Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Curso: Direitos Humanos,Políticas Públicas e Participação Social Autor e Professor: Alexandre Ciconello Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2015 MÓDULO 2 – POLÍTICAS PÚBLICAS Quando falamos em direitos humanos, estamos tratando de um conceito político, normativo e operacional que impõe obrigações ao Estado brasileiro (e aos seus/suas representantes, gestores/as, servidores/as). Essas obrigações foram e são pactuadas tanto na comunidade internacional como na própria sociedade brasileira e se expressam por meio de um sistema jurídico-normativo, que os indivíduos, os governos e a comunidade internacional devem respeitar e promover. Aos Estados nacionais, incluindo os estados federados, municípios e outros poderes constituídos (Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público), cabem obrigações específicas de: Respeitar: O Estado e seus agentes não podem violar o direito de seus cidadãos/ãs. Essa é a primeira obrigação do Estado com relação aos direitos humanos. Respeitar significa não violar os direitos. O Estado não pode interferir na vida e intimidade das pessoas, ao menos que tenha explícita disposição legal nesse sentido. Os agentes do estado não podem torturar, promover execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, remover comunidades de forma ilegal ou condenar alguém sem o devido processo legal. Proteger: Um segundo dever do Estado é proteger os direitos humanos dos cidadãos e cidadãs de eventuais violações e ameaças provocadas por terceiros. O Estado é o responsável por fazer com que as leis sejam respeitadas e garantir que indivíduo, grupo ou empresa respeitem os direitos individuais e coletivos de cada cidadão ou comunidade. Exemplos: o estado deve proteger uma 1 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. comunidade quilombola de ameaças ou invasões de fazendeiros. O Estado deve editar regulações para o uso de agrotóxico a fim de proteger o direito da população à saúde. Promover:Para além de respeitar e proteger os direitos humanos, o Estado e seus agentes devem promovê-los de forma ativa, por meio da formulação e implementação de políticas públicas. Essa obrigação é mais evidente quando observamos os direitos sociais como saúde, educação, moradia, saneamento público e assistência social. O Estado deve prover bens e serviços públicos universais para garantir direitos; Reparar: Na hipótese de eventual responsabilidade do Estado ou seus agentes na violação de direitos de determinada pessoa ou grupo, é sua obrigação investigar, responsabilizar os culpados e garantir justiça, reparação e indenização para as vítimas. Este conjunto de obrigações configuram um Estado Democrático de Direitos, onde os agentes públicos são subordinados a um pacto político e um sistema normativo que impõe certas obrigações e responsabilidades. Cabe à sociedade respeitar os direitos humanos, a diversidade e os diferentes modos de vida, construindo relações baseadas na solidariedade e na justiça, abolindo as discriminações e os preconceitos. Exercício:Descreva um problema social específico e analise quais obrigações do Estado (de respeitar, proteger, promover e reparar) deveriam estar sendo cumpridas. A Estruturação das Políticas Públicas no Brasil após a Constituição de 1988 Antes de apresentarmos alguns elementos que constituem as políticas públicas que devem ter como finalidade última, o respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, é importante ressaltar como se deu a estruturação das políticas públicas no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal conferiu ao Estado brasileiro um papel central na promoção dos direitos humanos e na redução das desigualdades, por meio da estruturação de políticas públicas de Estado e sistemas públicos de direitos. 2 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Ao longo da década de 90 e início dos anos 2000, uma vasta normatização foi construída no sentido de operacionalizar princípios constitucionais e de construir políticas públicas universais e permanentes. Esse verdadeiro reordenamento institucional foi formalizado por uma série de Leis, Decretos, Normas Operacionais, repartição de competências e recursos entre as três esferas da federação. A Lei Orgânica da Saúde, da Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente e mais recentemente o Estatuto do Idoso, Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional e a Lei Maria da Penha1, são alguns exemplos nesse sentido. Todo esse processo tem contado com uma intensa participação de organizações e redes da sociedade civil, por meio de canais institucionais de participação, como Conselhos e Conferência e também por meio de pressão direta nas esferas de poder. Iremos aprofundar o tema da participação social no módulo 3 desse curso. Um importante modelo estabelecido inicialmente pela política de saúde é a construção de sistemas universais, descentralizados e participativos de políticas públicas. O SUS – Sistema Único de Saúde2 e posteriormente o SUAS – Sistema Único da Assistência Social são exemplos nesse sentido. Os sistemas buscam articular as responsabilidades dos três entes federativos (União, estados e municípios), inclusive as responsabilidade de financiamento e gestão. Apesar dos avanços conceituais, jurídicos e de gestão nas políticas públicas nesses mais de 25 anos, isso nem sempre se refletiu ouse reflete no formato/desenho das mesmas. Descentralização das políticas públicas A descentralização é uma das principais características da construção de políticas públicas no Brasil pós-1988. Cada esfera de governo: União, estados e municípios têm competências e recursos próprios para a construção de políticas públicas que visam assegurar direitos. Ou seja, a implementação de políticas públicas passa por um pacto 1 Lei 11.340 de 2006, que cria mecanismos para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2 A política de saúde é ainda o grande modelo de estruturação de políticas públicas universais, descentralizadas e participativas no Brasil. Estruturada a partir de um Sistema Único que reúne os três entes federativos e uma rede de privada de hospitais filantrópicos, possui um Fundo orçamentário específico (Fundo de Saúde) e um sistema participativo de Conselhos de Políticas Públicas nos municípios, estados e no âmbito federal. Para além disso, prevê a realização periódica de Conferências de Saúde (a cada quatro anos) com o objetivo de avaliar a situação de saúde no país e propor diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes. 3 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. federativo que é baseado em políticas consensuadas no âmbito nacional e implementadas no nível municipal e estadual. Estedesenho de implementação das políticas públicas ainda tem entraves no modelo de federação brasileira, por exemplo, a não definição objetiva do papel dos estados na execução das políticas publicas, o excesso de centralização da arrecadação dos recursos na esfera federal e a não articulação dos municípios para a execução das políticas. A existência de diretrizes nacionais (como por exemplo, os Programas e Planos de Ação resultado de Conferências Nacionais de Políticas) ganha significados a partir das realidades municipais e estaduais. Assim, cada estado ou município delibera, na sua respectiva esfera, por critérios próprios, a aprovação depolíticas municipais e estaduais, que devem estar em consonância com a legislação e os objetivos de políticas pactuadas nacionalmente. Portanto, para além das dificuldades de uma efetiva integração de políticas no âmbito nacional, há ainda o desafio de promover a integração das políticas no nível federativo entre a União, os estados e os municípios, sendo este último, o lócus da prestação dos serviços públicos à população. O que são as Políticas Públicas ? Há muitas definições possíveis para o conceito de políticas públicas. Alguns consideram as políticas públicas como sinônimo de políticas governamentais, ou seja, seriam as ações planejadas dos governos e de seus órgãos visando o interesse público. Mesmo considerando as políticas públicas como a tradução da ação do Estado, sabemos que outros atores podem colaborar com a sua formulação e implementação, como organizações da sociedade civil, academia, organizações internacionais etc. A partir das diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal e em razão de diversos conselhos de políticas públicas e processos de conferências temos que a participação social é um elemento intrínseco na construção de uma política. As políticas públicas também podem ser compreendidas enquanto instrumento de planejamento governamental. Nesse sentido, uma política pública tem objetivos definidos, metas, resultados previstos, beneficiários, órgão responsável, indicadores, regulamentação normativa, orçamento, responsáveis e cronograma de execução. A elaboração de uma política pública requer uma racionalidade de planejamento: qual o problema a ser enfrentado? o que será realizado? qual o impacto esperado? quais os recursos disponíveis? 4 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. De acordo com Saravia (2006, pg 29)3, podemos definir uma política pública como “um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos”. Podemos construir uma definição para políticas públicas de direitos humanos considerando elementos centrais do conceito de políticas públicas, aliado à delimitação do objetivo da ação. Assim, uma possível definição para políticas públicas de direitos humanos seria: um conjunto de decisões e ações, de responsabilidade dos governos, que visa a um objetivo de interesse público que pode ser a entrega de um bem, benefício ou a prestação de um serviço visando à garantia e promoção dos direitos humanos. Uma política de direitos humanos pressupõe uma série de elementos que devem ser considerados, como por exemplo: o diagnóstico das violações de direitos; a participação da sociedade no planejamento e monitoramento da política; a elaboração de um programa/ plano com ações concretas de promoção e defesa de direitos; a construção de indicadores e metas de realização progressiva de direitos; mecanismos institucionais de proteção e denúncias; articulação institucional entre os diversos órgãos públicos responsáveis pela implementação da política. O ciclo das políticas públicas 3 Saravia, Henrique. Introdução à Teoria da Política Pública. In: SARAVIA, Enrique e FERRAREZI, Elisabete. Políticas Públicas – Coletânea, Volume 1. Brasília, ENAP, 2006. 5 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Podemos abordar as políticas públicas a partir do seu aspecto temporal, ou seja, por meio da observação de suas diversas fases, que começa com a formulação, passa pela implementação e por último a avaliação. O conjunto dessas etapas é conhecido como ciclo da política pública. Essa visão da realidade estatal, a partir das ciências administrativas e organizacionais foi um avanço de um antigo modelo legalista e jurídico que não considerava a dimensão da gestão pública focada no planejamento e na busca de resultados. Inspirada em metodologias advindas do campo da administração de empresas, novas metodologias e estratégias de PMA (planejamento, monitoramento e avaliação) ganham características próprias em razão da especificidade da administração e gestão públicas. Alguns autores, como Saravia (2006, pg 34-35), apresentam o detalhamento das diversas etapas do ciclo das políticas pública de forma linear, como: agenda, elaboração, formulação, implementação, execução, acompanhamento (sinônimo de monitoramento) e avaliação. Segundo ele, oacompanhamento, seria o processo sistemático de supervisão da execução de uma atividade (e de seus diversos componentes), que tem como objetivo fornecer a informação necessária para introduzir eventuais correções a fim de assegurar a consecução dos objetivos estabelecidos.A avaliação, consistiria na mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às conseqüências previstas e não previstas. Para outros autores, como Maria das Graças Rua (2000)4, a avaliação é um processo dinâmico e não linear que ocorreria durante toda a implementação de uma política pública. Segue abaixo, um diagrama que mostra a concepção da autora sobre o ciclo das políticas públicas, onde a avaliação ocorre em praticamente todas as etapas para além da avaliação de impacto (ex-post). 4 Rua, Maria das Graças (2000). “Avaliação de Políticas, Programas e Projetos: Notas Introdutórias”. Mimeo. 6 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Independentemente da perspectiva teórica e da metodologia utilizada para o formulação, monitoramento e avaliação de uma determinada política pública, os processos de participação social também devem ser alinhados com os tempos e fases do ciclo das políticas públicas. Formulação A formulação de uma política pública possui várias dimensões que devem ser consideradas pelo gestor público. A Constituição Federal de 1988 estabelece princípios e orientações para a construção de um sistema de políticas públicas universais e participativas por meio de um robusto sistema normativo que define as atribuições do Estado, suas competências, diretrizes programáticas e mecanismos de participação popular. Considerando o contexto normativo-institucional a partir de onde as políticas públicas são elaboradas, faz-se necessário identificar os principais elementos a serem considerados em sua formulação: Problema: Toda política pública parte da identificação de um problema a ser abordado e transformado. Por exemplo: falta de acesso a financiamento público para a agricultura familiar; alta taxa de jovens que não estão no ensino médio.O problema deve ser identificado e detalhado em profundidade; Diagnóstico: A partir da identificação do problema, é necessário levantar todas as informações disponíveis sobre a questão, realizando um diagnóstico que pode ser feito de modo participativo. No exemplo citado acima, quantos jovens estão fora do ensino médio? Onde as escolas públicas estão localizadas? Quem são esses jovens (brancos, negros, indígenas)? Esses jovens moram no campo 7 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. ou na cidade? Qual a situação socioeconômica de suas famílias? Quais as razões que as mantém fora da escola? Duas ferramentas relevantes para a elaboração de diagnóstico são a utilização de indicadores (sociais e econômicos) e a elaboração de diagnósticos participativos com a participação da população. Há uma série de dados estatísticos e indicadores sociais produzidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e outros institutos de pesquisa públicos e privados que devem ser utilizados para elaboração de um diagnóstico. Quanto mais participativo for a elaboração do diagnóstico, a política pública pode ser melhor formulada, tendo em vista que as informações obtidas com a participação da comunidade, de grupos e organizações darão ao gestor público um melhor conhecimento e informação sobre a situação a ser abordada. Formulação da proposta: Com base no problema a ser enfrentado, no diagnóstico realizado e tendo em vista os sistemas de políticas e os equipamentos existentes é o momento de formular a proposta de política pública, considerando as diversas alternativas possíveis para enfrentar o problema. A formulação de uma política não é um processo puramente técnico. Há vários atores que influenciam esse processo e que podem ser articulados. Tomada de decisão: Após a formulação da proposta de política pública, ocorre o momento da tomada de decisão sobre a sua adequação e implementação. Esse é um momento de pactuação política dentro do governo, de definição de prioridades, de análise do orçamento previsto para a execução das políticas do governo como um todo. Incorporação nos instrumentos de planejamento do Estado (PPA, LDO, LOA): Um elemento essencial no processo de formulação e implementação de políticas públicas é a sua incorporação no ciclo orçamentário. Por vezes planos são formulados – algumas vezes a partir de processos participativos, como Conferências temáticas - mas não são incorporados nos instrumentos de planejamento do Estado, não ganhando assim, materialidade. Implementação e Monitoramento 8 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Após a política pública ser formulada e o orçamento para a sua execução ser aprovado, inicia-se a fase da implementação. Nessa fase o planejamento é operacionalizado, fazendo com que a ação governamental promova mudanças concretas na vida das pessoas garantindo direitos e serviços públicos para a população. A implementação da política pode se dar de duas formas: direta ou indireta. Ela ocorre de forma direta quando o próprio órgão responsável executa a política por meio de servidores e equipamentos públicos (como escolas, postos de saúde, equipamentos culturais, esportivos, centros de referência da assistência social etc). A implementação ocorre de forma indireta, quando o poder público celebra convênios e parcerias com organizações da sociedade civil ou com a iniciativa privada para a prestação de serviços públicos. O resultado da implementação de uma política é a prestação de um serviço público (atendimento a saúde, à educação, iluminação pública, segurança pública, sistema de justiça etc) a entrega de um bem (rua pavimentada, quadra esportiva construída), de um benefício (aposentadoria, vale transporte) e outras ações que visam à efetivação dos direitos humanos previstos em nossa legislação. A política pública deve ser implementada de forma eficiente e eficaz, visando o alcance dos resultados e metas previstos. Para que isso ocorra, faz-se necessário estabelecer um sistema de monitoramento ao longo do ano, com a adoção de indicadores de progresso, sistema de coleta de dados e registros que permitam ao gestor público e a sociedade verificar em que medida os recursos financeiros, materiais e humanos estão sendo aplicados e se estão sendo suficientes para o alcance dos objetivos propostos. Avaliação Depois da formulação e da implementação/monitoramento, a política pública deve ser avaliada. Essa é uma fase negligenciada dentro do planejamento público. Somente com a avaliação, o gestor público e a sociedade poderão verificar em que medida os produtos, metas e resultados planejados foram realizados. Qual foi o impacto na vida das pessoas? O que deu certo? O que deu errado? Se a política tiver sido bem formulada, com base em um bom diagnóstico participativo e se durante a sua implementação, algum sistema de monitoramento tiver sido implementado, o processo de avaliação será ágil e trará informações importantes para a correção de rumos da política e permitindo a geração de subsídios para o novo ciclo de implementação. 9 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Há vários métodos para a realização de uma avaliação que vai depender dos objetivos pretendidos com a avaliação, dos recursos financeiros e do tempo disponível. A avaliação, do ponto de vista da gestão pública, não pode ser um exercício acadêmico, mas sim, deve levantar informações eindicadores que demonstrem em que medida a política pública está atingindo seus resultados e o que fazer para melhorar a sua formulação e implementação. Uma das principais dificuldades de realização da avaliação pelos gestores públicos e por espaços participativos é a falta de informação e indicadores. Tanto em relação aos indicadores sociais das condições de vida da população, como os indicadores de prestação do serviço público, produzido a partir de registros administrativos. A produção e divulgação de dados e indicadores sociais, desagregados por raça/gênero; geracional; território é um importante instrumento para o monitoramento e avaliação das políticas públicas. Os gestores e a sociedade devem sempre se perguntar: em que medida determinada política ou ação governamental impacta os homens e as mulheres, população branca e negra? Quem está excluído? Por que? Para tanto, é necessário produzir indicadores desagregados que demonstrem os diferentes níveis de acesso da população aos direitos. As secretarias de governo e órgãos públicos de pesquisa devem produzi-los ou sistematizá-los com regularidade. Quanto maior o nível de desagregação, mais elementos técnicos e políticos o gestor público e a sociedade civil terá para justificar, formular, pactuar e priorizar a implementação das políticas de modo participativo. É importante que a produção de indicadores desagregados se dê também por territórios (bairros, comunidades, zona urbana/rural), possibilitando medir desigualdades existentes dentro de uma cidade ou região. As desigualdades também se materializam no território. Identificar, quantos cidadãos/ãs habitam esses territórios, qual a característica socioeconômica dessa população, quais os serviços públicos disponíveis, qual a qualidade desses serviços, quais são os gargalos na prestação de serviços público e no acesso aos direitos em determinado território é fundamental para qualificar o debate participativo sobre redistribuição e sobre prioridades na aplicação dos recursos públicos em determinada região. 10 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Exercício: Proponha uma política pública para enfrentar um problema real que atinge a sua comunidade e a descreva a partir de cada uma de suas fases. Ciclo orçamentário Toda política pública necessita de recursos financeiros e humanos para a sua implementação. O planejamento público se materializa no orçamento público que define as prioridades de cada governo. Analisar o orçamento permite identificar em que medida os discursos dos governantes são traduzidos em efetiva alocação de recursos financeiros indispensáveis para a implementação de determinada ação pública. A definição do orçamento público define as prioridades de cada governo em como aplicar os recursos públicos coletados da população por meio dos impostos. O ciclo orçamentário é composto de três normas básicas, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O ciclo inicia-se com a elaboração do PPA, que é uma lei e também um instrumento onde está contido o planejamento estratégico de cada gestão para quatro anos. A cada ano é debatida e aprovada a LDO, indicando as prioridades e os cenários macroeconômicos e fiscais. Qual a previsão de recursos a serem arrecadados para o próximo ano, qual a previsão de crescimento da economia, quais serão os projetos e metas prioritárias, qual o montante da dívida pública e as condições de seu financiamento, entre outras questões. A Lei de Diretrizes Orçamentárias cria, assim, parâmetros anuais para a elaboração do orçamento público. Por fim, a Lei Orçamentária Anual define o montante de recursos que será alocado em cada ação e programa para o próximo exercício fiscal. Muito embora, políticas públicas possam ser formuladas e implementadas ao longo de todo um mandato político (quatro anos), o principal momento de planejamento de uma gestão ocorre nos primeiros seis meses de governo, quando é elaborada a proposta de Plano Plurianual. O PPA é a materialização do programa de governo eleito, que deve incorporar os sistemas públicos de garantia de direitos já existentes. O PPA consolida as orientações estratégias e as prioridades de determinada gestão. Sua estrutura básica é formada por programas (com objetivos, metas e indicadores) 11 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. que se realizam por meio de ações orçamentárias específicas, previstas na Lei Orçamentária de cada ano (LOA). Um elemento central do PPA e também da LOA são os programas, que contém uma racionalidade própria de planejamento, indicando para a sociedade e demais órgãos públicos, o que será realizado, como e com que recursos. Segundo o Manual Técnico de Orçamento – MTO 2013 (Brasil, 2012, p.32)5: Na estrutura atual do orçamento público, as programações orçamentárias estão organizadas em programas de trabalho, que contêm informações qualitativas e quantitativas, sejam físicas ou financeiras. O programa de trabalho, que define qualitativamente a programação orçamentária, deve responder, de maneira clara e objetiva, às perguntas clássicas que caracterizam o ato de orçar, sendo, do ponto de vista operacional, composto dos seguintes blocos de informação: classificação por esfera, classificação institucional, classificação funcional e estrutura programática, conforme detalhado a seguir: Figura 1: Programas de trabalho ou programas orçamentários: principais elementos (fonte MTO 2013) 5 Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Orçamento Federal. Manual Técnico de Orçamento MTO – versão 2013. Brasília, 2012. 12 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Podemos verificar na tabela acima a ligação entre o órgão executor da política, (por exemplo, secretaria de educação, secretaria de saúde, secretaria de cultura etc), o programa (que deve conter objetivos, metas, indicadores etc) e as ações orçamentárias. No primeiro ano do governo eleito, o presidente/a, governador/a, prefeito/a elabora a proposta de PPA, de LDO e a proposta de Lei Orçamentária Anual que indicará as novas diretrizes e prioridades a serem implementadas pela nova gestão. A elaboração do PPA, da LDO e da LOA é uma responsabilidade do poder executivo. O poder Legislativo (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional) tem a responsabilidade de debater a proposta encaminhada pelo executivo, podendo alterá-la por meio de emendas. Uma vez aprovada, a Lei é enviada para a sanção do/a chefe do poder executivo. Essas três leis garantem uma racionalidade e maior transparência, possibilitando a identificação das prioridades, programas e de todas as despesas e receitas utilizadas pelo governo ao longo da gestão. Planejamento estratégico: Planos nacionais e indicadores de direitos humanos Para que haja a efetivação dos direitos humanos é de grande importância que os governos formulem políticas e planos para cada área setorial, buscando sempre a articulação institucional e de propósito. O programas e planos devem ser um instrumento enxuto, composto por diretrizes e metas de promoção dos direitos humanos a serem alcançadas pelos diversos órgãos nacionais, estaduais e municipais, incluindo recomendações ao poder legislativo e judiciário. Do ponto de vista do controle social, quando o governo elenca as suas prioridades programáticas e sobre o uso do recurso público, a sociedade pode influenciar este processo. Por mais genéricas que possam ser as diretrizes e metas estabelecidas nos Planos e programas de políticas públicas, todas elas devem se materializar em ações concretas, monitoráveis e com recursos suficientes para a sua realização. Para isso, programas e planos de ação públicos devem se materializar no orçamento público, que é aprovado anualmente pelo Poder Legislativo. 13 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. Conferência de Viena e a elaboração de Plano de Direitos Humanos e Indicadores A Declaração e o Programa de Ação de Viena, fruto da Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos realizada em Viena em 1993, indicou a necessidade dos Estados Nacionais formularem Planos Nacionais de direitos humanos, assim como o desenvolvimento e aplicação de um sistema de indicadores para que a realização progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais pudessem ser mensuradas. Segue abaixo as duas disposições, estabelecidas nos artigos 71 e 98 do Programa de Ação: 71. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que cada Estado considere a conveniência de elaborar um plano nacional de ação, identificando medidas, mediante as quais o Estado em questão possa melhor promover e proteger os direitos humanos. 98. Para fortalecer os direitos econômicos, sociais e culturais, deve-se examinar outros enfoques, como a aplicação de um sistema de indicadores para medir o progresso alcançado na realização dos direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Deve-se empreender um esforço harmonizado, visando a garantir o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais em níveis nacional, regional e internacional. Exercício: Faça uma busca na internet e procure acessar o orçamento público de seu município ou de seu estado. Identifique um programa específico dentro do orçamento e indique quais os recursos e metas previstas para esse programa para o ano de 2015. Exercício: Faça uma busca no Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU) (www.transparencia.gov.br) e identifique qual foi a quantidade de recurso público federal transferido para o seu município em 2014. Compare com outros municípios da região e identifique o gasto que mais chamou sua atenção. 14 Material de uso exclusivo do Curso COEP: Direitos Humanos, Políticas Públicas e Participação Social – Reprodução não autorizada. 15