UNIVERSIDADE DE BRASILIA FACULDADE DE DIREITO TEORIA GERAL DO PROCESSO II DOCENTE: VALLISNEY OLIVEIRA DISCENTE: RAIANNE LIBERAL COUTINHO LEANDRO HENRIQUE COSTA BEZERRA O CONFLITO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE E DO JUIZ NATURAL Brasília 2014 1. EMENTA: 2. ANÁLISE: Trata-se de um caso aparentemente simples, que discute o Princípio da Imparcialidade do Juiz e até onde ele pode se aplicado. Ninguém discute que o magistrado tem que ser imparcial nas suas decisões, para que a justiça seja feita de modo pleno e seguro. Mais importante ainda é quando esta questão é tratada no âmbito do direito penal, por ser uma forte intromissão na vida do sujeito. Assim, em casos em que o magistrado declara-se suspeito, uma solução eficaz seria apenas afastar esse magistrado do julgamento de determinado caso, preservando assim o Princípio da Imparcialidade do Juiz. No entanto, a particularidade dessa situação concreta revela-se quando afastar o juiz não se mostra suficiente. Primeiro, comecemos apresentando a história. Lucimar Fonseca Ferreira é acusado pela prática do crime de homicídio qualificado. Contudo, o crime aconteceu em Cambuci, uma pequena cidade no interior do Rio de Janeiro, que tem cerca de quinze mil habitantes. Pelo seu tamanho demográfico, a região conta com apenas um magistrado, o MM Juiz de Direito José Ricardo Ferreira de Aguiar, que, além de tudo, era amigo da vítima e possuía relações comerciais com a mesma. Apelando para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, posteriormente para o STJ, a vítima pede para que o seu caso não seja julgado pelo referido juiz, mas pela comarca de Campo dos Goytacazes, uma cidade distante. Como o Dr. José Ricardo se declarou suspeito e foi afastado da condução do Tribunal do Júri, o STJ não viu motivos para conceder o pedido de desaforamento, mantendo a competência do Tribunal do Júri da Comarca de Cambuci. Insatisfeito, Lucimar recorreu a um pedido de harbeas corpus via liminar ao STF, alegando que o Princípio da Imparcialidade do Juiz continuava sendo ferido, acusando, inclusive, uma influência do Juiz da comarca ao tribunal do júri – juiz de fatos responsáveis pela sentença do caso concreto –, por ser uma figura pública bem quista na cidade. Argumentou que, mesmo afastado do caso, o magistrado era uma figura importante e respeitada na região, podendo influenciar a decisão final dos habitantes. O Ministro Joaquim Barbosa, consciente desses fatos, concedeu a ordem. A demanda do impetrante é baseada no Art. 424 do Código de Processo Penal, que dizia: “Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para a comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio”.1 O STJ indeferiu o pedido de desaforamento alegando que seria necessária à “fundada suspeita de parcialidade dos jurados, (...). Mera alegação de que a autoridade do Juiz poderá influenciar no julgamento, não é suficiente para o deslocamento do julgamento popular.” Desta forma, prevalecendo a dúvida acerca os fatos alegados, – pois não seria possível saber se o magistrado exerceria influência ou não no caso – , o mais seguro seria respeitar o Princípio do Juiz Natural: ao manter o caso na comarca original, evitar-se-ia que fosse criada uma comissão especialmente para julgar aquele caso, o que poderia favorecer ou prejudicar o réu. No entanto, como coloca o autor Nelson Nery Junior, o Princípio do Juiz Natural está intrinsecamente relacionado ao Princípio da Imparcialidade, não podendo dele ser desassociado. Reafirma, portanto – e é ecoado pelas decisões do Ministro Gilmar Mendes – que o juiz competente deve ser imparcial. Tais considerações constam no voto do Ministro Joaquim Barbosa, que alegou: “o princípio do juiz natural deve ceder diante da possibilidade de realização de um julgamento parcial dos fatos.” Com o exposto, consideramos procedente a decisão do STF, por considerar que, no caso, havia diversas nuanças que comprometeriam a imparcialidade do Tribunal do Júri. Primeiro, os componentes deste tribunal são escolhidos pelo Juiz de Direito da comarca responsável. Assim, estando o MM José Ricardo suspeito, suas escolhas, por 1 Aqui há um pequeno problema temporal. O acórdão cita o CPP, mas este foi alterado pela Lei nº 11.689, de 2008. Portanto, a matéria passou a ser regulada pelo Art. 427, que coloca: “Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas” consequência, seriam suspeitas também. Assim, não é ingênuo considerar que, por ser amigo pessoal da vítima, o magistrado escolheria pessoas que votassem pela condenação do acusado. Essa alegação teria sido suficiente, creio eu, para que o STJ deferisse o pedido. Todavia, o STJ presumiu que o Dr. José Ricardo, sendo um juiz experiente, não se deixaria influenciar por suas questões pessoais na escolha dos jurados. Ademais, não há como afirmar, pelo menos a princípio, que os convidados votariam segundo as preferências do magistrado, uma vez que se trata de pessoas com pensamento independente. Baseando-se exclusivamente nessa consideração, então a decisão do STJ é cabível. Este órgão só esqueceu de considerar as particularidades deste caso concreto e esta foi uma falta grave. Não acreditamos que o Dr. José Ricardo poderia agir de má-fé na escolha dos jurados. De fato, cremos que ele teria agido racionalmente, escolhendo as pessoas mais competentes para julgar o caso concreto. Contudo, Cambuci é uma cidade de pequeno porte, onde o juiz – que trabalha lá há mais de dez anos – é muito respeitado, em razão da dedicação com que exerce a sua atividade. Assim, inconscientemente, os jurisdicionados reconheceriam a opinião do juiz na hora de proferir sua decisão, que acabaria sendo tendenciosa. Esse não é um vício que se possa corrigir facilmente, uma vez que não há quem responsabilizar por esse fato: o juiz tinha sido afastado e os jurados não eram efetivamente suspeitos. A divergência – apontada pelo Ministro Joaquim Barbosa no seu voto – dentro da Procuradoria Geral da República mostra que não é fácil perceber que há algo de errado no caso. Mas a Justiça precisa ser perspicaz e se atentar aos detalhes – o que também não é simples, devido à quantidade de processos tramitando nos tribunais. Se não pode agir de ofício, então deve pelo menos reconhecer o pedido dos interessados, como aconteceu com Lucimar, ao requisitar o desaforamento (que por fim foi concedido pelo STF). 3. CONCLUSÃO: A constituição, definida como fonte principal do direito processual, controla as normas e princípios articulados pela jurisdição estatal. O Principio do Juiz Natural, presente art.5º, incisos XXXVII e LIII, define uma anterioridade da instituição dos órgãos jurisdicionais para o exercício da atividade processual competente, dentro dos parâmetros do dispositivo legal. O Princípio da Imparcialidade, apesar de não estar previsto em nossa carta magna, coloca o juiz numa posição de neutralidade perante aos interesses das partes. As convicções políticas interferem na escolha do juiz apenas após a instauração do processo, para definição da sentença. Destarte, para este caso, é importante por sinalizar que o mero afastamento de um juiz suspeito não satisfaz o Princípio da Imparcialidade, não na íntegra, pelo menos. Devem-se considerar os detalhes que permeiam cada caso concreto, sendo este um comportamento indispensável para as boas práticas jurisdicionais. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Acordão referente ao AgRg no Harbeas Corpus 93.038-7 Rio de Janeiro. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570177. Acesso em 19 de abril de 2014. Acordão do STJ Harbeas Corpus Nº 45.595 RJ (2005/0112475-5). http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19199448/habeas-corpus-hc-45595-rj-20050112475-5/inteiro-teor-19199449. Acesso em 19 de abril de 2014. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 10ª edição atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2009. Pp 31-32.