ANÁLISE MULTIMODAL NOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS ATRAVÉS DA INTERTEXTUALIDADE COM OS CONTOS DE FADA Francisca Jacqueline Penha Santos1 (UFPI) Resumo: O presente trabalho tem como finalidade apresentar as inter-relações entre texto e imagem na construção de sentidos. Com base nos estudos de multimodalidade de Kress & Van Leeuwen (1996) e dos estudos sobre intertextualidade e os sentidos do texto (KOCH; ELIAS, 2011); (CAVALCANTE, 2012), o artigo propõe a fazer uma análise multimodal nos anúncios publicitários que se intertextualizam com os contos de fada. A partir dessas análises, considera-se que a multimodalidade nas propagandas serve para ressignificar ou ressemiotizar os textos e coloca em jogo, não só a linguagem dos meios, mas também os valores subjetivos, culturais, políticos do produtor publicitário. Palavras-chave: multimodalidade, intertextualidade, contos de fada. Abstract: This paper aims at presenting the interrelationships between text and image in the construction of meanings. Based on Kress & Van Leeuwen’s (1996) studies of multimodality and studies on intertextuality and the meanings of the text (KOCH; ELIAS, 2011; CAVALCANTE, 2012), this paper proposes a multimodal analyze in commercials that intertextualyze up with fairy tales. From these analyzes, it is considered that the multimodality in commercials serves to reframe or ressemiotizar texts and brings into play not only the language of the media, but also subjective values, cultural, political of the advertising person producer. Keywords: Multimodality, Intertextuality, Fairy Tales. Introdução Estamos constantemente sendo expostos à interação com os mais diversos gêneros textuais, especialmente o gênero publicitário, que dita que produtos, serviços, marcas, etc. devemos consumir. A interferência das propagandas em nossas vidas é de uma dimensão inimaginável, pois além de orientar nossas escolhas também modificam o nosso comportamento, nosso modo de vida e influenciam em nossa forma de pensar os valores, a cultura, a política, enfim, a sociedade como um todo. Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -1- Dada a relevância da comunicação publicitária em nossas vidas e na sociedade é que fomos levados a escolher tal gênero textual para uma análise multimodal, mostrando os recursos persuasivos utilizados nas campanhas publicitárias como forma de atingir, principalmente, o público feminino, através da intertextualidade com os contos de fadas. O forte apelo visual nesse tipo de texto é muito recorrente, as imagens dialogam com a linguagem verbal construindo inúmeros efeitos de sentidos com o intuito de vender, fortalecer e divulgar seus produtos, que podem ser desde objetos consumíveis até a propagação de uma ideologia e\ou ideia. Segundo Aguiar (2004), a linguagem é um meio que permite a interação entre as pessoas, ou seja, a realização da comunicação entre os indivíduos de uma mesma comunidade que compartilham de um mesmo código. Participamos do complexo fenômeno social comunicativo quando trocamos informações, sentimentos, pensamentos, ideias, através de um código verbal e/ou não verbal. Para Gomes (2010), o signo verbal organiza-se com base na linguagem articulada e o não verbal vale-se de várias imagens sensoriais, como as visuais, auditivas, sinestésicas, olfativas e gustativas. Observa-se esses aspectos sociais e culturais da linguagem sendo potencialmente explorados nos meios midiáticos, uma vez que a linguagem publicitária explora todos os recursos linguísticos e não linguísticos, da forma mais criativa possível, com o intuito de persuadir o seu interlocutor. O uso das diferentes linguagens no mundo publicitário, além de refletir a realidade, constrói uma realidade que será partilhada por diversas pessoas, e para cada uma delas os sentidos serão construídos conforme suas experiências vivenciadas, suas leituras de mundo experimentadas e concepção de valores recebidos dentro da comunidade em que está inserida. Considerando essa multiplicidade de sentidos construídos através dos mais variados tipos de signos utilizados nas campanhas publicitárias é que se define a multimodalidade textual entendida como a integração entre linguagem escrita, Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -2- imagens, cores, e outros elementos que constituem a estrutura textual. Dionísio (2011) defende a ideia de que todos os gêneros textuais são multimodais, pois quando falamos ou escrevemos um texto, estamos usando no mínimo dois modos de representação: palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e imagens, palavras e marcas tipográficas, etc. Para analisarmos os textos publicitários da empresa de cosméticos “O Boticário”, os quais utilizam a intertextualidade e os mais variados signos linguísticos e extra-linguísticos como um dos recursos de persuasão, é que nos embasamos nas teorias de multimodalidade de Kress e Van Leeuwen (1996) e nas pesquisas sobre intertextualidade de Koch& Elias (2011) e Cavalcante (2012). Nesse trabalho busca-se evidenciar a intertextualidade como ferramenta criativa e criadora na atividade publicitária e identificar os processos intertextuais que ocorrem na publicidade impressa. Neste trabalho analisaremos o processo de construção de sentidos, através da intertextualidade, em textos não verbais. Para dar suporte à análise proposta, inicialmente iremos apresentar as posições teóricas atuais de alguns autores que buscam definir texto como processo que resulta de questões sociocognitivas, interacionais e comunicativas, levando-se em conta os elementos semióticos como partes do próprio texto. Trazemos algumas discussões sobre intertextualidade como um fenômeno linguístico-discursivo que relaciona os dizeres, de forma a produzir sentidos ao texto. Texto e imagem: uma relação dialógica Com o advento das inovações tecnológicas, principalmente com o desenvolvimento da internet, emergiram novas linguagens e com elas novas maneiras de ler, de escrever e de construir sentidos aos textos, estes utilizando-se cada vez mais de recursos visuais, em que imagem e palavra estão sempre mais interligados na construção de sentidos. Marcuschi (2008) admite que essa área ainda é carente de instrumentalização que permita a leitura de um texto com Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -3- diferentes códigos, sendo mais comum tratar dos signos não verbais como um pressuposto inerente ao texto sem que haja um aprofundamento dos mecanismos a serem usados em seu processamento sociocognitivo interacional, no qual “os sujeitos são vistos como agentes sociais que levam em consideração o contexto sociocomunicativo, histórico e cultural” (CAVALCANTE & CUSTÓDIO FILHO, 2010). Disso conclui-se que os recentes estudos na área da Linguística Textual “concebem o texto como objeto dinâmico, multifacetado, que resulta de atividades linguísticas, sociocognitivas e discursivas” (PINHEIRO, 2012). Nessa perspectiva podemos inferir que o conceito de texto não pode ser construído levando-se em conta somente a linguagem verbal, como também, outros elementos semióticos que produzem sentido. Cavalcante e Custódio Filho (2010) retomam a definição de texto de Koch (2004) e trazem alterações significativas que contemplam tanto os textos exclusivamente verbais quanto os multimodais. Os autores incluem a expressão “não verbal” e excluem o termo “linguístico” na definição. Inicialmente é importante definir qual concepção de texto estamos trabalhando neste artigo acadêmico. Segundo Cavalcante, considera-se texto aqueles que constituem uma unidade de linguagem dotada de sentido e cumprem um propósito comunicativo direcionado a um certo público, numa situação específica de uso, dentro de uma determinada época, em uma dada cultura em que se situam os participantes da enunciação. (CAVALCANTE, 2012, p. 17) Essa noção de texto adotada origina-se da concepção de Beaugrande (1997, p.10) que entende o texto como “um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, culturais, sociais e cognitivas”. Nessa perspectiva, atualmente utilizada pela Linguística de Texto, entende-se que o texto se realiza através da interação verbal, oral ou escrita, entre os sujeitos nas suas práticas discursivas. Koch (2002) destaca, ainda, que a atividade interativa textual não se realiza exclusivamente por meio dos elementos linguísticos presentes na superfície do texto, nem só por seu modo de organização, mas leva em conta também o Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -4- conhecimento de mundo do sujeito, suas práticas comunicativas, sua cultura, sua história, para construir os prováveis sentidos no evento comunicativo. Kress e van Leeuwen (2000:40) consideram que os visuais também são sistemas semióticos, e como qualquer “modo semiótico, devem servir a vários requisitos de comunicação (e de representação) a fim de funcionarem como um sistema completo de comunicação”. “O leitor constrói a sua coerência ao ser capaz de através das intricadas teias que nele se tecem durante a progressão textual, estabelecer mentalmente uma continuidade de sentidos” (KOCH, 2003, p.70). O texto publicitário é construído a partir de textos verbais (orais ou escritos) e não verbais (imagens, sons, movimento, gestos, cores, texturas), sendo que a combinação desses diferentes códigos semióticos é o que caracteriza um texto multimodal (Kress e van Leeuwen, 1996). Assim sendo, toda comunicação social é multimodal. Na relação autor – co(n)texto – leitor, cada participante dessa situação comunicativa elaboram os seus textos de maneira mais compreensível em contextos determinados (Kress e van Leeuwen, 1996). Como a veiculação da mensagem na publicidade muitas vezes não acontece face a face, o produtor da campanha utiliza-se de vários artifícios linguísticos e não linguísticos de forma a persuadir o seu interlocutor a comprar um produto ou uma ideia, e para isso, o seu texto deve ser criativo, perspicaz, de fácil compreensão e que atinja o maior número de pessoas. Assim, os argumentos e os modos de dizer são selecionados para que os sentidos depreendidos pelo leitor, a partir do texto, sejam o mais próximo possível da mente do autor e que façam parte do repertório de experiências vividas pelo interlocutor. As teorias de Kress e Van Leeuwen postulam um trabalho voltado para transcodificação da leitura de imagens para a escrita, mas ressaltam que essa passagem de códigos não é suficiente para captar o todo do visual. O sentido do texto visual surgiria a partir da articulação entre os diferentes elementos ali representados, expresso por estruturas narrativas (com o estabelecimento de relações entre as imagens, de modo a criar estados de ação) e/ou por estruturas Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -5- conceituais (a preocupação com outros aspectos, tais como a disposição hierárquica das imagens ou ângulos de visão adotada) (BENTES & LEITE, 2010) Ramos (2007), considera muito importante as contribuições teóricas que definem o signo como socialmente motivado (Kress e Van Leeuwen, 2000), de que existe um signo visual subdividido em icônico e plástico, que se possa verbalizar tais relações, sem que, com isso, estabeleça-se uma hierarquia entre o verbal e os demais códigos além de considerar os estudos semióticos como determinante visual que equivale a “objeto do discurso” na Linguística Textual. Dessa forma, o ponto central da atividade linguística encontra-se na interação e no compartilhamento de conhecimentos de mundo, linguísticos e interacionais. O evento comunicativo não ocorre de forma isolada ou solitária, mas de ações conjuntas que se caracterizam por ter finalidades comuns. Utilizamos as mais variadas formas de linguagem (verbais e não verbais) para nos fazermos entender e para entender o outro. Nesse caso, reafirma-se o pensamento de que na interação autor – (co) texto – leitor leva-se em conta, além da materialidade linguística do texto, os conhecimentos do leitor que são ativados por experiências vivenciadas ao longo da vida: lugar social, vivências, relações com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais, etc. (KOCH & ELIAS, 2011, p.19). Para construirmos o sentido que o publicitário propõe durante o processamento textual, é necessário ativarmos alguns conhecimentos básicos que são apresentados por Cavalcante (2012) como sendo: o conhecimento linguístico que compreende aquele que o leitor possui sobre o uso das regras da língua, de seu complexo sistema. Nesse aspecto, compartilha-se a ideia de Hasan (1996) quando define a linguagem como um sistema complexo de signos que são usados para construção do sentido. Portanto, os elementos multimodais, assim como a língua, são “um dentre um número de sistema de significados, que juntos constituem a cultura humana” (HALLIDAY e HASAN, 1989). No que concerne ao conhecimento linguístico, o leitor deverá mobilizar seus conhecimentos sobre a língua e sobre as estratégias de leitura de imagens, que é uma linguagem diferenciada. Ou seja, não Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -6- é suficiente apenas ler o que está na superfície do texto, o que está sendo dito, mas ler além do texto verbal, fazendo as interconexões com o não verbal. O leitor deverá ser capaz de construir sentido nos anúncios publicitários a serem analisados, principalmente através de seu conhecimento de mundo e do conhecimento interacional. Ativamos o conhecimento de mundo - aquele que se encontra armazenado na memória permanente de um indivíduo – para percebermos os sentidos do texto. São os conhecimentos do leitor ativados por experiências vivenciadas ao longo da vida: lugar social, vivências, relações com o outro, valores da comunidade, conhecimentos textuais, etc. (KOCH & ELIAS, 2011, p.19). Na imagem percebe-se que quanto mais informações armazenadas em nossa memória acerca dos contos de fada, mais fácil e rápido conseguimos (re)construir os sentidos do texto. O conhecimento interacional - ocorre sempre que, ao interagirmos por meio da linguagem, precisamos mobilizar e ativar conhecimentos referentes às formas de interação. Através dele podemos reconhecer o tipo de gênero com o qual dialogamos e, a partir daí, somos capazes de perceber o propósito comunicativo do discurso. Segundo Cavalcante (2012, p. 44) “toda interação se dá por algum gênero discursivo que se realiza por algum texto. E o que são gêneros discursivos, afinal? São padrões sociocomunicativos que se manifestam por meio de textos de acordo com necessidades enunciativas específicas”. Entende-se que para cada propósito comunicativo o indivíduo possui a sua disposição um gênero do discurso. Bakhtin (1992) defende que o dialogismo é propriedade fundamental da linguagem (seja como língua, seja como discurso), princípio que se estende à sua concepção de mundo e de sujeito. Há uma dialogização interna da linguagem, uma vez que a palavra de um é inevitavelmente atravessada pela palavra do outro. Considerando que, assim como um texto, o ser humano é tecido discursivo, portanto dialógico e fundado nos processos sociais (princípios de alteridade e intersubjetividade), o dialogismo reflete também a interação entre os sujeitos. O dialogismo pode, então, ser compreendido de duas maneiras: como diálogo entre Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -7- discursos (interdiscursividade e intertextualidade), e como diálogo entre sujeitos (constituídos no discurso). Intertextualidade: uma estratégia de persuasão A partir do princípio dialógico bakhtiniano, considera-se que não há texto completo ou fechado em si mesmo, pelo contrário, textos e discursos estabelecem uma relação dialógica constitutiva com outros textos e discursos que os antecedem e deles se derivam. Para Bakhtin, o texto só ganha vida em contato com outro texto (com contexto). Somente neste ponto de contato entre textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a um diálogo. Enfatizamos que esse contato é um contato dialógico entre textos... Por trás desse contato está um contato de personalidade e não de coisas. (BAKHTIN, 1986, p. 162) A Linguística Textual incorporou o postulado dialógico de Bakhtin de que um texto não existe isoladamente, ele está sempre em diálogo com outros textos. O anúncio publicitário mantém relações dialógicas especialmente com textos popularmente reconhecíveis, no caso específico desse trabalho - os contos de fadas - constituindo, assim, mais um elo na cadeia de comunicação. Os profissionais encarregados da criação de anúncios nas agências de publicidade, redatores e diretores de arte, empregam materiais (incluem-se aqui quaisquer recursos semióticos) circulantes, constituintes de determinada esfera cultural, fazendo da criação publicitária uma prática de intertextualidade. Koch, Bentes e Cavalcante (2008, p.9) explicam que “todo texto revela uma relação radical de seu interior com seu exterior. Dele fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que ele retoma, a que alude ou aos quais se opõe”. O texto é, então, como um intertexto que se relaciona dialogicamente com textos anteriores e posteriores. A concepção que utilizamos neste trabalho sobre intertextualidade é a mesma abordada por Koch & Elias (2011) como sendo o fenômeno que “ocorre quando, em um texto, está Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -8- inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma coletividade”. Ressaltamos que neste artigo científico, abordaremos a intertextualidade stricto sensu, ou seja, ocorre quando um texto remete a outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte do conhecimento histórico, sócio-cultural de uma comunidade discursiva. O conceito de intertextualidade surgiu no âmbito da crítica literária, como a autora Julia Kristeva (1974), para quem todo texto é realmente um mosaico de citações de outros textos. Ela se apoiava no postulado bakhtiniano do dialogismo. Nessa perspectiva, a intertextualidade é postulada em sentido amplo, no qual todo texto é intertextual. Ou seja, cada texto é constituído de uma sucessão de textos já escritos ou ditos. A produção de sentido de um texto demanda a ativação de conhecimentos adquiridos por meio de outros textos; a prática de leitura e compreensão, por sua vez, requerem a consideração de uma gama de conhecimentos advindos da leitura de outros textos. Em muitos textos, identificamos através de elementos linguísticos e não linguísticos, a presença de outros textos neles, conduzindo o leitor/interlocutor a perceber a ligação intertextual por meio de inferências. “A retomada de texto(s) em outro(s) texto(s) propicia a construção de novos sentidos, uma vez que são inseridos em uma outra situação de comunicação, com outras configurações e objetivos”(KOCH; ELIAS, 2011, p. 86) ANÁLISE DE CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS O texto publicitário constitui um rico material para análise multimodal, uma vez que utiliza diferentes formas de linguagem (verbal e não-verbal) que se entrelaçam produzindo efeitos de sentido inusitados, com um extraordinário poder de persuasão. Conforme observa Maingueneau (2005, p. 12), “um texto publicitário, em particular, é fundamentalmente imagem e palavra; nele, até o verbal se faz imagem”. É um tipo de texto com grande poder de influência sobre o Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos -9- modo de pensar e de agir das pessoas – impregnado de ideologias (explícitas ou implícitas) e de mensagens subliminares capazes de modificar comportamentos e ideias. Nesse aspecto a multimodalidade se constitui como a integração de diversos elementos semióticos. Os textos verbais e visuais têm na publicidade uma relação de complementaridade em que ambos os códigos operam na persuasão, podendo opor, complementar ou reafirmar sentidos. O anúncio publicitário impresso em revista é um gênero midiático, uma vez que é veiculado por meios de comunicação de massa; uma mensagem com objetivos comerciais, institucionais ou políticos, que pode ser composta por signos verbais e não-verbais. Como observaremos nos textos propagandísticos a serem analisados “em publicidade se usam todos os tipos de apelos pictóricos, todas as tendências e variações, todos os antigos e modernos princípios artísticos e todos os meios que são de maior efeito para que o impacto se concretize” (SANT’ANNA, 1998). No meio publicitário, o objetivo principal é despertar na massa consumidora o desejo pela coisa anunciada, ou criar prestígio ao anunciante. Observemos a propaganda a seguir: Figura 1 – Fonte: http://www.putasacada.com.br/o-boticario-almapbbdo/ acessado em: 10 de junho de 2012. Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos - 10 - Temos, na figura 1, uma campanha criada pela agência AlmapBBDO, em 2005, para a marca O Boticário, utilizando os contos infantis como tema para divulgação dos produtos. O Boticário é uma das maiores empresas especializada em cosméticos e perfumaria do Brasil, principalmente, produtos voltados para o público feminino. Na imagem acima, se analisarmos só os aspectos linguísticos (A história sempre se repete. Todo Chapeuzinho Vermelho que se preze, um belo dia, coloca o lobo mau na coleira), não conseguiríamos atribuir adequadamente sentido ao texto, da mesma forma, se analisássemos apenas a imagem. Para construirmos o sentido que o anunciador propõe na interação anunciante – anúncio – consumidor vários conhecimentos são ativados durante o processamento textual, que são apresentados por Cavalcante (2012) como sendo: o conhecimento linguístico (que compreende aquele que o leitor possui sobre o uso das regras da língua, de seu complexo sistema), o conhecimento de mundo (aquele que se encontra armazenado na memória de longo termo ou memória permanente de um indivíduo) e o conhecimento interacional (ocorre sempre que, ao interagirmos por meio da linguagem, precisamos mobilizar e ativar conhecimentos referentes às formas de interação). No que concerne ao conhecimento linguístico, o consumidor deverá mobilizar seus conhecimentos sobre a língua e sobre as estratégias de leitura de imagens, que é uma linguagem diferenciada. Ou seja, não é suficiente apenas ler o que está na superfície do texto, o que está sendo dito, mas ler além do texto verbal, fazendo as interconexões com o não verbal. O leitor deverá ser capaz de identificar a intertextualidade presente no anúncio em análise, que é um dos elementos importantes para a construção de sentidos do texto, a partir das pistas deixadas no texto. A partir das caracterizações feitas dos tipos de intertextualidade, identificamos a relação intertextual por alusão, ou seja, faz referência indireta ao conto da Chapeuzinho Vermelho. Olhando somente para o aspecto linguístico poderíamos criar uma imagem de Chapeuzinho Vermelho como sendo a mesma dos contos infantis: uma garotinha Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos - 11 - “inocente” que utiliza uma capa vermelha, andando pela floresta encantada a mercê da astúcia de um lobo mau que tem como objetivo “devorá-la”. Quando relacionamos o enunciado à imagem, temos a possibilidade de uma nova interpretação. Nesse contexto, Chapeuzinho Vermelho não é mais uma menina “ingênua”, e sim, uma mulher que ao utilizar os produtos da marca “O Boticário” adquire o domínio na relação mulher – homem (este simbolizado pela imagem do lobo mau), isto é, constrói-se a figura da mulher como sendo a que detém o poder de sedução, de conquista nos relacionamentos amorosos. Em um sentido conotativo, há a percepção de ser o lobo mau o próprio homem, evidenciando, assim, a submissão masculina diante da mulher que utiliza os produtos da marca O Boticário. Reafirma-se o que está sendo dito através do slogan “Você pode ser o que quiser”. O Slogan é um lema, uma expressão de uma ideia sobre o produto ou o anunciante (SANT’ANNA, 1998). Dessa forma, a propaganda perpassa um discurso de que a mulher utilizando os produtos da referida marca, coloca-se num lugar de dominação em relação ao homem e, como todo conto de fada que se preze, o final da história sempre será feliz. Observe a propaganda a seguir: Figura 2 – Fonte: http://www.putasacada.com.br/o-boticario-almapbbdo/ acessado em: 10 de junho de 2012. É possível reconhecer no anúncio publicitário exemplificado que este faz referência ao conto de fadas “A Branca de Neve”, história infantil que faz parte do conhecimento cultural de grande parte da população por ser um dos contos mais famosos da literatura infantil. No texto, tem-se o seguinte: “Era uma vez uma Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos - 12 - garota branca como a neve. Que causava muita inveja. Não por ter conhecido sete anões. Mas vários morenos de 1,80.” Apesar de não estar de forma explícita essa relação intertextual, através de uma citação da fonte, recorre-se ao conhecimento de mundo do leitor, que poderá ser ativado através da imagem de uma mão feminina (que lembra a da madrasta má) oferecendo uma maçã (fruta envenenada para matar a Branca de Neve) e dos signos linguísticos “era uma vez”(expressão utilizada no início das histórias infantis), “branca como a neve” e “anões”(personagens da referida história) utilizados no enunciado. Com a leitura verbal e icônica, constata-se a intertextualidade por alusão pela inscrição de contos de fada reconhecíveis no interior de cada texto, no primeiro, a Chapeuzinho Vermelho, no segundo, a Branca de Neve. A criatividade dos anúncios está na reinterpretação dos contos de fada, contados no referido texto não como historinhas infantis propriamente, pelo contrário, com uma conotação jovem ou adulta. Também é importante destacar que a inserção de “velhos” enunciados em novos textos promoverá a constituição de novos sentidos. Significa dizer que a retomada de texto(s) em outro(s) texto(s) propicia a construção de novos sentidos, uma vez que são inseridos em uma outra situação de comunicação, com outras configurações e objetivos. (KOCH; ELIAS, 2011, p.78). Como o texto é uma manifestação não só de ordem verbal, mas de outras naturezas semióticas, considera-se que a intertextualidade está presente também nas imagens. Em se tratando de textos multimodais como o publicitário, essa ocorrência é frequentemente observada. Considerações finais Sabemos que os estudos sobre texto numa perspectiva multimodal ainda são recentes e que precisam de mais pesquisas nesse campo para um maior aprofundamento teórico, pois a cada dia os fenômenos textuais estão mais complexos e heterogêneos, fazendo-se presente, de forma incisiva, em nosso Universidade Federal do Piauí MEL / Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos - 13 - cotidiano. Saber ler e compreender os mais diversos tipos de texto também é uma forma de exercer a cidadania, de ser agentes transformadores dentro da sociedade. Analisando o processo de criação das peças publicitárias, constituintes do corpus deste artigo, percebemos que os criadores lançam mão de materiais, textosimagens e quaisquer outros recursos semióticos que constituam o universo cultural de uma dada esfera social. À medida que um anúncio incorpora significados materializados em outros textos e contextos, o processo criativo passa a ser concebido como uma atividade de intertextualidade. A intertextualidade pode ocorrer em textos das mais variadas esferas de comunicação, ou seja, não só nos literários, como também nos textos midiáticos. Neste trabalho, verificou-se as ocorrências de intertextualidade em anúncios publicitários. Portanto, faz-se necessário abordar os mais variados gêneros textuais dentro da esfera escolar, inclusive os gêneros propagandísticos, levando os nossos alunos a perceberem o discurso por trás da linguagem publicitária, que é uma linguagem sedutora com o propósito de vender um produto ou ideia. Neste sentido, a análise de textos publicitários pode auxiliar na formação de cidadãos críticos, transformadores da própria realidade. Referências AGUIAR, Vera Teixeira de. O verbal e o não verbal. São Paulo: UNESP, 2004. BALOCCO, Anna Elizabeth. A perspectiva discursivo-semiótica de GuntherKress: o gênero como um recurso representacional. In MEURER, J. L.; BONINI, Aldair; MOTTA-ROTH, Désirée (org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. 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