UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO-CAMPUS I
PEDAGOGIA-HABILITAÇÃO NAS SÉRIES INICIAIS
A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA MUNICIPAL DE
ARATUBA
RENATA UCHÔA DE CARVALHO
SALVADOR
2010
RENATA UCHÔA DE CARVALHO
A LITRATURA INFANTIL NA ESCOLA MUNICIPAL DE ARATUBA
Monografia apresentada como
requisito parcial para obtenção da
graduação em Pedagogia do
Departamento de Educação Campus
I da Universidade do Estado da
Bahia, sob a orientação da Prof.ª Dra
Maria Antônia Ramos Coutinho
SALVADOR
2010
FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB
Carvalho, Renata Uchôa de
A literatura infantíl na Escola Municipal de Aratuba / Renata Uchôa de Carvalho . – Salvador, 2010.
42f.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Antonia Ramos Coutinho.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2010.
Contém referências e apêndices.
1. Literatura infantíl. 2.Literatura infanto-juvenil. 3.Professores - Formação. 4. Leitores. i. I. Coutinho,
Maria Antonia Ramos. lI.Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação.
CDD: 808.8992821
RENATA UCHÔA DE CARVALHO
LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA MUNICIPAL DE
ARATUBA
Monografia apresentada como
requisito parcial para obtenção da
graduação em Pedagogia do
Departamento de Educação Campus
I da Universidade do Estado da
Bahia, sob a orientação da Prof.ª Dra
Maria Antônia Ramos Coutinho
Salvador, _____ de ___________ de 2010.
____________________________________
Profa. Dra Maria Antônia Ramos Coutinho
Orientadora
_________________________________
________________________________
Conceito: _______
AGRADECIMENTOS
A meu marido e companheiro Leandro, que contribuiu
para a realização
desse sonho.
A minha família, aos meus filhos pelo carinho e inspiração, a minha mãe por
me ensinar a lutar pelos meus objetivos, aos meus avós por me transmitirem o valor
da educação.
A todos meus professores que, ao longo da minha trajetória acadêmica,
contribuíram para minha formação e transformação.
A todos os meus colegas, que tanto me ensinaram e contribuíram para minha
formação.
À Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação, que me
proporcionou conhecer, amar a prática educativa.
RESUMO
Este trabalho tem como principal objetivo apresentar a investigação realizada sobre
o uso da literatura infantil na escola municipal do povoado de Aratuba, com vistas à
formação leitora dos alunos. A partir da análise dos dados coletados nesta pesquisa,
desejamos enfatizar a necessidade do conhecimento teórico-metodológico do
professor sobre literatura infantil, para que o docente possa orientar seu trabalho
com literatura infantil na sala de aula. Essa pesquisa desenvolveu-se abrangendo as
seguintes etapas: delimitação do problema de pesquisa, definição da temática a ser
abordada, revisão bibliográfica, elaboração de instrumentos, que foram: a visita a
campo, observação direta, entrevista e análise de dados. Após a análise dos dados
coletados nesta investigação, concluímos que a literatura infantil não é trabalhada de
forma sistematizada pelos professores, os alunos não têm acesso aos livros de
literatura e o trabalho com a literatura está sempre vinculado ao livro didático com
fragmentos das obras. A pesquisa aqui desenvolvida proporcionará uma reflexão e
discussão sobre os efeitos desse trabalho assistemático na formação leitora dos
alunos.
Palavras-chave: Literatura Infantil. Formação do Leitor. Formação do professor.
ABSTRACT
This work has as main objective to present the investigation into the use of children's
literature in the municipal school of the village of Aratuba, aimed at training students'
reading. From the analysis of data collected in this research, we wish to emphasize
the need for theoretical and methodological knowledge of the teacher on children's
literature, so that teachers can guide their work with children's literature in the
classroom. This survey was developed covering the following steps: defining the
research problem, setting the theme to be addressed, review, elaboration of
instruments, which were: a field visit, direct observation, interview and data analysis.
After analyzing the data collected in this investigation, we find that children's literature
is not worked in a systematic way by teachers, students do not have access to the
books of literature and work with the literature is always linked to the textbook with
fragments of works. The research developed here will provide a reflection and
discussion on the effects of this work unsystematic reader training of students.
Keywords: Children's Literature. Training Player. Teacher training.
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO ..................................................................................09
2. LITERATURA INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICOS.................... 14
2.1.CONCEITO DE INFÂNCIA ........................................................ 14
2.2. A LITERATURA INFANTIL NO BRASIL...................................... 19
3. LITERATURA INFANTIL E ESCOLA.............................................. 25
3.1. ASPECTOS TEÓRICO -METODOLÓGICOS.......................... 25
4. A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA DE ARATUBA................ 31
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 37
REFERÊNCIAS .................................................................................... 40
APÊNDICE- QUESTIONÁRIO ...............................................................42
9
1. INTRODUÇÃO
O interesse em pesquisar como vem se dando o tratamento dispensado aos
textos literários na escola, no caso em particular, na escola de Aratuba, foi motivado
por inquietações geradas ainda na minha formação escolar e seguidas por estudos
teóricos no campo da literatura.
Relembrar minha formação é mergulhar na minha história, é reconhecer que a
pessoa que sou hoje tem relação com o processo de formação escolar, com sua
ideologia, suas regras, sua cultura, digo relação, por adotar, hoje, uma idéia
interacionista de sujeito, um sujeito que, apesar de sofrer influência do meio,
também é ativo dentro do processo de construção, também reconstrói, ressignifica e
interfere no mundo em que atua. Ao tentar repensar meu passado, através dos olhos
do presente, estou buscando compreender o processo que se iniciou no ano 2005,
quando ingressei na Universidade do Estado da Bahia.
Não existe um nível de ensino que tenha me influenciado mais, pois todos
deixaram suas marcas em mim; existem, porém, diferentes efeitos produzidos por
cada um desses períodos; uns afirmaram os efeitos dos anteriores, outros negaram,
uns aprisionaram, outros me libertaram.
Uma constante na minha formação foram as mudanças, primeiro de
cidades.Pouco recordo , dos primeiros anos escolares, tenho apenas fotos que
registraram meu grande acanhamento, insegurança e medo daquele ambiente, com
pessoas estranhas; essas eram, na minha percepção, responsáveis pelo meu
afastamento da família, em especial minha mãe. Já em outra cidade, agora a minha
cidade natal, Feira de Santana, me alfabetizei. As lembranças desse momento são a
cartilha e a tabuada que a professora tomava oralmente, diante de todos, o que me
provocava um grande desconforto e medo. E assim o meu primeiro contato com a
escola foi marcado por um profundo estranhamento, insegurança e medo diante
daquele universo novo. É importante relatar que os fatos descritos aconteceram em
10
meados da década 80, período marcado pela expansão editorial de livros destinados
ao público infantil, expansão que teve inicio ainda na década de 70.
Entre todas as mudanças de escola, todas particulares, do primário pouco me
lembro de conteúdos, sei apenas que, em História, havia datas comemorativas e
heróis, os quais me faziam sofrer tendo que decorar para as sabatinas orais, bem
como os nomes das regiões e cidades do Brasil e verbos que, com a maior
facilidade, esquecia. Outros momentos marcantes desse período escolar foram as
festas comemorativas, as apresentações que aconteciam nessas datas, das quais,
mesmo com muita vergonha, sempre participei; lembro-me dos desfiles da
independência pelas ruas da cidade, marcando o papel nacionalista na educação.
Esses momentos comemorativos eram bastante felizes e prazerosos.
Hoje, ao analisar esse período, percebo que ele foi marcado por um ensino
tradicionalista; o conhecimento, ou melhor, as informações deveriam ser absorvidas,
decoradas pelos alunos de maneira pouco reflexiva e crítica. No meu ensino
primário, nunca fui estimulada a questionar, embora trouxesse muitas dúvidas e
inquietações, essas só encontravam aberturas para serem discutidas dentro da
família.
Outra lembrança da escola foram as histórias infantis entre elas, Chapeuzinho
Vermelho, Três Porquinhos, Cinderela, Branca de Neve, que depois pude ler
sozinha, mas confesso que a leitura, a princípio, não me seduzia tanto quanto o ato
de ouvi-las por um narrador adulto ou quando as assistia em filmes. Mas hoje, ao
pensar nesse momento, vejo quanto essas obras influenciaram meus pensamentos
e meus ideais até certo tempo, pois depois alguns desses valores e representações
do mundo foram repensados, reconstruídos, transformados ou até mantidos, porém
percebo o quanto influenciam o contexto sociocultural e histórico em que estou
inserida e reconheço o caráter ideológico como parte dessas obras.
A partir da quinta série, a literatura passou a ter um caráter obrigatório, as
leituras dos livros faziam parte do currículo e deveriam ser avaliadas por provas.Dos
muitos livros que li, confesso que poucos me marcaram, as leituras dos livros eram
feitas sempre buscando memorizar acontecimentos ou até compreendê-los como o
11
professor. Assim passaram por mim muitos dos clássicos brasileiros. Essa
metodologia não buscava uma leitura crítica das obras, a finalidade era perceber o
que o autor estava dizendo, para isso o professor conduzia as interpretações.
Foi quando, ainda por exigência escolar, caiu em minhas mãos um livro de
Jorge Amado, Mar Morto, e pela primeira vez me entreguei ao prazer da leitura,
esqueci do compromisso da prova, da interpretação do professor e simplesmente
embarquei naquela viagem, suspiro, choro
e então conheci a literatura. Ao
relembrar essa experiência de leitura, consigo ainda sentir a emoção do encontro. A
partir daquela experiência, passei a adotar uma leitura por prazer.Esse tipo de leitura
me levou para além do prazer, passei a buscar outras obras, a desenvolver uma
postura mais independente não só diante do professor, mas também perante a
realidade, pude perceber que ela é apenas um dos possíveis, podemos questioná-la,
desenvolvendo em mim uma maior bagagem, maior reflexão e até melhorando uma
competência lingüística e, conseqüentemente, maior compreensão na leitura.
Quando, ainda no segundo grau, a leitura passou a ter um sentido, para além
da avaliação, passei a questionar a avaliação, qual seria a forma correta e até justa
de avaliar a interpretação de uma obra, sem ficar presa à própria interpretação do
professor ou até dos críticos literários. O que me incomodava era a forma rígida,
fechada de interpretação, a avaliação do professor em relação à leitura do aluno,
julgando como errado qualquer leitura diferente do estabelecido como correto. Essa
atitude muitas vezes impedia um maior envolvimento do aluno no ato da leitura.
Hoje, como estudante de pedagogia, tenho a dimensão da importância da
leitura na vida do sujeito e principalmente nas instituições educacionais, onde ela é
uma condição para que o aluno avance nos níveis escolares. É importante que o
ensino compreenda a diversidade de textos bem como a diversidade de leituras e de
suas funções.
Nessa diversidade de objetivos que levam à leitura, bem como aos diferentes
tipos de leitura, a escola deve conhecer as especificidades dos gêneros discursivos
com que trabalha. Nessa perspectiva, incluo a literatura como um gênero a ser
trabalhado na escola, o professor precisa tratá-la dentro de suas características,
bem como ter clara a finalidade de sua inserção no planejamento e assim criar
estratégias para concretizar o real contato da criança com a riqueza da literatura,
12
tirando da literatura todos os benefícios que a interação texto-leitor tem como
finalidade lhe proporcionar.
Linhas teóricas mais atuais apontam a função estética da literatura como
uma contribuição para a formação dos sujeitos, ajudando-os
nas buscas de
respostas a dilemas humanos , na integração de culturas e também na exploração
das possibilidades expressivas da língua. A partir dessa perspectiva, a função da
literatura infantil, sem, contudo anular a função educativa, transcende a função
pragmática educativa de lição de moral, conduta ou apenas como meio para o
ensino da língua escrita.
Apesar de reconhecerem hoje o lado estético das obras de literatura infantil, o
caráter pragmático continua a ser o principal objetivo a ser buscado pelos sociedade
escolar e é esse caráter que, na maioria da vezes, justifica o uso da literatura infantil
na sala de aula. Essa preocupação antiga quanto á leitura nos acompanha ainda
hoje no sentido da busca pelo melhor desempenho dessa habilidade pelos
estudantes, futuros trabalhadores. Nesse sentido, tanto pesquisadores da educação,
comunidade escolar, órgãos governamentais veem buscando alternativas para
melhorar o quadro atual em relação à leitura, por identificarem uma deficiência
quanto à leitura no contexto social, principalmente na rede pública de ensino.Nesse
contexto a literatura infantil é inserida como meio para se alcançar os objetivos
almejados.
Existe na nossa sociedade como um todo e, principalmente, nos meios
educacionais, um consenso sobre a importância da leitura, pois o domínio dessa
atividade proporciona ao sujeito o acesso às informações, partilha e construção de
conhecimento através da língua escrita, como também colabora para o seu
desenvolvimento intelectual.
No entanto, questões como fracasso escolar têm sido relacionadas à
dificuldade com a leitura nas séries iniciais, dificuldade essa que acompanharia os
alunos no decorrer da sua vida estudantil, isso quando não o fizessem abandonar os
estudos.
Partindo desses pressupostos, a literatura infantil surge na escola como
ferramenta para auxiliar na formação do sujeito leitor, promovendo e incentivando a
13
leitura. Centralizando na questão da utilização da literatura infantil na sala dos anos
iniciais, como mecanismo de promoção e incentivo à leitura, faz-se necessário saber
o que vem sendo proposto para os alunos, o que estão lendo, como são
selecionados os textos, de que maneira ocorrem as aulas em que a literatura é o
objeto a ser trabalhado. Estas são perguntas que procuramos responder, através da
pesquisa proposta, para entender qual a relação existente entre a utilização da
literatura infantil e a promoção do gosto pela leitura.
A literatura infantil é a primeira literatura com que a criança tem contato
mesmo antes de aprender a ler e escrever. Esse primeiro contato pode acontecer a
partir da oralidade, quando o adulto conta histórias, e depois a própria criança, já
alfabetizada, faz suas próprias leituras. Nesse sentido, é relevante conhecer o
surgimento dessa modalidade, uma literatura voltada especificamente para o público
infantil, que ideais a conduziram, bem como os objetivos alcançados por ela,
partindo do pressuposto de que se trata de uma invenção da modernidade, e surge
junto a uma nova concepção e valorização da infância.
A literatura infantil tem sua gênese vinculada a uma nova concepção de
infância, essa teria interesses e necessidades próprias; isso ocorreu em meados da
idade moderna, durante o século XVIII, porém fica clara a associação da literatura
infantil com a função pedagógica e pragmática.
Uma sociedade que buscava difundir a leitura e nela os valores e ideais,
encontra na literatura infantil um forte aliado. Nesse momento, quando surge a
literatura infantil, o texto é compreendido como algo pronto e acabado, cabendo ao
leitor captar a mensagem do autor.
Hoje, apesar de se reconhecer a existência da função educativa da literatura
infantil, estudos como a Estética da Recepção apontam para uma concepção ativa
do ato de ler, onde o leitor interage com o texto, não mais de maneira passiva, a
mensagem não está pronta a priori, mas se constrói no processo de interação textoleitor; vemos, então, uma mudança de concepção de leitura na qual o leitor assumiu
uma postura ativa, participativa diante o texto. Resta saber se essas teorias têm
orientado, influenciado o trabalho do professor na sua metodologia do ensino de
leitura de textos literários.
14
Ao se constatar a estreita relação escola e literatura infantil, desde seu
nascimento e até os dias atuais, percebe-se que a escola é a maior, e às vezes a
única divulgadora dessa literatura, e que muitas crianças só são apresentadas a ela
no ambiente escolar, o que aponta para a importância de analisar como esse gênero
está sendo apresentado e utilizado nas salas de aula, como são feitas as seleções
dos livros e como são trabalhados e assim poder perceber os efeitos dessa
interação na formação do leitor.
Com o objetivo de analisar como a literatura infantil vem sendo trabalhada na
sala de aula, a presente pesquisa foi realizada na escola municipal do povoado de
Aratuba. A pesquisa foi dividida em etapas; primeiro foi realizada uma revisão
bibliográfica sobre o tema, no segundo momento foram realizadas quatro visitas de
observação, uma em cada turma, e entrevista com professoras e a diretora, e, no
terceiro momento,
trabalho.
foi realizada a análise de dados, que levou à conclusão do
15
2. LITERATURA INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICOS
2.1 CONCEITO DE INFÂNCIA
Como foi visto anteriormente, a literatura infantil, no ocidente, é um gênero
novo, uma invenção da modernidade; assim sendo, precisamos entender em que
contexto sócio-cultural ela surgiu, quais os ideais que a conduziram e a que
interesses e necessidades ela atendia. É preciso conhecer que papel a literatura
exercia na sociedade para poder compreender melhor seu lugar hoje na atualidade.
Esse novo gênero surge primeiro na Europa, por volta do final século XVII e
início do século XVIII, quando ,em 1697, Charles Perrault publicou Contos da
Mamãe Gansa. O nascimento das obras destinadas ao público infantil teve grande
influência da produção de natureza popular e de circulação oral, englobada pelo
novo gênero. Essa modalidade , no entanto, encontra um certo desprestígio por se
tratar de obras populares destinadas ao público infantil, esse desprovido de poder
político e econômico. Podemos constatar esse preconceito pelo fato de Perrault
atribuir a autoria da obra Contos de Mamãe Gansa ao seu filho mais moço Pierre
Darmancourt ,como afirma Zilberman e Lajolo:
Charles Perrault, então já uma figura importante nos meios intelectuais
franceses, atribui a autoria da obra a seu filho mais moço, o adolescente
Pierre Darmancourt; e dedica-a ao delfim da França, país que, tendo um rei
ainda criança, é governado por um príncipe regente. (ZILBERMAN e
LAJOLO 2002, p.15)
16
Segundo Zilberman e Lajolo, a recusa de Perrault em assinar a primeira
edição do livro é reveladora do destino do gênero que, desde seu aparecimento,
sofreu dificuldades de legitimação.
No Brasil, a literatura infantil surge efetivamente no século XX. Houve no
Brasil publicações no século XIX de textos voltados para o público infantil, porém
esses foram esporádicos; foi apenas no século XX que se firmou uma produção
literária regular para o público infantil. Essas primeiras iniciativas foram marcadas
principalmente por traduções e adaptações de obras infantis da Europa.
A idéia de infância tanto sofreu influência quanto influenciou o contexto sóciocultural do mundo moderno, tanto no âmbito internacional como no Brasil,
determinando os caminhos da literatura infantil.
Para entender a gênese de uma literatura específica para o público infantil,
faz-se necessário recorrer ao momento histórico do seu nascimento. Fruto da
modernidade, o gênero surge concomitantemente à ascensão da burguesia e, com
ela, de seus ideais.
A ascensão da classe burguesa dá-se com a revolução industrial, que
aconteceu na segunda metade do século XVIII, primeiramente na Inglaterra e depois
se espalhou pelo mundo. Esse movimento significou uma mudança na forma de
produção, a máquina passou a ser força motriz e o homem, que até então
desempenhava todas as etapas da produção, passou a desenvolver apenas uma
parte do processo produtivo; sem conhecer o processo todo, ele assumiu o papel de
acessório da máquina e, então, o artesão se transformou em proletário.
Transformações acontecidas no campo econômico com a mudança da forma
de produção acarretam conseqüências tanto no nível social como cultural. No âmbito
social, ocorre o fortalecimento da burguesia e o surgimento da classe operária, os
trabalhadores das fábricas, e como essas ficavam próximas das cidades, ocorre o
êxodo rural, fazendo com que as cidades cresçam e uma sociedade estruturalmente
rural transforme-se em urbana. A nova estrutura socioeconômica provoca novos
conflitos, novos parâmetros morais, transformações culturais, mudam-se as
condições e as exigências da formação humana, novas idéias surgem e a ciência
passa a assumir um papel fundamental para a sociedade.
17
As necessidades geradas pela nova realidade colocaram em foco questões
sobre a instrução, a qual passa a ter um lugar de destaque nesse contexto,
convocada a atender às exigências na relação instrução-trabalho.
Nesse momento, as instituições escola e família desempenharam um papel
relevante
e,
influenciados
pelas
mudanças
sociais,
sofreram
também
transformações nas suas estruturas.
Quando falamos de família, de infância, temos uma falsa idéia de que são
representações naturais e imutáveis, porém a história mostra o equívoco desse
pensamento. Existiram e existem diferentes modelos de família, no entanto, sua
organização está diretamente ligada a aspectos econômicos, sociais e culturais do
seu entorno. Assim, o modelo da família monogâmica burguesa, apesar de ter
sofrido mudanças ao longo do tempo, continua dominando o ideal de família no
mundo capitalista.
Segundo Engels, a família monogâmica surgiu e foi determinada pelo
aparecimento da propriedade privada, diferenciando-se das sociedades primitivas
que a forma de família predominante era a grupal. Engels afirma assim que: “A
monogamia nasceu da concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos- as de
um homem-e do desejo de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos deste
homem, excluídos os filhos de qualquer outro” (ENGELS, 1995, p.82)
Segundo Reis (1984), para compreender o grupo familiar é preciso considerálo dentro da trama social e histórica que o envolve. É por isso que a estrutura
familiar, influenciada por ideais modernistas oriundos da Revolução Industrial, na
qual as estruturas sociais foram profundamente alteradas e os ideais burgueses
guiaram o pensamento da sociedade, foi profundamente modificada.
Sobre a concepção de família, afirma Reis:
Quando usamos o modelo burguês familiar como sinônimo de família atual,
assim o fazemos por entender que este padrão de organização originário na
burguesia espalhou-se pelas demais classes sociais que, paulatinamente, o
adotaram. Isso não significa negar a existência de outras formas de vida
familiar nem impor uma padronização absoluta a todas as unidades
familiares, mas apenas tomar o modelo familiar que predomina na
sociedade em que vivemos e que corresponde aos valores da ideologia
dominante. (REIS, 1984, p.105)
18
Foi então sobre o modelo de família burguesa, nascida na Europa em
meados do século XVIII, que se criaram os novos padrões de relações familiares.
Um dos pontos centrais nesse novo modelo é o fechamento da família em si mesma,
uma separação entre vida pública e privada. Nessa família, as divisões dos papéis
correspondiam: ao homem, o papel de provedor da casa, autoridade dominante, à
mulher cabia a vida doméstica, organização da casa e a educação dos filhos e os
filhos passam a constituir o principal objetivo do casamento burguês.
E é nesse contexto social que a literatura para crianças e jovens surge no
século XVIII. Segundo Regina Zilberman: “A concepção de infância, como faixa
etária diferenciada, com interesses, necessidades próprias, só ocorre nos meados
da Idade Moderna durante o século 18, junto a uma nova noção de família.”
(ZILBERMAN, 1987, p.12). Segundo ainda Zilberman, é a partir dessa nova
concepção de infância que surge a preocupação com sua formação, educação; a
criança que até então vivia entre os adultos e misturada com eles aprendia o
necessário para a sua inserção na vida grupal. Porém, como já vimos, a sociedade
havia mudado, e os ideais burgueses de família e infância que primavam pela
privacidade e confinamento das crianças marcavam o pensamento da sociedade.
Segundo Perroti, essa relação entre o público e o privado estabelecido entre a
família e a sociedade é resultado do contexto marcado por conflitos de interesses
das classes sociais, o autor assim define: “O apego do burguês à família e aos filhos
significa uma desconfiança profunda que se alimenta em relação à sociedade
enquanto instância política, ou seja, enquanto espaço onde se desenvolvem as
relações humanas” (PERROTI, 1986, p.145).
Segundo Perroti, essa privação da vida grupal se justifica pelas tensões
sociais produzidas pelas competições e as lutas de classes marcadas na época,
assim, ainda segundo Perroti, a burguesia gera a literatura infantil, para suprir a
ausência do convívio social que as crianças passaram a sofrer, convívio esse que
fazia parte da formação do jovem até aquele momento. O autor registra:
É, pois nesse contexto de reorganização da sociedade de classes bem
delineadas e em processo de luta crescente que se constitui o que hoje
entendemos como literatura para crianças e jovens. Fruto da preocupação
de educadores que tinham a missão de formar o jovem burguês para a
19
representação eficaz de seu papel social, tal literatura viria preencher,
juntamente com outras formas encontradas pela escola, o vazio de relações
sociais extensas, criado pelo confinamento a que teve que se submeter à
criança burguesa. (PERROTI, 1986, p.146)
Nesse modelo de família burguesa, a criança assumiu um papel central;
beneficiária maior da instituição família criou-se um novo conceito de infância.
Zilberman sobre a concepção de infância diz:
A criança passa a deter um novo papel na sociedade, motivando o
aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro)
ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria)
de que ela é destinatária. Todavia, a função que lhe cabe desempenhar é
apenas de natureza simbólica, pois se trata antes de assumir uma imagem
perante a sociedade, a de alvo de atenção e interesse dos adultos, que de
exercer uma atividade econômica ou comunitariamente produtiva, da qual
adviesse alguma importância política e reivindicatória. (ZILBERMAN e
LAJOLO 2002, p.17)
Segundo Zilberman, a criança, por não desempenhar nenhuma atividade
produtiva, era desprovida de qualquer poder econômico ou político; a infância é
assim marcada pela sua dependência e fragilidade. No entanto, apesar de não
apresentar nenhuma forma de poder ela possui um papel extremamente importante
dentro da família, sendo o filho o beneficiário maior.
Nesse contexto, a família, preocupada com a privacidade, estimulando a
afetividade entre seus membros e desejando controlar a formação, desenvolvimento
intelectual e manipulação emocional da criança, vê na literatura a possibilidade de
contribuir para essa missão. A literatura voltada ao público infantil tem como suas
bases o compromisso com a pedagogia, a transmissão dos valores burgueses e a
doutrinação, como também suprir o vazio causado pelo isolamento social da criança
burguesa.
A literatura infantil está inserida dentro de um contexto sociocultural e
histórico, o qual age tanto sobre o autor, na elaboração das obras, quanto sobre os
leitores, nas suas leituras e interpretações, pois é dentro de um contexto sóciocultural familiar a ambos, ao autor e ao leitor, que poderá ocorrer o processo de
comunicação.
20
2.2 A LITERATURA INFANTIL NO BRASIL
A literatura infantil no Brasil tem início mais ou menos no século XX; antes
disso, sabe-se que houve algumas publicações, destinadas ao público infantil, mas
nada que caracterizasse uma produção nacional regular. Além disso, os textos que
aqui chegaram antes do século XX eram basicamente traduções e adaptações de
textos portugueses; essas continuaram a acompanhar a produção da literatura
infantil no início do século, porém foram sendo acompanhadas por produções
nacionais.
Foi sob o calor dos movimentos republicanos, quando o país passava por
mudanças políticas e sociais, que o gênero literário destinado ao público infantil
começa a se estruturar no país. A mudança da forma de governo, a passagem do
império para a república, o crescimento da urbanização junto ao crescimento e
diversificação da classe intermediária, composta por imigrantes, comerciantes,
funcionários públicos e ex-escravos, se constituiu o contexto propício para
surgimento da literatura para crianças no Brasil.
É importante destacar que nesse momento o cenário internacional já vive a
industrialização e visa a buscar novos mercados consumidores, é nesse sentido que
existiu uma pressão internacional para as mudanças ocorridas aqui no Brasil. Havia
um interesse econômico das potências capitalistas, no caso a Inglaterra, no
desenvolvimento de nosso mercado interno, o qual corresponderia a futuros
consumidores de seus produtos.
O surgimento do gênero destinado a crianças foi, e ainda é hoje, marcado
pela ligação tanto com o mercado industrial, pois se constitui em um produto, quanto
com a escola, que é a responsável pela transmissão dos ideais republicanos da
época e também é responsável por formar a habilidade da leitura no público infantil,
para que ele possa usufruir dessa literatura. Zilberman aponta a relação existente
21
entre literatura infantil, mercado e escola como característica do gênero no mundo
capitalista:
Numa sociedade que cresce por meio da industrialização e se moderniza
em decorrência dos novos recursos tecnológicos disponíveis, a literatura
infantil assume, desde o começo, a condição de mercadoria. No século
XVIII, aperfeiçoa-se a tipografia e expande-se a produção de livros,
facultando a proliferação dos gêneros literários que, com ela, se adéquam à
situação recente. Por outro lado, porque a literatura infantil trabalha sobre a
língua escrita, ela depende da capacidade de leitura das crianças, ou seja,
supõe terem estas passado pelo crivo da escola. (ZILBERMAN e LAJOLO
2002,p.18)
O mercado teve no passado e detém ainda hoje um papel importante quanto
à produção da literatura direcionada às crianças e jovens, pois é a partir da abertura
de um mercado promissor e lucrativo que pode crescer a produção das obras
infantis bem como originou a profissionalização de escritores de literatura infantil. Se
for verdade que esse mercado dita as normas, os caminhos traçados, em todo país
capitalista, a produção das obras literárias, mais ainda a infantil, é também verdade
que ele promoveu e patrocinou a história da literatura infantil, no nosso caso o Brasil.
No período de transição de governo de Império para República, a sociedade,
ainda basicamente rural, iniciava uma mudança que levava as pessoas em direção
às cidades e, como conseqüência dessa alteração, muda também a estrutura
sociocultural, que começa a ser organizada segundo padrões da vida urbana, pelo
menos havia uma busca pela modernização vivida no cenário internacional. Os
ideais do movimento republicano que representaram o pensamento de parte da
sociedade naquele momento, eram o de modernização.
Na busca pela modernização nacional, motivada por ideais nacionalistas e
patrocinado por uma burguesia urbana em ascensão, o saber alcança um lugar de
destaque na sociedade. Programas de incentivos à alfabetização e leitura surgiram,
a escola reforça a importância da literatura infantil nesse contexto social.
Como na Europa, o início da literatura infantil no Brasil adota uma concepção
utilitária e pedagógica. Mantém uma relação estreita com a escola tanto na sua
22
função de promoção à leitura como na divulgação de valores. A literatura para as
crianças, no período Republicano, tem como característica
a preocupação
moralista, de prescrição de conduta, ordens, proibições como o nacionalismo
expresso pelo amor a pátria, exaltação aos heróis e às paisagens nacionais. A
leitura escolar era assim instrumento de divulgação de ideais de civismo e
patriotismo, o que, no Brasil, se ajustava perfeitamente ao momento histórico de
busca pela modernização.
Segundo Lajolo e Zilberman (2002), além da preocupação moral e patriótica,
a literatura infantil, no período que se iniciou no Brasil, tinha também uma
preocupação com a linguagem; essa devia obedecer à norma culta, o que tornava a
linguagem dos textos distante da realidade vivida pelas crianças bem como não
trazia a diversidade cultural e social marcada na fala do povo brasileiro. Essa atitude
demonstrou que a idéia que queriam transmitir era o do país como um todo
uniforme, uma nação.
Em 1920 -1945, o gênero literatura infantil se firma, autores de literatura não
infantil aventuram-se a escrever para crianças. Fizeram parte desse momento textos
ligados ao folclore, histórias populares, narrativas originais, predominou a ficção
sobre a poesia. Segundo Zilberman, esse crescimento se deu pelo seguinte fato:
O crescimento quantitativo da produção para crianças e a atração que ela
começa a exercer sobre escritores comprometidos com a renovação da arte
nacional demonstram que o mercado estava sendo favorável aos livros.
Essa situação relaciona-se aos fatores sociais: a consolidação da classe
média, em decorrência do avanço da industrialização e da modernização
econômica e administrativa do país, o aumento da escolarização dos grupos
urbanos e a nova posição da literatura e da arte após a revolução
modernista. (ZILBERMAN, 1984, p.47)
Esse período correspondeu a uma progressiva autonomia do gênero em
relação às produções estrangeiras, surgiram inúmeras histórias originais. Segundo
Lajolo e Zilberman (2002), são traços característicos desse período: predomínio do
campo como cenário das histórias e a fixação de um elenco de personagens, no
qual se destacam crianças que transitam de um livro a outro; concomitantemente a
essas características, continuou a adaptação dos clássicos europeus, apropriação
23
de folclore bem como o aproveitamento da história brasileira, apresentando seus
principais feitos e figuras, ainda reflexos do projeto patriótico do período anterior.
Nesse momento da literatura infantil no Brasil, houve uma mudança quanto à
linguagem usada nas obras direcionadas ao público infantil, a qual até aquele
momento correspondia à norma escrita e ao padrão culto, tornando o discurso das
obras artificial e distante de seus leitores, que passou a incorporar a oralidade sem
infantilidade, tanto na fala dos personagens quanto no discurso do narrador.
Essas mudanças ocorridas estão diretamente relacionadas ao processo
crescente de industrialização do livro atrelado à consolidação de um mercado
consumidor. Era necessário cativar esse consumidor, mantê-lo cada vez mais
interessado; essa preocupação somou-se à idéias da geração modernista e
incentivaram revisões e as mudanças no gênero. Outro fator desencadeado pelo
crescimento industrial foi a profissionalização dos escritores e a especialização das
editoras; esses novos profissionais se caracterizaram por produzirem uma
quantidade considerável de obras. Sobre esse aspecto Lajolo e Zilberman afirmam:
(...) se é marcante a quantidade de textos novos, possibilitando a
profissionalização do escritor, fica claro também o tipo de profissionalização
facultada: a que adere à produção de obras repetitivas, explorando filões
conhecidos e evitando a pesquisa renovadora. O resultado levou ao menor
reconhecimento artístico e à maior marginalização da literatura infantil, se
comparada aos demais gêneros existentes. (LAJOLO ; ZILBERMAN, 2002,
p.87)
As autoras apontam duas conseqüências desse processo industrial: se por
um lado houve mudanças na produção das obras infantis impulsionadas pela
preocupação em agradar o mercado consumidor, esse representado pela família,
escola e governo, ocorreu também um aumento na quantidade da produção muitas
vezes prejudicando a qualidade estética da obra.
Esse período de início e de consolidação do gênero de literatura infantil, no
Brasil, que vai até mais ou menos a década de 60 é marcado pela presença da vida
rural
(tanto
enaltecendo
quanto
denunciando
uma
decadência
ou
um
24
saudosismo),pelo caráter moralizante, nacionalista e por estar influenciado pelo
mercado.
Sobre esse momento na história nacional da literatura infantil, Lajolo e
Zilberman afirmam:
É como fruto e motor da ideologia desse período que os textos destinados à
infância e juventude podem ser encarados. Por isso, não denunciam a
realidade, mas a encobrem, sem deixar transmitir ao leitor os valores que
endossam. A postura, por escapista, mostra-se reveladora; contudo, é dela
que proveio a eficiência do gênero. Este perdurou e tomou corpo, adquiriu
solidez e deu segurança aos investidores, em virtude da utilidade que
demonstrou e da obediência com que seguiu as normas vigentes.
(LAJOLO ; ZILBERMAM, 2002, p.1220
A partir dos anos 60 houve um grande crescimento de instituições e
programas voltados para a promoção da leitura e de discussão da literatura infantil,
movido por uma preocupação das autoridades educacionais, professores e editores
em relação aos baixos índices de leitura da população escolar. É então nos anos 70
que o estado se mobiliza para apoiar entidades envolvidas com livros e leituras.
Com uma maior influência do mercado e a interferência do estado, a literatura
mais contemporânea assumiu também uma tendência contestadora, dentro do
cenário urbano, buscando tratar do Brasil atual e seus problemas sociais. Temas até
então ausentes na literatura infantil passaram a fazer parte das novas obras; temas
como pobreza, miséria, da injustiça, marginalização, autoritarismo, preconceito, são
abordados no gênero infantil.
Uma representação idealizada da sociedade dá lugar a uma visão mais
realista do contexto social nacional, a vida cotidiana passa a inspirar a produção das
obras infantis. Fica clara mais uma vez a influência da industrialização da cultura,
das condições da vida urbana e de seus problemas sociais na literatura infantil. Ela
passa a desenvolver uma postura diferente da adotada na sua origem, a imagem
idealizada de criança obediente é abalada, valores autoritários e conservadores são
questionados, o uso da oralidade nos discursos das obras com a intenção de
aproximá-las à realidade de seu público são aspectos que demonstram a
25
incorporação de traços da modernidade e uma visão mais libertária assumida pela
literatura infantil contemporânea.
A história da literatura infantil no Brasil é feita de idas e vindas, avanços e
permanências de velhos ranços; se é verdade que mudaram fatores internos nos
textos, como linguagem, temas, ideologia, relação com a realidade, demonstrando
uma busca de qualidade estética é também verdade que a literatura infantil continua
mantendo uma relação bastante próxima da escola no que diz respeito à circulação
dos livros infantis, pois é a escola uma grande divulgadora das obras e também
ligada à interesses da indústria cultural por se constituir um produto.
26
3. LITERATURA INFANTIL E ESCOLA
3.1 ASPECTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS
Após se estabelecer como gênero, a literatura infantil passa a despertar
interesse de alguns estudiosos. Tentaremos traçar uma trajetória histórica desses
estudos ao longo do tempo, sem, contudo, nos atermos às especificidades locais
ocorridas em cada contexto particular. Pretendemos, de modo geral e amplo,
conhecer e compreender as linhas de abordagem, sobre a literatura,
e se elas
influenciam hoje nossas concepções sobre o tema. Nessa perspectiva, Teresa
Colomer, em seu livro A Formação do leitor literário (2003) traz uma grande
contribuição quando faz um levantamento histórico das linhas teóricas dos estudos
sobre a literatura infantil ao longo do tempo. Segundo a autora, a primeira
preocupação sobre o tema foi quanto à seleção e à difusão das obras infantis.
Ainda segundo Colomer, a literatura infantil sempre esteve situada entre uma
função literária e uma função educativa e foram sobre essas funções que se
centralizaram os primeiros debates teóricos que correspondiam, por um lado, à
definição da literatura infantil e juvenil, por outro, à questão sobre a conveniência
educativa dos modelos realistas ou fantásticos nas obras infantis. Essas discussões
marcaram os debates teóricos até os anos oitenta.
Outro aspecto ligado à definição do gênero foi o da avaliação, questionando-se
que critérios deveriam ser considerados,se critérios literários utilizados na avaliação
da literatura de adultos ou uma avaliação a partir da experiência da criança .Essas
posições se mantiveram em oposição, ou se consideraria uma avaliação do texto ou
consideraria o leitor.
Nessa linha de discussão sobre a definição da literatura infantil, Cecília
Meireles, em seu livro Problemas de literatura infantil, assim se posiciona: “Sempre
que uma atividade intelectual se manifesta por intermédio da palavra, cai, desde
logo, no domínio da Literatura” (1979, p.19).
27
Ainda segundo Meireles: “(...) A palavra pode ser apenas pronunciada. É o fato de
usá-la, como forma de expressão, independente da escrita, o que designa o
fenômeno literário. A literatura precede o alfabeto. Os iletrados possuem sua
literatura.” (1979, p.19)
Por acreditar que a literatura é única, Cecília Meireles defendia que a
classificação quanto ser infantil ou não deveria ser a posteriori, isto é, caberia à
criança eleger essa literatura. Assim ela escreve; “São as crianças, na verdade, que
delimitam, com sua preferência. Seria acertado, talvez, assim classificar o que elas
lêem com utilidade e prazer. Não haveria uma literatura infantil a priori, mas a
posteriori”1979, p.20)
Uma posição semelhante já era defendida por Jesualdo (1978). Sobre a
definição de uma literatura infantil, coloca:
O que existiria, então, seriam certos valores, elementos ou caracteres
dentro da expressão literária geral, escrita ou não para crianças que
respondem às exigências de sua psique durante o processo de
conhecimento e de apreensão, que se ajustam ao ritmo de sua evolução
mental, e em especial ao de determinadas forças intelectuais (JESUALDO,
1978, p.16)
Na tentativa de superar esse paradigma de caráter dicotômico, de texto
versus leitor, a literatura infantil passou a ser considerada como um campo
específico, um gênero literário; sendo assim, procurou-se definir os traços
específicos, e o julgamento das obras deveria ser feito pelo êxito no uso das
convenções do gênero. Nesse sentido, tentou-se criar um equilíbrio entre os critérios
centrados no texto e outros centrados no leitor.
Outro tema bastante discutido até a década de oitenta foi a relação entre
ficção realista e a ficção fantástica. Segundo Colomer, essas questões remetiam
novamente uma aos aspectos literários e outra à função educativa. Essas se
constituíam, primeiro na relação entre os contos de fada, contos populares com a
28
literatura infantil, o segundo trazia a questão de serem os contos de fadas
apropriados ou nocivos para as crianças do ponto de vista educativo.
Segundo Teresa Colomer, os contos populares de tradição oral, apesar de
não terem sido na sua origem criados para crianças, foram desde o início de sua
fixação escrita uma inclinação explícita de apelo a esse público, sendo assim a
autora afirma; “Pode afirmar-se, pois, que o folclore como forma literária viva está
enraizado essencialmente na literatura infantil e é parte da descrição deste
fenômeno.” (COLOMER, 2003, p.55)
Essa associação da literatura infantil aos contos fantásticos levantada por
estudos tanto de literatura infantil quanto do próprio folclore se configurou em três
tipos de pressupostos básicos sobre a contribuição do folclore à literatura infantil,
são eles folclore como herança cultural da humanidade, o folclore como resposta à
necessidade psíquica, forma de resolução dos conflitos psicológicos dos indivíduos.
No entanto, nem sempre os contos de fada foram vistos como boa influência para
crianças. A princípio, eles eram desprezados principalmente por sua falta de
compromisso com o mundo real, por seu grau de violência e por seus modelos de
comportamento sociais moralmente censuráveis, fatores que levaram as posições
pedagógicas a olharem com desconfiança os contos de fadas.
Muitas críticas foram feitas aos contos de fadas até que Bettelheim em sua
obra A psicanálise dos contos de fadas (1986) marcou uma mudança de orientação
na concepção sobre tal literatura. Para o autor, os contos de fada possuíam
características positivas como: simplicidade das situações descritas, clara distinção
entre o bem e o mal, facilidade de identificação com o herói e o desfecho feliz da
história. Essas características passaram a fazer parte dos critérios de avaliação das
obras infantis.
Estudos psicológicos feitos nesta perspectiva apontaram para a adequação
das características literárias do folclore à mente das crianças. Esses estudos tiveram
bastante influência tanto no que se refere à avaliação das obras quanto na produção
dos livros destinados às crianças; essa produção tanto sofreu influência
avanços teóricos quanto também os impulsionou.
dos
29
Na década de oitenta, a literatura infantil passa por algumas mudanças, essas
são frutos da evolução de estudos em áreas de conhecimento afins como psicologia,
pedagogia ou no campo cultural, que começaram a direcionar seus interesses ao
leitor, mudando o foco dos estudos.
Na perspectiva psicológica, com os estudos da psicanálise, a influência mais
relevante no campo da literatura infantil atualmente se dirige à produção de livros
que atendam aos conflitos psicológicos das crianças. Dos estudos da psicologia
cognitiva, a literatura para crianças e jovens adotou idéias como a consciência
explícita dos problemas de compreensão implicados na leitura e alguns critérios
sobre a divisão de livros segundo a idade dos destinatários.
Outra corrente de grande repercussão e influência também na literatura
infantil foi à difusão da obra psicolingüística de Vigotsky, assinalando a importância
da linguagem, como instrumento essencial de aprendizagem. Foi na década de
oitenta que as idéias vigotskianas da importância do contexto social na
aprendizagem do sujeito mais se propagaram; a problemática se constituía em
estudar os processos através dos quais se criam e se negociam os significados em
uma comunidade, assim como o aspecto cultural da aprendizagem.
As idéias de Vigotsky serviram de base para outras pesquisas, uma delas foi
sobre a compreensão leitora, que se dirigiu tanto a saber o que faz uma pessoa
quando lê como ver características do texto que ajudam a entendê-lo melhor.
Atualmente tais estudos têm buscado ir além das análises centradas na estrutura
narrativa para entenderem a capacidade de interpretação literária .
A narrativa como forma de pensamento e o uso literário da linguagem
também se constituiu objeto de estudo; esses resultaram na compreensão da
narrativa como ação e intenção humana de ordenar o mundo dos possíveis.
Segundo Teresa Colomer:
As implicações desta proposta para a literatura infantil são consideráveis, já
que confirmam a visão da ficção como meio pelo qual as crianças, a partir
de seu “aqui e agora”, podem mover-se em diferentes mundos e adotar
distintos papeis sociais. A habilidade para entrar neste tipo de jogo
imaginativo constitui uma característica essencial das pessoas , já que,
como Vigotsky assinalou, os humanos são os únicos animais que podem
pensar outras maneiras de fazer coisas em outro tempo e em outro
30
lugar.Estas idéias são experimentadas primeiro na linguagem , no jogo ou
através da imaginação.(COLOMER,2003,p.88)
Os estudos da narrativa adentram no universo estético da linguagem, onde a
literatura é porta de acesso a essa linguagem que difere das formas tradicionais de
transmissão da informação.
Continuou também fazendo parte dos estudos teóricos uma perspectiva
literária, se analisavam as características literárias das obras destinadas às crianças,
sendo que, a partir da década de oitenta, esse estudos sofrem uma certa
reformulação, eles passaram a abranger todo o circuito comunicativo literário, o qual
incluiu a figura do leitor e o contexto social da produção e uso da literatura.
A literatura passou a ser compreendida como fenômeno comunicativo, cujos
fatores contextuais passaram a fazer parte da análise dessa relação. Ao se
considerar todo o contexto comunicativo e o leitor constituindo peça importante
nesse sistema, surgiu o interesse em definir que aprendizagem surgiria dessa
relação texto leitor ; essa aprendizagem foi conceituada de “competência literária”,
que consistiria na capacidade humana que possibilita a produção e recepção de
estruturas
poéticas;
esta
habilidade
seria
determinada
por
fatores
históricos,sociológicos, estéticos, etc.
Nessa nova perspectiva, o leitor assume um papel importante dentro do
circuito comunicativo literário. A teoria da recepção, de tradição alemã, desenvolveu
questões como o que leva um texto a ser considerado literário e que mecanismos
convencionais se requerem para interpretar um texto neste sentido. Segundo a
teoria da recepção, o texto não é o único elemento do fenômeno literário, mas é
também a reação do leitor e que é preciso explicar o texto a partir desta reação .O
texto e o leitor interagem a partir de algumas convenções compartilhadas.
Vemos que mais que os embates teóricos vividos até a década de oitenta, os
estudos teóricos têm caminhado no sentido de articulação das áreas, adotando uma
visão mais global dos fenômenos. Superou-se o embate teórico literário entre função
educativa e literária para buscar aspectos mais relevantes desse processo hoje se
31
admite que a literatura infantil possua uma dupla função, uma educativa e uma
literária.
Podemos perceber uma mudança de paradigma .No primeiro momento, os
estudos das diversas áreas não dialogavam, havia uma fragmentação,o objeto era
dividido e estudado em áreas específicas sem uma visão global.Teorias mais atuais
buscam, ao contrário, uma visão do processo como um todo.
32
4. A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA DE ARATUBA.
Tendo em vista a importância dada à leitura, e a busca cada vez maior por
iniciativas que desenvolvam e melhorem o desempenho dessa competência nos
alunos nas sociedades letradas, onde a preocupação com a desenvolvimento dessa
habilidade pode ser constatada nos inúmeros programas do governo de incentivos e
promoção à leitura, foi que nasceu o interesse em compreender como a literatura
infantil tem sido utilizada como meio de promoção e incentivo no trabalho com a
leitura, se de maneira ampla ou mais específica, se existe uma busca por uma
formação de um leitor literário no contexto do povoado de Aratuba.
Nossa pesquisa assim foi elaborada dentro de uma perspectiva qualitativa, na
qual se busca compreender o significado que pessoas, naquele contexto, dão ao
nosso objeto de estudo, a literatura infantil. Procuraremos interpretar as ações dos
professores nas suas práticas, através de observações, contrapondo ou confirmando
os dados coletados em sala de aula com os discursos obtidos nos questionários.
Partindo do princípio de que a sociedade existe num determinado espaço e
momento histórico, é importante conhecer que características se configuram no
contexto específico, no nosso caso específico o povoado de Aratuba, no município
de Vera Cruz no estado da Bahia. Compartilhamos com os autores Ludke e André
que “[...] cada vez mais se entende o fenômeno educacional como situado dentro de
um contexto social, por sua vez inserido em uma realidade histórica , que sofre toda
uma série de determinações.” (LUCKE;ANDRÉ,1986,p.5).
O projeto aqui desenvolvido buscará interpretar as vivências, as experiências
do cotidiano das pessoas observadas, no entanto é importante se registrarem
algumas implicações de uma pesquisa social que o observador é da mesma
natureza do observado e, portanto, faz parte de sua observação; outro aspecto a ser
considerado é a relação do observador e o observado, a presença do pesquisador
33
no ambiente altera a dinâmica natural, muitas vezes o professor, com receio de ser
julgado, o que não condiz com a intenção da pesquisa, altera sua prática.
A pesquisa aconteceu em um pequeno povoado, antiga vila de pescadores,
do município de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica. Nesse povoado, o cotidiano das
pessoas difere dos moradores da cidade grande, no tempo, o ritmo de vida é mais
lento, não há corre-corre nem engarrafamento, na verdade há pouco trânsito de
carros. O espaço também é bem diferente do da cidade grande, ali moram poucas
pessoas, entre elas, a maioria pescadores, pequenos comerciantes, pessoas
aposentadas e outras atraídas pela tranqüilidade e pela beleza das paisagens
naturais ainda muito presente.
Os estabelecimentos comerciais se restringem a mercadinhos (quatro),
padaria (uma), farmácia (uma), peixaria (três), barracas de praia (várias na frente da
praia), barbearia (duas), lan hause (duas) existe também no povoado um posto de
saúde e a escola municipal onde fizemos a pesquisa e a qual descreveremos mais
detalhadamente depois.
As pessoas do povoado quase todas se conhecem, ou pelo menos se
reconhecem. Elas são pessoas simples, se vestem de maneira informal, muitas
vezes estão descalças, as crianças desde cedo brincam nas ruas em frente as suas
casas enquanto
os maiores circulam por todo povoado e outros também, sem
nenhum monitoramento de adultos, enfim são criadas muito soltas e com liberdade.
Apesar de poucas crianças terem vídeos games e outras, na maioria,
conhecerem computador, as brincadeiras predominantes são as que acontecem na
rua ou na praia, como jogar bola, andar de bicicletas, correr, pescar. Descrevemos
um pouco do ambiente da criança de Aratuba ,o qual corresponde a outros
povoados da ilha, por considerarmos que o contexto é de grande relevância para a
análise.Entendemos que esse modo de vida deve ser considerado ao analisarmos a
relação estabelecida entre os alunos e a leitura.
Ao descrevermos o ambiente em que se encontra a escola observada,
percebemos que o contexto difere bastante do ambiente urbano e burguês do
surgimento da literatura infantil. Dado o tipo de vida das pessoas no povoado,
34
podemos inferir que a leitura literária não se faz um hábito presente na vidas das
pessoas, essa prática só será conhecida e vivida na escola.
Partiremos agora para o contexto menor, no qual se concentrará a nossa
pesquisa, a escola; essa é uma instituição municipal, muito simples e pequena,
constituída apenas de três salas de aula, não muito grandes, uma secretaria,
pequeníssima, onde fica a diretora e uma secretária, e são rodadas as atividades,
uma cozinha também pequena, que são produzidas as merendas, e um pátio, que
não há nenhum brinquedo.Nos intervalos, as crianças merendam na sala ou
espalhadas no pátio; esse não é coberto e, quando chove, as crianças ficam na sala.
A escola super carente na sua estrutura física contrasta com uma visão linda da
praia, pois se localiza em frente à praia.
Os alunos dessa escola são de baixa renda, carentes, em grande parte. As
professoras, na maioria, informaram, no questionário ter formação em pedagogia,
sendo que uma se intitulou psicopedagoga e a diretora está cursando pedagogia. A
educadora com menos tempo de serviço tem treze anos e a com mais tempo está
há trinta anos trabalhando com educação; esse fato repercute no domínio, ou seja,
controle, de sala e na segurança com que administram sua aula.
Apresentado o contexto, passaremos à transcrição da observação e análise
dos questionários. O primeiro contato ocorreu com a diretora da escola; essa,
apesar
de
receptiva,
demonstrou
um
certo
receio,
quando
sugeriu
que
observássemos a educação infantil, pois lá encontraríamos bastante literatura
infantil, enquanto na educação fundamental não havia um trabalho freqüente com a
literatura, mas mesmo assim aceitou a pesquisa.
Nas observações das aulas, realizadas durante uma semana,no turno
matutino, nas três salas existentes,primeira, segunda e quarta série , alguns
aspectos consideramos importante destacar, primeiro as professoras mantinham
uma relação próxima com os alunos, trata-se de uma relação de quem conhece
aquelas crianças no seu dia- a- dia extra-escolar. Outro aspecto, as crianças, na
maioria,em níveis variáveis de leitura, lêem.Durante a observação, as professoras
fizeram leitura dinâmica com os alunos, pedindo que cada uma lesse um parágrafo
do texto.
35
Nas observações realizadas, a leitura esteve presente.Podemos questionar
até que ponto a presença do observador alterou a dinâmica da aula, porém, se
realmente não houve uma alteração, podemos inferir que aqueles educadores têm
uma concepção da importância da leitura no processo de formação, bem como
conhecem algumas concepções teóricas sobre esse processo. Mais relevante porém
é o fato de as crianças lerem ,de maneira e níveis diferentes, mas lêem .Essas
leitura ocorreram a partir dos livros didáticos, de forma que cada aluno lia um
parágrafo e depois a professora procurava perguntar o que eles entenderam sobre o
que tinham lido e a professora então fazia a sua interpretação. Os textos trabalhados
eram dos livros didáticos, recortes de textos literários ou jornalísticos.
A professora sempre fazia relações do que era lido com a vida das crianças,
buscando enfatizar valores morais, ou levantando discussões sobre os problemas
sociais. Apesar de a educadora buscar associações com a vida do aluno, fica claro
que os ideais defendidos por ela e que devem ser buscados pelos alunos são os de
uma vida urbana, esse modo de vida, as profissões acadêmicas são vistas como
modelos de ascensão e sucesso a serem almejados pelos alunos. A educação é
vista pelas professoras como meio de promoção social e essa promoção social seria
atingida por meio de trabalhos formais, ideologicamente melhores.
As experiências de leitura presenciadas na sala de aula são marcadas pela
função pedagógica e pragmática da literatura infantil, o destaque do trabalho é tanto
para o ensinamento moral , quanto ao texto é pretexto para trabalhar a parte
gramatical.
As experiências com leituras ocorrem basicamente na sala de aula, visto que
na escola não há bibliotecas nem no povoado. Porém a diretora, ao responder o
questionário, informou que a escola possui livros do acervo Airton Sena, os alunos
escolhem os livros a serem lidos, levam-nos para casa, lêem e depois comentam
sobre o livro. No entanto, nos dias de observação, nada foi presenciado,essa
informação foi obtida apenas no questionário .
Esse fato nos parece revelador, existe uma contradição entre o que foi dito
pela diretora no primeiro momento; “não há um trabalho com literatura infantil
aqui,você poderia ir ver na educação infantil.Lá eles trabalham bastante com
literatura infantil” e o que a mesma respondeu no questionário quando perguntamos
36
se havia um trabalho com literatura infantil e como ele era realizado ; “Sim.Nós
temos um acervo que faz parte do Projeto Airton Sena, onde os alunos são
convidados a levarem o livro para a casa e no dia seguinte eles comentam sobre os
livros lidos.”
Uma iniciativa tímida e assistemática, porém não revelada no primeiro
momento, demonstra que embora o professor afirme o valor da leitura literária na
escola, não inclui essa em seu planejamento nem define estratégias de trabalho com
a literatura infantil.
A literatura infantil, quando está presente na sala, é através do livro didático e
servindo na maioria das vezes como meio para se trabalhar interpretação ou outros
conteúdos.A literatura infantil recebe o mesmo tratamento de outros gêneros
textuais.As professoras da escola de Aratuba ou desconhecem as especificidades
do texto narrativo literário ou simplesmente negligenciam estas características
peculiares ao trabalhar com o gênero, pois tratam diferentes textos sempre da
mesma forma.
Outro fator importante percebido é quanto à seleção de obras, não há uma
seleção, pois o professor segue a ordem do livro didático, esse é o guia, é quem
traça o caminho e a ordem dos conteúdos.
No questionário, todas as professoras afirmaram trabalhar com literatura
infantil, sendo que uma afirmou que “não como gostaria, porque precisamos
trabalhar outros conteúdos...” ,e outra afirmou que não de forma sistematizada. O
que parece é que no discurso esse professor reconhece a importância da literatura,
porém, na prática, quando essa aparece, é de maneira não sistematizada, não
planejada e através de recortes trazidos pelo livro didático.
Ainda no questionário, quando perguntadas sobre o papel da literatura infantil
na sala de aula, as professoras apontaram o desenvolvimento do gosto pela leitura,
desenvolvimento da leitura e escrita de forma lúdica e o cultivo do imaginário, no
entanto, quando perguntadas sobre o que elas gostavam de ler, apenas uma citou
literatura, após uma lista de atividades de lazer. Esse fato nos leva a concluir que a
leitura literária não faz parte das atividades dos professores,logo como promover
37
uma relação lúdica e motivadora para com a leitura literária dos alunos se o
professor não vê tal leitura como uma atividade lúdica e prazerosa.
Os livros que são apontados pelas professoras como seus preferidos são
livros de pedagogia, psicologia, todos direcionados a sua profissão e a Bíblia, esse
recorrente na maioria das respostas, isso talvez explique uma educação embasada
na transmissão de valores morais, presenciada na escola.
Não encontramos na escola problemas graves de violência e indisciplina,
muito pelo contrário os alunos parecem bem comportados as professoras relatam
apenas a dificuldades de aprendizagem de alguns.
Se na forma de trabalhar a literatura infantil na escola de Aratuba falta
planejamento e sistematização, isso não tem refletido diretamente na capacidade de
leitura dos alunos,no que se refere ao domínio da decodificação, domínio do
código.Porém, como compartilhamos de uma visão ativa do ato de ler, o leitor dá
sentido ao que ler, dialoga com o texto , essa metodologia observada na escola de
Aratuba
não
adota
na
sua
prática
atividades
que
privilegiem
essa
concepção.Embora, no questionário, quando perguntadas sobre suas concepções
sobre leitura, todas tenham apresentado uma definição que ultrapassa o domínio
do código lingüístico como podemos constatar nessa resposta:“ A leitura é algo que
vai além de ler e escrever , leitura é o modo de como olhamos o mundo . A leitura
age sobre o intelecto e o imaginário dos alunos e estimula sua criatividade.”
Todas as professoras fizeram referência à função imaginativa, criativa, a
abertura de horizontes e ao prazer, no entanto parecem atribuir essas funções à
leitura de qualquer gênero de textos, e o desenvolvimento dessas habilidades
seriam conseqüências que viriam naturalmente das leituras, sem a necessidade de
serem
trabalhadas
sistematicamente
pelo
professor,
concepção
da
qual
discordamos.Pensamos que a criatividade deve ser trabalhada , estimulada e cabe
ao educador criar estratégias que promovam e estimulem a criatividade dos alunos.
Quanto ao gosto pela leitura, o que podemos perceber é que a literatura
infantil não é algo presente na vida extra-escolar das crianças desse povoado, pelo
menos no que diz respeito à literatura escrita, e essa muitas vezes também é pouco
trabalhada na escola, primeiro por falta de um acervo literário, a escola não possui
38
biblioteca nem livros à disposição das crianças e a condição financeiras das famílias
dos alunos torna difícil a aquisição de livros infantis e pela falta de planejamento dos
professores .Porém, se podemos concluir que não há uma iniciativa da escola pela
promoção e incentivo da leitura literária, também o modo de vida
e condições
econômicas das crianças interferem para essa ausência da literatura infantil nesse
contexto.
No entanto, podemos pensar se em um local onde a cultura oral ainda
prevalece, se essas crianças teriam contato, através dos mais velhos com contos e
histórias orais que possibilitariam a essas crianças a experiência lúdica,
enriquecimento do imaginário e atribuição de sentidos para seu próprio mundo.
Infelizmente essa pergunta não pode ser respondida na presente pesquisa, uma vez
que não se constituíu o seu objetivo, pois a nossa proposta era compreender como a
literatura infantil, podendo ser de circulação oral ou escrita, era tratada na sala de
aula pelos professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise aqui apresentada nesta pesquisa, queremos enfatizar a
importância de desenvolver atividades com literatura infantil na escola. Apesar de
parecer um consenso nos meios educacionais, governamentais e até da sociedade
como um todo, poucas são as iniciativas concretas presenciadas na
escola
públicas, exemplo disso é a escassez de bibliotecas públicas, no município de Vera
Cruz existe apenas uma .
A carência e a precariedade de estruturas materiais, a compreensão confusa
do conceito e da finalidade da literatura, a falta de critérios para a seleção de textos
literários somando-se à ausência de metodologias adequada à exploração de obras
literárias e a circunstância de não ser o docente um leitor literário ,dados observados
na escola de Aratuba, denunciam a ineficiência de programas governamentais de
39
incentivo a leitura e a necessidade de projetos de ação que possibilitem uma
aproximação entre os conhecimentos produzidos nos meios acadêmicos com a
prática pedagógica realizada nas escolas., no sentido transformar o trabalho
assistemático que vem sendo realizado na escola pública de Aratuba.
A preocupação crescente com a melhora da aprendizagem leitora e com a
formação de um leitor competente fez com que a literatura infantil fosse um meio de
estímulo ao estudante, partindo do pressuposto de que esse tipo de texto pode
representar um material motivador de leitura individual. Mas, para isso, é necessário
existirem condições materiais, a presença do livro nas escolas, bem como o
professor deve ser capaz de planejar estratégias de trabalho que conduzam à
concretização do seu trabalho.
O
trabalho
com
o
texto
literário
pressupõe
o
conhecimento
das
especificidades dos textos narrativos e poéticos, estabelecimento de critérios de
seleção de obras literárias, adotar o leitor como peça importante no processo de
leitura, permitindo a ele atribuir sentido ao que lê, reconhecer a dupla função do
texto literário, a educativa e a estética, como também o caráter plural do texto
literário e assim criar estratégias motivadoras à recepção do texto. É preciso definir
os objetivos da educação literária e precisar os melhores meios para consegui-lo
Um aspecto a ser levantado é quanto ao acesso aos livros, assunto que
parece ser ultrapassado, porém percebemos que, apesar de termos avanços
teóricos bastantes substanciais no âmbito da teoria literária, a questão do acesso
ainda é um entrave no desenvolvimento da leitura literária tanto nas escolas como
na sociedade. Acreditamos ser de primordial importância promover esse acesso
para que de fato ocorra esse incentivo à leitura.
Acreditamos ainda que a literatura infantil na escola tem muito a contribuir
para o aprimoramento da competência lingüística dos alunos, desenvolvimento
cognitivo, reflexão crítica e expressão criativa, visto que a leitura do texto literário
implica um envolvimento ativo por parte do leitor, uma experiência lúdica e
ampliadora da visão de mundo. Quanto ao lúdico, é importante destacar que esse
não corresponde à falta de reflexão. Segundo Saraiva, “ Ainda que seja um objeto
lúdico , o texto não é instituído para garantir um prazer absolutamente espontâneo
que dispense o trabalho da reflexão sobre sua estrutura”(SARAIVA,2006,p.37).
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Entendemos que os resultados desta pesquisa servem de base para um
projeto de ação, visto que ela fornece informações sobre um contexto específico
com características especificas que são de fundamental importância para um
proposta de intervenção.
41
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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO
Nome:
Formação:
Idade:
Instituição que trabalha:
1. O que é educação para você?
2. Quanto tempo trabalha com educação?
3. Como são seus alunos?(faixa etária, classe social, comportamento na
sala)
4. Como você definiria leitura e qual a sua função na vida dos alunos?
5. Como você trabalha leitura com seus alunos?
6. O que você pensa sobre Literatura infanto-juvenil na escola?
7. Você trabalha com literatura nas suas aulas?Caso trabalhe explique
como.
8. Qual seu lazer nas horas livres?
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9. O que você gosta de ler?
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renata uchôa de carvalho