moldura a preto e branco em oposição (CME, 1, n.0 31, p. 60-61, est. 57 e 92) e da quarta centúria uma bordadura de um mosaico figurado, proveniente da Avenida de Extremadura, tratado a cinzento-escuro e branco (Alvarez Martínez, 1990, n.0 16, p. 93-98, fig. 9, est. 46-47). A diversidade das oficinas que trabalharam em Mérida, locais ou estrangeiras, reflectem as mais variadas influências por vezes dificilmente identificáveis. Ao peso da moda, há que acrescentar o gosto e as possibilidades económicas do encomendante que ditarão certamente uma tendência estética mais clássica ou mais barroca, no sentido mais genérico dos termos. Com efeito, o mosaico proveniente da Calle Holguín e exposto no Museo de Arte Romano, datado de meados do século IV, apresenta características que apontam para a dita tendência barroca, se nos é permitida a expressão neste contexto, de marcada influência africana. Trata-se da bordadura do painel com uma quadriga, tratada em tons dégradê castanho e verde em oposição, com uma sinusóide branca, cuja linearidade geométrica procurou ser quebrada através da realização de dentículos na transição do dégradê e através da introdução de pequenas flores-de-lis na base das ondas em ambos lados (Álvarez Martínez, 1990, n.0 44, fragmento 1, p. 79-91), contrastando com as produções clássicas existentes na cidade. É possível que este mosaico tenha sido realizado por uma oficina estrangeira, quiçá oriunda das províncias meridionais, uma vez que este tipo de tratamento aí teve a sua origem. De facto, bastante rara nas regiões setentrionais, a linha de ondas divulgou-se nas províncias africanas e orientais, que enriqueceram o modelo itálico com tesselas de cores e pequenos elementos geométricos e vegetais. É deste contexto que deriva o nosso exemplar, de desenho simples e belo efeito cromático. A partir da primeira metade do século III aumentam os primeiros paralelos africanos. Aí se inclui a soleira do oecus sobre o pórtico da Maison des Lutteurs de Utica, emoldurando um painel com um atleta, com uma sinusóide preta (CMT, I, 3, n.0 246, p. 2, est. II), os mosaicos de Ulisses na Maison de Dionysos et d’Ulysses de Dougga (Poinssot, 1983, p. 46-47; Yacoub, 1993, p. 183-184, fig. 160-161; Blanchard-Lemée et al., 1995, p. 119, fig. 74; p. 140, fig. 98; p. 244-245, fig. 185) e o mosaico em T com duas cráteras proveniente de Oudna, também exposto no Museu do Bardo (Yacoub, 1993, p. 261-262, fig. 191). No limiar da centúria, continua a ser executado em Cartago (Ben Osman, 1981, n.0 64, p. 209 e n.0 78, p. 232-233). Os exemplos mais próximos do nosso mosaico situam-se nos fins do século IV, no Norte de África, com particular destaque para Bulla Regia e Cartago. Os cinco mosaicos conhecidos em Bulla Regia formam um grupo homogéneo de ondas policromáticas (salienta-se o uso do vermelho e amarelo e em menor grau do castanho e verde) com sinusóide branca: na Insula da Casa PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 99 n.0 1 — Casa Sul, em quatro mosaicos, quer como bordadura do campo, quer como moldura de elementos geométricos (Hanoune, 1980, n.0 3, p. 9, fig. 17; n.0 11, p. 13, fig. 44; n.0 13, p. 13-14, fig. 50; n.0 15, p. 10, fig. 24) e painel frente ao triclinium da Casa n.0 3 (Hanoune, 1980, n.0 10, p. 40, fig. 87-88). Em Cartago, encontra-se num fragmento de mosaico proveniente das Termas de Antonino e no vestíbulo da Maison d’Ariane, com uma sinusóide preta (Ben Osman, 1981, n.0 43, p. 114). As oficinas da cidade revelaram uma certa predilecção pela linha de ondas até épocas tardias, pois ainda a encontramos na primeira metade do século V na basílica de Dermech (CMT, IV, 1, n.0 138, p. 121-122, est. XLVI). Este tipo de onda adaptou-se não só aos espaços domésticos, mas serviu também de moldura a algumas tampas sepulcrais cristãs africanas. Dois casos são conhecidos em Puput, no epitáfio de Donata, numa variante com dentículos horizontais (Le Décor, est. 60 f) e no de Primianus e sua filha Restituta (Ben Khader e Duval, 1997, n.0 5, fig. 5 e n.0 14, fig. 15, respectivamente), mas não são únicos pois há ainda a registar os epitáfios de Demna e Furno Munus, no Museu do Bardo, e um exemplo em Lempta (Ben Khader e Duval, 1997, fig. 22c), 25a) e 25d) respectivamente). São relativamente escassos os exemplos deste motivo no território actualmente português. As características estilísticas do modelo da villa de Rabaçal são singulares: de um lado e de outro de uma sinusóide preta, em fundo branco, a onda foi preenchida a metade com cores vivas (vermelho, laranja, ocre e amarelo) e no restante espaço foram colocadas duas folhinhas fusiformes em tons cinza (Pessoa, 1998, lám. 10 e 13). O único paralelo que encontrámos para esta variante é uma pintura da Aula/Basílica de Tróia, datada de fins do século IV, onde a moldura de uma composição de octógonos e quadrados adjacentes foi realizada de forma semelhante à do Rabaçal, ainda que mais geométricas (Maciel, 1995, p. 119). Numa das absides da villa de Monte do Meio, datada do Baixo-Império, A. Viana registou um mosaico com uma bordadura de ondas policromas (Viana, 1954, p. 15-16, est. IV, 35) e num fragmento da villa de S. Pedro de Caldelas podemos ver uma onda branco/ocre ou branco/verde, com sinusóide preta (Batata, 1997, p. 178). A sua variante com dentículos, aplicada no painel F, não documentada pelo Décor, implanta-se fortemente a partir do século IV nas províncias ocidentais, com uma especial incidência na segunda metade na província da Aquitânia. Para Norte, a sua presença é rara, apenas com um exemplo em Treveris, na primeira metade do século IV (Parlasca, 1959, p. 54, est. 52, 2-3; Hoffmann et al., 1999, n.0 169, p. 174, est. 105) e nenhum na Britânia (cf. Neal, 1981), por exemplo. A origem remonta a Adriano, como documenta a Maison des Laberii de Oudna (Dunbabin, 1978, p. 60-61, est. XIX 44), divulgando-se com os Antoninos (cf. Guislanzoni, 1962, p. 62-65, 91-92, fig. 19). Tendo em conta a evolução geográfica e cronológica apresentada para a linha de ondas simples, talvez possamos considerá-la derivação, tendo os mosaístas procurado imprimir um certo efeito de profundidade ao modelo inicial. Esta variante parece implantar-se mais tardiamente, não anulando o seu modelo, e é também nas províncias africanas que encontramos os melhores exemplos. Encontra-se nas Termas de Djebel Oust, na bordaduras dos medalhões circulares, atribuídos ao primeiro quartel do século IV (Fendri, 1965, p. 163, fig. 5) e na bordadura de octógonos de lados côncavos, de meados da mesma centúria (Fendri, 1965, fig. 6) e ainda nos semicírculos da linha de remate da composição do corredor 28b, datado do segundo quartel do século IV (Fendri, 1965, p. 167, fig. 13). A propósito destes pavimentos, o autor procurou estabelecer uma evolução cronológica do motivo em onda (Fendri, 1965, p. 169, fig. 17). É difícil sustentar uma evolução tão nítida quanto aquela que ele nos apresenta e que, em suma, parte da linha de ondas denticuladas para a sua progressiva decomposição, manifestada pelo desaparecimento dos dentículos e inclusão de cálices. Ora, se esta evolução aconteceu em Djebel Oust, é difícil transpô-la para outros locais com alguma segurança. Em Rio Maior, coexistem os dois tipos de A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 100 tratamento da linha de ondas e a linha de cálices, sendo talvez esta última mais antiga. Merece ainda destaque a sua presença na Maison de la Chasse, em Utica, na segunda metade do século IV (CMT, I, 1, n.0 87, p. 78-79, est. XXXI-XXXIV). Em Cartago, onde vimos a predilecção por linhas de ondas simples, também se executaram com dentículos na Maison du Triconque, na primeira metade do século V, com sinusóide branca em fundo preto (CMT, IV, 1, n.0 95, p. 67-68, est. XXXII), assim como na Maison du Péristyle de Puput (Ben Abed, 1982, p. 61, est. XLII). Tendo em conta as afinidades artísticas entre a Sicília e o Norte de África (cf. Wilson, 1982), não se estranha a sua presença na villa de Piazza Armerina durante a época constantiniana (Carandini et al., 1982, n.0 55, p. 191-192, fig. 102, est. XXVI, 55). As produções aquitanas representam uma referência de realce. São quatro os exemplos na villa de Saint Sever, em bordadura de campo ou moldura de elementos geométricos (Recueil, IV, 2, n.0 208 c), p. 75-78, lám. XXVI, XXXa, XXXII; n.0 209 a), p. 79-81, p. XXX, XXXI, XXXIII, XXXIV; n.0 216, p. 92-94 e n.0 218 b, p. 95-97, lám. LI-LIII, este último datado do século V). Na villa de Géou são dois os exemplos, datados de 350 (Recueil, IV, 2, n.0 245 b, p. 121-122, lám. LXXII e LXXIII e n.0 247, p. 123-124, p. LXXIV e LXXV). Na villa de Séviac são conhecidos outros dois mosaicos com ondas (Recueil, IV, 2, n.0 285 a, p. 153-155, lám. XCII — XCIV e n.0 286 c, p. 157-160, p. XCII a, XCIX e CXXW) e, finalmente, em Gée-Riviêre (Recueil, IV, 2, n.0 260, p. 139-140, não ilustrado). Datados de meados do século IV, dois painéis do mosaico do frigidarium de Aquileia apresentam este tipo de linha de ondas: na moldura do quadro com uma taça com ramo de palma do painel oeste e na moldura de um quadro com atleta no painel meridional (Lopreato, 1994, est. XLIV-2, p. 92-93 e est. XLIX-1, p. 96). No mesmo mosaico, no seu painel setentrional, encontramos outro tipo de onda, mais próxima da fita naturalista (Lopreato, 1994, est. XLVII) que demonstra a coexistência dos vários modelos, contrariando a ideia da evolução para formas simples e sem movimento. Das várias composições a que as estrelas de dois quadrados entrelaçados podem dar origem (cf. Le Décor, est. 177 d) a 178 c), cabe-nos comentar um esquema em particular, constituído por estrelas tangentes por um vértice deixando entrever uma composição de octógonos e quadrados adjacentes (Le Décor, est. 177 e). Não se trata do esquema de estrelas mais conhecido no vasto Império Romano, ao contrário do Décor, est. 178 b, com estrelas tangentes por dois vértices, cujos exemplos são numerosos25, mas de um tipo bem definido e delimitado geográfica e cronologicamente. De facto, encontrámos paralelos próximos em círculos regionais bastante restritos da províncias da África (Cartago, na Proconsular; Icosium/Djemila, na Mauritania Cesariana), na Sicília (Agrigento/Piazza Armerina) e na Hispania (Saragoça/Rio Maior), não se registando noutras províncias do Império. A origem da composição remonta ao século I em Aquileia onde estrelas e quadrados são decorados com leves florões (Blake, 1930, p. 134, est. 31), mas é nos século II e III que encontra alguma adesão por parte das oficinas ocidentais, ainda que se tratem de variantes. Temos em mente o mosaico com figuras báquicas do Museo Arqueológico Provincial de Sevilha, cuja particularidade reside no traçado do esquema octogonal, em trança, assim como na sobreposição dos dois quadrados que formam a estrela (CME, 2, n.0 3, p. 27-28, est. 11-13). A datação proposta para a segunda metade do século II, princípios do século III (CME, 2, p. 27-28), antecipa-o ao mosaico dionisíaco de Colónia, datado de 220 (Parlasca, 1959, p. 78, est. LXVI), com grandes afinidades estilísticas. Este parece ser o gosto dominante para tratar esta composição nas regiões setentrionais do Império, como foi também o caso da Corinian Saltire School que laborou em Londinium e Kenchester no século IV (Smith, 1984, p. 363, 368-369), bem como a oficina que executou o mosaico das Estações da villa de Bignor, por volta de 300 (Johnson, 1984, p. 407-408, est. 5-6). Esta variante particular, não registada no Décor, filia-se directamente na oficina que produziu o mosaico de Colónia. Porém, é nas oficinas africanas que encontramos o modelo mais próximo para Rio Maior. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 101 De Icosium, conhece-se um desenho completo de um mosaico do qual restam apenas fragmentos no Musée des Antiquités et d’Art Musulman cujas estrelas estão decoradas com medalhões de cortina e o interior com quadrado com um pequeno elemento geométrico (Le Glay, 1968, fig. 30). Datado de finais do século III, princípios do IV (Le Glay, 1968, p. 45), a variante reencontra-se na Casa Casa della Gazzela em Agrigento na Sicília (Boeselager, 1983, p. 135-136, est. XLIV), com os mesmos medalhões em cortina. A composição siciliana individualiza-se, não só pela sobrecarga de molduras trança nos quadrados, linhas denteadas nos losangos, como pelo tipo de florões que apresenta. Em princípios do século III, já se conhece em Thuburbo Majus, na Maison des Palmes, com estrelas de oito losangos em vez dos quadrados sobre o vértice, mas com grandes semelhanças ao nível da cortina que preenche o interior da estrela (CMT, II, 1, n.0 95, p. 122, fig. 6, est. XLVI). Em Piazza Armerina reencontramos o esquema numa composição caracterizada por variados motivos de enchimento nos medalhões octogonais definidos pelas estrelas (Carandini et al., 1982, n.0 47, est. XX) cujo modelo próximo de Agrigento não lhe foi alheio. Datado da época constantiniana, vem reforçar a circunscrição regional onde se movimentou este esquema. O medalhão circular em onda com um pequeno elemento floral interno não é novidade na época, pois identificámo-lo em princípios do século III numa estrela de dois quadrados entrelaçados em Thuburbo Majus, na Maison du Cratère (CMT, II, 1, n.0 53, p. 67-68, est. XXVII). Com base nalguns dos pequenos motivos de enchimento, tais como a bordadura do pavimento em cálices de lótus, a roda dupla em dentes de serra, o nó de Salomão afuselado, o quadrado com coxim entrelaçado e o florão quadrilobado composto, R. Hanoune propõe os meados do século IV para situar o pavimento da Maison de la Course de Char de Cartago (1969, p. 234). Poderia ainda ter mencionado o tratamento dos losangos dos espaços residuais formados a partir de quatro paralelogramos que reforçam a cronologia proposta. O carácter vegetalista mais acentuado liga-o de forma inconfundível às escolas africanas. Em Rio Maior, os florões desaparecem para dar lugar a figuras geométricas entrelaçadas, mais tardias, das quais o nó de colchetes procura dar uma longínqua reminiscência. Encontraremos o mesmo tipo de tratamento nos losangos e nos quadrados no mosaico da basílica Norte de Djemila (Gui et al., 1992, n.0 27-1, p. 94-96, est. LXVII). Da fusão destas duas correntes artísticas terá nascido o mosaico do Oratório Fondo Cal de Aquileia, datado do século IV (Brusin e Zovatto, 1957, p. 211-225, fig. 92 e 92a). Por um lado, apresenta um esquema com quadrados direitos entre as estrelas, ao gosto das oficinas germano-britânicas e, por outro lado, acusa tendências meridionais na combinação de quadrados em trança com quadrados em ondas nas estrelas. Aproxima-se de Rio Maior pelos elementos decorativos de enchimento: o nó de quatro colchetes e os quadrados entrelaçados com coxim. A decoração em linhas quebradas também não é estranha em Rio Maior (cf. n.0 6), nem os florões de lis (cf. n.0 2A, 10, 15A). A gramática figurativa atesta a função religiosa do espaço. É uma decoração muito semelhante que orna o interior das estrelas do esquema de Artieda de Aragón (Osset, 1965, p. 99-106, fig. 1-15; Fernández-Galiano, 1987, n.0 20, p. 30-32, est. XI-XII), associando afinidades estilísticas com o círculo artístico cartaginês nos medalhões circulares em cabo e no tratamento dos losangos. Os três motivos decorativos secundários que preenchem os espaços residuais da composição — o quadrílobo, o quadrado com coxim entrelaçado e o nó de colchetes entrelaçados — constituem elementos essenciais susceptíveis de aferir a datação de um esquema com um largo período de vigência. Acerca do quadrílobo já tecemos alguns comentários a propósito da sua presença no mosaico n.0 3A. Recordamos a sua emergência a partir do século IV, com numerosos exemplos registados na Hispânia. Do ponto de vista estilístico, há diferenças notórias entre estes dois qua- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 102 drílobos de Rio Maior, não só ao nível do tratamento cromático como também na qualidade de execução, mais desajeitada no mosaico do peristilo. É evidente que estamos perante dois mosaístas diferentes e certamente duas oficinas distintas. Quanto ao coxim entrelaçado com quadrado, já tivemos também oportunidade de o analisar a propósito do mosaico n.0 5, na sua variante com quadrado direito. Aqui, os cantos enlaçados do quadrado fazem recordar os múltiplos exemplos conhecidos nas províncias orientais do Império desde o século IV. É o caso de Constantinopla onde nos surge num pavimento datado de fins do século IV e princípios do século V (Salies, 1994, est. CIV). O nó de colchetes entrelaçados formando uma roseta geométrica, a que os italianos chamam girandola e os franceses noeud d’entrelacs, não se documenta antes do século III na sua variante com três colchetes entrelaçados: em Sousse, numa soleira da Maison des Masques de época severiana (Foucher, 1965, p. 11-12, fig. 12), em Saint-Romain-en-Gal na faixa de alongamento do mosaico com Baco, com uma composição em favo de hexágonos, datado do primeiro quartel do século III (Baratte, 1978, p. 23-24, fig. 12; Recueil, III, 2, n.0 367, p. 204-208, est. CVCVII) e num ninfeu em Nora, datado da primeira metade do século III (Angiolillo, 1981, n.0 9, p. 17-18, est. XXI). Poderíamos ainda integrar neste grupo um mosaico de Thaenae, pertencente às Thermes des Mois, onde o motivo surge nos círculos da composição (Jeddi, 1990, n.0 2, p. 225242, est. LIVb). A sua origem situa-se certamente nesta área ocidental do Império. É porém na transição para o século IV que surgem os paralelos mais próximos com quatro colchetes. Na villa itálica de Desenzano encontrá-los-emos em três pavimentos — na sala octogonal A, no painel setentrional da ala oriental do espaço C e na abside oriental do compartimento G (Guislanzoni, 1962, p. 53, p. 55-59, fig. 10; p. 66-69, fig. 14, est. II; p. 119-120, est. XV, respectivamente). Nas províncias africanas são também muito numerosos os exemplos. Assim, nos princípios da quarta centúria encontramo-los, por exemplo, em Nabeul numa composição em nó de Hércules da Maison des Nymphes, datado de época posterior a 316/317 (Darmon, 1980, n.0 10, p. 45-54, est. XIII-XIV1). Em Oudna, na Maison d’Ikarios (também conhecida como dos Laberii), está inscrito num losango da soleira do compartimento 27 (Ben Mansour, 1996, p. 121). Na Hispania, os exemplos datam da segunda metade do século IV: na villa de Algorós, no painel superior esquerdo do seu compartimento F e no seu impluvium (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8 e n.0 9, p. 135-140, fig. 11, respectivamente); em Puente de la Olmilla, nas bordaduras compartimentos 1 e 2 (Puig e Montanya, 1975, p. 134-135, fig. 2 e 3, respectivamente; CME, 5, n.0 23, p. 28-29, est. 19 e n.0 24, p. 29-30, fig. 20, est. 14-15, 45) nos quadrados das composições do corredor n.0 11 e da ala do peristilo n.0 10 (García Bueno, 1994, p. 99-102, fig. 3 e p. 102-104, fig. 426); nos fragmentos de um mosaico de Los Ciprestes (CME, 4, n.0 85, p. 78-79, fig. 25, est. 37; Ramallo Asensio, 1985, n.0 108, p. 128-132, est. LXXI27); num fragmento de Castilleja del Campo (CME, 4, n.0 27, p. 37, fig. 4). É também conhecido entre as oficinas aquitanas da Antiguidade tardia, podendo citar-se Valentine em finais do século IV (Recueil, IV, 1, n.0 54, p. 63-66, est. XV), a villa de Saint-Sever, datada do século V (Recueil, IV, 2, n.0 220C, p. 100-101, est. LVII a LIX) e o mosaico encontrado na rua Pas-Saint-Georges em Bordéus (Balmelle, 1990, est. 2, 1996, fig. 14a). O seu uso perdura até épocas bastante tardias, nomeadamente no Norte de África, pois encontramo-lo nas termas de Djebel Oust no centro de um quadrado em fundo branco, na segunda metade do século VI (Fendri, 1965, p. 167, est. 14). A sua presença é também conhecida no painel geométrico do mosaico de Martim Gil (Borges, 1986, vol. I, fig. 7, p. 171, vol. II, est. 11). A concha que decora a abside colocada no topo da ala norte do peristilo parece-nos uma tentativa, grosseira, de imitar a grande abside (n.0 2B). De facto, tendo perdido todo o seu naturalismo, transformou-se num execução profundamente geométrica, com raios sem volume, nem PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 103 cromatismo, aproximando-se de exemplares como o de Timgad, do frigidarium a Norte do Capitólio (Germain, 1969, n.0 173 e 174, p. 115-116, est. II e LVIII) pela fraca execução técnica, com destaque para a semelhança na realização de caneluras em dentículos. Quanto ao mosaico da soleira, filia-se num esquema documentado na Itália desde a primeira metade do século II e conhecido também em África durante o século III, aplicados com as mesmas funções arquitectónicas: em Óstia, na Insule delle Muse, em 130 d.C. (Becatti, 1961, n.0 255, p. 130, est. XXX) e na Domus Accanto Serapeo, de 127 d.C. (Becatti, 1961, n.0 283, p. 144-149, est. CIII-CIV, CCXII-CCXIII); em Utica, na Maison de la Cascade, na última metade do século II, princípios do século III (CMT, I, 1, n.0 50B, p. 46, est. XXII) e na Maison d’Ulysses, em meados do século III (CMT, I, 3, n.0 254, p. 5-6, est. III). Conhece-se na terceira centúria em St.0 André de Almoçageme, numa variante onde o losango é substituído por um quadrado sobre o vértice, colocada na banda divisória entre os corredores A e B (Pinto, 1997, n.0 19.1, p. 94-98, est. XXIV). Os quadrílobos já foram analisados a propósito do mosaico n.0 3A e do painel A deste número. O painel E consiste na única composição centrada conhecida até ao momento em Rio Maior. As suas características estilísticas apontam para uma corrente estética tardia, muito frequente na área oriental do Império, como teremos já ocasião de demonstrar. Chamando-lhes nodeus gratuits ou knots for nothing, P. Doncel-Voute (1993, p. 218) caracteriza na perfeição este estilo decorativo onde se recorre profusamente aos cabos entrelaçados. As composições centradas constituídas por cabos enlaçados e entrelaçados encontram-se com muita frequência entre os século V e VII nos edifícios de culto, com especial incidência da região do Mediterrâneo oriental. Vejam-se, por exemplo, os vários exemplos de composições entrelaçadas registadas pelo Décor que se referem, na sua maioria, às regiões da Turquia, Israel, Síria, Líbano e Grécia (cf. Le Décor, est. 148-149; Le Décor II, est. 396-402) ou a basílicas cristãs no caso do Ocidente (cf. Le Décor, est. 235, 244 d, e, f e 246 f). A Igreja da Virgem de Madaba, na Betânia, data do século VII, é particularmente interessante pela proximidade estilística com o nosso exemplar (Doncel-Voute, 1993, p. 215, fig. 8; Sansoni, 1998, p. 87). Do século V-VI datam outros paralelos próximos, provenientes da Basílica da Madonna del Piano, em Pergola (Sansoni, 1998, p. 77). Na Hispânia conhecem-se alguns mosaicos interessantes, embora constituam essencialmente variantes do nosso exemplar, datados grosso modo entre finais do século IV-princípios do século V. É o caso do painel de La Malena, datado de época pós-constantiniana (Royo Guillén, 1992, fig. 7). Aqui, uma estrela de dois quadrados entrelaçados desenhados a grinalda de loureiro entrelaça-se, por sua vez, com oito círculos desenhados a trança formando um espaço central infelizmente destruído. O recurso aos nós ainda é muito tímido. É provável que estejamos perante uma “fase de transição”, como aliás parece acontecer num dos mosaicos da villa de Rabaçal (cf. Pessoa, 1998, fig. 14), marcada pelo recurso a figuras geométricas entrelaçadas cada vez mais complexas, ainda sem recurso aos nós. A villa de Los Quintanares, datada do século IV, documenta melhor este estilo decorativo, particularmente expressivo nas folhagens estilizadas entrelaçadas que decoram os ângulos do grande medalhão (CME, 6, n.0 29, p. 34-35, est. 9 e 35). São também paralelos gregos e palestinianos que lhe servem de elementos de comparação. No mosaico de San Martín de Losa, datado de finais do século IV a princípios do século V, a tendência afirma-se sem complexos (Abásolo Alvarez, 1983, fig. 14). Cordões em trança entrelaçam-se em torno de um quadrado. O mosaico de Dulcitius de El Ramalete data da mesma época e D. Fernández-Galiano atribui-lhe paralelos itálicos da segunda metade do século V, nomeadamente no Palácio de Teodorico em Ravena, e do século VI, na Igreja de St.a Maria delle Grazie em Grado (1984, p. 427). J. Balty situa nos prin- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 104 cípios do século V a afirmação das composições entrelaçadas no Próximo Oriente, citando os casos de Hama, Misis ou Belém (1995, p. 94-95). Ainda assim, não em todas as regiões pois em Antioquia, são raras (Balty, 1995 p. 96). Datados do século V, há ainda a registar o grande medalhão de Baños de Valdearados (Fernández-Galiano, 1984, p. 423-424; CME, XII, n.0 3, p. 18-19, fig. 3) e o de Almunia de Doña Godina com modelos nas basílicas gregas e palestinianas (Fernández-Galiano, 1984, p. 424). A dispersão geográfica dos exemplos citados, ainda que redutora face ao que pode existir na realidade, parece circunscrever-se a uma área específica. Note-se a ausência de exemplos no Sul da Lusitânia ou na Costa mediterrânea, áreas tradicionais de penetração das correntes artísticas Norte-africanas, inclusive a arte do opus tessellatum. São, porém, conhecidos nessa área outros mosaicos cujas influências orientais parecem indiscutíveis. É o caso de um conjunto significativo de mosaicos da Ilhas Baleares (Blázquez Martínez, 1998, p. 169, fig. 1A, B, C), assim como os da Basílica de Elche (Blázquez Martínez, 1998, fig. 3). Em suma, não parece existir um programa decorativo coerente no que se refere às tendências estéticas identificadas. Se, na sua maioria, acusam influências de origem oriental, especialmente acentuadas no painel E, não podemos ignorar a forte e indiscutível presença de um cartão africano no painel C. Esta situação não é invulgar, nesta época, nos mosaicos hispânicos executados por oficinas locais que recebiam os seus modelos de vários locais do Império, adaptando-os, muitas vezes, ao gosto regional. Perante tal amálgama, é difícil individualizar um estilo. Os dados arqueológicos não são esclarecedores. Alguns fragmentos de estatuária, frisos decorados, tesselas em vidro, três fragmentos de inscrição do século I (fig. 5) e um fragmento de prato de terra sigillata tardia regional, constituem os materiais mais significativos encontrados nas camadas revolvidas. Datação Finais do século IV – princípios do século V. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 105 N.0 8 Tema Composição ortogonal de quadrílobo de peltas flanqueando um quadrado e quatro folhas tangentes. Compartimento Trata-se de um compartimento rectangular, escavado a 80%, cujo lado norte ainda se encontra coberto. Pela sua orientação e localização na planta, confinante com o pórtico do pequeno peristilo, é quase certo que a entrada se fizesse precisamente por esse lado. A decoração da orla de remate a Oeste pode eventualmente assinalar uma passagem para o compartimento vizinho (n.0 9). A localização do compartimento, a simplicidade da decoração musiva e a execução pouco cuidada do pavimento apontam para um espaço secundário da residência: um cubiculum. Dimensões do compartimento Ver dimensões do mosaico. Dimensões do mosaico 4,35 x 3,20 m* (dimensões máximas conservadas e visíveis). Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Da área escavada, conservou-se a quase totalidade do pavimento, com excepção das orlas e das bordaduras, nomeadamente a Sul e Este, quase totalmente perdidas aquando da remoção/destruição das paredes. Todavia, os vestígios deixados são suficientes para permitir a sua reconstituição. O campo, muito concrecionado, apresenta apenas uma lacuna importante a Norte, onde é visível a camada alaranjada do nucleus. Técnica de colocação Da sondagem realizada numa lacuna a Sul, é possível identificar três camadas: um leito de cal de 2 cm, seguido de um nucleus de 3 cm formado por argamassa de cal, areia e cerâmica moída, assentes num rudus de 4 cm constituído por fragmentos de tijoleira. Segue-se o solo virgem a servir de statumen. Materiais Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para as linhas mestras da composição (bordaduras do campo, quadrados, peltas e fusos) e tratamento do entrançado, meias luas e dos quadradinhos denteados; vermelho acastanhado e ocre castanho para enchimentos de peltas e fusos, tratamento dos quadradinhos e debruns do entrançado; cinzento claro apenas no entrançado. Densidade das tesselas 106 tesselas por dm2. Tesselas de 0,8 cm de lado no campo e orla (excepto orla Sul com 1 cm). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 106 Estratégia de execução O sentido da execução do mosaico é difícil de identificar com rigor, uma vez que não se encontra totalmente escavado. Podemos contudo sistematizar alguns dados de interesse que ajudem a compreender o processo seguido pela equipa de mosaístas. A composição insere-se perfeitamente numa malha quadriculada cujo módulo é 32 cm aproximadamente, correspondente à dimensão dos quadrados com entrançado, que se desenvolve de forma paralela em relação às paredes. Impossibilitado de realizar a composição logo junto à parede, o artista organizou o espaço das faixas externas da quadrícula, realizando aí orlas de remate e bordaduras em meio módulo no sentido longitudinal e reservando a outra metade para o motivo na linha de remate da composição. Assim, pôde centrar o seu tapete. A execução do pavimento deve ter-se iniciado pelo lado norte onde, provavelmente, se situa uma entrada, logo a zona mais exposta visualmente, embora não o possamos confirmar até se escavar essa área. De momento, apenas a reconstituição do esquema nos indica que não houve cortes nessa área. Tal como a orientação geral da planta da casa e, em particular, do próprio compartimento, a malha não é perfeitamente ortogonal, mas ligeiramente oblíqua, acompanhando as linhas de força da estrutura arquitectónica. Quanto à qualidade do trabalho realizado, não pode ser considerado bom, pois é grosseiro e apresenta muitas irregularidades: faltam algumas tesselas no centro dos quatro folhas ou nos cantos dos quadrados e alguns travessões a unir o dorso das peltas, a Oeste, uma das tranças, junto à linha de remate, é mais larga e a linha de quadrados denteados da orla de remate está completamente desalinhada. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995, 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 11. Bibliografia Inédito. Descrição Faixa branca (15 cm a Oeste, junto ao muro; 8 a 9 cm a Este e Sul, muito destruída) com linha de quadrados denteados sobre o vértice, pretos e não contíguos (cf. Le Décor, est. 5 a), colocados a distâncias irregulares, variando entre os 16 e 26 cm, apenas na orla oeste. Nos restantes lados, a orla está bastante destruída, ainda que detectável (Sul e Este), ou em área não escavada (a Norte), não sendo possível identificar aí a mesma linha de quadrados denteados. Filete duplo preto; filete triplo branco; filete duplo preto. Composição ortogonal de quadrílobo de peltas flanqueando um quadrado, com quatro folhas tangentes e quadrados denteados policromos nos intervalos (cf. Le Décor, est. 228 c). Cada quadrado (32 cm), delineado a filete simples preto, é preenchido por entrançado policromo (cf. Le Décor, est. 140 e), exteriormente definidos por filete preto e internamente por filete branco. As peltas são delineadas por um filete duplo preto e preenchidas por duas fiadas de tesselas brancas e centro ora ocre castanho, ora vermelho acastanhado, em oposição. O ápice e as extremidades ligam-se directamente ao quadrado através de um filete simples preto. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 107 Entre o ápice central e as extremidades laterais foram desenhadas meias luas pretas muito pequenas. A ligação entre os dorsos das peltas é, na maior parte dos caso, feita através de quatro tesselas pretas. O motivo em quatro folhas é formado por fusos unidos no ponto de tangência através de uma tessela preta, debruados com duplo filete preto e preenchidos com uma ou duas fiadas de tesselas brancas e depois enchimento ocre castanho ou vermelho acastanhado em oposição de cores. Os espaços residuais entre os fusos levam quadrados policromos denteados com enchimento central preto. Junto à bordadura oeste, os rectângulos da linha de remate do campo são preenchidos com trança de dois cordões com extremidades unidas e as peltas foram cortadas a meio, pelo ápice. Nos lados sul e leste, os quatro folhas foram reduzidos a dois fusos e os espaços residuais preenchidos com triângulos policromos denteados em dois lados, adossados à bordadura. Comentários Sob a designação genérica de quadrílobo de peltas cabe qualquer figura geométrica flanqueada por quatro peltas cuja origem itálica parece ser consensual. A partir daqui difundiu-se para a Germania em finais do século I — princípios do século II e, na mesma altura, para as províncias do Norte de África, em particular a Tripolitania (Stern, 1978, p. 59), onde se conta o maior número de exemplares. Das várias combinações de quadrilobos de peltas apresentadas pelo Décor (cf. est. 225-230), possuímos em Rio Maior aquela que, porventura, terá sido a menos vulgar: a variante com quatro folhas nos espaços residuais. Circunscrita no espaço e no tempo, encontrámos paralelos para esta variante na zona oriental da Mauritânia Cesariana, na Numídia, na Proconsular, na Hispania, na Itália e na Córsega, entre os século III e VI. O quadrílobo de peltas é um motivo de criação e de difusão quase exclusivamente ocidental, frequente em África, Itália e Hispania, ausente a Oriente da Líbia, até ao século IV (cf. Stern, 1978, p. 75 e 80). Não encontrámos exemplos itálicos deste esquema particular antes do século IV (cf. nomeadamente Blake, 1930, 1936, 1940; Morricone Matini, 1967b, 1971) localizando-se os exemplos mais antigos em Sousse nos princípios do século III (Foucher, 1960, n.0 57 088, p. 40-41) com nós de Salomão nos quadrados. O pavimento do cubiculum 11 da villa de Silin comunga da mesma corrente artística, porém marcada aqui por uma interessante inversão dos elementos decorativos: é em redor dos quatro folhas monocromáticas que se organizam as peltas, com ápice em cruz e são os quadrados, também com nós de Salomão que preenchem os espaços residuais (Al Mahjub, 1983, p. 73, est. XXVII a). A partir do século IV, assistiremos à divulgação do motivo nascido do espírito inventivo dos mosaístas africanos. A composição do pátio da Casa n.0 7 de Bulla Regia (Hanoune, 1980, BP 4, p. 56-57, fig. 117-118) destaca-se pela sua elegância e é de situar entre os exemplares da quarta centúria. A bordadura de ondas policromas dos quadrados acusa uma tendência própria dos ateliers da cidade. O contorno dos quatrofolhas, o tipo de enchimento das peltas e a repetição dos motivos de enchimento dos quadrados aproximam este pavimento do mosaico das termas da villa de Sidi Ghrib, situadas nas proximidades de Cartago e datadas de finais do século IV, onde são nós de Salomão que ocupam o centro dos quadrados (Ennabli, 1986, n.0 68). Em Cartago, conhecem-se dois exemplos coevos da composição, possivelmente obras de uma mesma oficina. Um deles, sem localização precisa, de execução mais fina (80 tesselas por dm2), apresenta motivos de enchimento variados — florão de flor de lótus, linhas quebradas, grande cruz com labirinto, quadrado sobre o vértice, quatrofolhas, xadrez policromo, chevrons e pequenos quadrados (Ben Osman, 1981, n.0 68, p. 215-217), o segundo, menos apurado na técnica (cerca de 52 tesselas por dm2) foi publicado em 1952 por G.-Ch. Picard e pertencia, na opinião A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 108 do autor, a uma schola (Picard, 1952, p. 173, fig. 4). Em 1980, W. Ben Osman integra-o na sua tese sobre os mosaicos de Cartago (n.0 186, p. 423-424) e, recentemente, o CMT, IV, 1, publica-o como pertencente ao que designa por Maison du Triconque (n.0 94, p. 65-67, est. XXXI, fig. 2). Os motivos de enchimento são do mesmo tipo do mosaico anterior e a datação foi estabelecida na primeira metade do século V pelos autores do CMT, IV, 1. É portanto na escola artística da Proconsular que devemos buscar o modelo do esquema de Rio Maior. Esquema que se aproxima de Sidi Ghrib pela repetição do motivo de enchimento dos quadrados, aqui em entrançado, como aliás se conhece também numa variante da composição com círculos de Thaenae datada da segunda metade do século IV (Jeddi, 1990, p. 529-533, est. XCV; 1992-93, p. 31-33) e se aproxima por outro lado do tipo de fusos e de peltas dos mosaicos de Cartago. O tipo de decoração geométrica destes últimos situa-o em época posterior ao de Rio Maior. Assim, afigura-se-nos plausível que o nosso mosaico tenha sido realizado durante a segunda metade do século IV. É ainda ao citado pavimento de Thaenae que podemos ir buscar influências para as meias luas colocadas entre as extremidades da pelta, para além da presença dos quadrados denteados policromos que, nos restantes pavimentos, consistiam em florzinhas. Em Portugal, conhece-se um paralelo muito próximo do nosso, quer estilística, quer cronologicamente. Trata-se do frigidarium das termas da Rua Augusta de Lisboa (Amaro e Caetano, 1993-1994, p. 289-290, fig. 3-5; Caetano, 2001, n.0 2A, p. 75-78, est. VII e IX) cuja densidade de tesselas ronda as 93 por dm2, valor muito próximo do nosso, bem como a reduzida paleta de cores de preto, branco, amarelo e vermelho. Com excepção dos nós de Salomão que preenchem os quadrados e dos triângulos denteados entre as extremidades das peltas, os restantes elementos são indiscutivelmente semelhantes. Tendo em conta os pavimentos citados, não podemos admitir a datação proposta por T. Caetano — a segunda metade do século III (2001, p. 79) — pois este pavimento não pode ser anterior aos meados do século IV. A este conjunto português há que somar um dos painéis do mosaico de Libreros, com afinidades no tratamento das peltas e dos quatrofolhas, com nós de Salomão nos quadrados, mas com um elemento adicional — fusos entre as peltas — (CME, 4, n.0 50, p. 53-56, est. 41) e ainda o pavimento da sinagoga de Elche com um idêntico tratamento em entrançado nos quadrados, de forma repetida, mas com nós de Salomão em discos preto em vez de quatro fusos (Palol Salellas, 1967, fig. 73). Aliás, a presença deste último motivo vem reforçar as nossas conclusões no que refere às várias oficinas que laboraram em Rio Maior. Também são notórias as similitudes com um pavimento de Solana de Barros (Sandoval, 1965, fig. 5, 1968, fig. 7) e Requejo, datado de finais do século IV a meados do século V (Regueras Grande, 1991, p. 166-167, fig. 2). O mosaico de Rienda deve ser posterior ao de Rio Maior, tendo em conta o estilo variado da decoração dos quadrados: nós de Salomão, florões quadrilobados ou quatro quadrados (Moreno, 1965, p. 123, fig. 5 e 6). Cillium fornece-nos outro exemplo africano importante com variantes decorativas que reencontramos na Hispânia. Na Maison de l’Oiseau Bleu, os mosaístas procuraram imprimir à sua obra um colorido arco-íris que compensasse a simplicidade do esquema. É, de facto, um recurso insistente na variação das combinações cromáticas, quer nas peltas, quer nos fusos, quer ainda nos elementos geométricos dos quadrados, que se identifica uma oficina: fusos decorados em chevrons, triângulos denteados policromos nos espaços residuais entre as peltas e os quadrados, e ainda, entrançado, linhas quebradas ou chevrons nos quadrados (Desparmet, 1994, compartimento 4, p. 108-110, est. I). A autora não data o pavimento, mas parece-nos enquadrável na segunda metade do século IV. É nesta corrente artística que se filia o mosaico do pórtico da villa de Fuente Álamo, parcialmente escavado, que se distingue apenas na colocação de triângulos denteados no ápice das peltas (López Palomo, 1985, p. 108, est. II a). Datado do século IV (López Palomo, 1985, p. 113), parece-nos lícito colocá-lo na sua segunda metade. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 109 A ala ocidental do peristilo da villa de Puente de la Olmilla, de que falámos a propósito das afinidades com outro pavimento, também do peristilo (cf. n03A) e do nó de Salomão inserido num disco preto (cf. n03C), foi decorada com uma composição semelhante à de Rio Maior (Garcia Bueno, 1994, n.0 3, p. 104-107, fig. 5). Retomando os mesmos motivos de enchimento dos quadrados que aplicara na ala setentrional (cf. n.0 3A), o artesão foi mais criativo do que o de Rio Maior, que se restringiu ao monótono entrançado, embora dispondo de menos recursos cromáticos (apenas o branco, preto e vermelho) do que o de Rio Maior cuja paleta incluía os tradicionais preto e branco, o vermelho escuro, o castanho amarelado e o cinzento claro. Aqui reencontramos as quatro folhas e as florzinhas nos espaços residuais. Estas últimas parecem ter sido mais frequentes do que o quadrado denteado do nosso exemplar. Todavia, os espaços entre as extremidades das peltas, com meias luas em Rio Maior, são ocupados por triângulos denteados, como em Cillium. Finalmente, não deixa de ser muito interessante a forma como ambos artistas dos mosaicos hispânicos resolveram o problema da deficiente ordinatio: numa das linhas de remate da composição transformaram os quadrados em rectângulos que preencheram com trança de dois cordões e cortaram as peltas pelo ápice. Os comentários estilísticos que a autora faz do mosaico de Puente de Olmilla são dispersos e giram em torno do quadrílobo na sua generalidade, citando apenas exemplos hispânicos (cf. García Bueno, 1994, p. 106). Com base na sua análise, data o mosaico de “fecha de elaboración tardía” (sic) (García Bueno, 1994, p. 107). Tendo em conta as semelhanças com o mosaico de Rio Maior e a evolução que a composição terá sofrido ao longo do tempo, parece-nos correcto situarmos este pavimento numa época próxima da proposta para Rio Maior. O pavimento da sinagoga de Elche, datado da segunda metade do século IV, vem reforçar a cronologia proposta, pois os quadrados da composição são decorados da mesma forma dos de Rio Maior, divergindo apenas nos nós de Salomão que decoram os espaços residuais (Palol Salellas, 1967, p. 203, est. 73). O mosaico de Comunión, citado por M. Torres Carro e R. Mondelo (1985, p. 114, n. 68) possui uma estrutura muito próxima da nossa, divergindo unicamente na posição dos quadrados que se apresentam aqui de lados côncavos e colocados sobre o vértice, ligando-se ao ápice das peltas (CME, 5, n.0 7, p. 17, fig. 8). Infelizmente, apenas se conhece um desenho a preto publicado no supracitado Corpus. Apesar das diferenças, é notória a afinidade. J. M. Blázquez Martínez, autor da ficha do Corpus, não se aventura em datações, nem apresenta sequer paralelos. A composição mantém-se viva durante o século V, quer em contextos domésticos, como é o caso da Mosaïque de L’Âne de Djemila (Blanchard-Lemée, 1975, sala XVI, p. 97-98, est. XXIIIXXIV, XXa), quer em contextos sagrados como é o caso de S. Maria del Tiglio de Gravedona (Mirabella Roberti, 1962, p. 242, fig. 9-10). A composição perde alguma leveza, patente no alargamento dos fusos e na redução da paleta e abandonam-se os pequenos elementos decorativos entre as extremidades das peltas. No terceiro quartel do século V, documenta-se numa bordadura de Córdova (Nicolini, 1983, p. 81, est. I-1 e 2). No século VI, documenta-se na Igreja de S. Vitale em Ravena (Farioli Campanati, 1975, p. 133, fig. 62). Do ponto de vista arqueológico, destaca-se o achado da ninfa, do século II-III, de um fragmento de dedo pertencente a uma estátua em mármore, de fragmentos de estuque e mármore e de um fragmento de vidro millefiori, datado da primeira metade do século I. As tesselas em vidro eram também abundantes na camada de concreção calcária que cobria o mosaico. Datação Segunda metade do século IV. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 110 N.0 9 Tema Composição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais. Compartimento Pela sua localização na planta e pela decoração do mosaico, acreditamos tratar-se de um cubiculum. Dimensões do compartimento Indeterminadas por estar parcialmente coberto. Dimensões do mosaico 4,90 x 2,70 m. Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Escavado a 2/3, o mosaico está praticamente intacto na área actualmente visível, mas a concreção calcária ainda cobre cerca de 90 % do pavimento, dificultando uma observação correcta das eventuais lacunas. Técnica de colocação Não foi objecto de sondagem. Materiais Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para o contorno das peltas; amarelo acastanhado, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para o tratamento interno e externo das peltas e para os quadradinhos denteados. Densidade das tesselas 137 tesselas por dm2 no campo e orlas. Tesselas com cerca de 0,7 a 0,8 cm de lado. Estratégia de execução Apesar de parcialmente visível, parece-nos uma composição bem calculada em função do espaço disponível, pois em nenhum dos três lados desobstruídos, que não contempla a entrada pelo lado do peristilo, foi necessário truncar os motivos. É um trabalho de fina execução comparando com outros pavimentos da casa. As tesselas apresentam um corte regular apesar da sua reduzida dimensão e os interstícios são quase imperceptíveis. As características técnicas aproximam este pavimento do n.0 4 e do n.0 15A. A orla de remate foi realizada mediante a colocação de filetes paralelos, visíveis a Oeste, com tesselas da mesma dimensão. Este cuidado traduz certamente a exposição a que esta área era sujeita. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 111 Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento tessela a tessela de pormenores. Est. XIV. Bibliografia Inédito. Descrição Faixa branca (10 cm a Leste e Sul). Filete duplo preto; linha de quadrados pretos denteados sobre o vértice, não contíguos, distando entre si 12 a 14 cm (cf. Le Décor, est. 5a) a Este e Sul (9 cm); a Norte a faixa é desprovida de decoração; filete duplo preto; filete triplo branco, filete duplo preto. Composição ortogonal de peltas alternadamente verticais e horizontais (cf. Le Décor, variante da est. 222 d) e e). Cada pelta (32,5 cm de envergadura) é delineada por um duplo filete preto e no interior foi-lhe adossado ao lado maior um triângulo de lados côncavos e base convexa, tratado em castanho amarelado, vermelho acastanhado e cinzento francês. Entre o ápice e as extremidades foram colocadas duas meias luas com duas a três linhas de tesselas sucessivamente preto, vermelho acastanhado e castanho amarelado. O ápice é rematado por um triângulo denteado, com degradê de cores [vermelho acastanhado, castanho amarelado, ocre violeta, branco e novamente preto]. As peltas estão unidas entre si através de um quadradinho de nove tesselas com uma branca no centro. Na linha de remate da composição foram colocados entre as extremidades das peltas triângulos policromos de dois lados denteados. Comentários Combinada de variadas formas (cf. Le Décor est. 222, 223, 224 a, 225 f e g, 226, 227, 228, 229 e 230 b, c e d, num total de 34 exemplos), a composição de peltas deve ser analisada com base nos seus vários elementos estruturais: o esquema geral da composição, o tratamento decorativo dado ao ápice da pelta e o tratamento cromático do corpo da pelta A composição que nos importa, consta no Décor com três variantes (est. 222 d, e, f). Nenhuma delas corresponde exactamente ao pavimento de Rio Maior, distanciando-se essencialmente pelo tratamento formal e cromático da pelta. Do vasto conjunto de pavimentos que analisaremos, é notória a sua maior frequência em composições de superfície, em particular nas províncias ocidentais (Hispania, Sul da Gália e Norte de África) e em bordaduras ou painéis de alongamento de tapetes, com destaque para as regiões mais setentrionais (Gália, Bélgica, Germânia). Mais raras, são as miniaturizações da composição, empregues como motivo decorativo de enchimento de espaços quadrados ou rectangulares. Uma análise ponderada dos seus vários elementos estruturais, aliada a critérios arqueológicos, sempre que os haja, são suficientes para datar com algumas segurança os pavimentos com esta composição cujo período de divulgação vai, sensivelmente, do século II ao século V. Acerca da origem da pelta enquanto elemento decorativo individual, já tecemos os comentários pertinentes no n.0 3C. Terá sido somente por volta dos últimos decénios do século I que as peltas começaram a ser combinadas a fim de constituírem por elas próprias grandes tapetes A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 112 tesselados, como é o caso em Pompeia (Blake, 1930, est. 32.1). Surgem então os primeiros exemplos, caracterizados por um compasso ritmado de peltas, geralmente pretas, sobriamente destacadas num fundo branco. Neste primeiro estádio, o ápice da pelta não apresenta decoração. Não sendo, porém, frequente em Itália nesta época (Balil, 1962, p. 55), parece contudo que é aí que devemos buscar a origem da composição que chegará às oficinas belgas e germânicas28, em especial a região de Treveris, durante o século II, onde uma longa série de pavimentos atesta o gosto particular pela composição. Por volta da mesma época, na área do Mediterrâneo oriental do Império, reencontramos exemplos bastante precoces, nomeadamente nos Kladeos Baths de Olímpia que apresentava aos seus visitantes, por volta do ano 100, um grande painel com peltas vermelhas, sem decoração no ápice, rodeando uma área central de peltas pretas, também elas de simples traçado (Waywell, 1979, n.0 31, p. 299-300, est. 49, fig. 28). A utilização da cor, além do preto e do branco, é peculiar desta zona do Império, imbuída da tradição dos pavimentos helenísticos, não se encontrando nas províncias ocidentais antes de fins da segunda centúria. Nesta área do Império torna-se particularmente sensível a distinção entre correntes artísticas ocidentais e orientais que se fundem com alguma facilidade. A região balcânica é, sem dúvida, o melhor exemplo da História antiga e contemporânea. À região da actual Bulgária, por exemplo, chegou a tradição itálica do mosaico bícromo, através de oficinas itálicas ou germano-gaulesas, que terão realizado por volta de finais do século II ou no reinado de Caracala uma composição de peltas brancas em fundo preto num corredor das termas de Philoppopolis (Valeva, 1994, p. 251, fig. 4). Na versão inversa, peltas pretas em fundo branco, documentam-se em dois edifícios termais da actual Albânia: no século II, na grande sala de Butrint (Anamali e Adhami, 1974, p. 18) e, na centúria seguinte, em Apolónia (Anamali e Adhami, 1974, p. 37). Entre os exemplos mais antigos da área ocidental, contam-se dois tapetes provenientes de Este, hoje desaparecidos, datados de princípios do século II (Blake, 1930, p. 102) que atestam o pioneirismo das oficinas do coração do Império. A data proposta por K. Parlasca para o Procuratoren Palast de Treveris, os meados do século I (1959, p. 8, 109, est. 15.2), tem sido contestada por outros autores que a consideram demasiado baixa. V. Gonzenbach julga-a mais recente de cerca de 50 anos (1961, p. 27, n. 5), data que é consentânea com a proposta mais recente de P. Hoffmann situada na primeira metade do século II (et al., 1999, n.0 74, p. 124, est. 8 e 40). Estilisticamente, a execução é sóbria e sem aparato decorativo. Seguem-se-lhe uma longa série de pavimentos com as mesmas características, oriundos das oficinas germânicas e belgas durante a segunda centúria: um mosaico encontrado em 1851, num jardim privado de Bous, hoje perdido, com as suas simples peltas, totalmente azuis, em fundo branco creme (Recueil, I, 2, n.0 174, p. 36-37, est. XIII29). Outro mosaico luxemburguês, proveniente da villa de Echternach, também perdido, apresenta o mesmo esquema (Recueil, I, 2, n.0 182, p. 40-41, est. XIX). Em Besançon, são dois os exemplos de referência: o mais antigo, datado da segunda metade do século II, consiste numa miniaturização da composição usada como motivo de enchimento de um quadrado na qual se quebrou ligeiramente a sobriedade, com alternância de peltas vermelhas com as tradicionais pretas (Recueil, I, 3, n.0 296, p. 41-42, est. XI); o mais tardio, de finais do século II — princípios do século III, é usado simplesmente como larga faixa de alongamento de um painel geométrico (Recueil, I, 3, n.0 270, p. 31-32, est. V-VII). Pelos meados da segunda centúria, surgem os primeiros exemplos de peltas com o ápice decorado com um pequeno motivo em cruz. É o caso de um mosaico de Colónia, com bordadura de peltas (Parlasca, 1959, p. 70, est. 62), no PriesterSeminar de Treveris (Parlasca, 1959, est. 6; Hoffmann et al., 1999, n.0 145, p. 160, est. 91) e, nos finais da centúria, o pavimento da villa de Téting (Moselle) com duas bandas laterais de peltas, já debruadas (Recueil, I, 2, n.0 225A, p. 60-62, est. XXXV-XXXVIII). Estes três exemplos constituem uma fase de transição que criará PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 113 modelos cada vez mais complexos, com decorações variadas no ápice e cromatismo mais rico no tratamento da pelta. Estas transformações expandir-se-ão ao longo dos séculos III, IV e V. É por volta de princípios do século II que se individualiza uma segunda corrente situada no Norte de África. A Maison des Banquettes de Sousse ilustra o exemplo mais antigo, seguido da Maison de Neptune de Acholla (Ennabli, 1975, p. 114, est. XLI, 2; Picard, 1980b, p. 70; Gozlan, 1992, n.0 19, p. 88-91, est. XXVI, 1) e do vestíbulo da Maison des Muses de Althiburos, de meados a fins da mesma centúria (Merlin, 1913, p. 43, est. V). Da fase de transição, fins do século II e princípios do século III, deve ser o compartimento V da Maison de Caton em Utica, onde a composição recebeu no centro um painel quadrado com emblemata de uma Gorgona, cujas peltas, ainda sem decoração no ápice, são debruadas a preto e preenchidas a amarelo-laranja e verde-azeirona (CMT, I, 2, n.0 202-A, p. 47-48, est. XXXII e XLIX) e a bordadura de um mosaico de Berenice, na Cirenaica (Michaelides, 1989, est. V). A Hispania terá assimilado este esquema aproximadamente na mesma época. De facto, quer em Itálica, na larga bordadura do famoso mosaico de Baco, datado de finais do século II (CME, 2, n.0 2, p. 26-27, est. 8-10), quer na villa de la Plaza de Antonio Maura em Barcelona, num pavimento dos últimos anos do século II – 10 quartel do século III (Balil, 1962, p. 54-56, fig. 5), encontramos o esquema simples de peltas pretas em fundo branco, desprovidas de decoração no ápice. Ainda no século II conhece-se em Puig de Cebolla (Balil, 1970, p. 9, est. II, 1) e Utebo, numa villa (Fernández-Galiano, 1987, n.0 60, p. 39, est. XIV-XV, 2). Da mesma época data o mosaico dos banhos anexos à Casa del Mitreo de Mérida onde podemos observar novamente a miniaturização do esquema num dos rectângulos do tapete (CME, 1, n.0 25, p. 40-41, est. 49-52) e, ainda no século III, é possível encontrar a mesma gramática decorativa na villa de Sabinillas decorando o compartimento E (Posac e Rodriguez, 1979, p. 134-136, est. II. 2). No território actualmente português, conhece-se o mesmo esquema num dos painéis do conhecido mosaico compósito de Póvoa de Cós30, cujo intervalo cronológico M.a Felisbela Borges, seguindo Irisalva Moita, fez recuar um pouco, até fins do século I, quando muito, século II (Moita, 1951b, p. 149; Borges, 1986, n.0 1, p. 4-12, foto 1-5, est. I-III). A aceitarmos os finais do século I, estaríamos a colocar este mosaico à frente dos seus congéneres já citados da Bélgica e Germânia, regiões de grande divulgação da composição. Em nosso entender, pelas características do pavimento e pela análise já feita, talvez os finais do século II seja mais aceitável ou, quiçá, os princípios da terceira centúria. Esta data não contraria os argumentos apresentados por I. Moita (1951b, p. 149), baseados em grande parte nas características técnicas do pavimento e no achado de uma moeda augustana no “entulho” do mosaico cuja circulação e/ou entesouramento pode ter trazido até esta época. Acresce o facto do mosaico retomar motivos das regiões setentrionais já citadas, nomeadamente os quadrados desenhados por linhas de quadrados sobre o vértice (cf. Parlasca, 1959, est. 2.2 e 4 de Treveris), a bordadura de espinhas (cf. Parlasca, 1959, est. 6-2 de Bous, est. 15-1, 17 de Treveris, est. 19-1 de Oberweis) ou o xadrez bicromático que analisaremos a propósito do mosaico n.0 3D. Dada a raridade dos mosaicos desta época no território actualmente português, concentrados sobretudo nos século III e IV, e acreditando realmente que o pavimento ande pelos finais do século II, trata-se de um paralelo duplamente importante, não só pelo contexto rural em que surge, uma vez que a grande maioria dos exemplos hispânicos citados são urbanos (Mérida, Itálica), como também pela demasiadamente curta distância cronológica dos seus congéneres em regiões tão longínquas, uma vez que os mais próximos geograficamente lhe são posteriores. A região de Alcobaça estaria mais na moda do que os grandes centros urbanos citados! Atendendo a estes dados, haverá que rever seriamente a datação com base em critérios arqueológicos, não fossemos nós aceitar pacificamente esta cronologia que nos suscita dúvidas. Não terá sido por mero acaso que B. Taracena levou a datação até ao século III (1947, p. 161) e M. Torres Carro a fins do século II, princípios do século III A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 114 extremidades da pelta preenchidos com uma folha de hera ocre que se transforma em meias luas na linha de remate. A sua presença na villa de Silin constitui um marco importante na difusão do esquema, situando-se no seu limite oriental, aqui na variante com ápice em cruz (Al Mahjub, 1984, p. 73-74). No Conventus Pacensis, o mais rico em mosaicos romanos do nosso território, conhece-se outro exemplo da composição. Na villa de Pisões, o grande corredor em “L”, ligando várias salas do sector meridional da residência, apresenta uma composição de peltas pretas em fundo branco, com ápice em folha de hera, ora amarela, ora vermelha (Costa, 1988, p. 107, fig. 11). A data proposta por M. Costa situa-se no século II (1988, p. 120). Porém, tendo em conta os paralelos conhecidos e já analisados do referido século, julgamos um pouco antecipada esta datação. Apesar de permanecer vinculada aos modelos bicromáticos setentrionais da segunda centúria, não devemos ignorar a presença de decoração no ápice, colorido, que não permite esta data tão recuada. Cremos que o século III é, de facto, mais apropriado. O pavimento sofreu posteriores restauros que podemos datar do século IV, como adiante justificaremos. O mosaico de Solar de los Blanes, Mérida, datado do século III, apresenta já as características típicas do século seguinte: as peltas desenhadas a duplo filete, preenchidas a vermelho e o ápice rematado em triângulo denteado (CME, 1, fragmento 2, p. 27, est. 2). Em Nea Paphos, o tema, em bordaduras, foi tratado de forma invulgar, distanciando-se dos modelos até agora analisados. Por altura da dinastia severiana, no mosaico de Hércules e o Leão de Nemea da Maison d’Orphée (Michaelides, 1992, n.0 4, p. 18) e no mosaico da procissão dionisíaca do triclinium da Maison de Dionysos (Michaelides, 1992, n.0 10, p. 27-29) encontramos peltas brancas com ápice em cruz com espaços residuais a cinzento e fundo preto. Após o século III, a composição deixa de ser usada em larga escala na Grécia (Waywell, 1979, p. 306). O terceiro estádio corresponde ao século IV, durante o qual o esquema se torna bastante apreciado nas regiões ocidentais. É nesta época que registam mais exemplos. Este elevado número poderá eventualmente corresponder à verdadeira difusão do motivo ou ser simplesmente fruto do maior número dos pavimentos conhecidos. A composição assumiu definitivamente o policromatismo, com peltas delineadas a preto, geralmente em filete duplo, e enchimentos coloridos, com remates variados, em particular a folha de hera e o triângulo denteado que J, p. Darmon considera uma hedera geometrizada, com muitos exemplos do século IV na Alemanha e França (Darmon, 1980, p. 63-65), particular destaque ainda para o seu uso em Treveris na mesma centúria (Parlasca, apud Recueil, IV, 1, p. 124) e na Baixa Aquitânia (Recueil, IV, 1, p. 69). No Norte de África a composição foi bem aceite, com um especial gosto pelo ápice em folha de hera. É o caso do fundo do tanque da insula IV do parque das termas de Adriano em Cartago, numa versão bicromática (Ben Osman, 1981, n.0 139, p. 251). Pelo tipo de ápice e tratamento cromático das peltas da bordadura e dos painéis laterais, o mosaico do frigidarium das termas de Rusguniae (Guéry, 1962-1965, sala A, p. 24, Fig. 3, 4 e 13) parece integrar-se nesta corrente em voga na quarta centúria. É da mesma época a sua aplicação como motivo de enchimento no mosaico do coro da Basílica de Santa Salsa em Tipasa (Duval, 1975, est. XXXI-2). Muito próximo do nosso mosaico é o do pátio interno da casa n.0 7 de Bulla Regia que, infelizmente, R. Hanoune não data (1980, BP1, p. 55, fig. 11-12). Na Hispania, a composição foi largamente utilizada nas grandes residências rurais do século IV, com grande gosto particular pelo ápice em triângulo denteado. Assim, podemos encontrar este tipo de estrutura na villa de Almenara de Adaja, em dois pavimentos, em composição de superfície (CME, 11, n.0 6a, p. 21-22, est. 6 e n.0 15b, p. 30, est. 11-12). Da segunda metade do século IV, datam os exemplos de Puente de la Olmilla, quer o tapete contíguo ao das panteras do compartimento 2 (Puig e Montanya, 1975, p. 40, fig. 3), quer a micro-composição inserida em A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 116 dois quadrados do esquema do compartimento 1 (Puig e Montanya, 1975, p. 136, fig. 2) e ainda um dos quatro painéis laterais do mosaico n.0 6 de Algoros, com peltas pretas (Mondelo, 1985, p. 125-133, fig. 89). A villa de Rielves é também tributária da composição, numa versão simplificada decorando o compartimento C (Fernández Castro, 1977-1978, p. 224-225, fig. 20). Na villa de Cuevas de Soria, já dos finais da centúria, merece um particular destaque o conjunto musivo constituído pelo corredor com abside, situado entre as habitações do sector noroeste, com uma orla de peltas (CME, 6, n.0 62, p. 70-71, fig. 11, de finais do século IV-princípios do século V); pelo pavimento do sector ocidental do corredor sul (CME, 6, n.0 72, p. 78, fig. 21, da segunda metade do século IV). Com variantes no tratamento do ápice, esta casa do Baixo-Império possui ainda três pavimentos com a mesma composição: numa bordadura do compartimento do ângulo sudeste do peristilo, junto ao sector termal, com tesselas no ápice em jeito de florzinha (CME, 6, n.0 55, p. 63-65, fig. 6, de meados do século IV); no compartimento absidal situado entre os dois corredores do sector nordeste da construção, com remate das peltas em borla31 (CME, 6, n.0 63, p. 71-72, fig. 12, finais do século IV) e no compartimento da ala oriental, entre o corredor a Sul e o triclinium a Norte (CME, 6, n.0 56, p. 65, não ilustrado). A composição permanece até meados do século V com as mesmas características como se regista na villa de Requejos numa bordadura (Regueras Grande, 1991, n.0 1, p. 166-168, fig. 2 e 3). Na área do território actualmente português, conhece-se uma composição semelhante nas salas A e D da villa de D. Pedro. O esquema, bicromático, é totalmente despojado de ornamentos (Maia e Maia, 1974, p. 124-125 e 128, fig. 6 e 13). À primeira vista, não hesitaríamos em classificá-lo estilisticamente como pertencente ao grupo supra analisado do século II, todavia, os arqueólogos salientam a contemporaneidade dos pavimentos na fase de abandono, ou seja, século V (Maia e Maia, 1974, p. 124 e 130). A mesma situação acontece na villa do Rabaçal, onde existe um painel semelhante no vestíbulo a) anexo, aparentemente do século IV (Pessoa, 1998, est. 51). Em Pisões, o supracitado corredor de peltas sofreu restauros, pouco hábeis (peltas debruadas a preto em fundo branco ou totalmente pretas, mas com ápice em triângulo denteado preto), na última fase de ocupação da residência. A composição perdurou na Hispania até finais do século V, princípios do século VI, sendo disso testemunha a villa geronesa de Tossa de Mar cujo painel do topo do mosaico de Dominus Vitalis apresenta um esquema de peltas contornadas a branco em fundo escuro, com ápice em triângulo (Balil, 1965, n. 8, p. 284-285). Na mesma centúria, a Gália possuía também bons exemplos desta composição, nomeadamente com o remate das peltas em triângulo, como é o caso em dois mosaicos da villa de Montmaurin, datados do segundo quartel do século IV: na bordadura oeste do grande compartimento virado para o peristilo (Recueil, IV, 1, n.0 78, p. 84-89, est. XXXII-XXXIX) e na galeria sul do peristilo com uma composição de peltas rosa ou amarelo, debruadas a preto tratadas com alternância de cores (Recueil, IV, 1, n.0 80, p. 90-92, est. XLII). Ainda na Aquitânia, deve ser mencionado o corredor da villa de Séviac, datado da segunda metade do século IV, com composição semelhante mas tratamento do ápice em borla (Recueil, IV, 2, n.0 299, p. 180-181, est. CXXVII e CXXVIII), assim como a villa de Valentine, na bordadura de um mosaico, em fins da quarta centúria, cuja paleta de cores é empregue quer no enchimento da pelta, quer no seu ápice (Recueil, IV, 1, n.0 58, p. 67-70, est. XVII-XIX), num fragmento proveniente de Maspie-La Conquière (Recueil, IV, 1, n.0 105, p. 109-110, est. XLVII) e num pavimento inédito de Moncaret (Recueil, IV, 1, p. 69). Na região norte da Gália, conhecem-se dois mosaicos com a mesma composição e peltas em triângulo: em Blanzy-lès-Fismes, numa versão bicromática da primeira metade do século IV (Recueil, I, 1, n.0 77D, p. 50-52, est. XXXIIIa, XXXVIe e XXVI f) e em Fouqueure num painel lateral, onde as peltas apresentam um enorme triângulo policromo (e não “pompom” como afirma a autora) (Nicolini, 1986, p. 39, est. XII, 1-2). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 117 A cidade de Treveris é particularmente fecunda em exemplos desta composição de peltas com ápice em triângulo durante o século IV, maioritariamente empregues como largas bordaduras: Hettnerstrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 43, p. 105-106, est. 19), Augustinerhof (Hoffmann et al., 1999, n.0 5, p. 87, est. 3, 5 e 6), Simeonstrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 124, p. 150-151, est. 79 e 80) e Johannistrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 56, p. 110-112, est. 21 e 22). Em composição de superfície é menos frequente, mas conhece-se na Karthäuserstrasse (Hoffmann et al., 1999, n.0 69, est. 39). A característica mais marcante deste significativo conjunto reside na cor única da pelta contrastante com a policromia do seu ápice. Na Britânia, o esquema foi particularmente empregue em corredores no século IV (cf. comentários ao mosaico n.0 14), conhecendo-se também em faixas de alongamento como acontece no mosaico cristão de Frampton, produzido pela Durnovarian Officina em meados do século IV, na variante com cruz no ápice (Johnson, 1982, p. 44, est. 33). A composição foi-se tornando secundária, chegando mesmo, em épocas tardias (século V-VI) a servir de decoração de enchimento, como foi o caso em Vicenza (Stern, 1965, p. 240, fig. 20). Acerca das meias luas colocadas entre as extremidades das peltas, vejam-se os comentários ao mosaico n.0 5. Datação Segunda metade do século IV. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 118 N.0 10 Tema Composição ortogonal de octógonos, hexágonos oblongos e quadrados (?). Compartimento Grande sala a Noroeste do peristilo. Tratando-se do compartimento com maiores dimensões encontrado até ao momento e tendo em conta a sua localização no topo do peristilo, ainda que não geometricamente centrado, podemos aventar a hipótese de um triclinium. Dimensões do compartimento Ver dimensões do mosaico. Dimensões do mosaico 6,4 x 5,50 m (35 m2). Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Cerca de metade do pavimento está completamente perdido, fruto de uma grande lacuna circular com cerca de 3,5 m de diâmetro situada no centro do compartimento. A área destruída abrange praticamente toda a composição, tendo-se preservado poucos elementos informativos acerca dela: as bordaduras, ainda que incompletas e, no canto noroeste, alguns motivos decorativos de remate da composição. A desobstrução da lacuna, ainda por efectuar, poderá trazer elementos de interesse e possivelmente alguns fragmentos do pavimento. Por outro lado, a análise da gramática decorativa foi limitada pela concreção calcária que cobre o pavimento e que não foi atempadamente removida. Técnica de colocação Não foi objecto de sondagem. Materiais Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para o contorno das peltas; castanho amarelado, ocre castanho, ocre violeta, cinzento claro e vermelho escuro para decoração secundária. Densidade das tesselas 82 tesselas por dm2. Tesselas com 1,2 cm de lado. Estratégia de execução Os motivos expostos no ítem área conservada invalidam qualquer tentativa de análise neste domínio. Apenas podemos aventar a hipótese de uma execução de Sudeste para Noroeste com base nos motivos truncados a Noroeste e na qualidade de apresentação que se exige no lado da entrada. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 119 Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1998 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento tessela a tessela de pormenores. Bibliografia Inédito. Descrição Faixa branca (10 cm), conservada apenas a Sul. Filete duplo preto; triplo filete branco; trança múltipla delimitada exteriormente por um filete simples preto e interiormente por um duplo (60 cm) (cf. Le Décor, est. 73 f); meandro fraccionado com fracções imbricadas (cf. Le Décor, est. 32 d), excepto a Norte (7,5 cm); duplo filete preto e triplo filete branco. A composição era certamente à base de octógonos, hexágonos oblongos e quadrados adjacentes (tavez uma variante da est. 175 d) do Décor), desenhada através de trança de dois cordões (12 cm de largura), debruada exteriormente por um filete duplo preto e internamente apenas por um (cf. Le Décor, est. 70 j). O estado de destruição aliado às concreções calcárias que o cobrem dificultam qualquer tentativa de identificação precisa da composição. Conserva-se um semi-octógono a noroeste, remate de composição, com uma segunda moldura interna em filete simples preto, separado da primeira por um filete triplo branco e no interior foi inserido um florão compósito, seccionado por restrições de espaço, com oito elementos não contíguos, quatro em pétalas lanceoladas pretas e quatro em lótus trífido em redor de um círculo concêntrico (cf. Le Décor II, est. 268 a). A envergadura do florão é de 74 cm, tomando como pontos de referência as extremidades das folhas lanceoladas. O centro do florão é constituído por um círculo preto, uma fiada branca e centro ocre violeta. Alguns (todos?) octógonos da composição eram certamente preenchidos com este tipo de florão, uma vez que se conserva no lado nordeste as extremidades das pétalas num outro octógono. Um dos hexágonos parcialmente conservado apresenta um motivo longiforme. Alguns (todos?) quadrados da composição eram ornamentados com quadrado de lados direitos policromos. Junto à bordadura Oeste e Este, a composição foi rematada com trapézios, dois quais nos restou um com um motivo vegetalista constituído por uma folha lanceolada preta com duas folhas laterais tombadas e um trapézio policromo. Comentários Apesar do elevado grau de destruição, é ainda possível aproximar este mosaico, quer na sua composição, quer nos seus motivos particulares, de outros pavimentos da casa. Os octógonos delimitados a trança de dois cordões encontramo-los no mosaico n.0 3C e no n.0 7A, o florão é também comum, quer ao pavimento n.0 2A, quer ao n.0 15A, todos eles inseridos em octógonos. O motivo longiforme, pouco frequente nos mosaicos, aparece também no n.0 7A. Datação Finais do século IV – princípios do século V. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 120 N.0 11 Tema Fragmento com sinusóides cruzadas. Compartimento O fragmento deve corresponder a um compartimento a Norte do peristilo de cujo pavimento resta apenas este fragmento. Todas as estruturas arquitectónicas desapareceram (paredes e cama de assentamento do pavimento). Dimensões do compartimento Impossíveis de definir pelos motivos supramencionados. Dimensões do mosaico 0,61 x 0,22 m. Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada O fragmento encontrado apresenta uma frágil constituição. O leito de cal entre as tesselas é praticamente inexistente provocando a desagregação do mosaico. Técnica de colocação Aguarda-se a remoção do fragmento. Materiais Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para os contornos; castanho amarelado, amarelo acastanhado escuro, cinzento claro, cinzento metálico e terracota para os motivos de enchimento. Densidade das tesselas 180 tesselas por dm2. Tesselas com 0,5 cm de lado. Estratégia de execução Impossível de definir pelos motivos já expostos. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 121 Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1999 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento à escala 1/1 em plástico cristal. Des. 12. Est. IX. Bibliografia Inédito. Descrição Sinusóides cruzadas tratadas em linhas de cálices [castanho amarelado, castanho amarelado escuro, terracota, cinzento claro e cinzento metálico] alternadamente deitados e erguidos, com sinusóide branca ou preta, definindo círculos grandes e pequenos. No círculo maior foi inserido um sexifólio formado por três folhas lanceoladas pretas e três pétalas castanho amarelado escuro e terracota. Nos dois círculos menores foram inseridos um quadradinho policromo e um círculo denticulado preto em fundo branco com disco central preto e terracota. Comentários Devido à exiguidade do fragmento conservado, é difícil inferir se estamos perante uma composição linear do tipo Décor, est. 68, ou uma composição de superfície do tipo Décor, est. 234-236. Os cálices de lótus, que analisámos a propósito do mosaico n.0 3C, surgem aqui grosseiramente executados numa versão de cálices quadrífidos. A paleta cromática e a execução da gradação de cores revelam a presença de outro grupo oficinal. Datação Finais do século IV – princípios do século V (?). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 122 N.0 12 Tema (?) Compartimento Sala situada a Este do peristilo. Dimensões do compartimento Indeterminadas por se encontrar parcialmente coberto a Leste. Dimensões do mosaico 4,5 x 1,3 * m. Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Escavado talvez a 1/3 da sua extensão real, não é possível observar correctamente o pavimento por se encontrar totalmente coberto com uma espessa camada de concreção calcária que não foi removida atempadamente. Técnica de colocação Não foi objecto de sondagem. Materiais (?) Densidade das tesselas (?) Estratégia de execução (?) Restauros antigos (?) Restauros modernos (?) Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1999 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Bibliografia — Datação (?) PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 123 N.0 13 Tema (?) Compartimento Sala situada a Este do peristilo. Dimensões do compartimento A largura é definida pela presença do pavimento (3,7 m no mínimo), ao passo que o comprimento só poderá ser determinado quando concluída a escavação do pavimento para Este. Dimensões do mosaico 3,7 x 1,9 * m Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Ver comentários ao n.0 12. Técnica de colocação Não foi objecto de sondagem. Materiais (?) Densidade das tesselas (?) Estratégia de execução (?) Restauros antigos (?) Restauros modernos (?) Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1999 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Bibliografia — Datação (?) A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 124 N.0 14 Tema Composição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais. Compartimento Estreito corredor, com sentido Este/Oeste, centrado e perpendicular à orientação geral da casa, ligando o grande corredor oeste (n.0 6) ao compartimento circular (n.0 15A). Dada a sua estreiteza, será lícito pensar num corredor com paredes rasgadas por arcadas, não obstante a carência de dados arqueológicos e/ou arquitectónicos que o confirmem, uma vez que os muros do corredor desapareceram, restando apenas um pequeno segmento com 2,5 x 0,54 m e 0,32 m de altura. Dimensões do compartimento Ver dimensões do mosaico. Dimensões do mosaico 7,19 x 1,50 m*. Local de conservação In situ. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Tapete bastante bem conservado, apresentando apenas as orlas parcialmente danificadas. Nos topos Leste e Oeste, o pavimento mantem-se à cota original, tendo abatido cerca de 20 cm em praticamente toda a sua extensão. Técnica de colocação Não foi objecto de sondagem. Materiais Calcários. Branco marfim para o fundo; preto para as bordaduras do campo e as peltas; castanho amarelado e terracota para enchimento das peltas e meias luas. Densidade das tesselas 31 tesselas por dm2 na orla. Tesselas com 1,5 a 2 cm de lado. 139 tesselas por dm2 no campo. Tesselas com 0,7 cm de lado. 68 tesselas por dm2 na faixa de ligação ao mosaico n.0 15A. Estratégia de execução As orlas de remate à parede foram realizadas em fiadas paralelas aos muros, bem como a ligação ao mosaico n.0 15A, malgrado a irregularidade que apresenta nessa zona. O sentido da execução vai de Este para Oeste, sendo bem detectáveis as várias mãos que realizaram o mosaico. A Este, a execução é fina e cuidada, quer no corte das tesselas, quer na simetria da sua colocação. Esta qualidade vai-se perdendo progressivamente para mãos menos hábeis, recuperando-se novamente na trança do extremo oeste. Verificam-se algumas irregularidades na dimensão dos triân- PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 125 gulos denteados do ápice da pelta, que se tornam maiores para Oeste, inclusivamente na cor em dois casos a Leste, já não totalmente pretos, mas combinados com cor terracota. Um dos quadradinhos formado pela união das quatro peltas, a Leste, também não foi executado como os restantes: é preenchido com tesselas de cor terracota. Pesem embora estas pequenas irregularidades, detectáveis apenas através de uma atenta observação, a composição foi bem centrada em relação ao espaço disponível não sendo necessário recorrer ao corte de motivos. Restauros antigos Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995 e 1996, com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal. Levantamento tessela a tessela de pormenores. Des. 13. Est. X. Bibliografia Inédito. Descrição Faixa branca (10 cm a Sul, junto ao muro; 20 cm a Norte e de 4,5 a 13 cm a Oeste). A Este, é possível identificar a argamassa de suporte do pavimento musivo e, pelo menos, três fiadas de tesselas brancas, de grandes dimensões, dispostas de forma irregular, com algumas tesselas pretas que desenhavam certamente uma linha de quadradinhos denteados ou florzinhas pretas. Depois, no canto noroeste, as tesselas brancas são exactamente da mesma dimensão das do tapete. Duplo filete preto a Norte, Sul e Este, trança de dois cordões (12,8 m) em fundo preto (cf. Le Décor, est. 71 c) apenas a Oeste; triplo filete branco; duplo filete preto. Composição ortogonal de pares tangentes de peltas adossadas, alternadamente horizontais e verticais (cf. Le Décor, variante da est. 222 d) e e). Cada pelta é desenhada com filete duplo preto com um ápice em triângulo denticulado preto. O interior de cada pelta foi contornado primeiro com duas fiadas de tesselas brancas e, depois, preenchido alternadamente com tesselas castanho amarelado ou terracota. Entre o ápice e as extremidades da pelta, foram adossadas, mas não encostadas, duas meias luas, alternadamente terracota e castanho amarelado, sempre em oposição à cor de enchimento da pelta. As peltas, com 36 cm de envergadura aproximadamente, estão ligadas, na maior parte, através de uma ou duas tesselas pretas, castanho amarelado ou terracota. A união entre as quatro peltas determina rectângulos irregulares preenchidos com tesselas brancas. Comentários A composição é idêntica à que analisamos no n.0 9, com variantes no tratamento cromático das peltas, mas semelhante paleta de cores. Tivemos aí oportunidade de abordar com pormenor a origem e evolução do esquema. Registam-se aqui alguns exemplos da composição aplicados em espaços arquitectónicos similares. Na Britânia, o esquema foi particularmente empregue em corredores no século IV: Fullerton, com peltas pretas e vermelhas e ápice em cruz (Neal, 1981, n.0 46, p. 79), Brancroft, com peltas sem decoração (Neal, 1981, n.0 5, p. 41-42), Thenford, também sem decoração no ápice A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 126 (Neal, 1981, n.0 72, p. 99). Conhecido através de um desenho que não permite identificar a decoração do ápice, o mosaico do corredor de Scampton, obra da Durobrivan Officina, data do terceiro quartel do século III (Johnson, 1982, p. 49, est. 38). Na região do Nórico inventariámos um conjunto expressivo de cinco mosaicos com um esquema de peltas, na variante, mais rara, de ápice em rectângulo, realizados em corredores: em Munique, na villa de Marzoll (Jobst, 1982, est. 9.2) e na esquina entre a Kaigasse e a Pfeifergasse (Jobst, 1982, p. 73-74, est. 35.3 e 36.3), na villa Loig (Jobst, 1982, p. 113-115, est. 49.3), em JohannesPlatz 4, em Luxemburgo (Jobst, 1982, est. 49.1) e em Ausschnitt (Jobst, 1982, est. 49.4). O tratamento das peltas de um mosaico da Basilica Probi de Ravena, datado do século IV, aproxima-se bastante do nosso mosaico (cf. Sansoni, 1998, p. 75), assim como a bordadura do painel de Ganimedes na Sollertiana Domus de Thysdrus, não datado (Foucher, 1964, est. XXIV b; Alexander, 1994, est. CLXIII). Datação Segunda metade do século IV. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 127 N.0 15 Temas A – Composição ortogonal de octógonos e quadrados adjacentes. B –Fragmento com motivo figurado indeterminado. Compartimento Grande compartimento circular a Oeste da casa. Afora um pequeno fragmento da parede a Sudeste (1,80 x 0,70 m), acompanhando a curvatura do mosaico, não existem muitos indícios acerca da sua estrutura arquitectónica. É provável que o corredor fosse porticado, com um espaço central livre. Não há quaisquer vestígios materiais da existência de fonte ou tanque, pesem embora, por um lado, a referência no relatório de escavações a um rebaixamento feito no muro a Sudeste que poderá corresponder a uma canalização e que, com toda a evidência, para aí se dirigia. As características técnicas do fragmento B, encontrado no centro do compartimento, correspondem aos pavimentos de solo (cf. técnica de colocação), pelo que nos parece legítimo interpretá-lo como vestígio de um medalhão central figurado, destruído voluntaria ou involuntariamente. A opção por um compartimento fechado e porticado, como demonstrámos, coaduna-se perfeitamente com uma pavimentação cuidada da zona central. Tratar-se-ia de um espaço de lazer e convívio. Quiçá não fosse este o local ideal para a ninfa descoberta no compartimento 8 e restantes estátuas cujos fragmentos encontramos em vários locais? Dimensões do compartimento Diâmetro máximo: 12 m Diâmetro do espaço central: 6 m Dimensões do mosaico A – Largura da zona de circulação: 3 m. Perímetro: 37 m. B – 18 x 16 cm. Local de conservação A – In situ. B – Nas reservas da CMRM. Área visível aquando da descoberta A mesma que actualmente. Área conservada Malgradamente, sendo o mosaico A o mais belo da estação até ao momento, é também o mais destruído. Conserva-se cerca de 20 % da sua superfície total com tesselado e cerca de 60 % com a simples cama de assentamento. Técnica de colocação Detectaram-se três camadas no corredor: o rudus, formado por pedras, nódulos de cal e areia; o nucleus, constituído por uma argamassa alaranjada muito fina obtida a partir de cerâmica moída e cal (2,5 cm); finalmente, a argamassa de cal da camada de assentamento (1 cm). O fragmento B apresenta um nucleus (3 cm), feito com argamassa acastanhada constituída por areia, nódulos de cal e cerâmica moída (com alguns pedaços bem visíveis a olho nu, atingindo A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 128 por vezes 5 cm) e uma camada de assentamento (1 cm) constituída por argamassa de cal, muito branca. As tesselas apresentam um corte regular e os interstícios são quase imperceptíveis. Materiais A – Calcários. Branco-marfim para o fundo; preto para as linhas da composição, folhas e contorno das peltas; castanho amarelado, ocre violeta, vermelho acastanhado e cinzento francês para o tratamento dos diversos motivos de enchimento. B – Calcário. Branco-marfim para o fundo e preto para o contorno do motivo. Vidro. Azul-turquesa, verde malaquite e cinzento esverdeado para o enchimento do motivo. Densidade das tesselas A – 169 tesselas por dm2. Tesselas de 0,5 cm de lado no campo e 1,5 a 2 cm na orla. B – 270 tesselas por dm2 . Tesselas calcárias com 0,5 cm de lado e 0,7 cm nas tesselas vítreas. Estratégia de execução A realização da orla de remate é de fraca execução: as tesselas foram muito mal talhadas e a sua colocação é bastante irregular, com largos interstícios. A linha de florzinhas é também relativamente inconstante na forma, transformando-se em linha de quadradinhos denteados a Norte. Foram, todavia, mãos bem mais hábeis que realizaram o campo. As tesselas são bem talhadas, muito menores, com interstícios ínfimos, merecendo particular destaque o grande florão junto do acesso ao corredor (n.0 14), motivo de elevada qualidade de execução. Noutros locais do mosaico, nomeadamente a Sul, notam-se novamente mãos pouco hábeis na realização dos nós de Salomão e das peltas. A estratégia de execução é difícil de acompanhar devido ao elevado grau de destruição do pavimento, contudo, é notória a preocupação de apresentar mosaico de qualidade em zonas mais visíveis como é o caso da entrada. Restauros antigo Não existem. Restauros modernos Não existem. Ilustração utilizada Relatório de escavações de 1995 e 1996 com fotografias, cortes estratigráficos e planta. Levantamento geral à escala 1/1 em plástico cristal e tessela a tessela de pormenores. Des. 13. Est. XI, XII, XIII. Bibliografia Inédito. Descrição Painel A Faixa branca (9 cm a Sul; 20 cm a Norte; 50 cm a Este junto à parede) com linha de florzinhas pretas em cruz diagonal, não contíguas (cf. Le Décor, est. 4 j) e irregularmente equidistantes de 50 a 56 cm. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 129 Filete duplo preto; filete quádruplo branco; filete duplo preto. Composição ortogonal de octógonos e quadrados adjacentes delineada a duplo filete preto em fundo branco (cf. Le Décor, variante da est. 164 a). Os octógonos, ligeiramente oblongos a fim de acompanhar a curva do compartimento/pavimento, são internamente decorados com um segundo octógono, singelamente definido por um filete preto, com um motivo vegetal ou geométrico. Assim, na primeira linha junto à orla de remate, há octógonos com florões compósitos de oito elementos não contíguos, quatro em pétalas lanceoladas, contornadas a preto com enchimento cinzento francês muito semelhantes às que descrevemos no n.0 2B e no n.0 10, e quatro em pétalas de lótus com pontas recurvadas (cf. Le Décor, II, variante da est. 268a). O florão situado junto do corredor n.0 14 é o único totalmente conservado: quatro folhas lanceoladas contornadas por um filete duplo preto e preenchidas a cinzento francês, com quatro flores de lótus policromas (76 cm de envergadura máxima). Do pedúnculo preto emerge um cálice, ora vermelho acastanhado, ora castanho amarelado, a partir de onde se desenvolvem três pétalas; as pétalas laterais, inclinadas sobre as folhas lanceoladas, são ocre violeta e a central, revirada, é castanho amarelado ou vermelho acastanhado/ocre violeta em oposição. Na segunda linha de octógonos, o motivo é de cariz geométrico e consiste num arranjo de quatro peltas adossadas com triângulos denteados pretos nas extremidades e no ápice. Nos espaços residuais externos foram colocados triângulos policromos denteados ligados à moldura através de uma pequena linha de três a quatro tesselas pretas. No centro do motivo foi inserido um quadrado de lados côncavos desenhado a filete preto e no seu interior um quadrado denteado com cruz branca nas diagonais, ora totalmente preto, ora policromo. Embora muito destruídas, é possível identificar mais uma linha de octógonos com florões e outra linha com peltas adossadas. Os quadrados entre os octógonos, definidos a filete simples, mostram: florões de quatro pétalas lanceoladas unidas a um círculo preto com enchimento ocre violeta, uma tessela branca no centro e quatro pequenos caules castanho amarelado trífidos; quadrados denteados policromos com cruz branca diagonal e nó de Salomão em fundo preto. Os trapézios, junto à linha externa de remate da composição, apresentam uma flor-de-lis com uma pétala lanceolada central e duas laterais, assentes num filete triplo preto. Parecem todas pretas com excepção da que se situa junto ao corredor (n.0 14): folha central debruada a preto e enchida a cinzento francês, folhas laterais com arranque preto e tratamento vermelho acastanhado/ocre violeta. Fragmento B Num fundo branco destaca-se um motivo em tons de verde e preto: Folhagem? Comentários A composição obtida através de quadrados e octógonos adjacentes conta-se entre os primeiros esquemas usados nos pavimentos de opus tessellatum, sendo também um dos esquemas mais divulgados. É uma composição que encontramos em todas as regiões do vasto Império Romano, considerado na sua expansão máxima. Proporcional à sua larga difusão, é a diversidade de tratamento e a época de utilização. Genericamente, a cronologia da composição vai desde fins do século I a.C. (Blake, 1930, p. 93, est. 44.3) até ao século IV, com especial incidência, entre os século III-IV, no Norte de África (Salies, 1974, p. 10, 141-143, fig. 3. 36), mas sobretudo na Hispânia. Após o desaparecimento do Império Romano do Ocidente, o esquema continuou presente no repertório dos artistas e, olhando à nossa volta hoje em dia, voltamos a vê-lo nos nossos azulejos ou nos nossos tapetes. Considerado, sem fundamentos sérios, invenção dos mosaístas por A. Ovadiah (1980, p. 140) é, porém, globalmente aceite que o esquema lhes foi inspirado dos tectos em caixotões A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 130 (cf. Neal, 1981, p. 27; Balil, 1967, p. 125). Todavia, a questão da sua origem exacta, quer cronológica, quer estilística, permanece problemática. Em 1967, A. Balil considerava não existirem argumentos cronológicos suficientes para estabelecer a prioridade de uma modalidade em relação à outra (p. 125). Nem o estudo mais recente realizado por Alix Barbet e Anne-Marie Guimier-Sorbets parece resolver definitivamente a questão (1984, p. 23-37, est. I-IX). De facto, as autoras apenas registaram um exemplo de caixotões pintados com o referido esquema na abóbada de Anfuschi de Alexandria, datada, com reservas, do século II a.C. e, por conseguinte, esta raridade até ao período republicano pugnaria assim em favor de uma derivação da pintura, mais do que da arquitectura, para o opus tessellatum (Barbet e Guimier-Sorbet, 1984, p. 30 e 37). Sintetizado o essencial da questão em torno da origem da composição, que não nos cabe debater no âmbito científico definido para esta dissertação, interessa-nos integrar o nosso esquema nas variadas cambiantes da composição ao longo dos tempos, a fim de aferir a sua cronologia. Do ponto de vista técnico, o esquema foi tratado de duas formas: em composição ortogonal ou diagonal. Ambas coexistiram geográfica e cronologicamente. O primeiro estádio da composição situa-se entre o século I a.C. e o século I d.C. No século I a.C., encontramos o primeiro exemplo da composição em Roma pavimentando sobriamente o Atrium Vestae, com um desenho a filete preto sobre fundo branco, sem qualquer decoração (Blake, 1930, est. 44. 3). Pouco depois, na transição do século I a.C. para o século I d.C., é adoptada em Pompeia, na Casa di Championnet (Blake, 1930, p. 97-98, est. 24.3) com a mesma sobriedade bicromática, mas também o encontramos em Óstia (Blake, 1930, p. 90, est. 15.1), em Aquileia (Blake, 1930, p. 105-106 e 192, est. 16.3, 21.1, 22.3, 22.3, e 3) e em Este (Blake, 1930, p. 101-102 e p. 109, est. 20). Nos fins do século I, é também conhecido na Grécia, nomeadamente em Olímpia: no caldarium dos Kladeos Baths (Waywell, 1979, n.0 31, p. 300), no corredor dos Kronion Baths (Waywell, 1979, n.0 32, p. 300) e no triclinium do Prytaneion (Waywell, 1979, n.0 33, p. 300), tornando-se bastante comum no século II, última centúria da versão bícroma (Waywell, 1979, p. 307). Ainda no século I, o esquema chegou à Hispânia, nomeadamente às regiões litorais onde os contactos comerciais acentuavam o legado cultural clássico. É o caso do pavimento de opus signinum da Domus da Calle de Lladó de Baetulo, com quadrados nos octógonos, datado do período julio-claudiano (Balil, 1964, n.0 5, p. 90-91, est. III e IV1 e 2) e o pavimento bicromo de opus tessellatum de Ampúrias, ligeiramente mais tardio, com octógonos pretos (Dunbabin, 1999, p. 145, fig. 149). Ambos esquemas são tratados com o máximo de sobriedade, servindo mormente como estrutura arquitectónica de isolamento. Durante o século II, a expansão do motivo acentuou-se, com especial destaque para os ateliês de Vienne, fortemente influenciados pelos modelos itálicos. Estes adoptaram a composição nas suas variantes oblíqua e diagonal e no tratamento em trança de dois cordões ou em filete. Foi também empregue como micro-composição de enchimento. Os dois mosaicos de Orfeu e o mosaico das máscaras têm características comuns no tratamento das linhas da composição em trança. O mosaico de Orfeu, mais antigo, de finais do século II, encontrado no Champs de Marte em Vienne, provém do frigidarium das termas da casa (Lancha, 1977, p. 162, fig. 83-85; Recueil, III, 2, n.0 282, p. 89-93, est. XXXIV a, b-XXXVII). O segundo, de princípios do século III, provém de Saint Romain-en-Gal, na outra margem do rio Ródano e apresenta uma estrutura que evidencia a imagem de Orfeu (Lancha, 1977, p. 162, fig. 79-80). Da mesma época data o mosaico das máscaras de teatro (Lancha, 1990a, n.0 23, p. 51-56). À primeira vista, parece-nos que a opção por este desenho em trança se aplicou a mosaicos com figuras, ao contrário dos exemplos conhecidos com filete, cujos motivos de enchimento são essencialmente florais (Lancha, 1977, p. 162, fig. 81-82, 86 e 86 bis, com 3 exemplos). Ainda nos finais do século II, os mosaístas vienenses adaptaram este esquema a espaços reduzidos dentro de outras composições (Lancha, 1977, p. 162-163, fig. 8bis e 89; Lancha, 1990a, p. 37-38, p. 89-91, fig. 11 e 44 — datam de 170 d.C. e 175-200 d.C. respectivamente). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 131 As regiões mais setentrionais do Império desenvolveram o gosto por esquemas desenhados a filete duplo preto, com octógonos preenchidos com florões, nós de Salomão, cálices de lótus inseridos em molduras quadradas pretas, como é o caso em Soissons (Recueil, I, 1, n.0 64, p. 45, est. XIX), grandes florões de estilos diferentes em Anthée (Recueil, I, 2, n.0 156, p. 26-28, est. III-IX), ou pequenas flores e peixes e aves nos quadrados em Oberweis na 1.a metade do século II (Parlasca, 1959, est. 19-1; Recueil, I, 2, est. E). Estes três pavimentos apresentam como característica comum a preocupação pela não repetição dos motivos de enchimento, característica que retorna no século IV, mas simultaneamente a procura de uma certa sobriedade de estilo clássico, contrariamente ao que sucederá em épocas mais tardias, onde a sobrecarga de motivos variados lhe confere um estilo barroco. O mosaico de Oberweis ilustra bem a desproporção existente entre o espaço disponível nos octógonos e a reduzida dimensão dos florões que os preenchem, deixando à vista grandes áreas brancas do fundo. Seria esta leveza no tratamento a prova mais directa da sua derivação da arquitectura? A mesma impressão nos suscita um mosaico de Óstia, datado da segunda metade do século II, proveniente do Caseggiato del Mitreo di Lucrezio Menandro (Becatti, 1961, n.0 6, p. 14, est. XXII). Na Villa Adriana de Tibur, são grandes florões de estilo severiano que preenchem os octógonos (Gozlan, 1978, p. 75). Na Hispania, os exemplos de opus tessellatum do século II – princípios do século III são poucos. Datado da segunda metade do século II, um mosaico do Museo Arqueológico Provincial de Sevilha, proveniente de Alcolea del Rio, poderá considerar-se um dos primeiros exemplos a apresentar o esquema: trata-se de uma faixa de alongamento de um painel com estrelas de losangos, com uma linha de quatro octógonos e três quadrados desenhados a filete preto, sem qualquer tipo de decoração. Na Casa Basílica de Mérida contamos com outro exemplo. O mosaico pavimentava o corredor oeste do peristilo, apresentando como principais características um traçado a filete cujos octógonos são preenchidos com quadrados, decorados com nós de salomão, rosetas e quatro folhas (Álvarez Martínez, 1990, n.0 51, p. 47, est. 82a e 83b). A pobreza da decoração e a rudeza do seu traçado contrastam flagrantemente com o mosaico de Baco de Itálica, exposto no Museo Arqueológico Provincial de Sevilha e datado da segunda metade do século II — princípios do século III, cujo traçado a trança de dois cordões enquadra várias figuras báquicas (CME, 2, n.0 3, p. 27-28, est. 11-13; Blázquez Martínez, 1984, p. 77, fig. 13). No território actualmente português conhecemos seis exemplos da composição, situados cronologicamente entre princípios do século II e finais do século III, todos eles são provenientes do Conventus Scalabitanus. As suas características estilísticas são bastante singulares e reflectem uma clara influência estética das províncias setentrionais. O pavimento bicromo de Póvoa de Cós (Moita, 1951b, p. 147, est. II; Borges, 1986, n.0 2, p. 13-15, est. IV32) cujos octógonos são decorados com um quadrado preto no interior, é particularmente interessante pela suave transição desta composição para um esquema de octógonos decorados com uma cruz grega e espaços residuais realizados a preto. É bastante óbvio que estamos perante um cubiculum33, com a área do lectus bem demarcada, efeito engenhosamente conseguido pelo mosaísta sem recorrer a dois painéis diferentes, mas aproveitando a mesma grelha do desenho usada de formas distintas. O tratamento da composição filia o mosaico nos seus congéneres itálicos do século I, mas dadas as datações propostas para os pavimentos hispânicos, não deve ser anterior ao século II34. Deve tratar-se do exemplo mais antigo de opus tessellatum do nosso país conhecido até ao momento. Na Casa dos Repuxos de Conímbriga, Bairrão Oleiro analisou três pavimentos policromáticos com esta composição que datou do último quartel do século II, princípios do século III: no oecus-triclinium (CMRP, I, n.0 10, p. 110-116, est. 39-43, 60.2 e 68.5), no corredor entre o peristilo e o pátio sul com a fonte (CMRP, I, n.0 6, p. 94-95, est. 34 e 58.2) e no compartimento virado para o pátio sul, em dois dos painéis que ladeiam o conhecido mosaico do Sileno (CMRP, I, n.0 8, p. 98-103, est. 36 e 59.2). Todos eles são delineados a filetes duplos pretos e os motivos de enchimento repetem-se de forma ritmada, sem recurso a molduras A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 132 est. LIII, LIV e LXXXIX; Germain, 1978, p. 105), com seguidores na Hispânia: Cuevas de Soria e La Sevillana. O apodyterium da villa de Cuevas de Soria (CME, 6, n.0 54, p. 60-63, est. 25). Dentro dos octógonos, emoldurados alternadamente com cálices trífidos alternadamente invertidos e ondas policromas, há florões diversos, enquanto nos quadrados foram desenhadas cruzes. Embora a aproximação ao mosaico n.0 10 seja imposta pelo tipo de esquema adoptado e pelo tipo de florões, há uma relação estilística evidente com o mosaico n.0 3C no tipo de bordaduras em cálices de lótus de que tivemos já ocasião de abordar. Sobrecarregado com decoração, quase sem espaços vazios, este mosaico assume na plenitude a tradição dos mosaicos tardo-imperiais, particularmente os do século IV (CME, 4, p. 63). Para este pavimento, os autores do Corpus espanhol afirmam que possui antecedentes em Itália e paralelos no Norte de África, estando dentro da corrente setentrional com plena actividade em finais do século IV e princípios do século V, apontando paralelos de meados do século V até ao século VI (CME, 4, p. 62). Em dois dos mosaicos de La Sevillana, datados da segunda metade do século IV, o estilo é muito próximo, com octógonos desenhados a trança, linha de ondas policromas e linhas de ressaltos, preenchidos com florões de lis, nós de Salomão e quadrados (Aguilar e Guichard, 1993, n.0 8, p. 135, est. 54-55, n.0 13, p. 139-141, est. 57-58; Aguilar, 1994, n.0 8, p. 290, fig. 9, n.0 13, p. 294, fig. 13). É na Hispânia do século IV que florescem os esquemas desenhados a filete duplo preto, a trança de dois cordões, a linha denteada, grega fraccionada ou bandas em tons dégradê, com motivos de enchimento florais ou geométricos, florões, florzinhas, nós de salomão, etc. O mosaico de Rio Maior enquadra-se neste momento de maior esplendor da produção musiva hispânica. Procura fugir à corrente barroca africana, simplificando as suas molduras ao estilo mais clássico e apostando na valorização dos elementos florais que preenchem os octógonos. Em Mérida, Pesquero e Pisões encontramos os paralelos mais próximos do nosso pavimento, de tal forma que se deve ponderar a hipótese da presença de uma mesma oficina. Em Mérida, existem dois pavimentos: na Ermita de La Piedad (Álvarez Martínez, 1990, n.0 2, p. 34-37, est. 6-7) e na Avenida de Extremadura (Álvarez Martínez, 1990, n.0 17, p. 98-101, fig. 10, est. 48-50), os esquemas são desenhados a filete duplo preto, com segunda moldura nos octógonos realizada a filete preto simples e os elementos de enchimento são de uma semelhança inegável nos octógonos, com o mesmo tipo de florões, alternando com motivos de quatro peltas adossadas com ápice em triângulo e meias luas entre as extremidades, com cruzes denteadas no centro e pequenas linhas nos cantos do octógono ou florões de quatro folhas lanceoladas pretas e nos quadrados, nós de Salomão, flores de quatro folhas lanceoladas pretas cruzes, quadrados entrelaçados com coxim ou rodas denticuladas. Ambos são datados do século IV. Infelizmente, não sabemos se esta oficina era sediada em Mérida e se terá produzido outros pavimentos na cidade. Alvarez Martínez não menciona nenhum paralelo emeritense para os florões ou os restantes motivos. Em Pesquero, a composição encontra-se num compartimento absidal com características peculiares, tratada numa paleta reduzida de quatro cores — vermelho, branco, preto e amarelo — datada da segunda metade do século IV (Rubio Muñoz, 1988a, p. 194, est. II). A repetição dos florões de lis e o tratamento dos quadrados são idênticos aos que encontramos no longo corredor da villa de Pisões (Costa, 1988, sala 15, painel B, p. 105, fig. 7). De resto, os florões são a cópia perfeita dos de Mérida. A datação proposta por M.a Luísa Costa situa-se nos princípios do século III (1988, p. 121). Se nos reportarmos aos nossos comentários atrás, feitos a propósito do mosaico n.0 8 de Conímbriga, datado de finais do século II – princípios do século III, compreende-se melhor a proposta cronológica desta autora. Todavia, o tipo de florões realizados é muito frequente nos mosaicos do século IV, como vimos a propósito do mosaico n.0 2A e, no nosso pavimento, a presença de peltas com ápice em triângulo vem reforçar a datação mais tardia. A presença desta oficina em Rio Maior mostra o carácter itinerante dos grupos de mosaístas, assim como as ligações artísticas à zona emeritense, que ultrapassam as frontei- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 134 ras administrativas. Ao conjunto deve acrescentar-se um dos mosaicos da colecção Marsilla de Caravaca, proveniente de uma villa de Campico de los Mayas, do qual se conhece apenas um fragmento, com execução mais grosseira (cerca de 68 tesselas por dm2) mas com a mesma estrutura e o mesmo tipo de florões, datado do século IV (CME, 4, n.0 89, p. 80, lám 43; Ramallo Asensio, 1985, n.0 103.3, p. 113-115, est. LII). Também com um simples traçado a filete, com molduras internas a filete denteado e fracções imbricadas, o mosaico do apodyterium das termas do Corso Europa em Milão, datado de Maximiano (Mori, 1990, p. 264-265) se aproxima do nosso mosaico pelo tipo de florões e pelos nós de Salomão nos quadrados. Recordando as características do mosaico supracitado de Acholla e tendo em conta um outro mosaico de Thysdrus de fabrico fino e elevada qualidade artística no seus florões, datado do século III (Foucher, 1960, p. 20-21, est. VI), parece-nos credível uma ligação directa ao Norte de África no que se refere à decoração vegetalista, tendo porém bebido de uma fonte comum situada nas regiões setentrionais do Império, a saber, a Gália e o Norte de Itália. O salão norte das termas de Aquileia documenta a composição no reinado de Constâncio II, com enchimentos figurativos e geométricos, onde não é alheia a influência artística africana (Lopreato, 1994, p. 93, est. XLV1 e p. 96, est. L1 e 2). O mosaico do corredor Id das termas de Djebel Oust, datado de finais do século IV (Fendri, 1965, p. 166, fig. 8) revela ainda características clássicas no desenho da composição em filete preto, mas sugere já tendências tardias não só pelas variadas molduras dos medalhões com linhas de meandro fraccionado, ondas, dentes de lobo, trança, folhas de louro ou denticulado largo, como também pelos motivos de enchimento menores marcadamente geométricos, também eles, muito variados. A forma como se apresenta o octógono com florão de cálices largos, apenas com fina moldura em filete, num fundo branco, recorda com bastante proximidade as opções dos mosaístas de Rio Maior. Com traçado a filete preto são ainda numerosos os exemplos conhecidos na Hispânia. Na villa de Freiria descobriu-se um pavimento cuja principal característica reside na repetição do motivo do nó de Salomão em todos os quadrados. O esquema foi publicado numa forma reconstitutiva (Cardoso e Encarnação, 1988). O mesmo traçado foi usado no corredor da villa de Olivar del Centeno, com motivos de enchimento variados — nós de Salomão curvos e rectos, rosetas, florões e rodas dentadas (García-Hoz Rosales et al., 1991, p. 396, fig. 3 e 8). Finalmente, os dois últimos exemplos lusitanos são provenientes de Amendoal: no cubiculum da villa, onde a zona do lectus está decorada com um esquema cujos octógonos estão decorados com cruzes suásticas e os quadrados preenchidos com tesselas amarelas (Santos, 1971-1972, n.0 3, p. 175, fig. 250) e no outro exemplo, ainda mais sóbrio, apenas um quadradinho denteado decora o centro dos octógonos (Santos, 1971-1972, n.0 4, p. 175, fig. 251). A villa parece datar-se de meados ou fins do século IV (Santos, 1971-1972, p. 176). Nas restantes províncias hispânicas, destaca-se a villa de Algoros com cinco exemplos deste esquema, datados da segunda metade do século IV. No compartimento D os octógonos apresentam nós de Salomão num disco preto e flores de oito pétalas, ao passo que nos quadrados há florzinhas (Mondelo, 1985, n.0 5, p. 120-124, fig. 7); na galeria lateral direita do compartimento F, a decoração é semelhante, mas enriquecida com entrançado, suástica, seis e quatrofolhas nos octógonos (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8); no compartimento G, os octógonos possuem estrelas de quatro pontas rodeadas por losango, nós de Salomão em disco preto, quadrado sobre o vértice com motivo vegetal cruciforme, entrançado ou ainda quadrados concêntricos de vértices opostos (Mondelo, 1985, n.0 7, p. 133-134, fig. 9); no impluvium, os octógonos possuem suásticas (Mondelo, 1985, n.0 9, p. 135-140, fig. 11) e, finalmente, na soleira da galeria esquerda, com entrançado e nós de Salomão, numa composição linear (Mondelo, 1985, n.0 6, p. 125-133, fig. 8). O compartimento de acesso ao peristilo da villa de Santa Pola apresenta molduras octogonais internas denteadas com florões no centro (Blázquez Martínez et al., 1993, p. 240-241, fig. 15). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 135 Da mesma época, datam o mosaico do crismon, da villa de Prado, cujos octógonos apresentam uma segunda moldura nos octógonos, realizada a filete simples, enquanto os quadrados levaram o crismón (Torres Carro, 1988, n.0 3, p. 192-195, fig. 4, est. IV-VI; CME, 11, n.0 23, p. 56-57, est. 22, fig. 9), assim como dois pavimentos de Rielves, de meados da centúria, um do compartimento K — triclinium — e outro do compartimento P, cujas composições apresentam octógonos em filete denticulado (Fernández Castro, 1977-1978, p. 225-226, fig. 21, 220-221, fig. 10, respectivamente). Ainda que o efeito estético seja algo diferente, um dos mosaicos da villa de Villafranca, do Baixo-império, manifesta afinidades com o conjunto em análise, destacando-se pelos dois duplos filetes pretos com filete branco de permeio (CME, 7, n.0 50, p. 75-77, fig. 12, lám. 44-48, 58-60). Os medalhões circulares em trança, loureiro, linhas de triângulos ou ondas conferem-lhe também alguma originalidade. Nos quadrados há nós de Salomão como em Rio Maior. As composições desenhadas a trança de dois cordões são também muito frequentes na Hispânia. Um dos pavimentos da villa de Quintana del Marco constitui também um paralelo próximo (CME, 10, n.0 19, p. 33-34, est. 11 e 31). A inserção de florões nos octógonos e as duas molduras internas dos mesmos não só lhe conferem uma certa plasticidade como os aproximam dos lacunaria. O pavimento está datado do século IV (CME, 10, p. 34). No vestíbulo que dá acesso à sala octogonal de Almenara de Adaja, os octógonos apresentam uma moldura interna em linhas de ressalto com enchimento de nós de salomão curvos e rectos, rosetas de folhas de hera, enquanto os quadrados vão decorados com ampulhetas (CME, 11, n.0 14, p. 29, est. 11). Na Casa de Baco em Complutum contamos com outro exemplo, datado de finais do século IV (Fernández-Galiano, 1984, p. 119-133, fig. 7, est. LXX; CME, 9, n.0 4, p. 27-29, fig. 8, lám. 14 e 39). Trata-se do Mosaico dos Cupidos, situado no compartimento centrado no eixo do peristilo a Oeste do corredor — triclinium —, cujos octógonos são preenchidos com quadrados denteados sobre o vértice inseridos numa moldura quadrada e os quadrados com florões. Na Lusitânia documenta-se a composição em trança no mosaico de Oeiras, cujos octógonos são decorados com quadrílobos e nós de Salomão, os quadrados com diagonais e os trapézios da linha de remate da composição com quadrílobo e peltas de ápice e extremidades em triângulo (Borges, 1986, n.0 24, p. 91-103, est. XIX-XX e fotos 45 a 48; Gomes et al., 199635). A divergência cronológica patente nas muitas palavras escritas sobre este mosaico merece alguns comentários. M. Gomes data-o de finais do século II e princípios do século III (et al., 1996, p. 404), enquanto M. Borges o coloca no século IV (1986, p. 101). Na nossa opinião, os critérios apresentados por M. Gomes são insuficientes e os paralelos citados possuem cronologias inseguras pois, com excepção da Casa dos Repuxos, quer St.a Vitória do Ameixial, quer Pisões, ainda suscitam muitas interrogações. Citam ainda como paralelos Campo de Villavidel e o compartimento do Sileno na Casa dos Repuxos (Gomes et al., 1996, p. 388), mencionando adiante o mosaico de Freiria a propósito do nó de Salomão (Gomes et al., 1996, p. 390), sem mencionar contudo a semelhança na composição. A preocupação pela não repetição dos motivos e os tipos usados quer no painel dos octógonos, quer no painel de quadrados e rectângulos adjacentes (nós de Salomão, quadrílobos, xadrez bicromático, linhas em ziguezague ou losangos com quatro paralelogramos) parecem apontar para o Baixo-Império. Por outro lado, a grande maioria dos paralelos que abordámos atrás registam-se nesse período. Finalmente, a pelta situada num canto, preenchendo um octógono truncado no limite da composição, tal como acontece num trapézio do nosso mosaico n.0 3C, deve considerar-se um elemento essencial de datação pois as extremidades são tratadas em triângulo, característica que vimos atribuir-se com segurança ao século IV. Assim, a datação proposta por M. Gomes não encontra fundamentos que possam contrariar a de M. Borges que é, na nossa opinião, a mais correcta. No Museu Nacional de Arqueologia existem quatro fragmentos de mosaico provenientes de Pedras d’El Rei que corresponderão provavelmente ao mesmo pavimento cuja composição, em trança, envolve flores (quadrados) e fauna mari- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 136 nha (nos octógonos) (Machado, 1970, n.0 32, 33, 34, 35, p. 44-47; Santos, 1971-1972, n.0 1, 2, 3, 4, p. 309-310, fig. 330-333). Não há datação proposta para estes fragmentos. Para a Meseta Norte, M. Torres Carro não tem dúvidas em apontar o octógono como a figura geométrica com maior aceitação, quer na versão secante, quer na adjacente (Torres Carro, 1990, p. 225). A mesma autora cita dois locais dessa região com composição de octógonos e quadrados adjacentes: as villae de Prado e de Becilla de Valderaduey (Torres Carro, 1990, p. 225, fig. 1, n.0 3), caracterizando-os como mosaicos com originalidade própria que repete-se no mosaico de Dueñas e vários outros de Almenara. Destaca-se, ainda no século IV, o mosaico do galeria n.0 76 de Liédena, onde o estilo barroquista e pouco criativo é pautado pela repetição dos motivos florais em todos os octógonos36 e a reduzida paleta de cores (CME, 7, n.0 26, p. 49-50, est. 30). Na Gália da quarta centúria também se documenta a composição no seu estilo mais barroco, com esquema desenhado a trança ou cabo de bordos rectos, grinaldas de louro, molduras internas e florões: Portes-Lès-Valence (Recueil, III, 1, n.0 196, p. 141-142, est. LIII), Saint-Sever (Recueil, IV, 2, n.0 220C, p. 100-101, est. LVII a LIX e n.0 221A, p. 102-103, est. LIX, A1,2) e Cieutat (Recueil, IV, 2, n.0 267, p. 142-144, est. LXXXVII-LXXXVIII) e na Britânia, o tratamento da composição segue a tradição do século II com desenho a trança, medalhões internos e florões nos octógonos, como é o caso dos dois mosaicos de Dorchester, sede da Durnovaria Officina: o compartimento 10 do edifício I da Colliton Park e o mosaico com Neptuno da casa situada fora das muralhas, hoje Fordington High Street (Rainey, 1973, p. 61 e 63). Há ainda a registar o mesmo tipo de composição em Barton Farm (Smith, 1969, est. 3.12; Johnson, 1995, p. 37-38, est. 26). A composição mantem-se no imaginário dos artistas orientais até datas bastante tardias, nomeadamente nas basílicas onde coexistirá com o esquema de octógonos secantes (cf. mosaico n.0 7A). É disso exemplo a Igreja de Zahrani do Líbano, datada de 535 (Chehab, 1958, p. 96, est. XLIX-3). O arranjo de quatro peltas adossadas dentro de octógonos documenta-se também durante o século IV no Norte de África: na segunda metade num dos medalhões do tapete geométrico do Triunfo de Neptuno de Constantine (Baratte, 1973, p. 329, fig. 4) e, no final da centúria, no corredor Ic das termas de Djebel Oust (Fendri, 1965, p. 166, fig. 16.2). Em ambos, as extremidades das peltas terminam em volutas. Na mesma época, documenta-se na bordadura do Mosaico da Vida de Alexandre da villa de Soueidié de Baalbeck no Líbano (Chehab, 1958, p. 46-48, est. XXII). Na transição da centúria decoram os octógonos do batistério de uma basílica de Cremona (Sansoni, 1998, p. 79). Datação Segunda metade do século IV. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 137 3. Estudo técnico dos mosaicos Todas as opções tomadas pelos mosaístas na execução dos pavimentos, sejam elas puramente técnicas ou meramente decorativas, devem ser analisadas em função da importância do compartimento ao qual se destinam. “La casa privata è la scena del teatro dove ciascuno recita la propia arte (...)” (I. Baldassare, apud Moreno González, 1995, p. 130). Tais palavras são a ilustração clara das preocupações inerentes à decoração, justificando-se um maior cuidado nas áreas de circulação e compartimentos sociais em detrimento dos espaços domésticos. Esse cuidado revela-se em aspectos técnicos, tais como a densidade das tesselas, a sua colocação, a paleta de cores, a estratégia de execução, nomeadamente no que diz respeito à redução das orlas de remate à parede, à sua cuidadosa realização junto a soleiras de portas e janelas, assim como na eleição dos motivos decorativos. É esse conjunto de elementos técnicos e estéticos que analisaremos nas próximas páginas. 3.1. A construção Apelativo pelo seu carácter decorativo, o mosaico desempenhou também um importante papel na construção do edifício, isolando o solo e facilitando a sua manutenção. Considerava-se parte integrante da arquitectura. É, pois, em Vitrúvio (De Architectura, livro VII, cap. I – Revestimentos e solo) e Plínio (História Natural, Livro XXXVI) que recolhemos as primeiras informações sobre as técnicas e os preceitos de construção de um mosaico. Vitrúvio recomenda, em primeiro lugar, que a superfície do solo seja sólida e nivelada a fim de evitar abatimentos37. Em seguida, o terreno devia ser acamado e compactado através de três camadas distintas de argamassas com constituições diversas (Fig. 11): statumen — camada de seixos rolados que deviam ser do tamanho da cova da mão com cerca de 12 cm; rudus — constituído por 3/4 de areia ou gravilha e 1/4 de cal batida com maço, geralmente por um escravo, numa camada de 22 cm (cerca de 3/4 do pé romano); nucleus — constituído por 3/4 de fragmentos de cerâmica e 1/4 de cal, formando uma camada de 11 cm (seis dedos romanos). Esta última era muito importante porque isolava o pavimento da humidade (Rebetez, 1997, p. 18) Em seguida, procedia-se à colocação das tesselas sobre uma camada de assentamento de natureza carbónica com cerca de 1,5 cm e, por fim, aplicava-se pó de már- – Representação ideal das camadas de assentamento de um pavimento de mosaico. a) tessela; b) camada de assentamento; c) nucleus; d) rudus; e) statumen; f) solo. (Adaptação de Moreno González, 1994, est. 5.a, p. 142) FIG. 11 A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 138 more para conferir solidez às tesselas (Blake, 1930, p. 18). No total, o pavimento devia assentar num leito de cerca de 45 cm. As argamassas deviam estar medianamente secas e compactadas antes de se proceder à colocação das tesselas, recomendação que não é feita por Vitrúvio, mas que o bom senso recomenda a fim de evitar o afundamento das tesselas na argamassa fresca. Na sua Historia Natural (livro XXXVI, 1867), Plínio aponta as mesmas instruções sugerindo o uso de uma camada de seixos sob as tábuas, além de sugerir para o rudus, uma mistura com cerca de uma quarta parte de cerâmica quebrada e para o nucleus, 2/5 de cal (Blake, 1930, p. 18). Para colocar as tesselas era feito um leito com 95% de cal que se estendia sobre a superfície. O polimento era realizado com pedras mais duras do que o calcário usado no pavimento, esfregando água com areias cristalinas muito finas (Blake, 1930, p. 209). Quanto aos instrumentos empregues, não divergiam muito do que hoje são usados pelos nossos calceteiros. O vectis ligneus, citado por Vitrúvio, ou a fistuca citada por Plínio, correspondem ao maço usado pelos calceteiros para compactar as várias camadas (cf. Moreno González, 1995, p. 117-118). Uma espécie de cilindro deve ter sido usado para ajustar as tesselas. Plínio menciona ainda o uso de pedra de polir — cos (Blake, 1930, p. 18). Terão os mosaístas de Rio Maior seguido estas recomendações? Foi o que procurámos indagar. A recolha destas informações nem sempre é fácil, pois a maior parte dos mosaicos conhecidos foram arrancados da sua cama e depositados em museus, sem quaisquer registos arqueológicos. No que diz respeito ao mosaicos escavados na actualidade, o procedimento é bem diferente, uma vez que se podem obter esses dados através de pequenas sondagens em locais apropriados, como foi o nosso caso. Em Rio Maior dispomos da vantagem da ausência de paredes que nos permite a realização de cortes junto à orla dos mosaicos e nas suas lacunas, embora, na verdade, a solução ideal e mais rigorosa seja a escavação total da área sob os pavimentos. A obtenção destas informações só pode realizar-se mediante trabalhos arqueológicos, nem sempre exequíveis. Sendo um trabalho essencialmente arqueológico, pouco interesse tem suscitado nos investigadores, cuja formação é maioritariamente no domínio da História da Arte. Em Portugal, talvez date de 1894 um dos primeiros registos desta natureza. Tratam-se dos registos efectuados por José Umbelino sobre os fragmentos de mosaicos entrados no Museu de Beja e provenientes da villa de Monte do Meio. Diz o autor: “o socalco era formado por 3 camadas, a primeira de metades de tijolo assentes em cal, a segunda de pedra britada ligada com cimento e a terceira, em que assentavam os cubos, só de cimento. O socalco tem altura de 0m,26. (...) O assentamento de cubos e o preparado do socalco nem sempre era assim como se vê no do Monte do Meio. Assim nos mosaicos encontrados na Herdade do Montinho e na da Calçada os cubos assentam em cimento, mas este é lançado sobre tijolo de barro vermelho com 0m,005 de espessura que assenta numa camada de pedra britada ligada com cal. A última camada de tijolo grosso falta. Como este é assente também o mosaico encontrado em Beringel” (apud Viana, 1954, p. 14). Dada a proximidade geográfica dos mosaicos que estudou, as recentes conclusões de M. Pinto no domínio da análise do assentamento dos mosaicos constituem um passo importante na investigação, ainda que ficassem aquém das expectativas (1997, p. 130-134). Com efeito, não nos foi possível retirar elementos pertinentes de comparação com Rio Maior. Na prática, depreende-se destas descrições que as camadas vitruvianas não se têm encontrado na sua plenitude, nem as suas espessuras correspondem às orientações dos autores clássicos. A mesma situação se passa em Rio Maior. Não se verifica uniformidade nas camadas que sustentam os mosaicos, nem nas suas dimensões, nem na sua composição. Do conjunto de mosaicos sondados38, apenas o n.0 7E parece possuir statumen, muito débil, formado por areia, terra e pedras. Os restantes assentam em terra. Quanto ao rudus, ficou muito aquém das dimensões preconizadas por Vitrúvio. Atinge as dimensões máximas no pavimento n.0 1, com 12 cm, PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 139 oscilando nos restantes entre os 8 cm e os 3 cm. É geralmente constituído por fragmentos de materiais de construção, em particular, por tijoleiras nos painéis do peristilo e no n.0 6. Nos pavimentos n.os 2, 3, 4, 5 e 15, trata-se de uma camada de pedras com terra. É apenas no nucleus que se começa a verificar uma certa homogeneidade, quer nas dimensões — entre os 4 e 2 cm —, quer na sua composição — cal, areia e cerâmica moída (excepto o n.0 1). A camada de assentamento de cal é também mais ou menos regular, entre os 3 cm (máximo no n.0 1) e 0,5 cm (mínimo no n.0 3). De um modo geral, as camadas são pouco resistentes, tendo-se verificado numerosos abatimentos nos pavimentos. Não dispomos ainda de explicação para esta heterogeneídade, mesmo em painéis que parecem ter sido realizados por uma equipa de mosaístas. Foram certamente operários diferentes que procederam à preparação do solo, orientando possivelmente as suas opções em função do tempo e dos materiais disponíveis, num local onde existiam estruturas anteriores. O uso de tijoleiras e imbrices na realização de algumas camadas parece apontar nesse sentido. 3.2. As composições O esquema da composição era realizado traçando linhas paralelas ou diagonais a partir do alinhamento das paredes, usando para o efeito cordões, compassos ou réguas, que desenhavam as formas geométricas de base (quadrados, círculos ou losango). A sinopia era gravada com uma ponta em metal ou pintada sobre o nucleus. Ainda hoje é possível reconhecer esse traçado nas lacunas de alguns mosaicos, nomeadamente em Utica ou Acholla (cf. Prudhomme, 1975, p. 339) ou na casa de M. Fábio Rufo de Pompeia (cf. Moreno González, 1995, p. 114-115, est. Ib). Os tapetes construídos com base em grelhas de quadrados constituem a maioria dos casos, sendo também conhecidas grelhas de losangos regulares, obtidas através de uma quadrícula de linhas oblíquas a 600, para os tapetes com motivos hexagonais e, mais raramente, grelhas de rectângulos (Prudhomme, 1975, p. 340). A quadrícula podia apresentar-se sob duas formas: paralela ou oblíqua em relação às paredes. Formas estas que R. Pruhomme definiu como empírica e metódica respectivamente (1975, fig. 23): a primeira consistindo numa quadrícula realizada no centro geométrico do compartimento, prolongando-se sob os lados por módulos, e a segunda consistindo numa malha oblíqua determinada directamente junto das paredes do compartimento. Procuraremos identificar essas malhas nos esquemas de Rio Maior. A qualidade na execução da grelha é tanto maior quanto menores são os motivos truncados ou a largura das orlas de remate à parede. À implantação da grelha não era alheio o sentido de execução a dar posteriormente ao tesselado. Assim, os mosaístas procuraram iniciar o seu trabalho nas zonas mais expostas, ou seja, junto às entradas, progredindo para áreas menos visíveis onde se começam a manifestar os desacertos e os necessários cortes nos motivos. Quando se tratavam de vários painéis a executar em simultâneo por vários artistas, exigia-se coordenação de forma a evitar encontros e impedir que zonas frescas fossem espezinhadas. No que se refere à análise das composições de superfície de cariz geométrico, distinguimos cinco grupos em Rio Maior (Fig. 12) • À base de octógonos: 2A, 3C, 5, 7A, 7C, 10 e 15A. • À base de quadrados e/ou rectângulos, tratados ou não em meandro de suástica: 3A, 3D, 6, 7D1 e 8. • À base de círculos: 1A e 7B. • À base de peltas: 9 e 14. • Em leque: 2B e 7D2. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 140 N.0 COMPARTIMENTO / COMPOSIÇÃO LE DÉCOR CORREDOR ESTE 1A Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados. 246 b) 1B Entrançado. — ABSIDE DO CORREDOR ESTE 2A Linha de octógonos e quadrados adjacentes. 27 c) 2B Concha policromática. — GRANDE SALA SUL 3A Composição ortogonal de meandro de suástica de volta dupla e quadrados. 190 b) 3B Grinalda de folhas de loureiro. 89 f) 3C Composição ortogonal de octógonos e hexágonos oblongos adjacentes, formando 180 g) espaços cruciformes decorados com meandros de quatro suásticas e um quadrado no centro. 3D Composição de xadrez preto e branco. 4 Composição ortogonal de meandro de suástica de volta dupla. 114 b) CUBICULUM Var. de 35 f) CUBICULUM 5 Composição ortogonal de octógonos adjacentes determinando quadrados tratados 166 b) em meandro de suásticas. CORREDOR OESTE 6 Composição ortogonal de meandro de suástica de volta dupla e rectângulos. Var. de 190 b) PERISTILO 7A Composição ortogonal de quadrados e hexágonos oblongos. Var. de 169 a) 7B Composição ortogonal de cruzes de dois fusos entrelaçados. 246 b)) 7C1 Linha de três quadrados adjacentes flanqueados por dois rectângulos erguidos 18 d) também adjacentes, com peltas e quadríbolos inscritos. 7C2 Concha. — 7D Composição ortogonal de estrelas formadas a partir de dois quadrados 177 e) entrelaçados tangentes por um vértice. 7E Composição mista com entrançado de bandas policromas 8 Composição ortogonal de quadrílobos de peltas em redor de um quadrado e de II, var. de 397 d) CUBICULUM 228 c) quatro folhas tangentes. CUBICULUM 9 Composição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais. Var. de 222 d) TRICLINIUM 10 Octógonos, quadrados e hexágonos oblongos (?). (?) CUBICULUM 11 Sinusóides cruzadas (?) CUBICULUM 12 ? (?) CUBICULUM 13 ? (?) CORREDOR 14 Composição ortogonal de pares de peltas alternadamente horizontais e verticais. Var. de 222 d) COMPARTIMENTO CIRCULAR 15A Composição de octógonos e quadrados adjacentes. Var. de 164 a) 15B Fragmento com motivo figurado (?) — Var. = variante FIG. 12 – Tabela de composições de superfície. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 141 Não restam dúvidas quanto ao predomínio das composições à base de octógonos nos três sectores da residência, quer de forma bem individualizada (n.os 2A, 3C, 5, 10 e 15A), quer de forma mais subtil (n.0 7A e 7C). É a situação mais frequente nas villae hispânicas do Baixo-Império com pavimentos de mosaicos. Apenas os n.os 2A e 15 A apresentam um esquema idêntico de octógonos adjacentes, ainda que a grelha usada tenha sido distinta pelas características específicas dos locais. A adaptação de uma malha ortogonal a um compartimento circular obrigou a algumas perícia técnica por parte dos mosaístas, obrigando ao alongamento dos octógonos. Não estando perante um programa decorativo coerente e homogéneo, é difícil estabelecer paralelismos no traçado da sinopia ou da malha mestra. Em todos os esquemas os módulos variam consideravelmente, procurando adaptar-se ao espaço arquitectónico disponível. As composições à base de quadrados e/ou rectângulos, tratadas ou não com meandros de suásticas remontam aos primórdios do opus tessellatum e nunca abandonaram os repertórios artísticos. Não havendo dois esquemas idênticos na casa, tal como no caso anterior, torna-se difícil estabelecer comparações. Os dois mosaicos com esquemas à base de círculos desenrolam uma composição idêntica, em espaços com igual funcionalidade. Tratam-se de esquemas de cruzes de dois fusos aplicadas em dois corredores da casa. Apesar da proximidade do esquema, transparecem diferenças notórias que vêm reforçar a ideia de produções independentes. Estas diferenças, ressalvadas nos comentários críticos do catálogo, foram essencialmente estilísticas, mas técnicas também. Apesar de disporem de espaços arquitectónicos com larguras muito aproximadas (2,05 m no n.0 1A e 2,14 m em 7B), a estratégia de execução obedeceu a uma sinopia diferente: no n.0 1A, uma linha de círculos com cerca de 2,05 m de diâmetro entrelaçados e semi círculos laterais foram suficientes para desenhar duas fiadas de cruzes de fusos completas; no n.0 7B, o pictor parietarius desenhou três círculos com cerca de 1,02 m de diâmetro e semi círculos laterais a fim de realizar quatro fiadas de cruzes de fusos. O resultado final foi um esquema mais apertado em 7B, com fusos muito fechados, não deixando espaço para decoração suplementar, em forma de colchetes afuselados, contrariamente ao 1A, com muitos espaços residuais. Os mosaicos n.os 9 e 14 apresentam também uma composição comum à base de peltas. A pelta é, aliás, um dos motivos individuais mais repetidos em Rio Maior. Nos dois pavimentos em apreço, as peltas apresentam afinidades na estratégia de execução: inserem-se com alguma perfeição num semicírculo de 1800, alinhando-se rigorosamente o ápice aos 900, ainda que o diâmetro apresente uma diferença de cerca de 2 cm (12, 3 cm nos n.os 9 e 14; 2 cm no n.0 14). É provável que estas ligeiras diferenças se devam apenas à necessidade de adaptação ao espaço disponível, tendo a grelha sido realizadas pela mesma mão. O tratamento posteriormente dado às peltas foi ligeiramente diferente no que se refere apenas às opções cromáticas, pois ambas possuem ápice em triângulo e meias luas colocadas entre as extremidades. Os dois motivos em leque, tratados em concha (n.os 2B e 7 D2), apresentam diferenças substanciais que nos permitem afirmar que se tratam de dois trabalhos independentes. Em primeiro lugar, a paleta de cores, muito pobre no n.0 7D2, contrariamente ao n.0 2B. Esta reflecte-se também na técnica de obter o dégradê de cores das caneluras. Se, no n.0 2B, o artista usou de forma exímia a tonalidade da pedra para salientar zonas sombrias e zonas de luz, no n.0 7D2, foi recorrendo ao denticulado que ele imprimiu algum volume ao motivo. Em segundo lugar, é notório o maior naturalismo do n.0 2B que contrasta com a rigidez e o geometrismo do traçado do n.0 7D2. As composições lineares foram usadas em Rio Maior para moldurar os tapetes musivos e decorar soleiras (Fig. 13). Alguns dos motivos dessas composições lineares foram de divulgação tão alargada no espaço/tempo e de mudanças formais imperceptíveis, que dificultam a identificação de particularismos capazes de levar à identificação de grupos oficinais. Os mosaístas que trabalharam em Rio Maior foram pouco imaginativos, recorreram ao repertório mais tradicio- A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 142 nal, de cariz geométrico, com excepção da folhagem de acanto, também ela de longa vigência nas artes decorativas do mundo antigo. A trança conta-se entre esses motivos tradicionais (cf. Blake, 1930, p. 196). Os ateliês que trabalharam em Rio Maior obedeceram ao critério tradicional, aplicando tranças de três, quatro ou mais cordões nas bordaduras dos tapetes e as de dois cordões para as molduras das figuras geométricas internas: as cruzes no n.0 1A, os octógonos no n.0 3C e 10, os quadrados no n.06, os octógonos secantes no n.0 7A e as estrelas no n.0 7C. Na ausência de outros indícios, foi analisando as opções cromáticas que inferimos alguns dados pertinentes quanto aos hábitos dos seus autores. Com efeito, destaca-se um grupo de três pavimentos (n.os 1A, 3C e 6) com igual paleta de cores nas tranças: nas de dois cordões, o ocre castanho com o vermelho acastanhado e, nas mais largas, a mesma paleta acrescida de ocre violeta e cinzento francês. Com excepção dos n.os 3C e 1A, cada cordão é individualmente tratado com uma cor, com a excepção óbvia do preto e branco, sempre presente. O outro grupo é formado pelos painéis do peristilo, nomeadamente os n.os 7A e 7C. O colorido foi mais acentuado, combinando duas a três cores em cada cordão e alternando a paleta no correr da própria trança (n.0 7C, nas estrelas). Esta oficina introduziu o ocre rosa claro, o cinza claro e metálico e o castanho amarelado que conferem mais luminosidade ao motivo. A paleta do n.0 10 apresenta-se muito mais reduzida, pois apenas três cores servem de base a uma trança múltipla. A soleira n.0 1B é particular pela sua condição, mas obedece às características do sector Sul: uma cor/um cordão, com a mesma paleta. Outro dos motivos lineares largamente empregues em Rio Maior foi o meandro de suástica, quer na variante de volta simples, quer na de volta dupla. Todos os meandros são desenhados a filete duplo preto, evidenciando-se novamente no sector Sul a insistência numa tendência decorativa particular. Com efeito, o meandro duplo é usado como alongamento no mosaico n.0 3C, nas bordaduras laterais no mosaico n.0 3A e em composição de superfície no n.0 4 ou combinada com figuras geométricas tais como os rectângulos e quadrados (n.os 3A e 6) ou octógonos (n.os 3C e 5). O meandro do peristilo apresenta características técnicas próprias que o distinguem do grupo anterior. Por um lado, circunda totalmente o tanque, emoldurando também exteriormente os tapetes e separando os vários painéis. Por outro lado, os braços da cruz fundem-se com os filetes pretos que lhe serve de moldura. As restantes composições lineares são aplicadas apenas uma vez, pelo que não permitem análises pertinentes. Registam-se bordaduras geométricas em dentes de lobo, dentes de serra, meandro fraccionado com fracções imbricadas, guilhoché e vegetalistas em acanto na grande abside, não esquecendo a composição linear em folhas de loureiro da soleira n.0 3B. O recurso a bordaduras duplas não é frequente, registando-se apenas nos n.os 1A, 5 e 10, certamente por necessidades de ajustamento geométrico da composição ao espaço disponível. Em relação aos motivos singulares que povoam as composições, remetemos para a Fig. 14 e para os respectivos comentários nas fichas do corpus. Consideradas um elemento secundário na construção do mosaico, tem sido negado às orlas de remate à parede um lugar próprio nos estudos versando sobre mosaicos. Do ponto de vista estético, não merecem grandes comentários, porém, o mesmo não poderá dizer-se da sua vertente técnica. Realizada geralmente com tesselas de maiores dimensões, por economia de tempo, a sua função reside simplesmente no colmatar dos espaços residuais criados junto à parede, depois de ter sido centrado o tapete. Efectivamente, não existia sintonia entre a estrutura arquitectónica do edifício e a sua pavimentação, quando musiva, ou seja, ambas eram projectadas separadamente, levando esta última a obedecer às restrições métricas da primeira. A largura da orla podia variar bastante consoante os lados, como veremos em Rio Maior. A perícia e arte do mosaísta consistiam, pois, em encaixar uma composição geométrica sem cortes, num espaço já dimensionado, reduzindo ao máximo estas faixas. Esta perícia evidenciava-se sobre- PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 143 MOTIVO LE DÉCOR MOSAICO Cálices de lótus alternadamente invertidos 62 c) 3 C, 11 Dentes de lobo Dentes de serra 10 c) — 1A 3B Faixa de ressaltos rectangulares Filete simples 30 b) 1 a) 6 Todos Filete duplo Filete denticulado 1 i) 2 j) Todos 3C Filete em ziguezague Folhagem de acanto Var. in 199 b) Var. de 64 e) 6 2B Guilhoché Meandro fraccionado com fracções imbricadas 74 f) 32 d) e 32 c) 5 7A, 10 Meandro de suástica de volta simples Meandro de suástica de volta dupla var. de 35 d) 35 f) 7 3A, 3C, 4, 6 Onda policromática Pares de linhas quebradas cruzadas opostas var. de 60 d) 21 d) 7A, 7B, 7C 7A Quadrados sobre o vértice Quadrados denteados sobre o vértice 14 e) — 4 7B Trança de dois cordões Trança de três cordões 70 j) e 71 c) 72 d) 1A, 3C, 6, 7A, 7D, 10, 14 1A, 6 Trança de quatro cordões Trança múltipla — 73 f) 3C 10 FIG. 13 – Tabela de composições lineares. tudo nos mosaicos geométricos, onde os cálculos matemáticos e a geometria eram essenciais, ao contrário dos motivos figurados inseridos numa estrutura simples, mais fáceis de enquadrar. Apesar de se considerar secundária, aliás muitas vezes escondida por mobiliário, não deixou por isso de merecer algum cuidado particular, quando a largura o permitia ou a exposição ao olhar o exigia, decorando-se com pequenos motivos tais como os quadradinhos denteados, as florzinhas simples ou em cruz, quase sempre realizadas em preto sobre fundo branco. Era certamente por este trabalho que começavam os aprendizes de mosaísta. Em Rio Maior, a observação cuidada da execução das orlas de remate à parede revelou-se extremamente útil na identificação, ainda que dúbia, de zonas de passagem, na ausência de estruturas arquitectónicas. Dessa observação, há a reter alguns aspectos fundamentais: a decoração, a variação na dimensão das tesselas e a qualidade da sua colocação. Assim, destacam-se alguns locais de passagem: n.0 1A (para o n.0 8), n.0 8 (para o n.0 9) e n.0 9 (para o n.0 4). A decoração da orla este do painel n.0 3C e da orla do n.0 15A prende-se com a sua excessiva largura (28,5 cm no mínimo no n.0 3C e 50 cm no n.0 15A) e não com a presença de passagens. Eram naturalmente zonas de maior exposição visual. Na maior parte dos pavimentos, a orla encontra-se destruída devido à remoção das paredes, limitando as nossas observações. De facto, é plausível que existissem outras orlas decoradas, algumas até nos poderiam levar a identificar a presença de janelas. Todas as orlas encontradas até ao momento foram realizadas com tesselas brancas de maiores dimensões comparando com as dos tapetes. É notória a reduzida faixa branca que liga alguns pavimentos quando a sua execução é feita por uma só equipa. Veja-se, nomeadamente, o caso das soleiras n.os 1B, 2A e 3B, e ainda a ligação sul do n.0 1A. Nestes casos, a união é feita mediante a colocação de três a quatro filetes brancos. Pelas suas características geométricas, compreende-se a irregularidade da ligação entre o n.0 14 e o n.0 15A (de 4,5 a 13 cm). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 144 MOTIVO LE DÉCOR MOSAICO Coxim entrelaçado com quadrado Cruz grega denteada — — 5, 7A, 7D 3C Entrançado polícromo Florzinha In 19 — 1A, 3A, 6, 8 3C, 15A Nó de Salomão curvo Nó de Salomão recto In 59 e) e 115 d) e e) In 125 c) 1A, 3C, 5, 15 A 7A Nó de Salomão entrelaçado com quadrado Nó de quatro colchetes Var. in 41 a) Var. in 245 e) 7A 7D Pelta simples Pelta com extremidades em cruz — Var. in 57 f) 7C1, 8 3C Pelta com ápice em triângulo denteado Quadrado denteado Var. in 58 a) 5 a) ou d) 9, 14, 15A 3C, 7A, 8, 9, 11, 14, 15A Quadrado denteado com cruz Quadrado direito — 15 d) 1A, 2A, 15A 3C, 10 Quadrílobo Quadrílobo recto — — 3A, 7A, 7D 7A Roda denticulada Triângulo denteado — — 2A, 11 2A, 15A Triângulo direito Xadrez polícromo — Var. 8 b) 1A 1A, 3C Flor de lis II, 268 a) 1A, 2A, 3C, 10, 15A Florão de lis e folhas lanceoladas II, 268 a) 2A, 5, 10, 15A Florão de pétalas de cinco pontas e filamentos II, 257 c) 2A, 3C Florão de quatro folhas lanceoladas e filamentos nos intervalos — 15A Folha de hera In 83 b) 2B Quatro folhas In 237 b) 8 Seis folhas — 11 Geométricos Vegetalistas FIG. 14 – Tabela de motivos singulares. Em geral, as larguras das orlas são muito variáveis, inclusive de lado para lado, registando-se casos de 4,5 cm até 14 cm, sem decoração. Nos casos em que se estucavam posteriormente as paredes, as orlas visíveis eram reduzidas, pois as camadas de preparo das paredes sobrepunham-se ao tesselado. Ainda podemos observar um exemplo dessa situação na orla ocidental do n.0 3A. Quanto à estratégia de execução das orlas, podemos identificar duas técnicas: em fiadas paralelas à bordadura do tapete ou fiadas perpendiculares. A primeira exigia maior perícia uma vez que a largura do espaço devia ser constante, sob pena de faltar espaço para terminar fiadas. Era reservado para zonas de grande exposição visual: n.os 1A, 2, 3C, 4 (Norte, Sul, Este), n.0 7 (junto ao tanque e na abside), n.os 9 e 14. A segunda técnica documentada em Rio Maior consistiu na combinação de fiadas paralelas e perpendiculares. Assim, o operário realizava duas a três fiadas paralelas à bordadura, colmatando o espaço restante com fiadas perpendiculares. Dependendo da simetria das tesselas, o efeito era mais ou menos conseguido. Respondia-se, desta forma, aos problemas colocados pela irregularidade das orlas a pavimentar. Atendendo a que parte destas tesselas era coberta pelo estuque da parede, o operário descurava as últimas linhas (n.os 3A, 3B, 5 e 15A). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 145 N.0 Densidade em dm2 (no tapete) Dimensão das tesselas em cm (no tapete) 1A 1B 2A 2B 3A 3B 3C 3D 4 5 6 7A 7B 7C 7D 7E 8 9 10 11 12 13 75 82 119 101 81 99 98 34 138 78 154 122 116 110 109 120 106 137 82 180 — — 1 1 0,8 1 a 1,5 1 1 1 2 a 2,5 0,7 1 0,7 0,8 1 1 1 1 0,8 0,7 0,7 0,5 — — 14 15 139 169 0,7 0,5 FIG. 15 – Densidade do tesselado (por ordem do Corpus). N.0 Densidade em dm2 Tipo de compartimento 11 15A 6 14 4 9 7A 7E 2A 7B 7C 7D 8 2B 3B 3C 10 1B 3A 5 1A 3D 180 169 154 139 138 137 122 120 119 116 110 109 106 101 99 98 82 82 81 78 75 34 indeterminado corredor circular corredor corredor cubiculum cubiculum peristilo peristilo ábside peristilo abside do peristilo peristilo cubiculum peristilo soleira grande sala sul triclinium soleira indeterminado indeterminado corredor nicho FIG. 16 – Densidade do tesselado (por ordem decrescente). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 146 Finalmente, a análise da densidade do tesselado pode trazer informações muito interessantes (Figs. 15-16). Registámos várias densidades nos tapetes principais que podem ser usadas para determinar compartimentos mais ou menos importantes ou oficinas diferentes. 3.3. A paleta dos mosaístas Ausente na quase totalidade dos corpora e outras obras sobre mosaico romano, o estudo da paleta de cores reveste-se do maior interesse na determinação de tendências cromáticas nos vários centros produtores. A cor, por sua vez, é indissociável do material que a constitui. É no domínio da petrografia que os progressos têm sido mais acentuados. O seu interesse, não sendo unicamente artístico/técnico, é também económico, uma vez que se procuram identificar os locais de origem dos materiais e os circuitos económicos inerentes. Em 1983, Janine Lancha lançou-se num aturado estudo da paleta de cores do Mosaico Cosmológico de Mérida cujos resultados constituem um marco importante neste domínio e um modelo a seguir (1983, p. 37-41). S. Gozlan desenvolveu outro importante estudo em Acholla (1992, p. 267-271). Recentemente, o CMRP, II, 1, dedicado à villa de Torre de Palma, procura dar continuidade a um aspecto importante do estudo técnico dos pavimentos, aliando a análise petrográfica à análise cromática de um conjunto de painéis muito heterogéneo, com variadas paletas de cores (p. 281-298). Em Rio Maior, a situação é de análise bastante simplificada uma vez que o material é idêntico em todos os mosaicos, facto que nem sempre acontece, mas que aqui permite uma visão de conjunto homogéneo, ainda que as produções não sejam, a priori, obra de uma mesma oficina. Destacam-se, em Rio Maior, dois grupo de materiais/cores: os calcários e os vidros. Os primeiros presentes nos pavimentos in situ e os segundos recolhidos à superfície um pouco por toda a área da estação. Ao estudo científico da cor, erguem-se alguns obstáculos aos quais qualquer investigador deve prestar a devida atenção, ponderando sempre o seu peso nas ilações finais. Em primeiro lugar, o problema da subjectividade da leitura óptica inerente à natureza humana. É um combate difícil de vencer enquanto carecermos de um código adequado aos materiais que constituem os mosaicos. Os códigos vulgarmente usados na cerâmica (Cailleux e Munsell) são redutores por não possuírem os verdes, os azuis ou os rosas. A opção pelos lápis de cores Derwent, ou outro tipo como os Caran d’Ache apresenta a vantagem de poderem ser combinados de forma a obter a mistura exacta da cor, numa tonalidade pétrea que a aproxima da realidade (Fig. 17). A iluminação do local constitui outro factor a ter em conta na leitura da cor. Como factor exógeno ao investigador, são as próprias alterações sofridas pelo mineral. Com efeito, os calcários que compõem os nossos mosaicos alteram facilmente com a humidade ou as variações de temperatura. A divulgação científica é o último obstáculo deste processo. As reproduções tipográficas alteram os padrões cromáticos das ilustrações, deitando a perder horas de trabalho na afinação de cores. Colmatar estas deficiências constitui uma meta importante da investigação actual. Assim, atendendo às limitações das reproduções feitas a partir do material original, apresentamos as combinações cromáticas utilizadas para obter a paleta (Fig. 17). Ainda aqui, a intensidade imprimida ao lápis pode levar a variações, porém, menos graves em relação a outros procedimentos. Os mosaístas que trabalharam em Rio Maior dispunham de uma paleta variada de cores que procuram combinar de forma homogénea (Fig. 18). Todos os fundos dos esquemas são brancos, numa tonalidade marfim, enquanto as composições são todas traçadas a filetes pretos. As restantes cores, caracterizadas por ocres castanhos e rosas, vermelhos e cinzentos, são reservadas para os vários motivos de enchimento e para as tranças das bordaduras e estruturas. Nos pavimentos in situ não há registo de tesselas de vidro que encontraremos, no entanto, espalhadas à superfície, um pouco por toda a área da estação (Fig. 19). PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 147 FIG. 17 – Paleta de cores (DW = Derwent). A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 148 PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 149 N.0 Branco 1A • 1B • 2Ar • 2B • 3A • 3B • 3C • 3D • 4 • 5 • 6 • 7A • 7B • 7C • 7D1 • 7D2 • 7E • 8 • 9 • 10 • 11 • 12 — 13 — 14 • 15 • Total 23 FIG. 18 Preto Castanho Castanho Ocre Rosa amarelado amarelado castanho • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • — — • • 23 • • • • • • • • • • • • • • • • • • — — — — • • 10 • • • • • • Ocre Ocre Ocre Cinza Cinza Cinza Cinzento Vermelho Terracota Vermelho Total rosa rosa violeta bronze claro francês metálico alaranjado acastanhado claro escuro • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • — — • • • • • • • • • • • • • • • • • • — — — — — — — — • • • — — — — • 3 15 2 3 3 13 • • • • • • • • • • • — — • 9 8 • • • • — — — — — — — — 5 1 3 17 • 2 • • • • • 5 7 7 13 5 5 7 2 2 6 6 8 7 6 6 4 10 5 6 7 7 — — 4 6 – Tabela de cores. Os calcários locais foram suficientes para fornecer esta variada gama (Apêndice I). Geralmente, é às pedreiras locais que os mosaístas recorrem para obter os materiais necessários ao seu trabalho. A região da Serra de Aire e Candeeiros, ainda hoje conhecida pela sua excelente rocha, foi explorada na época romana sabendo-se que, por exemplo, Conimbriga recebeu calcários do maciço de Porto de Mós (Alarcão, 1988a, p. 136) e que, na freguesia das Lapas (Torres Novas), existiu uma pedreira que forneceu matéria prima às villae de Silvã e Cardílio (Real, 1997, p. 79). Não há registo de outros materiais tais como a cerâmica39 ou o mármore, frequentes em pavimentos musivos, como é aliás o caso em Conimbriga e em Vila cardílio. As cores azul e verde estão também ausentes nos mosaicos in situ encontrados até à data. É provável que nem sequer venham a ser usadas noutros pavimentos por exumar, dada a sua inexistência na região. Na generalidade dos pavimentos, a diversidade de cores vai desde duas cores, nos n.os 3D e 4, ao máximo de treze cores, no n.0 2B, tendo a grande maioria dos mosaicos uma paleta de cinco a seis cores. Se prestarmos atenção aos compartimentos onde a paleta é mais variada, poderemos chegar a conclusões muito interessantes que vêm confirmar os nossos comentários em relação à funcionalidade dos mesmos. Assim, a grande abside (n.0 2B) com uma concha de treze cores confirma a sua importância e reforça a ideia de um acesso com vista directamente sobre ela. Trata-se, indubitavelmente, do mosaico mais trabalhado do ponto de vista técnico. Em seguida, o painel de bandas entrançadas (n.0 7E) da ala ocidental do peristilo, com dez cores, também se destaca do conjunto pelas suas características estilísticas que tivemos ocasião de analisar. Finalmente, com uma paleta de oito cores, temos o mosaico n.0 7A e, com sete cores, os pavimentos dos compartimentos mais expostos e frequentados: o corredor da entrada (n.0 1A), o grande compartimento a Sul (n.0 3C), o triclinium (n.0 10). Quanto aos restantes, a sua paleta mais reduzida indica possivelmente um papel secundário. A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 150 Resta-nos ainda mencionar o fragmento n.0 15B, não incluído na tabela por não se encontrar in situ. Apresenta uma paleta de cinco cores, três delas em tesselas vítreas. É o único fragmento com utilização de vidro. O fundo é branco e os contornos do motivo são traçados a preto. Quanto à frequência da cor no conjunto dos pavimentos, os dados apresentados são relativos porque, a rigor, deveríamos contabilizar tessela a tessela. Servem, porém, como visão global aceitável tendo em conta o excessivo preciosismo de uma contagem tão pormenorizada. Assim, como é corrente, preto e branco estão presentes em todos os pavimentos, depois salientam-se o ocre castanho, vermelho acastanhado, ocre violeta e castanho amarelado. A associação de cores mais frequente, mormente nos motivos em trança, consiste no castanho amarelado ou, em opção, ocre castanho, com o vermelho acastanhado. Nos mosaicos n.os 1, 3, 6, 8 e 9 o ritmo de cores é análogo, contrariamente aos painéis do peristilo onde se assiste a uma explosão de cores, mais exuberantes pelas combinações realizadas. Os rosas e os castanhos amarelados combinam-se com cinzentos e terracotas, acentuando-se o recurso à gradação de cores. As alas B e F caracterizam-se pelas suas cores mais suaves, em tons pastel. Um outro aspecto interessante do estudo técnico refere-se ao talhe e às dimensões das tesselas. Não possuímos muitas informações nas fontes antigas neste domínio, mas um relevo proveniente da necrópole de Isola Sacra em Porto (no Museo degli Scavi di Óstia) poderá constituir uma das poucas provas iconográficas conhecidas, ilustrando o trabalho de talhe da pedra, eventualmente com vista à obtenção de tesselas (Moreno González, 1995, p. 115, est. 4A). O talhe das tesselas reflecte a perícia dos artistas que executaram os pavimentos, sendo obviamente mais esmerado o trabalho, quanto menor for o tamanho da tessela. Os mosaicos com uma execução técnica mais cuidada são os n.os 4 e 9 e algumas áreas do n.0 15A, contrastando com a zona do peristilo cuja densidade do tesselado é homogénea (entre os 122 e 109 tesselas por dm2). Quanto ao uso de tesselas de vidro, não sabemos de onde provêm uma vez que se recolheram à superfície do terreno e nos vários estratos (Fig. 19). Aliás, algumas encontravam-se presas na concreção calcária que cobria os pavimentos (n.os 8 e 9). Permanece a dúvida sobre a sua aplicação: pavimentos destruídos ou mosaicos parietais? Apenas no fragmento n.0 15B, de pavimento, se encontram aplicadas. Não quer isto dizer que todas tenham tido o mesmo fim, pois, apenas se identificaram três cores nesse fragmento. Contabilizámos mais de três dezenas de cores distintas, número invulgar para contextos similares: • Incolor translúcido • Azul-safira translúcido • Branco opaco • Azul-céu translúcido • Branco levemente cinza • Azul-ceú opaco • Verde -água • Azul-real • Verde-opala • Azul-marinho • Verde-jade • Azul-pálido • Verde-esmeralda escuro • Azul-cinza • Verde amarelado • Jade escuro • Verde-tília • Cinzento claro • Verde-malaquite • Cinzento-aço • Verde-veronese • Cinzento prateado • Verde-turquesa • Bistre opaco • Verde inglês escuro • Bistre translúcido • Verde-tropa claro • Antracite • Verde-azeitona • Carmim • Azul ultramarino • Açafrão • Azul-turquesa • Castanho PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 151 FIG. 19 – Tesselas de vidro recolhidas à superfície. 3.4. Os mosaístas Sabemos hoje em dia que as oficinas eram itinerantes e os operários organizados segundo uma hierarquia de funções40: Não entraremos na polémica discussão das oficinas41, no sentido estrito do termo, pois a divulgação do opus tessellatum levou a uma certa estereotipia dos esquemas decorativos e, por isso, apenas nos limitaremos a distinguir grupos diferentes que trabalharam em Rio Maior com base no repertório estilístico. Os indícios da presença de mais de um grupo de artesãos em Rio Maior são inúmeros e já tivemos ocasião de abordar alguns deles a propósito das bordaduras em trança e em meandro A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 152 de suástica. Com efeito, podemos individualizar dois a três grupos que poderão corresponder a oficinas diferentes. Num primeiro grupo, incluímos grande parte do sector sul, a saber, os mosaicos n.0s 1, 2, 3 e 6, assim como o n.0 8, no sector norte. Os elementos que dão sustento à nossa leitura são de ordem variada. Em primeiro lugar, as características técnicas e estilísticas dos pavimentos: a paleta de cores, nomeadamente a insistência na combinação cromática do ocre castanho com o vermelho acastanhado nas tranças e entrançados (n.os 1, 3, 6, 8), particularismos que não se identificam nos restantes pavimentos; a presença das pequenas flores-de-lis pretas (n.os 1A, 2A) ou policromáticas (n.0 3C); os florões radiais (n.os 2A, 3C); os quadrados com enchimento em entrançado (n.os 1A, 3A, 6 e 8). Em segundo lugar, razões de ordem estética/cronológica, pois formam um grande conjunto com grandes ligações artísticas às províncias norte africanas (Proconsular, Numídia,...) onde encontrámos a origem da maioria dos esquemas decorativos, preenchidos com motivos menores que correspondem, grosso modo, ao século IV. Ainda assim, há que dar um destaque particular ao painel n.0 3C cuja qualidade de execução e variedade decorativa se superioriza em relação aos restantes mosaicos incluídos neste grupo, pautados por um padrão decorativo monótono e sem imaginação. O mesmo artista que produziu os melhores motivos do painel n.0 3C esteve também envolvido na realização da soleira n.0 2A e, quiçá, na concha da abside, n.0 2B. O segundo grupo que se destaca pela qualidade técnica da execução inclui os mosaicos n.os 4, 9, 14 e 15A. O principal indício que nos levou a esta associação reside na densidade de tesselas por dm2. De facto, oscilando entre as 169 e as 137 tesselas por dm2, constituem os melhores pavimentos da residência. A filiação estética de onde provêm e a cronologia são as mesmas do grupo anterior, por isso, acreditamos que tivessem trabalhado simultaneamente, em diferentes espaços da residência. Não se trata de um facto inusitado pois já M. Torres comentava esta forma de trabalhar nas residências da Meseta Norte da Hispânia (1990, p. 233-234). É compreensível que oficinas pequenas ou médias não possuíssem meios humanos suficientes para cumprir prazos de execução, que se pretendem curtos em espaços domésticos, tendo o proprietário, por isso, recorrido a duas oficinas ou contratados separadamente os artesãos. Assim, talvez se justifique melhor a presença de elementos decorativos da mesma índole com execuções de qualidades diferentes. Falamos dos florões de lis, presentes em ambos grupos, mas com maior apuro técnico no mosaico n.0 15A. Neste grupo, há ainda a destacar a predilecção pelo emprego das peltas, quer em superfície total (n.os 9 e 14), quer em espaços secundários (n.0 15A). As singelas bordaduras podem ainda constituir outro indício importante. Tratam-se de filetes pretos duplos que contornam as composições em todos os mosaicos deste grupo. A trança do n.0 14 não é aqui utilizada como moldura, mas serve antes de alongamento do painel. A paleta é outro elemento comum, apresentando uma gama reduzida de cores: duas (n.0 4), quatro (n.0 14) e seis (n.os 9 e 15A). No terceiro grupo integramos toda a área do peristilo (n.0 7) e, com reservas, o triclinium (n.0 10). Apesar da sua localização arquitectónica mais afastada, o mosaico n.0 5 comunga de muitas características deste grupo, podendo eventualmente ser aqui adscrito por fazer parte de outra área da residência ainda desconhecida. Estilisticamente filiados em correntes artísticas ligeiramente mais tardias do que as anteriores (fins do século IV-princípios do século V), parece bastante plausível que esta área tenha sido objecto de remodelações. Encontramos afinidades no desenho da trança (n.0 7A, 7C e 10) e nos motivos de enchimento, que acusam tendências percursoras da arte alto-medieval. Restam-nos ainda o n.0 11, cuja reduzida dimensão dificulta uma análise pertinente, os os n. 12 e 13, dos quais desconhecemos em absoluto a sua decoração musiva e o n.0 15B, produzido por outros artesãos, cujas características técnicas são evidentes (vide respectiva ficha). Em suma, estamos perante um conjunto de mosaicos heterogéneos do ponto de vista da gramática decorativa, fruto de uma encomenda que nos parece pouco coerente. Não se trata de uma produção com grande qualidade técnica, nem muito original no programa decorativo. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 153 NOTAS 1 Os trabalhos foram dados a conhecer à população local em pequenas notícias: (5/09/1995) Boletim Informativo da Associação Cultura Jovem. Rio Maior. 1. 1.a série. 3; Boletim Informativo da Associação Cultura Jovem. Rio Maior. 1. 1.a série. (3/10/1995) Boletim Informativo da Associação Cultura Jovem. Rio Maior. 1. 1.a série. 6; (12/10/1995) Tribuna. Rio Maior. Ano 2. 69, p. 12; Costa, I. (27/10/95) – A villa romana de Rio Maior, a descoberta do desconhecido. Região de Rio Maior. Rio Maior. Ano 8. 369, p. 7. 2 Por ausência total de espólio, não foi possível datar as duas inumações encontradas a cerca de 80 cm da superfície, a Nordeste das estruturas principais. 3 Villae de Cardilio, de Milreu, S. Cucufate (Alarcão, 1988b, p. 112, 116 e 118) para citar alguns exemplos da Lusitânia. 4 Seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, a partir de Norte: 1-plinto embutido, diâmetro de 34 cm; 2- plinto de 49 x 47 cm, diâmetro indeterminável; 3- inexistente; 4- plinto de 46 cm de lado; diâmetro de 49 cm; plinto embutido, diâmetro de 36 cm; 6- plinto embutido, diâmetro de 40 cm; 7-plinto embutido, diâmetro de 31 cm; 8- plinto embutido, diâmetro de 34 cm. 5 O autor não faz referência alguma às influências africanas, destacando particularmente a ligação do proprietário ao Oriente, patente não só no espólio encontrado, como também nas opções decorativas dos pavimentos e plano/formas construtivas, uma vez que associa Materno ao grupo familiar de Teodósio (p. 265). 6 Diz Abel Viana que o mosaico da abside a) “era vasto e rico, com cubozinhos de pedra preta, branca, vermelha e amarela, a comporem vários ornatos geométricos. A parte central fora ocupada por qualquer figuração que nos parece ter sido propositadamente destruída, visto terem arrancado somente as tesselas do emblema (...). Ficou apenas a moldura de tranças compostas por cubos com as cores atrás mencionadas e ainda com outras, vidradas ou pintadas de verde claro, azul cobalto e cor de laranja.” (sic) (1959, p. 42). Ao autor não foi indiferente à destruição estratégica do pavimento que poderá atribuir-se efectivamente, como ele pensa, à rejeição do paganismo (Viana, 1959, p. 42). No nucleus do mosaico encontraram uma moeda de Honório (Viana, 1954, p. 14). A ser verdade, poderíamos tirar algumas ilações cronológicas e enquadrar estas opções arquitectónicas no Baixo Império, como em Rio Maior. 7 No primeiro Colóquio sobre Mosaico Antigo (CMGR, 1), realizado em Paris em 1963, M. Fendri destacou três critérios de datação relativa, para além do estudo estilístico dos motivos: estudo das argamassas, exame das tesselas e evolução das cores (Fendri, 1965, p. 160). Ainda que estes dados sejam circunscritos a uma determinada estação arqueológica, a sua relativa contribuição, como fez questão de salientar H. Stern no fim da comunicação de Fendri (1965, p. 172), é um passo considerável na identificação de oficinas e na consequente elaboração de um repertório particular, quiçá presente noutros locais. 8 Devemos os ensinamentos na matéria à Dr.a A. Alarcão e aos técnicos de restauro do Museu Monográfico de Conímbriga que gentilmente nos receberam. 9 K. Parlasca propõe o terceiro quartel quartel do século III, com base num numisma de Heleno e, recentemente, J. Lancha, baseandose em critérios estilísticos e técnicos situa-o em 250 (1997, p. 274). 10 Na descrição apresentada no CME, 7, a composição é erradamente classificada como sendo à base de hexágonos (p. 49). Incorrecção categoricamente demonstrada na est. 30 que apresentam no mesmo Corpus. 11 São conhecidos outros tipos de folhagens, nomeadamente hera, no Arnal (Douguédroit, 1964, n0 4, p. 462), Abicada, Cerro da Vila, 12 O autor apresenta uma série de mosaicos com folhagens de acanto em época tardia (p. 58-62). 13 A presença de conchas em contextos funerários remonta à Préhistória, nomeadamente no Egipto (Servajean, 1989). 14 Data comprovada arqueologicamente através de materiais numismáticos (Walters, 1980, p. 433; Smith, 1982, p. 326; Johnson, 1994, Milreu, Pisões, D. Pedro e Muge (Borges, 1986, p. 69-70, est. 24). p. 320) 15 É possível que tenha havido um engano uma vez o fragmento de mosaico n0 225C correspondia certamente a uma abside e o motivo parece ser uma concha (est. XXXVI). 16 Segundo S. Germain, este edifício não devia ter sido privado tendo em conta não só a distribuição da decoração musiva, típica de locais públicos ou semi-públicos, como as termas por exemplo, como também a temática marinha expressa através do flumen vamaccura, o cortejo marinho ou o deus Flumen (1969, p. 118). 17 Menciona uma longa lista de pavimentos de signinum itálicos e hispânicos (p. 14). Cf. ainda Lancha, 1977, p. 107, para os exemplos hele- 18 Citado por vários autores desde a notícia do seu achado em 1958 por F. de Almeida, foi em 1997 que M.a Teresa Valente Pinto o inte- nísticos e itálicos. grou no seu Corpus dos mosaicos olisiponenses com uma descrição pormenorizada, com correcções de leitura, historial e principais referências bibliográficas (Pinto, 1997, n.0 12, p. 65-70). 19 É o caso das tampas sepulcrais cristãs de mosaico onde a grinalda de loureiro é realizada com fins mágico-religiosos (Gauckler, 1910, n.0 22, 14 e n.0 308, p. 104). 20 Vide Gozlan, 1990, p. 1010-1017. 21 Conhecem-se seis mosaicos com grinalda de loureiro, dos quais se citam agora duas soleiras. 22 K. Dunbabin nega a ligação deste pavimento com o mundo grego (1999, p. 144). 23 Villa situada fora das muralhas da cidade na época romana. 24 A propósito destes comentários, não podemos deixar de nos pronunciar acerca do bem conhecido mosaico de Orfeu, dito de Martim Gil, encontrado nos arredores de Leiria, cujo primeiro estudo, em 1951, devemos a Irisalva Nóbrega Moita. Ora, o painel geométrico que envolve o tema figurado apresenta características estilísticas muito próximas do mosaico de Migennes, mormente no que se refere à gramática decorativa que preenche os espaços geométricos da composição e que I. Moita situa cronologicamente nos fins do século III ou século IV (1951a, p. 141). O segundo estudo monográfico do pavimento foi realizado por M.a Felisbela Borges que corrobora a A VILLA ROMANA DE RIO MAIOR. ESTUDO DE MOSAICOS 154 sua antecessora nas linhas essenciais, inclusive na cronologia, mas apresenta um bom conjunto de documentação gráfica com grande utilidade (1986, vol. I, p. 171-174; vol. II, est. 7 — 26). Decorrido meio século sobre o estudo de I. Moita, parece-nos urgente uma nova reapreciação à luz dos conhecimentos actuais. É claro que a cronologia será a rever, uma vez que se nos afigura demasiado precoce. Tendo em conta as observações feitas, julgamos que este pavimento não pode ser anterior ao mosaico de Rio Maior, pelo que uma datação posterior, talvez até próxima do mosaico de Migennes, não seja absurda. Aguardamos outra oportunidade para podermos confirmar as nossas suspeitas com base em critérios precisos. 25 Cf. CMRP, II, 1, n0 10, p. 236-243. 26 Ver comentários à composição a propósito do mosaico 3A. 27 Das informações acerca do paradeiro destes fragmentos, deduzimos que se encontram no Museo Jeronimo de Molina de Jumilla mas também no Museo Arqueológico Provincial de Múrcia. Ora, a descrição apresentada no n0 85 corresponde a um desenho que reconstitui todo o mosaico a partir de fragmentos do Museu de Múrcia (CME, 4, fig. 25) e esquece os fragmentos do Museu de Jumilla cujas fotos, no entanto, publica (CME, 4, est. 37). Comparando ambas ilustrações, parece claro que não correspondem exactamente ao mesmo mosaico. A roseta não está presente no desenho, mas existe nas fotos. Ou se tratam de dois painéis diferentes, ainda que provenientes da mesma estação ou a reconstituição do pavimento está errada. De qualquer forma, não há referências algumas ao motivo que nos cumpre aqui analisar. 28 No corpus germânico registámos dezassete exemplos da composição (Parlasca, 1959, est. 3.2, 6.1, 6.3, 8.1, 14.B1, 15.2, 19.3, 29.6, 34.2, 51.3, 57.3, 57.4, 80.1, 58.1, 84.2 e 92.2). 29 Segundo K. Parlasca, o mosaico seria mais tardio: 230-240 (1959, p. 38, est. 6.3). 30 Achado em 1903, é Irisalva Moita que realiza o primeiro estudo aprofundado do mosaico, identificando-o como pavimento de impluvium do átrio da habitação com base não só nos motivo decorativos, mas também no desgaste que apresenta e na canalização que lhe passa por baixo (1951b, p. 148). Todavia, a estrutura desenhada pelos vários painéis em U parece apontar, na nossa opinião, para um pavimento de triclinium. M.a Felisbela Borges analisou-o na sua tese de Mestrado, pouco acrescentando ao trabalho anterior (Borges, 1986) e, por fim, M. Torres Carro veio contribuir para a aferição de cronologias e identificação da figura mitológica do pavimento através de um pequeno artigo (Torres Carro, 1989). 31 32 A borla é um triângulo isósceles rectângulo com hipotenusa denteada (Dicionário, p. 14) muito próximo do triângulo denteado. São muito escassas as informações disponíveis acerca deste pavimento, existindo apenas uma fotografia publicada (cf. Moita, 1951b, p. 147). 33 F. Borges identificou o pavimento como pertencente ao triclinium (1986, p. 140), não parecendo muito razoável pelo que atrás dissemos. 34 Os nossos comentários a propósito da cronologia de outro mosaico de Póvo de Cós (cf. n0 14), mais conhecido, devem ser tidos em 35 O artigo apresenta uma boa descrição, aliás, já feita por M. Borges em 1986, juntamente com uma reconstituição gráfica de grande conta na análise deste pavimento. interesse, uma vez que apenas se conhecia parcelarmente este mosaico, não obstante a notícia do seu achado datar de 1903. 36 Na descrição apresentada pelo CME, 7, a composição é erradamente referenciada como sendo à base de hexágonos (p. 49). A est. 30 comprova categoricamente esta incorrecção. 37 Para pisos superiores recomenda a colocação de forra de aesculus , alertando todavia para as deficiências deste tipo de carvalho perante a humidade (I, 2, 2), ainda que sirva por ser mais barato. 38 Excluem-se os pavimentos n.0s 9 a 14, por limitações no tempo disponível. 39 O amarelo, o rosa, o ocre e certas tonalidades de cinzento difíceis de conseguir a partir de matérias primas naturais podiam obter-se mediante distintos processos de cozedura, igualmente a partir do barro (Moreno González, 1995, p. 116). 40 Sobre a composição das oficinas e o estatuto sócio-económico dos artesãos vide Moreno González, 1995, p. 126-129. 41 Sobre o assunto vide Lancha, 1984 e Lancha, 1990b. PARTE II – OS PAVIMENTOS DA VILLA 155