Poder Judiciário da União
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Órgão
Processo N.
Apelante(s)
Apelado(s)
Relatora
Revisor
Acórdão Nº
2ª Turma Cível
Apelação Cível 20070110532859APC
E. A. A.
G. G. S.
Desembargadora CARMELITA BRASIL
Desembargador TEÓFILO CAETANO
372.890
EMENTA
RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PRELIMINAR DE
IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS JUNTADOS EM SEDE RECURSAL.
REJEIÇÃO. DOAÇÃO PÚBLICA DE IMÓVEL MEDIANTE PROGRAMA
HABITACIONAL. AQUISIÇÃO A TÍTULO GRATUITO. INCOMUNICABILIDADE.
ACESSÕES CONSTRUÍDAS SOB ESFORÇO COMUM DO CASAL. PRETENSÃO
DE PARTILHA. POSSIBILIDADE.
A juntada de documentos em sede de apelação é possível desde que não
caracterizada a má-fé do recorrente ou a premeditação de ocultar para surpreender
a parte contrária.
A doação pública de imóvel, mediante programa habitacional, na constância da
união estável, indicando apenas um dos companheiros como beneficiário, apenas a
ele aproveita, eis que o bem adquirido a título gratuito, nos termos do art. 1659 do
Código Civil, não integra a comunhão para fins de partilha.
As acessões sobre o lote doado, construídas pelo esforço comum do casal devidamente comprovado nos autos - devem ser partilhadas na proporção de 50%
(cinquenta por cento) para cada uma das partes.
Código de Verificação: YO2L.2009.7WO0.4P0Z.DMDG.N6BV
APELAÇÃO CÍVEL 2007 01 1 053285-9 APC
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, CARMELITA BRASIL - Relatora,
TEÓFILO CAETANO - Revisor, J.J. COSTA CARVALHO - Vogal, sob a Presidência do
Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI, em proferir a seguinte decisão: DAR
PARCIAL PROVIMENTO, UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.
Brasília (DF), 26 de agosto de 2009
Certificado nº: 1E 70 29 4E 00 02 00 00 09 9C
27/08/2009 - 16:14
Desembargadora CARMELITA BRASIL
Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL 2007 01 1 053285-9 APC
RELATÓRIO
O Relatório é, em parte, o da ilustrada sentença de fls. 184/186, que
transcrevo, in verbis:
Trata-se de Ação Declaratória de Reconhecimento e Dissolução de
Sociedade de Fato c/c Partilha de Bens ajuizada por G. G DA S em face de E. A
DOS A, ambos devidamente qualificado nos autos, conforme inicial de fls. 02/05.
Sustenta o requerente que as partes viveram em união estável
desde 1988 até novembro de 1995, período no qual nasceram três filhos do casal; E.
DOS A. DA S., em 08.09.1989, E. A. DA S., em 03.10.1991; e E. A. DA S., em
30.06.1995. Ainda durante a constância da união, teria sido adquirido o lote na
quadra 07, conjunto B, lote 2, na Vila Varjão, que seria avaliado em R$ 100.000.
Nesse lote, alega que foi construída uma pequena casa e um ponto de comércio,
cujos aluguéis são depositados em nome da requerida. Pleiteia o reconhecimento da
união estável e a partilha dos vens adquiridos na constância da união.
Foram juntados os documentos de fls. 06/12.
Instado a emendar a inicial, o requerente apresentou a emenda de
fls. 16/17, na qual requereu a guarda do filho mais novo do casal e dispensou
alimentos.
Regularmente citada, a requerida apresentou contestação a fls.
28/31, oportunidade em que confirmou ter vivido em união estável com requerente,
divergindo quanto ao período da convivência. Sustentou que o início da união deuse em dezembro de 1988, prolongando-se até março de 1994, quando houve uma
ruptura na vida em comum. Reataram a união em maio de 1995, a qual perdurou até
fevereiro de 1998.
Quanto ao lote de terreno, aduz que este foi recebido da
SEDUH/GDF em setembro de 1994, período em que não estava mais vivendo com a
requerente. Assim, entende que este bem não deve ser dividido. Quando à casa e
ao ponto de comércio que teriam sido construídos no lote, alega que o forma por
inquilinos, em cumprimentos a contratos de locação.
No que se refere à guarda do filho, pleiteia que o menor permaneça
sob sua guarda.
Foram juntados documentos de fls. 32/41.
Manifestou-se o requerente em réplica a fls. 44/49, ocasião em que
negou a ruptura da vida em comum, salientando, inclusive que o nascimento do filho
mais novo do casal, me junho de 1995, estaria a comprovar que não houve a ruptura
no período mencionado pela requerida na peça contestatória.
Alega que a doação do lote pelo Governo no Distrito Federal não
seria uma doação pura, mas com encargo de construir no prazo máximo de 45 dias,
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de forma a afastar a tese de que o bem não se comunicaria. Ademais, que o
patrimônio amealhado pelo casal durante a constância da união deve ser dividido
igualitariamente, face a presunção de contribuição de ambos para a sua formação.
Reiterou o pedido de guarda de seu filho mais novo.
Foi requerida e deferida a produção de prova testemunhal,
designando-se data para a realização de audiência (fl. 57).
Em audiência, renovada a proposta de conciliação, esta restou
infrutífera. Foram ouvidos o requerente e a requerida e três testemunhas (fl. 71/77).
Alegações finais do requerente a fls. 86/98, e da requerida a fls.
80/84.
Manifestou o Ministério Público a fls. 56/60.”
Acrescento que o pedido foi julgado parcialmente procedente para
declarar a existência e dissolução de união estável havida entre o autor e a ré,
determinando-se a partilha do patrimônio descrito na exordial em 50% (cinqüenta por
cento) para cada um, incluindo o lote e as acessões ali construídas.
Ante a sucumbência recíproca, as custas processuais foram
rateadas entre as partes, arcando cada uma com os honorários de seus respectivos
advogados, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, alegando, em
síntese, equívoco da r. sentença ao determinar a partilha do imóvel situado na Q 07
CJ B LT 0002 – Vila Varjão/DF, tendo em vista que o referido bem lhe foi cedido em
caráter exclusivo, não constando, no recibo de entrega do lote, o nome do apelado
como beneficiário.
Assevera, ainda, que se o imóvel fosse concedido em favor do casal,
o apelado não poderia estar inscrito junto a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional do Distrito Federal (CODHAB), sob o nº 820206244 (Processo nº 260050.312/06), para receber um novo lote.
Por derradeiro, afirma que o imóvel em questão foi cedido pelo
programa habitacional do Distrito Federal a título gratuito, não incidindo sobre o bem
qualquer ônus legal, razão por que não deve integrar a comunhão para efeitos de
partilha.
Assim, ao arrimo das alegações de deduzidas, requer a reforma da
r. sentença vergastada para que seja julgado improcedente o pedido de partilha
formulado na inicial.
À fl. 163, o apelado ofertou contrarrazões, impugnando,
preliminarmente, os documentos de fl. 88 e fl. 89, ao argumento de que a juntada de
documentos em sede recursal só é admitida se se tratarem de documentos novos, o
que não ocorre na espécie. No mérito, pugna pela manutenção da r. sentença
recorrida pelo seus próprios jurídicos fundamentos. .
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Manifestação da d. Procuradoria de Justiça à fl. 183, no sentido de
que o órgão ministerial não tem interesse em oficiar na causa, ao argumento de que
a discussão da lide se restringe a direitos patrimoniais.
Preparo dispensado eis que a apelante litiga sob o pálio da
Assistência Judiciária Gratuita.
É o relatório.
VOTOS
A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL - Relatora
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Trata-se de recurso de apelação objetivando a reforma da r.
sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a existência da
união estável havida entre o autor e a ré, determinando a partilha do patrimônio
descrito na inicial em 50% (cinquenta por cento) para cada uma das partes.
Consoante destacado no relatório, alega a apelante equívoco da r.
sentença ao determinar a partilha do imóvel situado na Q 07 CJ B LT 0002 – Vila
Varjão/DF, tendo em vista que o referido lote lhe foi cedido em caráter exclusivo, não
constando, no recibo de entrega do bem, o nome do apelado como beneficiário.
Assevera, ainda, que se o imóvel tivesse sido concedido em favor do
casal, o apelado não poderia estar inscrito junto a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional do Distrito Federal (CODHAB), sob o nº 820206244 (Processo nº 260050.312/06), para receber um novo lote.
Por derradeiro, afirma que o imóvel em questão foi cedido pelo
programa habitacional do Distrito Federal a título gratuito, não incidindo sobre o bem
qualquer ônus legal, razão por que não deve integrar a comunhão para efeitos de
partilha
Principio pela análise da preliminar argüida nas contrarrazões
referente à impugnação dos documentos de fl. 138 e 139, juntados pela apelante
quando da interposição do recurso.
A meu ver, não há nada que demonstre a “novidade” dos
documentos ora carreados. Trata-se, apenas, de peças que visam a corroborar os
argumentos lançados na apelação que os acompanha. Nada mais. O documento de
fls. 138 é um laudo médico que demonstra que a apelante é portadora de epilepsia
há 19 (dezenove) anos; o de fl. 139 indica apenas que o apelado está registrado em
cadastro de programa habitacional do Distrito Federal.
Outrossim, há de se destacar que tenho entendimento mais brando
sobre o tema, vedando a juntada de documentos na seara recursal apenas se
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houver sido caracterizada a má-fé do recorrente ou a premeditação de ocultar a fim
de surpreender a parte contrária, o que não restou evidenciado na espécie.
Por essas razões, rejeito a preliminar, devendo os documentos
impugnados permanecerem nos autos do processo.
Feitas essas considerações, passo à análise do mérito.
Há de se destacar, inicialmente, que há controvérsia nos autos
acerca do período de união estável firmada entre as partes, afirmando a apelante
que houve a interrupção da convivência de 1994 a 1995, momento em que,
justamente, recebeu do Poder Público o lote situado na Q 07 CJ B LT 0002 – Vila
Varjão/DF.
Ao revés, o apelado, infirmando a versão da apelante, asseverou
que, apesar de terem havido algumas desavenças entre o casal, o convívio nunca
foi interrompido.
Entretanto, inobstante a divergência travada, verifica-se que esse
debate em torno da continuidade ou não da união estável perde a relevância para
efeitos de partilha quando se constata que o imóvel em litígio foi concedido à
apelante pelo Governo do Distrito Federal a título gratuito.
Aplicam-se à união estável as regras relativas ao regime de
comunhão parcial de bens, conforme determina o art. 1725 do Código Civil e, como
é de sabença geral, os bens adquiridos a título gratuito na constância da união não
se comunicam, nos termos do art. 1659 do referido diploma, in verbis:
“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe
sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os subrogados em seu lugar;”
Com efeito, conforme se observa da cópia do recibo de entrega
precária de lote, acostado à fl. 41, a apelante figura como única beneficiária do
imóvel, o qual foi concedido, ressalte-se, sem a realização de qualquer
contraprestação pecuniária, havendo apenas o encargo de ocupação no prazo de 45
(quarenta e cinco) dias.
Assim, é induvidoso que não houve qualquer onerosidade na cessão
do imóvel em questão, eis que a apelante não teve de desembolsar qualquer quantia
para recebê-lo, limitando-se tão somente a se inscrever no cadastro de programa
habitacional do Governo do Distrito Federal.
Outrossim, não há que se falar, conforme afirmou a r. sentença
recorrida, que a cessão do imóvel se deu em proveito do casal, circunstância que
impossibilitaria a exclusão do bem da comunhão, ex vi do art. 1660, III, do Código
Civil.
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Isso porque, repita-se, consta, no recibo de entrega do lote, apenas
o nome da apelante, de onde se dessume que o imóvel foi concedido em grau de
exclusividade à recorrente, restando, pois, caracterizada a doação pura na espécie.
Ora, se realmente a intenção do Governo do Distrito Federal era
doar o imóvel em prol do casal, o nome do apelado também deveria constar como
beneficiário do lote, não podendo o magistrado inferir conclusão veementemente
contrária da que emerge do negócio jurídico realizado.
Ressalte-se que o ato de doação, por se tratar de negócio jurídico
benéfico, deve ser interpretado de forma restritiva, nos termos do art 114, do Código
Civil, cabendo ao intérprete se ater, estritamente, ao que foi pactuado pelas partes.
Sobre o tema, trago à baila, ainda, os ensinamentos do eminente
civilista, Carlos Roberto Gonçalves, in verbis:
“Cogita o inciso III de hipótese em que sobressai a vontade de
favorecer o conjunto familiar, e não apenas um cônjuge: doação, herança, ou legado
em favor de ambos os cônjuges. Essa vontade deve ser manifestada
expressamente, para que se possa derrogar a regra geral constante do art.
1659, I, que prevê a incomunicabilidade dos bens adquiridos na constância do
casamento por doação ou sucessão”1(grifou-se).
Destarte, para que se caracterize a doação em prol do conjunto
familiar, acarretando, por consequência, a comunicação do bem doado, é necessário
que o doador manifeste vontade, de forma expressa e inequívoca, que pretende
beneficiar o casal; caso contrário, concluir-se-á que o ato de liberalidade trata-se
apenas de doação pura.
Na espécie, consistindo a apelante a única beneficiária do imóvel
doado, não há que se enquadrar o apelado como donatário, pois está patente nos
autos que não houve manifestação volitiva expressa do ente público em doar o bem
em proveito do casal.
Assim, deverá o lote localizado na Q 07 CJ B LT 0002 – Vila
Varjão/DF ser excluído da partilha dos bens.
Há de se analisar, ainda, a situação das acessões erguidas no lote
doado durante a constância da união, quais sejam, a casa de alvenaria construída
nos fundos e um barracão (galpão) edificado na parte da frente.
No particular, restou devidamente comprovado, que o apelado
contribuiu para a construção da casa de alvenaria edificada no lote, consoante
afirma a própria apelante em seu depoimento de fl. 73: “ que depois „ele fez a
casinha, ele e outros homens construíram a casa”. Essa declaração vai ao encontro
do depoimento prestado pelo apelado à fl. 71, verbis: “(...) que foi ele próprio quem
1
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, Vol. VI, São Paulo: Saraiva p.
429.
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construiu a casa; que recebeu a ajuda de uma pessoa de nome Davi na construção
da casa (...)”.
Ademais, pretendendo mitigar a contribuição do apelado na
construção da casa, a apelante argumenta que seu pai teria fornecido todo material
para realização da edificação, além de ter pago toda mão de obra despendida pelo
apelado, “o que a época não chegou a custar R$ 3.000,00” (fl. 73).
Tal alegação, contudo, mostra-se infundada, pois, além de não
terem sido juntados aos autos os recibos dos supostos pagamentos, o fato é que a
inexistência de contribuição financeira do apelado não afasta a configuração do
esforço comum na construção do bem. Nesse sentido, bem discorreu a r. sentença
vergastada, in litteris:
“Ainda que a requerida tente levar este juízo à crença de que
somente ela e seu pai teriam contribuído financeiramente para a construção destas
acessões do terreno, fato é que não logrou-se desincumbir-se do ônus da prova
decorrente da presunção de esforço comum do casal. Não há qualquer prova acerca
do pagamento pelos serviços executados pelo requerente no lote mencionado, tudo
levando a crer que ele trabalhou na construção da própria casa.”(fl. 117).
Assim, demonstrado o esforço comum das partes na construção das
acessões em questão, tenho que as mesmas devem ser partilhadas nos moldes
definidos na sentença.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para,
reformando a r. sentença guerreada, excluir da partilha dos bens do casal o lote
situado na Q 07 CJ B LT 0002 – Vila Varjão/DF, mantendo, no que tange às
acessões, o que foi definido na r. sentença.
Em face da sucumbência recíproca, mantenho os honorários fixados
na r. sentença.
É como voto.
O Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO - Revisor
COM A RELATORA.
O Senhor Desembargador J.J. COSTA CARVALHO - Vogal
Com o Relator.
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DECISÃO
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