UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE SEMINÁRIOS EM DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
“Independência do Banco Central e Equilíbrio Fiscal:
Algumas observações para o caso brasileiro”.
Helder Ferreira de Mendonça (UFF/CNPq).
Data: 12/05/2005
Independência do Banco Central e Equilíbrio Fiscal:
Algumas observações para o caso brasileiro∗
Helder Ferreira de Mendonça∗∗
Abstract
The objective of this paper is to analyze the main theoretical arguments for the
analysis of the conduction of monetary policy on the fiscal side. Besides this, an
analysis is made of the possible effects on the fiscal balance from the conduction of
the monetary policy in the search for price stability after the Real Plan and due to an
increase in the central bank independence (CBI) in the Brazilian case. The findings
denote that the strategy for the conduction of the adopted monetary policy and the
increase in the degree of CBI did not contribute to an improvement in the fiscal
balance.
Key words: central bank independence, inflation, public debt.
∗
Este artigo encontra-se aprovado para publicação na Revista de Economia Política.
Professor do Departamento de Economia da UFF e pesquisador do CNPq.
∗∗
1
JEL Classification: E58, E63.
2
1. Introdução
Com o objetivo de aumentar a credibilidade na condução da política monetária e
neutralizar os problemas potenciais oriundos do caso de dominância fiscal, a proposição de
independência do banco central (IBC) tem recebido apreciável atenção tanto por teóricos
quanto por responsáveis pela política monetária. As principais modificações na legislação
de bancos centrais para torná-los mais independentes podem ser sumariadas em três pontos
básicos (Posen, 1998): (i) capacidade do banco central em rejeitar a monetização da dívida
pública; (ii) garantia de estabilidade para o mandato do presidente do BC; e (iii) prioridade
de objetivo para a estabilidade de preços. O primeiro ponto está associado ao argumento
dominante na literatura de que um dos principais elementos responsáveis pela inflação de
longo termo é o uso da receita de senhoriagem pelo governo. Destarte, a adoção de um
banco central independente (BCI) eliminaria a passividade monetária, e portanto, o governo
teria que ser mais responsável com seus gastos, pois estaria limitado à sua restrição
orçamentária.1
Em conformidade com o que foi exposto acima, Tabellini (1986), afirma que a IBC
é capaz de afetar o tamanho do déficit orçamentário. Esta proposição é ratificada por
evidências empíricas que mostram a existência de uma relação negativa entre a IBC e o
déficit.2 Não obstante, é importante salientar que a maioria dos estudos leva em conta
apenas o caso de países industrializados. Recentemente, Sikken & de Haan (1998),
utilizando vários índices de IBC, analisaram a relação entre a IBC e o déficit orçamentário
para um grupo de 30 países em desenvolvimento. A principal conclusão que chegaram foi a
de que não existe a relação sobredita. Ademais, diversos estudos empíricos não apresentam
resultados que comprovem uma estreita relação entre monetização e déficit (vide tabela 1).
Um outro ponto que merece atenção quando se avalia a conseqüência da adoção de
um BCI para o lado fiscal refere-se ao fato de que a busca da estabilidade de preços pode
promover uma elevação na taxa real de juros. Logo, o efeito de uma política monetária
contracionista poderia implicar a necessidade da geração de superávits primários para pagar
1
2
Para uma análise sobre as mudanças na condução da política monetária na América Latina, ver Ortiz (2002).
Ver, Masciandaro & Tabellini (1988), Grilli, Masciandaro & Tabellini (1991), e de Haan & Sturm (1992).
3
os custos do acréscimo da dívida enquanto a credibilidade está sendo construída (King,
1995).3
Tabela 1
Estudos empíricos sobre a monetização de déficits orçamentários
Estudo
Dornbusch & Fischer (1981)
Giannaros & Kolluri (1985)
Protopapadakis & Siegel (1987)
Demopoulus, Katsimbris & Milles
(1987)
Barnhart & Darrat (1988)
Burdekin & Laney (1988)
de Haan & Zelhorst (1990)
Burdekin & Wohar (1990)
Karras (1994)
N. de países
7
10 industrializados
10 industrializados
8 industrializados
Período
1960-77
1950-81
1952-83
1961-80
Conclusões
Há evidência em 3 casos
Sem evidência
Sem evidência
Alguma evidência
1960-84
1960-83
1961-85
1962-85
1949-89
Sem evidência
Alguma evidência
Evidência limitada
Alguma evidência
Sem evidência
Brown & Yousefi (1996)
7 industrializados
12 industrializados
17 desenvolvimento
8 industrializados
19 industrializados e
13 desenvolvimento
10 desenvolvimento
Sikken & de Haan (1998)
Posen (1998)
30 desenvolvimento
68
1950-89
Sem relação causal
déficit e inflação
1973-94 Evidência limitada
Décadas: Sem evidência
50-80
entre
O presente trabalho tem como objetivo analisar, de forma simplificada, os principais
argumentos teóricos para a análise dos efeitos da condução da política monetária sobre o
lado fiscal. Ademais, é feita uma análise para o caso brasileiro referente ao período
posterior à introdução do Plano Real avaliando a possível influência do aumento da IBC
sobre o equilíbrio fiscal. Além desta introdução, o artigo encontra-se dividido em mais três
seções. A segunda seção apresenta os principais argumentos teóricos que mostram uma
conexão entre as políticas fiscal e monetária; a terceira seção faz uma avaliação do caso
brasileiro; por último, é apresentada a conclusão do artigo.
2. A conexão entre as políticas monetária e fiscal
O principal elo entre as políticas monetária e fiscal refere-se à restrição
orçamentária do governo. No caso de um aumento do déficit público é provável que ocorra
3
Este ponto será mais bem analisado no fim da próxima seção.
4
uma elevação nos juros pagos sobre os títulos emitidos pelo governo ou na base monetária
para que seja possível obter uma forma de financiamento. Nesse sentido, uma maior
disciplina fiscal seria capaz de reduzir a taxa de juros incidente sobre o estoque da dívida.
Ademais, governos que contam com a receita de senhoriagem ou que possuem dificuldades
no acesso ao mercado de crédito para financiar seus gastos, têm como grande benefício
proveniente da redução do déficit, a maior facilidade para a busca da estabilidade de preços.
Entrementes, no caso de existir a possibilidade do governo emitir novos títulos, pode não
haver a conexão entre o tamanho do déficit e a receita de senhoriagem. (Taylor, 1995)
A interação entre as políticas monetária e fiscal revela que a estratégia adotada pelo
responsável da política monetária, na busca da estabilidade de preços, pode afetar a
capacidade do governo no financiamento do déficit. Por outro lado, a necessidade de
financiamento do setor público pode representar um limite à independência operacional da
autoridade monetária. De acordo com os resultados obtidos por Fry (1998) o tamanho do
déficit do governo e a forma como ele é financiado determina a IBC no caso de países em
desenvolvimento. Além disso, alguns autores como Calvo (1988), defendem a idéia de que
a tendência de o banco central inflacionar a economia é uma função da dívida pública, e
que, portanto, uma redução de seu estoque seria capaz de reduzir a pressão sobre o banco
central implicando maior credibilidade à condução da política monetária.4 Sikken & de
Haan (1998) destacam pelo menos quatro canais em que o aumento da dívida pode levar a
uma expansão monetária: (i) pressões políticas para estabilizar a taxa de juros; (ii)
problema de inconsistência temporal da política monetária; (iii) a teoria da senhoriagem
ótima; e (iv) a hipótese de dominância fiscal.
O primeiro canal, diz respeito ao fato de que, em geral, o elo entre as políticas
monetária e fiscal é analisado em um ambiente no qual a autoridade monetária é obrigada a
estabilizar a taxa de juros. É importante ressaltar que apesar de a taxa de juros representar o
principal instrumento para a ação da política monetária, uma volatilidade elevada implica
aumento da incerteza acarretando efeitos indesejáveis para a economia (queda do
investimento e produto, aumento da taxa de desemprego etc.). Assim, se um aumento na
4
Durante os anos 80, diversos trabalhos procuraram analisar o efeito do déficit e da dívida sobre a
credibilidade da política monetária tendo como base a estrutura teórica desenvolvida por Kydland & Prescott
(1977). Para o leitor interessado na literatura, ver Lucas & Stokey (1983), Persson, Persson & Svensson
(1987), Calvo (1988), e Bohn (1988).
5
dívida pública levar a um incremento da taxa de juros, o banco central é compelido a
monetizar o déficit.5
Para que se possa compreender melhor a idéia presente no segundo e terceiro canal
supradito, considere, a seguir, a equação que representa a restrição orçamentária
intertemporal do governo:
(1)
B& t = Dt + it Bt − M& t ,
onde: B = montante da dívida governamental; D = déficit primário; i = taxa de
juros; M = base monetária;
que expressa em termos reais, corresponde a
(2)
b&t = d t + [it − ( p& t p t )]bt − M& t / p t ,
onde: p = deflator; b = B/p; d t = Dt / p t .
A equação acima permite observar que o estoque da dívida pode ser reduzido de três
formas: (a) via redução do déficit primário; (b) por meio de ganho de capital do governo no
caso de a taxa de inflação atual exceder a inflação que compõe a taxa de juros; e (c) via
senhoriagem.
Os dois últimos pontos são utilizados com freqüência na literatura para a análise
entre as políticas monetária e fiscal. O segundo ponto (b) está relacionado à idéia de
inconsistência temporal da política monetária. Sob esta perspectiva, o público determina a
taxa esperada de inflação e a autoridade monetária determina a taxa atual de inflação. Nessa
estrutura, os governos são tentados a causar uma inflação surpresa como forma de reduzir o
encargo real da dívida (sobretudo no caso de taxas de juros nominais de longo prazo fixas).
O terceiro ponto (c) pode ser mais bem compreendido fazendo-se uso da equação,
(3)
S t = M& t / Pt = ( M& t / M t )( M t / Pt ) = α .m ,
onde: α = taxa de expansão monetária; m = estoque real de moeda.
Dado que em países em desenvolvimento há uma baixa capacidade de tributação do
produto (PIB), a senhoriagem torna-se um instrumento factível para financiar os gastos do
governo. Não obstante, Sikken & de Haan (1998) fazem três considerações em relação a
essa possibilidade:
5
Esta última observação representa o principal argumento para a adoção de um BCI como estratégia para
evitar a ocorrência do fenômeno em questão.
6
(i) o uso permanente da expansão monetária deve reduzir a receita de senhoriagem (uma
taxa de inflação elevada aumenta as expectativas inflacionárias e reduz a base – m – mais
do que o aumento em α);
(ii) diversos países em desenvolvimento utilizam um regime de câmbio no qual a moeda
doméstica é atrelada a uma moeda com credibilidade elevada, e por conseguinte, não têm o
poder de determinar a expansão monetária da economia; e
(iii) o uso do imposto inflacionário implica perda do poder de compra do público; logo,
maximizar receita de senhoriagem pode não ser adequado do ponto de vista social.
O quarto canal entre o aumento da dívida e a expansão monetária refere-se à
hipótese de dominância fiscal (Sargent & Wallace, 1981). Sob esta interpretação a
autoridade fiscal define os déficits e superávits no presente e no futuro sem consultar a
autoridade monetária, e portanto, determina o montante de receita provinda da venda de
títulos e senhoriagem. Neste caso, a autoridade monetária diante de uma restrição imposta
pela demanda por títulos do governo tende a financiar, via senhoriagem, o restante da
receita necessária para satisfazer a demanda da autoridade fiscal. Sob esta perspectiva, há a
tendência de que o responsável pela política não mantenha o equilíbrio fiscal devido à
expectativa de que o banco central garantirá os recursos necessários para satisfazer os
gastos realizados. Assim sendo, o provável resultado de uma dominância fiscal é o aumento
do déficit em decorrência da elevação dos gastos e da taxa de inflação proveniente da
emissão monetária pelo banco central.6
Ainda sob a interpretação de Sargent & Wallace (1981), um outro ponto a ser
considerado, diz respeito ao caso em que há um elevado estoque da dívida e déficit público
capaz de provocar um aumento da taxa real de juros acima da taxa de crescimento da
economia. Nesse caso, a tentativa da política monetária em reduzir a taxa de inflação pode
ter um efeito perverso sobre a economia. A lógica para este fenômeno refere-se ao fato de
que uma contração monetária hoje para reduzir a taxa de inflação provoca um aumento na
relação dívida/PIB, que devido à necessidade de pagamentos de juros mais elevados e ao
tamanho do déficit implicam aumento da base monetária no futuro. Neste caso, conforme
6
Conforme destacado por Sargent & Wallace (1981), o ponto fundamental para avaliar se a autoridade
monetária será capaz de controlar de forma permanente a inflação concentra-se na demanda por títulos do
governo. No caso de a demanda por título implicar uma taxa de juros que remunere os títulos acima da taxa de
crescimento da economia, e a autoridade fiscal incorrer em déficits, a autoridade monetária perde a
capacidade de definir a taxa de inflação.
7
proposto por Taylor (1995), uma redução da taxa de juros para níveis inferiores à taxa de
crescimento da economia poderia restaurar a capacidade da política monetária no controle
da inflação.
O problema da dominância fiscal tem sido considerado um dos principais
argumentos teóricos a favor da adoção de um BCI. A visão tradicional para a análise entre
as políticas fiscal e monetária tem como elemento central a idéia de que a autoridade fiscal
define o déficit independente da autoridade monetária, e que esta última é forçada a emitir
moeda para satisfazer as necessidades de financiamento do governo. Apesar do argumento
apresentar uma consistência interna apreciável, alguns autores têm ressaltado que este tipo
de suposição não é coerente com o mundo real. King (1995, p. 171) apresenta dois motivos
para essa visão:
“First, seigniorage – financing the deficit by issuing currency rather than
bonds – is very small relative to other sources of revenue. Second, over the
past decade or so, governments have become increasingly the power over
monetary policy to an independent central bank with the specific objective
of price stability.”
Uma conseqüência do segundo ponto citado é que o esforço para reduzir a inflação
acarreta uma taxa menor que a esperada, o que por sua vez, gera um problema de ordem
fiscal. A introdução de uma estratégia para a política monetária que diminua a taxa de
inflação, mas que não possui total credibilidade, acarreta uma elevação da taxa real de juros
sobre a dívida pública.7 Portanto, enquanto a credibilidade é construída, há a necessidade de
uma receita adicional para financiar o maior custo da dívida. Assim, emerge o problema
que King (1995) denominou como “desagradável aritmética fiscal”.8
7
A justificativa para o aumento da taxa real de juros representa o caso inverso ao apresentado no item b
(ganho de capital do governo no caso de a taxa de inflação atual exceder a inflação que compõe a taxa de
juros).
8
O esquema 1 apresenta um paralelo entre a idéia básica sobre a desagradável aritmética monetarista e a
desagradável aritmética fiscal.
8
Esquema 1
Desagradável aritmética monetarista e fiscal
Desagradável Aritmética
Monetarista:
Financiamento do déficit
via aumento da dívida
Aumento do pagamento
de juros sobre a dívida
Implicação: Financiamento
monetário maior que o
financiamento monetário
imediato de um dado déficit
Aumento da taxa de
juros real efetiva sobre a
dívida
Implicação: Necessidade de
superávit primário adicional
para financiar o aumento do
custo da dívida enquanto a
credibilidade é construída
Desagradável Aritmética
Fiscal:
Tentativa do BC reduzir
a inflação
O principal aspecto a ser realçado, consiste no fato de que a inflação esperada
declinará mais lentamente que a inflação atual. Assim, o êxito em desinflacionar a
economia reduz a taxa de crescimento do PIB (devido ao aumento da taxa real de juros),
mas não reduz a despesa com juros relativa ao estoque da dívida até que a nova política
conquiste credibilidade. Além disso, o nível de superávit primário consistente com a
relação dívida/PIB aumenta no curto prazo por um montante proporcional à razão
dívida/PIB inicial e a redução na taxa de inflação média. No longo prazo, o superávit
primário pode retornar ao nível inicial quando as expectativas inflacionárias tiverem se
ajustado. Entretanto, países com histórico de dificuldade no controle da inflação devem
levar mais tempo para obter este resultado.9 (King, 1995)
9
O exemplo a seguir (King, 1995) mostra, na prática, de que forma se manifesta o problema. Suponha uma
dívida/PIB de 50% estável, e que a mudança na política monetária reduziu a média da inflação de 6 para 2%
a.a.. Assim, para garantir uma taxa constante da dívida/PIB há a necessidade de um salto no superávit
primário de no mínimo 2% do PIB. Se as expectativas em relação ao novo regime se ajustarem após 5 anos,
então o aumento no superávit primário deveria ainda ser de 1% do PIB após 5 anos.
9
3. Algumas observações para o caso brasileiro
Um ponto importante a ser observado consiste em verificar se o sucesso no controle
da inflação no período posterior à introdução do Plano Real foi capaz de reduzir (ou
aumentar) a taxa de juros implicando menor (ou maior) pressão sobre o endividamento
público. Conforme pode ser observado por meio da figura 1 verifica-se que apesar de ter
ocorrido uma queda significativa na taxa real de juros ao longo do período, ela se situou
acima da taxa de crescimento da economia na maior parte do tempo.
A constatação acima remete ao problema ressaltado por Sargent & Wallace relativo
à possibilidade de perda de controle da autoridade monetária sobre a inflação. Nesse
sentido, poderia ser iniciado um ciclo marcado por aumento da taxa de juros (ou
manutenção no caso de se encontrar em um patamar muito elevado) como tentativa de o
banco central conter a pressão inflacionária e queda na taxa de crescimento econômico
devido à redução no consumo e no investimento. Logo, a combinação desses dois fatos
teria como resultado um incremento no endividamento público.
Figura 1
Taxa de crescimento do PIB e taxa real de juros
14
12
10
8
6
4
2
0
SELIC real trim
2003:3
2002:9
2002:3
2001:9
2001:3
2000:9
2000:3
1999:9
1999:3
1998:9
1998:3
1997:9
1997:3
1996:9
1996:3
1995:9
1995:3
1994:9
-2
PIB - taxa acumulada até o trimestre (%)
Nota: SELIC deflacionada pelo IPCA (jul/1994=100). As taxas trimestrais são
calculadas elevando-se a média geométrica das taxas mensais a 3 (meses).
10
Na prática, observa-se que a preocupação do Banco Central do Brasil (BCB) em
evitar um desequilíbrio externo devido às flutuações no cenário internacional (sobretudo
em função dos choques asiático (1997) e russo (1998))10 fez com que a taxa de juros básica
da economia (SELIC) sofresse fortes variações que culminaram com o aumento das
necessidades de financiamento do setor público com juros reais. Deve-se ressaltar que a
estratégia de combate à inflação que vigorou até janeiro de 1999 (baseada em variantes do
regime de câmbio fixo) impedia uma ação efetiva da política monetária no controle da taxa
de juros. Além disso, é importante notar que embora as elevações observadas na SELIC nos
anos de 1997 e 1998 terem focado o ajuste externo, o principal objetivo dos aumentos
observados era evitar que ocorresse um ataque especulativo sobre a economia que forçasse
uma desvalorização cambial, e que por conseguinte, colocasse em risco a estabilidade de
preços.
Com o fim do uso da taxa de câmbio como principal estratégia de combate à
inflação (janeiro de 1999) houve a necessidade da busca de uma nova âncora nominal. Em
junho de 1999 foi implantado um novo regime monetário no Brasil com base na utilização
de metas para a inflação.11 Nesse novo modelo para a condução da política econômica,
tornou-se explícito o uso da taxa de juros de curto prazo como principal instrumento para o
alcance da meta de inflação anunciada. A conseqüência de um cenário em que a taxa de
juros encontrava-se acima da taxa de crescimento da economia combinado à elevação do
endividamento público devido à forte desvalorização da moeda, tornou necessária a geração
de superávits primários como tentativa de alcançar o equilíbrio fiscal (vide figura 2).
10
Durante o período sob análise a balança de transações correntes encontrava-se deficitária, logo o principal
mecanismo utilizado (após a forte entrada de recursos provinda do processo de privatizações) consistiu na
elevação da taxa de juros como mecanismo para a tornar a balança de capitais superavitária e equilibrar o
balanço de pagamentos.
11
Para uma análise da teoria do regime de metas de inflação e do seu funcionamento no Brasil, ver de
Mendonça (2001 e 2002), e Neto (1999).
11
Figura 2
Dívida pública e superávit primário
70
60
50
40
30
mudança de
regime cambial
20
10
NFSPP
2003:2
2002:8
2002:2
2001:8
2001:2
2000:8
2000:2
1999:8
1999:2
1998:8
1998:2
1997:8
1997:2
1996:8
1996:2
1995:8
1995:2
-10
1994:8
0
DIVPUB
Nota: NFSPP – Necessidades de financiamento – setor público – primário – acum. 12 meses
(% PIB); DIVPUB – Dívida – total – setor público – líquida (% PIB)
As observações acima permitem conjeturar que o Brasil no período pós-Real
representa um caso de desagradável aritmética fiscal. A introdução do Plano Real em 1994
foi responsável por uma mudança qualitativa do ponto de vista do controle inflacionário.
Apesar de a taxa de inflação ter se mantido relativamente estável após a implementação do
Plano, a estratégia utilizada para o combate à inflação sofreu mudanças significativas ao
longo dos anos.12 As alterações ocorridas na condução da política monetária não
permitiram que fosse construída uma credibilidade suficiente para que as políticas
anunciadas ficassem imunes aos choques sobre a economia. Destarte, o caso brasileiro
enquadra-se na situação em que a credibilidade ainda está sendo construída.
Um importante elemento para análise refere-se ao comportamento do BCB após a
introdução do Plano sobredito. A preocupação da autoridade monetária em assegurar o
compromisso com a estabilidade de preços, fez com que o índice de independência real do
12
As principais mudanças ocorridas se referem à alteração do regime de câmbio em janeiro de 1999 e à
adoção do regime de metas de inflação em junho do mesmo ano.
12
BCB aumentasse de forma significativa.13 (Rigolon, 1997) Dessa forma, é importante
verificar se o incremento na independência do BCB observado nos últimos anos está
associado a alguma mudança na evolução do quadro fiscal brasileiro. Esta observação é
importante porque alguns economistas que analisam a proposição de IBC sugerem que a
presença de um BCI é capaz de levar a uma combinação de inflação baixa com menores
déficits ficais para a economia. (Goodhart, 1995) A idéia básica consiste no fato de que um
BCI evitaria o uso da receita de senhoriagem, o que por sua vez, poderia acarretar uma
contenção nos gastos do governo.
Com o objetivo de avaliar o possível efeito de um aumento da independência do
BCB sobre o quadro fiscal brasileiro foi feita uma análise com base em alguns resultados
empíricos. Utilizou-se o método dos mínimos quadrados para avaliar a influência do grau
de independência (GIBC) sobre duas variáveis: resultado primário (NFSPP - necessidades
de financiamento do setor público % PIB – primário) e necessidades de financiamento do
setor público – juros reais (NFSPJR - % PIB). Para tanto, foram utilizados dados anuais
para o período compreendido entre 1986 e 2002. Devido à mudança estrutural ocorrida com
a introdução do Plano Real em 1994 foi introduzida uma variável dummy na forma aditiva
(D=0 antes de 1994 e D=1 a partir de 1994) nas estimações.
A justificativa para a seleção das variáveis sobreditas pode ser compreendida da
seguinte forma. É esperado que um aumento da IBC esteja relacionado a uma redução nos
gastos do governo. O gráfico de dispersão (grau de independência do BCB X NFSPP)
localizado no lado esquerdo da figura 4 sugere que essa perspectiva é correta, uma vez que
há uma correlação negativa entre as séries que corresponde a 31%; O efeito de um aumento
da independência do BC sobre a despesa do setor público com o pagamento de juros não é
evidente. Uma maior independência pode significar uma política monetária mais restritiva
que culmina com a elevação da NFSPJR; por outro lado, o sucesso no combate à inflação
significa conquista de credibilidade contribuindo para uma menor taxa de juros. O gráfico
localizado no lado direito da figura 3 não contribui para dirimir essa dúvida, pois a
correlação entre as séries é quase nula.
13
Para o leitor interessado em uma resenha da literatura sobre IBC que contém a explicação detalhada dos
índices de independência real e legal, ver Cukierman (1996). O apêndice apresenta a metodologia para a
mensuração do grau de independência do BCB de 1986 até 2002.
13
Figura 3
GIBC X NFSPP
2
GIBC X NFSPJR
8
0
6
-2
4
-4
2
0
-6
0
0,2
0,4
0,6
0,8
0
0,2
0,4
0,6
0,8
O resultado obtido com as estimações para o período de 1986/2002 (vide tabela 2)
indica que o grau de independência tem sinal negativo tanto para a NFSPP quanto para a
NFSPJR, ao passo que a dummy apresentou sinais positivos. Além disso, a hipótese nula de
ausência de efeito é rejeitada para ambas as variáveis ao nível de significância de 5%. Este
resultado indica que as duas variáveis apresentam efeitos estatisticamente significativos
sobre a NFSPP e a NFSPJR, com probabilidade de erro de 5%. Não obstante, o coeficiente
de determinação denota uma explicação de apenas 35% da variação da NFSPP e 32% da
variação da NFSPJR. Em outras palavras, os resultados encontrados sugerem que um
aumento da IBC contribuiu para uma melhora do resultado primário e uma menor despesa
com o pagamento de juros reais, entretanto, o efeito não é forte o suficiente para se esperar
uma melhora no quadro fiscal.
Tabela 2
Estimações (MQO)
n=17
NFSPP
NFSPJR
constante
estat.- t
8,7590
2,2280*
10,6243
3,9999*
Nota: * Significância a 5%.
GIBC
-25,2194
-15,6747
estat.- t
-2,6316*
-2,4208*
Dummy
7,2123
5,3515
estat.- t
2,3207*
2,5486*
R2
0,3487
0,3173
14
4. Considerações finais
A análise apresentada na seção anterior sugere que apesar de ter havido um aumento
do grau de IBC do BCB ao longo do período analisado, não se pode esperar que ocorra uma
melhora no quadro fiscal. A idéia de que um BCI contribuiria para a redução das despesas
com o pagamento de juros e maior equilíbrio no resultado primário não pode ser
descartada. Entretanto, conforme pode ser observado por meio da figura 4, o aumento da
IBC do BCB ao longo do tempo não foi suficiente para conter a elevação no estoque do
endividamento público. A deterioração do quadro fiscal com a estabilidade de preços é
explicada por dois motivos básicos: (i) com a estratégia da condução da política monetária
voltada para a busca da estabilidade de preços, o Tesouro Nacional ficou impedido de
monetizar parte da dívida (desde 1995 a receita de senhoriagem é inferior a 1% do PIB); e
(ii) a estrutura de indexação da dívida pública atrelada em grande medida à SELIC.
Figura 4
Dívida Pública - IBC - indexador (SELIC)
100
90
introdução
Plano Real
80
70
mudança de
regime cambial
60
50
40
30
20
10
Títulos fed. index. SELIC (%)
2003 01
2002 01
2001 01
G.I. BCB = 0,76
2000 01
1999 01
1998 01
G.I. BCB = 0,71
1997 01
1996 01
1995 01
G.I. BCB = 0,68
1994 01
1993 01
1992 01
G.I. BCB = 0,46
1991 01
0
Dívida líq. (% PIB)
O segundo ponto supracitado merece uma maior atenção, pois representa a
possibilidade de que ao invés de benefícios para o equilíbrio fiscal, um aumento na
dominância monetária implique efeitos perversos sobre a economia. Uma das principais
15
razões para a elevação do estoque da dívida pública se deve ao fato de a SELIC ser o
principal indexador dos títulos públicos.14 Nesse sentido, a manutenção da alta taxa real de
juros praticada no período pós-Real, com o objetivo de manter a inflação sob controle,
representou uma fonte para o comportamento da dívida no período. Soma-se a isto o fato de
que o câmbio, segundo indexador mais importante para os títulos públicos, contribuiu de
forma decisiva para o salto da dívida observado no período posterior à mudança do regime
cambial. Um outro ponto a ser ressaltado se refere ao fato de a economia apresentar um
crescimento econômico incapaz de promover o equilíbrio macroeconômico. Logo, o
receituário mais óbvio para neutralizar as mazelas de um desequilíbrio fiscal tem se
concentrado na necessidade da geração de superávits primários com o objetivo de evitar
uma aceleração na trajetória dívida/PIB. Portanto, o superávit primário observado no
período recente não é um resultado inequívoco do aumento da IBC do BCB, mas sim uma
necessidade oriunda do próprio cenário econômico.
Para evitar o problema acarretado pela dominância monetária recomenda-se a ação
coordenada entre as autoridades monetária e fiscal de forma que a busca da estabilidade de
preços combinada a uma política fiscal responsável não implique custos sociais
desnecessários. Uma forma de atenuar o problema é via alteração da estrutura de indexação
da dívida, reduzindo-se a proporção de títulos atrelados à SELIC e ao câmbio e aumentando
a quantidade de títulos indexados à inflação. Deste modo, elevações na taxa de juros para
neutralizar pressões inflacionárias levariam também a reduções na razão dívida/PIB
aumentando a credibilidade da política antiinflacionária.15 O principal ponto a ser realçado
consiste no fato de que há a necessidade de que sejam levados em consideração os efeitos
negativos que a ação de uma política monetária contracionista pode acarretar à política
fiscal. Em outras palavras, é preciso que sejam desenvolvidos mecanismos que procurem
eliminar não só os problemas provenientes da dominância fiscal, mas também aqueles
oriundos da dominância monetária.
14
Vide figura 5 para observar a evolução da over-SELIC como indexador dos títulos públicos federais a partir
de 1990.
15
Este argumento foi construído originalmente por Back & Musgrave (1941) sendo desenvolvido no período
mais recente por Lucas & Stokey (1983), Bohn (1988), Calvo (1988), e Calvo & Guidotti (1990).
16
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18
Apêndice:
Metodologia para estimar o grau de independência do BCB
Tabela A.1. Variáveis, pesos e códigos
Número
da
variável
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Descrição da variável
Rotatividade do presidente do BC
Baixa rotatividade
Média rotatividade
Alta rotatividade
Restrições ao financiamento do Setor Público
Alta
Moderadamente alta
Moderadamente baixa
Baixa ou inexistente
Resolução de conflitos
Algumas resoluções a favor do banco
Resolução a favor do governo em todos os casos
Todos os outros casos
Elaboração do orçamento do banco central
Maioria das vezes o banco central
Banco central e Poder Executivo/Poder Legislativo
Maioria das vezes Poder Executivo/Poder Legislativo
Determinação dos salários e alocação dos lucros do banco central
Maioria das vezes pelo BC ou por lei
Banco central e Poder Executivo/Poder Legislativo
Maioria das vezes Poder Executivo/Poder Legislativo
Metas para agregados monetários
Existência de metas; boa aderência
Existência de metas; média aderência
Existência de metas; baixa aderência
Não há metas
Metas formais ou informais para as taxas de juros
Não
Sim
Prioridade dada para a estabilidade dos preços
Primeira prioridade é a estabilidade dos preços
Primeira prioridade é a estabilidade da taxa de câmbio
Preços ou estabilidade da taxa de câmbio estão entre os
objetivos do BC, mas não representam a primeira prioridade
Nem preços ou câmbio estão entre os objetivos do BC
BC funciona como Banco de Desenvolvimento?
Não
Em alguma extensão
Sim
O BC é fortemente envolvido na garantia de crédito subsidiado
Fonte: Cukierman, Webb & Neyapti (1992).
abreviação
códigos
olp
1,0
0,5
0,0
llp
1,00
0,66
0,33
0,00
rc
1,0
0,0
0,5
dcbb
1,0
0,5
0,0
wp
1,0
0,5
0,0
qmst
irt
1,00
0,66
0,33
0,00
1
0
1,00
0,66
pps
0,33
0,00
fdb
1,00
0,66
0,33
0,00
19
Tabela A.2. Agregação
Primeira agregação
fi = (dcbb + wp) / 2
ipt = (qmsf + irt) / 2
Outcome: olp, llp, rc, fi, ipt, pps, fdb
Segunda agregação
ADIU = (olp + llp + rc + fi + ipt + pps + fdb) / 7
ADIW = 0,1olp + 0,2llp + 0,1rc + 0,1fi + 0,15ipt +0,15pps + 0,2fdb
Fonte: Cukierman, Webb & Neyapti (1992).
OBS: ADIU – actual degree of independence unweighted;
ADIW – actual degree of independence weighted;
fi – financial independence;
ipt – intermediate policy targets.
Tabela A.3. Estimativas para o Brasil – 1986-2002
Período
1986
1987/89 1990/92 1994/96 1997/99 2000/02
Variáveis
Olp
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,50
Llp
0,33
0,00
0,33
0,66
0,66
0,66
Rc
0,00
0,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Dcbb
1,00
1,00
0,50
0,50
0,50
0,50
Wp
1,00
1,00
0,50
0,50
0,50
0,50
Qmsf
0,00
0,00
0,00
0,66
1,00
0,00
Irt
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
1,00
Pps
0,33
0,33
0,33
1,00
1,00
1,00
Fdb
0,66
1,00
1,00
1,00
1,00
1,00
Primeira agregação
Olp
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,05
Llp
0,33
0,00
0,33
0,66
0,66
0,13
Rc
0,00
0,00
1,00
1,00
1,00
0,10
Fi
1,00
1,00
0,50
0,50
0,50
0,05
Ipt
0,00
0,00
0,00
0,33
0,50
0,08
Pps
0,33
0,33
0,33
1,00
1,00
0,15
Fdb
0,66
1,00
1,00
1,00
1,00
0,20
Segunda agregação
ADIU
0,33
0,33
0,45
0,64
0,67
0,74
ADIW
0,35
0,35
0,46
0,68
0,71
0,76
Fonte: Até 1996 - Rigolon (1997), após esse período elaboração própria.
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