COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: REFLEXÕES SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO FORMATIVO DE UMA PROFESSORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL Cristiane Pereira Coelho 1 - UFPA Solange Mochiutti2 - EAUFPA Grupo de trabalho - Educação da Infância Agência financiadora: não contou com financiamento Resumo Indubitavelmente, a função do coordenador pedagógico na educação infantil é provocar mudanças qualitativas no trabalho docente e a formação continuada, por sua vez, é condição para construção de práticas direcionadas às especificidades da ação educativa às crianças menores de seis anos de idade. Por isso, este estudo visa a ampliar a discussão sobre a atuação do coordenador pedagógico no processo de formação continuada do professor, analisando as ações formativas realizadas junto à professora de educação infantil com base no planejamento e no acompanhamento da docente, identificando também possíveis inovações em sua prática. A pesquisa integra a monografia apresentada ao Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil da Universidade Federal do Pará – UFPA em parceria com o Ministério da Educação – MEC. Caracterizou-se como pesquisa-ação devido à singularidade do objeto de estudo: a coordenadora pedagógica como mediadora no processo formativo da professora, mediante o planejamento e o acompanhamento da prática docente. Analisaram-se os registros da coordenadora pedagógica, à luz dos referenciais teóricos conceituais imprescindíveis ao coordenador pedagógico da Educação Infantil, além da arguição de estudiosos acerca de ensinar e aprender na Educação Infantil. Quanto aos resultados, embora haja lacunas na rede municipal de educação do município para qualificar os serviços ofertados à educação dessas crianças, as experiências formativas desenvolvidas revelaram-se profícuas a ambas profissionais. Para a professora, mesmo desconfiando do convite para desconstruir e reconstruir práticas, ela sentiu-se desafiada a experimentar práticas para ampliar e/ou transformar as experiências de aprendizagem oferecidas às crianças. Para a coordenadora, apesar da complexidade que o processo formativo lhe impunha, esta foi recompondo esse processo, adequando e planejando ações com intuito de provocar mudanças na prática 1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Especialista em Docência na Educação Infantil pela UFPA, professora efetiva com função de coordenadora pedagógica na SEMED, Xinguara-PA. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação, professora da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (EAUFPA) e do Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil realizado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com o Ministério da Educação. E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 15519 docente, revelando também seu compromisso ético em relação à qualidade da oferta na educação infantil. Palavras-Chave: Educação Infantil. Coordenação Pedagógica. Formação Continuada. Introdução Atualmente, sabe-se quão necessária é a formação especifica para o professor de educação infantil, contudo, a literatura na área indica que a formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil tem sido insuficiente para possibilitar saberes necessários aos profissionais que educam crianças menores de seis anos de idade em espaços educativos (GATTI, 2009; SECANECHIA, 2011). Nesse sentido, destaca-se a necessidade de investimento na formação continuada do professor como condição para a construção de práticas pedagógicas a fim de atenderem às especificidades da ação educativa das crianças brasileiras nessa faixa etária. Tendo a clareza de que a principal função do coordenador pedagógico na escola é de provocar mudanças qualitativas no trabalho docente, tendo uma das vias a formação contínua, porque “é condição para o exercício de uma educação consciente das necessidades atuais dos alunos que frequentam a escola” (SOUZA 2003, p. 27), esta pesquisa, portanto, busca ampliar a discussão sobre a atuação do coordenador pedagógico no processo de formação continuada do professor de Educação Infantil, sendo o planejamento e o acompanhamento da prática docente focos primordiais nesse processo formativo. No município Xinguara-Pará, onde atuo como coordenadora pedagógica, a concepção de que o processo de alfabetização inicia-se na pré-escola está presente nos discursos dos professores de educação infantil e dos anos iniciais. E, muitas vezes, as atividades que fogem ao uso do papel e lápis são recebidas com desconfiança por parte dos docentes. Ressalta-se, ainda, que mesmo as brincadeiras estando presentes no planejamento do professor de educação infantil, estas não aparecem na prática docente com intencionalidade educativa, ou seja, não são apreciadas como fonte de desenvolvimento e aprendizagem. Valorizam a leitura, a escrita e as noções matemáticas (como identificar formas, símbolos, realizar contagens, comparações e cálculos simples), centrando a concepção de Educação Infantil no treino da escrita e reconhecimento dos símbolos. Nesse contexto, considero que o trabalho do coordenador implica compreender a realidade em uma leitura apurada da ação do professor e dos caminhos, a servirem-no de guias da prática pedagógica, contribuindo na qualidade do que é ensinado a essas crianças. 15520 Contudo, provocar mudanças qualitativas no trabalho docente em um espaço cuja proposta do educador para a educação infantil está baseada em áreas de conhecimento e pautada no ensino e não no processo de aprendizagem, é ação, no mínimo desafiadora, sobretudo, quando esta forma de organização do trabalho pedagógico é respaldada em documento elaborado sob a orientação da equipe técnica da Secretaria Municipal de Educação. Esse desafio se acentuou quando ingressei no Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil vinculado ao Ministério de Educação – MEC, em parceria com a Universidade Federal do Pará - UFPA, o qual me possibilitou, no diálogo com os documentos oficiais (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI, BRASIL, 2010) e com a produção de conhecimento na área, melhor compreensão a respeito da concepção de infância, de educação infantil, dos modos como a criança aprende e se desenvolve, dos pressupostos dos ambientes coletivos educativos para a primeira infância como lugar de interações e espaço de relações. Mediante essa compreensão, acredita-se que o trabalho docente dirigido à educação infantil exige um olhar atento tanto do professor como do coordenador no sentido de planejar experiências educativas que estabeleçam uma relação entre o que se propõe para as crianças e o que elas vivenciam no seu cotidiano. E isso perpassa pela ação formativa no contexto da escola. Vem dessa premissa a questão que norteou o desenvolvimento da presente pesquisa: Sob que medida o meu trabalho de acompanhamento do planejamento e da prática docente na educação infantil interfere no processo formativo da professora? A partir dessa questão firmaram-se os seguintes objetivos: analisar as contribuições da coordenadora pedagógica realizada junto à professora de educação infantil por meio do planejamento e do acompanhamento da docente; identificar as possíveis inovações na prática docente impulsionadas pelo processo formativo mediado pela coordenadora pedagógica. Desse modo, foi necessário, inicialmente, pensar a partir dos referenciais teóricos conceituais sobre a prática da coordenadora pedagógica e seu papel na ação formativa em contexto. A pesquisa, de abordagem qualitativa, caracterizou-se como pesquisa-ação devido à natureza singular do objeto de estudo: a coordenadora pedagógica como coautora e mediadora no processo formativo da professora, via planejamento e acompanhamento da prática docente. Sendo assim, de um lado, a pesquisadora trata de formular conceitos, buscar informações; de outro, atores, no caso, a professora, se dispõe a agir, a aprender, a transformar. Com essa compreensão, o conjunto dos procedimentos da pesquisa busca interligar conhecimento e ação, ou ainda, extrair da ação novos conhecimentos (TIOLLENT, 2011). 15521 A coleta das informações adveio por meio dos registros das mediações realizadas junto a uma professora que atua em duas turmas de pré-escola nos quais foram anotadas as impressões da pesquisadora a respeito da organização do planejamento e das reflexões feitas com a professora sobre as atividades realizadas a partir desses planejamentos. Estes registros possibilitaram reflexões sobre as situações vividas, permitindo-me revisitar elementos que permaneciam ocultos a minha percepção ao estar envolvida nas ações cotidianas de trabalho (ZABALZA,1994). Também deram voz, por meio da linguagem escrita, ao processo formativo desenvolvido pela coordenadora pedagógica junto à professora, possibilitando que novos caminhos fossem percorridos mesmo diante das desconfianças da professora a propostas de inovação da prática docente. Essas introspecções no processo da pesquisa foram importantes, pois, ao analisar as situações vividas fui recompondo a minha ação como coordenadora fazendo adequações e planejando ações com intuito de provocar o compromisso ético com a qualidade da oferta na educação infantil. O coordenador pedagógico e o planejamento na educação Infantil O coordenador pedagógico é parceiro importante no trabalho docente, exercendo a função de mediador e coparticipante da ação docente, em cujo exercício um dos seus desafios é colaborar nas organizações das ações do professor, o que exige deste a compreensão de como se estrutura o trabalho em sala e em que se fundamentam as práticas pedagógicas do professor. Para tanto, faz-se necessário estabelecer uma relação de diálogo com os professores com vistas a favorecer o processo formativo destes que são os principais responsáveis pelo ensinar e pelo aprender na educação infantil, tendo o planejamento pedagógico e o acompanhamento da prática docente como processos formativos fundamentais para qualificar o que é ensinado às crianças da educação infantil. Contudo, um planejamento que almeje imprimir qualidade na prática docente precisa estar amalgamado às DCNEIs como também responder aos interesses manifestados pelas crianças e às necessidades observadas pelos professores. Sendo assim, planejar na concepção de Redin (2007) implica “deixar que o inusitado apareça”. Ainda segundo a autora: Planejar é refletir com experiência, confrontando fatos, acontecimentos e nossas verdades com as teorias existentes, nosso ideal de criança, com a criança concreta com a qual nos deparamos todo o dia em toda a sua intensidade. É não nos fecharmos em sistemas rígidos, mas permite a abertura histórica que abarque a criança como um todo e ao mesmo tempo considere as suas especificidades, as suas diferenças, a sua história de vida, desejos e necessidades (REDIN, 2007, p. 88). 15522 A autora ressalta também que planejar na educação infantil é organizar espaço e tempo para a criança não perder as características próprias da cultura infantil, como o lúdico, o poético, o criativo e o barulhento. Para se trabalhar com conhecimento, é necessário abarcar dimensões como os saberes populares, as experiências, as contribuições da sensibilidade. Portanto, o planejar para educação infantil requer um rompimento com as estruturas conhecidas, as quais se apresentam de modo fechado, hierarquizado, peculiar aos currículos escolares. Para Vasconcellos (2009), um dos maiores desafios da prática pedagógica é a realização de trabalhos significativos tanto para a criança como para o professor. Portanto, o coordenador pedagógico deve acompanhar a organização, execução e avaliação do planejamento e assim possibilitar a tomada de consciência da necessidade de aperfeiçoamento de forma que as ações possam ser repensadas e reelaboradas a partir da troca de experiência e reflexão crítica sobre a prática. Reflexões como estas me impulsionaram a enfrentar os desafios na escola em que desempenho a função de coordenadora e a persistir na tentativa de semear o desejo de propor situações de aprendizagem diversificadas, agradáveis e significativas, de modo a respeitarem os interesses e as necessidades da turma, adotando como primeiro passo o conhecimento sobre a criança, suas potencialidades e limitações, seus conhecimentos prévios e a realidade em que vivem. A experiência formativa pela via do planejamento e do acompanhamento da prática docente Partindo da compreensão que uma das contribuições do coordenador pedagógico refere-se a colaborar nas leituras das ações realizadas com as crianças, buscando compreender as teorias imbuídas nessas práticas, a prática docente foi o ponto de partida e de chegada de todo o trabalho formativo desenvolvido. Adotei como primeiro passo, após alguns estudos realizados na Hora Pedagógica (HP), provocar na professora a necessidade de avaliar sua prática identificando possíveis equívocos quanto à natureza do trabalho pedagógico na educação infantil, que concentra uma especificidade, pois a criança apresenta uma forma muito própria de aprender. Desse modo, os diversos momentos formativos foram conduzidos haja vista aguçar a percepção da docente quanto ao seu trabalho, para isso sentimos a necessidade de registrar as reações das crianças diante do que foi proposto. Por meio do registro, foi possível perceber as 15523 concepções imbuídas na prática docente, perceber pontos negativos ou positivos para depois reorganizar o planejamento (ZABALZA, 1994). Destacou-se ainda a necessidade de a professora perceber as curiosidades e as descobertas das crianças, identificar problemas e acompanhar o desenvolvimento de temas relevantes. Ressaltamos também o compromisso para organizar espaço e tempo para que as situações de aprendizagem ocorram de forma prazerosa e significativa. Mas esse não foi um processo simples, em alguns momentos acreditei que não conseguiria sensibilizar a professora a experimentar novos desafios, em virtude da organização de espaços e materiais, ou da proposição de experiências de aprendizagem desafiadoras para as crianças, as quais provocassem nelas a experimentação pela sua capacidade inventiva, pela curiosidade, pelo desejo de querer aprender. Inicialmente tentei argumentar, explanando a necessidade de propormos atividades para permitir a criança se expressar e interagir com as outras crianças, e, assim, poderem aprender com atividades mais movimentadas, explorando espaços para além da sala de referência. Porém, a professora apresentava resistência, demonstrando a sua insatisfação com a minha reiterada insistência de reorganizar o planejamento e projetar atividades que abarcassem os princípios éticos, estéticos e políticos, os quais, a meu ver, não estavam contemplados. Foi um período de muitas frustrações, pois sentia a necessidade de desconstruir e reconstruir práticas, contudo, os meus argumentos pareciam não ser suficientes para convencer a professora dessa necessidade. Outra questão refere-se ao próprio contexto da educação infantil no município, por abranger questões muito complexas, como a formação inicial e continuada, investimento em infraestrutura, em materiais pedagógicos. Embora consciente de que não há uma receita pronta para a realização do trabalho do coordenador pedagógico, é preciso compreender que “se é possível, ao professor, ensinar na diversidade, se é possível ao aluno aprender em grupos heterogêneo, também é possível, ao coordenador, coordenar na complexidade” (SOUZA, 2009. p. 109). Por isso, dediquei-me à leitura sobre a especificidade do trabalho docente na educação infantil e também às que discutiam as atribuições do coordenador pedagógico e, assim, as estratégias foram também mudando, e, timidamente, as ações da professora começaram a apresentar um novo formato. Detive-me a acompanhar a realização das atividades dando suporte, oferecendo o material necessário, ajudando na confecção de jogos e até realizar, juntamente com a 15524 professora, algumas atividades, ou seja, um trabalho de mediação, incentivo e construção coletiva e sem desvalorizar o trabalho que a professora vinha desenvolvendo. Observaram-se alguns avanços nas ações da professora que, apesar da forma resistente como recebia algumas sugestões, surpreendia-me de forma positiva, ora propondo, ora concordando em desenvolver algumas atividades sugeridas por mim, ou até mesmo permitindo a minha participação em situação de aprendizagem com sua turma. A utilização de espaços externos às salas de referência e à escola Considerando o que diz as DCNEIs quando sugerem “os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à instituição” (BRASIL, 2010, p. 20). Passei a incentivar a realização de atividades em ambientes externos à sala, pois acredito que é possível oferecer diversas situações de aprendizagem ao utilizar o pátio da escola para as brincadeiras, os jogos e tantas outras atividades que podem ser enriquecidas em espaços mais amplos. Ressalte-se que inicialmente as crianças passavam a maior parte do tempo sentadas nas carteiras e pouco se explorava o próprio espaço da sala e os ambientes externos da escola. Para defender a necessidade de desemparedar e propiciar aprendizagens mobilizadas pelo desejo, nas quais as crianças se envolvem de corpo inteiro, sugeri à professora para desenvolver atividades fora da sala. No início, a professora descartava a ideia de sair com as crianças para o espaço externo à sala, por acreditar que as crianças pudessem se machucar ou levar picadas por formigas, como costumava justificar. De fato, a escola não oferece espaços, como parques, área coberta ou terreno com calçamento. Mas o espaço externo é amplo, arborizado e, apesar de no período de chuva haver alguns focos de formigueiros, considero que nos cabe assegurar à criança experiências de aprendizagem na área aberta, em contato com a natureza, e, com isso, aprenderem, por exemplo, a identificar os lugares onde não podem circular em decorrência das formigas. Essa resistência pode estar relacionada ao fato de que a professora, ao trabalhar com o objetivo de apreensão de conteúdo, retirando as crianças da sala, poderia dispersar sua atenção. Observa-se que ainda está arraigada a ideia de que as crianças aprendem melhor os conteúdos entre quatro paredes e diante dessa concepção as crianças, muitas vezes, deixam de fazer novas descobertas, potencializar o aprendizado de novas regras e interagir com outras crianças. 15525 Além disso, o brincar é um direito constituido, como apresentado na Lei 8.069 de 13 de julho de julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente, Capítulo II, Artigo 16, Inciso IV quando regulamenta que toda criança tem direito de brincar, praticar esporte e se divertir. Porém, nas escolas, muitas vezes as crianças são privadas desse direito. E essa é uma discussão que tenho feito com a professora da Educação Infantil, no sentido de procurarmos alternativas com o propósito de as crianças poderem usufruir desse direito. Nos momentos de estudos, procurei aguçar a percepeção da professora para a necessidade de planejar a organização de espaços para as crianças poderem brincar na área externa, assim como experiências envolvendo os elementos da natureza a fim de terem oportunidade de se expressar, observar, experimentar e de se relacionar com o meio e de construir sentidos sobre a natureza e a sociedade. Entre as atividades planejadas e desenvolvidas, destacamos as aulas-passeio nos arredores da escola; em um bosque, constituido a partir de reflorestamento e também a organização de espaço e materiais para brincadeiras na área externa, aqui relatado, o balanço na árvore. A aula passeio nos arredores da escola foi planejada a partir das reflexões que fiz junto à professora sobre a necessidade de proporcionar experiências de aprendizagem fora da sala de referência, para as crianças poderem ter contato com outros elementos além daqueles presentes na sala, como o papel, o lápis, a tinta, pincel e que permitissem a construção de conhecimento nas interações com diversas situações, por exemplo, por meio da manipulação, do toque, do cheiro, da comparação. Nesta atividade, além do que tínhamos planejado, outras situaçoes inusitadas apareceram. À medida que íamos adentrando em uma área de pastagem nas proximidades da escola, surgiram pequenas elevações no relevo, as quais foram exploradas pelas crianças em brincadeira de subir e descer. Durante o passeio, outros elementos da paisagem também despertaram a curiosidade das crianças, como erosões causadas pela enxurrada da chuva, a casa do marimbondo, plantas com espinhos. As crianças faziam inferências e comentários sobre o que viam. Ao passar por um córrego, observaram peixinhos e, na oportunidade, as crianças resgataram histórias vividas com a família em pescarias. Observei também que a professora demonstrava satisfação ao ver as crianças curiosas e verbalizando as suas descobertas. Ao resgatar com a professora esta experiência, pudemos refletir sobre a necessidade de a criança entrar em contato com a natureza, na perspectiva de 15526 educá-la para o cuidado e respeito com os seres da natureza e aprender a se relacionar de forma íntima com os elementos nela contidos. Já a ideia do passeio no bosque surgiu de uma conversa com a professora durante o planejamento quando esta procurava sugestão de atividades para trabalhar com as crianças o Dia da Árvore. Procurei compreender um pouco o que a professora pretendia e percebi em sua fala que a preocupação era meramente cumprir o cronograma de datas comemorativas existente no cronograma do município, pois sua proposta inicial era conversar com as crianças sobre a importância de plantar e de cuidar das árvores e passar alguma atividade impressa para as crianças colorir, ou colar papel picado. Comecei a provocar uma reflexão sobre esse tipo de atividades e o que poderia ser feito para que ‘O Dia da Árvore’ pudesse ser significativo em termo de aprendizagem para as crianças. Surgiu então a proposição de visitar o bosque cujo proprietário o reflorestou e conta com muito prazer para os visitantes como transformou esse local, outrora pasto, em bosque. A construção do balanço na árvore foi uma atividade propostas pela professora. Ela levou para escola uma corda e uma tábua, organizou o balanço e o armou em uma das mangueiras no pátio, a professora conduzia a brincadeira, organizando o tempo de cada criança no brinquedo. Algumas crianças demonstravam medo se recusando a brincar enquanto outras se recusavam a sair do brinquedo. Observei que a professora não motivava as crianças as quais se recusavam a participar da atividade. É natural que a criança sinta medo ao se deparar com situação nova, mas acredito ser preciso ajudá-la a enfretar os medos oferecendo segurança e incentivo. Ao conversar com a professora sobre esse assunto, sugeri a leitura de textos sobre como ajudar as crianças a superar os medos. O balanço foi uma atividade repetida por vários dias a pedido das crianças. Além de proporcionar sensação de alegria e prazer, a brincadeira contribuiu para as crianças comprenderem e respeitarem regras de compartilhar o brinquedo. Acredito que ao propor esta atividade, embora a professora inicialmente não tivesse consciência dos seus benefícios, ela (professora) propiciou às crianças, além do momento de lazer, uma possibilidade de aprendizagens, por exemplo, ao balançar no balanço, puderam perceber a sensação de velocidade, o impulso que o corpo sofre ao balançar e o equilíbio alcançado. Em conversas sobre as observações feitas durante a brincadeira e também com as leituras fomos tomando consciencia dos benefícios desta brincadeira. 15527 Sento assim, comemorar o dia da árvore foi além de colorir uma árvore e conhecer suas partes, ou ouvir a professora falar dos benefícios de se plantar árvores. As autoras Araújo e Torres (2013) confirmam que experiências como estas vivenciadas pelas crianças nas aulas passeios favorecem a conexão da criança com o ambiente natural sob uma ótica de valor próprio e simbólico. No caso da árvore, o valor próprio está na capacidade de proporcionar sombra, frutos, servir de moradia para os pássaros entre outras utilidades. O simbólico, quando fazem parte do cenário das histórias, personagens, brinquedos. E assim, “os diferentes elementos da natureza são muito mais que um recurso, quando consideramos o valor social, cultural e ambiental” (ARAÚJO e TORRES, 2013, p. 176). A partir dessa compreensão confirmamos a necessidade de a criança ter contato com a água, a terra, areia, subir em árvores, correr por espaços amplos. Somente assim, elas terão oportunidade de se perceberem parte da natureza e aprenderem a valorizar e a preservar, pois é sempre bom lembrar que: [...] ninguém será capaz de amor o que não conhece; ninguém será capaz de preservar a natureza com a qual não convive. Por isso, precisamos realizar uma aproximação física, estabelecendo relações cotidianas com o sol, com a água, com a terra, fazendo com que sejam elementos sempre presentes, chão, pano de fundo, matéria prima para a maior parte das atividades (TIRIBA, 2006, p.14). A autora chama a atenção para o fato de que precisamos educar as crianças para uma sociedade sustentável e para isso não basta ensinar as crianças a entenderem os processos naturais e culturais, mas ensiná-las a preservar e conservar. Privar a criança dessas experiências fora da escola, em espaços livres é ferir os seus direitos de usufruir intensamente da natureza, de explorar os diferentes elementos que compõem a natureza. Mesmo que as atividades acima descritas não tenham tido desdobramentos pela professora no sentido de ampliar as experiências vivenciadas pelas crianças, estas, em essência, proporcionaram às crianças momentos de interação, curiosidade, descobertas, aspecto bastante significativo. Por meio delas, como foi o caso da aula passeio para refletir sobre o dia da árvore, as crianças puderam ver, sentir, cheirar. Além de apreciar a paisagem e usufruir dos benefícios que as árvores proporcionam como a sombra e até saborear alguns frutos, as crianças perceberam o efeito do reflorestamento, o qual garante o sustento do proprietário e o lazer dos visitantes. E mais, garantem a sobrevivência de várias espécies de pequenos animais. 15528 O trabalho com a escrita na educação infantil Ao verificar a seleção de conteúdos e sugestões de atividades da Secretaria de educação enviadas às escolas e à unidade de Educação Infantil, foi possível perceber que há uma série de equívocos em relação às especificidades do trabalho com crianças em idade préescolar. Um deles é apresentar a escrita pelo aspecto técnico, ou seja, apresentar a relação letra-som. Essa forma de trabalhar a escrita está voltada ao reconhecimento de letras do alfabeto, escrita de palavras isoladas as quais, muitas vezes, não têm significado para a criança. Mello (2010) chama a atenção para o trabalho com a linguagem escrita na educação infantil, alertando, em primeiro lugar, ser necessário compreender que a criança aprende na sua relação com o mundo e com sua cultura e assim a aprendizagem está relacionada ao sentido que atribui às coisas apresentadas a elas. Nessa perspectiva, apresentar letras soltas para a criança, como vinha ocorrendo nas turmas de educação infantil estaria contribuindo para formação de leitores funcionais, isto é, leitores que decodificam, mas não compreendem o que leem e não têm autonomia para produzir seus próprios textos. “Essa expressão quer dizer que a pessoa apesar de ter sido alfabetizada não sabe exercer a função social da escrita” (MELLO, 2010, p. 45). Diante dessa compreensão, as atividades de letramento realizadas nas salas de educação infantil não contribuíam para o desenvolvimento da linguagem escrita da criança. Tudo isso me acarretou enorme inquietação, pois eu também não tinha vivências com trabalho de letramento na Educação Infantil. E como sugerir atividades coerentes com novas propostas? Por não saber o que fazer, por um tempo, não fiz interferências nas proposições de atividade da professora, como a leitura das vogais expostas no mural, colorir ou copiar letras. Além das leituras compartilhadas nas disciplinas do Curso de Especialização, recorri a outras fontes sobre a leitura e a escrita na educação infantil. Compartilhei com a professora algumas dessas leituras, em especial, o que indica as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, [...] possibilitar as crianças experiências narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita e convívio com os diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos (BRASIL, 2010, p. 25). Refleti com a professora sobre a necessidade de pensarmos experiências de aprendizagem que contemplassem a escrita em sua função social, ou seja, propor atividades com as quais as crianças pudessem observar, vivenciar e participar de situações em que a 15529 linguagem escrita é usada. Argumentei ainda a preocupação com o tipo de atividade que estávamos oferecendo e a necessidade de propormos algo mais significativo e prazeroso. A princípio houve muita resistência por parte da professora, e justificou-me que há muito vinha trabalhando daquela forma, pois algumas crianças terminavam o ano conhecendo as letras do alfabeto e copiando do quadro, cuja tarefa, na sua concepção, facilitava o processo de alfabetização. Comecei a refletir sobre essa situação e a buscar leituras que me trouxessem outros argumentos mais consistentes. Essas leituras foram sendo compartilhadas com a professora. Com as leituras e também nas conversas com a professora comecei a entender e aprender a ter um pouco de paciência. Percebi que ela estava mais suscetível à sugestão, como costumava dizer “vou arriscar”, “vou testar”. E pude vê-la, algumas vezes, “testando” ou “arriscando” as sugestões apresentadas por mim. Contudo, mesmo depois de ter experimentado novas situações de aprendizagem, observado o interesse e a participação das crianças no desenvolvimento das atividades, a professora continuou oferecendo as que se limitam ao reconhecimento das letras do alfabeto. Provavelmente essa situação explica-se pelo fato de que em atividades de colorir, ou cobrir, ou mesmo nas de recorte e colagem, as crianças se mantêm ocupadas por um longo período, sem exigirem a participação ativa da professora, tornando seu tempo menos cansativo. Em contrapartida, as situações de aprendizagem propostas com as fichas requerem do professor maior participação, pois este precisa instigar a criança a comparar, questionar, experimentar. Podemos também supor a pressão sentida pela professora em decorrência das exigências das docentes dos anos iniciais que reclamam quando as crianças chegam ao ensino fundamental sem reconhecer as letras do alfabeto ou transcrever do quadro para o caderno. Também podemos considerar a demanda do trabalho e do tempo para planejar e elaborar atividades contextualizadas e que estejam de acordo com a realidade da criança, enquanto as outras já estão prontas em livros ou podem ser encontradas nos sites de busca na internet. Além disso, a professora tem como argumento a seleção de conteúdos organizada pela secretaria de educação do município, e considerando as suposições acima, para a professora é mais cômodo segui-lo a ter que elaborar atividades com maiores exigências intelectuais. 15530 Considerações Finais Constataram-se alguns entraves na articulação do processo formativo. Primeiro, porque tivemos que lidar com as lacunas da formação inicial da professora, pois não havia uma clara compreensão a respeito da natureza do trabalho pedagógico do professor de educação infantil, do currículo para esta etapa de ensino, dos modos como a criança aprende e se desenvolve. Isso é perceptível quando são oferecidas atividades com fim em si mesmo. Em segundo lugar, observou-se a necessidade de investimentos em formação que possibilite discussões a respeito das mudanças ocorridas no cenário da Educação Infantil em nível nacional. E não se trata apenas de formação promovida pela secretaria municipal de educação, mas também das discussões no contexto de trabalho e nas formações individuais. Ainda: as condições de trabalho do professor, em geral, são precárias, exigindo muita criatividade e ousadia para enfrentar essas limitações. A escassez de material e o espaço onde se possa desenvolver com segurança e conforto atividades para as crianças, não estimulam a realização de projetos. Desse modo, a qualidade dos serviços ofertados à Educação Infantil requer mobilização de toda a rede municipal. Se por um lado as professoras individualmente investissem na sua formação profissional, as instituições educacionais precisariam se articular para elaboração dos projetos políticos pedagógicos alicerçados em um plano municipal de educação que, por sua vez, deverá estar de acordo com as definições nacionais. Isto não ocorre no município. Os seus documentos que servem de base para o trabalho na Educação infantil está na contramão do que se pretende oferecer para esse público. Diante de concepções equivocadas de educação de crianças, as professoras da Educação Infantil são pressionadas a alfabetizar e acabam adotando práticas tecnicistas, exercícios de repetição e treino a escrita até porque são cobradas pelos professores do ensino fundamental, pois, querem que as crianças ingressadas nessa etapa de ensino consigam, pelo menos, identificar as letras do alfabeto e dominar a técnica da escrita. A preocupação em responder a essas cobranças possivelmente justifica a resistência em propor atividades sem envolver estas questões. Ressalte-se também que as atividades impressas com exercícios de colorir ou cobrir não exigem esforço intelectual nem da professora, que as encontra prontas, nem das crianças, pois esse tipo de atividade só requer adestramento das articulações. Desse modo, as crianças permanecem quietas por mais tempo, tornando o trabalho da professora mais cômodo. 15531 Apesar dessa conjuntura, algumas conquistas foram alcançadas junto à professora, como: experimentar atividades em espaços externos, realizar aulas passeio e desenvolver atividades por meio das quais a criança pudesse ser a protagonista de suas descobertas. O trabalho da professora recebeu reconhecimento dos pais, pois comentavam que as atividades estavam mais interessantes, e, por isso, as crianças iam à escola mais animadas. De fato as crianças tornaram-se mais assíduas e mais participativas. Estes resultados se refletiram também na autoestima da professora, pois alterou o modo de vestir e o corte de cabelo e adotou um estilo mais jovial. Além disso, começou a interagir mais com as outras professoras nas trocas de experiências. O processo também foi formativo para a coordenadora pedagógica. Ao reconhecer que o planejamento e o acompanhamento da prática docente para ser formativo não pode se resumir a sugestões de atividades, é necessário refletir juntamente com a professora sobre os conceitos imbuídos nas atividades propostas, pensar em como as crianças poderão aprender com essas proposições sendo elas as protagonistas de suas descobertas. Além disso, diante da complexidade do processo formativo neste contexto, seja diante da resistência da professora, pelo próprio contexto da educação infantil no município que abrange questões dessa natureza, como a ausência de formação continuada, falta de investimento em infraestrutura, em materiais pedagógicos ou mesmo perante as incertezas da coordenadora, foi fundamental aprofundar estudos para alicerçar o enfrentamento dos diversos desafios encontrados. Desse modo, a oportunidade de compartilhar com a professora não só experiências e saberes, como também incertezas, inseguranças e de propor outras possibilidades de pensar a organização do trabalho pedagógico, conforme interesses, necessidades e potencialidades das crianças, também foi significativa à coordenadora pedagógica. Enfim, provocar mudanças na prática docente não significa negar o que está sendo posto, todavia transcender as práticas costumeiras com consistência teórica e instigando a experimentar o novo. Além disso, constatei que as mudanças nas ações docentes não dependem somente de esforço pessoal, mas também requer imperiosamente envolvimento dos sujeitos em questão. REFERÊNCIAS ARAÚJO, R. R. e TORRES, G. V.S. Sentidos e práticas da aprendizagem em ciências naturais na Educação Infantil. In: MONTEIRO, Filomena, M. A, PALMA, Rute C.D. e CARVALHO, Sandra P.T. Processos e Práticas na formação de professores da Educação Infantil. Cuiabá: Edufamat, 2013. 15532 BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2010. GATTI, B.A.; BARRETO, E.S. de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. MELLO, S.A. Contribuições da educação infantil para a formação de leitores e produtores de texto. 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