1 FABÍOLA SILVA DE OLIVEIRA Colégio Estadual Eraldo Tinoco de Melo, Feira de Santana/Ba e UNEB O CONTEXTO PERSUASIVO NO DISCURSO DAS OPERADORAS DE CELULAR EM TEXTOS PUBLICITÁRIOS Resumo: Quando se defende um ensino de língua portuguesa pautado numa abordagem textual e enunciativa, pressupõe-se uma atividade docente que congregue práticas de linguagem sob o prisma do uso/reflexão/uso da língua (Travaglia, 1996), de maneira que o aluno se torne um protagonista na produção e recepção de textos e esteja ciente do contexto de produção, do conteúdo ideológico bem como de aspectos lingüístico-discursivos inerentes a um determinado gênero textual. Com este pensamento e apoiando-se em alguns conceitos teóricos da Análise de Discurso (linha francesa), o presente trabalho objetiva mostrar uma experiência didática feita com alunos dos ensinos fund. (8ª) e médio (2ª), a fim de fazê-los perceber o uso de elementos lingüísticos, discursivos e ideológicos como estratégias utilizadas pelas empresas de telefonia celular para persuadir seu interlocutor. Práticas de leitura e análise de textos publicitários veiculados em suportes variados e de produção escrita constituíram-se como estratégias metodológicas deste trabalho cujos propósitos maiores são: a) formar leitores e consumidores críticos; b) comprovar que todo texto publicitário se encaixa num dispositivo argumentativo. Palavras-chaves: texto, discurso, publicidade, argumentação/persuasão. 1- Das considerações inicias Um dos principais objetivos do ensino de Língua Portuguesa, hoje, é tornar o aluno um ser partícipe dos processos de interlocução no mundo atual bem como um protagonista na leitura e produção de textos adequados a cada esfera social. Este é, na verdade, o maior desafio do profissional da língua materna: criar condições para o aluno se apropriar do conhecimento, usá-lo de forma crítica e se integrar ao mundo como um ser autônomo em todos os campos da vida social e cultural e capaz de desvendar as armadilhas do mundo contemporâneo. Em busca de uma prática pedagógica que responda aos anseios da sociedade pela efetiva melhoria dos alunos no processo da leitura, da interpretação e da produção de textos e que tenha, ainda, a “língua em funcionamento” como objeto de estudo, nós, professores, temos acompanhado no Brasil as mais recentes teorias lingüístico-enunciativas que, nos últimos anos, têm-se destacado por apresentar uma visão da linguagem como um fenômeno social, histórico e ideológico (Bakhtin apud Cardoso, 1999) em que o Outro desempenha papel fundamental na constituição do significado, visão esta que integra todo ato comunicativo em um contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social. Dentre essas teorias, estão a Análise do Discurso (AD) e a Semiolingüística do Discurso, ambas de linha francesa, que trazem inúmeras contribuições para com 2 o ensino de Língua Portuguesa, sendo que a primeira e maior delas é fazer compreender que a linguagem, por realizar-se na interação verbal entre locutores socialmente situados, não pode ser considerada independente da sua situação concreta de produção. Esse enfoque da linguagem contempla muito além das formas de organização dos elementos que constituem o texto; passa, sobretudo, pelas formas de instituição de seu sentido, ou seja, as condições de produção do discurso e pelas relações sociodiscursivas e interpessoais dos integrantes de um ato discursivo. Pautando-se em alguns conceitos dessas teorias, este artigo propõe-se a relatar aos professores de língua portuguesa atuantes nos ensinos fundamental e médio uma experiência de ensino de argumentação com textos publicitários realizada com alunos da 8ª série e do 2º ano do Colégio Estadual Eraldo Tinoco Melo (CEETM), situado na zona urbana de Feira de Santana, Bahia. A discussão aqui proposta pretende mostrar como a argumentação se constrói lingüística e discursivamente na publicidade e como os procedimentos dessa construção constituem-se estratégia de persuasão e sedução do leitor, fato relevante no ensino de leitura, interpretação e produção textual. 2- Da escolha do objeto de trabalho e dos principais objetivos É consenso que os meios de comunicação de massa exercem na sociedade o papel de formadores de opinião pública e agem nas diversas esferas sociais impondo regras, reformulando conceitos, modificando costumes e comportamentos com muita autoridade, eficácia e credibilidade. Por todos esses fatores, a comunicação midiática e, dentre suas modalidades, os textos publicitários, foram escolhidos como objeto de estudo para a experiência didática com os alunos do CEETM. O discurso de propaganda é um material privilegiado para a prática escolar de ensino/ aprendizagem de língua materna. A reflexão sobre a linguagem na sala de aula por meio do funcionamento desse tipo de discurso produzido na sociedade, ao qual estamos expostos no dia-a-dia, sobretudo pela mídia, revela-se um elemento poderoso para ajudar a fazer da escola um espaço mais transformador do que reprodutor, a formar alunos leitores e produtores de textos conscientes da posição social que ocupam e prontos para reagir criticamente àquilo que se instituiu. O corpus utilizado para o trabalho, que ainda está sendo desenvolvido com os alunos neste ano letivo de 2007, foi constituído por diversas propagandas de operadoras de telefonia celular veiculadas entre os anos de 2005 a 2007 em suportes variados: revistas de grande circulação (Veja e Época), revistas específicas das operadoras com distribuição gratuita e interna, encartes, panfletos, outdoors. A escolha por propagandas de celular foi feita pelos próprios alunos e há de se compreender o porquê. Na atualidade, jovem reconhece o celular como um dos principais objetos de desejo e consumo. O aparelho funciona como uma extensão de sua personalidade e seu estilo, acompanhando-o o dia inteiro, para todos os lugares. As empresas de telefonia móvel, cientes disso, vêem o público jovem como foco principal de suas publicidades. Nas propagandas, os celulares são mostrados como objetos mediadores dos vínculos sociais, sendo tomados quase sempre como detentores do poder de facilitar as relações entre as pessoas, seja pela promoção de 3 um status especial, seja pelo fortalecimento dos afetos através das benesses do produto. Com mais de 100 milhões de celulares, segundo dados da ANATEL, o mercado brasileiro de telefonia celular continua tendo altas taxas de crescimento econômico e as buscas por lucratividade obrigam as maiores operadoras em atividade no país a investir alto em publicidade para conquistar novos clientes. Segundo o Relatório Teleco de Telefonia Celular no Brasil 2007, a telefonia celular no país cresceu de 38,3% em 2005 para 41,2% em 2006. Os dados que constam desse documento têm como fonte a ANATEL e os próprios relatórios de empresas do ramo, como Vivo, Tim, Claro e Oi. Essas mesmas empresas tiveram propagandas selecionadas para a experiência aqui relatada. 3- Das considerações teórico-metodológicas e da análise dos textos A argumentação ocupa um papel central nas relações familiares, escolares, sociais, econômicas, de trabalho e culturais, que desenvolvemos cotidianamente. Mas, além de ser parte fundamental do dia-a-dia do sujeito, ela possui um outro aspecto igualmente importante: a partir do momento em que argumentamos acerca de um objeto no mundo, estamos agindo sobre alguém buscando convencê-lo, influenciá-lo, persuadi-lo e inseri-lo em um quadro específico de crenças e convicções possíveis no interior de uma determinada comunidade. Ao escolher o discurso publicitário para ensinar argumentação aos alunos do CEETM, a experiência didática desenvolvida ancorou-se em diversos conceitos importantes, dentre os quais três foram selecionados para discussão neste artigo: condições de produção do discurso, estratégias argumentativas de construção do discurso publicitário e a questão da heterogeneidade visando a atender três principais objetivos: a) demonstrar que o que fazemos ao usar a linguagem de maneira significativa é produzir discursos envolvendo certas condições indispensáveis e que tais condições nos levam a afirmar que as escolhas de quem diz não são aleatórias e produzem sentido; b) analisar como essas escolhas são construídas lingüística e discursivamente, seguindo estratégias para alcançar a argumentação; c) entender a leitura como uma ação dialógica, voltada para mais de uma “voz” do discurso. O primeiro passo do trabalho foi realizar pesquisas informações sobre as operadoras de telefonia celular com maior representatividade no mercado financeiro do país com o objetivo de colocar os alunos a par da história dessas empresas (origem, posição sócio-histórica, missão que se propõe etc.) O conceito de condições de produção do discurso, mobilizado para analisar os conceitos interlocutores (imagens), o referente, as formas de dizer, o contexto estrito e lato do dizer, foi desenvolvido sob a perspectiva teórica da Análise do Discurso de linha francesa, disciplina que nasceu no final da década de 60, sob a liderança de Michael Pêcheux, que tem o discurso como objeto de estudo. Durante as análises, esse conceito foi mobilizado para buscar as formas de instituição do sentido dos textos. Conforme Maingueneau (1997), “não se trata de examinar um corpus como se tivesse sido produzido por um determinado sujeito”, mas de considerar os protagonistas do discurso - interlocutores - como representantes que ocupam posições sócio-históricas. 4 Todo texto publicitário pode ser expresso no modo de organização argumentativo do discurso de maneira explícita ou implícita, desde que esteja inscrito em um dispositivo argumentativo que comporta três elementos básicos: a proposta ou conteúdo da propaganda, a tese ou posicionamento do sujeito em relação à proposta e os argumentos ou provas que permite embasar o ponto de vista defendido (Charaudeau apud Pauliukonis e Santos, 2006). Considerando que falar é agir sobre o outro, ao dizer algo é preciso sustentar esses argumentos para persuadir o interlocutor. Nesse caso, o sujeito que comunica age no domínio das estratégias, na busca de efeitos de convencimento e sedução para que seu objetivo seja alcançado. Pode-se afirmar, então, que as estratégias correspondem às escolhas possíveis e efetivamente utilizadas por quem diz em um ato discursivo. O ponto de vista teórico para o estudo das estratégias argumentativas nas publicidades partiu da perspectiva da teoria semiolingüística de Charaudeau que acredita no fato de que, ao desenvolver essas estratégias, o sujeito que fala coloca em cena um conjunto de procedimentos de ordem semântica, discursiva e composicional. À guisa de exemplificação, selecionamos alguns textos usados nas análises feitas e na sistematização do trabalho feito em sala de aula . O corpus permite identificar elementos essenciais à argumentação: um sujeito anunciante com a finalidade persuasiva de transformar o sujeito leitor - alvo da argumentação, um consumidor potencial de celulares - em um consumidor efetivo, tudo isso através de tese e argumentos que sirvam para provar que o produto anunciado é o melhor para esse possível consumidor. FIGURA 1 (Veja, 21/10/05) 5 A figura 1 é uma publicidade da operadora de celular Vivo, disposta em duas páginas do suporte, publicada na revista Veja, Editora Abril, de 21 de dezembro do ano de 2005, na época de campanhas para o Natal. Na primeira página há uma imagem de um grupo de jovens vestidos, à primeira vista, com roupas propícias para um recital, espetáculo comum à época natalina. O clima do recital é criado pelo desenho de cifras musicais, de um pedestal e de um maestro (o boneco-mascote da operadora). As cores usadas para compor a propaganda e ajudar na composição do clima de festa - verde e vermelho – funcionam como uma estratégia empregada segundo o princípio da percepção (PAULIUKONIS, 1999), no qual o olhar é orientado para o reconhecimento do material utilizado na formação da imagem do produto. Observando os jovens é possível ver que, por debaixo das capas verdes, eles usam adereços comuns ao universo jovial como lenços, colares, tons coloridos de roupas, acessórios de esporte radical (skate) e um cachorro, que contrastam diretamente com o conceito validado pela sociedade do que vem a ser uma vestimenta adequada para um espetáculo de recital. A imagem dos jovens reforça o sentido de liberdade construído neste anúncio (e em muitas propagandas de operadoras de celular): o de que ser livre é ter poder de escolha, ter autonomia. Essa idéia de liberdade revela-se nos seguintes usos: do título “Neste Natal, compre um Vivo e ganhe liberdade. Com o bônus da Vivo, você fala com quem quiser” ; das palavras liberdade (p.1) e livre (p.2) e do texto no canto esquerdo superior da segunda página que diz: “Natal Bônus Livre/Fale com qualquer celular ou fixo.” Essas seqüências funcionam como argumentos para persuadir o interlocutor e fazê-lo comprar um dos modelos de celular da operadora Vivo, na qual o cliente é “livre” para falar com “quem ele quiser”. Há aí um pressuposto que contraargumenta o discurso de outras operadoras de celular que oferecem bônus em ligações apenas para celulares da mesma operadora e não incluem telefones fixos. O “quem quiser” pode ser, então, pessoas que não sejam clientes do anunciante. As imagens refletidas nas propagandas – dos interlocutores e do produto – estão arraigadas nas mais diversas esferas sociais pelos valores que propagam. A imagem ideal do consumidor efetivo (o jovem) é construída na propaganda da figura 1 por distinção social e /ou pertença a um dado grupo desejável, representando, assim, uma forma de marcar posição, de sentir-se seguro, onipotente, incluído no mundo ideal. Em relação à imagem construída do produto, cujos modelos aparecem na página 2 rodeados de enfeites natalinos e diversas qualidades, constata-se a exaltação da visibilidade social que o celular pode conferir. Assim, o sujeito procura, através do objeto de consumo, diferenciar-se dos demais, incorrendo no paradoxo no qual ao mesmo tempo em que se diferencia, insere-se em um dado grupo de estilos de vida semelhantes, que termina por homogeneizá-lo. Observemos como isso ocorre também na propaganda abaixo, publicada quase dois anos depois. 6 FIGURA 2 (Veja, 13 de junho de 2007) A figura 2 é uma publicidade da operadora Oi veiculada na revista Veja, Editora Abril, de 13 de junho de 2007, disposta em um encarte de três páginas confeccionadas com papel cartão no interior da revista. Na primeira há uma pergunta que, como ato discursivo, coloca para o interlocutor a necessidade de uma resposta como forma de continuar a interlocução: “Quer desconto na compra de um celular?”. Entretanto, ao dirigir-se de maneira direta ao sujeito destinatário, a pausa é imediatamente interrompida pelo próprio anunciante ao responder com uma instrução “Coloque a mão no buraco e vire a página.” Trata-se de uma pergunta retórica que não busca uma resposta do outro, mas somente agir cognitivamente sobre este, mobilizando-o para o clima de suspense que irá se seguir. Abaixo da parte verbal há um espaço vazado do tamanho de um punho que ajuda a compor o jogo do qual o leitor é convocado para participar mediante o benefício de descontos na compra de um aparelho celular. A segunda página apresenta um texto escrito na primeira linha, com letras maiores, que expõe a conseqüência da ação imposta na página anterior: “Pronto. Você foi fisgado.” e denuncia uma prática que, no modo de ver do anunciante, é comum a algumas operadoras: vender aparelhos bloqueados. Tal prática é caracterizada como uma ação ilegal, uma espécie de armadilha planejada estrategicamente (“primeiro atraem o cliente”, “depois não deixam mais ele sair”). O sentido de liberdade neste anúncio funciona da seguinte maneira: através de uma simulação, o leitor é induzido para uma armadilha (mediante vantagens classificadas como enganosas) comumente oferecida pelas outras operadoras, mas que o obriga a relacionar-se com elas por imposição. Após o castigo em decorrência do aceite, vem a solução da operadora anunciante: somente ela respeita o cliente bem como sua autonomia, somente ela tomou a decisão de abolir os bloqueios e, como dita o slogan, “Liberdade assim só na Oi”. Construir a imagem de única operadora que quer o cliente não por imposição, mas por satisfação com os serviços oferecidos, é a principal estratégia persuasiva do anúncio, seguida da estratégia de singularização do produto. 7 As duas publicidades apresentam vários recursos lingüísticos tais como imperativos, enunciados de campo lexical que pertencem a uma mesma formação discursiva (Orlandi, 2005) e operadores argumentativos. Estes são marcas lingüísticas que revelam o sentido para o qual o enunciado aponta (Ducrot apud Gouvêa, 2006). Uma vez que expressam a intenção (componente da enunciação) argumentativa do enunciado, tornam-se também marcas discursivas. Tomemos como exemplo o uso do operador argumentativo ainda na propaganda da figura 1 “Você ainda ganha 100 vivo torpedos sms...”, que soma argumentos a favor da tese defendida no anúncio de que, ao comprar um celular da Vivo, o cliente terá liberdade para escolher com quem irá falar. Observemos também a propaganda da figura 2, na qual foram utilizados dois operadores no mesmo período, agora e só: “Agora a Oi só vende aparelhos não bloqueados.” No uso do operador agora, cuja função é introduzir conteúdos pressupostos no enunciado, têm-se um argumento para a tese de que se existem empresas que realizam a prática de vender aparelhos bloqueados, não é (mais) o caso deste anunciante. O mesmo acontece com o uso do operador só, que normalmente funciona numa escala orientada para afirmação ou negação da totalidade. Nesse caso, a totalidade corresponde a todas as operadoras de celular concorrentes e a negação corresponde ao sujeito autor do argumento. A noção de sujeito como um ser que se desdobra em muitos e assume vários lugares ou papéis no discurso nos remete ao conceito de polifonia, elaborado por Bakhtin, para quem todo discurso tem dentro dele um outro. As diversas formas que trazem a presença do outro para o discurso estão relacionadas com a questão da heterogeneidade. Maingueneau (1997), considerando os trabalhos de Ducrot sobre a polifonia e também de outros autores como Bakhtin e Authier-Revuz, concebe o slogan, recurso muito utilizado no discurso publicitário, como um caso de heterogeneidade. Para o autor, o slogan a um só tempo “impulsiona e engana”. No discurso das operadoras de celular ocorrem enunciados pelos quais o sujeito que argumenta não se responsabiliza. Essa distância assim estabelecida marca a autoridade de um dizer (que resulta de uma associação entre a empresa que vende o produto e a agência de divulgação) que goza do privilégio de ser conhecido por uma coletividade e os slogans do discurso publicitário muitas vezes alcançam esse estatuto de autoridade. Vejamos os slogans das quatro operadoras de telefonia celular do mercado brasileiro analisadas no trabalho com alunos do CEETM e continuemos a análise dos aspectos polifônicos com os dos anunciantes Claro e TIM. 8 FIGURA 3 (encartes publicitários) Um slogan se apresenta geralmente de forma curta, com vistas à sua repetição pelo maior número possível de locutores. É uma frase de efeito que se caracteriza pela força, brevidade, condensação, autoridade, impacto e tem a intenção de fixar na mente do interlocutor a associação entre uma marca e um argumento para persuadi-lo na compra do produto. No slogan do anunciante Claro, “A vida na sua mão”, há perspectivas polifônicas bem diferentes: além das vozes do anunciante e da empresa responsável pela criação da propaganda, nota-se a voz do consumidor potencial quando se estabelece uma situação dialógica através do uso da terceira pessoa para dirigir-se, na verdade, à 2ª pessoa, com o objetivo de produzir os efeitos de sentido de objetividade e cumplicidade (há qualquer momento o consumidor potencial pode decidir tornar-se o consumidor efetivo). A expressão “ter algo em nossas mãos” é, ainda, de uma autoria coletiva pertencente ao senso comum que a utiliza para demonstrar controle sobre uma determinada situação do cotidiano. A questão do poder representada neste slogan é bastante contundente. O slogan do anunciante TIM, “Viver sem fronteiras”, funciona de maneira a impulsionar a idéia que o anunciante defende em suas campanhas publicitárias: a de ser livre para viver. Nesse contexto, viver sem fronteiras (que está aí posta no sentido de dificuldades obstáculos, empecilhos) equivale a ter liberdade para comunicar-se sem restrições, ajudando, dessa maneira, a construir a idéia de uma empresa dotada de competência para prestar os serviços aos quais se propõe. Os pontos de vistas que estão expostos neste slogan são vistos através do interdiscurso (Orlandi, 2005) que permite inferências como viver com fronteiras é ruim, portanto a proposta da operadora é exatamente o contrário. Após executar práticas de leitura em sala com esses e outros textos publicitários, os alunos do CEETM participarão de atividades e procedimentos didáticos que os levem a realizar interpretações de outras publicidades por eles escolhidas e a produzir artigos contendo suas análises. 9 5- Considerações finais Esta experiência de ensino de argumentação em textos publicitários que ainda está sendo desenvolvida com os alunos do CEETM já aponta algumas reflexões e resultados. Partindo do princípio de que uma preocupação constante no fazer pedagógico do profissional de língua portuguesa é desenvolver e fortalecer a competência leitora dos alunos, a idéia que norteou a seqüência didática planejada e aqui relatada foi a de que o ensino de leitura centrado na interpretação de aspectos ideológicos, discursivos e lingüísticos de textos que circulam nas esferas sociais possibilita a formação de cidadãos-leitores críticos, conscientes e menos ingênuos. Por meio da observância das estratégias lingüístico-discursivas nos textos analisados, os alunos começaram a: a) perceber que todo texto publicitário é criado a partir de mecanismos textuais e discursivos utilizados para tentar convencer, persuadir o leitor; b) aprender a interpretar os aspectos ideológicos dos textos; c) compreender que não existe um sentido único e desejável para o texto. Isso comprova que o texto, centro das experiências de ensino de língua portuguesa, é o lugar de circulação dos discursos, mostrados ou não, e o sujeito não é a fonte de sentido, conforme diz Orlandi (2005), mas o constrói no trabalho incessante com o dito. De fato, o melhor que se pode fazer por aqueles cujas habilidades de leitura e produção de texto nos cabe ampliar é mostrar que o sentido da palavra lida /falada, verbal/visual nunca estará pronto, ele precisa ser constantemente criado e recriado. 6- Referências bibliográficas BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2ª ed. rev. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004. CARDOSO, Sílvia Helena Barbi. Discurso e ensino. Belo Horizonte, MG: Autêntica, 1999. GAVAZZI, Sigrid e GUIMARÃES, Cristiane. O ensino de argumentação nas aulas de língua portuguesa. In: PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino e SANTOS, Leonor Werneck (orgs.). Estratégias de leitura: texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Operadores argumentativos: uma ponte entre a língua e o discurso. In: PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino e SANTOS, Leonor Werneck (orgs.). Estratégias de leitura: texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. 3ª ed. Campinas, SP: Pontes, 1997. 10 ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 6ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2005. PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino e SANTOS, Leonor Werneck (orgs.). Estratégias de leitura: texto e ensino. Rio de Janeiro: lucerna, 2006.