UM NOVO PARADIGMA PARA AS FUNÇÕES DOS BANCOS CENTRAIS? A
atuação do Banco Central norte-americano na crise financeira
Alkimar R. Mourai
1.INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é o resumir a atuação do banco central norte-americano, o
Federal Reserve System, na crise financeira atual, para indicar que tal atuação
certamente ultrapassou os limites de seu mandato legal, em função da extensão,
gravidade e duração da crise. Ao fazê-lo, aquele banco central assumiu na prática
responsabilidades mais amplas de garantir a liquidez para instituições e mercados que
formalmente não teriam acesso aos recursos da Autoridade Monetária. Isto significou,
na verdade, operar dentro de um vazio regulatório, preenchendo funções atípicas em
uma situação de normalidade, mas que eram necessárias para garantir a estabilidade do
sistema financeiro. É provável que tal atuação indique os contornos de um novo
paradigma para as funções de banco central nas economias desenvolvidas.
Além desta introdução, o texto contem 5 partes.A segunda trata de revisitar alguns
indicadores para demonstrar a severidade da crise financeira atual e a terceira trata das
hipóteses sobre as suas origens. A quarta apresenta as respostas de políticas públicas do
Federal Reserve System ao agravamento da crise, enfatizando principalmente as
mediadas não-convencionais de política monetária. A quinta discute implicações da
nova postura do Federal Reserve e a última sintetiza as conclusões do artigo.
2. INDICADORES DA SEVERIDADE DA CRISE FINANCEIRA
Por qualquer critério que possa ser usado para descrever a gravidade da crise financeira
atual, ela é verdadeiramente superlativa e inusitada.Alguns indicadores podem ser
listados para comprovar a afirmação anterior:
a) destruição de riqueza: a magnitude de riqueza que tem sido destruída mede-se pelos
trilhões de dólares e mesmo tal cifra gigantesca pode aumentar, pois à medida que a
crise se desenrola, ela passa a afetar ativos que não estavam contaminados por ela.
Recente relatório publicado pelo FMI estima que os prejuízos acumulados por bancos,
seguradoras e outras instituições financeiras podem alcançar US$ 4,1 tri até o próximo
ano.1
b) volatilidade: as oscilações nos preços dos ativos, após o desencadear da crise, têm
sido surpreendentes elevadas, de tal modo a desafiar a capacidade de cálculo dos
computadores mais potentes. Tomando por base uma declaração de um executivo de
risco de grande banco de investimento norte-americano a respeito do desvio-padrão
diário nos preços de ativos observados em agosto de 2007, Haldane sugeriu o seguinte
exercício: supondo uma distribuição normal, uma perda diária igual a 7,26 desviospadrões, poderia ocorrer uma vez a cada 13,7 bilhões de anos, aproximadamente. Esta
cifra equivale aproximadamente à idade do universo. (Haldane, 2009). Este evento
claramente se enquadra na definição de “cisne negro” de Taleb (2008), cujas três
1
De acordo com informações contidas na edição de 22/04/09 do jornal Valor Econômico.
características são: ser um “outlier”, ter um impacto extremo e ser previsível e
explicável após o evento (previsibilidade retrospectiva).
d) duração da crise: é difícil estimar-se por quanto tempo a crise vai se desenvolver, mas
sabe-se que crises financeiras originárias de bolhas no mercado imobiliário em geral
prolongam-se por mais tempo do que movimentos semelhantes originários de bolhas
nos preços de ações ou na taxa de câmbio. Isto pode se explicar pela dificuldade de
ajustes para baixo nos preços no mercado imobiliário, sobretudo no caso de residências,
como apontado por Shiller(2008):
It is first important to point out that the housing market is not a traditionally-defined
auction market. Prices do not fall to clear the market quickly as one observes in
most asset markets. Selling a home requires agreement between buyers and sellers.
It is a stylised fact about the housing market that ‘bid-ask’ spreads widen when
demand drops, and the number of transactions falls sharply. This must mean that
sellers resist cutting prices.
c) velocidade de sua propagação:o contágio é extremamente rápido, pois sua
propagação se dá na velocidade com que as redes de computadores dos bancos, das
empresas e dos investidores individuais (pessoas físicas) trocam mensagens entre si.
Este fato pode ser dramatizado pela rapidez com que ocorreram corridas bancárias a
grandes bancos norte-americanos. Informações de provedores de dados financeiros
revelam que o Bear Sterns, na época o terceiro maior banco de investimento norteamericano, sofreu uma perda de recursos de cerca de US$ 17 bilhões em apenas dois
dias.
d) amplitude geográfica: a crise iniciou-se com a inadimplência em mercados regionais
de financiamento habitacional para tomadores de alto risco de crédito nos Estados
Unidos ( os chamados “subprime” ), daí se espalhando para o mercado financeiro norteamericano, contaminando, em seguida a Zona do Euro, os países nórdicos, Canadá,
Japão, China, Austrália e Nova Zelândia, México e outros países da América Latina,
inclusive o Brasil.
e) amplitude das instituições atingidas: a crise afetou o sistema bancário convencional e
o “shadow banking system”,(bancos de investimentos, corretoras e distribuidoras de
valores mobiliários, fundos de investimento, fundos de hedge,etc.), as companhias
seguradoras, os fundos de pensão e de aposentadoria,etc., sem deixar de mencionar as
operações “off-balance sheet” de bancos comerciais e de investimento.No caso dos
Estados Unidos, estimativas do FMI indicam que os ativos totais do “shadow banking
system” alcançaram aproximadamente US$ 10 trilhões, no final de 2007, que é
praticamente o mesmo valor dos ativos do sistema bancário convencional. (FMI: The
Perimeter of Financial Regulation, 2009).
f) travamento de segmentos importantes dos mercados financeiros: a crise de liquidez e
de crédito atingiu não apenas instituições individuais, mas também segmentos
importantes do mercado interbancário e do de ativos securitizados pararam de
funcionar, configurando uma situação que, na acepção de Buiter, revela uma falha de
mercado, determinada pela iliquidez gerada endogenamente pelo próprio
comportamento dos participantes das negociações, (Buiter, 2008).
g) combinação de riscos: as crises financeiras ocorridas nas últimas décadas geralmente
consistiam de uma combinação de risco cambial com risco de crédito (como no caso da
crise asiática), ou de apenas de risco de mercado, como na queda da Bolsa nos Estados
Unidos em 1987,ou na combinação de bolha imobiliária com bolha nos preços das
ações, como no caso do Japão, na década de noventa. Na atual crise, vemos a presença
de praticamente todos os riscos: riscos de inadimplência, no mercado de empréstimos
imobiliários “sub-prime”, riscos de mercado, com a variação nos preços nos derivativos
originários dos créditos, risco de liquidez, com o travamento do mercado interbancário
nos Estados Unidos e, por último, riscos de modelo2. Em alguns países, (por exemplo,
Islândia, Brasil), o risco cambial também se manifestou, com desvalorização da taxa de
câmbio.
h) considerável “estrago” no sistema de regulação e auto-regulação nos mercados
financeiros e de capitais. Na verdade, talvez esta tenha sido uma das maiores perdas não
contabilizáveis: a destruição do capital de reputação das agencias norte-americanas de
regulação, supervisão e fiscalização das instituições e dos mercados financeiros, de
capitais e de derivativos. Neste conjunto, devemos incluir o Federal Reserve System, o
Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), a Securities Exchange Commission
(SEC) e a Futures Market Trading Commission (FMTC).
i) reconsideração de princípios contábeis aplicados aos mercados financeiros e
particularmente ao mercado de capitais, sobretudo a regra de marcação a mercado dos
ativos e/ou passivos das instituições financeiras (“mark to market”) e a questão das
normas contábeis para o estabelecimento de provisões para risco de crédito.
j) socialização de perdas: nas palavras de Martin Wolf, a tentativa de os governos dos
países desenvolvidos em colocar sua capacidade de tomar empréstimos “à disposição de
seus mal comportados sistemas financeiros,” tem se constituído na “mais extensa
socialização de riscos na história mundial”.3
3. A CRISE COMO ESFINGE ANALÍTICA
Como explicar a crise com os modelos macroeconômicos convencionais, que os
economistas usam para entender flutuações de curto-prazo na atividade econômica? De
um lado, a crise representa uma descontinuidade no funcionamento da economia,
portanto modelos que supõem movimentos discretos nas variáveis econômicas pouco
contribuem para o entendimento da crise.
Aparentemente, existem duas possíveis explicações para a crise. (Lara Resende, 2009)
A primeira delas acentua os profundos desequilíbrios macroeconômicos globais,
decorrentes da coexistência de enormes déficits e superávits em contas correntes. Em
outras palavras, existe um excesso de poupança detida pelos países credores, sobretudo
na China, Japão e outras economias do Sudeste Asiático, que é reciclado para financiar
os gastos privados de consumo, de investimento e gastos públicos que ocorrem nos
países devedores (Estados Unidos e outros países da zona do euro). A reciclagem destes
recursos tem sido realizada pelos bancos globais, pelos bancos centrais dos países
credores ou diretamente pelos próprios credores.
A Figura 1 é bastante ilustrativa, ao combinar em um só gráfico as posições simétricas
da China como país superavitário e dos Estados Unidos, como país deficitário, no
período de 1995 a 2007. Esta situação de desequilíbrios crescentes é também inusitada,
não só pela magnitude dos déficits/superávits, mas também pelo fato de que o maior
credor é detentor de uma moeda inconversível, o yuan chinês.
Figura 1
2
Por risco de modelo, entende-se o risco experimentado por uma instituição que usa modelos
matemáticos para avaliação dos títulos e operações de “hedge”, principalmente para bancos que usam
operações com derivativos e operações complexas de arbitragem no mercado de balcão, de acordo com a
conceituação de Crouhy, Galai e Mark (2001,p.579).
3
Em artigo publicado na edição de 22/05/09 do jornal Valor Econômico.
China e Estados Unidos: saldos poupança-investimento e saldo em conta corrente (%
do PIB)
Fonte: McKinnon e Schnsbl (2009), FMI, IFS.
A segunda hipótese enfatiza a conjugação, sobretudo nos Estados Unidos, de um fator
macroeconômico, representado pela política monetária passiva, com um ambiente
regulatório extremamente permissivo, que permitiu o florescimento de um conjunto de
instituições denominado de “shadow banking system” .Este sistema bancário paralelo,
atuando à margem do sistema regulado,foi capaz de promover a multiplicação dos
ativos originários das operações de crédito imobiliário, através do processo de
securitização de ativos e sua disseminação por mercados, instituições,investidores em
vários países. Isto foi facilitado pelo notável desenvolvimento da informática e das
comunicações entre instituições, a facilidade de realização de complicados cálculos
numéricos propiciada pelo avanço da informática e assim por diante.4
Ademais, a notável expansão dos empréstimos imobiliários para devedores de alto risco
foi também facilitada por mudanças legais e regulamentares que tinham por objetivo
facilitar o acesso das famílias, principalmente daquelas de baixa renda e pertencentes às
minorias étnicas, à casa própria, através de financiamentos hipotecários.
A própria hipoteca para devedores de alto risco foi uma inovação financeira com
características particulares que associavam o desempenho do produto financeiro à
constante elevação no preço dos imóveis residências. Da mesma, a securitização de tais
hipotecas exigiu o desenho de um título específico adequado às características do ativo
subjacente (Gorton, 2008).
Além disso, segundo alguns autores, uma mudança legislativa em 2005, a passagem da
lei de prevenção ao abuso de falência e proteção do consumidor ( Bankruptcy Abuse
Prevention and Consumer Protection Act, BAR) contribuiu para aumentar o número de
“subprime foreclosures” ao transferir o risco de credores de cartão de crédito para
credores de empréstimos hipotecários (Morgan, Iverson e Botsch, 2008). A nova
4
Na verdade, registre-se que, em 1998, houve uma iniciativa frustrada de estabelecer a regulação para os
mercados de derivativos, proposta pela ex-presidente da FTMC, Brooksley Born.. Esta tentativa foi
combatida pelas grandes instituições de Wall Street e pelos presidentes das agencias reguladoras:
A.Greenspan, do Fed e A.Levitt, da SEC, além de R.Rubin, Secretário do Tesouro, levando à renúncia da
presidente. Para detalhes, ver o artigo de R.Smith, Profeth and Loss, em The Stanford Magazine,
março/abril de 2009.
legislação exigiu que a solicitação de falência por um tomador de crédito atingisse suas
obrigações garantidas (como os imóveis) e as não garantidas (como as dívidas de cartão
de crédito, por exemplo). No caso de famílias e/ou consumidores altamente
endividados, isto restringiu os recursos disponíveis para a amortização das dívidas com
hipotecas e levou ao aumento das “foreclosures” residenciais.
De outro lado, crises financeiras têm sido extremamente comuns na historia recente do
capitalismo, havendo já uma quantidade considerável de análises quantitativas e
qualitativas de crises periódicas. (Kindleberger,1989, Bordo,2007). Os fatos estilizados
destas crises são conhecidos: a fase expansionista do ciclo econômico é amplificada por
um choque exógeno, que provoca aumento nas oportunidades de investimento privado.
Estes gastos são financiados por crédito bancário abundante, devido à política monetária
acomodatícia, e pelo surgimento de inovações financeiras, que expandem a capacidade
de financiamento dos bancos e instituições financeiras não-bancárias. Este período de
expansão produz um aumento nos preços dos ativos que serviram de base ao inicio do
ciclo, sejam eles ações, commodities, taxa de câmbio, ativos imobiliários, etc. ao
mesmo tempo em que provoca elevação nos indicadores de endividamento das
empresas e dos indivíduos. Isto acaba produzindo bolhas nos preços de tais ativos e um
período de euforia entre os agentes econômicos, o que também abre espaço para
operações fraudulentas e esquemas que prometem enriquecimento rápido e fácil para
investidores ingênuos ou ambiciosos. O estouro da bolha pode ocorrer por qualquer
evento, como por uma modificação na política monetária, ou uma dificuldade de
devedores em atender seus compromissos financeiros. A partir daí, a tentativa de
redução de alavancagem (“deleverage”) dos agentes econômicos produz a venda
desordenada de ativos, a queda nos seus preços e a quebra de empresas e bancos, o que
contribui para amplificar a queda na atividade econômica, através da redução de crédito
e aumentos nos riscos de inadimplência e de mercado.
4. RESPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DO SISTEMA DE
RESERVA FEDERAL
Como se sabe, a virulência e abrangência da crise exigiram pronta resposta dos
governos dos principais países envolvidos, principalmente nos Estados Unidos e nos
países da Zona do Euro. Estas respostas materializaram-se em decisões de políticas
econômicas expansionistas, nas áreas das políticas monetária (redução das taxas básicas
de juros de curto prazo pelos bancos centrais, flexibilidade no acesso a empréstimos da
Autoridade Monetárias às instituições financeiras) e fiscal ( aumento de gastos públicos,
programas de redução da carga tributária e transferência de recursos fiscais aos
contribuintes). Algumas destas medidas (como as decisões de política monetária) têm
efeito imediato na economia, outros, de outro lado, afetam a demanda agregada com
uma defasagem maior e certamente poderão contribuir para a recuperação global de
maneira mais lenta.
Esta parte do artigo procura analisar as respostas do Banco Central norte-americano à
emergência da crise, pois certamente o Federal Reserve System esteve na linha de frente
nas respostas de políticas públicas nos Estados Unidos, pois o epicentro da crise ocorreu
naquele país e considerando a responsabilidade do banco central norte-americano para
assegurar a estabilidade do sistema financeiro. Esta última ficou comprometida,
sobretudo no caso das grandes instituições, devido ao fato de que a crise de crédito no
segmento “subprime” do mercado de empréstimos hipotecários transformou-se em uma
profunda crise de liquidez no mercado monetário norte-americano, afetando em última
análise, o funcionamento do mercado financeiro global.
MEDIDAS CONVENCIONAIS DE POLÍTICA MONETÁRIA:
Uma serie de decisões do Federal Open Market Committee (FOMC) destinadas a
promover reduções na taxa básica de juros, ou seja,nas taxas Fed funds. No período de
setembro de 2007 a fevereiro de 2008, as taxas dos Fed funds foram reduzidas de 5,25%
para praticamente de 0 a 0,25% ao ano e permaneceram neste último nível desde então.
Observa-se que, em um regime de política monetária no qual a meta operacional do
Banco Central é a taxa de juros de curtíssimo prazo, colocar a taxa nominal no nível de
0 por cento representa o limite inferior para tal meta e isto representa, de acordo com
Buiter, a restrição de não-negatividade da taxa básica de juros da economia. (Buiter
2008).Esta restrição pode limitar a atuação dos Bancos Centrais, como já apontado por
vários economistas, entre os quais Krugman (2009).
De outro lado, isto não significa necessariamente uma situação de absoluta impotência
da política monetária para reativar a economia, pois, como indicado por Mishkin, nas
condições de taxa naquele limite inferior, a expansão monetária pode ser capaz de
elevar a taxa esperada de inflação, contribuindo para reduzir a taxa real esperada de
juros e com isto, estimulando os gastos agregados, através do canal taxa de juros.
(Mishkin, 1996).
datas
18/09/07
31/10/07
22/01/08*
30/01/08
18/03/08
30/04/08
08/10/08
29/11/08
16/02/08
Tabela nº 1
Taxas dos Fed Funds- ao ano
variações (em PB)
nível (em %)
(50)
(25)
(75)
(50)
(75)
(25)
(50)
(50)
(75,100)
4,75
4,25
3,50
3,00
2,25
2,00
1,50
1,00
0 a 0,25
Fonte: Board of the Federal Reserve System.
No mesmo sentido da redução mencionada acima, o Fed também promoveu uma
diminuição da taxa de desconto, utilizada para a concessão de empréstimos de curto
prazo às instituições detentoras de reservas bancárias.
4.2. MEDIDAS POUCO CONVENCIONAIS DE POLÍTICA MONETARIA E DE
REGULAÇÃO BANCÁRIA:
A partir de agosto de 2007, quando os cotistas de dois fundos de investimentos
administrados pelo BNP Paribas foram impedidos de efetuarem os saques de seus
recursos, a crise financeira adquiriu uma dinâmica própria, com a crescente deterioração
nas condições de liquidez e de crédito nos mercados financeiros. Este processo de quase
pânico nos mercados atingiu o seu ponto máximo de “stress” em 15/09/2009, com
a insolvência do quinto maior banco de investimento norte-americano, o Lehman
Brothers.
Isto obrigou o Federal Reserve a criar vários programas destinados a prover crédito e
liquidez às instituições financeiras, ampliando o escopo de sua atuação, bem além do
mandato original para o qual ele foi criado. Esta ampliação de objetivos materializou-se
em decisões que promoveram uma acentuada liberalização nos termos e condições de
acesso aos empréstimos de liquidez do Sistema Federal de Reserva, tais com as
seguintes decisões:
-ampliação de prazo para as operações tradicionais de assistência financeira de liquidez,
-ampliação de instituições financeiras com acesso às linhas de crédito do Banco Central,
-ampliação no número de ativos elegíveis para operações de financiamento,
-ampliação do acesso às linhas de liquidez para fundos de investimento do mercado
monetário,
-ampliação dos ativos aceitos como garantia nas operações de assistência financeira,
-ampliação do número de contrapartes com as quais o Federal Reserve pode realizar
operações de “swap” em dólar e em outras moedas conversíveis,
-ampliação dos empréstimos de liquidez para ativos securitizados.
Os principais programas destinados a prover liquidez e crédito foram os seguintes:5
Empréstimos a Instituições Depositárias: Term Auction Facility, (TAF) um programa de
concessão de crédito pelo Fed, através de leilões, com prazos variando de 28 a 84 dias e
com um valor máximo de US$ 150 milhões por leilão. Data de implantação: em dez/07.
Programas de Empréstimos a “Dealers” Primários (Primary Dealers Credit
Facilities- PDCF) – concessão de empréstimos por um dia de prazo, para “dealers”
primários, para melhorar a liquidez no mercado monetário, recebendo como
garantias, apenas ativos com grau de investimento. O programa foi iniciado em
16/03/08. Posteriormente, a severidade da crise exigiu a ampliação do conjunto de
ativos aceitos como garantia nas operações.
Programa de Empréstimos de Títulos a Prazo (Term Securites Lending
Facility,TSLF), iniciada em 11/03/08, também dirigido a dealers primários, esta
iniciativa promove o empréstimos por um prazo de um mês, aceitando como
garantias títulos do Tesouro, títulos de agências governamentais e obrigações
vinculadas a hipotecadas emitidas pelas agências oficiais (Fannie May e Freddy
Mac).
Programa de Opções de Empréstimos de Títulos (Term Securities Lending Options
Program, TOP), o qual oferece a dealers primários a opção de tomar empréstimos de
título da carteira do Federal Reserve, a taxas fixas de juros e mediante garantias
definidas pelo emprestador.
Programas de Swap de Liquidez com Outros Bancos Centrais (Central Bank
Liquidity Swaps). Em 12/12/07, o FOMC autorizou o Federal Reserve a estabelecer
linhas de swap em dólar, para provisão de liquidez, com os seguintes bancos
centrais: Banco de Reserva da Austrália, Banco Central do Brasil, Banco do Canadá,
Banco Nacional da Dinamarca, Banco da Inglaterra, Banco Central Europeu, Banco
5
As informações apresentadas a seguir foram extraídas do “site” da Junta de Governadores do Sistema de
Reserva Federal: ver Board of Governors of the Federal Reserve System, Monetary Policy, Credit and
Liquidity Programs and the Balance Sheet.
do Japão, Banco da Coréia, Banco do México, Banco da Nova Zelândia, Banco da
Noruega, Autoridade Monetária de Singapura, Banco Central da Suécia e o Banco
Nacional da Suíça. O prazo destas operações pode variar de 1 dia até 3 meses e o
risco de crédito não é assumido pelo Federal Reserve, quando o banco central de
outro país repassar tal crédito em dólares a tomadores internos do setor privado.
Em abril de 2009, aquela autorização para as operações de swap foi estendida para
outras quatro moedas conversíveis: o euro, a libra esterlina, o yen e o franco suíço e
com apenas os 4 bancos centrais: Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra,Banco
do Japão e Banco Nacional da Suíça.
Programas de Liquidez Para Ativos Securitizados: estes programas têm como
objetivo aumentar a liquidez para os ativos securitizados, provenientes dos
empréstimos imobiliários ou de outras operações de crédito bancário. As seguintes
iniciativas podem ser enquadradas neste tópico:
-Programa de Liquidez para Ativos Securitizados de Notas Promissórias Detidas
por Fundos de Investimento do Mercado Monetário,
(Asset Backed Commercial Paper Money Market Mutual Fund Liquidity
Facility, ABCPMMMFLC): implementado a partir de 19/09/2008 e com a
finalidade de financiar as instituições depositárias que adquiram títulos
securitizados baseados em “commercial papers” em poder dos fundos de
investimento do mercado monetário. O objetivo, em última instância é o de
permitir aos administradores daqueles fundos de alta liquidez possam atender os
saques dos cotistas sem dificuldades.
- Programa de Liquidez para “Commercial Papers” (Commercial Paper Funding
Facility, CPFF): implementado a partir de 07/10/2008, para aumentar a liquidez
dos “commercial papers”, este programa permite que o Federal Reserve de
N.York financie uma sociedade de responsabilidade limitada, cujo único
objetivo é de adquirir “commercial papers” vinculados a ativos diretamente dos
emissores daqueles títulos.
- Programa de Financiamento Para Investidores nos Fundos de Mercado
Monetário (Money Market Investor Funding Facility, MMIFF), colocado em
operação em 21/10/2008, a iniciativa autoriza o Federal Reserve de N.York a
financiar a aquisição de determinados ativos detidos por fundos de investimento,
por sociedades limitadas de propriedade do setor privado. Os ativos aceitos para
a operação são certificados de depósitos bancários e “commercial papers”
emitidos por instituições financeiras de baixo risco.
- Programa de Financiamento a Prazo para Títulos Vinculados a Ativos (Term
Asset-Backed Securites Loan Facilites, TALF).implementado em 25/10/08,
destina-se a financiar, por prazos de até 3 anos, os detentores de títulos
vinculados a ativos originários de diversas linhas de crédito bancário. Este
programa beneficia os títulos vinculados às várias linhas de empréstimos
bancários convencionais, como financiamento para automóveis, cartões de
crédito, empréstimos para estudantes, “leasings” para pessoas jurídicas e físicas
e outros.
7-
Programas de assistência financeira para instituições individuais:
- Bear Stearns: para facilitar a aquisição deste banco de investimento pelo JP
Morgan Chase, o Federal Reserve de NY organizou e concedeu créditos a uma
sociedade de responsabilidade limitada, a Maiden Lane, para comprar e
administrar os ativos remanescentes do Bear Stearns. Os ativos e passivos desta
sociedade são consolidados no balanço do Federal Reserve Bank de N. York.
- American International Group (AIG): logo após a quebra do Lehman Brothers,
esta empresa de seguros esteve na iminência de falir, devido à sua elevada
participação no seguro de crédito. O Fed de N.York concedeu um crédito de
US$ 85 bilhões à companhia, em 16/09/2008, ao qual se seguiu nova operação
em outubro, parta as subsidiárias da AIG. Posteriormente, ambas foram
reestruturadas e criadas duas novas sociedade limitadas, a Maiden Lane II, para
aquisição dos ativos lastreados em hipotecas e a Maiden Lane III, para a compra
de obrigações de dívida colateralizada (CDOs: Collaterized Debt Obligations).
Os balanços destas duas sociedades estão consolidados nas demonstrações
financeiras do Federal Reserve Bank de N. York.
- Citigroup e Bank of America: em Novembro de 2008 e Janeiro de 2009, o
Tesouro norte-americano, o Federal Reserve de N.York e a Companhia Federal
para Seguro de Depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation) anunciaram
que o governo norte-americano iria prover apoio aqueles dois grupos bancários,
no interesse da preservação da estabilidade dos mercados financeiros. Como não
houve empréstimos do banco central àquelas duas instituições, eles não constam
das demonstrações financeiras do Federal Reserve Bank.
Além das iniciativas acima do Banco Central, registrem-se também as decisões do
Tesouro americano no sentido de assegurar a estabilidade do sistema bancário. Neste
sentido, a iniciativa mais importante parece ser o Programa de Aquisição de Capital
pelo Tesouro ( Treasury Department’s Capital Purchase Program, TARP), de outubro de
2008, que autoriza o Tesouro a adquirir ações preferenciais de bancos, visando sua
capitalização. Até junho de 2009, estas aquisições somaram US$ 199 bilhões e
beneficiaram 600 instituições bancárias.6
5. AS POSSIVEIS IMPLICAÇÕES DA ATUAÇÃO DO FEDERAL RESERVE
A exaustiva e detalhada lista de operações não-convencionais do Federal Reserve
System teve como finalidade demonstrar como a severidade da crise financeira obrigou
o Banco Central norte-americano a abandonar o modelo de funcionamento de uma
autoridade monetária clássica, cuja única finalidade fosse a de assegurar a manutenção
de uma taxa de inflação baixa e, em alguns casos, acompanhada por um nível de
atividade adequado para a plena ocupação dos fatores produtivos. De fato, para
enfrentar a crise financeira, o Federal Reserve System ultrapassou os limites de seu
duplo mandato legal de assegurar a estabilidade de preços e o pleno emprego, para
garantir a solvência e liquidez do sistema financeiro e mesmo de empresas nãofinanceiras.7 Neste sentido, pode-se dizer que ele atuou como emprestador de última
instância para o conjunto das instituições bancárias, não-bancárias e não-financeiras,
desde que a falência de algumas delas representasse um risco sistêmico. Ademais, ao
disponibilizar linhas de “swap” em dólar e em outras moedas para bancos centrais de
alguns países, (para que estes últimos pudessem dar liquidez em dólar para bancos
domésticos) o Fed assumiu, de fato, senão de direito, o papel de banqueiro central
global.
6
Algumas destas 600 instituições já iniciaram a liquidação deste “buyout money” ao Tesouro: as 10
seguintes instituições já foram autorizadas a fazê-lo, no valor de US$ 68 bilhões: JPMorgan Chase,
Goldman Sachs,Morgan Stanley, US Bancorp, Capital One, America Express, BB&T, Bank of N.York
Mellon, State Street, Northern Trust. Ver Wall Street Journal, edição de 10/06/2009.
7
Na verdade, do ponto de vista forma, o Fed tem 3 objetivos: máximo nível de emprego,preços estáveis e
taxas de juros de longo prazo moderadas, sendo que esta última é raramente mencionada. Ver Federal
Reserve Act e Buiter (2008).
As conseqüências destas medidas ficam evidentes nas mudanças no tamanho e
composição do ativo dos bancos que compõem o Sistema de Reserva Federal, como se
pode ver na Tabela nº 2, para algumas datas selecionadas.
Tabela nº 2
SISTEMA DE RESERVA FEDERAL
Ativos Totais e Carteira de Títulos Públicos (em US bilhões)
Datas
Ativos totais (A) Títulos públicos (B) (A)/(B)%
29/12/2004 812.478
717.813
88,34
28/12/2005 850.414
744.210
87,51
28/12/2006 873.894
778.938
89,13
29/08/2007 876.771
784.637
89,50
26/12/2007 893.818
754.612
88,42
26/03/2008 895.768
612.305
68,35
25/06/2008 894.212
478.796
53,54
27/08/2008 908.991
479.642
52,76
24/09/2008 1.213.912
476.578
39,25
24/12/2008 2.258.744
476.014
21,07
28/01/2009 1.928.549
475.129
24,63
25/03/2009 2.073.227
474.746
22,90
Fonte: dados extraídos do site do Board of Directors do Federal Reserve
System.
De dez/2004 a dez/2007, a carteira de títulos públicos permaneceu próxima a 90% do
total dos ativos do Federal Reserve, o que faz sentido para um banco central que se
utiliza principalmente das operações de compra e venda de títulos do Tesouro como
principal instrumento de política monetária. A partir de 2008, ocorreram duas mudanças
significativas no balanço: uma queda acentuada em valores absolutos e relativos na
participação da carteira de títulos públicos e um aumento no tamanho dos ativos.
Em primeiro lugar, a percentagem da carteira de títulos no ativo sofreu uma redução
gradual ao longo de 2008 e esta queda acelerou-se a partir de setembro de 2008, (após a
decisão de não socorrer o Banco Lehman Brothers), para alcançar um mínimo de
21,07% em dezembro daquele ano.A queda na participação dos títulos públicos no ativo
do Fed deu lugar a um crescimento dos ativos emitidos pelos setor privado,
provavelmente muito deles empréstimos e/ou títulos securitizados vinculados a créditos
imobiliários de alto risco.
Em segundo lugar, houve uma enorme expansão do balanço do Fed, pois seus ativos
foram multiplicados por 2,78 entre dezembro de 2004 e dezembro de 2008. Este
aumento dos ativos deu-se com mais vigor no segmento de títulos privados,conforme
mencionado acima. Isto implica que o Banco Central passou a correr risco de crédito
nos ativos emitidos pelo setor privado e que acabaram sendo absorvidos pelo Federal
Reserve, seja diretamente através de compras ou aceitando-os como garantia de
provisão de liquidez para as instituições financeiras socorridas.
Os dois movimentos aumentaram o ativo da Autoridade Monetária e simultaneamente
pioraram a qualidade do seu balanço, o que certamente terá conseqüências futuras para a
operação da política monetária. Em algum momento à frente, o Federal Reserve terá que
se desfazer dos ativos “tóxicos” em seu balanço, substituindo-os por títulos públicos,
como pré-condição para a execução das operações de mercado aberto, que constituem o
principal instrumento de implementação da política monetária.
Outra conseqüência desta atuação do Federal Reserve tem a ver com o componente de
eventual subsidio ao setor privado, implícito na aquisição de ativos “tóxicos” a preços
provavelmente acima daqueles que vigorariam em uma situação de “distressed sale”,
que ocorre quando inexistem condições para a revelação e agregação de informações a
respeito do valor destes ativos. Identicamente, algum subsidio pode estar presente em
operações de recompra (“repo”) entre o Federal Reserve e uma instituição privada,
quando esta oferece como garantia ativos cujos preços de mercado simplesmente não
podem ser determinados, pela inexistência de compradores e/ou vendedores. Estas
operações embutem subsídios ao setor privado que passam ao largo de decisões
orçamentárias submetidas ao crivo dos legisladores.
Por último, vale lembrar que as medidas do Banco Central e as do Tesouro norteamericanos, juntamente com o programa de expansão dos gastos públicos para mitigar
os efeitos econômicos da crise financeira, irão produzir um acentuado crescimento na
dívida pública mobiliária dos Estados Unidos.8 Em verdade, esta é uma característica
comum de economias que experimentaram crises bancárias nos últimos anos, pois
segundo estudo de Reinhart e Rogoff em 13 países que passaram por aquelas
dificuldades, no período de 1980 a 1998, o aumento da dívida pública foi, em média, de
186% nos três anos que se seguiram à crise (Reinhart e Rogoff, 2009).
Esta dívida pública expandida terá que enfrentar o teste de mercado, representado pela
reação dos investidores, sobretudo os externos não-residentes nos países credores e que
têm absorvido uma parte significativa dos fluxos de novos títulos norte-americanos. A
questão básica reside em saber qual será o aumento da taxa de juros que será exigido
por estes investidores para absorverem em suas carteiras um volume considerável de
títulos de emissores soberanos, cujas credenciais de risco de crédito já começam a ser
postas em dúvida.
6. CONCLUSÕES
As respostas do Federal Reserve System para enfrentar uma crise de características
inéditas claramente extravasaram os limites de seu mandato legal, levando a Autoridade
Monetária a se transformar, de fato, em um emprestador de última instância para todo o
sistema financeiro norte-americano e a um incipiente papel de banqueiro central
mundial.
Na verdade, a ampliação da responsabilidade do banco central norte-americano para
garantir a liquidez do conjunto do sistema financeiro já havia sido preconizada há
muitas décadas atrás por H. Minksy, certamente um dos estudiosos mais competentes
das crises financeira em economias capitalistas e que cujo trabalho está sendo
redescoberto recentemente. As suas propostas de reorientação das funções do Federal
Reserve System são bem claras, como se nota a seguir:
“ The Federal Reserve System should be reorganized to make it clear its responsibility
for the prevention of a liquidity crisis for the economy. Its domain of control should be
extended to cover the entire financial system. Its primary responsibility would be to
assure monetary stability, to act as a lender of last resort to the financial system, and to
prevent fraud and misrepresentation. The Federal Reserve’s directive to operate to
achieve short-run stability to the economy should be replaced by a directive to keep
8
O aumento da dívida pública não se restringe ao caso norte-americano e envolverá quase todos os países
afetados pela crise. Estimativas recentes indicam que o aumento da dívida pública dos 12 maiores
componentes do G20 deverá ser superior a US$ 10 trilhões. Ver Niels Jensen: “The Absolute Return
Letter”, Maio de 2009, no site: www.arp//arp.com
stability in the financial markets, and to provide money for growth”.(Minsky
1964,p.379).
Diante da necessidade de preservação do funcionamento do mercado interbancário, de
crédito e de ativos securitizados, quando o comportamento defensivo de algumas
instituições, entesourando reservas, simplesmente fez evaporar a liquidez daqueles
mercados,tudo isto levou o Federal Reserve System a assumir as responsabilidades
indicadas por Minsky naquele texto de 1964.
De outro lado, não deixa de ser irônico o fato de que isto tenha ocorrido quando Ben
Bernanke passou a ocupar a presidência da Junta de Governadores do Sistema de
Reserva Federal. Em texto anterior, Bernanke argumentava que um Banco Central, em
um regime de metas inflacionárias, teria a capacidade de estourar bolhas especulativas
em preços de ativos apenas pela implementação de uma política monetária
suficientemente agressiva. .(Bernanke e Gertler,2001).
Outra conseqüência da crise financeira é o seu provável efeito na definição dos
objetivos de política monetária dos bancos centrais. De fato, a adoção do regime de
metas de inflação em alguns países desenvolvidos e em economias emergentes
coincidiu com um longo período de estabilidade macroeconômica, o que parecia indicar
que os bancos centrais estariam cumprindo seus objetivos, se resumissem suas tarefas
em garantir a estabilidade monetária, em uma situação na qual o nível de produto
interno bruto se aproximasse do produto potencial.
A crise demonstrou que atingir a estabilidade de preços não é suficiente para assegurar a
estabilidade do mercado financeiro, no sentido proposto por Crockett. Para este
economista, a estabilidade financeira compõe-se de dois elementos: a estabilidade das
instituições chaves e dos mercados que compõem o sistema financeiro. Estabilidade das
instituições significa a confiança em que elas podem cumprir suas obrigações
contratuais sem interrupção ou sem auxilio de fora, ao passo que a estabilidade de
mercados é uma situação na qual os agentes têm confiança de que os preços refletem os
fundamentos dos ativos e que não mudam substancialmente no curto prazo, sem
mudanças nos fundamentos. (Crockett, 1997).
As contínuas intervenções do Federal Reserve descritas sumariamente no item anterior
mostram que a ação do Banco Central se concentrou, de maneira ostensiva, em
procurar restabelecer as condições de estabilidade nos mercados financeiros e nas
instituições sistemicamente relevantes. Inferem-se desta atuação pelos menos duas
conclusões: a primeira indica que a manutenção de um sistema bancário estável é précondição para o funcionamento normal do setor real da economia. A segunda refere-se
ao fato de que, pelo menos nos países mais significativos para a economia mundial, os
mandatos dos bancos centrais devem ser ampliados para contemplar também a
estabilidade do sistema financeiro. Nas condições de hoje, focar a atuação dos bancos
centrais apenas na operação das taxas de juros referenciais de curtíssimo prazo não é
condição necessária nem suficiente para promover preços estáveis, crescimento
econômico e a estabilidade do sistema financeiro. Isto é o mínimo que a sociedade
espera de seus banqueiros centrais. As delegações para cumprir tais metas devem estar
claramente definidas nos estatutos dos bancos centrais e eles devem ser cobrados por
estes resultados.
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Resumo
O artigo trata das respostas do banco central norte-americano (o Federal Reserve System) aos
desafios de lidar com uma crise financeira e econômica de uma magnitude raramente vista em
economias capitalistas desenvolvidas. Aquele banco foi obrigado a ampliar sua esfera de atuação,
indo além do instrumento convencional de política monetária (a fixação da taxa de juros de
curtíssimo prazo), para envolver a utilização de um conjunto de instrumentos não-convencionais de
provisão de liquidez para instituições financeiras e mercados, não contemplados pelas normas que
regiam o funcionamento daquela Autoridade Monetária. De fato, no interesse de preservar a
estabilidade do mercado financeiro, o Federal Reserve System acabou praticamente sendo
responsável por ser o emprestador de última instância para qualquer instituição financeira
sistemicamente relevante. Esta experiência certamente vai exigir a ampliação dos mandatos para os
bancos centrais dos países desenvolvidos, que não podem se limitar a perseguir apenas a estabilidade
de preços e um nível de atividade econômica próxima ao pleno emprego.
Palavras chaves:
Bancos Centrais e crises financeiras; Atuação do Federal Reserve System na atual crise financeira; O
Federal Reserve como emprestador de última instância; Instrumentos não convencionais de política
monetária.
Abstract
The paper deals with the public policy initiatives taken by the Board of Governors of The Federal
Reserve System to deal with the recent financial turmoil and its attendant economic crisis. It is
shown that the US Central Bank was forced to expand its operations to provide liquidity and credit
facilities to all banking and non-banking financial institutions which were considered to be
systemically relevant. In order to assure stability in the financial markets, the Federal Reserve
System went far beyond its formal regulations. This experience may lead to changes in the
conventional mandates given to Central Banks in developed countries, which can not be restricted to
achieving a double target of pursuing price stability and a product level close to full employment.
Key words:
Central Banks and Financial Crises; The role of the Federal Reserve System in the present financial
crisis; Central Banks as lenders of last resort; Non-conventional instruments of monetary policy.
i
O autor é professor de Economia da Escola de Administração de Empresas de S. Paulo da Fundação
Getulio Vargas.
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A atuação do Banco Central norte-americano na crise