• Mecanismos de controle
da excreção de sódio
Aspectos fisiológicos
• Sal e hipertensão arterial
Aspectos fisiopatólogicos
• Discussão de caso
Apresentação de caso clínico
• Hipertensão arterial: síndrome
hidrodinâmica dependente
de sobrecarga salina
• Sal, hipertensão e genética
• Validação dos aparelhos automáticos
e semi-automáticos de medida
da pressão arterial
Uma revisão sobre o assunto
• Tratamento da hipertensão arterial:
valor da redução na ingestão de sal
• Controle da função vascular por
fatores hemodinâmicos
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VOLUME 7
o
N 2
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2004
REVISTA DA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO
http://www.sbh.org.br
EDITORIAL
EDITORIAL
Diretrizes Brasileiras sobre
Síndrome Metabólica em andamento
Levantamentos realizados pela Organização Mundial de Saúde indicam que a
crescente prevalência da Síndrome Metabólica, associada ao progressivo aumento das
populações obesas, já constitui uma preocupação de ordem internacional, sobretudo em
relação aos países que adotam os hábitos ocidentais de vida, incluindo consumo
exagerado de alimentos com alto teor de gordura, sedentarismo, tabagismo etc.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as estimativas mais recentes sugerem que a
ocorrência dessa entidade atinge a cerca de 22% da população norte-americana.
Trata-se de um dado de indiscutível relevância clínica, uma vez que indivíduos com
síndrome metabólica evoluem com risco aumentado de complicações cardiovasculares de
natureza aterosclerótica, além de apresentarem maior possibilidade de desenvolver
quadro de Diabetes Tipo 2.
Em termos práticos, no entanto, observa-se que o diagnóstico dessa síndrome pode
ser feito com relativa simplicidade por meio de critérios clínicos e laboratoriais, como tem
sido enfatizado pela OMS e já divulgados por documentos de educação médica, a exemplo
das Diretrizes para Cardiologistas sobre Excesso de Peso e Doença Cardiovascular, da
Sociedade Brasileira de Cardiologia – veja quadro aqui incluído.
Síndrome
Metabólica
Identificação
clínica laboratorial
Fatores de Risco
Obesidade abdominal (cintura)
• Homens
• Mulheres
Valores de corte
Circunferência abdominal (cm)
> 102
> 88
Triglicérides (mg/dL)
150
HDL colesterol (mg/dL)
• Homens
• Mulheres
< 40
< 50
Pressão Arterial (mmHg)
Glicemia de jejum (mg/dL)
130/85
110
No âmbito global do estudo das alterações metabólicas dessa síndrome, nota-se que
há inter-relações fundamentais entre variações para cima dos níveis de colesterol/LDL-C
e de triglicérides e de HDL-colesterol, para baixo, além de repercussões próprias dos
valores pressóricos. Somando-se a todos esses aspectos, o aumento do tempo de
sobrevivência média das populações já permite antecipar que os próximos anos serão
marcados também por um crescimento expressivo de pacientes com Síndrome Metabólica.
Sensível a tais constatações e coerente com seus programas de educação médica
continuada, a Sociedade Brasileira de Hipertensão tomou a iniciativa de congregar outras
importantes Sociedade Médicas para o desenvolvimento das Diretrizes Brasileiras sobre
Síndrome Metabólica.
Assim, sob a coordenação do Dr. Ayrton Pires Brandão, Presidente da SBH, em
agosto de 2004, reuniram-se, no Rio de Janeiro, RJ, representantes das Sociedades
convidadas para a realização desse trabalho:
• SBH – Sociedade Brasileira de Hipertensão
• SBC – Sociedade Brasileira de Cardiologia
• SBN – Sociedade Brasileira de Nefrologia
• SBD – Sociedade Brasileira de Diabetes
• SBEM – Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
• ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.
Nota. A publicação das Diretrizes sobre Síndrome Metabólica está prevista para o
primeiro semestre/2005.
Dra Maria Helena Catelli de Carvalho
Editora
Volume 7 / Número 2 / 2004
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ÍNDICE
ÍNDICE
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Mecanismos de controle da excreção de sódio
Aspectos fisiológicos ................................................................................. 46
○
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○
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Sal e hipertensão arterial
Aspectos fisiopatólogicos .......................................................................... 51
○
○
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○
Discussão de caso
Apresentação de caso clínico .................................................................... 55
Hipertensão arterial: síndrome hidrodinâmica
dependente de sobrecarga salina ................................................................ 58
Sal, hipertensão e genética ........................................................................ 61
Validação dos aparelhos automáticos e
semi-automáticos de medida da pressão arterial
Uma revisão sobre o assunto ..................................................................... 65
Tratamento da hipertensão arterial:
valor da redução na ingestão de sal ........................................................... 71
Controle da função vascular por
fatores hemodinâmicos .............................................................................. 74
Referência em resumo ............................................................................... 78
HIPERTENSÃO
Revista da Sociedade
Brasileira de Hipertensão
EDITORA
DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO
EDITORES SETORIAIS
MÓDULOS TEMÁTICOS
DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER
DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO
CASO CLÍNICO
Agenda 2004 ............................................................................................. 82
DR. DANTE MARCELO A. GIORGI
EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA
DR. FLÁVIO D. FUCHS
DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM
FATORES DE RISCO
DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES
AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN
DR. FERNANDO NOBRE
DR. WILLE OIGMAN
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Produção Gráfica e Editorial - BG Cultural
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Assessoria Editorial: Marco Barbato.
Revisão: Márcio Barbosa.
TERAPÊUTICA
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BIOLOGIA MOLECULAR
DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER
DR. AGOSTINHO TAVARES
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As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente
a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda.
PESQUISA BIBLIOGRÁFICA
CARMELINA DE FACIO
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02 - Índice-Diretoria.pm6
HIPERTENSÃO
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10/08/05, 12:17
SBH
Sociedade
Brasileira de
Hipertensão
DIRETORIA
Presidente
Dr. Ayrton Pires Brandão
Vice-Presidente
Sociedade Brasileira de Hipertensão
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Dra. Maria Helena C. Carvalho
Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.
Dr. Robson A. S. Santos
Dr. Wille Oigman
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da excreção de sódio
Aspectos fisiológicos
Introdução
Autores:
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MÓDULO
TEMÁTICO
Mecanismos de controle
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José Vanderlei Menani
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José Eduardo Nogueira Silveira
Débora Simões de Almeida Colombari
Laurival Antonio De Luca Jr.
Departamento de Fisiologia e Patologia, Faculdade de
Odontologia de Araraquara, UNESP
Endereço para correspondência:
Departamento de Fisiologia e Patologia
Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP
Rua Humaitá, 1.680
14801-903 – Araraquara – SP
Tel.: (16) 201-6486
Fax: (16) 201-6488
E-mail: [email protected]
46
HIPERTENSÃO
No ser vivo, a força osmótica decorrente da alta concentração de proteínas no interior da célula é contraposta pela
força osmótica exercida pela elevada concentração de Na+ no
líquido intersticial, impedindo, assim, a entrada de água na
célula e regulando o volume celular. A concentração de Na+ e
a osmolaridade do líquido intersticial são influenciadas pela
majoritária tendência do Na+ de entrar na célula a favor de seu
gradiente de potencial eletroquímico e por uma pequena dificuldade do Na+ de alcançar o líquido intersticial a partir do
plasma em face da carga elétrica negativa das proteínas no pH
sangüíneo, o que determina que a concentração plasmática de
Na+ seja levemente superior à concentração no líquido intersticial. A manutenção do Na+ fora da célula é feita às custas de
um gasto enorme de energia (cerca de 25% do metabolismo
basal) para o funcionamento da bomba de Na+/K+, presente
em todas as células, que atua retirando Na+ da célula e devolvendo-lhe K+.
Água e Na+ são normalmente adicionados ao líquido extracelular pelo comportamento de ingestão, compensando,
assim, as perdas para o meio ambiente por perspiração, respiração, sudorese, fezes e, especialmente, pela excreção renal.
Esta desempenha importante papel tanto para eliminar eventuais excessos ingeridos como para reduzir as perdas resultantes de causas clínicas, como diarréia e/ou vômitos intensos,
que podem levar à desidratação. O excesso ou a falta de água
e Na+ no organismo resulta em modificações da atividade de
diferentes sistemas hormonais (como angiotensina-aldosterona, peptídeo natriurético atrial, vasopressina) e sistemas neurais (como o simpático), que atuam promovendo ajustes na
excreção renal de água e Na+, modificações no apetite ao sódio e na ingestão de água, redistribuição dos líquidos corporais e modificações no calibre dos vasos sangüíneos para corrigir eventuais alterações na pressão arterial. Nessas situações,
são os mecanismos ativados por osmorreceptores ou receptores de volume, juntamente com os hormônios produzidos, que
atuariam diretamente sobre rins e vasos sangüíneos ou em algumas regiões específicas do cérebro promovendo os ajustes
cardiovasculares e renais, além do comportamento de busca
por água e sódio, quando estes estão em falta.
A atuação dos rins confere ao organismo a capacidade de
regular o balanço de Na+, equilibrando a quantidade excretada
e a ingerida. As respostas renais envolvem tanto alterações do
fluxo sangüíneo renal e do mecanismo de filtração glomeru-
FIGURA 1
SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA
SANGUE
↓ PAM
Angiotensinogênio
↓ Na+ tubular
RINS
RENINA
↑ Atividade simpática
Angiotensina I
Enzima conversora
ANGIOTENSINA II
Sede
Ingestão de Na+
Atividade simpática
Vasopressina
Cérebro
Vasoconstrição
Aldosterona
Túbulos renais
REABSORÇÃO DE Na+
lar como modificações da reabsorção de água e Na+. Essas
interferências no funcionamento renal são produzidas principalmente por descargas do sistema nervoso autônomo e por
ativação hormonal envolvendo por exemplo o sistema reninaangiotensina-aldosterona, o peptídeo atrial natriurético (ANP)
e os peptídeos neuro-hipofisários (vasopressina e ocitocina).
Secundariamente, a secreção local de substâncias que atuam
de forma autócrina e/ou parácrina podem modular o tônus vascular renal e a resposta das células mesangiais. Entre essas
substâncias temos o vasoconstritor endotelina, vasodilatadores como acetilcolina, bradicinina, ATP ou histamina, que induzem a síntese de óxido nítrico, e agentes vasoconstritores
ou vasodilatadores derivados do metabolismo do ácido araquidônico. Os efeitos sobre o tônus vascular podem provocar
uma redistribuição do fluxo sangüíneo intra-renal, provocando um maior aporte de sangue para os néfrons justamedulares, cuja capacidade de reabsorção de NaCl e água é maior
que a dos néfrons superficiais e médio-corticais.
Sistema renina-angiotensinaaldosterona
O sistema renina-angiotensina-aldosterona é um dos mais
importantes sistemas hormonais envolvidos no controle do
equilíbrio hidroeletrolítico. A angiotensina II (ANG II), o prin-
cipal peptídeo formado pela ativação do sistema renina-angiotensina, apresenta diversas funções fisiológicas, dentre as
quais pode-se destacar regulação da pressão arterial, controle
da excreção de Na+ e ingestão de água e sódio. Perifericamente a ANG II exerce suas ações produzindo vasoconstrição de
arteríolas em diferentes leitos, incluindo os rins, estimulando
a secreção de aldosterona ou atuando diretamente sobre os
túbulos renais promovendo a conservação do Na+ (figura 1).
A ANG II também atua em algumas áreas do cérebro controlando e promovendo a secreção de vasopressina e a ingestão
de água e sódio, além da ativação simpática. Em adição à ANG
II, o esteróide aldosterona também tem papel fundamental no
controle corporal de Na+, atuando tanto perifericamente sobre
a reabsorção tubular renal de Na+ e água como em receptores
no sistema nervoso central, especialmente em estruturas límbicas, como o núcleo medial da amígdala estimulando a ingestão de sódio1, 2, 3.
A ANG II, além de ser produzida na corrente sangüínea, também pode ser produzida em diferentes locais, como
o sistema nervoso central, onde pode atuar como neurotransmissor. O primeiro passo, e etapa principal para regular a produção da ANG II, é a liberação da enzima renina,
que perifericamente é produzida pelas células justaglomerulares (ver figura 1). A renina liberada na corrente sangüínea atua sobre o angiotensinogênio plasmático, uma proteína sintetizada principalmente no fígado. Ao atuar sobre
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o angiotensinogênio, a renina leva à produção de angiotensina I, um decapeptídeo praticamente inativo, que por sua
vez sofrerá a ação da enzima conversora de angiotensina
(ECA), levando à formação do octapeptídeo angiotensina
II, responsável por inúmeras respostas fisiológicas. A ECA,
uma enzima presente nas porções externas das membranas
celulares, pode ser encontrada em diferentes tecidos, mas
principalmente nos pulmões, rins e intestino3.
A renina é produzida pelo aparelho justaglomerular, que
é constituído pela mácula densa, formada por células do túbulo distal que detectariam a quantidade de Na+ presente no líquido tubular e por células da parede da arteríola aferente renal localizadas próximas do glomérulo (células justaglomerulares) e que se constituem no principal local de síntese e armazenamento de grânulos dessa enzima. A liberação de renina e, portanto, a atividade do sistema renina-angiotensina circulante, é controlada por diferentes fatores, conforme mostra
a figura 1. Entre os principais fatores que estimulam a liberação de renina encontram-se:
n queda da pressão de perfusão renal, que é detectada
por pressorreceptores presentes na arteríola aferente;
n redução do Na+ tubular, percebido pelas células da
mácula densa;
n aumento da descarga simpática (ativação de receptores β1-adrenérgicos) em decorrência de redução da
pressão arterial em geral relacionada a uma diminuição do volume do líquido extracelular3.
Em menor intensidade, a liberação de renina pode ser
aumentada por fatores tais como a redução de cálcio nas células justaglomerulares e prostaglandinas. Outros fatores, como
ANP e endotelina, podem reduzir a liberação de renina.
A ANG II tem um importante papel para a retenção de
Na+ e que consiste em uma ação direta nos rins aumentando a
reabsorção tubular de Na+ e em uma ação indireta estimulando a produção e liberação de aldosterona pelo córtex suprarenal. Simultaneamente a suas ações renais, a ANG II pode
produzir diversos outros efeitos, com o objetivo de corrigir a
curto prazo uma eventual queda da pressão arterial e também,
juntamente com o efeito renal, de propiciar a recuperação da
volemia. Entre esses efeitos destaca-se uma atividade
constritora direta sobre os vasos sangüíneos e uma ação indireta por meio da ativação simpática. A ativação simpática, assim como a ingestão de água e sódio e o aumento da secreção
de vasopressina e de hormônio adrenocorticotrófico, depende
da atuação da ANG II em áreas cerebrais livres de barreira
hematoencefálica e que permitem o acesso do peptídeo circulante aos receptores (principalmente dos tipos AT1 e AT2) localizados centralmente (figura 1).
A ligação da ANG II a seus receptores na membrana celular altera a atividade da proteína G, levando à ativação da
enzima fosfolipase C, que promove a formação de trifosfato
de inositol e diacilglicerol, que levam à liberação de Ca++ de
seus estoques intracelulares e à conseqüente ativação da pro-
48
HIPERTENSÃO
teinoquinase C, resultando em contração no caso do músculo
liso e em produção e secreção de aldosterona nas células da
zona glomerulosa do córtex da supra-renal, um mineralocorticóide que atua estimulando a reabsorção de sódio e a secreção de potássio nos túbulos renais3.
A ANG II circulante ou a produzida no próprio rim
pode ter diversos efeitos diretos sobre a função renal, promovendo vasoconstrição de arteríolas renais, aumento da
reabsorção tubular de Na +, contração da célula mesangial,
entre outras ações. A vasoconstrição das arteríolas renais
por ação da ANG II leva a uma significativa redução do
fluxo plasmático renal, mas com pequena diminuição da
filtração glomerular, uma vez que o efeito vasoconstritor
da ANG II é maior na arteríola eferente do que na arteríola
aferente do glomérulo, aumentando assim a pressão efetiva
de filtração. O resultado da ação da ANG II sobre as arteríolas glomerulares é um aumento da fração de filtração.
Mas a ANG II pode promover também a contração das células mesangiais, levando a uma redução da f iltração
glomerular, porque essas células são adjacentes aos capilares glomerulares e sua contração pode afetar tanto a resistência vascular como a área de superfície capilar disponível para a filtração. Ao modificar a filtração glomerular, a
ANG II pode afetar também a reabsorção no túbulo proximal: um aumento da fração de filtração provoca aumento
da pressão oncótica e redução do fluxo sangüíneo no capilar pós-glomerular, levando a alteração do diâmetro tubular e da área disponível para a reabsorção de fluido isotônico
no túbulo proximal, reduzindo, dessa forma, a excreção de
Na+. Ainda, uma ação direta da ANG II sobre as células do
túbulo proximal promovendo aumento da reabsorção de Na+
por ativação do trocador Na +/H+ também colabora para a
redução da excreção desse íon3.
O mecanismo indireto de ação renal da ANG II envolve a
produção e secreção de aldosterona, que promove a reabsorção de NaCl e água. A aldosterona atua em células principais
do túbulo distal final e duto coletor cortical e medular, ligando-se em receptor intracelular tipo I, formando um complexo
receptor–aldosterona, que no núcleo da célula influencia a
transcrição do DNA, levando à síntese de RNA mensageiro
relacionado à produção de proteínas envolvidas especialmente com a reabsorção de Na+. O mecanismo ativado consiste
em aumentar o número e o tempo de abertura dos canais de
Na+ da membrana luminal por onde o Na+ difunde-se passivamente para o interior celular. Simultaneamente a aldosterona
também promove a síntese e a ativação de bombas de Na+/K+
que transferem o Na+ do citoplasma para o lado peritubular. A
aldosterona promove aumento da ordem de 2% a 3% da
reabsorção da enorme quantidade de Na+ filtrado e, ao estimular a reabsorção de Na+, a aldosterona estimula a reabsorção
de cloreto e água e facilita a secreção de K+ e H+ pelos rins3.
Peptídeo natriurético atrial
Evidências da influência atrial sobre a excreção urinária inicialmente foram observadas com estudos que mos-
traram que a distensão de um balão atrial produzia diurese.
Posteriormente, sugeriu-se que esse mecanismo tinha natureza hormonal e que existiam grânulos de secreção em
miócitos atriais que poderiam estar envolvidos no controle
do equilíbrio hidroeletrolítico, até que de Bold e cols., em
1981, demonstraram o efeito natriurético de extratos atriais
e determinaram a estrutura do peptídeo natriurético atrial
(ANP). O ANP compõe-se de 28 aminoácidos e, juntamente com o BNP (peptídeo natriurético cerebral), o CNP (peptídeo natriurético tipo C) e a urodilatina, constitui uma família de peptídeos natriuréticos que agem nas membranas
celulares em três tipos de receptores (NPR-A, NPR-B e
NPR-C). Os receptores NPR-A e NPR-B ativam a guanilatociclase gerando GMPc, enquanto os receptores NPR-C têm
a função de um receptor de “clearance” ligando os peptídeos. Da família de peptídeos natriuréticos, o ANP é o mais
conhecido e sua ação natriurética deve-se a um efeito geral
sobre a função renal pelo aumento da taxa de filtração glomerular (vasodilatação da arteríola aferente), além de o ANP
promover inibição da reabsorção de Na+ na porção medular
do duto coletor. O peptídeo urodilatina, sintetizado no
túbulo distal e duto coletor, age paracrinamente inibindo a
reabsorção de NaCl e água nesses segmentos do néfron4.
A estimulação colinérgica central (com injeções de carbacol) induz natriurese, caliurese e antidiurese. Essas respostas ocorrem em seguida a um aumento do ANP no plasma e em algumas estruturas centrais, especialmente no hipotálamo e na hipófise. Embora a quantidade de ANP central não seja suficiente para aumentar significativamente o
ANP plasmático e, portanto, produzir efeitos renais, existe
a sugestão de que o ANP central pode ser importante para a
liberação de ANP atrial. O bloqueio de receptores colinérgicos muscarínicos ou adrenérgicos a centrais reduz a liberação de ANP produzida pela expansão de volume, o que
sugere que a liberação de ANP poderia ser controlada por
mecanismos reflexos envolvendo receptores de volume e
ativação de áreas cerebrais, como núcleo do trato solitário,
locus ceruleus, nucleus da rafe e região periventricular
anteroventral do terceiro ventrículo (AV3V). A ativação
neural, estimulando a liberação de ANP no hipotálamo, induziria a liberação de ocitocina (OT), para a circulação,
que agiria nos átrios estimulando a secreção de ANP. A ativação de eferentes neurais para o coração, assim como alguns peptídeos, como vasopressina, α-MSH (hormônio melanócito-estimulante) e endotelina – que também são liberados em algumas situações de expansão de volume –, também poderiam colaborar para o aumento da liberação de
ANP atrial. A OT também poderia atuar diretamente nos
rins produzindo natriurese em decorrência do fechamento
de canais de Na+ na membrana luminal das células tubulares4.
Tanto a OT como o ANP estimulam a produção de GMPc
nos túbulos renais, mas apresentam algumas diferenças em
relação aos mecanismos envolvidos; ou seja, enquanto o ANP
age em receptores de membrana que ativam diretamente a
guanilato-ciclase, a OT atua em receptores que promovem aumento de Ca++ intracelular, levando à produção de óxido nítrico, que, por sua vez, ativa a guanilato-ciclase4.
Mecanismos neurais
As primeiras evidências de que o sistema nervoso regula
a função renal se devem aos trabalhos de Claude Bernard realizados há aproximadamente 150 anos, quando se observou
uma diurese ipsilateral à secção do nervo esplâncnico maior
em um cão anestesiado, e uma reversão da diurese após a estimulação elétrica da porção periférica do nervo esplâncnico
seccionado (Bernard, 1859, apud Koop e Dibona5). Essas observações foram depois confirmadas e estendidas por outros pesquisadores que mostraram que, além da diurese, os animais
com os rins desnervados também apresentavam natriurese.
Os rins são inervados extensa e exclusivamente pelo sistema nervoso simpático, que inerva as arteríolas aferente e
eferente, o aparelho justaglomerular, os túbulos proximal e
distal e o ramo ascendente da alça de Henle5,6. A ativação simpática renal por meio de receptores adrenérgicos α (preferencialmente α1) promove uma diminuição do fluxo sangüíneo
renal em conseqüência de sua ação vasoconstritora sobre as
arteríolas aferente e eferente. A ativação de receptores adrenérgicos β1 do aparelho justaglomerular estimula a secreção
de renina; a de receptores adrenérgicos α1b situados na membrana basal peritubular ao longo do néfron aumenta a reabsorção de sódio6.
Os efeitos das descargas simpáticas sobre cada um desses mecanismos podem ser seletivos, conforme mostrado
quando se varia a freqüência com que os nervos renais são
estimulados. A estimulação inicial em baixa freqüência provoca secreção de renina, seguindo-se aumento na reabsorção de Na+ e, em freqüências mais elevadas, diminuição do
fluxo sangüíneo renal5,6. Há divergências sobre os mecanismos segundo os quais isso seria produzido. Uma possibilidade seria um mesmo neurônio pós-ganglionar ativar
os diferentes efetores intra-renais, mas cada um dos efetores
teria um limiar diferente para produzir resposta. Outra seria os efetores intrar-renais serem inervados por diferentes
neurônios pós-ganglionares, que teriam características de
descarga específicas para cada efetor 6.
A participação dos eferentes simpáticos renais no controle da excreção de Na+ pode ser facilmente demonstrada em
situações experimentais em que ocorre a ativação de aferências cardiovasculares, como os receptores cardiopulmonares,
e dos aferentes dos osmorreceptores hepáticos que promovem
redução da atividade eferente simpática renal (AESR). Por
exemplo, a expansão de volume promove em ratos e cães uma
redução da AESR acompanhada de natriurese devido à ativação dos receptores cardiopulmonares5, 7. A imersão em água,
que é uma manobra que causa um aumento da pressão venosa
central e conseqüente estimulação dos receptores cardiopulmonares, também promove diurese e natriurese em cães devido a uma diminuição da AESR8. Em coelhos, foi observado
que a leve expansão de volume e o aumento da osmolaridade
plasmática produzidos pela infusão de salina hipertônica ativa receptores cardiopulmonares e osmorreceptores hepáticos
que, utilizando-se de aferências vagais, levam também a redução da AESR e natriurese9.
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Mecanismos centrais
Diferentes áreas hipotalâmicas e a área septal participam
de um circuito cerebral envolvido com o controle da excreção
renal de Na+, K+ e água. A estimulação colinérgica ou adrenérgica dessas áreas aumenta a excreção renal de Na+ e K+,
além de produzir antidiurese. Um possível mecanismo para os
efeitos da estimulação central envolveria a liberação de ANP
e vasopressina (ver item anterior). Uma área central essencial
para os efeitos da estimulação colinérgica central e também
para a liberação de ANP é a região AV3V, cuja lesão abole a
natriurese, a caliurese e liberação de ANP produzida pela estimulação colinérgica central ou por outros protocolos experimentais4,10,11.
Osmorreceptores natriuréticos, talvez os mesmos que participam da sede, estão presentes em órgãos circunventriculares prosencefálicos, como o órgão vasculoso da lâmina terminal e o órgão subfornicial12. Nessas estruturas, neurônios com
localização definida respondem à hiperosmolaridade aumen-
tando a transcrição de genes de expressão imediata como c-fos,
mas não foi demonstrado ainda se esses neurônios são osmorreceptores. Candidatos a mediar a natriurese por ativação central incluem ANP, vasopressina e OT. A vasopressina e a OT
são liberadas por hiperosmolaridade e são natriuréticas em
várias espécies4.
Efeitos opostos na excreção renal de Na+ podem ocorrer em situações semelhantes, mas que talvez envolvam
funções diferentes para a manutenção do balanço hidrossalino. Na privação hídrica, por exemplo, a excreção renal de
eletrólitos e a inibição da fome contribuem para atenuar a
hiperosmolaridade extracelular e a conseqüente desidratação celular4,12,13. Natriurese pós-prandial por mecanismos
associados a hormônios também é importante em animais
e humanos, atenuando uma hipertonicidade induzida pela
absorção de solutos osmoticamente ativos14. Por outro lado,
antinatriurese ocorre diante de hipernatremia e desidratação durante o exercício físico ou elevação passiva na temperatura corporal, situações em que talvez seja mais urgente a regulação do volume extracelular 15.
Referências bibliográficas
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or exercise-induced dehydration on renal water and electrolyte
excretion: the hormonal involvement. Eur J Appl Physiol, v.
85, p. 250–258, 2001.
MÓDULO
TEMÁTICO
Sal e hipertensão arterial
Aspectos fisiopatológicos
Autor:
Joel C. Heimann
Professor Associado, Departamento de Clínica
Médica, Disciplina de Nefrologia, Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo
O consumo de sal (cloreto de sódio – NaCl) na dieta está
associado de maneira direta com a pressão arterial e com complicações cardiovasculares. Por outro lado, numerosas evidências indicam que a restrição no consumo de sal reduz a morbimortalidade cardiovascular tanto em indivíduos portadores de
hipertensão arterial quanto em pessoas sadias. Visando a expor de maneira organizada os conhecimentos sobre essa
temática, algumas questões e suas respectivas respostas serão
comentadas a seguir.
Endereço para correspondência:
Avenida Doutor Arnaldo, 455 – sala 3.342
01246-903 – São Paulo – SP
E-mail: [email protected]
Sobrecarga e restrição de sal,
respectivamente, aumentam e diminuem
a pressão arterial?
Os estudos sobre o efeito do consumo de sal na pressão
arterial contam-se aos milhares, o que dificulta bastante uma
análise do assunto. Alguns poucos autores realizaram metaanálises, o que facilita a compreensão, devendo-se, no entanto, considerar as limitações dessa técnica de abordagem. MR
Law et al.1 mostraram que há uma correlação linear e direta
entre pressão arterial sistólica e diastólica e consumo de sal.
Um aspecto interessante revelado nesse estudo é que o efeito
do sal sobre a pressão arterial é amplificado pela idade e pela
pressão arterial basal. Em outras palavras, sal aumenta mais a
pressão arterial em idosos e portadores de hipertensão arterial. O desenvolvimento econômico também influencia o efeito do sal sobre a pressão arterial. Em populações economicamente não-desenvolvidas, esse efeito é atenuado quando comparado ao que é verificado em populações economicamente
desenvolvidas. Um outro estudo mais recente e que merece
comentários foi publicado por FJ He e GA MacGregor2 em
outubro de 2003. Estes autores fizeram uma meta-análise das
avaliações do efeito de redução no consumo de sal sobre a
pressão arterial. Os resultados revelaram que a queda da pressão arterial é tanto maior quanto maior for a redução no conteúdo de sal na dieta. Um aspecto que merece destaque são os
comentários dos autores com relação às recomendações de
redução no consumo de sal na dieta nos diversos documentos
produzidos por organizações nacionais de vários países e pela
Organização Mundial da Saúde. Tais recomendações são, em
sua maioria, mais fundamentadas em critérios de suposta factibilidade do que em critérios de máxima eficácia. São
priorizadas ações julgadas possíveis de serem realizadas, em
detrimento de ações que podem produzir um efeito terapêutico máximo. Nessa citada meta-análise verificou-se que a redução de 3 g no consumo de sal diminui 3,6 a 5,6/1,9 a 3,2
mmHg na pressão sistólica e diastólica respectivamente, em
portadores de hipertensão, e 1,8 a 3,5/0,8 a 1,8 mmHg em
indivíduos normotensos. Com redução de 6 g e 9 g no consumo de sal, o efeito hipotensor duplica e triplica respectivamente.
A grande maioria, mas não todos os estudos mostram que
excesso de sal aumenta a pressão arterial. Uma explicação para
os resultados discordantes é o fenômeno do erro de diluição
da regressão (em inglês, “regression dilution bias”). O conhecimento desse fenômeno é importante para prover os leitores
de ferramentas que os capacitem para a interpretação crítica
Volume 7 / Número 2 / 2004
51
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de estudos de associação entre duas variáveis cujos valores
oscilam ao longo do tempo, como, por exemplo, a pressão arterial e o consumo de sal. A pressão arterial oscila ao longo do
ciclo cardíaco, com os movimentos respiratórios, entre sono e
vigília, com a temperatura ambiente, em resposta a estímulos
diversos etc. O consumo de sal também não é constante. As
pessoas variam o consumo de nutrientes entre refeições, de
um dia para outro, entre dias úteis e finais de semana e feriados etc. Em decorrência da variabilidade da pressão arterial e
do consumo de sal, medidas isoladas provavelmente não representam a realidade média dos indivíduos avaliados, o que
pode atenuar a inclinação da reta de regressão entre as variáveis consideradas. Existem duas soluções para contornar esse
problema. Múltiplas medidas é uma delas e comparação entre
grupos é a outra. A média de múltiplas medidas é mais representativa de um fenômeno pelo fato de que erros em direções
opostas se anulam. Da mesma forma, o valor médio de um
grupo está mais próximo da realidade, também pelo fato de
que erros em direções opostas de medidas feitas nos componentes individuais do grupo se anulam mutuamente.
Conhecidas as limitações dos métodos usados para verificação do efeito do sal sobre a pressão arterial e a enorme
quantidade de estudos indicando que excesso de sal aumenta
a pressão arterial e restrição de sal tem efeito oposto, a resposta à questão retro formulada é, sem dúvida, afirmativa. Até
onde vai o nosso conhecimento, não há pesquisadores que se
posicionam contrariamente ao efeito hipertensor do sal e
hipotensor da ausência deste.
Existem indivíduos sensíveis e indivíduos
resistentes ao efeito hipertensor do
consumo elevado de sal na dieta?
A resposta à primeira questão foi que a sobrecarga e a
restrição de sal estão, respectivamente, associadas a aumento
e redução da pressão arterial. Um aspecto que necessita comentários adicionais é se a resposta da pressão arterial ao consumo de sal é uniforme entre os indivíduos ou se há aqueles
que são resistentes e outros que são sensíveis ao sal. Aqueles
que discordam da redução universal no consumo de sal usam
com freqüência o argumento de que há indivíduos normo e
hipertensos que são resistentes ao sal. Estes resistentes ao sal
não se beneficiariam com redução no consumo de sal.
A medida da sensibilidade ao sal em seres humanos é
realizada com a aplicação de testes de curta duração em um
determinado momento, tanto em pessoas sadias quanto naqueles que são portadores de hipertensão arterial. Os testes
utilizados para quantificar o fenômeno da sensibilidade ao sal
não são uniformes, variando de estudo para estudo (tabela 1).
Os critérios de classificação variam entre autores, podendo os
indivíduos serem classificados como resistentes ao sal por uns
e sensíveis por outros. Não há estudos suficientes que permitam afirmar que os diferentes métodos utilizados têm respostas semelhantes. Um aspecto adicional é se a classificação
decorrente da aplicação desses testes é variável ou constante
ao longo do tempo. Em um estudo realizado em nosso Servi-
52
HIPERTENSÃO
ço3, verificou-se que há uma correlação entre sensibilidade ao
sal e controle da pressão arterial em hipertensos observados
durante dois anos. Quanto melhor foi o controle da pressão
arterial, maior foi a redução na sensibilidade ao sal. Esses resultados favorecem a noção de que sensibilidade ao sal não é
uma característica fixa, mas variável ao longo do tempo. Uma
conjetura que necessita ser confirmada ou não é se a sensibilidade ao sal é uma característica que varia com a evolução da
doença hipertensiva ou com a idade em normotensos. Talvez
os mesmos indivíduos sejam sensíveis em determinado momento e resistentes em outro. Concluindo, não há conhecimento suficiente que permita afirmar que existem indivíduos
normo ou hipertensos que não se beneficiam da redução no
consumo de sal na dieta.
A restrição no consumo de sal
reduz a morbi-mortalidade
decorrente de hipertensão arterial?
Esta questão é relevante, uma vez que o efeito hipotensor
da restrição de sal não permite concluir favoravelmente quanto a um possível benefício em relação à morbi-mortalidade
decorrente da hipertensão. Sabe-se que a hipertensão arterial
é um dos fatores de risco cardiovascular mais prevalentes na
população humana. Sabe-se também que, quanto maior é a
pressão arterial, maior é a incidência de complicações cardiovasculares. Portanto, é lógico o raciocínio de que, reduzindose a pressão arterial, o risco de ocorrerem complicações também diminui. No entanto, a lógica desse raciocínio deve ser
comprovada por meio de estudos adequados para comprovação ou não da conseqüência sobre a morbi-mortalidade do efeito terapêutico hipotensor da redução no consumo de sal. No
caso da restrição de sal na dieta, deve ser lembrado que existem efeitos colaterais, como os observados em qualquer tratamento. Entre os efeitos colaterais associados ao consumo de
dieta hipossódica destacam-se uma ativação do sistema renina-angiotensina circulante, uma ativação do sistema nervoso
simpático, uma redução na sensibilidade à insulina4, um incremento nos triacilgliceróis circulantes5, entre outros. É possível que tais efeitos colaterais possam anular ou atenuar os
efeitos benéficos da redução na pressão arterial. Para responder à questão formulada, há a necessidade de estudos randomizados, prospectivos, visando a avaliar a incidência de complicações cardiovasculares em resposta à restrição de sal. Um
primeiro estudo com essas características foi publicado em
1995 por Alderman et al. Surpreendentemente, esse estudo
mostrou que o grupo de portadores de hipertensão que consumiram menos sal na dieta teve maior incidência de eventos
cardiovasculares após três anos e meio de observação. Em
1998, o mesmo grupo publicou estudo semelhante em amostra da população geral observada durante 17 a 21 anos. Nesse
estudo, foi observado resultado semelhante ao primeiro. Diversos estudos similares foram realizados desde então. O interessante é que esses estudos mostraram resultados opostos
aos descritos por Alderman et al. Um resumo dos estudos de
morbi-mortalidade e restrição de sal na dieta estão na tabela 2.
TABELA 1
SENSIBILIDADE AO SAL: MÉTODOS E CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
Autor
Protocolo
Indivíduos
Critérios
Prevalência
NT
HT
HT
∆PAM > 10%
Ad libitum (1 dia), 10 mEq Na (4 dias),
Ad libitum (2 dias), 200 mEq Na (4 dias)
NT e HT
∆PAM > 5%
Fujita, 1980
9 mEq Na (7 dias), 249 mEq Na (7 dias),
9 mEq Na (4 dias)
HT
∆PAM > 10%
50%
Takeshita, 1982
70 mEq Na (7 dias),
345 mEq Na (7 dias)
HT
∆PAM > 10%
47%
Koomans, 1982
20–40 mEq Na, 500 mEq/100ml
de Clcr (até entrar em balanço)
IRC
∆PAM*
Campese, 1982
10 mEq Na (7 dias), 100 mEq Na (7 dias),
200 mEq Na (7 dias) – ordem randomizada
HT
∆PAM > 10%
Ishii, 1983
6 g NaCl (2 dias),
15 g NaCl (5 dias)
NT e HT
∆PAM*
Koolen, 1983
50 mEq Na (14 dias),
300 mEq Na (14 dias) – ordem randomizada
HT
∆PAM > 10 mmHg
Fujita, 1984
Ad libitum, mefrusida 25 mg/dia (7 dias),
180 mEq Na (7 dias)
NT e HT
∆PAM*
Weinberger, 1986
2 l de SF (4 horas),
10 mEq Na, 40 mg furosemida 2x/dia
NT e HT
∆↓PAM > 10 mmHg
Dustan and Kirk, 1988
1) 150 mEq Na (3 dias), 9 mEq Na, 1 mg/kg
furosemida (4 dias), 25 ml/kg SF (3 dias)
2) 150 mg Na (3 dias), 25 ml/kg SF (3 dias),
9 mEq Na 1 mg/kg furosemida (4 dias)
NT e HT
∆PAM*
Kawasaki, 1978
109 mEq Na (7 dias),
240 mEq Na (7 dias)
Sullivan, 1980
Sowers, 1988
40 mEq Na (14 dias),
180 mEq Na (14 dias)
NT e HT (negros)
∆PAM > 5% ou ∆PAS > 10%
Rocchini, 1989
250 mEq Na (14 dias),
30 mEq Na (14 dias)
NT e obesos
∆PAM*
Oshima, 1989
3 g NaCl (7 dias),
20 mEq Na (7 dias)
HT
∆PAM*
Sharma, 1989
220 mEq Na (7 dias),
20 mEq Na (7 dias)
NT
∆PAM > 3 mmHg
Umeda, 1989
34 mEq Na (8 dias),
340 mEq Na (8 dias)
HT
∆PAM > 10%
Dichtchekenian, 1992
Ad libitum (7 dias), 28 mEq Na (7 dias),
206 mEq Na (7 dias)
HT
∆PAM*
50%
15%
29%
60%
32%
26%
51%
46%
HT = hipertensos, NT = normotensos, PAM = pressão arterial média, SF = soro fisiológico, * = sem limite numérico, ∆ = variação,
Fonte: http://www.who.int/hpr/NPH/docs/who_fao_expert_report.pdf> Diet, Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases – WHO Technical Report Series 916
Comentários finais
n Restrição no consumo de sal reduz a pressão arterial
tanto em normo quanto em hipertensos.
n A restrição no consumo de sal diminui a morbi-mortalidade também em normo e hipertensos.
n A vantagem da restrição no consumo de sal é que os
problemas de falta de adesão ao tratamento podem ser
contornados pela implantação compulsória dessa te-
rapêutica, reduzindo-se o conteúdo de sal nos alimentos industrializados. Uma política nesse sentido é altamente desejável. Há que se tomar os devidos cuidados para manter a oferta de iodo aos seres humanos.
n Os estudos de relação custo–benefício relacionados à
restrição no consumo de sal não indicam nenhum custo
adicional relacionado à comercialização de produtos
com teor reduzido de sal6.
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53
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TABELA 2
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EFEITO DA RESTRIÇÃO NO CONSUMO DE SAL SOBRE A MORBI-MORTALIDADE
Métodos de
medida do consumo
de sal
PA (mmHg)
Critério de
hipertensão
Correção para
outros
fatores de risco
Incidência de IM,
AVC e doença
cardiovascular
Coleta única de excreção
urinária de 24 horas
160/90
Idade, raça, sexo, fumo,
história de doença
cardiovascular,
colesterol sérico
População geral
(16% de
hipertensos)
(n = 11.346)
Mortalidade geral
e cardiovascular
Recordatório nutricional
único
160/90
Idade, sexo, raça, IMC,
história cardiovascular
e de hipertensão
17 a 21
anos
População geral
(n=9585)
Incidência de
mortalidade por
doença cardiovascular
Recordatório nutricional
único e questionado se
usava sempre sal à mesa
160/95
Sexo, idade, raça, IMC,
atividade física, hipertensão,
consumo de álcool, fumo,
colesterol sérico, história
de doença cardiovascular
4 anos
Hipertensos,
idade média =
55 anos
(n = 844)
Variação na massa
ventricular esquerda
Duas coletas noturnas
consecutivas iniciais e a
cada seis meses.
Recordatório nutricional
a cada seis meses
Nãoinformado
Idade, sexo, raça, IMC,
consumo de álcool, fumo,
atividade física, história de
hipertensão, colesterol
sérico, história e evidências
clínicas de doença
cardiovascular
8 a 13
anos
População geral
(n = 2.436),
idade = 25 a
64 anos
Incidência de
mortalidade por
doença cardiovascular
e mortalidade geral
Excreção urinária
de 24 horas
Nãoinformado
Idade, sexo, colesterol
sérico, pressão arterial,
fumo, IMC
Hipertensos
tratados (n = 975),
idade = 60 a
80 anos, idade
média = 66,5 anos
Pressão arterial,
eventos
cardiovasculares
Excreção urinária
de 24 horas e
recordatório nutricional
140/90
Idade, IMC, sexo, raça,
fumo, consumo de álcool,
história de doença
cardiovascular
População geral,
(n > 5.000),
idade = 48 a
56 anos
Pressão arterial,
mortalidade por
AVC e cardiopatia
isquêmica
Excreção urinária
de 24 horas
Nãoinformado
Idade, sexo, IMC,
colesterol sérico
Tipo
Duração
Participantes
Evento final
Alderman et al.
(1995)
Prospectivo
3,5 anos
Hipertensos
(n = 2.937)
Alderman et al.
(1998)
Prospectivo
17 a 21
anos
He et al.
(1999)
Prospectivo
Randomizado
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○
○
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Estudo
Liebson et al.
(1995)
Tuomilehto et al. Prospectivo
(2001)
Whelton et al.
(1998)
Yamori et al.
Randomizado 15 a 36
meses
Transversal
Nãoinformado
IMC = índice de massa corpórea
fonte: http://www.who.int/hpr/NPH/docs/who_fao_expert_report.pdf> Diet, Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases – WHO Technical Report Series 916.
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LÍNICO
○
C
ASO
Discussão de
caso clínico
Comentários:
Dr. Luiz Aparecido Bortolotto
Médico-Assistente Doutor da
Unidade de Hipertensão do
Instituto do Coração (InCor) do
Hospital das Clínicas da FMUSP
Dr. Dante Marcelo Artigas
Giorgi*
Médico-Assistente Doutor da
Unidade de Hipertensão do
Instituto do Coração (InCor) do
Hospital das Clínicas da FMUSP
C. A. B., 42 anos, negro, casado,
natural de Franca, SP. Paciente com hipertensão arterial sistêmica diagnosticada há dois anos por ter apresentado
sintomas de tonturas, escurecimento
visual e cansaço aos grandes esforços.
Não fez tratamento regular e, há um
ano, passou a apresentar piora do cansaço, evoluindo para dispnéia a médios e
pequenos esforços, sendo que há quatro meses vem apresentando episódios
de dispnéia paroxística noturna e edema vespertino de MMII. Queixava-se,
ainda, de dor precordial, em aperto, desencadeada por esforços e com melhora ao repouso. Há dois meses foi submetido a cineangiocoronariografia que
mostrou irregularidades difusas em
coronárias, sem lesões obstrutivas, e
ventrículo esquerdo hipertrófico, com
boa contratilidade, porém com elevação da Pd2 do VE (18 mmHg). Há três
meses, está em usando regularmente
hidroclorotiazida 50 mg e enalapril 40
mg/dia sem controle adequado da pressão arterial, mas com melhora do sintoma de dor precordial.
Hábitos: ex-etilista (parou há cinco meses) de destilados e cervejas; extabagista (parou há nove meses) com 30
maços/ano.
*Endereço para correspondência:
InCor – Unidade de Hipertensão
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44
05403-000 – São Paulo – SP
Antecedentes familiares: pai falecido com 58 anos por cardiopatia e hipertensão arterial; mãe portadora de insuficiência renal crônica, em hemodiálise, por hipertensão arterial; um irmão
falecido por insuficiência renal crônica
com 45 anos de idade.
Interrogatório geral
Nega emagrecimento; refere pirose,
já tendo feito tratamento de úlcera péptica; nega alterações urinárias e neurológicas.
n Exame físico:
•
BEG, corado, hidratado,
eupneico, acianótico, sem
edemas, decúbito indiferente, anictérico;
•
Peso: 102 kg;
•
Altura: 171 cm;
•
IMC: 34,6 kg/m2;
•
Cintura: 118 cm;
•
Quadril: 111 cm.
n Pressão arterial:
•
MSD deitado:
212/144 mmHg;
•
MSE deitado:
218/142 mmHg;
•
MIE deitado:
230/? mmHg;
•
MSD em pé:
208/140 mmHg.
n Freqüência cardíaca:
•
64 bpm, regular.
Volume 7 / Número 2 / 2004
55
n Fundo de olho:
•
estreitamento arteriolar difuso, com presença de cruzamentos AV patológicos; sem
hemorragias ou exsudatos.
•
Potássio: 3,7 mEq/L;
•
Renina: 0,8 ng/ml/h,
•
Glicose: 112 mg/dL;
•
Aldosterona 10 ng/ml,
•
Colesterol: 223 mg/dL;
•
T4 livre e TSH normais.
•
Urina tipo I – densidade: 1.016,
proteína: 0,39 g/l, glicose:
ausente, hemoglobina livre:
ausente, leucócitos: 2.000/ml,
hemácias: 1.000/ml, cilindros
hialinos: 330/ml.
n Pulsos arteriais simétricos e palpáveis em todos os territórios.
n Pulmões:
•
MV+ bilateralmente, sem
ruídos adventícios.
n Coração:
•
íctus cordis não-visível, palpável difusamente no precórdio, tipo valvar;
•
Ausculta: bulhas rítmicas
em dois tempos;
•
B2 hiperfonética em foco
aórtico;
•
Sem sopros.
n Abdome:
•
•
Flácido, globoso e indolor à
palpação profunda;
Fígado não-palpável; baço
não-percutível;
Seguimento
O paciente recebeu orientação com
nutricionista para uso de 2–3 g de sal/
dia e dieta hipocalórica (1.500–1.800 cal/
dia). Foi medicado com hidroclorotiazida 25 mg/dia, espironolactona 25 mg/dia,
enalapril 40 mg/dia e metildopa 1 g/dia
(paciente referia intolerância ao uso de
betabloqueadores e antagonistas de cálcio), com solicitação de exames bioquímicos, ecocardiograma e cintilografia
renal com DTPA-99mTc.
Retorno após 60 dias
Persistia com dispnéia a médios esforços, tomando irregularmente a medicação, com pressão arterial de 184/102
mmHg e FC de 68 bpm rítmico.
•
Peso de 100,5 kg.
n Exames laboratoriais:
•
Sem sopros abdominais.
•
Glicose: 98 mg/dL,
•
Colesterol total: 192 mg/dL,
•
HDL-c: 40 mg/dL,
•
Triglicérides: 176 mg/dL,
n Membros:
•
sem edemas; boa perfusão
periférica.
n Exames laboratoriais:
56
•
Hemoglobina: 17,8 g%;
•
LDL-c: 117 mg/dL,
•
Hematócrito: 51%;
•
Potássio: 4,3 mEq/L,
•
Ácido úrico: 9,1 mg/dL;
•
Creatinina: 1,2 mg/dL,
•
Triglicérides: 292 mg/dL;
•
Sódio urinário:
212 mEq/24h,
•
Creatinina: 1,3 mg/dL;
•
•
Sódio: 137 mEq/L;
Potássio urinário:
35 mEq/24h,
HIPERTENSÃO
n Ecocardiograma:
•
septo: 18 mm, parede: 16 mm,
diâmetro diastólico: VE 51
mm, átrio esquerdo: 41 mm,
índice de massa de VE: 230
g/m2.
n Estudo renal dinâmico com
DTPA-99mTc:
•
fluxo sangüíneo simétrico,
sem anormalidades na fase
excretora.
Conduta
O paciente foi reorientado quanto
ao consumo de sal, aumentou-se a dose
de espironolactona para 100 mg/dia e
associou-se amlodipina 5 mg/dia, além
de AAS 100 mg/dia.
Discussão
Paciente com hipertensão arterial
primária, com história familiar importante para hipertensão arterial e insuficiência renal. Apesar da dificuldade de adesão ao tratamento, pode-se considerar o
paciente como resistente à tríplice terapia (diuréticos associados, enalapril e
metildopa). O paciente, apesar de orientado por nutricionista, manteve alta ingestão de sódio (cerca de 200 mEq/dia).
A hipervolemia é um importante componente da resistência aos agentes antihipertensivos, particularmente aos que
têm em seu mecanismo de ação o bloqueio do sistema renina-angiotensinaaldosterona (SRAA), pois, na presença
de hipervolemia, a atividade do SRAA
está reduzida (como em nosso paciente). A hipervolemia é observada com freqüência em pacientes que ingerem quantidades excessivas de sal ou que têm déficit de função renal e, por conseqüência, apresentam dificuldade em excretar
mesmo uma quantidade normal de sódio.
Nem sempre a hipervolemia é expressa
clinicamente pela presença de edema,
por isso o médico deve estar atento às
pequenas variações de peso que podem
indicar o acúmulo de volume extracelular. Nesses casos a restrição de sódio ou
o uso de doses apropriadas de diuréticos
tiazídicos ou de alça (quando houver
déficit de função renal) é a abordagem
adequada.
Abordagem do paciente
e esquemas terapêuticos
Deve ser lembrado que múltiplos fatores exógenos podem coexistir com uma
causa secundária de hipertensão arterial.
O tratamento da hipertensão resistente
inclui eliminação dos fatores exógenos
e o uso de máximas doses toleradas de
múltiplos agentes, incluindo um diurético de longa ação, além de realizar todas
as medidas necessárias para melhorar a
aderência do paciente ao tratamento. A
terapia mais efetiva prescrita pelos médicos mais cuidadosos irá controlar a
pressão arterial apenas se o paciente estiver motivado para tomar as medicações
prescritas e para realizar e manter um
estilo de vida mais saudável. A empatia
é um importante motivador e a motivação melhora quando os pacientes têm
experiências positivas e confiam em seus
médicos. Os médicos, por sua vez devem
levar em conta as diferenças culturais,
crenças e prévias experiências com o sistema de saúde para estabelecer uma boa
relação médico–paciente e atingir a melhor aderência e, conseqüentemente, o
melhor controle da pressão arterial.
Após identificar e corrigir as eventuais causas da resistência ao tratamento
anti-hipertensivo, e mesmo enquanto as
causas estão sendo identificadas, o tratamento farmacológico mais adequado
deve ser instituído. O uso de combinações lógicas e sinérgicas deve embasar o
tratamento inicial do hipertenso para atingir os níveis de pressão arterial alvo.
Como tem sido descrito, o controle ótimo de pressão arterial pode requerer o
uso de múltiplas drogas, principalmente
em populações especiais, como diabéticos e hipertensos com insuficiência renal. Se com associação de dois ou três
fármacos o controle não for atingido, sugere-se a combinação de bloqueadores de
canais de cálcio diidropiridínicos (amlodipina) e não-diidropiridínicos (verapamil, diltiazem), ou o uso de alfa e betabloqueadores (labetalol, carvedilol), ou
associação de antagonistas centrais (clonidina), ou mesmo a espironolactona, especialmente útil em pacientes com níveis
de aldosterona plasmática elevada. Um
estudo recente mostrou que espironolac-
tona adicionada à terapia tripla ou quádrupla em pacientes com hipertensão resistente foi segura e efetiva, havendo
redução significativa do número de drogas utilizadas. No entanto, esses achados
necessitam ser confirmados em estudos
com maior número de indivíduos. Em
casos muito resistentes a essas abordagens, vasodilatadores periféricos, incluindo o potente vasodilatador direto minoxidil (5 a 20 mg/dia) podem ser adicionados. Em um artigo publicado recentemente, os autores sugerem um tratamento de hipertensão resistente baseado em
valores hemodinâmicos obtidos através
da bioimpedância, com medidas indiretas do débito cardíaco e da resistência periférica. Assim, os ajustes da medicação
e o uso de diferentes classes são baseados nas medidas de débito cardíaco, resistência vascular sistêmica e na bioimpedância corpórea total. Apoiados nessa
abordagem hemodinâmica, os autores
conseguiram um controle muito melhor
dos pacientes com hipertensão resistente
do que daqueles sob cuidados de tratamento apenas especializado, mostrando
haver muitas vezes necessidade do uso
de doses mais elevadas de diuréticos. Os
autores atribuem a maior parte da resistência à terapêutica anti-hipertensiva a
um estado de hipervolemia relativa, por
consumo inadequado de sódio na dieta.
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hidrodinâmica dependente de
sobrecarga salina
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Felipe Costa Fuchs
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Flávio Danni Fuchs*
Unidade de Hipertensão Arterial, Serviço de
Cardiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo
A síndrome metabólica decorreria de disfunção endotelial e resistência à insulina, levando a obesidade, diabetes e
hipertensão arterial. Hipertensão tem patogenia diversa das
outras condições, pois decorre de resposta orgânica à sobrecarga de cloreto de sódio. O rim é o órgão responsável pela
manutenção da pressão arterial a longo prazo, dependendo
de sua capacidade emunctória de cloreto de sódio. Experimentos e observações epidemiológicas suportam a interpretação de que a predisposição familiar à hipertensão condiciona a resposta pressora de indivíduos à sobrecarga de cloreto de sódio.
A baixa efetividade de dietas hipossódicas se deve ao fato
de que no hipertenso estabelecido há hipertrofia arteriolar de
difícil reversibilidade. Adicionalmente, há muita dificuldade
de seguir dietas realmente hipossódicas.
Os demais componentes da síndrome metabólica explicam a ocorrência de hipertensão provavelmente pelo efeito
anabolizante e retentor de sódio exercido pela insulina e por
outros mecanismos associados à obesidade. O componente
central permanece sendo NaCl, desencadeante primário do
estado hidrodinâmico característico da hipertensão.
*Endereço para correspondência:
Serviço de Cardiologia – Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Rua Ramiro Barcelos, 2.350 – sala 2.061
90035-003 – Porto Alegre – RS
Telefax: (51) 2101-8420
E-mail: [email protected]
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HIPERTENSÃO
Nos últimos anos tem-se assistido à tentativa de enquadrar hipertensão arterial entre as manifestações da síndrome
metabólica. Por essa interpretação, disfunção endotelial e resistência à insulina estariam na gênese de obesidade, diabetes
e hipertensão arterial. O enquadramento dessas condições em
síndrome única encontra respaldo na observação de que muitas vezes elas coexistem. Os modelos experimentais, no entanto, não têm conseguido reproduzir a síndrome a partir de
alterações metabólicas comuns. Hipertensão arterial, em particular, é a manifestação que menos se associa, por patogenia,
às outras manifestações. O mais importante mecanismo fisiopatogênico da hipertensão arterial é exclusivo dela: a resposta
orgânica à sobrecarga de cloreto de sódio.
O conjunto de informações que sustenta essa afirmação é
muito vigoroso e inclui resultados de investigações em inúmeros
modelos de pesquisa. As pesquisas epidemiológicas com modelos ecológicos constituem ricos exemplos. Em época em que a
pesquisa brasileira em hipertensão arterial era incipiente, um dos
mais famosos antropólogos, Lowenstein, demonstrava que em
índios da tribo brasileira dos Mundurucus, aculturados e com o
hábito de adicionar sal à preparação e conservação dos alimentos, a pressão arterial aumentava com a idade. Nos Carajás, etnograficamente similares aos Mundurucus, mas não aculturados e
sem o hábito de adicionar sal aos alimentos, a pressão arterial
não aumentava com a idade1 (figura 1).
FIGURA 1
PRESSÃO ARTERIAL POR IDADE ENTRE MUNDURUCUS,
INDÍGENAS QUE ADICIONAVAM SAL À DIETA, E CARAJÁS,
QUE NÃO ADICIONAVAM SAL1
Pressão arterial (mmHg)
Autores:
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EPIDEMIOLOGIA
Hipertensão arterial: síndrome
Mundurucus
Carajás
140
120
100
80
60
25
35
45
55
Idade (anos)
65
FIGURA 2
ASSOCIAÇÃO ENTRE PREVALÊNCIA DE HAS E INGESTÃO DE NACL
EM DIFERENTES SOCIEDADES2
Ingestão de NaCl (g)
30
Japoneses
do Norte
Bantu (África)
20
Americanos
(Norte EUA)
Japoneses
do Sul
10
Ilhas Marshal
Esquimós (Alasca)
10
20
Prevalência de HAS
30
FIGURA 3
ASSOCIAÇÃO ENTRE PRESSÃO ARTERIAL E SÓDIO INGERIDO
(EM NÚMERO DE VEZES O NORMAL)
EM DIVERSAS CONDIÇÕES HIPERTENSIVAS3
FIGURA 4
PRESSÃO ARTERIAL EM RATOS NÃO-PREDISPOSTOS A
HIPERTENSÃO (N) QUE RECEBERAM OU DOARAM RINS PARA RATOS
PREDISPOSTOS GENETICAMENTE A HIPERTENSÃO (H)5
Em outras populações não-aculturadas e na
comparação entre a quantidade de sódio ingerida por populações e a prevalência de hipertensão arterial identificou-se a mesma associação2
(figura 2).
Modelos animais, como os ratos Dahl, SHR
e outros, reproduziram, em condições controladas, a indução de hipertensão arterial por sobrecarga salina. Guyton integrou os mecanismos fisiopatogênicos propostos para a elevação da pressão arterial na função emunctória renal de cloreto de sódio3. Mesmo as ditas causas de hipertensão secundária enquadram-se no modelo de
Guyton, pois qualquer fator que determine elevação da pressão arterial só a manterá elevada se
promover a retenção de sódio pelo rim (figura 3).
Transplantes renais entre ratos predispostos e não-predispostos a hipertensão induzida por
sal demonstraram a acurácia do modelo de
Guyton, pois o desencadeamento de hipertensão
por sal acompanhou o rim da cepa predisposta à
hipertensão4,5. A figura 4 ilustra o elegante experimento de Bianchi e colaboradores5.
O mais ambicioso estudo epidemiológico
dirigido à investigação da associação entre a ingestão de sal e a pressão arterial, o Intersalt, trouxe alguns resultados frustrantes6. Trata-se de um
grande estudo transversal realizado em 52 centros de trinta países demonstrando a associação
intersociedades entre a quantidade de sal ingerida em cada um dos centros e a prevalência de
hipertensão arterial. A análise intra-sociedades,
entretanto, detectou uma correlação positiva em
somente oito deles para a pressão sistólica e em
nenhum para a pressão diastólica após ajuste para
diversos fatores de confusão.
Várias explicações foram aventadas para a
dissociação dos achados inter e intra-sociedades.
Uma delas foi explorada em modelo experimental e em pesquisa epidemiológica em Porto Alegre. Consiste na idéia de que somente uma parcela da população responde com aumento da
pressão arterial ante consumo aumentado de cloreto de sódio. Assim, contribuem para a associação entre sociedades, mas, não são suficientemente freqüentes para detectar correlações positivas quando a unidade de análise é o indivíduo. Antes mesmo da publicação do Intersalt,
demonstramos, em experimento com adultos jovens normotensos, que somente aqueles predispostos familiarmente para hipertensão arterial
respondiam com elevação transitória de pressão
arterial ante sobrecarga de cloreto de sódio7 (figura 5). Esta hipótese foi desenvolvida em conjunto com outras evidências por Zhu e Psaty8.
Mais recentemente demonstramos que o fenômeno observado em condições experimentais
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FIGURA 5
EFEITO DE DIETAS VARIÁVEIS EM SÓDIO SOBRE A PA,
DE ACORDO COM PREDISPOSIÇÃO FAMILIAR PARA HAS7
Note-se o aumento transitório da pressão arterial no 3º e 6º dia de dieta com sobrecarga de sódio.
H = hipossódica; R = regular em sódio; S = sobrecarga de sódio.
FIGURA 6
PREDISPOSIÇÃO FAMILIAR (P), SOBRECARGA SALINA (S) E
PRESSÃO ARTERIAL EM JOVENS NORMOTENSOS9
15
135
12
64
66
P+/S-
P-/S+
P-/S-
125
PA (mmHg)
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podia ser detectado em indivíduos vivendo em
sociedade9. Ali, verificamos que indivíduos normotensos jovens com forte predisposição familiar para hipertensão arterial tinham pressão
arterial mais elevada do que os não-predispostos
somente quando ingeriam quantidades aumentadas de cloreto de sódio. Os não-predispostos não
tinham pressão mais elevada mesmo ante alta ingestão de cloreto de sódio (figura 6).
Os mecanismos tubulares renais de excreção de sódio e seus sistemas de controle estão na
raiz dos fenômenos retentores que levam à expansão do extravascular e aumento de pressão
arterial. Aventa-se que a simples diminuição do
número de néfrons funcionantes, típico do envelhecimento, seja por si só fator capaz de promover a retenção de sódio e aumento da pressão
arterial típica da idade10.
A reversão de hipertensão instalada por dietas hipossódicas não tem se mostrado efetiva11,12.
Isto se deve ao fato de que nestas condições já se
instalou hipertrofia arteriolar, que tende a perpetuar o aumento da resistência periférica. Adicionalmente, há muita dificuldade de seguir dietas realmente hipossódicas fora de condições experimentais.
As evidências comentadas ilustram a forte
associação entre sal, rim e hipertensão arterial.
Os demais componentes da síndrome metabólica explicam a ocorrência de hipertensão provavelmente pelo efeito anabolizante e retentor de
sódio exercido por insulina e por outros mecanismos associados à obesidade. O componente
central permanece sendo o cloreto de sódio, desencadeante primário do estado hidrodinâmico
característico da hipertensão arterial.
115
85
75
65
P+/S+
Interação P/S = 0,033 (sistólica) e 0,007 (diastólica)
A pressão arterial foi significativamente mais elevada quando coexistiam predisposição forte (P+) e
consumo elevado de sódio (S+) no dia em que se aferiu a pressão arterial.
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FATORES
DE
RISCO
Sal, hipertensão e genética
Autores:
Alexandre da Costa Pereira
José Eduardo Krieger*
Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular,
Instituto do Coração – InCor, Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Introdução
A dieta ocidental, que inclui uma quantidade grande de
alimentos industrializados, fornece uma quantidade de sal
muitas vezes maior do que a necessária para o organismo humano, pelo menos em termos fisiológicos. O debate com relação à necessidade de diminuição da ingestão de sal continua a
causar polêmica.
A observação da associação entre ingestão de sal e hipertensão data de vários séculos atrás, já sendo mencionada em
textos chineses de aproximadamente 1.000 anos antes de Cristo. No último século, uma série de trabalhos tanto epidemiológicos quanto fisiológicos tentou delimitar melhor esta associação.
A contribuição renal para a homeostase de sódio é crucial.
Nesse sentido, a teoria Guytoniana da natriurese pressórica
argumenta que um estado de hipertensão não deve sustentarse sem um envolvimento renal ativo.
* Endereço para correspondência:
Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular,
Instituto do Coração – InCor, Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44
05403-000 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3069-5068 / 3069-5579
Fax: (11) 3069-5022
E-mail: [email protected]
Genética humana
Com os avanços proporcionados pelo advento e melhoria
das técnicas de biologia molecular e as informações trazidas
por esforços objetivos na elucidação do genoma humano e de
uma série de animais, a possibilidade de se identificarem genes
cuja função, ou disfunção, pudesse afetar a homeostase pressórica humana passou a ser uma realidade nas últimas décadas. Nesse sentido, uma das teorias correntes afirma que, em
um dado indivíduo, algo em torno de cinco ou seis genes contribuem de maneira significativa para a pressão arterial final.
Esta situação seria, assim, o reflexo de uma complexa e
intrincada rede de interações gene–gene e gene–ambiente.
Em alguns indivíduos, no entanto, defeitos em um único
gene podem causar alterações significativas na pressão arterial. Nesses indivíduos, os fenótipos de hipertensão ou hipotensão comportam-se como traços monogenéticos. As alterações
moleculares de um grande número dessas raras doenças
Mendelianas já foram elucidadas. É interessante notar que as
vias moleculares defeituosas nestas várias situações convergem para um mecanismo em comum: a reabsorção de sódio
realizada pelo rim. Neste sentido, mutações que aumentam a
reabsorção renal de sódio aumentam a pressão arterial, enquanto que mutações que diminuem a reabsorção de sódio
diminuem a mesma.
Síndrome de Liddle
Em 1963, Liddle e colaboradores descreveram uma síndrome autossômica dominante associada a hipertensão moderada a severa, hipocalemia, alcalose metabólica e níveis
plasmáticos suprimidos de renina e aldosterona. Estudos clínicos revelaram que pacientes afetados tinham baixa secreção
de aldosterona, ausência de resposta à espironolactona e uma
curiosa resposta a trinterene e restrição salina. Uma alteração
tubular foi inicialmente cogitada. O fato de um transplante
renal corrigir o defeito no caso índice, que evolui com
nefropatia crônica 25 anos após a descrição original, deu mais
força a essa hipótese.
A correção tanto da hipertensão quanto da hipocalemia
através do uso de amiloride sugeria que um dos potenciais
candidatos à ser o causador da síndrome de Liddle, como passou a ser conhecida, era o Canal Epitelial de Sódio (CENa)
renal. Em 1994, Shimkets e colaboradores foram os primeiros
a descrever mutações na região carboxiterminal da subunidade
beta do CENa associadas à Síndrome de Liddle.
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Através da regulação via aldosterona e vasopressina, o
canal epitelial de sódio (CENa) localizado no néfron distal é
um dos determinantes primários da absorção renal deste íon.
Este canal, composto por três subunidades, é membro da
superfamília de genes dos canais epiteliais de sódio, que inclui mais de 20 proteínas homólogas. As proteínas dessa
superfamília compartilham uma estrutura característica: dois
domínios transmembrana interligados por uma alça
extracelular e com domínios carboxi e amino terminais localizados no intracelular. A alça extracelular é o local de
acoplamento da droga amiloride e a região carboxiterminal
um “hot spot” para mutações que alteram a função do canal
em humanos. No néfron distal, o CENa é uma proteína
heterotetrâmica, composta por três diferentes subunidades
homólogas: duas subunidades alfa, separadas por uma
subunidade beta e outra gama, sendo todas necessárias para o
funcionamento normal da proteína.
Análises de outras famílias já identificaram mutações em
seqüências ricas em prolina das porções carboxiterminais das
subunidades beta e gama. Estudos de mutagênese permitiram
analisar algumas dessas mutações e mostrar que elas levam a
proteínas constitutivamente ativadas. Várias evidências sugerem que mutações causadoras da Síndrome de Liddle levam
tanto à expressão de um número maior de canais de sódio quanto a um aumento da probabilidade de abertura dos mesmos.
Dois mecanismos são propostos para explicar esse fenômeno.
Mutações em regiões ricas em prolina nas subunidades beta e
gama, mas não alfa, podem levar a uma diminuição da
endocitose dessas proteínas, aumentando assim suas meiasvidas. Além disso, a regulação da meia-vida dessas proteínas
parece estar ligada à ubiquitinação de porções carboxiterminais das subunidades alfa e gama do CENa. Este processo
depende da ação ubiquitin-ligase de uma outra proteína, Nedd4.
Embora mutações em Nedd4 ainda não tenham sido descritas
como personagens de desbalanços da homeostase pressórica,
alterações em CENa no sítio de ação dessa enzima parecem
contribuir para o fenótipo de aumento de meia-vida observado na Síndrome de Liddle.
A Síndrome de Liddle pode ser tratada através da restrição salina e do uso de amiloride (diurético inibidor seletivo
deste canal de sódio). Estudos com pacientes portadores dessa síndrome podem trazer maiores esclarecimentos para o fenômeno da hipertensão sal-sensível, assim como definir formas terapêuticas ainda mais específicas para esta e outras formas de hipertensão arterial.
Pseudo-hipoaldosteronismo tipo I
O pseudo-hipoaldosteronismo do tipo I (PHA 1) representa clinicamente o inverso da Síndrome de Liddle. É uma
rara doença caracterizada por perda renal de sal e acidose
metabólica hipercalêmica, a despeito de elevados níveis de
renina e aldosterona, com função renal e adrenal preservadas.
O quadro clínico é de resistência renal ao uso de mineralocorticóides. Com relação ao padrão de herança genética, formas
autossômicas recessivas e dominantes já foram descritas.
Ambas apresentam-se nas primeiras semanas de vida, caracterizadas por desidratação, perda de sal, hiponatremia e acidose
62
HIPERTENSÃO
metabólica hipercalêmica. Na forma recessiva, pacientes apresentam importante perda de sódio pelo cólon, suor, pelas glândulas salivares e pelo rim. Tais crianças têm episódios recorrentes de perda de sal e hipercalemia, necessitando
suplementação de sódio e tratamento com resinas trocadoras
de potássio por toda a vida.
A forma recessiva da doença é causada por mutações que
levam à perda de função das subunidades do CENa em
homozigose. Essa ocorrência leva a uma importante redução
na reabsorção cortical de sódio no ducto coletor. Além disso,
a secreção de potássio e hidrogênio, ligada à reabsorção de
sódio, é também bloqueada. A hipercalemia resultante, associada a um estado de depleção de volume, estimula o sistema
renina-angiotensina, resultando em um aumento dos níveis de
aldosterona e na ativação máxima do receptor de mineralocorticóide. Devido à ausência do CENa, o receptor de mineralocorticóide é incapaz de estimular a reabsorção de sódio, de
maneira a reiniciar um ciclo vicioso que leva à perpetuação da
perda de sódio e da acidose hipercalêmica.
A gravidade do quadro clínico da forma recessiva de
pseudo-hipoaldosteronismo realça a importância crucial do
CENa para a homeostase de sódio, mesmo em indivíduos ingerindo uma dieta rica em sal. Existe, no entanto, alguma variabilidade no prognóstico de pacientes com a forma recessiva
da doença. Em pacientes com mutações homozigotas, que levam à perda total da função da proteína, o quadro clínico é
geralmente muito grave.
Na forma dominante do pseudo-hipoaldosteronismo, a
perda de sódio é restrita ao rim. Enquanto esses pacientes podem mostrar quadro muito grave ao nascimento, geralmente
apresentam história clínica muito mais favorável, geralmente
com boa resposta à suplementação de sal na dieta. Em alguns
casos podem até mesmo descontinuar a terapia após alguns
anos de vida. Mutações em heterozigose que levam à perda de
função no receptor de mineralocorticóide causam essa forma
de doença.
Síndromes de Bartter e Gitelman
As Síndromes de Bartter e Gitelman foram originalmente descritas como variações de uma mesma doença, resultando
em alcalose metabólica hipocalêmica. Estudos bioquímicos e
genéticos permitiram a separação das entidades em dois processos fisiopatológicos independentes, com características
fenotípicas distinguíveis. Os defeitos genéticos envolvem
transportadores de sal que são alvos de diuréticos ou outras proteínas que são parceiras essenciais para o funcionamento desses transportadores. Em ambas as doenças, a forma da herança é autossômica recessiva. Até o presente momento, quatro
diferentes genes foram descritos como causadores da Síndrome de Bartter, enquanto todos os casos de Síndrome de
Gitelman são devidos a mutações em um único gene. Em todas essas variações, o efeito final é o de perda renal de sal,
levando a baixos valores de pressão arterial, redução do potássio sérico, e uma ativação do sistema renina-angiotensina.
Características que diferenciam as Síndromes de Bartter
e Gitelman envolvem o manejo renal de cálcio e deposição,
magnésio sérico, assim como a apresentação clínica. Na Sín-
drome de Bartter, indivíduos afetados podem se apresentar na
infância com grave depleção de volume e retardo de crescimento. Prematuridade, assim como, polihidrâmnio materno
são comuns. A disfunção metabólica é usualmente acompanhada por hipercalciúria com normocalcemia e normomagnesemia. Calcificações do trato renal e urinário são muito comuns e podem estar presentes até mesmo em neonatos.
Nefrocalcinose na infância sugere o diagnóstico de Síndrome
de Bartter tipo I ou II. Hiperprostaglandinúria e uma resposta
terapêutica à indometacina são características da doença do
tipo II. Em contrapartida, pacientes com síndrome de Bartter
tipo III podem apresentar normocalciúria com hipomagnesemia discreta, na ausência de deposição renal de cálcio. Pacientes com o tipo IV são surdos.
O quadro bioquímico em pacientes com Síndrome de
Bartter não-tratada lembra o quadro ocasionalmente visto em
pessoas normais em uso crônico de diuréticos de alça. O alvo
para diuréticos é o cotransportador sódio-potássio-cloro
(NKCC2), que é expresso na membrana apical da alça ascendente de Henle. Defeitos no gene que codifica o NKCC2 causam a Síndrome de Bartter tipo I. Subseqüentemente, dois
outros genes defeituosos que resultam na perda de função do
NKCC2 foram identificados. Estes são ROMK2, que codifica
um canal de potássio expresso na medula renal que regula a
atividade de NKCC2 através da reciclagem de íons K+ no fluido tubular (Síndrome de Bartter tipo II), e CLCNKB, que codifica um canal de cloro expresso na membrana basolateral
das mesmas células da alça de Henle (Síndrome de Bartter
tipo III). Mais recentemente, a Síndrome de Bartter tipo IV
foi atribuída à perda de função em uma proteína denominada
Barttina, um cofator essencial para o canal de cloro CLC-KB,
expresso nos rins e ouvido interno, o que explica a associação
clínica com surdez.
A grande maioria dos pacientes com suspeita de Síndrome de Bartter de fato apresenta a Síndrome de Gitelman, que
é bem mais freqüente. O fenótipo nesse caso é muito mais
discreto, usualmente sendo identificado no final da infância,
ou mesmo já na idade adulta. Alguns indivíduos afetados são
assintomáticos, enquanto outros podem ser afetados de forma
mais importante, com problemas de crescimento e, não raramente, problemas articulares, tetania ou outras alterações
neuromusculares. Trabalho descrevendo os sinais e sintomas
na apresentação clínica da doença traz um fato curioso e que
mostra, entre médicos e pacientes uma diferença de percepção da doença: enquanto, em um grande número de casos,
médicos consideram a Síndrome de Gitelman assintomática,
a maioria dos pacientes discorda. Mesmo que de maneira
anedótica, existe o relato de que pacientes afetados apresentam uma preferência por alimentos salgados, quando comparados a doces. Bioquimicamente a Síndrome de Gitelman é
caracterizada por hipocalciúria e hipomagnesemia, com perda renal de magnésio.
Pacientes com a Síndrome de Gitelman recapitulam alterações vistas em indivíduos em uso crônico de diuréticos tiazídicos, usualmente utilizados no tratamento de hipertensão.
De fato, o uso não-declarado de diuréticos ou laxativos permanece como o principal diagnóstico diferencial da doença.
Todos os casos de Síndrome de Gitelman são devidos a mutações que levam à perda de função do cotransportador sódiocloro (NCCT), o alvo de diuréticos tiazídicos presentes na
superfície apical epitelial do túbulo contornado distal renal.
O tratamento das Síndromes de Bartter e Gitelman pode
ser difícil, uma vez que o grau de depleção de sal pode ser
grave. A reposição agressiva de sal e potássio, em particular, é
essencial. Alguns pacientes apresentam boa resposta à administração de indometacina, especialmente na Síndrome de
Bartter tipo II. A suplementação de magnésio também é um
importante adjuvante no tratamento da Síndrome de Gitelman.
Síndrome de Gordon
O inverso clínico da Síndrome de Gitelman caracteriza a
Síndrome de Gordon. Nesta patologia existe hipertensão associada com retenção de sódio, acompanhada por um aumento no nível sérico de potássio e acidose. A despeito da indicação clínica de que uma provável causa para a Síndrome de
Gordon seria uma alteração que levaria a hiperatividade do
NCCT, este gene foi afastado como causador da doença. Dois
outros genes foram recentemente identificados, WNK1 e
WNK4. O gene WNK1 é expresso de maneira ubíqua e está
particularmente associado com epitélio transportador de cloro em vários locais. A expressão de WNK4 é limitada às
regiões distais do néfron. Particularmente interessante é a evidência de que WNK4 age como regulador negativo da função
de NCCT. Mutações identificadas em pacientes liberam essa
inibição, levando a hiperatividade de NCCT. A proteína WNK4
também afeta o canal de K localizado na medula renal (ROMK)
e pode constituir-se em um novo alvo para medicações antihipertensivas.
Das moléculas à população
Claramente, a imensa maioria dos pacientes hipertensos
não apresenta nenhum desses mecanismos moleculares explicando seus respectivos aumentos de pressão arterial. Apesar
dessas doenças serem extremamente raras, elas apontam para
um importante e intrincado mecanismo de regulação que une
o consumo de sal, a regulação do sistema renina-angiotensina
e a pressão arterial. No sentido de trazer para o nível populacional os importantes novos conhecimentos advindos da determinação do mecanismo molecular das doenças previamente descritas, uma série de grandes estudos populacionais vêm
sendo realizados com o objetivo de identificar genes defeituosos responsáveis pelo desarranjo na regulação da pressão arterial em humanos. No entanto, o mesmo sucesso alcançado
em famílias de pacientes com as doenças previamente descritas não foi observado nesses estudos populacionais, sendo os
resultados bastante discretos e, por vezes, conflitantes. Dois
genes aparentam sobressair nessa abordagem: o gene
codificante do angiotensinogênio e o gene codificante para a
subunidade beta do CENa. Em ambos os casos existem conseqüências funcionais que associam as alterações genéticas descritas com discretas variações no manejo de sal em indivíduos
afetados.
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Sensibilidade ao sal:
um conceito controverso
Evidências que mostram que o sódio tem um importante
papel no processo fisiopatológico de desenvolvimento de hipertensão não vêm apenas de raros casos de doenças em grande parte desconhecidas. Como já mencionado, uma série de
estudos epidemiológicos demonstraram uma correlação
interpopulacional positiva entre excreção de Na em 24 horas e
pressão arterial, assim como estudos mostram a importância
da ingestão de sal no aumento da pressão arterial com o avançar da idade.
A despeito dessas evidências, como já foi colocado na
introdução os benefícios em potencial que uma redução populacional da ingestão de sal poderia causar no controle da pressão arterial e, conseqüentemente, na redução do risco cardiovascular, ainda são o ponto central de intensos debates. Várias
meta-análises concluíram que a redução do consumo de sal na
população geral produz um pequeno efeito na pressão arterial.
A sensibilidade ao sal é definida como a diferença
interindividual na resposta da pressão arterial a mudanças no
consumo de cloreto de sódio. Outra maneira de entender o
fenômeno é através de uma alteração no coeficiente angular
da relação pressão–natriurese. Nesse sentido, de especial importância para o fenômeno é o manejo renal proximal de sódio, que demonstradamente é um importante regulador da relação pressão–natriurese em pacientes com hipertensão sal-sensível, independentemente de mudanças na hemodinâmica renal.
Fora as formas monogênicas de hipertensão já descritas,
várias variantes genéticas relativamente comuns parecem estar associadas a níveis aumentados de pressão arterial e maior
suscetibilidade a hipertensão. Para algumas dessas variantes,
alterações funcionais já foram descritas. Essas alterações parecem justificar, quando estudadas individualmente, uma pequena parcela da variabilidade da pressão arterial na população geral. No entanto, parecem fornecer importantes elementos para o entendimento dos processos de regulação
homeostática da pressão arterial em uma dada população. Por
exemplo, em alguns casos, já foram descritas alterações fun-
cionais envolvendo o transporte de cloreto de sódio renal, e
que podem ser responsáveis em parte pela variabilidade desse
fenótipo.
A variante Gly460Trp do gene da alfaaducina é associado a uma prevalência aumentada de hipertensão arterial em
uma série de populações. Tanto o “clearance” de lítio endógeno
como o “clearance” de ácido úrico mostraram-se reduzidos
em pacientes hipertensos que carreavam essa variante, indicando uma taxa aumentada de reabsorção de sódio no túbulo
proximal. A alteração bioquímica responsável pela maior avidez de epitélio tubular por sódio pode ser uma atividade sódio-potássio ATPase aumentada causada por uma interação
com ganho de função entre a mólecula do alelo 460Trp e a
bomba sódio-potássio.
Uma prevalência aumentada de hipertensão também já
foi descrita em indivíduos portadores de uma variante funcional do receptor de glucagon, que está associada a uma afinidade reduzida por glucagon em células hepáticas e a uma conseqüente diminuição na produção de seu mensageiro intracelular o AMPc.
Da mesma maneira outros genes candidatos com fenótipos intermediários já caracterizados colocam-se como promissores marcadores de risco genético para o desenvolvimento de
alterações no manejo renal de sódio e hipertensão sal-sensível.
Conclusões
Várias evidências advindas de estudos clínicos e experimentais suportam a noção de que o manejo renal alterado de
sódio tem um papel no desenvolvimento de hipertensão arterial em humanos. Este manejo tubular alterado tem sido associado a várias mutações em raras síndromes genéticas e com
variações polimórficas em um grande número de genes com
interação conjunta e com vários fatores metabólicos, nutricionais e neuro-humorais, dentre os quais encontra-se o consumo de sal. A elucidação do papel particular de cada um desses
produtos gênicos envolvidos nesse processo é uma das chaves
para o melhor entendimento das bases moleculares da hipertensão arterial.
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AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL
Validação dos aparelhos
automáticos e semi-automáticos
de medida da pressão arterial
Uma revisão sobre o assunto
Autores:
Angela M. G. Pierin*
Professora Livre-Docente, Departamento de
Enfermagem Médico-Cirúrgica, Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo
Álvaro Ferreira
Cláudia Laranjeira
Luzi Faleiros Taveira
Sandra Nara Marroni
Pós Graduandos do Programa de Enfermagem na
Saúde do Adulto – Escola de Enfermagem da
Universidade de São Paulo
Karla Abe
Graduanda da Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo
Resumo
Diante do panorama de transformação da esfigmomanometria nos dias atuais, com a expansão de uso dos aparelhos
automáticos ou semi-automáticos, normas foram instituídas
para garantir a acurácia desses equipamentos. As mais usadas são das entidades “British Hypertension Society (BHS)”
e “Association for the Advancement of Medical Instrumentation
(AAMI)”. Porém, verificam-se na literatura outras formas de
avaliação e validação desses aparelhos. Com o objetivo de
conhecer as publicações sobre validação de aparelhos de
medida da pressão arterial, realizou-se um levantamento dos
artigos publicados e indexados no MedLine, sem restrições,
utilizando-se os descritores “validation and blood pressure
measurement”. Os dados estão reunidos em um quadro que
permite a identificação do aparelho e a forma de validação.
* Endereço para correspondência:
Escola de Enfermagem da USP
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 419
05403-000 – São Paulo – SP
Telefax: (11) 3066-7564
E-mail: [email protected]
[email protected]
Introdução
A medida da pressão arterial desde o final do século passado tem apresentado modificações marcantes no que se relaciona aos aparelhos utilizados. Os aparelhos automáticos passam a ocupar lugar de destaque nesse cenário. Esses aparelhos, além de úteis para os pacientes avaliarem sua pressão
em casa, podem substituir os esfigmomanômetros aneróides e
de coluna de mercúrio nas unidades de saúde. Os manômetros
devem estar devidamente calibrados, o que nem sempre acontece, pois condições de calibração insatisfatórias se fazem presentes, principalmente em relação aos aparelhos aneróides1.
Os aparelhos de coluna de mercúrio apresentam calibração
mais estável, além do que a simples visualização da coluna no
ponto zero indica calibração, porém o seu uso também está
sendo questionado. Os aspectos que justificam tal ação relacionam-se ao meio ambiente, devido à toxicidade do mercúrio e
à possibilidade de erro inerente ao método indireto com técnica auscultatória, além da substituição da unidade de medida,
de milímetros de mercúrio, para unidade de pressão, o
kilopascal. Na Europa esse movimento é forte e exemplificado
por condutas de países como Holanda e Suécia, que aboliram
o mercúrio do ambiente hospitalar2, 3.
Novas tecnologias também têm favorecido o desenvolvimento de aparelhos automáticos. O método oscilométrico de
detecção dos valores da pressão arterial a partir da onda de
pulso tem substituído o método auscultatório que requeria uso
de microfone diretamente sobre a artéria e era passível de dificuldades, principalmente em pessoas obesas ou com sobrepeso.
Diante do panorama de transformação da esfigmomanometria nos dias atuais, com a expansão de uso dos aparelhos
automáticos ou semi-automáticos, normas foram instituídas
para garantir a acurácia desses equipamentos.
Normas de validação
Duas entidades internacionais se destacam no provimento de normatização dos aparelhos automáticos ou semi de
medida da pressão arterial: a “British Hypertension Society
(BHS)4” e a “Association for the Advancement of Medical
Instrumentation (AAMI)5” estabeleceram critérios que permitem a validação ou não desses aparelhos. O processo de
avaliação dos dois protocolos inclui desde a descrição do procedimento até os critérios de avaliação do aparelho. A BHS
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QUADRO 1
PROTOCOLO
Medida da pressão
AAMI
Simultânea ou seqüencial
no mesmo braço
BHS (1990)
Simultânea ou seqüencial
no mesmo braço
BHS (1993)
Seqüencial
no mesmo braço
No de observadores
2
2
3
85
85
85
10% < 100, 10% > 160
110–240
10% < 90, 10% > 180
9
3 ou 9*
3 ou 9*
Sentado/em pé/deitado
Sentado
Sentado/em pé/deitado*
3
3
3
65% das diferenças < 5 mmHg
50% das diferenças < 5 mmHg
o
N de pacientes
Limites para pressão
o
N de medidas
Posição do paciente
o
N de aparelhos para teste
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COMPARAÇÃO ENTRE OS PROTOCOLOS DA BHS E DA AAMI DE AVALIAÇÃO DE
APARELHOS AUTOMÁTICOS E SEMI-AUTOMÁTICOS DE MEDIDA DA PRESSÃO ARTERIAL17
Critérios de aceitabilidade Média das diferenças de + 5 mmHg
e desvio padrão de + 8 mmHg
* Para aparelhos de monitorização ambulatorial, três medidas em cada posição, em um adicional de 30 pacientes.
apresentou sua primeira versão em 1990 e três anos após fez
uma revisão6. Por outro lado, a AAMI editou sua primeira
recomendação em 19877 , com modificações em 1992.
O principal ponto de destaque entre as recomendações
refere-se aos critérios de aceitabilidade, pois a BHS considera
muito abrangente a proposta da AAMI de diferenças das médias entre o aparelho a ser analisado e o método padrão de até
5 mmHg para as pressões sistólica e diastólica e desvio padrão de até 8 mmHg. Diante desse aspecto, a BHS apresenta
uma proposta de análise das diferenças que estabelece limites
e classifica o aparelho em diferentes níveis. O quadro 1 compara os principais pontos das recomendações da BHS e AAMI
e o quadro 2 apresenta a classificação da BHS de acordo com
as diferenças em mmHg entre o aparelho a ser testado e as
medidas obtidas pelo método indireto com técnica auscultatória. O’Brien8 considera que a recomendação de aceitação dos
aparelhos deve atender aos seguintes critérios: atender à norma da média e desvio padrão da AAMI para as pressões sistólica e diastólica e classificação A ou B de acordo com a BHS.
Aparelhos que não atenderem ao critério da AAMI ou apre-
sentarem classificação C ou D para as pressões sistólica ou
diastólica são considerados não-recomendáveis.
As fases baseadas nas normas da BHS e AAMI que compõem o processo para validação de aparelhos automáticos ou
semi-automáticos são descritas a seguir.
1o) Treinamento dos observadores
Consiste no treinamento de dois observadores incluindo filme sobre medida da pressão arterial para identificar os sons de
Korotkoff, treinamento com especialista e avaliação do teste da
acurácia com o especialista e interobservadores, de acordo com
os critérios de acurácia. Para tanto são realizadas cinco medidas
por observador em cinco pessoas. Para aprovação o observador
deverá atender aos seguintes critérios de acurácia:
a) entre observadores e especialista, 90% de diferenças
< 5 mmHg e 98% de diferenças < 10 mmHg;
b) entre observadores, 85% de diferenças < 5 mmHg e
95% de diferenças < 10 mmHg.
QUADRO 2
CLASSIFICAÇÃO DO APARELHO PELAS NORMAS DA BHS, DE ACORDO COM O PERCENTUAL DAS DIFERENÇAS
66
Diferenças entre aparelho testado e método padrão
< 10 mmHg
< 15 mmHg
CLASSIFICAÇÃO
< 5 mmHg
A
80%
90%
95%
B
65%
85%
95%
C
45%
75%
90%
D
< 45%
< 75%
< 90%
HIPERTENSÃO
2o) Avaliação da variabilidade
interaparelhos
Para o processo de validação são usados três aparelhos a
serem testados, e a calibração deve ser testada contra aparelho
de coluna de mercúrio, utilizando-se conexão em Y, observando-se diferença nos pontos de avaliação (0, 50, 100, 150, 200,
250 mmHg). Diferença acima ou igual a 4 mmHg é considerado descalibração.
3o) Avaliação da utilização e
desempenho do aparelho
Para avaliação deste item são consideradas facilidades e
dificuldades de manuseio. Os aparelhos deverão estar em uso
há pelo menos seis meses.
4o) Validação do aparelho
Após ter preenchido as fases anteriores é que se inicia o
processo de validação propriamente dito. A escolha dos aparelhos por ocasião de cada medida é feita de acordo com tabela aleatória.
A amostra composta de 85 pacientes para realização das
medidas da pressão arterial obedece aos seguintes critérios:
pacientes de ambos os sexos; 15% pelo menos com pressão
sistólica (mmHg) em cada uma das categorias, 100–140, 140–
180, 180–220, 220–240; 20% pelo menos com pressão diastólica (mmHg) em cada uma das categorias, 60–80, 80–100,
100–120; e idade entre 15 a 80 anos.
São excluídos os pacientes com arritmias, fibrilação
atrial, ausculta de som até zero, hiato auscultatório e Manobra de Osler positiva.
Cada medida da pressão arterial é feita por um dos observadores treinados; um observador realiza medida em 43 pacientes e o outro em 42 pacientes, de forma alternada. São
realizadas três medidas consecutivas com intervalo de dois
minutos entre uma e outra; o observador não tem conhecimento dos valores de medida registrados no aparelho automático e o observador registra a medida da pressão sistólica e
diastólica pela leitura na coluna de mercúrio.
5o) Análise e critérios para
avaliar a acurácia
Ao todo são realizadas 255 medidas (três medidas em 85
pacientes) e usadas as medidas independentes e não a média
para análise. A classificação do aparelho é feita de acordo com
o quadro 2, considerando-se as diferenças das leituras entre a
coluna de mercúrio e o aparelho automático.
As diferenças entre os valores das medidas do aparelho automático e o observador são plotadas contra a média
da pressão do observador para apresentação na forma de
figuras.
Avaliação da literatura
Com o objetivo de conhecer as publicações sobre validação de aparelhos de medida da pressão arterial, realizou-se um
levantamento dos artigos publicados e indexados no MedLine,
sem restrições, utilizando-se os descritores “validation and
blood pressure measurement”. Os artigos referentes a aparelhos de monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA)
não foram incluídos. Os dados estão reunidos no quadro 3.
Foram localizados 44 artigos, publicados em 14 diferentes periódicos, com 20 publicações na revista “Blood Pressure
Monitoring”, 6 no “Journal of Human Hypertension”, 3 no
“Journal of Hypertension” e 3 na revista “Atención Primaria”.
Os demais artigos foram localizados em outros periódicos,
incluindo as áreas de obstetrícia, anestesia, pediatria e engenharia médica. Foram encontrados apenas dois artigos nacionais publicados nos “Arquivos Brasileiros de Cardiologia”. A
publicação9 mais antiga data de 1988, ano seguinte à edição
da primeira recomendação da AAMI. Trata-se do aparelho
Copal UA-251 (Philips) método auscultatório que foi comparado com esfigmomanômetro Hawksley Random Zero e medida intra-arterial e foi considerado pelos autores como indicado para auto-medida da pressão arterial apesar de discrepâncias nos resultados.
Na literatura analisada foram identificados 73 aparelhos
sendo que muitos foram avaliados mais de uma vez por diferentes formas. As formas de validação mais utilizadas recaem nas
normas da BHS e AAMI. Porém, observou-se a presença de simuladores (Biotek Simulator10) nos testes de avaliação, comparação com outros aparelhos já validados, além de outras técnicas.
Identificaram-se também, combinações adaptadas às normas da
BHS e AAMI, como o método READ (“rapid estimation of the
accuracy of automatic blood pressure measurements devices”11).
Trata-se de um método rápido formado por uma seqüência de
medidas em um mesmo paciente em repouso e posição supina e
em pé. Os autores concluem que o método avaliou de forma “grosseira” a falta de acurácia dos aparelhos testados e que pode ser
recomendado como teste de pré e pós-validação.
Em relação à faixa etária da população componente dos
processos de validação, verificam-se avaliações específicas
em crianças, adolescentes12 e idosos13, e também em pessoas
em condições especiais, como gestantes14,15 e pacientes em
hemodiálise16. É importante ressaltar que no item recomendação
foi explicitado o resultado emitido pelos autores dos artigos.
Conclusão
A finalidade principal da apresentação do quadro 3 é oferecer um instrumento que possa ser útil para consulta pelos profissionais da área da saúde na avaliação dos aparelhos automáticos
ou semi-automáticos, seja para uso na prática clínica ou para
automedida da pressão arterial pelos pacientes. O uso desses aparelhos tende a se expandir, pois eles apresentam benefícios na
avaliação dos reais níveis da pressão arterial, minimizando ou
afastando fatores que podem levar o observador a erros, além
da grande utilidade da medida residencial na confirmação do
diagnóstico e condução do tratamento da hipertensão arterial.
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QUADRO 3
ANO
MÉTODO
LOCAL
NO PCTS.
IDADE
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18
A&D UA-631
A&D UA-76719
A&D UA-76710
A&D UA-76720
A&D VA serie 75121
A&D VA serie 83021
A&D VA-74321
Assure A3020
Assure BD-W20 20
BP/Clinic instrument (model 1100)22
BPM-100 Beta23
Calor TensioSense Brás24
CAS Medical Systems Inc.12
Colin BP 880011
Colin BP-880025
Colin CBM-700026
Copal UA-2519
D2 Visomat OZ10
Datex-Engstrom Cardiocap II25
Dinamap 810027
Dixtal DX-271028
Fortec DR MI-10029
Gambro-Dasco BPM16
Healthcheck CX 5 06002029
Lumiscope 1083N20
Lumiscope 1085M10
Marshall 8510
Matsushita Denko EW 27021
Matsushita Denko EW 27121
Matsushita Denko EW 27821
Microlife BP 3BTO-A30
Mobil O Graph31
Nissei Analogue29
Nissei DS-17532
Omron 432c20
Omron 60520
Omron 705IT33
Omron 706/71134
Omron 71110
Omron 71120
Omron 712 C10
Omron 713 C35
Omron 725 CIC10
Omron 725 CIC20
Omron 81520
Omron F336
Omron HEM 400 C29
Omron HEM 403 C37
Omron HEM 422c2-E38
Omron HEM 60121
Omron HEM 60839
Omron HEM 63740
Omron HEM 705CP32
Omron HEM 705CP34
Omron HEM 705 CP38
Omron HEM 70641
Omron HEM 70721
Omron HEM 722C42
Omron HEM 722C13
Omron HEM 735C13
Omron HEM-73743
Omron HEM-90744
Omron M127
Omron M425
Omron M5-I33
Omron MIT14
Omron MIT45
Omron R346
Omron R347
Omron R348
Oscillomat49
Philips HP 5306/B29
Philips HP 530829
Philips HP5332 832
Pollonex BP 100010
Sunbeam 762320
Sunbeam 765420
Sunbeam 765910
Sunmark10
Systema DR MI-15029
Visomat OZ250
Visomat OZ247
Welch Allyn Vital Signs Monitor15
Welch Allyn Vital Signs Monitor15
Welch Allyn Vital Signs Monitor 5200051
68
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2000
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2000
2002
2002
2002
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2001
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2003
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1990
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Auscul.
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Auscul.
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Auscul.
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Auscul.
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HIPERTENSÃO
braço
braço
braço
braço
braço
braço
braço
braço
pulso
antebraço
braço
braço
mão
braço
braço
braço
braço
braço
braço
braço
braço
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dedo
dedo
braço
braço
pulso
pulso
pulso
braço
braço
braço
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braço
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braço
dedo
dedo
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braço
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pulso
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braço
pulso
pulso
pulso
braço
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braço
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braço
pulso
pulso
braço
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85
85
136
136
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33
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15
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85
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85
85
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92
92
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33
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85
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212
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173
100
44
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173
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30
30
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33
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100
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15
100
85
85
85
85
85
85
85
85
85
413
85
93
36
118
FORMA DE VALIDAÇÃO
18–76
15–85
BHS
A/A
A/A
AAMI
Aprovado
Aprovado
Aprovado
18–80
18–80
18–80
B/A
B/A
B/A
Aprovado
Aprovado
Aprovado
○
○
○
○
APARELHOS E PROCESSOS DE VALIDAÇÃO
NOME APARELHO
24–94
18–83
23–85
2–18
23–74
21–79
A/A
B/A
D/D
D/D
D/D
D/D
A/B
15–80
21–80
21–80
21–80
22–90
18–86
15–80
D/B
D/B
D/B
A/A
B/A
D/A
54±13
22–83
Biotek Simulador (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
OMRON 712 C (Reprovado)
OMRON 712 C (Reprovado)
Método auscultatório (Aprovado)
17–76
21–79
5–10
15–80
15–80
Outra
“European Society of Hypertension” (Aprovado)
B/A
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Reprovado
Reprovado
Aprovado
Aprovado
Reprovado
Reprovado
Aprovado
Reprovado
Aprovado
Reprovado
Reprovado
Reprovado
Reprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Reprovado
Aprovado
Aprovado
I International Consensus Conference on self BPM (Aprovado)
READ (Reprovado)
READ (Reprovado)
Intra-arterial (Reprovado)
Comparação Hg e intra-arterial (Aprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
READ (Reprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo (Reprovado)
OMRON 712 C (Reprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
European Society Hypertension (Aprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
53±12
39–70
15–80
16–88
15–80
18–84
16–79
34–91
14–91
15–80
17–76
21–84
± 49,11
83±5
83±5
24–84
51±14
5–10
20–75
54±13
16–43
21–88
Média 63
16–81
34–65
41±13
15–80
15–80
B/B
C/C
A/A
C/B
B/A
B/A
A/A
A/A
B/C
A/A
A/A
A/A
B/A
A/A
B/A
A/A
Reprovado
Reprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
D(C)/D
Reprovado
Korotkoff com ou sem sensor (Aprovado)
READ (Reprovado)
European Society of Hypertension (Aprovado)
Korotkoff, Intra-arterial (Aprovado)
15–80
50±16
Reprovado
Reprovado
Aprovado
Reprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado
Biotek Simulador (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
German Institute for Validation (DIN) 58130 protocol (Aprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado)
BHS e AAMI simplificados (O’Brien) (Aprovado)
C/C
C/D
C/A
16–81
16–43
Aprovado
C/A
C(B)/B
A/A
D/B
D/C
Reprovado
Aprovado
Reprovado
Reprovado
Aprovado
Aprovado
Aprovado (gestante)
Reprovado (pré-eclampsia)
Reprovado
German Institute for Validation (DIN) 58130 protocol (Aprovado)
Esfigmomanômetro de Hg (Reprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Aprovado)
Biotek Simulador (Reprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
OMRON 712 C (Aprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
Biotek Simulador (Aprovado)
Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado)
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Volume 7 / Número 2 / 2004
69
○
○
○
○
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TERAPÊUTICA
Tratamento
Tratamento da hipertensão
arterial: valor da redução na
ingestão de sal
Autores:
Agostinho Tavares
Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia,
UNIFESP/EPM – Hospital do Rim e Hipertensão
Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.*
Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia –
UNIFESP/EPM – Hospital do Rim e Hipertensão
* Endereço para correspondência:
Disciplina de Nefrologia – Universidade Federal de São Paulo
Rua Botucatu, 740 – 2o andar
04023-900 – São Paulo – SP
E-mail: [email protected]
Na história da humanidade o sal já foi usado como moeda e foi, por muitas vezes, o motivo de guerras entre diversos
povos, de tal modo que não há dúvida da sua importância na
sobrevivência dos homens. No entanto, há controvérsias em
relação à quantidade de sal que necessitamos diariamente, e
isso leva a uma nova disputa, principalmente entre epidemiologistas, órgãos governamentais de saúde, pacientes e lobistas
da indústria alimentícia1,2.
A literatura moderna, no que diz respeito à relação entre sal e pressão arterial, em humanos, inicia-se nos anos
sessenta, com os primeiros trabalhos de Lewis Dahl. Ele
observou a prevalência de hipertensão em cinco populações distintas e as respectivas quantidades de sal ingeridas,
sugerindo uma associação linear entre os incrementos de
pressão arterial e o consumo de sal3. Muitos outros estudos
populacionais seguiram-se aos de Dahl, no entanto os resultados nem sempre mostraram-se concordantes. Em 1988,
o “National Heart, Lung and Blood Institute” patrocinou o
maior estudo populacional sobre o consumo de sal, o
INTERSALT 4. Esse estudo, com mais de 10 mil participantes, provenientes de 32 países, demonstrou que a relação entre pressão arterial e idade era mais forte nas pessoas
com maior variação do consumo de sal (entre 0,12 a 14 g/
dia), de tal modo que, para aqueles com idade entre 25 e 55
anos, havia um incremento de 0,9 mmHg para cada 0,6 g de
sal ingerido. Apesar dessa evidência, o INTERSALT não
conseguiu demonstrar a mesma relação entre pressão arterial
e consumo de sal naqueles indivíduos que ingeriam entre 6 e
14 g de sal/dia. Um dos grandes problemas que acompanham
os estudos populacionais sobre o consumo de sal, é a questão
dos fatores ambientais confundidores. Assim, não é somente
o conteúdo de sal que se modifica na alimentação das chamadas populações com alta e baixa ingestão de sal. O conteúdo
de potássio, gorduras etc., também se modifica. Como extensão, a medida casual da pressão arterial e o conteúdo de sal,
em uma amostra de urina de 24 horas, são também extremamente variáveis. Tudo isso pode, num maior ou menor grau, sub
ou superestimar o real impacto do sal sobre a pressão arterial5.
Uma alternativa aos estudos observacionais são os estudos que impõem uma intervenção. Vários deles estão publicados e, por serem freqüentemente pequenos e de curta duração,
têm sido agrupados em meta-análises. Não obstante a isso, a
meta-análise de Law et al.6 reunindo estudos com seguimento mínimo de cinco semanas, relata que, em média, há um
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dietas pobres em sal devem, pelo menos parcialmente, ser
atribuídos também a outros constituintes da dieta, que obrigatoriamente a acompanham. Assim, dietas com quantidades diferentes de sal trazem diferentes quantidades de potássio, cálcio, ácido fólico, vitaminas antioxidantes etc., que
podem, por mecanismos diferentes, acentuar os efeitos hipotensores do sal. Parece-nos, portanto, que o contexto geral da alimentação é tão ou mais importante que o próprio
sal em si. Isso levou há poucos meses o “US Institute of
Medicine” a propor que a quantidade de sal nos alimentos
diminua à metade e que seja elevada a quantidade de potássio, para que se atenuem os efeitos pressores do sal, entre
outros benefícios9.
Hoje, o assunto em pauta não é se o sal tem efeito sobre a pressão arterial, pois há evidências experimentais e
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decréscimo de 5 mmHg na pressão arterial sistólica a cada 3 g
de redução de sal. Esses resultados são bastante semelhantes a
outra meta-análise, recentemente publicada, e que reuniu estudos de seguimentos mais prolongados7.
O estudo intervencionista mais importante, em relação à ingestão de sal e pressão arterial é, ao nosso ver, o
“Dietary Approaches to Stop Hypertension – DASH Study”,
e mais recentemente o “DASH-Sodium”8. Nesse último, 412
indivíduos foram randomizados e consumiram a “dieta normal americana” ou a dieta DASH, isto é, rica em frutas,
verduras e pouca gordura. Além disso, os participantes foram divididos em três grupos conforme a quantidade de sal:
alta (≅ 9 g/dia), intermediária (≅ 6 g/dia) e baixa (≅ 3 g/
dia). Esse estudo durou 30 dias e o comportamento da pressão arterial para a “dieta americana” e para DASH, como
FIGURA 1
ALTERAÇÕES DA PRESSÃO ARTERIAL DURANTE O ESTUDO DASH-SODIUM8
Embora as setas sigam uma única direção, os indivíduos foram alocados aleatoriamente para as diferentes quantidades de sal e
seguiram o desenho cruzado do estudo. Os números próximos às linhas que conectam os dados indicam as alterações médias na
pressão arterial. Os 95% de intervalo de confiança estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01 e ***p < 0,001 indicam diferenças
significativas da pressão arterial ou das diferentes categorias de ingestão salina.
também para as diferentes quantidades de sal, é mostrado
na figura 1. Observa-se uma redução gradativa da pressão
arterial à medida que se diminui a quantidade de sal ingerido, mesmo para a dieta DASH, em que já havia sido observada uma queda significativa dos níveis tensionais. De forma interessante, observa-se que a redução na pressão arterial, nas diversas quantidades de sal, nesse estudo, é muito
similar aos resultados extraídos de meta-análises, embora
dentro do grupo DASH a redução tenha sido mais intensa.
Novamente devemos lembrar que os resultados obtidos com
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HIPERTENSÃO
clínicas suficientes que o comprovam. A discussão real é
se os resultados de literatura são convincentes para se propor uma redução drástica de sal na alimentação da população em geral. Resultados conflitantes e a falta de estudos
de seguimento prolongado que evidenciem benefícios em
desfechos cardiovasculares ainda impedem a instituição de
políticas de educação alimentar mais efetivas. No primeiro
caso, a sensibilidade ao sal explica parcialmente os resultados conflitantes. Não existe, ainda, uma definição universal para sensibilidade ao sal, e por isso são tomados va-
lores arbitrários para se definir os indivíduos “sal-sensíveis” e “sal-resistentes”. Todavia, enquanto não tivermos
definições claras, marcadores bioquímicos ou genéticos de
fácil e prático acesso, devemos lembrar que há situações
clínicas em que a sensibilidade ao sal é mais evidente e,
portanto, a redução da ingestão salina torna-se obrigatória.
A sensibilidade ao sal aumenta com a idade, na raça negra
e em algumas doenças. Assim, idosos, negros, obesos, diabéticos, aqueles com perda da função renal ou com
hipofluxo renal, como na insuficiência cardíaca, síndrome
nefrótica, insuficiência hepática severa, etc., apresentam
benefícios acentuados. Os indivíduos hipertensos, em uso
de diuréticos poupadores de potássio ou inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona, também se beneficiam com a redução da ingestão salina, pois essa medida
potencializa a ação hipotensora dos medicamentos 3. No
segundo caso, a dificuldade de se observarem desfechos
cardiovasculares a longo prazo baseia-se na baixa adesão
às dietas hipossódicas por períodos mais prolongados.
Finalmente, a associação entre hipertensão arterial e acidente vascular cerebral é de há muito tempo conhecida e inúmeros estudos têm demonstrado que o tratamento da hipertensão é capaz de prevenir substancialmente a mortalidade por
doença cerebrovascular. Apesar de muitos acharem que as dietas com baixo teor de sal (3 a 6 g/dia) têm um modesto efeito
sobre os níveis tensionais, há demonstração de que o impacto
da redução do sal é o mesmo que aquele observado com o
tratamento farmacológico em monoterapia10, e que essas modestas alterações na pressão arterial (5 a 6 mmHg) são capazes de reduzir em muito a incidência de acidentes vasculares
cerebrais. Incontestavelmente, esses fatos nos fazem acreditar
e estimular os clínicos em geral para a importância da redução do conteúdo de sal na nossa alimentação. Acreditamos
também que programas educacionais para a população como
um todo, e especialmente para as crianças, bem como políticas governamentais de incentivo à produção de alimentos com
menor teor de sal, são imprescindíveis para a reeducação alimentar.
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fatores hemodinâmicos
Autores:
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BIOLOGIA
MOLECULAR
Controle da função vascular por
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Ayumi Aurea Miyakawa
resposta imediata, e a modificações estruturais da parede em
situações mais tardias. Pode-se dizer que o endotélio está continuamente exposto ao “shear stress” e que possui papel importante na determinação do comportamento vascular.
“Shear stress” e célula endotelial
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José Eduardo Krieger*
Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular,
Departamento de Clínica Médica–LIM 13,
Instituto do Coração – InCor, Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
O sistema cardiovascular está constantemente exposto a
forças mecânicas que desempenham um importante papel determinando sua estrutura e função. Essas forças são: pressão,
agindo perpendicularmente à superfície, “shear stress”, uma
força tangencial resultante do atrito do sangue com o vaso, e
tensão circunferencial, que está relacionada com a pressão e a
espessura da parede vascular (figura 1).
É importante salientar que as forças físicas possuem influência distinta sobre os diferentes tipos celulares. Por exemplo, a pressão provoca um estiramento em toda a parede vascular, enquanto o “shear stress” parece atuar principalmente
na superfície das células endoteliais. Essas forças físicas interferem na produção e na liberação de diversas proteínas, participando tanto na manutenção da homeostasia vascular como
no desenvolvimento de diversas patologias.
O endotélio é a camada celular que reveste o vaso sangüíneo, e representa a interface entre o sangue e a parede vascular. Assim, o endotélio encontra-se em posição privilegiada, sendo capaz de perceber as alterações hemodinâmicas e,
juntamente com a camada muscular lisa, responder a essas
alterações levando a vasodilatação ou a vasoconstrição, como
*Endereço para correspondência:
Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular,
Departamento de Clínica Médica, Instituto do Coração do
Hospital das Clínicas da FMUSP
Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44
05403-000 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3069-5068
Fax: (11) 3069-5022
E-mail: [email protected]
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HIPERTENSÃO
A célula endotelial, devido a sua posição como interface
entre o sangue e a parede vascular, está continuamente exposta ao “shear stress”. A conformação da célula endotelial é mantida por um estado de tensão que é gerado pela interação dos
sítios de adesão do citoesqueleto e a matriz subendotelial, o
núcleo e as células vizinhas. Quando o fluxo é aplicado ao
endotélio, ocorre uma alteração da tensão interna da célula
endotelial, levando a uma reorganização do citoesqueleto seguida de alterações morfológicas e funcionais para que a célula possa se adaptar à nova situação. Ainda não se sabe como
FIGURA 1
FORÇAS FÍSICAS NA PAREDE VASCULAR
Pressão (P), perpendicular à superfície, “shear stress” (S), força tangencial
resultante do atrito entre o sangue e o vaso, e tensão circunferencial (T),
dependente da pressão e da espessura vascular.
a célula percebe o “shear stress”, mas existem indicações de que as integrinas, os canais iônicos e
os receptores acoplados à proteína G ou os que
resultam na ativação das MAP-quinases poderiam estar envolvidos nesse processo. Isto porque trata-se de proteínas de membrana que podem detectar as alterações hemodinâmicas no
lado extracelular e transmitir o sinal para dentro
da célula, iniciando uma cascata de eventos que
resultam em alterações funcionais e/ou estruturais
do vaso (figura 2).
FIGURA 2
MECANOTRANSDUÇÃO DO “SHEAR STRESS” NA CÉLULA ENDOTELIAL
Mecanotransdução
Citoesqueleto e complexos focais e
juncionais
Proteínas transmembrânicas, tais como integrina, canais iônicos e/ou receptores ligantes são capazes de
perceber o “shear stress” extracelular e transformar em resposta bioquímica intracelular. A transdução de
Quando submetida ao “shear stress”, a célula
sinal desencadeará alteração do programa genético, resultando em modificações estruturais e funcionais
endotelial alinha-se em direção ao fluxo, e essa
da parede vascular.
alteração morfológica é acompanhada de uma reorganização das fibras de estresse e dos complexos focais e juncionais, importantes na manutenção da adehiperpolarização celular. Como está eletricamente acoplado à
rência celular e na adaptação à nova situação que lhe foi imcélula endotelial, o músculo liso vascular também é hiperpoposta.
larizado, o que diminui a sua excitabilidade e leva ao relaxaOs contatos focais são regiões especializadas em que a
mento sem a liberação de fatores relaxantes. Esse mecanismo
célula se encontra ancorada à matriz extracelular através de
poderia explicar respostas vasculares rápidas ao “shear stress”,
receptores transmembrânicos denominados integrinas. Na sua
pois não requer aumento ou diminuição da produção de subsporção citoplasmática, as integrinas estão interagindo com as
tâncias vasoativas e pode atuar juntamente com o NO e a prosproteínas associadas à actina (talina, vinculina, α-actinina e
taciclina que são liberados imediatamente após o aumento de
palixina), formando, dessa maneira, a conexão entre a matriz
fluxo, resultando em vasodilatação.
extracelular e as fibras de estresse. Este complexo de adesão
Um outro íon que se encontra elevado na célula endoteliparece estar envolvido na vasodilatação induzida pelo “shear
al por ação do “shear stress” é o cálcio. O “shear stress” prostress” em arteríolas coronárias e representa um importante
voca aumento do cálcio intracelular por meio da liberação de
sítio de integração entre o sinal químico e mecânico, já que
seus estoques intracelulares, e recentemente foram identifivárias moléculas envolvidas no processo de transdução de sicados os receptores P2X4, que são dependentes de ATP e pronal encontram-se imobilizadas nessa região.
movem a entrada de cálcio extracelular quando a célula endoNão só os contatos focais, mas também os complexos
telial é submetida ao “shear stress”. A participação do cálcio
juncionais, podem desempenhar papel relevante na mecanonas respostas celulares ao “shear stress” ainda é bastante contransdução. Isto vem se tornando evidente com a recente detroversa, e atualmente acredita-se que o cálcio participe de
monstração de que a fosforilação de resíduos de tirosina está
respostas celulares agudas ao “shear stress”.
mais presente nas interações célula–célula do que na interação célula–matriz. Esse fato é interessante porque o nível de
Receptores acoplados à proteína G
fosforilação de tirosina em um determinado ponto da célula
Existe uma grande variedade de proteínas G envolvidas
pode refletir a intensidade da atividade de sinalização local,
na transdução de sinal. A proteína Gi inibe a adenilatociclase
pois muitas proteínas envolvidas na transdução de sinal são
e ativa canais de potássio, a Gs estimula a adenilatociclase e
fosforiladas em resíduos de tirosina para que possam ser atiativa canais de cálcio e a Gq ativa a fosfolipase C e libera
vadas ou inativadas.
inositol trifosfato e diacilglicerol. As duas primeiras proteínas
Dessa maneira, o citoesqueleto vem sendo postulado não
G regulam a quantidade de AMP cíclico intracelular, e a últisó como transmissor da força mecânica dentro da célula, mas
ma, o cálcio intracelular e a fosforilação de proteínas através
também como um participante da transdução de sinal reguda proteína quinase C.
lando a expressão gênica.
Várias evidências sugerem a participação da proteína G
na mecanotransdução. O “shear stress” leva ao aumento da
Canais iônicos
produção de AMP cíclico, inositol trifosfato e diacilglicerol, e
Os canais iônicos também são possíveis candidatos à parda proteína quinase C em células endoteliais. Porém, a literaticipação como sensores da força física. O primeiro canal que
tura é conflitante a respeito da participação desses mensageidemonstrou-se ser ativado pelo “shear stress” foi o de potásros na resposta mediada pelo “shear stress”. Alguns dados que
sio, o que através do fluxo transmembrânico de íons resulta na
demonstram que a liberação de endotelina-1 e o aumento da
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expressão do gene do PDGF são dependentes da proteína quinase C, enquanto outros mostram que ela não é necessária. O
mesmo acontece com o AMP cíclico, com descrição tanto do
seu aumento como ausência de alteração dos níveis basais devido ao “shear stress”.
Dessa forma, pode haver um receptor mecano-sensível
acoplado à proteína G que vai detectar o “shear stress” e desencadear a transdução de sinal; ou a presença dos segundos
mensageiros relacionados à ativação da proteína G podem ser
um efeito indireto, resultado da interação de algum hormônio
regulado pelo fluxo e que possui um receptor acoplado à proteína G.
Receptores que ativam as MAP-quinases
As MAP-quinases e as quinases relacionadas são ativadas por estímulos, como hiperosmolaridade, estiramento, estresse, luz ultravioleta, entre outros. Fatores de crescimento,
quando se ligam aos seus receptores induzem a sua dimerização e autofosforilação e ativação da cascata das tirosinas
quinases, ou seja, da Raf, MEK, MAP-quinase, JNK, ERK e
SAPK. Diversos estudos vêm demonstrando que o “shear
stress” ativa MAP-quinases, JNK e ERK, sugerindo que essa
via de sinalização pode estar sendo utilizada para a regulação
gênica exercida pelo “shear stress”.
Não se sabe quais são as moléculas envolvidas na mecanotransdução que ativam as MAP-quinases, e, da mesma maneira que para a proteína G, pode se tratar de um receptor
mecano-sensível que levará à ativação das MAP-quinases ou
pode ser um efeito indireto da ação de algum hormônio regulado pelo fluxo que leva à ativação das MAP-quinases.
Fatores de transcrição e regulação gênica
Uma vez desencadeada a mecanotransdução, o evento
final será a ativação de fatores de transcrição para que possa
ocorrer a regulação gênica. Entre tais fatores, o “shear stress”
modula NF-kB, AP-1, Sp-1 e Erg-1, que vão aumentar ou diminuir a expressão de diversos genes que participam na fisiologia vascular. Os fatores de transcrição, quando ativados, interagem com seqüências específicas das regiões promotoras
dos genes e controlam a transcrição. A primeira seqüência identificada como sendo responsável pela resposta ao “shear stress”
(SSRE) foi descrita no gene do PDGF, e a seqüência de nucleotídeos identificada foi GAGACC, que, como já foi demonstrado, interage com o fator de transcrição NF-kB. Tal
seqüência vêm sendo encontrada em vários promotores de genes modulados pelo “shear stress”, como eNOS e MCP-1, e
representa uma forte candidata a ser o SSRE desses genes. É
importante lembrar que a presença do SSRE clássico no promotor de genes que respondem ao “shear stress” não representa que essa seqüência tem importância funcional para o
controle desses genes. Isto pode ser observado no gene da enzima conversora de angiotensina I, que possui o SSRE clássico,
que parece não ser funcional na presença de “shear stress”.
Com isso, têm sido identificadas outras seqüências regulatórias que modulam a expressão gênica induzida pelo “shear stress”.
A regulação da expressão gênica pelo “shear stress” pode
ser dividida em pelo menos três grupos. Um grupo em que a
76
HIPERTENSÃO
resposta é imediata e transiente, voltando ao nível basal após
um período aproximado de 1 a 4 horas de estimulação; um
segundo grupo que consiste em um aumento gradativo da expressão e que pode se manter em níveis elevados em resposta
ao “shear stress” e um terceiro grupo que se caracteriza pelo
aumento transiente da expressão gênica, seguido por uma sustentada diminuição da expressão por um longo período. Isso
demonstra a complexidade da resposta desencadeada pelo
“shear stress”, em que diversos genes são regulados de maneiras distintas e em momentos diferentes. Pode-se observar que
o fluxo resulta em uma série de eventos na célula endotelial,
na tentativa de adaptá-la à nova situação. As respostas iniciadas podem ser imediatas, com a liberação de vasodilatadores
promovendo o aumento do diâmetro vascular para compensar
o aumento do “shear stress”, e respostas mais tardias, com a
reorganização do citoesqueleto celular e a regulação de genes
que vão tentar adaptar a função endotelial à nova situação hemodinâmica.
“Shear stress” e função vascular
As forças físicas interferem nas características vasculares regulando diversos genes que estão diretamente relacionados com o controle do tônus vascular, com as propriedades
anticoagulantes e com a manutenção da espessura vascular. O
“shear stress” tem sido bastante estudado e através da sua atuação no endotélio parece interferir com vários aspectos da função vascular.
O tônus vascular é controlado a todo instante no sistema
cardiovascular por meio da ação de substâncias vasoativas produzidas pelo endotélio. O endotélio encontra-se em posição
privilegiada para detectar as alterações que ocorrem na circulação e responder às mesmas com a produção e liberação de
substâncias vasoativas, que agem diretamente na camada muscular, para que possa haver a contração ou a dilatação vascular.
Vários estudos demonstram que o aumento do fluxo provoca uma vasodilatação dependente do endotélio. Esse aumento do diâmetro vascular ocorre pela liberação imediata do NO
e da prostaciclina e, mais tardiamente, por meio da diminuição da expressão da endotelina-1 e da enzima conversora de
angiotensina I, com conseqüente redução da liberação de AngII
e aumento da bradicinina. Assim, com a alteração da hemodinâmica, o endotélio age no sentido de normalizar o aumento
de “shear stress” sofrido pela parede vascular, induzindo a
vasodilatação. Em situações crônicas de elevação do fluxo
sangüíneo começa a ser desencadeado o processo de remodelamento vascular com o espessamento da parede do vaso na
tentativa de redução do estresse. Esse processo pode estar relacionado com hormônios de crescimento como, o βFGF e
PDGF, que, em situações de “shear stress” elevado, encontram-se aumentados nas células endoteliais e, através de uma
ação parácrina, irão atuar nas células musculares lisas induzindo a proliferação celular.
Além de regular o tônus vascular, o endotélio também
participa do controle da homeostase do sistema cardiovascular, inibindo a formação de trombos através da produção de
fatores antitrombogênicos e inibição dos trombogênicos. A
trombomodulina é uma glicoproteína integral de membrana
que, quando ligada à trombina ativa a proteína C e esta, na
presença da proteína S, degrada os fatores Va e VIIIa, resultando na inibição da formação de trombina. A prostaciclina e
o NO inibem a agregação plaquetária e o tPA ativa a fibrinólise através da ativação do plasminogênio.
O “shear stress” nas células endoteliais resulta em aumento da atividade da trombomodulina, aumento da liberação
de NO e prostaciclinas e elevação da expressão e liberação de
tPA, conferindo ao vaso a propriedade anticoagulante. Dessa
forma, os fatores hemodinâmicos influenciam o processo de
trombogênese através da regulação da produção e liberação
de diversas proteínas endoteliais.
É interessante notar que as lesões ateroscleróticas freqüentemente aparecem em regiões de bifurcação vascular e
por isso suspeita-se que fatores físicos ligados às alterações
hemodinâmicas locais possam contribuir para a gênese e manifestação da doença, especialmente quando se considera que
nessa região de bifurcação o padrão de fluxo sangüíneo laminar é alterado, tornando-se turbulento e com diminuição do
“shear stress” (figura 3). Estas características de fluxo fazem
com que partículas do sangue permaneçam mais tempo nessa
região, facilitando a interação com o endotélio ou mesmo a
permeabilidade através do vaso.
Não só o fluxo turbulento, mas também o “shear stress”
diminuído, favorece o aparecimento da aterosclerose. Considerando-se as evidências que mostram que o “shear stress”
regula a expressão de genes que participam do mecanismo de
controle da estrutura e função vascular, pode-se especular que
a diminuição de “shear stress” poderia facilitar a adesão de
monócitos, através do aumento da expressão de moléculas de
adesão, como VCAM-1 e ICAM-1, e a transmigração dos mesmos através da expressão de proteínas quimiotáxicas, como
MCP-1. A redução do “shear stress” aumenta também a produção de fatores mitogênicos, como a endotelina-1 e a AngII,
através da ativação da ECA. Além disso, o “shear stress” reduzido diminui a secreção de inibidores da proliferação vascular, como NO e TGF-β, nessas regiões e propicia condições
favoráveis à proliferação das células musculares.
O “shear stress” regula, também, a NAD(P)H oxidase e a
SOD, que desempenham papel oxidante e antioxidante respectivamente. Essas enzimas são importantes reguladoras da
produção do ânion superóxido, que age no sistema vascular
inativando o óxido nítrico e, dessa maneira, prejudicando a
FIGURA 3
PERFIL DE FLUXO NAS REGIÕES DE
BIFURCAÇÃO VASCULAR
O fluxo que é laminar, ao
encontrar uma bifurcação,
torna-se turbulento, com
diminuição do “shear stress”
na região lateral, enquanto
no lado oposto o fluxo
continua laminar e o “shear
stress” é elevado.
vasodilatação, oxidando a LDL, aumentando assim a sua internalização e ampliando a expressão de moléculas de adesão
em células endoteliais, possibilitando a infiltração de monócitos. A elevação do “shear stress” estimula tanto a NAD(P)H
oxidase como a SOD, mostrando a participação de múltiplos
sistemas no desenvolvimento da aterosclerose.
Em conjunto, evidências recentes sugerem fortemente que
as forças físicas associadas a fatores hemodinâmicos são fundamentais para controle da homeostasia cardiovascular. O esclarecimento da dinâmica da expressão gênica na célula endotelial diante dos diversos estímulos sofridos pelo vaso será
essencial para o entendimento da função vascular e do desenvolvimento de processos patológicos. Inicialmente acreditava-se que o endotélio era apenas um revestimento vascular
representando uma barreira semipermeável, facilitando trocas de água e pequenas moléculas entre o sangue e o interstício. Hoje esse conceito evoluiu e reconhecemos que o endotélio, através de múltiplas propriedades, é fundamental para a
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77
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