• Mecanismos de controle da excreção de sódio Aspectos fisiológicos • Sal e hipertensão arterial Aspectos fisiopatólogicos • Discussão de caso Apresentação de caso clínico • Hipertensão arterial: síndrome hidrodinâmica dependente de sobrecarga salina • Sal, hipertensão e genética • Validação dos aparelhos automáticos e semi-automáticos de medida da pressão arterial Uma revisão sobre o assunto • Tratamento da hipertensão arterial: valor da redução na ingestão de sal • Controle da função vascular por fatores hemodinâmicos ■ ■ VOLUME 7 o N 2 ■ 2004 REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO http://www.sbh.org.br EDITORIAL EDITORIAL Diretrizes Brasileiras sobre Síndrome Metabólica em andamento Levantamentos realizados pela Organização Mundial de Saúde indicam que a crescente prevalência da Síndrome Metabólica, associada ao progressivo aumento das populações obesas, já constitui uma preocupação de ordem internacional, sobretudo em relação aos países que adotam os hábitos ocidentais de vida, incluindo consumo exagerado de alimentos com alto teor de gordura, sedentarismo, tabagismo etc. Nos Estados Unidos, por exemplo, as estimativas mais recentes sugerem que a ocorrência dessa entidade atinge a cerca de 22% da população norte-americana. Trata-se de um dado de indiscutível relevância clínica, uma vez que indivíduos com síndrome metabólica evoluem com risco aumentado de complicações cardiovasculares de natureza aterosclerótica, além de apresentarem maior possibilidade de desenvolver quadro de Diabetes Tipo 2. Em termos práticos, no entanto, observa-se que o diagnóstico dessa síndrome pode ser feito com relativa simplicidade por meio de critérios clínicos e laboratoriais, como tem sido enfatizado pela OMS e já divulgados por documentos de educação médica, a exemplo das Diretrizes para Cardiologistas sobre Excesso de Peso e Doença Cardiovascular, da Sociedade Brasileira de Cardiologia – veja quadro aqui incluído. Síndrome Metabólica Identificação clínica laboratorial Fatores de Risco Obesidade abdominal (cintura) • Homens • Mulheres Valores de corte Circunferência abdominal (cm) > 102 > 88 Triglicérides (mg/dL) 150 HDL colesterol (mg/dL) • Homens • Mulheres < 40 < 50 Pressão Arterial (mmHg) Glicemia de jejum (mg/dL) 130/85 110 No âmbito global do estudo das alterações metabólicas dessa síndrome, nota-se que há inter-relações fundamentais entre variações para cima dos níveis de colesterol/LDL-C e de triglicérides e de HDL-colesterol, para baixo, além de repercussões próprias dos valores pressóricos. Somando-se a todos esses aspectos, o aumento do tempo de sobrevivência média das populações já permite antecipar que os próximos anos serão marcados também por um crescimento expressivo de pacientes com Síndrome Metabólica. Sensível a tais constatações e coerente com seus programas de educação médica continuada, a Sociedade Brasileira de Hipertensão tomou a iniciativa de congregar outras importantes Sociedade Médicas para o desenvolvimento das Diretrizes Brasileiras sobre Síndrome Metabólica. Assim, sob a coordenação do Dr. Ayrton Pires Brandão, Presidente da SBH, em agosto de 2004, reuniram-se, no Rio de Janeiro, RJ, representantes das Sociedades convidadas para a realização desse trabalho: • SBH – Sociedade Brasileira de Hipertensão • SBC – Sociedade Brasileira de Cardiologia • SBN – Sociedade Brasileira de Nefrologia • SBD – Sociedade Brasileira de Diabetes • SBEM – Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia • ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade. Nota. A publicação das Diretrizes sobre Síndrome Metabólica está prevista para o primeiro semestre/2005. Dra Maria Helena Catelli de Carvalho Editora Volume 7 / Número 2 / 2004 43 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ÍNDICE ÍNDICE ○ ○ ○ ○ ○ Mecanismos de controle da excreção de sódio Aspectos fisiológicos ................................................................................. 46 ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sal e hipertensão arterial Aspectos fisiopatólogicos .......................................................................... 51 ○ ○ ○ ○ ○ Discussão de caso Apresentação de caso clínico .................................................................... 55 Hipertensão arterial: síndrome hidrodinâmica dependente de sobrecarga salina ................................................................ 58 Sal, hipertensão e genética ........................................................................ 61 Validação dos aparelhos automáticos e semi-automáticos de medida da pressão arterial Uma revisão sobre o assunto ..................................................................... 65 Tratamento da hipertensão arterial: valor da redução na ingestão de sal ........................................................... 71 Controle da função vascular por fatores hemodinâmicos .............................................................................. 74 Referência em resumo ............................................................................... 78 HIPERTENSÃO Revista da Sociedade Brasileira de Hipertensão EDITORA DRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO EDITORES SETORIAIS MÓDULOS TEMÁTICOS DR. EDUARDO MOACYR KRIEGER DR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO CASO CLÍNICO Agenda 2004 ............................................................................................. 82 DR. DANTE MARCELO A. GIORGI EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA DR. FLÁVIO D. FUCHS DR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM FATORES DE RISCO DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL DRA. ANGELA MARIA G. PIERIN DR. FERNANDO NOBRE DR. WILLE OIGMAN EXPEDIENTE Produção Gráfica e Editorial - BG Cultural Rua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SP Telefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: [email protected]. Médico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668. Assessoria Editorial: Marco Barbato. Revisão: Márcio Barbosa. TERAPÊUTICA DR. OSVALDO KOHLMANN JR. BIOLOGIA MOLECULAR DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGER DR. AGOSTINHO TAVARES DR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamente a opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA CARMELINA DE FACIO 44 02 - Índice-Diretoria.pm6 HIPERTENSÃO 44 10/08/05, 12:17 SBH Sociedade Brasileira de Hipertensão DIRETORIA Presidente Dr. Ayrton Pires Brandão Vice-Presidente Sociedade Brasileira de Hipertensão Tel.: (11) 3284-0215 Fax: (11) 289-3279 E-mail: [email protected] Home Page: http://www.sbh.org.br Dr. Robson A. Souza dos Santos Tesoureiro Dr. José Márcio Ribeiro Secretários Dr. Dante Marcelo A. Giorgi Dr. Armando da Rocha Nogueira Presidente Anterior Dr. Osvaldo Kohlmann Jr. Conselho Científico Dra. Angela Maria G. Pierin Dr. Armênio Costa Guimarães Dr. Artur Beltrame Ribeiro Dr. Ayrton Pires Brandão Dr. Carlos Eduardo Negrão Dr. Celso Amodeo Dr. Dante Marcelo A. Giorgi Dr. Décio Mion Jr. Dr. Eduardo Moacyr Krieger Dr. Elisardo C. Vasquez Dr. Fernando Nobre Dr. Hélio César Salgado Dr. Hilton Chaves Dr. João Carlos Rocha Dr. José Eduardo Krieger Dr. José Márcio Ribeiro Dra. Lucélia C. Magalhães Dra. Maria Claudia Irigoyen Dra. Maria Helena C. Carvalho Dr. Osvaldo Kohlmann Jr. Dr. Robson A. S. Santos Dr. Wille Oigman Volume 7 / Número 2 / 2004 02 - Índice-Diretoria.pm6 45 10/08/05, 12:17 45 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ da excreção de sódio Aspectos fisiológicos Introdução Autores: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ MÓDULO TEMÁTICO Mecanismos de controle ○ ○ ○ José Vanderlei Menani ○ José Eduardo Nogueira Silveira Débora Simões de Almeida Colombari Laurival Antonio De Luca Jr. Departamento de Fisiologia e Patologia, Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP Endereço para correspondência: Departamento de Fisiologia e Patologia Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP Rua Humaitá, 1.680 14801-903 – Araraquara – SP Tel.: (16) 201-6486 Fax: (16) 201-6488 E-mail: [email protected] 46 HIPERTENSÃO No ser vivo, a força osmótica decorrente da alta concentração de proteínas no interior da célula é contraposta pela força osmótica exercida pela elevada concentração de Na+ no líquido intersticial, impedindo, assim, a entrada de água na célula e regulando o volume celular. A concentração de Na+ e a osmolaridade do líquido intersticial são influenciadas pela majoritária tendência do Na+ de entrar na célula a favor de seu gradiente de potencial eletroquímico e por uma pequena dificuldade do Na+ de alcançar o líquido intersticial a partir do plasma em face da carga elétrica negativa das proteínas no pH sangüíneo, o que determina que a concentração plasmática de Na+ seja levemente superior à concentração no líquido intersticial. A manutenção do Na+ fora da célula é feita às custas de um gasto enorme de energia (cerca de 25% do metabolismo basal) para o funcionamento da bomba de Na+/K+, presente em todas as células, que atua retirando Na+ da célula e devolvendo-lhe K+. Água e Na+ são normalmente adicionados ao líquido extracelular pelo comportamento de ingestão, compensando, assim, as perdas para o meio ambiente por perspiração, respiração, sudorese, fezes e, especialmente, pela excreção renal. Esta desempenha importante papel tanto para eliminar eventuais excessos ingeridos como para reduzir as perdas resultantes de causas clínicas, como diarréia e/ou vômitos intensos, que podem levar à desidratação. O excesso ou a falta de água e Na+ no organismo resulta em modificações da atividade de diferentes sistemas hormonais (como angiotensina-aldosterona, peptídeo natriurético atrial, vasopressina) e sistemas neurais (como o simpático), que atuam promovendo ajustes na excreção renal de água e Na+, modificações no apetite ao sódio e na ingestão de água, redistribuição dos líquidos corporais e modificações no calibre dos vasos sangüíneos para corrigir eventuais alterações na pressão arterial. Nessas situações, são os mecanismos ativados por osmorreceptores ou receptores de volume, juntamente com os hormônios produzidos, que atuariam diretamente sobre rins e vasos sangüíneos ou em algumas regiões específicas do cérebro promovendo os ajustes cardiovasculares e renais, além do comportamento de busca por água e sódio, quando estes estão em falta. A atuação dos rins confere ao organismo a capacidade de regular o balanço de Na+, equilibrando a quantidade excretada e a ingerida. As respostas renais envolvem tanto alterações do fluxo sangüíneo renal e do mecanismo de filtração glomeru- FIGURA 1 SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA SANGUE ↓ PAM Angiotensinogênio ↓ Na+ tubular RINS RENINA ↑ Atividade simpática Angiotensina I Enzima conversora ANGIOTENSINA II Sede Ingestão de Na+ Atividade simpática Vasopressina Cérebro Vasoconstrição Aldosterona Túbulos renais REABSORÇÃO DE Na+ lar como modificações da reabsorção de água e Na+. Essas interferências no funcionamento renal são produzidas principalmente por descargas do sistema nervoso autônomo e por ativação hormonal envolvendo por exemplo o sistema reninaangiotensina-aldosterona, o peptídeo atrial natriurético (ANP) e os peptídeos neuro-hipofisários (vasopressina e ocitocina). Secundariamente, a secreção local de substâncias que atuam de forma autócrina e/ou parácrina podem modular o tônus vascular renal e a resposta das células mesangiais. Entre essas substâncias temos o vasoconstritor endotelina, vasodilatadores como acetilcolina, bradicinina, ATP ou histamina, que induzem a síntese de óxido nítrico, e agentes vasoconstritores ou vasodilatadores derivados do metabolismo do ácido araquidônico. Os efeitos sobre o tônus vascular podem provocar uma redistribuição do fluxo sangüíneo intra-renal, provocando um maior aporte de sangue para os néfrons justamedulares, cuja capacidade de reabsorção de NaCl e água é maior que a dos néfrons superficiais e médio-corticais. Sistema renina-angiotensinaaldosterona O sistema renina-angiotensina-aldosterona é um dos mais importantes sistemas hormonais envolvidos no controle do equilíbrio hidroeletrolítico. A angiotensina II (ANG II), o prin- cipal peptídeo formado pela ativação do sistema renina-angiotensina, apresenta diversas funções fisiológicas, dentre as quais pode-se destacar regulação da pressão arterial, controle da excreção de Na+ e ingestão de água e sódio. Perifericamente a ANG II exerce suas ações produzindo vasoconstrição de arteríolas em diferentes leitos, incluindo os rins, estimulando a secreção de aldosterona ou atuando diretamente sobre os túbulos renais promovendo a conservação do Na+ (figura 1). A ANG II também atua em algumas áreas do cérebro controlando e promovendo a secreção de vasopressina e a ingestão de água e sódio, além da ativação simpática. Em adição à ANG II, o esteróide aldosterona também tem papel fundamental no controle corporal de Na+, atuando tanto perifericamente sobre a reabsorção tubular renal de Na+ e água como em receptores no sistema nervoso central, especialmente em estruturas límbicas, como o núcleo medial da amígdala estimulando a ingestão de sódio1, 2, 3. A ANG II, além de ser produzida na corrente sangüínea, também pode ser produzida em diferentes locais, como o sistema nervoso central, onde pode atuar como neurotransmissor. O primeiro passo, e etapa principal para regular a produção da ANG II, é a liberação da enzima renina, que perifericamente é produzida pelas células justaglomerulares (ver figura 1). A renina liberada na corrente sangüínea atua sobre o angiotensinogênio plasmático, uma proteína sintetizada principalmente no fígado. Ao atuar sobre Volume 7 / Número 2 / 2004 47 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ o angiotensinogênio, a renina leva à produção de angiotensina I, um decapeptídeo praticamente inativo, que por sua vez sofrerá a ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), levando à formação do octapeptídeo angiotensina II, responsável por inúmeras respostas fisiológicas. A ECA, uma enzima presente nas porções externas das membranas celulares, pode ser encontrada em diferentes tecidos, mas principalmente nos pulmões, rins e intestino3. A renina é produzida pelo aparelho justaglomerular, que é constituído pela mácula densa, formada por células do túbulo distal que detectariam a quantidade de Na+ presente no líquido tubular e por células da parede da arteríola aferente renal localizadas próximas do glomérulo (células justaglomerulares) e que se constituem no principal local de síntese e armazenamento de grânulos dessa enzima. A liberação de renina e, portanto, a atividade do sistema renina-angiotensina circulante, é controlada por diferentes fatores, conforme mostra a figura 1. Entre os principais fatores que estimulam a liberação de renina encontram-se: n queda da pressão de perfusão renal, que é detectada por pressorreceptores presentes na arteríola aferente; n redução do Na+ tubular, percebido pelas células da mácula densa; n aumento da descarga simpática (ativação de receptores β1-adrenérgicos) em decorrência de redução da pressão arterial em geral relacionada a uma diminuição do volume do líquido extracelular3. Em menor intensidade, a liberação de renina pode ser aumentada por fatores tais como a redução de cálcio nas células justaglomerulares e prostaglandinas. Outros fatores, como ANP e endotelina, podem reduzir a liberação de renina. A ANG II tem um importante papel para a retenção de Na+ e que consiste em uma ação direta nos rins aumentando a reabsorção tubular de Na+ e em uma ação indireta estimulando a produção e liberação de aldosterona pelo córtex suprarenal. Simultaneamente a suas ações renais, a ANG II pode produzir diversos outros efeitos, com o objetivo de corrigir a curto prazo uma eventual queda da pressão arterial e também, juntamente com o efeito renal, de propiciar a recuperação da volemia. Entre esses efeitos destaca-se uma atividade constritora direta sobre os vasos sangüíneos e uma ação indireta por meio da ativação simpática. A ativação simpática, assim como a ingestão de água e sódio e o aumento da secreção de vasopressina e de hormônio adrenocorticotrófico, depende da atuação da ANG II em áreas cerebrais livres de barreira hematoencefálica e que permitem o acesso do peptídeo circulante aos receptores (principalmente dos tipos AT1 e AT2) localizados centralmente (figura 1). A ligação da ANG II a seus receptores na membrana celular altera a atividade da proteína G, levando à ativação da enzima fosfolipase C, que promove a formação de trifosfato de inositol e diacilglicerol, que levam à liberação de Ca++ de seus estoques intracelulares e à conseqüente ativação da pro- 48 HIPERTENSÃO teinoquinase C, resultando em contração no caso do músculo liso e em produção e secreção de aldosterona nas células da zona glomerulosa do córtex da supra-renal, um mineralocorticóide que atua estimulando a reabsorção de sódio e a secreção de potássio nos túbulos renais3. A ANG II circulante ou a produzida no próprio rim pode ter diversos efeitos diretos sobre a função renal, promovendo vasoconstrição de arteríolas renais, aumento da reabsorção tubular de Na +, contração da célula mesangial, entre outras ações. A vasoconstrição das arteríolas renais por ação da ANG II leva a uma significativa redução do fluxo plasmático renal, mas com pequena diminuição da filtração glomerular, uma vez que o efeito vasoconstritor da ANG II é maior na arteríola eferente do que na arteríola aferente do glomérulo, aumentando assim a pressão efetiva de filtração. O resultado da ação da ANG II sobre as arteríolas glomerulares é um aumento da fração de filtração. Mas a ANG II pode promover também a contração das células mesangiais, levando a uma redução da f iltração glomerular, porque essas células são adjacentes aos capilares glomerulares e sua contração pode afetar tanto a resistência vascular como a área de superfície capilar disponível para a filtração. Ao modificar a filtração glomerular, a ANG II pode afetar também a reabsorção no túbulo proximal: um aumento da fração de filtração provoca aumento da pressão oncótica e redução do fluxo sangüíneo no capilar pós-glomerular, levando a alteração do diâmetro tubular e da área disponível para a reabsorção de fluido isotônico no túbulo proximal, reduzindo, dessa forma, a excreção de Na+. Ainda, uma ação direta da ANG II sobre as células do túbulo proximal promovendo aumento da reabsorção de Na+ por ativação do trocador Na +/H+ também colabora para a redução da excreção desse íon3. O mecanismo indireto de ação renal da ANG II envolve a produção e secreção de aldosterona, que promove a reabsorção de NaCl e água. A aldosterona atua em células principais do túbulo distal final e duto coletor cortical e medular, ligando-se em receptor intracelular tipo I, formando um complexo receptor–aldosterona, que no núcleo da célula influencia a transcrição do DNA, levando à síntese de RNA mensageiro relacionado à produção de proteínas envolvidas especialmente com a reabsorção de Na+. O mecanismo ativado consiste em aumentar o número e o tempo de abertura dos canais de Na+ da membrana luminal por onde o Na+ difunde-se passivamente para o interior celular. Simultaneamente a aldosterona também promove a síntese e a ativação de bombas de Na+/K+ que transferem o Na+ do citoplasma para o lado peritubular. A aldosterona promove aumento da ordem de 2% a 3% da reabsorção da enorme quantidade de Na+ filtrado e, ao estimular a reabsorção de Na+, a aldosterona estimula a reabsorção de cloreto e água e facilita a secreção de K+ e H+ pelos rins3. Peptídeo natriurético atrial Evidências da influência atrial sobre a excreção urinária inicialmente foram observadas com estudos que mos- traram que a distensão de um balão atrial produzia diurese. Posteriormente, sugeriu-se que esse mecanismo tinha natureza hormonal e que existiam grânulos de secreção em miócitos atriais que poderiam estar envolvidos no controle do equilíbrio hidroeletrolítico, até que de Bold e cols., em 1981, demonstraram o efeito natriurético de extratos atriais e determinaram a estrutura do peptídeo natriurético atrial (ANP). O ANP compõe-se de 28 aminoácidos e, juntamente com o BNP (peptídeo natriurético cerebral), o CNP (peptídeo natriurético tipo C) e a urodilatina, constitui uma família de peptídeos natriuréticos que agem nas membranas celulares em três tipos de receptores (NPR-A, NPR-B e NPR-C). Os receptores NPR-A e NPR-B ativam a guanilatociclase gerando GMPc, enquanto os receptores NPR-C têm a função de um receptor de “clearance” ligando os peptídeos. Da família de peptídeos natriuréticos, o ANP é o mais conhecido e sua ação natriurética deve-se a um efeito geral sobre a função renal pelo aumento da taxa de filtração glomerular (vasodilatação da arteríola aferente), além de o ANP promover inibição da reabsorção de Na+ na porção medular do duto coletor. O peptídeo urodilatina, sintetizado no túbulo distal e duto coletor, age paracrinamente inibindo a reabsorção de NaCl e água nesses segmentos do néfron4. A estimulação colinérgica central (com injeções de carbacol) induz natriurese, caliurese e antidiurese. Essas respostas ocorrem em seguida a um aumento do ANP no plasma e em algumas estruturas centrais, especialmente no hipotálamo e na hipófise. Embora a quantidade de ANP central não seja suficiente para aumentar significativamente o ANP plasmático e, portanto, produzir efeitos renais, existe a sugestão de que o ANP central pode ser importante para a liberação de ANP atrial. O bloqueio de receptores colinérgicos muscarínicos ou adrenérgicos a centrais reduz a liberação de ANP produzida pela expansão de volume, o que sugere que a liberação de ANP poderia ser controlada por mecanismos reflexos envolvendo receptores de volume e ativação de áreas cerebrais, como núcleo do trato solitário, locus ceruleus, nucleus da rafe e região periventricular anteroventral do terceiro ventrículo (AV3V). A ativação neural, estimulando a liberação de ANP no hipotálamo, induziria a liberação de ocitocina (OT), para a circulação, que agiria nos átrios estimulando a secreção de ANP. A ativação de eferentes neurais para o coração, assim como alguns peptídeos, como vasopressina, α-MSH (hormônio melanócito-estimulante) e endotelina – que também são liberados em algumas situações de expansão de volume –, também poderiam colaborar para o aumento da liberação de ANP atrial. A OT também poderia atuar diretamente nos rins produzindo natriurese em decorrência do fechamento de canais de Na+ na membrana luminal das células tubulares4. Tanto a OT como o ANP estimulam a produção de GMPc nos túbulos renais, mas apresentam algumas diferenças em relação aos mecanismos envolvidos; ou seja, enquanto o ANP age em receptores de membrana que ativam diretamente a guanilato-ciclase, a OT atua em receptores que promovem aumento de Ca++ intracelular, levando à produção de óxido nítrico, que, por sua vez, ativa a guanilato-ciclase4. Mecanismos neurais As primeiras evidências de que o sistema nervoso regula a função renal se devem aos trabalhos de Claude Bernard realizados há aproximadamente 150 anos, quando se observou uma diurese ipsilateral à secção do nervo esplâncnico maior em um cão anestesiado, e uma reversão da diurese após a estimulação elétrica da porção periférica do nervo esplâncnico seccionado (Bernard, 1859, apud Koop e Dibona5). Essas observações foram depois confirmadas e estendidas por outros pesquisadores que mostraram que, além da diurese, os animais com os rins desnervados também apresentavam natriurese. Os rins são inervados extensa e exclusivamente pelo sistema nervoso simpático, que inerva as arteríolas aferente e eferente, o aparelho justaglomerular, os túbulos proximal e distal e o ramo ascendente da alça de Henle5,6. A ativação simpática renal por meio de receptores adrenérgicos α (preferencialmente α1) promove uma diminuição do fluxo sangüíneo renal em conseqüência de sua ação vasoconstritora sobre as arteríolas aferente e eferente. A ativação de receptores adrenérgicos β1 do aparelho justaglomerular estimula a secreção de renina; a de receptores adrenérgicos α1b situados na membrana basal peritubular ao longo do néfron aumenta a reabsorção de sódio6. Os efeitos das descargas simpáticas sobre cada um desses mecanismos podem ser seletivos, conforme mostrado quando se varia a freqüência com que os nervos renais são estimulados. A estimulação inicial em baixa freqüência provoca secreção de renina, seguindo-se aumento na reabsorção de Na+ e, em freqüências mais elevadas, diminuição do fluxo sangüíneo renal5,6. Há divergências sobre os mecanismos segundo os quais isso seria produzido. Uma possibilidade seria um mesmo neurônio pós-ganglionar ativar os diferentes efetores intra-renais, mas cada um dos efetores teria um limiar diferente para produzir resposta. Outra seria os efetores intrar-renais serem inervados por diferentes neurônios pós-ganglionares, que teriam características de descarga específicas para cada efetor 6. A participação dos eferentes simpáticos renais no controle da excreção de Na+ pode ser facilmente demonstrada em situações experimentais em que ocorre a ativação de aferências cardiovasculares, como os receptores cardiopulmonares, e dos aferentes dos osmorreceptores hepáticos que promovem redução da atividade eferente simpática renal (AESR). Por exemplo, a expansão de volume promove em ratos e cães uma redução da AESR acompanhada de natriurese devido à ativação dos receptores cardiopulmonares5, 7. A imersão em água, que é uma manobra que causa um aumento da pressão venosa central e conseqüente estimulação dos receptores cardiopulmonares, também promove diurese e natriurese em cães devido a uma diminuição da AESR8. Em coelhos, foi observado que a leve expansão de volume e o aumento da osmolaridade plasmática produzidos pela infusão de salina hipertônica ativa receptores cardiopulmonares e osmorreceptores hepáticos que, utilizando-se de aferências vagais, levam também a redução da AESR e natriurese9. Volume 7 / Número 2 / 2004 49 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Mecanismos centrais Diferentes áreas hipotalâmicas e a área septal participam de um circuito cerebral envolvido com o controle da excreção renal de Na+, K+ e água. A estimulação colinérgica ou adrenérgica dessas áreas aumenta a excreção renal de Na+ e K+, além de produzir antidiurese. Um possível mecanismo para os efeitos da estimulação central envolveria a liberação de ANP e vasopressina (ver item anterior). Uma área central essencial para os efeitos da estimulação colinérgica central e também para a liberação de ANP é a região AV3V, cuja lesão abole a natriurese, a caliurese e liberação de ANP produzida pela estimulação colinérgica central ou por outros protocolos experimentais4,10,11. Osmorreceptores natriuréticos, talvez os mesmos que participam da sede, estão presentes em órgãos circunventriculares prosencefálicos, como o órgão vasculoso da lâmina terminal e o órgão subfornicial12. Nessas estruturas, neurônios com localização definida respondem à hiperosmolaridade aumen- tando a transcrição de genes de expressão imediata como c-fos, mas não foi demonstrado ainda se esses neurônios são osmorreceptores. Candidatos a mediar a natriurese por ativação central incluem ANP, vasopressina e OT. A vasopressina e a OT são liberadas por hiperosmolaridade e são natriuréticas em várias espécies4. Efeitos opostos na excreção renal de Na+ podem ocorrer em situações semelhantes, mas que talvez envolvam funções diferentes para a manutenção do balanço hidrossalino. Na privação hídrica, por exemplo, a excreção renal de eletrólitos e a inibição da fome contribuem para atenuar a hiperosmolaridade extracelular e a conseqüente desidratação celular4,12,13. Natriurese pós-prandial por mecanismos associados a hormônios também é importante em animais e humanos, atenuando uma hipertonicidade induzida pela absorção de solutos osmoticamente ativos14. Por outro lado, antinatriurese ocorre diante de hipernatremia e desidratação durante o exercício físico ou elevação passiva na temperatura corporal, situações em que talvez seja mais urgente a regulação do volume extracelular 15. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 50 FITZSIMONS J. T. Angiotensin, thirst, and sodium appetite. Physiol Rev, v. 78, p. 583–686, 1998. ZHANG DM, EPSTEIN AN, SCHULKIN J. Medial region of the amigdala involvement in adrenal steroid-induced salt appetite. Brain Res, v. 600, p. 20–26, 1993. BOIM MA, TEIXEIRA VPC, SCHOR N. Rim e compostos vasoativos. In: Zatz R. Série Fisiopatologia Clínica Fisiopatologia renal. São Paulo: Atheneu, 2000, cap.2, p. 21–39. ANTUNES-RODRIGUES J, DE CASTRO M, ELIAS LLK, VALENÇA MM, McCANN SM. Neuroendocrine control of body fluid metabolism. Physiol Rev, v. 84, p. 169–208, 2004. KOOP UC, DIBONA GF. The neural control of renal function. In: Seldin DW, Giebisch G. The Kidney: Physiology and Pathophysiology. New York: Raven Press, 1992, p. 1157–1204. DIBONA GF. Functionally specific renal sympathetic nerve fibers: role in cardiovascular regulation. Am J Hypertens, v. 14, p. 163S–170S, 2001. MORITA H, VATNER SF. Effects of volume expansion on renal nerve activity, renal blood flow, and sodium and water excretion in conscious dogs. Am J Physiol, v. 249, p. F680– F687, 1985. MIKI K, HAYASHIDA Y, SAGAWA S, SHIRAKI K. Renal sympathetic nerve activity and natriuresis during water immersion in conscious dogs. Am J Physiol, v. 256, p. R299– R305, 1989. MORITA H, NISHIDA Y, HOSOMI H. Neural control of urinary sodium excretion during hypertonic NaCl load in conscious rabbits: role of renal and hepatic nerves and baroreceptors. J Auton Nerv Syst, v. 34, p.157–170, 1991. HIPERTENSÃO 10. BALDISSERA S, MENANI JV, SOTERO DOS SANTOS LF, FAVARETTO ALV, GUTKOWSKA J, TURRIN MQA, MCCANN SM, ANTUNES-RODRIGUES J. Role of the hypothalamus in the control of atrial natriuretic peptide release. Proc Natl Acad Sci USA, v. 86, p. 9621–9625, 1989. 11. MENANI J V, SAAD WA, CAMARGO LAA, RENZI A, DE LUCA JR. LA, COLOMBARI E. The anteroventral third ventricle (AV3V) region is essential for pressor, dipsogenic and natriuretic responses to central carbacol. Neurosc Lett, v. 113, p. 339–344, 1990. 12. McKINLEY MJ, PENNINGTON GL, OLDFIELD BJ. Anteroventral wall of the third ventricle and dorsal lamina terminalis: headquarters for control of body fluid homeostasis? Clin Exp Pharmacol Physiol, v. 23, p. 271– 281, 1996. 13. DE LUCA JR LA, XU Z, SCHOORLEMMER GHM, THUNHORST RL, BELTZ TG, MENANI JV, JOHNSON AK. Water-deprivation induced sodium appetite: humoral and cardiovascular mediators and immediate early genes. Am J Physiol, v. 282, p. R552–R559, 2002. 14. DRUMMER C, FRANCK W, HEER M, FORSSMANN WG, GERZER R, GOETZ K. Postprandial natriuresis in humans: further evidence that urodilatin, not ANP, modulates sodium excretion. Am J Physiol, v. 270, p. F301–F310, 1996. 15. MELIN B, KOULMANN N, JIMENEZ C, SAVOUREY G, LAUNAY JC, COTTET-EMARD JM, PEQUIGNOT JM, ALLEVARD AM, GHARIB C. Comparison of passive heat or exercise-induced dehydration on renal water and electrolyte excretion: the hormonal involvement. Eur J Appl Physiol, v. 85, p. 250–258, 2001. MÓDULO TEMÁTICO Sal e hipertensão arterial Aspectos fisiopatológicos Autor: Joel C. Heimann Professor Associado, Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Nefrologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo O consumo de sal (cloreto de sódio – NaCl) na dieta está associado de maneira direta com a pressão arterial e com complicações cardiovasculares. Por outro lado, numerosas evidências indicam que a restrição no consumo de sal reduz a morbimortalidade cardiovascular tanto em indivíduos portadores de hipertensão arterial quanto em pessoas sadias. Visando a expor de maneira organizada os conhecimentos sobre essa temática, algumas questões e suas respectivas respostas serão comentadas a seguir. Endereço para correspondência: Avenida Doutor Arnaldo, 455 – sala 3.342 01246-903 – São Paulo – SP E-mail: [email protected] Sobrecarga e restrição de sal, respectivamente, aumentam e diminuem a pressão arterial? Os estudos sobre o efeito do consumo de sal na pressão arterial contam-se aos milhares, o que dificulta bastante uma análise do assunto. Alguns poucos autores realizaram metaanálises, o que facilita a compreensão, devendo-se, no entanto, considerar as limitações dessa técnica de abordagem. MR Law et al.1 mostraram que há uma correlação linear e direta entre pressão arterial sistólica e diastólica e consumo de sal. Um aspecto interessante revelado nesse estudo é que o efeito do sal sobre a pressão arterial é amplificado pela idade e pela pressão arterial basal. Em outras palavras, sal aumenta mais a pressão arterial em idosos e portadores de hipertensão arterial. O desenvolvimento econômico também influencia o efeito do sal sobre a pressão arterial. Em populações economicamente não-desenvolvidas, esse efeito é atenuado quando comparado ao que é verificado em populações economicamente desenvolvidas. Um outro estudo mais recente e que merece comentários foi publicado por FJ He e GA MacGregor2 em outubro de 2003. Estes autores fizeram uma meta-análise das avaliações do efeito de redução no consumo de sal sobre a pressão arterial. Os resultados revelaram que a queda da pressão arterial é tanto maior quanto maior for a redução no conteúdo de sal na dieta. Um aspecto que merece destaque são os comentários dos autores com relação às recomendações de redução no consumo de sal na dieta nos diversos documentos produzidos por organizações nacionais de vários países e pela Organização Mundial da Saúde. Tais recomendações são, em sua maioria, mais fundamentadas em critérios de suposta factibilidade do que em critérios de máxima eficácia. São priorizadas ações julgadas possíveis de serem realizadas, em detrimento de ações que podem produzir um efeito terapêutico máximo. Nessa citada meta-análise verificou-se que a redução de 3 g no consumo de sal diminui 3,6 a 5,6/1,9 a 3,2 mmHg na pressão sistólica e diastólica respectivamente, em portadores de hipertensão, e 1,8 a 3,5/0,8 a 1,8 mmHg em indivíduos normotensos. Com redução de 6 g e 9 g no consumo de sal, o efeito hipotensor duplica e triplica respectivamente. A grande maioria, mas não todos os estudos mostram que excesso de sal aumenta a pressão arterial. Uma explicação para os resultados discordantes é o fenômeno do erro de diluição da regressão (em inglês, “regression dilution bias”). O conhecimento desse fenômeno é importante para prover os leitores de ferramentas que os capacitem para a interpretação crítica Volume 7 / Número 2 / 2004 51 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ de estudos de associação entre duas variáveis cujos valores oscilam ao longo do tempo, como, por exemplo, a pressão arterial e o consumo de sal. A pressão arterial oscila ao longo do ciclo cardíaco, com os movimentos respiratórios, entre sono e vigília, com a temperatura ambiente, em resposta a estímulos diversos etc. O consumo de sal também não é constante. As pessoas variam o consumo de nutrientes entre refeições, de um dia para outro, entre dias úteis e finais de semana e feriados etc. Em decorrência da variabilidade da pressão arterial e do consumo de sal, medidas isoladas provavelmente não representam a realidade média dos indivíduos avaliados, o que pode atenuar a inclinação da reta de regressão entre as variáveis consideradas. Existem duas soluções para contornar esse problema. Múltiplas medidas é uma delas e comparação entre grupos é a outra. A média de múltiplas medidas é mais representativa de um fenômeno pelo fato de que erros em direções opostas se anulam. Da mesma forma, o valor médio de um grupo está mais próximo da realidade, também pelo fato de que erros em direções opostas de medidas feitas nos componentes individuais do grupo se anulam mutuamente. Conhecidas as limitações dos métodos usados para verificação do efeito do sal sobre a pressão arterial e a enorme quantidade de estudos indicando que excesso de sal aumenta a pressão arterial e restrição de sal tem efeito oposto, a resposta à questão retro formulada é, sem dúvida, afirmativa. Até onde vai o nosso conhecimento, não há pesquisadores que se posicionam contrariamente ao efeito hipertensor do sal e hipotensor da ausência deste. Existem indivíduos sensíveis e indivíduos resistentes ao efeito hipertensor do consumo elevado de sal na dieta? A resposta à primeira questão foi que a sobrecarga e a restrição de sal estão, respectivamente, associadas a aumento e redução da pressão arterial. Um aspecto que necessita comentários adicionais é se a resposta da pressão arterial ao consumo de sal é uniforme entre os indivíduos ou se há aqueles que são resistentes e outros que são sensíveis ao sal. Aqueles que discordam da redução universal no consumo de sal usam com freqüência o argumento de que há indivíduos normo e hipertensos que são resistentes ao sal. Estes resistentes ao sal não se beneficiariam com redução no consumo de sal. A medida da sensibilidade ao sal em seres humanos é realizada com a aplicação de testes de curta duração em um determinado momento, tanto em pessoas sadias quanto naqueles que são portadores de hipertensão arterial. Os testes utilizados para quantificar o fenômeno da sensibilidade ao sal não são uniformes, variando de estudo para estudo (tabela 1). Os critérios de classificação variam entre autores, podendo os indivíduos serem classificados como resistentes ao sal por uns e sensíveis por outros. Não há estudos suficientes que permitam afirmar que os diferentes métodos utilizados têm respostas semelhantes. Um aspecto adicional é se a classificação decorrente da aplicação desses testes é variável ou constante ao longo do tempo. Em um estudo realizado em nosso Servi- 52 HIPERTENSÃO ço3, verificou-se que há uma correlação entre sensibilidade ao sal e controle da pressão arterial em hipertensos observados durante dois anos. Quanto melhor foi o controle da pressão arterial, maior foi a redução na sensibilidade ao sal. Esses resultados favorecem a noção de que sensibilidade ao sal não é uma característica fixa, mas variável ao longo do tempo. Uma conjetura que necessita ser confirmada ou não é se a sensibilidade ao sal é uma característica que varia com a evolução da doença hipertensiva ou com a idade em normotensos. Talvez os mesmos indivíduos sejam sensíveis em determinado momento e resistentes em outro. Concluindo, não há conhecimento suficiente que permita afirmar que existem indivíduos normo ou hipertensos que não se beneficiam da redução no consumo de sal na dieta. A restrição no consumo de sal reduz a morbi-mortalidade decorrente de hipertensão arterial? Esta questão é relevante, uma vez que o efeito hipotensor da restrição de sal não permite concluir favoravelmente quanto a um possível benefício em relação à morbi-mortalidade decorrente da hipertensão. Sabe-se que a hipertensão arterial é um dos fatores de risco cardiovascular mais prevalentes na população humana. Sabe-se também que, quanto maior é a pressão arterial, maior é a incidência de complicações cardiovasculares. Portanto, é lógico o raciocínio de que, reduzindose a pressão arterial, o risco de ocorrerem complicações também diminui. No entanto, a lógica desse raciocínio deve ser comprovada por meio de estudos adequados para comprovação ou não da conseqüência sobre a morbi-mortalidade do efeito terapêutico hipotensor da redução no consumo de sal. No caso da restrição de sal na dieta, deve ser lembrado que existem efeitos colaterais, como os observados em qualquer tratamento. Entre os efeitos colaterais associados ao consumo de dieta hipossódica destacam-se uma ativação do sistema renina-angiotensina circulante, uma ativação do sistema nervoso simpático, uma redução na sensibilidade à insulina4, um incremento nos triacilgliceróis circulantes5, entre outros. É possível que tais efeitos colaterais possam anular ou atenuar os efeitos benéficos da redução na pressão arterial. Para responder à questão formulada, há a necessidade de estudos randomizados, prospectivos, visando a avaliar a incidência de complicações cardiovasculares em resposta à restrição de sal. Um primeiro estudo com essas características foi publicado em 1995 por Alderman et al. Surpreendentemente, esse estudo mostrou que o grupo de portadores de hipertensão que consumiram menos sal na dieta teve maior incidência de eventos cardiovasculares após três anos e meio de observação. Em 1998, o mesmo grupo publicou estudo semelhante em amostra da população geral observada durante 17 a 21 anos. Nesse estudo, foi observado resultado semelhante ao primeiro. Diversos estudos similares foram realizados desde então. O interessante é que esses estudos mostraram resultados opostos aos descritos por Alderman et al. Um resumo dos estudos de morbi-mortalidade e restrição de sal na dieta estão na tabela 2. TABELA 1 SENSIBILIDADE AO SAL: MÉTODOS E CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO Autor Protocolo Indivíduos Critérios Prevalência NT HT HT ∆PAM > 10% Ad libitum (1 dia), 10 mEq Na (4 dias), Ad libitum (2 dias), 200 mEq Na (4 dias) NT e HT ∆PAM > 5% Fujita, 1980 9 mEq Na (7 dias), 249 mEq Na (7 dias), 9 mEq Na (4 dias) HT ∆PAM > 10% 50% Takeshita, 1982 70 mEq Na (7 dias), 345 mEq Na (7 dias) HT ∆PAM > 10% 47% Koomans, 1982 20–40 mEq Na, 500 mEq/100ml de Clcr (até entrar em balanço) IRC ∆PAM* Campese, 1982 10 mEq Na (7 dias), 100 mEq Na (7 dias), 200 mEq Na (7 dias) – ordem randomizada HT ∆PAM > 10% Ishii, 1983 6 g NaCl (2 dias), 15 g NaCl (5 dias) NT e HT ∆PAM* Koolen, 1983 50 mEq Na (14 dias), 300 mEq Na (14 dias) – ordem randomizada HT ∆PAM > 10 mmHg Fujita, 1984 Ad libitum, mefrusida 25 mg/dia (7 dias), 180 mEq Na (7 dias) NT e HT ∆PAM* Weinberger, 1986 2 l de SF (4 horas), 10 mEq Na, 40 mg furosemida 2x/dia NT e HT ∆↓PAM > 10 mmHg Dustan and Kirk, 1988 1) 150 mEq Na (3 dias), 9 mEq Na, 1 mg/kg furosemida (4 dias), 25 ml/kg SF (3 dias) 2) 150 mg Na (3 dias), 25 ml/kg SF (3 dias), 9 mEq Na 1 mg/kg furosemida (4 dias) NT e HT ∆PAM* Kawasaki, 1978 109 mEq Na (7 dias), 240 mEq Na (7 dias) Sullivan, 1980 Sowers, 1988 40 mEq Na (14 dias), 180 mEq Na (14 dias) NT e HT (negros) ∆PAM > 5% ou ∆PAS > 10% Rocchini, 1989 250 mEq Na (14 dias), 30 mEq Na (14 dias) NT e obesos ∆PAM* Oshima, 1989 3 g NaCl (7 dias), 20 mEq Na (7 dias) HT ∆PAM* Sharma, 1989 220 mEq Na (7 dias), 20 mEq Na (7 dias) NT ∆PAM > 3 mmHg Umeda, 1989 34 mEq Na (8 dias), 340 mEq Na (8 dias) HT ∆PAM > 10% Dichtchekenian, 1992 Ad libitum (7 dias), 28 mEq Na (7 dias), 206 mEq Na (7 dias) HT ∆PAM* 50% 15% 29% 60% 32% 26% 51% 46% HT = hipertensos, NT = normotensos, PAM = pressão arterial média, SF = soro fisiológico, * = sem limite numérico, ∆ = variação, Fonte: http://www.who.int/hpr/NPH/docs/who_fao_expert_report.pdf> Diet, Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases – WHO Technical Report Series 916 Comentários finais n Restrição no consumo de sal reduz a pressão arterial tanto em normo quanto em hipertensos. n A restrição no consumo de sal diminui a morbi-mortalidade também em normo e hipertensos. n A vantagem da restrição no consumo de sal é que os problemas de falta de adesão ao tratamento podem ser contornados pela implantação compulsória dessa te- rapêutica, reduzindo-se o conteúdo de sal nos alimentos industrializados. Uma política nesse sentido é altamente desejável. Há que se tomar os devidos cuidados para manter a oferta de iodo aos seres humanos. n Os estudos de relação custo–benefício relacionados à restrição no consumo de sal não indicam nenhum custo adicional relacionado à comercialização de produtos com teor reduzido de sal6. Volume 7 / Número 2 / 2004 53 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ TABELA 2 ○ ○ ○ EFEITO DA RESTRIÇÃO NO CONSUMO DE SAL SOBRE A MORBI-MORTALIDADE Métodos de medida do consumo de sal PA (mmHg) Critério de hipertensão Correção para outros fatores de risco Incidência de IM, AVC e doença cardiovascular Coleta única de excreção urinária de 24 horas 160/90 Idade, raça, sexo, fumo, história de doença cardiovascular, colesterol sérico População geral (16% de hipertensos) (n = 11.346) Mortalidade geral e cardiovascular Recordatório nutricional único 160/90 Idade, sexo, raça, IMC, história cardiovascular e de hipertensão 17 a 21 anos População geral (n=9585) Incidência de mortalidade por doença cardiovascular Recordatório nutricional único e questionado se usava sempre sal à mesa 160/95 Sexo, idade, raça, IMC, atividade física, hipertensão, consumo de álcool, fumo, colesterol sérico, história de doença cardiovascular 4 anos Hipertensos, idade média = 55 anos (n = 844) Variação na massa ventricular esquerda Duas coletas noturnas consecutivas iniciais e a cada seis meses. Recordatório nutricional a cada seis meses Nãoinformado Idade, sexo, raça, IMC, consumo de álcool, fumo, atividade física, história de hipertensão, colesterol sérico, história e evidências clínicas de doença cardiovascular 8 a 13 anos População geral (n = 2.436), idade = 25 a 64 anos Incidência de mortalidade por doença cardiovascular e mortalidade geral Excreção urinária de 24 horas Nãoinformado Idade, sexo, colesterol sérico, pressão arterial, fumo, IMC Hipertensos tratados (n = 975), idade = 60 a 80 anos, idade média = 66,5 anos Pressão arterial, eventos cardiovasculares Excreção urinária de 24 horas e recordatório nutricional 140/90 Idade, IMC, sexo, raça, fumo, consumo de álcool, história de doença cardiovascular População geral, (n > 5.000), idade = 48 a 56 anos Pressão arterial, mortalidade por AVC e cardiopatia isquêmica Excreção urinária de 24 horas Nãoinformado Idade, sexo, IMC, colesterol sérico Tipo Duração Participantes Evento final Alderman et al. (1995) Prospectivo 3,5 anos Hipertensos (n = 2.937) Alderman et al. (1998) Prospectivo 17 a 21 anos He et al. (1999) Prospectivo Randomizado ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Estudo Liebson et al. (1995) Tuomilehto et al. Prospectivo (2001) Whelton et al. (1998) Yamori et al. Randomizado 15 a 36 meses Transversal Nãoinformado IMC = índice de massa corpórea fonte: http://www.who.int/hpr/NPH/docs/who_fao_expert_report.pdf> Diet, Nutrition and the Prevention of Chronic Diseases – WHO Technical Report Series 916. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 54 MR LAW, CD FROST, NJ WALD. By how much does dietary salt reduction lower blood pressure? I– Analysis of observational data among populations. BMJ, v. 302, p. 811–815, 1991. FJ HE, GA MACGREGOR. How far should salt intake be reduced? Hypertension, v. 42, p. 1093–1099, 2003. JL SANTELLO, V DICHTCHEKENIAN, JC HEIMANN. Effect of long-term blood pressure control on salt sensitivity. J Med, v. 28, p. 147–158, 1997. P PRADA, MM OKAMOTO, LNS FURUKAWA, UF MACHADO, JC HEIMANN, MS DOLNIKOFF. High- or low-salt diet from weaning to adulthood: effect on insulin sensitivity in Wistar rats. Hypertension, v. 35, p. 424–429, 2000. HIPERTENSÃO 5. 6. S CATANOZI, JC ROCHA, ER NAKANDAKARE, M PASSARELLI, CH MESQUITA, AA SILVA, MS DOLNIKOFF, LM HARADA, EC QUINTAO, JC HEIMANN JC. The rise of the plasma lipid concentration elicited by dietary sodium chloride restriction in Wistar rats is due to an impairment of the plasma triacylglycerol removal rate. Atherosclerosis, v. 158, p. 81–86, 2001. CA PERLMUTTER, DD CANTER, MB GREGOIRE MB. Profitability and acceptability of fat and sodium modified hot entrees in a worksite cafeteria. J Am Diet Assoc, v. 97, p. 391–395, 1997. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ LÍNICO ○ C ASO Discussão de caso clínico Comentários: Dr. Luiz Aparecido Bortolotto Médico-Assistente Doutor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP Dr. Dante Marcelo Artigas Giorgi* Médico-Assistente Doutor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP C. A. B., 42 anos, negro, casado, natural de Franca, SP. Paciente com hipertensão arterial sistêmica diagnosticada há dois anos por ter apresentado sintomas de tonturas, escurecimento visual e cansaço aos grandes esforços. Não fez tratamento regular e, há um ano, passou a apresentar piora do cansaço, evoluindo para dispnéia a médios e pequenos esforços, sendo que há quatro meses vem apresentando episódios de dispnéia paroxística noturna e edema vespertino de MMII. Queixava-se, ainda, de dor precordial, em aperto, desencadeada por esforços e com melhora ao repouso. Há dois meses foi submetido a cineangiocoronariografia que mostrou irregularidades difusas em coronárias, sem lesões obstrutivas, e ventrículo esquerdo hipertrófico, com boa contratilidade, porém com elevação da Pd2 do VE (18 mmHg). Há três meses, está em usando regularmente hidroclorotiazida 50 mg e enalapril 40 mg/dia sem controle adequado da pressão arterial, mas com melhora do sintoma de dor precordial. Hábitos: ex-etilista (parou há cinco meses) de destilados e cervejas; extabagista (parou há nove meses) com 30 maços/ano. *Endereço para correspondência: InCor – Unidade de Hipertensão Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo – SP Antecedentes familiares: pai falecido com 58 anos por cardiopatia e hipertensão arterial; mãe portadora de insuficiência renal crônica, em hemodiálise, por hipertensão arterial; um irmão falecido por insuficiência renal crônica com 45 anos de idade. Interrogatório geral Nega emagrecimento; refere pirose, já tendo feito tratamento de úlcera péptica; nega alterações urinárias e neurológicas. n Exame físico: • BEG, corado, hidratado, eupneico, acianótico, sem edemas, decúbito indiferente, anictérico; • Peso: 102 kg; • Altura: 171 cm; • IMC: 34,6 kg/m2; • Cintura: 118 cm; • Quadril: 111 cm. n Pressão arterial: • MSD deitado: 212/144 mmHg; • MSE deitado: 218/142 mmHg; • MIE deitado: 230/? mmHg; • MSD em pé: 208/140 mmHg. n Freqüência cardíaca: • 64 bpm, regular. Volume 7 / Número 2 / 2004 55 n Fundo de olho: • estreitamento arteriolar difuso, com presença de cruzamentos AV patológicos; sem hemorragias ou exsudatos. • Potássio: 3,7 mEq/L; • Renina: 0,8 ng/ml/h, • Glicose: 112 mg/dL; • Aldosterona 10 ng/ml, • Colesterol: 223 mg/dL; • T4 livre e TSH normais. • Urina tipo I – densidade: 1.016, proteína: 0,39 g/l, glicose: ausente, hemoglobina livre: ausente, leucócitos: 2.000/ml, hemácias: 1.000/ml, cilindros hialinos: 330/ml. n Pulsos arteriais simétricos e palpáveis em todos os territórios. n Pulmões: • MV+ bilateralmente, sem ruídos adventícios. n Coração: • íctus cordis não-visível, palpável difusamente no precórdio, tipo valvar; • Ausculta: bulhas rítmicas em dois tempos; • B2 hiperfonética em foco aórtico; • Sem sopros. n Abdome: • • Flácido, globoso e indolor à palpação profunda; Fígado não-palpável; baço não-percutível; Seguimento O paciente recebeu orientação com nutricionista para uso de 2–3 g de sal/ dia e dieta hipocalórica (1.500–1.800 cal/ dia). Foi medicado com hidroclorotiazida 25 mg/dia, espironolactona 25 mg/dia, enalapril 40 mg/dia e metildopa 1 g/dia (paciente referia intolerância ao uso de betabloqueadores e antagonistas de cálcio), com solicitação de exames bioquímicos, ecocardiograma e cintilografia renal com DTPA-99mTc. Retorno após 60 dias Persistia com dispnéia a médios esforços, tomando irregularmente a medicação, com pressão arterial de 184/102 mmHg e FC de 68 bpm rítmico. • Peso de 100,5 kg. n Exames laboratoriais: • Sem sopros abdominais. • Glicose: 98 mg/dL, • Colesterol total: 192 mg/dL, • HDL-c: 40 mg/dL, • Triglicérides: 176 mg/dL, n Membros: • sem edemas; boa perfusão periférica. n Exames laboratoriais: 56 • Hemoglobina: 17,8 g%; • LDL-c: 117 mg/dL, • Hematócrito: 51%; • Potássio: 4,3 mEq/L, • Ácido úrico: 9,1 mg/dL; • Creatinina: 1,2 mg/dL, • Triglicérides: 292 mg/dL; • Sódio urinário: 212 mEq/24h, • Creatinina: 1,3 mg/dL; • • Sódio: 137 mEq/L; Potássio urinário: 35 mEq/24h, HIPERTENSÃO n Ecocardiograma: • septo: 18 mm, parede: 16 mm, diâmetro diastólico: VE 51 mm, átrio esquerdo: 41 mm, índice de massa de VE: 230 g/m2. n Estudo renal dinâmico com DTPA-99mTc: • fluxo sangüíneo simétrico, sem anormalidades na fase excretora. Conduta O paciente foi reorientado quanto ao consumo de sal, aumentou-se a dose de espironolactona para 100 mg/dia e associou-se amlodipina 5 mg/dia, além de AAS 100 mg/dia. Discussão Paciente com hipertensão arterial primária, com história familiar importante para hipertensão arterial e insuficiência renal. Apesar da dificuldade de adesão ao tratamento, pode-se considerar o paciente como resistente à tríplice terapia (diuréticos associados, enalapril e metildopa). O paciente, apesar de orientado por nutricionista, manteve alta ingestão de sódio (cerca de 200 mEq/dia). A hipervolemia é um importante componente da resistência aos agentes antihipertensivos, particularmente aos que têm em seu mecanismo de ação o bloqueio do sistema renina-angiotensinaaldosterona (SRAA), pois, na presença de hipervolemia, a atividade do SRAA está reduzida (como em nosso paciente). A hipervolemia é observada com freqüência em pacientes que ingerem quantidades excessivas de sal ou que têm déficit de função renal e, por conseqüência, apresentam dificuldade em excretar mesmo uma quantidade normal de sódio. Nem sempre a hipervolemia é expressa clinicamente pela presença de edema, por isso o médico deve estar atento às pequenas variações de peso que podem indicar o acúmulo de volume extracelular. Nesses casos a restrição de sódio ou o uso de doses apropriadas de diuréticos tiazídicos ou de alça (quando houver déficit de função renal) é a abordagem adequada. Abordagem do paciente e esquemas terapêuticos Deve ser lembrado que múltiplos fatores exógenos podem coexistir com uma causa secundária de hipertensão arterial. O tratamento da hipertensão resistente inclui eliminação dos fatores exógenos e o uso de máximas doses toleradas de múltiplos agentes, incluindo um diurético de longa ação, além de realizar todas as medidas necessárias para melhorar a aderência do paciente ao tratamento. A terapia mais efetiva prescrita pelos médicos mais cuidadosos irá controlar a pressão arterial apenas se o paciente estiver motivado para tomar as medicações prescritas e para realizar e manter um estilo de vida mais saudável. A empatia é um importante motivador e a motivação melhora quando os pacientes têm experiências positivas e confiam em seus médicos. Os médicos, por sua vez devem levar em conta as diferenças culturais, crenças e prévias experiências com o sistema de saúde para estabelecer uma boa relação médico–paciente e atingir a melhor aderência e, conseqüentemente, o melhor controle da pressão arterial. Após identificar e corrigir as eventuais causas da resistência ao tratamento anti-hipertensivo, e mesmo enquanto as causas estão sendo identificadas, o tratamento farmacológico mais adequado deve ser instituído. O uso de combinações lógicas e sinérgicas deve embasar o tratamento inicial do hipertenso para atingir os níveis de pressão arterial alvo. Como tem sido descrito, o controle ótimo de pressão arterial pode requerer o uso de múltiplas drogas, principalmente em populações especiais, como diabéticos e hipertensos com insuficiência renal. Se com associação de dois ou três fármacos o controle não for atingido, sugere-se a combinação de bloqueadores de canais de cálcio diidropiridínicos (amlodipina) e não-diidropiridínicos (verapamil, diltiazem), ou o uso de alfa e betabloqueadores (labetalol, carvedilol), ou associação de antagonistas centrais (clonidina), ou mesmo a espironolactona, especialmente útil em pacientes com níveis de aldosterona plasmática elevada. Um estudo recente mostrou que espironolac- tona adicionada à terapia tripla ou quádrupla em pacientes com hipertensão resistente foi segura e efetiva, havendo redução significativa do número de drogas utilizadas. No entanto, esses achados necessitam ser confirmados em estudos com maior número de indivíduos. Em casos muito resistentes a essas abordagens, vasodilatadores periféricos, incluindo o potente vasodilatador direto minoxidil (5 a 20 mg/dia) podem ser adicionados. Em um artigo publicado recentemente, os autores sugerem um tratamento de hipertensão resistente baseado em valores hemodinâmicos obtidos através da bioimpedância, com medidas indiretas do débito cardíaco e da resistência periférica. Assim, os ajustes da medicação e o uso de diferentes classes são baseados nas medidas de débito cardíaco, resistência vascular sistêmica e na bioimpedância corpórea total. Apoiados nessa abordagem hemodinâmica, os autores conseguiram um controle muito melhor dos pacientes com hipertensão resistente do que daqueles sob cuidados de tratamento apenas especializado, mostrando haver muitas vezes necessidade do uso de doses mais elevadas de diuréticos. Os autores atribuem a maior parte da resistência à terapêutica anti-hipertensiva a um estado de hipervolemia relativa, por consumo inadequado de sódio na dieta. Volume 7 / Número 2 / 2004 57 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ hidrodinâmica dependente de sobrecarga salina ○ ○ ○ ○ Felipe Costa Fuchs ○ ○ Flávio Danni Fuchs* Unidade de Hipertensão Arterial, Serviço de Cardiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo A síndrome metabólica decorreria de disfunção endotelial e resistência à insulina, levando a obesidade, diabetes e hipertensão arterial. Hipertensão tem patogenia diversa das outras condições, pois decorre de resposta orgânica à sobrecarga de cloreto de sódio. O rim é o órgão responsável pela manutenção da pressão arterial a longo prazo, dependendo de sua capacidade emunctória de cloreto de sódio. Experimentos e observações epidemiológicas suportam a interpretação de que a predisposição familiar à hipertensão condiciona a resposta pressora de indivíduos à sobrecarga de cloreto de sódio. A baixa efetividade de dietas hipossódicas se deve ao fato de que no hipertenso estabelecido há hipertrofia arteriolar de difícil reversibilidade. Adicionalmente, há muita dificuldade de seguir dietas realmente hipossódicas. Os demais componentes da síndrome metabólica explicam a ocorrência de hipertensão provavelmente pelo efeito anabolizante e retentor de sódio exercido pela insulina e por outros mecanismos associados à obesidade. O componente central permanece sendo NaCl, desencadeante primário do estado hidrodinâmico característico da hipertensão. *Endereço para correspondência: Serviço de Cardiologia – Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos, 2.350 – sala 2.061 90035-003 – Porto Alegre – RS Telefax: (51) 2101-8420 E-mail: [email protected] 58 HIPERTENSÃO Nos últimos anos tem-se assistido à tentativa de enquadrar hipertensão arterial entre as manifestações da síndrome metabólica. Por essa interpretação, disfunção endotelial e resistência à insulina estariam na gênese de obesidade, diabetes e hipertensão arterial. O enquadramento dessas condições em síndrome única encontra respaldo na observação de que muitas vezes elas coexistem. Os modelos experimentais, no entanto, não têm conseguido reproduzir a síndrome a partir de alterações metabólicas comuns. Hipertensão arterial, em particular, é a manifestação que menos se associa, por patogenia, às outras manifestações. O mais importante mecanismo fisiopatogênico da hipertensão arterial é exclusivo dela: a resposta orgânica à sobrecarga de cloreto de sódio. O conjunto de informações que sustenta essa afirmação é muito vigoroso e inclui resultados de investigações em inúmeros modelos de pesquisa. As pesquisas epidemiológicas com modelos ecológicos constituem ricos exemplos. Em época em que a pesquisa brasileira em hipertensão arterial era incipiente, um dos mais famosos antropólogos, Lowenstein, demonstrava que em índios da tribo brasileira dos Mundurucus, aculturados e com o hábito de adicionar sal à preparação e conservação dos alimentos, a pressão arterial aumentava com a idade. Nos Carajás, etnograficamente similares aos Mundurucus, mas não aculturados e sem o hábito de adicionar sal aos alimentos, a pressão arterial não aumentava com a idade1 (figura 1). FIGURA 1 PRESSÃO ARTERIAL POR IDADE ENTRE MUNDURUCUS, INDÍGENAS QUE ADICIONAVAM SAL À DIETA, E CARAJÁS, QUE NÃO ADICIONAVAM SAL1 Pressão arterial (mmHg) Autores: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ EPIDEMIOLOGIA Hipertensão arterial: síndrome Mundurucus Carajás 140 120 100 80 60 25 35 45 55 Idade (anos) 65 FIGURA 2 ASSOCIAÇÃO ENTRE PREVALÊNCIA DE HAS E INGESTÃO DE NACL EM DIFERENTES SOCIEDADES2 Ingestão de NaCl (g) 30 Japoneses do Norte Bantu (África) 20 Americanos (Norte EUA) Japoneses do Sul 10 Ilhas Marshal Esquimós (Alasca) 10 20 Prevalência de HAS 30 FIGURA 3 ASSOCIAÇÃO ENTRE PRESSÃO ARTERIAL E SÓDIO INGERIDO (EM NÚMERO DE VEZES O NORMAL) EM DIVERSAS CONDIÇÕES HIPERTENSIVAS3 FIGURA 4 PRESSÃO ARTERIAL EM RATOS NÃO-PREDISPOSTOS A HIPERTENSÃO (N) QUE RECEBERAM OU DOARAM RINS PARA RATOS PREDISPOSTOS GENETICAMENTE A HIPERTENSÃO (H)5 Em outras populações não-aculturadas e na comparação entre a quantidade de sódio ingerida por populações e a prevalência de hipertensão arterial identificou-se a mesma associação2 (figura 2). Modelos animais, como os ratos Dahl, SHR e outros, reproduziram, em condições controladas, a indução de hipertensão arterial por sobrecarga salina. Guyton integrou os mecanismos fisiopatogênicos propostos para a elevação da pressão arterial na função emunctória renal de cloreto de sódio3. Mesmo as ditas causas de hipertensão secundária enquadram-se no modelo de Guyton, pois qualquer fator que determine elevação da pressão arterial só a manterá elevada se promover a retenção de sódio pelo rim (figura 3). Transplantes renais entre ratos predispostos e não-predispostos a hipertensão induzida por sal demonstraram a acurácia do modelo de Guyton, pois o desencadeamento de hipertensão por sal acompanhou o rim da cepa predisposta à hipertensão4,5. A figura 4 ilustra o elegante experimento de Bianchi e colaboradores5. O mais ambicioso estudo epidemiológico dirigido à investigação da associação entre a ingestão de sal e a pressão arterial, o Intersalt, trouxe alguns resultados frustrantes6. Trata-se de um grande estudo transversal realizado em 52 centros de trinta países demonstrando a associação intersociedades entre a quantidade de sal ingerida em cada um dos centros e a prevalência de hipertensão arterial. A análise intra-sociedades, entretanto, detectou uma correlação positiva em somente oito deles para a pressão sistólica e em nenhum para a pressão diastólica após ajuste para diversos fatores de confusão. Várias explicações foram aventadas para a dissociação dos achados inter e intra-sociedades. Uma delas foi explorada em modelo experimental e em pesquisa epidemiológica em Porto Alegre. Consiste na idéia de que somente uma parcela da população responde com aumento da pressão arterial ante consumo aumentado de cloreto de sódio. Assim, contribuem para a associação entre sociedades, mas, não são suficientemente freqüentes para detectar correlações positivas quando a unidade de análise é o indivíduo. Antes mesmo da publicação do Intersalt, demonstramos, em experimento com adultos jovens normotensos, que somente aqueles predispostos familiarmente para hipertensão arterial respondiam com elevação transitória de pressão arterial ante sobrecarga de cloreto de sódio7 (figura 5). Esta hipótese foi desenvolvida em conjunto com outras evidências por Zhu e Psaty8. Mais recentemente demonstramos que o fenômeno observado em condições experimentais Volume 7 / Número 2 / 2004 59 ○ ○ ○ ○ ○ FIGURA 5 EFEITO DE DIETAS VARIÁVEIS EM SÓDIO SOBRE A PA, DE ACORDO COM PREDISPOSIÇÃO FAMILIAR PARA HAS7 Note-se o aumento transitório da pressão arterial no 3º e 6º dia de dieta com sobrecarga de sódio. H = hipossódica; R = regular em sódio; S = sobrecarga de sódio. FIGURA 6 PREDISPOSIÇÃO FAMILIAR (P), SOBRECARGA SALINA (S) E PRESSÃO ARTERIAL EM JOVENS NORMOTENSOS9 15 135 12 64 66 P+/S- P-/S+ P-/S- 125 PA (mmHg) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ podia ser detectado em indivíduos vivendo em sociedade9. Ali, verificamos que indivíduos normotensos jovens com forte predisposição familiar para hipertensão arterial tinham pressão arterial mais elevada do que os não-predispostos somente quando ingeriam quantidades aumentadas de cloreto de sódio. Os não-predispostos não tinham pressão mais elevada mesmo ante alta ingestão de cloreto de sódio (figura 6). Os mecanismos tubulares renais de excreção de sódio e seus sistemas de controle estão na raiz dos fenômenos retentores que levam à expansão do extravascular e aumento de pressão arterial. Aventa-se que a simples diminuição do número de néfrons funcionantes, típico do envelhecimento, seja por si só fator capaz de promover a retenção de sódio e aumento da pressão arterial típica da idade10. A reversão de hipertensão instalada por dietas hipossódicas não tem se mostrado efetiva11,12. Isto se deve ao fato de que nestas condições já se instalou hipertrofia arteriolar, que tende a perpetuar o aumento da resistência periférica. Adicionalmente, há muita dificuldade de seguir dietas realmente hipossódicas fora de condições experimentais. As evidências comentadas ilustram a forte associação entre sal, rim e hipertensão arterial. Os demais componentes da síndrome metabólica explicam a ocorrência de hipertensão provavelmente pelo efeito anabolizante e retentor de sódio exercido por insulina e por outros mecanismos associados à obesidade. O componente central permanece sendo o cloreto de sódio, desencadeante primário do estado hidrodinâmico característico da hipertensão arterial. 115 85 75 65 P+/S+ Interação P/S = 0,033 (sistólica) e 0,007 (diastólica) A pressão arterial foi significativamente mais elevada quando coexistiam predisposição forte (P+) e consumo elevado de sódio (S+) no dia em que se aferiu a pressão arterial. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 60 LOWENSTEIN FW. Blood pressure in relation to age and sex in the tropics and subtropics. Lancet, v. 1, p. 389–392, 1961. DAHL LK. Salt intake and hypertension. In: Genest O, Koiw E, Kuchel J (Eds.) Hypertension. New York , McGraw-Hill, 1977, p. 566–575. GUYTON AC. Personal views on mechanisms of hypertension. In: Genest, Koiw, Kuchel (Eds.) Hypertension. New York , McGrawHill, v. 4, cap. 12, 1977, p. 566–575. DAHL LK, HEINE M, THOMPSON K et al. Genetic influence of the kidneys on blood pressure. Evidence from chronic renal homografts in rats with opposite predispositions to hypertension. Circ Res, v. 34, p. 94–101, 1974. BIANCHI G, FOX U, DIFRANCESCO GF et al. Blood pressure changes produced by kidney cross-transplantation between spontaneously hypertensive rats and normotensive rats. Clin Sci Mol Med, v. 47, p. 435–448, 1974. INTERSALT COOPERATIVE RESEARCH GROUP. Intersalt: An international study of electrolyte excretion and blood pressure. Results for 24 hour urinary sodium and potassium excretion. Br Med J, v. 297, p. 319–328, 1988. FUCHS FD, WANNMACHER CM, WANNMACHER L, GUIMARAES HIPERTENSÃO 8. 9. 10. 11. 12. FS, ROSITO GA, GASTALDO G et al. Effect of sodium intake on blood pressure, serum levels and renal excretion of sodium and potassium in normotensives with and without familial predisposition to hypertension. Braz J Med Biol Res, v. 20, p. 25–34, 1987. ZHU K, PSATY BM. Sodium and blood pressure: the puzzling results of intrapopulation epidemiologic studies. Med Hypothes, v. 38, p. 120–124, 1992. MORAES RS, FUCHS FD, DALLA COSTA F, MOREIRA LB. Familial predisposition to hypertension and the association between urinary sodium excretion and blood pressure in a population-based sample of young adults. Braz J Med Biol Res, v. 33, p. 799–803, 2000. KELLER G, ZIMMER G, MALL G, RITZ E, AMANN K. Nephron number in patients with primary hypertension. N Engl J Med, v. 348(2), p. 101–108, 2003. MIDGLEY JP, MATTHEW AG, GREENWOD CM, LOGAN AG. Effect of reduced dietary sodium on blood pressure. JAMA, v. 275, p. 1590–1597, 1997. HOOPER L, BARTLETT C, DAVEY SMITH G, EBRAHIM S. Systematic review of long term effects of advice to reduce dietary salt in adults. BMJ, v. 325, p. 628, 2002. FATORES DE RISCO Sal, hipertensão e genética Autores: Alexandre da Costa Pereira José Eduardo Krieger* Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Instituto do Coração – InCor, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Introdução A dieta ocidental, que inclui uma quantidade grande de alimentos industrializados, fornece uma quantidade de sal muitas vezes maior do que a necessária para o organismo humano, pelo menos em termos fisiológicos. O debate com relação à necessidade de diminuição da ingestão de sal continua a causar polêmica. A observação da associação entre ingestão de sal e hipertensão data de vários séculos atrás, já sendo mencionada em textos chineses de aproximadamente 1.000 anos antes de Cristo. No último século, uma série de trabalhos tanto epidemiológicos quanto fisiológicos tentou delimitar melhor esta associação. A contribuição renal para a homeostase de sódio é crucial. Nesse sentido, a teoria Guytoniana da natriurese pressórica argumenta que um estado de hipertensão não deve sustentarse sem um envolvimento renal ativo. * Endereço para correspondência: Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Instituto do Coração – InCor, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3069-5068 / 3069-5579 Fax: (11) 3069-5022 E-mail: [email protected] Genética humana Com os avanços proporcionados pelo advento e melhoria das técnicas de biologia molecular e as informações trazidas por esforços objetivos na elucidação do genoma humano e de uma série de animais, a possibilidade de se identificarem genes cuja função, ou disfunção, pudesse afetar a homeostase pressórica humana passou a ser uma realidade nas últimas décadas. Nesse sentido, uma das teorias correntes afirma que, em um dado indivíduo, algo em torno de cinco ou seis genes contribuem de maneira significativa para a pressão arterial final. Esta situação seria, assim, o reflexo de uma complexa e intrincada rede de interações gene–gene e gene–ambiente. Em alguns indivíduos, no entanto, defeitos em um único gene podem causar alterações significativas na pressão arterial. Nesses indivíduos, os fenótipos de hipertensão ou hipotensão comportam-se como traços monogenéticos. As alterações moleculares de um grande número dessas raras doenças Mendelianas já foram elucidadas. É interessante notar que as vias moleculares defeituosas nestas várias situações convergem para um mecanismo em comum: a reabsorção de sódio realizada pelo rim. Neste sentido, mutações que aumentam a reabsorção renal de sódio aumentam a pressão arterial, enquanto que mutações que diminuem a reabsorção de sódio diminuem a mesma. Síndrome de Liddle Em 1963, Liddle e colaboradores descreveram uma síndrome autossômica dominante associada a hipertensão moderada a severa, hipocalemia, alcalose metabólica e níveis plasmáticos suprimidos de renina e aldosterona. Estudos clínicos revelaram que pacientes afetados tinham baixa secreção de aldosterona, ausência de resposta à espironolactona e uma curiosa resposta a trinterene e restrição salina. Uma alteração tubular foi inicialmente cogitada. O fato de um transplante renal corrigir o defeito no caso índice, que evolui com nefropatia crônica 25 anos após a descrição original, deu mais força a essa hipótese. A correção tanto da hipertensão quanto da hipocalemia através do uso de amiloride sugeria que um dos potenciais candidatos à ser o causador da síndrome de Liddle, como passou a ser conhecida, era o Canal Epitelial de Sódio (CENa) renal. Em 1994, Shimkets e colaboradores foram os primeiros a descrever mutações na região carboxiterminal da subunidade beta do CENa associadas à Síndrome de Liddle. Volume 7 / Número 2 / 2004 61 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Através da regulação via aldosterona e vasopressina, o canal epitelial de sódio (CENa) localizado no néfron distal é um dos determinantes primários da absorção renal deste íon. Este canal, composto por três subunidades, é membro da superfamília de genes dos canais epiteliais de sódio, que inclui mais de 20 proteínas homólogas. As proteínas dessa superfamília compartilham uma estrutura característica: dois domínios transmembrana interligados por uma alça extracelular e com domínios carboxi e amino terminais localizados no intracelular. A alça extracelular é o local de acoplamento da droga amiloride e a região carboxiterminal um “hot spot” para mutações que alteram a função do canal em humanos. No néfron distal, o CENa é uma proteína heterotetrâmica, composta por três diferentes subunidades homólogas: duas subunidades alfa, separadas por uma subunidade beta e outra gama, sendo todas necessárias para o funcionamento normal da proteína. Análises de outras famílias já identificaram mutações em seqüências ricas em prolina das porções carboxiterminais das subunidades beta e gama. Estudos de mutagênese permitiram analisar algumas dessas mutações e mostrar que elas levam a proteínas constitutivamente ativadas. Várias evidências sugerem que mutações causadoras da Síndrome de Liddle levam tanto à expressão de um número maior de canais de sódio quanto a um aumento da probabilidade de abertura dos mesmos. Dois mecanismos são propostos para explicar esse fenômeno. Mutações em regiões ricas em prolina nas subunidades beta e gama, mas não alfa, podem levar a uma diminuição da endocitose dessas proteínas, aumentando assim suas meiasvidas. Além disso, a regulação da meia-vida dessas proteínas parece estar ligada à ubiquitinação de porções carboxiterminais das subunidades alfa e gama do CENa. Este processo depende da ação ubiquitin-ligase de uma outra proteína, Nedd4. Embora mutações em Nedd4 ainda não tenham sido descritas como personagens de desbalanços da homeostase pressórica, alterações em CENa no sítio de ação dessa enzima parecem contribuir para o fenótipo de aumento de meia-vida observado na Síndrome de Liddle. A Síndrome de Liddle pode ser tratada através da restrição salina e do uso de amiloride (diurético inibidor seletivo deste canal de sódio). Estudos com pacientes portadores dessa síndrome podem trazer maiores esclarecimentos para o fenômeno da hipertensão sal-sensível, assim como definir formas terapêuticas ainda mais específicas para esta e outras formas de hipertensão arterial. Pseudo-hipoaldosteronismo tipo I O pseudo-hipoaldosteronismo do tipo I (PHA 1) representa clinicamente o inverso da Síndrome de Liddle. É uma rara doença caracterizada por perda renal de sal e acidose metabólica hipercalêmica, a despeito de elevados níveis de renina e aldosterona, com função renal e adrenal preservadas. O quadro clínico é de resistência renal ao uso de mineralocorticóides. Com relação ao padrão de herança genética, formas autossômicas recessivas e dominantes já foram descritas. Ambas apresentam-se nas primeiras semanas de vida, caracterizadas por desidratação, perda de sal, hiponatremia e acidose 62 HIPERTENSÃO metabólica hipercalêmica. Na forma recessiva, pacientes apresentam importante perda de sódio pelo cólon, suor, pelas glândulas salivares e pelo rim. Tais crianças têm episódios recorrentes de perda de sal e hipercalemia, necessitando suplementação de sódio e tratamento com resinas trocadoras de potássio por toda a vida. A forma recessiva da doença é causada por mutações que levam à perda de função das subunidades do CENa em homozigose. Essa ocorrência leva a uma importante redução na reabsorção cortical de sódio no ducto coletor. Além disso, a secreção de potássio e hidrogênio, ligada à reabsorção de sódio, é também bloqueada. A hipercalemia resultante, associada a um estado de depleção de volume, estimula o sistema renina-angiotensina, resultando em um aumento dos níveis de aldosterona e na ativação máxima do receptor de mineralocorticóide. Devido à ausência do CENa, o receptor de mineralocorticóide é incapaz de estimular a reabsorção de sódio, de maneira a reiniciar um ciclo vicioso que leva à perpetuação da perda de sódio e da acidose hipercalêmica. A gravidade do quadro clínico da forma recessiva de pseudo-hipoaldosteronismo realça a importância crucial do CENa para a homeostase de sódio, mesmo em indivíduos ingerindo uma dieta rica em sal. Existe, no entanto, alguma variabilidade no prognóstico de pacientes com a forma recessiva da doença. Em pacientes com mutações homozigotas, que levam à perda total da função da proteína, o quadro clínico é geralmente muito grave. Na forma dominante do pseudo-hipoaldosteronismo, a perda de sódio é restrita ao rim. Enquanto esses pacientes podem mostrar quadro muito grave ao nascimento, geralmente apresentam história clínica muito mais favorável, geralmente com boa resposta à suplementação de sal na dieta. Em alguns casos podem até mesmo descontinuar a terapia após alguns anos de vida. Mutações em heterozigose que levam à perda de função no receptor de mineralocorticóide causam essa forma de doença. Síndromes de Bartter e Gitelman As Síndromes de Bartter e Gitelman foram originalmente descritas como variações de uma mesma doença, resultando em alcalose metabólica hipocalêmica. Estudos bioquímicos e genéticos permitiram a separação das entidades em dois processos fisiopatológicos independentes, com características fenotípicas distinguíveis. Os defeitos genéticos envolvem transportadores de sal que são alvos de diuréticos ou outras proteínas que são parceiras essenciais para o funcionamento desses transportadores. Em ambas as doenças, a forma da herança é autossômica recessiva. Até o presente momento, quatro diferentes genes foram descritos como causadores da Síndrome de Bartter, enquanto todos os casos de Síndrome de Gitelman são devidos a mutações em um único gene. Em todas essas variações, o efeito final é o de perda renal de sal, levando a baixos valores de pressão arterial, redução do potássio sérico, e uma ativação do sistema renina-angiotensina. Características que diferenciam as Síndromes de Bartter e Gitelman envolvem o manejo renal de cálcio e deposição, magnésio sérico, assim como a apresentação clínica. Na Sín- drome de Bartter, indivíduos afetados podem se apresentar na infância com grave depleção de volume e retardo de crescimento. Prematuridade, assim como, polihidrâmnio materno são comuns. A disfunção metabólica é usualmente acompanhada por hipercalciúria com normocalcemia e normomagnesemia. Calcificações do trato renal e urinário são muito comuns e podem estar presentes até mesmo em neonatos. Nefrocalcinose na infância sugere o diagnóstico de Síndrome de Bartter tipo I ou II. Hiperprostaglandinúria e uma resposta terapêutica à indometacina são características da doença do tipo II. Em contrapartida, pacientes com síndrome de Bartter tipo III podem apresentar normocalciúria com hipomagnesemia discreta, na ausência de deposição renal de cálcio. Pacientes com o tipo IV são surdos. O quadro bioquímico em pacientes com Síndrome de Bartter não-tratada lembra o quadro ocasionalmente visto em pessoas normais em uso crônico de diuréticos de alça. O alvo para diuréticos é o cotransportador sódio-potássio-cloro (NKCC2), que é expresso na membrana apical da alça ascendente de Henle. Defeitos no gene que codifica o NKCC2 causam a Síndrome de Bartter tipo I. Subseqüentemente, dois outros genes defeituosos que resultam na perda de função do NKCC2 foram identificados. Estes são ROMK2, que codifica um canal de potássio expresso na medula renal que regula a atividade de NKCC2 através da reciclagem de íons K+ no fluido tubular (Síndrome de Bartter tipo II), e CLCNKB, que codifica um canal de cloro expresso na membrana basolateral das mesmas células da alça de Henle (Síndrome de Bartter tipo III). Mais recentemente, a Síndrome de Bartter tipo IV foi atribuída à perda de função em uma proteína denominada Barttina, um cofator essencial para o canal de cloro CLC-KB, expresso nos rins e ouvido interno, o que explica a associação clínica com surdez. A grande maioria dos pacientes com suspeita de Síndrome de Bartter de fato apresenta a Síndrome de Gitelman, que é bem mais freqüente. O fenótipo nesse caso é muito mais discreto, usualmente sendo identificado no final da infância, ou mesmo já na idade adulta. Alguns indivíduos afetados são assintomáticos, enquanto outros podem ser afetados de forma mais importante, com problemas de crescimento e, não raramente, problemas articulares, tetania ou outras alterações neuromusculares. Trabalho descrevendo os sinais e sintomas na apresentação clínica da doença traz um fato curioso e que mostra, entre médicos e pacientes uma diferença de percepção da doença: enquanto, em um grande número de casos, médicos consideram a Síndrome de Gitelman assintomática, a maioria dos pacientes discorda. Mesmo que de maneira anedótica, existe o relato de que pacientes afetados apresentam uma preferência por alimentos salgados, quando comparados a doces. Bioquimicamente a Síndrome de Gitelman é caracterizada por hipocalciúria e hipomagnesemia, com perda renal de magnésio. Pacientes com a Síndrome de Gitelman recapitulam alterações vistas em indivíduos em uso crônico de diuréticos tiazídicos, usualmente utilizados no tratamento de hipertensão. De fato, o uso não-declarado de diuréticos ou laxativos permanece como o principal diagnóstico diferencial da doença. Todos os casos de Síndrome de Gitelman são devidos a mutações que levam à perda de função do cotransportador sódiocloro (NCCT), o alvo de diuréticos tiazídicos presentes na superfície apical epitelial do túbulo contornado distal renal. O tratamento das Síndromes de Bartter e Gitelman pode ser difícil, uma vez que o grau de depleção de sal pode ser grave. A reposição agressiva de sal e potássio, em particular, é essencial. Alguns pacientes apresentam boa resposta à administração de indometacina, especialmente na Síndrome de Bartter tipo II. A suplementação de magnésio também é um importante adjuvante no tratamento da Síndrome de Gitelman. Síndrome de Gordon O inverso clínico da Síndrome de Gitelman caracteriza a Síndrome de Gordon. Nesta patologia existe hipertensão associada com retenção de sódio, acompanhada por um aumento no nível sérico de potássio e acidose. A despeito da indicação clínica de que uma provável causa para a Síndrome de Gordon seria uma alteração que levaria a hiperatividade do NCCT, este gene foi afastado como causador da doença. Dois outros genes foram recentemente identificados, WNK1 e WNK4. O gene WNK1 é expresso de maneira ubíqua e está particularmente associado com epitélio transportador de cloro em vários locais. A expressão de WNK4 é limitada às regiões distais do néfron. Particularmente interessante é a evidência de que WNK4 age como regulador negativo da função de NCCT. Mutações identificadas em pacientes liberam essa inibição, levando a hiperatividade de NCCT. A proteína WNK4 também afeta o canal de K localizado na medula renal (ROMK) e pode constituir-se em um novo alvo para medicações antihipertensivas. Das moléculas à população Claramente, a imensa maioria dos pacientes hipertensos não apresenta nenhum desses mecanismos moleculares explicando seus respectivos aumentos de pressão arterial. Apesar dessas doenças serem extremamente raras, elas apontam para um importante e intrincado mecanismo de regulação que une o consumo de sal, a regulação do sistema renina-angiotensina e a pressão arterial. No sentido de trazer para o nível populacional os importantes novos conhecimentos advindos da determinação do mecanismo molecular das doenças previamente descritas, uma série de grandes estudos populacionais vêm sendo realizados com o objetivo de identificar genes defeituosos responsáveis pelo desarranjo na regulação da pressão arterial em humanos. No entanto, o mesmo sucesso alcançado em famílias de pacientes com as doenças previamente descritas não foi observado nesses estudos populacionais, sendo os resultados bastante discretos e, por vezes, conflitantes. Dois genes aparentam sobressair nessa abordagem: o gene codificante do angiotensinogênio e o gene codificante para a subunidade beta do CENa. Em ambos os casos existem conseqüências funcionais que associam as alterações genéticas descritas com discretas variações no manejo de sal em indivíduos afetados. Volume 7 / Número 2 / 2004 63 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sensibilidade ao sal: um conceito controverso Evidências que mostram que o sódio tem um importante papel no processo fisiopatológico de desenvolvimento de hipertensão não vêm apenas de raros casos de doenças em grande parte desconhecidas. Como já mencionado, uma série de estudos epidemiológicos demonstraram uma correlação interpopulacional positiva entre excreção de Na em 24 horas e pressão arterial, assim como estudos mostram a importância da ingestão de sal no aumento da pressão arterial com o avançar da idade. A despeito dessas evidências, como já foi colocado na introdução os benefícios em potencial que uma redução populacional da ingestão de sal poderia causar no controle da pressão arterial e, conseqüentemente, na redução do risco cardiovascular, ainda são o ponto central de intensos debates. Várias meta-análises concluíram que a redução do consumo de sal na população geral produz um pequeno efeito na pressão arterial. A sensibilidade ao sal é definida como a diferença interindividual na resposta da pressão arterial a mudanças no consumo de cloreto de sódio. Outra maneira de entender o fenômeno é através de uma alteração no coeficiente angular da relação pressão–natriurese. Nesse sentido, de especial importância para o fenômeno é o manejo renal proximal de sódio, que demonstradamente é um importante regulador da relação pressão–natriurese em pacientes com hipertensão sal-sensível, independentemente de mudanças na hemodinâmica renal. Fora as formas monogênicas de hipertensão já descritas, várias variantes genéticas relativamente comuns parecem estar associadas a níveis aumentados de pressão arterial e maior suscetibilidade a hipertensão. Para algumas dessas variantes, alterações funcionais já foram descritas. Essas alterações parecem justificar, quando estudadas individualmente, uma pequena parcela da variabilidade da pressão arterial na população geral. No entanto, parecem fornecer importantes elementos para o entendimento dos processos de regulação homeostática da pressão arterial em uma dada população. Por exemplo, em alguns casos, já foram descritas alterações fun- cionais envolvendo o transporte de cloreto de sódio renal, e que podem ser responsáveis em parte pela variabilidade desse fenótipo. A variante Gly460Trp do gene da alfaaducina é associado a uma prevalência aumentada de hipertensão arterial em uma série de populações. Tanto o “clearance” de lítio endógeno como o “clearance” de ácido úrico mostraram-se reduzidos em pacientes hipertensos que carreavam essa variante, indicando uma taxa aumentada de reabsorção de sódio no túbulo proximal. A alteração bioquímica responsável pela maior avidez de epitélio tubular por sódio pode ser uma atividade sódio-potássio ATPase aumentada causada por uma interação com ganho de função entre a mólecula do alelo 460Trp e a bomba sódio-potássio. Uma prevalência aumentada de hipertensão também já foi descrita em indivíduos portadores de uma variante funcional do receptor de glucagon, que está associada a uma afinidade reduzida por glucagon em células hepáticas e a uma conseqüente diminuição na produção de seu mensageiro intracelular o AMPc. Da mesma maneira outros genes candidatos com fenótipos intermediários já caracterizados colocam-se como promissores marcadores de risco genético para o desenvolvimento de alterações no manejo renal de sódio e hipertensão sal-sensível. Conclusões Várias evidências advindas de estudos clínicos e experimentais suportam a noção de que o manejo renal alterado de sódio tem um papel no desenvolvimento de hipertensão arterial em humanos. Este manejo tubular alterado tem sido associado a várias mutações em raras síndromes genéticas e com variações polimórficas em um grande número de genes com interação conjunta e com vários fatores metabólicos, nutricionais e neuro-humorais, dentre os quais encontra-se o consumo de sal. A elucidação do papel particular de cada um desses produtos gênicos envolvidos nesse processo é uma das chaves para o melhor entendimento das bases moleculares da hipertensão arterial. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 64 CUSI D, BIANCHI G. A primer on the genetics of hypertension. Kidney Int, v. 54, p. 328–342, 1998. LIFTON RP. Molecular genetics of human blood pressure variation. Science, v. 272, p. 676–680, 1996. GABERS DL, DUBOIS SK. The molecular basis of hypertension. Annu Rev Biochem, v. 68, p.127–155, 1999. O’SHAUGHNESSY KM, KARET FE. Salt handling and hypertension. J Clin Invest, v. 113, p. 1075–1081, 2004. HUMMLER E. Epithelial sodium channel, salt intake, and hypertension. Curr Hypertens Rep, v. 5, p. 11–18, 2003. STRAZZULLO P, GALLETTI F, BARBA G. Altered renal HIPERTENSÃO 7. 8. 9. handling of sodium in human hypertension: short review of the evidence. Hypertension, v. 41, p. 1000–1005, 2003. KUROKAWA K. Kidney, salt, and hypertension: how and why. Kidney Int Suppl, v. 55, p. S46–51, 1996. KUROKAWA K, OKUDA T. Genetic and non-genetic basis of essential hypertension: maladaptation of human civilization to high salt intake. Hypertens Res, v. 21, p. 67–71, 1998. ROSSIER BC, PRADERVAND S, SCHILD L, HUMMLER E. Epithelial sodium channel and the control of sodium balance: interaction between genetic and environmental factors. Annu Rev Physiol, v. 64, p. 877–897, 2002. AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL Validação dos aparelhos automáticos e semi-automáticos de medida da pressão arterial Uma revisão sobre o assunto Autores: Angela M. G. Pierin* Professora Livre-Docente, Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Álvaro Ferreira Cláudia Laranjeira Luzi Faleiros Taveira Sandra Nara Marroni Pós Graduandos do Programa de Enfermagem na Saúde do Adulto – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Karla Abe Graduanda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo Resumo Diante do panorama de transformação da esfigmomanometria nos dias atuais, com a expansão de uso dos aparelhos automáticos ou semi-automáticos, normas foram instituídas para garantir a acurácia desses equipamentos. As mais usadas são das entidades “British Hypertension Society (BHS)” e “Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI)”. Porém, verificam-se na literatura outras formas de avaliação e validação desses aparelhos. Com o objetivo de conhecer as publicações sobre validação de aparelhos de medida da pressão arterial, realizou-se um levantamento dos artigos publicados e indexados no MedLine, sem restrições, utilizando-se os descritores “validation and blood pressure measurement”. Os dados estão reunidos em um quadro que permite a identificação do aparelho e a forma de validação. * Endereço para correspondência: Escola de Enfermagem da USP Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 419 05403-000 – São Paulo – SP Telefax: (11) 3066-7564 E-mail: [email protected] [email protected] Introdução A medida da pressão arterial desde o final do século passado tem apresentado modificações marcantes no que se relaciona aos aparelhos utilizados. Os aparelhos automáticos passam a ocupar lugar de destaque nesse cenário. Esses aparelhos, além de úteis para os pacientes avaliarem sua pressão em casa, podem substituir os esfigmomanômetros aneróides e de coluna de mercúrio nas unidades de saúde. Os manômetros devem estar devidamente calibrados, o que nem sempre acontece, pois condições de calibração insatisfatórias se fazem presentes, principalmente em relação aos aparelhos aneróides1. Os aparelhos de coluna de mercúrio apresentam calibração mais estável, além do que a simples visualização da coluna no ponto zero indica calibração, porém o seu uso também está sendo questionado. Os aspectos que justificam tal ação relacionam-se ao meio ambiente, devido à toxicidade do mercúrio e à possibilidade de erro inerente ao método indireto com técnica auscultatória, além da substituição da unidade de medida, de milímetros de mercúrio, para unidade de pressão, o kilopascal. Na Europa esse movimento é forte e exemplificado por condutas de países como Holanda e Suécia, que aboliram o mercúrio do ambiente hospitalar2, 3. Novas tecnologias também têm favorecido o desenvolvimento de aparelhos automáticos. O método oscilométrico de detecção dos valores da pressão arterial a partir da onda de pulso tem substituído o método auscultatório que requeria uso de microfone diretamente sobre a artéria e era passível de dificuldades, principalmente em pessoas obesas ou com sobrepeso. Diante do panorama de transformação da esfigmomanometria nos dias atuais, com a expansão de uso dos aparelhos automáticos ou semi-automáticos, normas foram instituídas para garantir a acurácia desses equipamentos. Normas de validação Duas entidades internacionais se destacam no provimento de normatização dos aparelhos automáticos ou semi de medida da pressão arterial: a “British Hypertension Society (BHS)4” e a “Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI)5” estabeleceram critérios que permitem a validação ou não desses aparelhos. O processo de avaliação dos dois protocolos inclui desde a descrição do procedimento até os critérios de avaliação do aparelho. A BHS Volume 7 / Número 2 / 2004 65 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUADRO 1 PROTOCOLO Medida da pressão AAMI Simultânea ou seqüencial no mesmo braço BHS (1990) Simultânea ou seqüencial no mesmo braço BHS (1993) Seqüencial no mesmo braço No de observadores 2 2 3 85 85 85 10% < 100, 10% > 160 110–240 10% < 90, 10% > 180 9 3 ou 9* 3 ou 9* Sentado/em pé/deitado Sentado Sentado/em pé/deitado* 3 3 3 65% das diferenças < 5 mmHg 50% das diferenças < 5 mmHg o N de pacientes Limites para pressão o N de medidas Posição do paciente o N de aparelhos para teste ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ COMPARAÇÃO ENTRE OS PROTOCOLOS DA BHS E DA AAMI DE AVALIAÇÃO DE APARELHOS AUTOMÁTICOS E SEMI-AUTOMÁTICOS DE MEDIDA DA PRESSÃO ARTERIAL17 Critérios de aceitabilidade Média das diferenças de + 5 mmHg e desvio padrão de + 8 mmHg * Para aparelhos de monitorização ambulatorial, três medidas em cada posição, em um adicional de 30 pacientes. apresentou sua primeira versão em 1990 e três anos após fez uma revisão6. Por outro lado, a AAMI editou sua primeira recomendação em 19877 , com modificações em 1992. O principal ponto de destaque entre as recomendações refere-se aos critérios de aceitabilidade, pois a BHS considera muito abrangente a proposta da AAMI de diferenças das médias entre o aparelho a ser analisado e o método padrão de até 5 mmHg para as pressões sistólica e diastólica e desvio padrão de até 8 mmHg. Diante desse aspecto, a BHS apresenta uma proposta de análise das diferenças que estabelece limites e classifica o aparelho em diferentes níveis. O quadro 1 compara os principais pontos das recomendações da BHS e AAMI e o quadro 2 apresenta a classificação da BHS de acordo com as diferenças em mmHg entre o aparelho a ser testado e as medidas obtidas pelo método indireto com técnica auscultatória. O’Brien8 considera que a recomendação de aceitação dos aparelhos deve atender aos seguintes critérios: atender à norma da média e desvio padrão da AAMI para as pressões sistólica e diastólica e classificação A ou B de acordo com a BHS. Aparelhos que não atenderem ao critério da AAMI ou apre- sentarem classificação C ou D para as pressões sistólica ou diastólica são considerados não-recomendáveis. As fases baseadas nas normas da BHS e AAMI que compõem o processo para validação de aparelhos automáticos ou semi-automáticos são descritas a seguir. 1o) Treinamento dos observadores Consiste no treinamento de dois observadores incluindo filme sobre medida da pressão arterial para identificar os sons de Korotkoff, treinamento com especialista e avaliação do teste da acurácia com o especialista e interobservadores, de acordo com os critérios de acurácia. Para tanto são realizadas cinco medidas por observador em cinco pessoas. Para aprovação o observador deverá atender aos seguintes critérios de acurácia: a) entre observadores e especialista, 90% de diferenças < 5 mmHg e 98% de diferenças < 10 mmHg; b) entre observadores, 85% de diferenças < 5 mmHg e 95% de diferenças < 10 mmHg. QUADRO 2 CLASSIFICAÇÃO DO APARELHO PELAS NORMAS DA BHS, DE ACORDO COM O PERCENTUAL DAS DIFERENÇAS 66 Diferenças entre aparelho testado e método padrão < 10 mmHg < 15 mmHg CLASSIFICAÇÃO < 5 mmHg A 80% 90% 95% B 65% 85% 95% C 45% 75% 90% D < 45% < 75% < 90% HIPERTENSÃO 2o) Avaliação da variabilidade interaparelhos Para o processo de validação são usados três aparelhos a serem testados, e a calibração deve ser testada contra aparelho de coluna de mercúrio, utilizando-se conexão em Y, observando-se diferença nos pontos de avaliação (0, 50, 100, 150, 200, 250 mmHg). Diferença acima ou igual a 4 mmHg é considerado descalibração. 3o) Avaliação da utilização e desempenho do aparelho Para avaliação deste item são consideradas facilidades e dificuldades de manuseio. Os aparelhos deverão estar em uso há pelo menos seis meses. 4o) Validação do aparelho Após ter preenchido as fases anteriores é que se inicia o processo de validação propriamente dito. A escolha dos aparelhos por ocasião de cada medida é feita de acordo com tabela aleatória. A amostra composta de 85 pacientes para realização das medidas da pressão arterial obedece aos seguintes critérios: pacientes de ambos os sexos; 15% pelo menos com pressão sistólica (mmHg) em cada uma das categorias, 100–140, 140– 180, 180–220, 220–240; 20% pelo menos com pressão diastólica (mmHg) em cada uma das categorias, 60–80, 80–100, 100–120; e idade entre 15 a 80 anos. São excluídos os pacientes com arritmias, fibrilação atrial, ausculta de som até zero, hiato auscultatório e Manobra de Osler positiva. Cada medida da pressão arterial é feita por um dos observadores treinados; um observador realiza medida em 43 pacientes e o outro em 42 pacientes, de forma alternada. São realizadas três medidas consecutivas com intervalo de dois minutos entre uma e outra; o observador não tem conhecimento dos valores de medida registrados no aparelho automático e o observador registra a medida da pressão sistólica e diastólica pela leitura na coluna de mercúrio. 5o) Análise e critérios para avaliar a acurácia Ao todo são realizadas 255 medidas (três medidas em 85 pacientes) e usadas as medidas independentes e não a média para análise. A classificação do aparelho é feita de acordo com o quadro 2, considerando-se as diferenças das leituras entre a coluna de mercúrio e o aparelho automático. As diferenças entre os valores das medidas do aparelho automático e o observador são plotadas contra a média da pressão do observador para apresentação na forma de figuras. Avaliação da literatura Com o objetivo de conhecer as publicações sobre validação de aparelhos de medida da pressão arterial, realizou-se um levantamento dos artigos publicados e indexados no MedLine, sem restrições, utilizando-se os descritores “validation and blood pressure measurement”. Os artigos referentes a aparelhos de monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) não foram incluídos. Os dados estão reunidos no quadro 3. Foram localizados 44 artigos, publicados em 14 diferentes periódicos, com 20 publicações na revista “Blood Pressure Monitoring”, 6 no “Journal of Human Hypertension”, 3 no “Journal of Hypertension” e 3 na revista “Atención Primaria”. Os demais artigos foram localizados em outros periódicos, incluindo as áreas de obstetrícia, anestesia, pediatria e engenharia médica. Foram encontrados apenas dois artigos nacionais publicados nos “Arquivos Brasileiros de Cardiologia”. A publicação9 mais antiga data de 1988, ano seguinte à edição da primeira recomendação da AAMI. Trata-se do aparelho Copal UA-251 (Philips) método auscultatório que foi comparado com esfigmomanômetro Hawksley Random Zero e medida intra-arterial e foi considerado pelos autores como indicado para auto-medida da pressão arterial apesar de discrepâncias nos resultados. Na literatura analisada foram identificados 73 aparelhos sendo que muitos foram avaliados mais de uma vez por diferentes formas. As formas de validação mais utilizadas recaem nas normas da BHS e AAMI. Porém, observou-se a presença de simuladores (Biotek Simulator10) nos testes de avaliação, comparação com outros aparelhos já validados, além de outras técnicas. Identificaram-se também, combinações adaptadas às normas da BHS e AAMI, como o método READ (“rapid estimation of the accuracy of automatic blood pressure measurements devices”11). Trata-se de um método rápido formado por uma seqüência de medidas em um mesmo paciente em repouso e posição supina e em pé. Os autores concluem que o método avaliou de forma “grosseira” a falta de acurácia dos aparelhos testados e que pode ser recomendado como teste de pré e pós-validação. Em relação à faixa etária da população componente dos processos de validação, verificam-se avaliações específicas em crianças, adolescentes12 e idosos13, e também em pessoas em condições especiais, como gestantes14,15 e pacientes em hemodiálise16. É importante ressaltar que no item recomendação foi explicitado o resultado emitido pelos autores dos artigos. Conclusão A finalidade principal da apresentação do quadro 3 é oferecer um instrumento que possa ser útil para consulta pelos profissionais da área da saúde na avaliação dos aparelhos automáticos ou semi-automáticos, seja para uso na prática clínica ou para automedida da pressão arterial pelos pacientes. O uso desses aparelhos tende a se expandir, pois eles apresentam benefícios na avaliação dos reais níveis da pressão arterial, minimizando ou afastando fatores que podem levar o observador a erros, além da grande utilidade da medida residencial na confirmação do diagnóstico e condução do tratamento da hipertensão arterial. Volume 7 / Número 2 / 2004 67 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ QUADRO 3 ANO MÉTODO LOCAL NO PCTS. IDADE ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 18 A&D UA-631 A&D UA-76719 A&D UA-76710 A&D UA-76720 A&D VA serie 75121 A&D VA serie 83021 A&D VA-74321 Assure A3020 Assure BD-W20 20 BP/Clinic instrument (model 1100)22 BPM-100 Beta23 Calor TensioSense Brás24 CAS Medical Systems Inc.12 Colin BP 880011 Colin BP-880025 Colin CBM-700026 Copal UA-2519 D2 Visomat OZ10 Datex-Engstrom Cardiocap II25 Dinamap 810027 Dixtal DX-271028 Fortec DR MI-10029 Gambro-Dasco BPM16 Healthcheck CX 5 06002029 Lumiscope 1083N20 Lumiscope 1085M10 Marshall 8510 Matsushita Denko EW 27021 Matsushita Denko EW 27121 Matsushita Denko EW 27821 Microlife BP 3BTO-A30 Mobil O Graph31 Nissei Analogue29 Nissei DS-17532 Omron 432c20 Omron 60520 Omron 705IT33 Omron 706/71134 Omron 71110 Omron 71120 Omron 712 C10 Omron 713 C35 Omron 725 CIC10 Omron 725 CIC20 Omron 81520 Omron F336 Omron HEM 400 C29 Omron HEM 403 C37 Omron HEM 422c2-E38 Omron HEM 60121 Omron HEM 60839 Omron HEM 63740 Omron HEM 705CP32 Omron HEM 705CP34 Omron HEM 705 CP38 Omron HEM 70641 Omron HEM 70721 Omron HEM 722C42 Omron HEM 722C13 Omron HEM 735C13 Omron HEM-73743 Omron HEM-90744 Omron M127 Omron M425 Omron M5-I33 Omron MIT14 Omron MIT45 Omron R346 Omron R347 Omron R348 Oscillomat49 Philips HP 5306/B29 Philips HP 530829 Philips HP5332 832 Pollonex BP 100010 Sunbeam 762320 Sunbeam 765420 Sunbeam 765910 Sunmark10 Systema DR MI-15029 Visomat OZ250 Visomat OZ247 Welch Allyn Vital Signs Monitor15 Welch Allyn Vital Signs Monitor15 Welch Allyn Vital Signs Monitor 5200051 68 2002 2000 1999 2000 2002 2002 2002 2000 2000 2001 2001 2002 2000 1999 2000 2003 1988 1999 2000 2000 2002 1990 2000 1990 2000 1999 1999 2002 2002 2002 2002 2000 1990 1996 2000 2000 2003 2000 1999 2000 1999 1996 1999 2000 2000 1998 1990 1995 2002 2002 2001 2004 1996 2000 2002 1994 2002 1997 1999 1999 1998 2002 2000 2000 2003 2002 2002 1998 1998 1997 1991 1990 1990 1996 1999 2000 2000 1999 1999 1990 1998 1998 2003 2003 2002 Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Auscul. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Auscul. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Auscul. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Auscul. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. Oscil. HIPERTENSÃO braço braço braço braço braço braço braço braço pulso antebraço braço braço mão braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço dedo dedo braço braço pulso pulso pulso braço braço braço braço braço pulso braço braço braço braço braço braço braço braço dedo dedo braço braço braço pulso braço pulso braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço pulso pulso pulso braço braço braço braço braço braço braço braço braço braço pulso pulso braço braço braço 66 101 85 85 136 136 136 85 85 106 85 33 103 15 24 15 38 85 24 55 94 85 92 85 85 85 85 92 92 92 85 85 85 85 85 85 33 95 85 85 85 99 85 85 85 15 85 212 85 173 100 44 85 100 85 85 173 120 30 30 90 33 47 24 33 38 85 100 85 15 100 85 85 85 85 85 85 85 85 85 413 85 93 36 118 FORMA DE VALIDAÇÃO 18–76 15–85 BHS A/A A/A AAMI Aprovado Aprovado Aprovado 18–80 18–80 18–80 B/A B/A B/A Aprovado Aprovado Aprovado ○ ○ ○ ○ APARELHOS E PROCESSOS DE VALIDAÇÃO NOME APARELHO 24–94 18–83 23–85 2–18 23–74 21–79 A/A B/A D/D D/D D/D D/D A/B 15–80 21–80 21–80 21–80 22–90 18–86 15–80 D/B D/B D/B A/A B/A D/A 54±13 22–83 Biotek Simulador (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) OMRON 712 C (Reprovado) OMRON 712 C (Reprovado) Método auscultatório (Aprovado) 17–76 21–79 5–10 15–80 15–80 Outra “European Society of Hypertension” (Aprovado) B/A Aprovado Aprovado Aprovado Reprovado Reprovado Aprovado Aprovado Reprovado Reprovado Aprovado Reprovado Aprovado Reprovado Reprovado Reprovado Reprovado Aprovado Aprovado Aprovado Reprovado Aprovado Aprovado I International Consensus Conference on self BPM (Aprovado) READ (Reprovado) READ (Reprovado) Intra-arterial (Reprovado) Comparação Hg e intra-arterial (Aprovado) Biotek Simulador (Aprovado) READ (Reprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo (Reprovado) OMRON 712 C (Reprovado) Biotek Simulador (Aprovado) Biotek Simulador (Aprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) European Society Hypertension (Aprovado) Biotek Simulador (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) Biotek Simulador (Aprovado) 53±12 39–70 15–80 16–88 15–80 18–84 16–79 34–91 14–91 15–80 17–76 21–84 ± 49,11 83±5 83±5 24–84 51±14 5–10 20–75 54±13 16–43 21–88 Média 63 16–81 34–65 41±13 15–80 15–80 B/B C/C A/A C/B B/A B/A A/A A/A B/C A/A A/A A/A B/A A/A B/A A/A Reprovado Reprovado Aprovado Aprovado Aprovado D(C)/D Reprovado Korotkoff com ou sem sensor (Aprovado) READ (Reprovado) European Society of Hypertension (Aprovado) Korotkoff, Intra-arterial (Aprovado) 15–80 50±16 Reprovado Reprovado Aprovado Reprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Aprovado Biotek Simulador (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) German Institute for Validation (DIN) 58130 protocol (Aprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado) BHS e AAMI simplificados (O’Brien) (Aprovado) C/C C/D C/A 16–81 16–43 Aprovado C/A C(B)/B A/A D/B D/C Reprovado Aprovado Reprovado Reprovado Aprovado Aprovado Aprovado (gestante) Reprovado (pré-eclampsia) Reprovado German Institute for Validation (DIN) 58130 protocol (Aprovado) Esfigmomanômetro de Hg (Reprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Aprovado) Biotek Simulador (Reprovado) OMRON 712 C (Aprovado) OMRON 712 C (Aprovado) Biotek Simulador (Aprovado) Biotek Simulador (Aprovado) Am. National Standard for Eletronic or Automated Sphygmo. (Reprovado) Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. MION JR D, PIERIN AMG. How accurate are sphygmomanometers? J Human Hypertens, p. 12245–12248, 1998. O’BRIEN E. Will mercury manometers soon absolete? ISH Hypertens News. 1998. O’BRIEN E. Replacing the mercury sphygmomanometer. Requires clinicians to demand better automated devices. BMJ, v. 320, p. 815–816, 2000. O’BRIEN E, PETRIE J, LITTLER W, DE SWIET M et al. The British Hypertension Society protocol for the evaluation of automated and semi-automated blood pressure measuring devices with special reference to ambulatory systems. J Hypertens, v. 8, p. 607–619, 1990. WHITE WB, BERSON AS, ROBBINS C et al. National Standard for measurement of resting and ambulatory blood pressures with Automated Sphygmomanometers. Hypertension, v. 21, p. 504–509, 1993. O’BRIEN E, PETRIE J, LITTLER W, DE SWIET M et al. Short report: an outline of revised British Hypertension Society protocol for the evaluation of blood pressure measuring devices. J Hypertens, v. 11, p. 677–679, 1993. AAMI American National Standard for Eletronic or Automated Sphygmomanometers. Arlington, Va, Association for the advancement of Medical Instrumentation, 1987. O’BRIEN E. State of the market for devices for blood pressure measurement. Blood Press Monit, v. 6, p. 281– 286, 2001. FOUQUERAY B, JULIEN J, PAGNY JY, JEUNEMAITRE X, SASSANO P, BATTAGLIA C, PLOUIN PF. Validation d’un appareil d’automesure tensionnelle. Arch Mal Coeur, v. 81, suppl HTA, p. S231–234, 1988. YAROWS SA, AMERENA JV. Determination of accuracies of 10 models of home blood pressure monitors using an oscillometric simulator. Blood Press Monitor, v. 4, p. 45–52, 1999. NASCHITZ JE, GAITINI L, LOWENSTEIN L, KEREN D, TAMIR A, YESHURUN D. Rapid estimation of the accuracy of automatic blood pressure measuring devices (READ). J Human Hypertens, v. 13, p. 443–447, 1999. ALPERT BS. Validation of the CAS Medical Systems, Inc. OscilloMitt, hand-blood-pressure cuff. Blood Press Monitor, v. 5, p. 159–162, 2000. BORTOLOTTO LA, HENRY O, HANON O, SIKIAS P, MOURAD JJ, GIRERD X. Validation of two devices for selfmeasurement of blood pressure by elderly patients according to the revised British Hypertension Society protocol: the Omron HEM-722C and HEM-735C. Blood Press Monitor, v. 4, p. 21–25, 1999. GOLARA M, BENEDICT A, JONES C, RANDHAWA M, POSTON L, SHENNAN A. Inflationary oscillometry provides accurate measurement of blood pressure in preeclampsia. Br J Obstet Gynaecol, v. 109, p. 1143–1147, 2002. REINDERS A, CUCKSON AC, JONES CR, POET R, O’SULLIVAN G, SHENNAN AH. Validation of the Welch Allyn ‘Vital Signs’ blood pressure measurement device in pregnancy and the pre-eclampsia. Int J Obstetr Gynaecol, v. 110, p. 134–138, 2003. CAVALCANTI S, MARCHESI G, GHIDINI C. Validation of automated oscillometric sphygmomanometer (HDBPM) for arterial pressure measurement during haemodialysis. Med Biol Eng Comp, v. 38, p. 98–101, 2000. 17. PICKERING TG, BLANK SG. Blood pressure measurement and ambulatory pressure monitoring: evaluation of available equipment. In: Laragh JH, Brenner BM, (ed). Hypertension; pathophisiology, diagnosis and management. 2nd ed. New York: Raven Press, 1995, p. 1939–1952. 18. LONGO D, BERTOLO O, TOFFANIN G, FREZZA P, PALATINI P. Validation of the A&D UA-631 (UA-779 Life Source) device for self-measurement of blood pressure and relationship between its performance and large artery compliance. Blood Press Monitor, v. 7, p. 243–248, 2002. 19. ROGOZA AN, PAYLOVA TS, SERGEEVA MV. Validation of A&C UA-767 device for the self-measurement of blood pressure. Blood Press Monitor, v. 5, p. 227–231, 2000. 20. YAROWS SA, BROOK RD. Measurement variation among 12 electronic home blood pressure monitors. Am J Hypertens, v. 12, p. 276–282, 2000. 21. KIKUYA M, CHONAN K, IMAIY, GOTO E, ISHII M. Accuracy and reliability of wrist-cuff devices for self-measurement of blood pressure. J Hypertens, v. 20, p. 629–638, 2002. 22. LATMAN NS, COKER N, TEAGUE C. Evaluation of an instrument for noninvasive blood pressure monitoring in the forearm. Biomed Instrum Technol, v. 30, n. 2, p. 160–163, 1996. 23. MATTU GS, PERRY JR TL, WRIGHT JM. Comparison of the oscillometric blood pressure monitor BPM-1000 beta with the auscultatory mercury sphygmomanometer. Blood Press Monitor, v. 6, p. 153–159, 2001. 24. PLOIN D, BAGUET JP, PIERRE H, GAUDEMARIS R, MALLION JM. Clinical evaluation of a self blood pressure monitor according to the First International Consensus Conference of Self Blood Pressure Measurement. Blood Press Monitor, v. 7, p. 335–341, 2002. 25. NASCHITZ JE et al. Accuracy of the OMRON M4 automatic blood pressure measuring device. J Hum Hypertens, v. 14, p. 423–427, 2000. 26. STEINER LA, JOHNSTON AJ, SALVADOR R, CZONSNYKA M, MENON DK. Validation of a tonometric noninvasive arterial blood pressure monitor in the intensive care setting. Anaesthesia, v. 58, n. 5, p. 448–454, 2003. 27. BARKER M, SHIELL AW, LAW CM. Evaluation of the Dinamap 8100 and Omron M1 blood pressure monitors for use in children. Pediatric Perinatal Epidemiol, v.14, p. 179– 186, 2000. 28. MANO GMP et al. Avaliação do aparelho automático oscilométrico de medida da pressão arterial DIXTAL DX2710 pelos protocolos de validação da “British Hypertension Society (BHS)” e “Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI)”. Arq Bras Cardiol, v. 79, p. 601–605, 2002. 29. O’BRIEN E, MEE F, ATKINS N, O’MALLEY K. Inaccuracy of seven popular sphygmomanometers for home measurement of blood pressure. J Hypertension, v. 8, p. 621–634, 1990. 30. CUCKSON AC, REINDERS A, CHABEEH H, SHENNAN AH. Validation of the Microlife BP 3BTO-A oscillometric blood pressure monitoring device according to a modified British Hypertension Society protocol. Blood Press Monitor, v. 7, p. 319–324, 2002. 31. JONES CR, TAYLOR K, CHOWIENCZYK P, POSTON L, SHENNAN AH. A validation of the Mobil O Graph (version12) ambulatory blood pressure monitor. Blood Press Monitor, v. 5, p. 233–238, 2000. Volume 7 / Número 2 / 2004 69 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 32. O’BRIEN E, MEE F, ATKINS N, THOMAS M. Evaluation of three devices for self-measurement of blood pressure according to the revised British Hypertension Society protocol: the Omron HEM-705CP, Philips HP5332, and Nissel DS-175. Blood Press Monitor, v. 1, p. 55–61, 1996. 33. ASSAAD MAE, TOUPUCHIAN JA, ASMAR RG. Evaluation of two devices for self-measurement of blood pressure according to the international protocol: the Omron M5-I and the Omron 705IT. Blood Press Monitor, v. 8, p. 127–133, 2003. 34. ARTIGAO LM et al. Evaluación y validación de los monitores Omron Hem 705 CP y Hem 706/711 para automedidas de presión arterial. Atención Primaria, v. 25, n. 2, p. 74–84, 2000. 35. MUFUNDA J, SPARKS B, CHIFAMBA J, DAKWA C, MANTEGA JA, ADAMS JM et al. Comparison of the Omron HEM 713C automated blood pressure monitor with a standard auscultatory method using a mercury manometer. Cent Afr Med, v. 42, p. 230–232, 1996. 36. ECKERT S, MANNEBACH H, GLEICHMANN U. Validation of the Omron F3 blood pressure measuring device for use in the finger through simultaneous comparative measurements according to the German Institute for Validation (DIN) 58130 protocol. Blood Press Monitor, v. 3, p. 347–351, 1998. 37. WALMA EP, VAN DOOREN C, VAN DER DOES E, PRINS A, HOES AW. Accuracy of an oscillometric automatic blood pressure device: the Omron HEM 403C. J Hum Hypertens, v. 9, p. 169–174, 1995. 38. BONILLA I, SANCHEZ M, PERALTA LJ, OQUENDO IM, ALCALA VF, DOMINGUEZ CA. Validacion de dos sistemas de automedida de presion arterial, modelos OMRON HEM-705 CP y OMRON M1 (HEM 422C2-E). Aten Primaria, v. 30, n. 1, p. 22–28, 2002. 39. PLAVNIK FL, ZANELLA MT. Estudo de validação do monitor automático Omron modelo HEM-608 comparado com o método convencional de medição de pressão arterial. Arq Bras Cardiol, v. 77, n. 6, p. 532–536, 2001. 40. YAROWS SA. Comparison of the Omron HEM-637 wrist monitor to the auscultation method with the wrist position sensor on or disabled. Am J Hypertens, v. 17, n. 1, p. 54–58, 2004. 41. FOSTER C, MCKINLAY, CRUICKSHANK JM, COATS AJS. Accuracy of the Omron HEM 706 portable monitor for home measurement of blood pressure. J Hum Hypertens, v. 8, p. 661–664, 1994. 70 HIPERTENSÃO 42. FUERTES MI, ALVAREZ A, MOLINA I, SOLANS R, MELERO I, CÓRDOBA R. Validación de um monitor de automedida de la presión arterial: OMRON HM 722C. Atención Primaria, v. 20, n. 5, p. 247–250, 1997. 43. ANWAR YA, GIACCO S, MCCABE EJ, TENCLER BE, WHITE WB. Evaluation of the efficacy of the Omron HEM737 Intellisense device for use on adults according to the recommendations of the Association for the Advancement of Medical Instrumentation. Blood Press Monitor, v. 3, p. 261–265, 1998. 44. ASSAAD MAE, TOPOUCHIAN JA, DARNÉ BM, ASMAR RG. Validation of the Omron HEM-907 device for blood pressure measurement. Blood Press Monitor, v. 7, p. 237– 241, 2002. 45. GOLARA M, JONES C, RANDHAWA M, SHENNAN A. Inflationary oscillometric blood pressure monitoring: validation of the OMRON-MIT. Blood Press Monitor, v. 7, p. 325–328, 2002. 46. WATSON S, WENZEL RR, MATTEO C, MEIER B, LUSCHER TF. Accuracy of a new wrist cuff oscillometric blood pressure device. Am J Hypertens, v. 11, p. 1469–1474, 1998. 47. DIERTELE T, BATTEGAY E, CUCHELI B, MARTINA B. Accuracy and ’range of uncertainty’ of the oscillometric blood pressure monitors around the upper arm the wrist. Blood Press Monitor, v. 3, p. 339–346, 1998. 48. ECKERT S, GLEICHMANN U, ZAGORSKI O, KLAPP A. Validation of the Omron R3 blood pressure self-measuring device through simultaneous comparative invasive measurements according to protocol 58130 of the German Institute for Validation. Blood Press Monitor, v. 2, p. 189–192, 1997. 49. ASMAR R, SASSANO P, DEMOLIS P, MÉNARD J, SAFAR M. Validation de l’appareil d’automesure de la pression artérielle Oscillomat: comparaison aux sphygmomanometers à mercure. La Presse Méd, v. 20, n. 12, p. 551–555, 1991. 50. LITHELL H, BERGLUND L. Validation of an oscillometric blood pressure measuring device: a substudy of the HOT Study. Blood Press, v. 7, p. 149–152, 1998. 51. BRAAM RL, MAAT C, THIEN T. Accuracy of the Welch Allyn Vital Signs Monitor 52000 automatic blood pressure measuring device according to a modif ied British Hypertension Society protocol. Blood Press Monitor, v. 7, p. 185–189, 2002. TERAPÊUTICA Tratamento Tratamento da hipertensão arterial: valor da redução na ingestão de sal Autores: Agostinho Tavares Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia, UNIFESP/EPM – Hospital do Rim e Hipertensão Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.* Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia – UNIFESP/EPM – Hospital do Rim e Hipertensão * Endereço para correspondência: Disciplina de Nefrologia – Universidade Federal de São Paulo Rua Botucatu, 740 – 2o andar 04023-900 – São Paulo – SP E-mail: [email protected] Na história da humanidade o sal já foi usado como moeda e foi, por muitas vezes, o motivo de guerras entre diversos povos, de tal modo que não há dúvida da sua importância na sobrevivência dos homens. No entanto, há controvérsias em relação à quantidade de sal que necessitamos diariamente, e isso leva a uma nova disputa, principalmente entre epidemiologistas, órgãos governamentais de saúde, pacientes e lobistas da indústria alimentícia1,2. A literatura moderna, no que diz respeito à relação entre sal e pressão arterial, em humanos, inicia-se nos anos sessenta, com os primeiros trabalhos de Lewis Dahl. Ele observou a prevalência de hipertensão em cinco populações distintas e as respectivas quantidades de sal ingeridas, sugerindo uma associação linear entre os incrementos de pressão arterial e o consumo de sal3. Muitos outros estudos populacionais seguiram-se aos de Dahl, no entanto os resultados nem sempre mostraram-se concordantes. Em 1988, o “National Heart, Lung and Blood Institute” patrocinou o maior estudo populacional sobre o consumo de sal, o INTERSALT 4. Esse estudo, com mais de 10 mil participantes, provenientes de 32 países, demonstrou que a relação entre pressão arterial e idade era mais forte nas pessoas com maior variação do consumo de sal (entre 0,12 a 14 g/ dia), de tal modo que, para aqueles com idade entre 25 e 55 anos, havia um incremento de 0,9 mmHg para cada 0,6 g de sal ingerido. Apesar dessa evidência, o INTERSALT não conseguiu demonstrar a mesma relação entre pressão arterial e consumo de sal naqueles indivíduos que ingeriam entre 6 e 14 g de sal/dia. Um dos grandes problemas que acompanham os estudos populacionais sobre o consumo de sal, é a questão dos fatores ambientais confundidores. Assim, não é somente o conteúdo de sal que se modifica na alimentação das chamadas populações com alta e baixa ingestão de sal. O conteúdo de potássio, gorduras etc., também se modifica. Como extensão, a medida casual da pressão arterial e o conteúdo de sal, em uma amostra de urina de 24 horas, são também extremamente variáveis. Tudo isso pode, num maior ou menor grau, sub ou superestimar o real impacto do sal sobre a pressão arterial5. Uma alternativa aos estudos observacionais são os estudos que impõem uma intervenção. Vários deles estão publicados e, por serem freqüentemente pequenos e de curta duração, têm sido agrupados em meta-análises. Não obstante a isso, a meta-análise de Law et al.6 reunindo estudos com seguimento mínimo de cinco semanas, relata que, em média, há um Volume 7 / Número 2 / 2004 71 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dietas pobres em sal devem, pelo menos parcialmente, ser atribuídos também a outros constituintes da dieta, que obrigatoriamente a acompanham. Assim, dietas com quantidades diferentes de sal trazem diferentes quantidades de potássio, cálcio, ácido fólico, vitaminas antioxidantes etc., que podem, por mecanismos diferentes, acentuar os efeitos hipotensores do sal. Parece-nos, portanto, que o contexto geral da alimentação é tão ou mais importante que o próprio sal em si. Isso levou há poucos meses o “US Institute of Medicine” a propor que a quantidade de sal nos alimentos diminua à metade e que seja elevada a quantidade de potássio, para que se atenuem os efeitos pressores do sal, entre outros benefícios9. Hoje, o assunto em pauta não é se o sal tem efeito sobre a pressão arterial, pois há evidências experimentais e ○ ○ ○ decréscimo de 5 mmHg na pressão arterial sistólica a cada 3 g de redução de sal. Esses resultados são bastante semelhantes a outra meta-análise, recentemente publicada, e que reuniu estudos de seguimentos mais prolongados7. O estudo intervencionista mais importante, em relação à ingestão de sal e pressão arterial é, ao nosso ver, o “Dietary Approaches to Stop Hypertension – DASH Study”, e mais recentemente o “DASH-Sodium”8. Nesse último, 412 indivíduos foram randomizados e consumiram a “dieta normal americana” ou a dieta DASH, isto é, rica em frutas, verduras e pouca gordura. Além disso, os participantes foram divididos em três grupos conforme a quantidade de sal: alta (≅ 9 g/dia), intermediária (≅ 6 g/dia) e baixa (≅ 3 g/ dia). Esse estudo durou 30 dias e o comportamento da pressão arterial para a “dieta americana” e para DASH, como FIGURA 1 ALTERAÇÕES DA PRESSÃO ARTERIAL DURANTE O ESTUDO DASH-SODIUM8 Embora as setas sigam uma única direção, os indivíduos foram alocados aleatoriamente para as diferentes quantidades de sal e seguiram o desenho cruzado do estudo. Os números próximos às linhas que conectam os dados indicam as alterações médias na pressão arterial. Os 95% de intervalo de confiança estão entre parênteses. *p < 0,05, **p < 0,01 e ***p < 0,001 indicam diferenças significativas da pressão arterial ou das diferentes categorias de ingestão salina. também para as diferentes quantidades de sal, é mostrado na figura 1. Observa-se uma redução gradativa da pressão arterial à medida que se diminui a quantidade de sal ingerido, mesmo para a dieta DASH, em que já havia sido observada uma queda significativa dos níveis tensionais. De forma interessante, observa-se que a redução na pressão arterial, nas diversas quantidades de sal, nesse estudo, é muito similar aos resultados extraídos de meta-análises, embora dentro do grupo DASH a redução tenha sido mais intensa. Novamente devemos lembrar que os resultados obtidos com 72 HIPERTENSÃO clínicas suficientes que o comprovam. A discussão real é se os resultados de literatura são convincentes para se propor uma redução drástica de sal na alimentação da população em geral. Resultados conflitantes e a falta de estudos de seguimento prolongado que evidenciem benefícios em desfechos cardiovasculares ainda impedem a instituição de políticas de educação alimentar mais efetivas. No primeiro caso, a sensibilidade ao sal explica parcialmente os resultados conflitantes. Não existe, ainda, uma definição universal para sensibilidade ao sal, e por isso são tomados va- lores arbitrários para se definir os indivíduos “sal-sensíveis” e “sal-resistentes”. Todavia, enquanto não tivermos definições claras, marcadores bioquímicos ou genéticos de fácil e prático acesso, devemos lembrar que há situações clínicas em que a sensibilidade ao sal é mais evidente e, portanto, a redução da ingestão salina torna-se obrigatória. A sensibilidade ao sal aumenta com a idade, na raça negra e em algumas doenças. Assim, idosos, negros, obesos, diabéticos, aqueles com perda da função renal ou com hipofluxo renal, como na insuficiência cardíaca, síndrome nefrótica, insuficiência hepática severa, etc., apresentam benefícios acentuados. Os indivíduos hipertensos, em uso de diuréticos poupadores de potássio ou inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona, também se beneficiam com a redução da ingestão salina, pois essa medida potencializa a ação hipotensora dos medicamentos 3. No segundo caso, a dificuldade de se observarem desfechos cardiovasculares a longo prazo baseia-se na baixa adesão às dietas hipossódicas por períodos mais prolongados. Finalmente, a associação entre hipertensão arterial e acidente vascular cerebral é de há muito tempo conhecida e inúmeros estudos têm demonstrado que o tratamento da hipertensão é capaz de prevenir substancialmente a mortalidade por doença cerebrovascular. Apesar de muitos acharem que as dietas com baixo teor de sal (3 a 6 g/dia) têm um modesto efeito sobre os níveis tensionais, há demonstração de que o impacto da redução do sal é o mesmo que aquele observado com o tratamento farmacológico em monoterapia10, e que essas modestas alterações na pressão arterial (5 a 6 mmHg) são capazes de reduzir em muito a incidência de acidentes vasculares cerebrais. Incontestavelmente, esses fatos nos fazem acreditar e estimular os clínicos em geral para a importância da redução do conteúdo de sal na nossa alimentação. Acreditamos também que programas educacionais para a população como um todo, e especialmente para as crianças, bem como políticas governamentais de incentivo à produção de alimentos com menor teor de sal, são imprescindíveis para a reeducação alimentar. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. TAUBES G. The (political) science of salt. Science, v. 281, p. 898–907, 1988. TAUBES G. A DASH of data in the salt debate. Science, v. 288, p. 1319, 2000. O’SHAUGHNESSY KM, KARET FE. Salt handling and hypertension. J Clin Invest, v. 113, p. 1075–1081, 2004. Intersalt: an international study of electrolyte excretion and blood pressure. Results of 24 hours urinary sodium and potassium excretion. Intersalt Cooperative Research Group. Br Med J, v. 297, p. 319–328, 1988. ELLIOTT P et al. Intersalt revisited: further analyses of 24 hours sodium excretion and blood pressure within and across populations. Intersalt Cooperative Research Group. Br Med J, v. 312, p. 1249–1253, 1996. LAW MR, FROST CD, WALD NJ. By how much does dietary salt reduction lower blood pressure? III. Analysis of data from trials of salt reduction. Br Med J, v. 302, p. 819–824, 1991. 7. HE FJ, MACGREGOR GA. How far should salt intake be reduced? Hypertension, v. 42, p. 1093–1099, 2003. 8. SACKS FM et al. Effects on blood pressure of reduced dietary sodium and the dietary approaches to stop hypertension (DASH) diet. N Engl J Med, v. 344, p. 203–221, 2001. 9. Dietary reference intakes: water, potassium, sodium, chloride, and sulfate. Report of the Institute of Medicine of the National Academies. Washington, DC, USA. http://www.iom.edu/ report.asp?id=18495, 2004. 10. COLLINS R et al. Blood pressure, stroke, and coronary heart disease. Part 2. Short-term reductions in blood pressure: overview of randomised drug trials in their epidemiological context. Lancet, v. 335, p. 827–838, 1990. Volume 7 / Número 2 / 2004 73 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ fatores hemodinâmicos Autores: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ BIOLOGIA MOLECULAR Controle da função vascular por ○ ○ ○ ○ Ayumi Aurea Miyakawa resposta imediata, e a modificações estruturais da parede em situações mais tardias. Pode-se dizer que o endotélio está continuamente exposto ao “shear stress” e que possui papel importante na determinação do comportamento vascular. “Shear stress” e célula endotelial ○ ○ ○ José Eduardo Krieger* Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Departamento de Clínica Médica–LIM 13, Instituto do Coração – InCor, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo O sistema cardiovascular está constantemente exposto a forças mecânicas que desempenham um importante papel determinando sua estrutura e função. Essas forças são: pressão, agindo perpendicularmente à superfície, “shear stress”, uma força tangencial resultante do atrito do sangue com o vaso, e tensão circunferencial, que está relacionada com a pressão e a espessura da parede vascular (figura 1). É importante salientar que as forças físicas possuem influência distinta sobre os diferentes tipos celulares. Por exemplo, a pressão provoca um estiramento em toda a parede vascular, enquanto o “shear stress” parece atuar principalmente na superfície das células endoteliais. Essas forças físicas interferem na produção e na liberação de diversas proteínas, participando tanto na manutenção da homeostasia vascular como no desenvolvimento de diversas patologias. O endotélio é a camada celular que reveste o vaso sangüíneo, e representa a interface entre o sangue e a parede vascular. Assim, o endotélio encontra-se em posição privilegiada, sendo capaz de perceber as alterações hemodinâmicas e, juntamente com a camada muscular lisa, responder a essas alterações levando a vasodilatação ou a vasoconstrição, como *Endereço para correspondência: Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Departamento de Clínica Médica, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3069-5068 Fax: (11) 3069-5022 E-mail: [email protected] 74 HIPERTENSÃO A célula endotelial, devido a sua posição como interface entre o sangue e a parede vascular, está continuamente exposta ao “shear stress”. A conformação da célula endotelial é mantida por um estado de tensão que é gerado pela interação dos sítios de adesão do citoesqueleto e a matriz subendotelial, o núcleo e as células vizinhas. Quando o fluxo é aplicado ao endotélio, ocorre uma alteração da tensão interna da célula endotelial, levando a uma reorganização do citoesqueleto seguida de alterações morfológicas e funcionais para que a célula possa se adaptar à nova situação. Ainda não se sabe como FIGURA 1 FORÇAS FÍSICAS NA PAREDE VASCULAR Pressão (P), perpendicular à superfície, “shear stress” (S), força tangencial resultante do atrito entre o sangue e o vaso, e tensão circunferencial (T), dependente da pressão e da espessura vascular. a célula percebe o “shear stress”, mas existem indicações de que as integrinas, os canais iônicos e os receptores acoplados à proteína G ou os que resultam na ativação das MAP-quinases poderiam estar envolvidos nesse processo. Isto porque trata-se de proteínas de membrana que podem detectar as alterações hemodinâmicas no lado extracelular e transmitir o sinal para dentro da célula, iniciando uma cascata de eventos que resultam em alterações funcionais e/ou estruturais do vaso (figura 2). FIGURA 2 MECANOTRANSDUÇÃO DO “SHEAR STRESS” NA CÉLULA ENDOTELIAL Mecanotransdução Citoesqueleto e complexos focais e juncionais Proteínas transmembrânicas, tais como integrina, canais iônicos e/ou receptores ligantes são capazes de perceber o “shear stress” extracelular e transformar em resposta bioquímica intracelular. A transdução de Quando submetida ao “shear stress”, a célula sinal desencadeará alteração do programa genético, resultando em modificações estruturais e funcionais endotelial alinha-se em direção ao fluxo, e essa da parede vascular. alteração morfológica é acompanhada de uma reorganização das fibras de estresse e dos complexos focais e juncionais, importantes na manutenção da adehiperpolarização celular. Como está eletricamente acoplado à rência celular e na adaptação à nova situação que lhe foi imcélula endotelial, o músculo liso vascular também é hiperpoposta. larizado, o que diminui a sua excitabilidade e leva ao relaxaOs contatos focais são regiões especializadas em que a mento sem a liberação de fatores relaxantes. Esse mecanismo célula se encontra ancorada à matriz extracelular através de poderia explicar respostas vasculares rápidas ao “shear stress”, receptores transmembrânicos denominados integrinas. Na sua pois não requer aumento ou diminuição da produção de subsporção citoplasmática, as integrinas estão interagindo com as tâncias vasoativas e pode atuar juntamente com o NO e a prosproteínas associadas à actina (talina, vinculina, α-actinina e taciclina que são liberados imediatamente após o aumento de palixina), formando, dessa maneira, a conexão entre a matriz fluxo, resultando em vasodilatação. extracelular e as fibras de estresse. Este complexo de adesão Um outro íon que se encontra elevado na célula endoteliparece estar envolvido na vasodilatação induzida pelo “shear al por ação do “shear stress” é o cálcio. O “shear stress” prostress” em arteríolas coronárias e representa um importante voca aumento do cálcio intracelular por meio da liberação de sítio de integração entre o sinal químico e mecânico, já que seus estoques intracelulares, e recentemente foram identifivárias moléculas envolvidas no processo de transdução de sicados os receptores P2X4, que são dependentes de ATP e pronal encontram-se imobilizadas nessa região. movem a entrada de cálcio extracelular quando a célula endoNão só os contatos focais, mas também os complexos telial é submetida ao “shear stress”. A participação do cálcio juncionais, podem desempenhar papel relevante na mecanonas respostas celulares ao “shear stress” ainda é bastante contransdução. Isto vem se tornando evidente com a recente detroversa, e atualmente acredita-se que o cálcio participe de monstração de que a fosforilação de resíduos de tirosina está respostas celulares agudas ao “shear stress”. mais presente nas interações célula–célula do que na interação célula–matriz. Esse fato é interessante porque o nível de Receptores acoplados à proteína G fosforilação de tirosina em um determinado ponto da célula Existe uma grande variedade de proteínas G envolvidas pode refletir a intensidade da atividade de sinalização local, na transdução de sinal. A proteína Gi inibe a adenilatociclase pois muitas proteínas envolvidas na transdução de sinal são e ativa canais de potássio, a Gs estimula a adenilatociclase e fosforiladas em resíduos de tirosina para que possam ser atiativa canais de cálcio e a Gq ativa a fosfolipase C e libera vadas ou inativadas. inositol trifosfato e diacilglicerol. As duas primeiras proteínas Dessa maneira, o citoesqueleto vem sendo postulado não G regulam a quantidade de AMP cíclico intracelular, e a últisó como transmissor da força mecânica dentro da célula, mas ma, o cálcio intracelular e a fosforilação de proteínas através também como um participante da transdução de sinal reguda proteína quinase C. lando a expressão gênica. Várias evidências sugerem a participação da proteína G na mecanotransdução. O “shear stress” leva ao aumento da Canais iônicos produção de AMP cíclico, inositol trifosfato e diacilglicerol, e Os canais iônicos também são possíveis candidatos à parda proteína quinase C em células endoteliais. Porém, a literaticipação como sensores da força física. O primeiro canal que tura é conflitante a respeito da participação desses mensageidemonstrou-se ser ativado pelo “shear stress” foi o de potásros na resposta mediada pelo “shear stress”. Alguns dados que sio, o que através do fluxo transmembrânico de íons resulta na demonstram que a liberação de endotelina-1 e o aumento da Volume 7 / Número 2 / 2004 75 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ expressão do gene do PDGF são dependentes da proteína quinase C, enquanto outros mostram que ela não é necessária. O mesmo acontece com o AMP cíclico, com descrição tanto do seu aumento como ausência de alteração dos níveis basais devido ao “shear stress”. Dessa forma, pode haver um receptor mecano-sensível acoplado à proteína G que vai detectar o “shear stress” e desencadear a transdução de sinal; ou a presença dos segundos mensageiros relacionados à ativação da proteína G podem ser um efeito indireto, resultado da interação de algum hormônio regulado pelo fluxo e que possui um receptor acoplado à proteína G. Receptores que ativam as MAP-quinases As MAP-quinases e as quinases relacionadas são ativadas por estímulos, como hiperosmolaridade, estiramento, estresse, luz ultravioleta, entre outros. Fatores de crescimento, quando se ligam aos seus receptores induzem a sua dimerização e autofosforilação e ativação da cascata das tirosinas quinases, ou seja, da Raf, MEK, MAP-quinase, JNK, ERK e SAPK. Diversos estudos vêm demonstrando que o “shear stress” ativa MAP-quinases, JNK e ERK, sugerindo que essa via de sinalização pode estar sendo utilizada para a regulação gênica exercida pelo “shear stress”. Não se sabe quais são as moléculas envolvidas na mecanotransdução que ativam as MAP-quinases, e, da mesma maneira que para a proteína G, pode se tratar de um receptor mecano-sensível que levará à ativação das MAP-quinases ou pode ser um efeito indireto da ação de algum hormônio regulado pelo fluxo que leva à ativação das MAP-quinases. Fatores de transcrição e regulação gênica Uma vez desencadeada a mecanotransdução, o evento final será a ativação de fatores de transcrição para que possa ocorrer a regulação gênica. Entre tais fatores, o “shear stress” modula NF-kB, AP-1, Sp-1 e Erg-1, que vão aumentar ou diminuir a expressão de diversos genes que participam na fisiologia vascular. Os fatores de transcrição, quando ativados, interagem com seqüências específicas das regiões promotoras dos genes e controlam a transcrição. A primeira seqüência identificada como sendo responsável pela resposta ao “shear stress” (SSRE) foi descrita no gene do PDGF, e a seqüência de nucleotídeos identificada foi GAGACC, que, como já foi demonstrado, interage com o fator de transcrição NF-kB. Tal seqüência vêm sendo encontrada em vários promotores de genes modulados pelo “shear stress”, como eNOS e MCP-1, e representa uma forte candidata a ser o SSRE desses genes. É importante lembrar que a presença do SSRE clássico no promotor de genes que respondem ao “shear stress” não representa que essa seqüência tem importância funcional para o controle desses genes. Isto pode ser observado no gene da enzima conversora de angiotensina I, que possui o SSRE clássico, que parece não ser funcional na presença de “shear stress”. Com isso, têm sido identificadas outras seqüências regulatórias que modulam a expressão gênica induzida pelo “shear stress”. A regulação da expressão gênica pelo “shear stress” pode ser dividida em pelo menos três grupos. Um grupo em que a 76 HIPERTENSÃO resposta é imediata e transiente, voltando ao nível basal após um período aproximado de 1 a 4 horas de estimulação; um segundo grupo que consiste em um aumento gradativo da expressão e que pode se manter em níveis elevados em resposta ao “shear stress” e um terceiro grupo que se caracteriza pelo aumento transiente da expressão gênica, seguido por uma sustentada diminuição da expressão por um longo período. Isso demonstra a complexidade da resposta desencadeada pelo “shear stress”, em que diversos genes são regulados de maneiras distintas e em momentos diferentes. Pode-se observar que o fluxo resulta em uma série de eventos na célula endotelial, na tentativa de adaptá-la à nova situação. As respostas iniciadas podem ser imediatas, com a liberação de vasodilatadores promovendo o aumento do diâmetro vascular para compensar o aumento do “shear stress”, e respostas mais tardias, com a reorganização do citoesqueleto celular e a regulação de genes que vão tentar adaptar a função endotelial à nova situação hemodinâmica. “Shear stress” e função vascular As forças físicas interferem nas características vasculares regulando diversos genes que estão diretamente relacionados com o controle do tônus vascular, com as propriedades anticoagulantes e com a manutenção da espessura vascular. O “shear stress” tem sido bastante estudado e através da sua atuação no endotélio parece interferir com vários aspectos da função vascular. O tônus vascular é controlado a todo instante no sistema cardiovascular por meio da ação de substâncias vasoativas produzidas pelo endotélio. O endotélio encontra-se em posição privilegiada para detectar as alterações que ocorrem na circulação e responder às mesmas com a produção e liberação de substâncias vasoativas, que agem diretamente na camada muscular, para que possa haver a contração ou a dilatação vascular. Vários estudos demonstram que o aumento do fluxo provoca uma vasodilatação dependente do endotélio. Esse aumento do diâmetro vascular ocorre pela liberação imediata do NO e da prostaciclina e, mais tardiamente, por meio da diminuição da expressão da endotelina-1 e da enzima conversora de angiotensina I, com conseqüente redução da liberação de AngII e aumento da bradicinina. Assim, com a alteração da hemodinâmica, o endotélio age no sentido de normalizar o aumento de “shear stress” sofrido pela parede vascular, induzindo a vasodilatação. Em situações crônicas de elevação do fluxo sangüíneo começa a ser desencadeado o processo de remodelamento vascular com o espessamento da parede do vaso na tentativa de redução do estresse. Esse processo pode estar relacionado com hormônios de crescimento como, o βFGF e PDGF, que, em situações de “shear stress” elevado, encontram-se aumentados nas células endoteliais e, através de uma ação parácrina, irão atuar nas células musculares lisas induzindo a proliferação celular. Além de regular o tônus vascular, o endotélio também participa do controle da homeostase do sistema cardiovascular, inibindo a formação de trombos através da produção de fatores antitrombogênicos e inibição dos trombogênicos. A trombomodulina é uma glicoproteína integral de membrana que, quando ligada à trombina ativa a proteína C e esta, na presença da proteína S, degrada os fatores Va e VIIIa, resultando na inibição da formação de trombina. A prostaciclina e o NO inibem a agregação plaquetária e o tPA ativa a fibrinólise através da ativação do plasminogênio. O “shear stress” nas células endoteliais resulta em aumento da atividade da trombomodulina, aumento da liberação de NO e prostaciclinas e elevação da expressão e liberação de tPA, conferindo ao vaso a propriedade anticoagulante. Dessa forma, os fatores hemodinâmicos influenciam o processo de trombogênese através da regulação da produção e liberação de diversas proteínas endoteliais. É interessante notar que as lesões ateroscleróticas freqüentemente aparecem em regiões de bifurcação vascular e por isso suspeita-se que fatores físicos ligados às alterações hemodinâmicas locais possam contribuir para a gênese e manifestação da doença, especialmente quando se considera que nessa região de bifurcação o padrão de fluxo sangüíneo laminar é alterado, tornando-se turbulento e com diminuição do “shear stress” (figura 3). Estas características de fluxo fazem com que partículas do sangue permaneçam mais tempo nessa região, facilitando a interação com o endotélio ou mesmo a permeabilidade através do vaso. Não só o fluxo turbulento, mas também o “shear stress” diminuído, favorece o aparecimento da aterosclerose. Considerando-se as evidências que mostram que o “shear stress” regula a expressão de genes que participam do mecanismo de controle da estrutura e função vascular, pode-se especular que a diminuição de “shear stress” poderia facilitar a adesão de monócitos, através do aumento da expressão de moléculas de adesão, como VCAM-1 e ICAM-1, e a transmigração dos mesmos através da expressão de proteínas quimiotáxicas, como MCP-1. A redução do “shear stress” aumenta também a produção de fatores mitogênicos, como a endotelina-1 e a AngII, através da ativação da ECA. Além disso, o “shear stress” reduzido diminui a secreção de inibidores da proliferação vascular, como NO e TGF-β, nessas regiões e propicia condições favoráveis à proliferação das células musculares. O “shear stress” regula, também, a NAD(P)H oxidase e a SOD, que desempenham papel oxidante e antioxidante respectivamente. Essas enzimas são importantes reguladoras da produção do ânion superóxido, que age no sistema vascular inativando o óxido nítrico e, dessa maneira, prejudicando a FIGURA 3 PERFIL DE FLUXO NAS REGIÕES DE BIFURCAÇÃO VASCULAR O fluxo que é laminar, ao encontrar uma bifurcação, torna-se turbulento, com diminuição do “shear stress” na região lateral, enquanto no lado oposto o fluxo continua laminar e o “shear stress” é elevado. vasodilatação, oxidando a LDL, aumentando assim a sua internalização e ampliando a expressão de moléculas de adesão em células endoteliais, possibilitando a infiltração de monócitos. A elevação do “shear stress” estimula tanto a NAD(P)H oxidase como a SOD, mostrando a participação de múltiplos sistemas no desenvolvimento da aterosclerose. Em conjunto, evidências recentes sugerem fortemente que as forças físicas associadas a fatores hemodinâmicos são fundamentais para controle da homeostasia cardiovascular. O esclarecimento da dinâmica da expressão gênica na célula endotelial diante dos diversos estímulos sofridos pelo vaso será essencial para o entendimento da função vascular e do desenvolvimento de processos patológicos. Inicialmente acreditava-se que o endotélio era apenas um revestimento vascular representando uma barreira semipermeável, facilitando trocas de água e pequenas moléculas entre o sangue e o interstício. Hoje esse conceito evoluiu e reconhecemos que o endotélio, através de múltiplas propriedades, é fundamental para a manutenção da homeostasia vascular. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. BORN GVR, SCHWARTZ CJ. Vascular endothelium. Physiology, pathology and therapeutic opportunities. Stuttgart: Schattauer, 1997. v. 3. DAVIES PF. Flow-mediated endothelial mechanotransduction. Physiol Rev, v. 75, p. 519–560, 1995. GIMBRONE Jr. MA. Vascular endothelium, hemodynamics forces, and atherogenesis. Am J Pathology, v. 155, p. 1–5, 1999. GLAGOV S, ZARINS C, GIDDENS DP, KU DN. Hemodynamics and atherosclerosis. Insights and perspectives gained from studies of human arteries. Arch Pathol Lab Med, v. 112, p. 1018–1031, 1988. 5. 6. 7. 8, MALEK AM, IZUMO S. Control of endothelial cell gene expression by flow. J Biomechanics, v. 28, p. 1515–1528, 1995. MILNOR WR. Properties of the vascular wall. In: Hemodynamics. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1989. p. 58–101. WU KK, THIAGARAJAN P. Role of endothelium in thrombosis and hemostasis. Annu Rev Med, v. 47, p. 315–331, 1996. MIYAKAWA AA, JUNQUEIRA ML, KRIEGER JE. Identification of two novel shear stress responsive element in rat angiotensin I converting enzyme promoter. Physiol Genomics, v. 17, p. 107–113, 2004. Volume 7 / Número 2 / 2004 77