“Ciência e Política: Duas Vocações” De Max Weber Max Weber (1864-1920) nasceu em Erfurt, Turíngia, Alemanha. Filósofo nascido de pais intelectuais, teve nesse sentido, impulso na carreira, começando em tenra idade, aos 13 anos, já escrevia ensaios. Formou-se em Direito, e teve atuação bem-sucedida na advocacia, sua carreira acadêmica foi até 1898. Professor de Sociologia na Universidade de Estocolmo, foi autor de vários trabalhos na área de sociologia econômica onde construiu uma sólida base teórica para o desenvolvimento de novos conceitos para analisar a economia, integrada às esferas política, jurídica e religiosa da sociedade, da época. Apresentou sintomas de esgotamento nervoso, aos 34 anos. Teve depressões intermitentes durante toda a sua vida, apesar da intensa produção intelectual. Após uma temporada nos Estados Unidos, que lhe causou grande impressão, retomou seus escritos, publicando "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo". Participou intensamente da vida intelectual da sua época, sendo professor universitário nas áreas de história, sociologia e economia, os ensaios sobre as vocações para a Ciência e a Política, que compõem o livro resenhado não tem data precisa de criação, mas presume-se que foram em anos subseqüentes 1918 e 1919. Suas últimas aulas, realizadas a pedidos de alunos, foram publicadas sob o título "História Econômica Geral". Em meados de 1920, adoeceu de pneumonia. Morreu em junho deste mesmo ano, deixando inacabado um livro de revisão e síntese de toda a sua obra, intitulado Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade), que é de importância fundamental para a compreensão de seu pensamento. O livro Ciência e política: duas vocações, é baseado em conferências dadas por Max Weber, onde mostra pontos de tangência e divergência entre o cientista e o político. Para ele ambos os agentes procuram estas profissões visando não trabalhar, vivendo assim às custas do contribuinte por intermédio do Estado. A primeira diferença é que o cientista acha que seu ócio produtivo pode, um dia, servir para algo. Já o político acha que nem isso. Por fim ele aconselha ambos a não interferirem em suas esferas. O cientista não deve interferir na esfera política, pois um dia seu partido pode perder a eleição para um partido rival e com isso ele perder suas regalias nas pesquisas, para o Estado. Já o político não deve perder seu tempo com algo que dá muito pouco dinheiro como a pesquisa científica. A ciência como vocação – Primeiro Ensaio ou Capítulo 1 O ator direciona o ensaio aos jovens supostamente com vocação à ciência, que pretendem se devotar à pesquisa por amor. Percebe-se que há um diálogo implícito, compondo o texto, numa tentativa de desmitificar uma visão idealizada, como também da presunção destes jovens e da pose irracional, então em voga na Alemanha. Nesse movimento de "combate a ilusão", é possível identificar o propósito de Weber em comprovar a eficácia da explicação sociológica nos vários campos da vida social, em especial a que dá conta de fenômenos subjetivos. A vocação para a ciência decorre de um processo de racionalização, que na sociedade moderna, é caracterizada pelo pluralismo de valores, opondo-se religião, ciência, arte, e ética como potências ou "vocações" antagônicas. A força explicativa e a originalidade desse modelo, exposto de maneira didática nesse capítulo, mostra nas páginas iniciais do ensaio um exame feito pelo autor de forma convencional, como pensa os fatos sociais e as condições materiais que enquadram a vocação universitária. Contrapondo as ilusões dos jovens à objetividade da prática social, Weber destaca uma série de dilemas da ocupação científica universitária (que para ele não se restringe às ciências naturais), numa descrição espantosamente atual: a dificuldade de conciliar duas capacidades distintas, a de professor e a de pesquisador; a necessidade de conjugar a inspiração e o anseio de criar algo duradouro num terreno sujeito às leis do progresso, a distinção pelo mérito numa atividade em que o ingresso e a ascensão profissional se encontram a mercê do acaso. Segundo Weber, o cientista especializado faz parte da "grande fábrica da ciência", mas o faz, com dedicação apaixonada. Do contrário, deveria estar fazendo outra coisa na vida. É fácil identificar no ensaio de Weber que um elemento racional fundamental da ciência moderna – a especialização – depende de um elemento irracional – a paixão. Ou seja, a paixão é incontrolável e não-passiva de escolha. Um tema é sempre escolhido, mesmo que indecisamente, a partir de alguns critérios que sempre dependem de nosso grau de envolvimento com o assunto, seja ele de cunho pessoal ou social, individual ou coletivo. Mas a paixão, por si só, é insuficiente. Novamente Weber desilude o leitor, pois gostar de um tema não basta. Para realmente ter uma vida científica, é necessário inspiração. E, nesse caso, nem mesmo a especialização é garantia de coisa alguma - Weber não dá garantias para a vocação da ciência - não há método para a inspiração, não há caminho seguro que leve até ela. O autor aos poucos vai desfazendo toda e qualquer ilusão quanto à existência de uma tarefa nobre para a ciência, ele vai mostrando os limites da racionalidade. (Ora, sem inspiração não há criação e sem criação não há nada de novo, não há progresso científico). O filósofo chama a atenção para as conseqüências do talento e da paixão, bastante inflamáveis em uma Alemanha que saíra derrotada da guerra, estando assim procurando uma orientação. Ele fala do risco que o cientista talentoso corre, podendo se tornar uma "personalidade", um "líder", ou, como diríamos hoje em dia, uma "celebridade". Na ciência ou em qualquer área da vida, tem personalidade, aquele que cumpre sua tarefa. O cientista não é sabe-tudo, a voz da verdade. Ou seja: sendo o cientista, para Weber, aquele que ocasionalmente sabe aquilo que deseja conhecer, ele também pode querer ser mais do que é – "a voz da verdade". Neste ponto encontra-se referência a um elemento irracional, ao gerar um fenômeno contemporâneo (necessidade de identificação de um líder, no qual buscamos a experiência autêntica), não contribui para a ciência. A pergunta é sintoma de um erro: não se deve querer mais do que ser um especialista. Uma resposta difícil de suportar, uma vez que tira a ilusão do saber absoluto da ciência. A política como vocação – Segundo Ensaio ou Capítulo 2 Weber afirma que o Estado é uma relação de homens dominando homens, relação esta mantida por meio da violência legítima. Há três legitimações do domínio: I.A autoridade dos "santificados" pelo reconhecimento antigo. É o domínio tradicional exercido pelo patriarca e pelo príncipe patrimonial de outrora; II.A autoridade do dom da graça (carisma) extraordinário e pessoal, do heroísmo ou outras qualidades da liderança individual. É o domínio carismático, exercido pelo profeta ou, no campo da política, pelo senhor de guerra eleito, pelo governante eleito pelo povo, o grande demagogo ou o líder do partido político; III.O domínio em virtude da "legalidade", em virtude da fé na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada em regras racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se obediência no cumprimento das obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo moderno "servidor do Estado" e por todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se assemelham. A obediência é determinada pelos motivos bastante fortes do medo e esperança e pelos mais variados interesses. Mas em termos de legitimações dessa obediência, há três tipos puros: tradicional, carismático e legal. Segundo Weber, raramente encontra-se os tipos puros na realidade. Mas, neste ensaio, se interessa principalmente pelos tipos de domínio em virtude da dedicação, dos que obedecem, ao carisma exclusivamente pessoal do líder, pois essa é a raiz de uma vocação em sua expressão mais elevada. Na dedicação carismática, os homens obedecem ao líder porque acreditam nele, a orientação de seus discípulos é direcionada para a sua pessoa e para suas qualidades. "Esses políticos de vocação seriam em toda parte as únicas figuras decisivas na luta política pelo poder". O domínio organizado exige que a conduta humana seja condicionada à obediência para com os senhores que pretendem ser os portadores do poder legítimo tenham o controle dos bens materiais que são necessários para o uso da violência física. Segundo Weber, "a ordem estatal burocrática é (...) característica do Estado moderno". No Estado contemporâneo a separação entre o quadro administrativo, os funcionários administrativos e os trabalhadores, em relação aos meios materiais de organização administrativa, é completa. O Estado moderno é uma associação compulsória que organiza a dominação. Teve êxito ao buscar monopolizar o uso legítimo da força física como meio de dominação dentro de um território. A política pode ser uma ocupação subsidiária (quando a pessoa pode dedicar-se à política, sem que a política seja "sua vida") ou uma vocação. Há dois modos pelos quais alguém pode fazer da política a sua vocação: viverpara a política: faz dela a sua vida, num sentido interior, desfruta a posse do poder que exerce pela consciência de que sua vida tem sentido a serviço de uma "causa"; ou viver "da" política: quem luta para fazer dela uma fonte de renda permanente. Weber salienta que um político profissional não precisa buscar uma remuneração direta pelo trabalho político. Os principais tipos de políticos profissionais: clero, literatos de educação humanista, nobreza cortesã, "gentis-homens" e o jurista de formação universitária - peculiar ao Ocidente, especialmente à Europa, sendo de significação decisiva para a estrutura política do continente europeu. Tomar uma posição, ser apaixonado, é o elemento do líder político. Sua conduta está sujeita a um princípio de responsabilidade muito diferente do servidor público. A honra do líder está numa responsabilidade pessoal exclusiva pelo que ele faz e que ele não pode e não deve rejeitar ou transferir. Desde a época do Estado constitucional, desde que a democracia se estabeleceu, o "demagogo" tem sido o líder político típico do Ocidente. O publicista político, e acima de tudo do jornalista, é hoje o representante mais importante da espécie demagógica. Weber considera humana e comovente quando uma pessoa tem consciência da responsabilidade pelas conseqüências de sua conduta e realmente sente essa responsabilidade no coração e na alma, como dizia o grande sociólogo alemão: "na medida em que isso é válido, uma ética de fins últimos e uma ética de responsabilidade não são contrastes absolutos, mas antes suplementos, sendo que só em uníssono um homem, genuíno – pode ter a 'vocação para a política". Assim como as outras, esta obra de Max Weber é, ao lado das de Marx, Comte e Durkheim, um dos fundamentos da Sociologia contemporânea. Daí o especial interesse que este livro terá para os leitores desejosos de informar-se acerca do pensamento sociológico moderno. Pela leitura dos dois ensaios aqui reunidos, poderão iniciar-se no conhecimento da contribuição metodológica weberiana ao mesmo tempo em que apreciar brilhantes análises substantivas daquilo que, no entender dos seus críticos mais autorizados, é o núcleo das preocupações de Weber: a racionalidade. Nesses dois ensaios, o grande sociólogo alemão estuda a maneira pela qual a prática científica contribui para o desenvolvimento da racionalidade humana e analisa com percuciência as condições de funcionamento do Estado moderno, focalizando assim a oposição básica entre a "ética de condição" do cientista e a "ética de responsabilidade" do político, dois pilares polarizadores das opções humanas, ainda conceituando poder, política, Estado e o ser humano. Ciência e Política: Duas Vocações é indicada para estudantes de ciência política, sociologia e epistemologia, assim como o público geral interessado. Observações sobre a atualidade em relação à obra: 1. A entrega de cargos federais aos partidários do candidato vitorioso, para as formações partidárias de hoje, significa que partidos sem princípios opõem-se mutuamente; são organizações de caçadores de empregos; suas plataformas variam segundo as possibilidades de conseguir votos. 2. A situação da universidade brasileira impõe acrescentar dois outros obstáculos ao exercício da vocação científica. Primeiro, a remuneração de um professor que também seja pesquisador, além de impossibilitar que ele se mantenha atualizado em sua área de conhecimento, não corresponde ao mínimo necessário para que sustente dignamente sua família. Ainda mais angustiante é o fato de que o jovem que dedica anos de vida à preparação exigida pela carreira universitária corre o risco de estar investindo numa profissão que, no Brasil, como tudo indica, tende a desaparecer – As Ciências Sociais. 3. Expressa-se empiricamente no código de ética do servidor público no Brasil, um contraste — com sua prioridade à distinção entre procedimento honesto e desonesto — e no regimento interno da Câmara dos Deputados, que submete o juízo sobre o procedimento do parlamentar à figura do decoro e à preservação da dignidade e honra do mandato. 4. O decoro parlamentar revelou-se um instituto original da política brasileira ao colocar a honra como critério distintivo da política, pois regimentalmente o parlamentar que "descumprir os deveres inerentes a seu mandato, ou praticar ato que afete a sua dignidade" (Regimento Interno da Câmara dos Deputado, 1994:155, Art. 244), está sujeito a um processo por quebra de decoro parlamentar. Assim, a noção de decoro englobou, através da idéia de dignidade, a vida pública e a vida privada sob o domínio da existência política; regulamentou-as, ignorou a segmentação de papéis sociais, integrando-os à política e, desse modo, o decoro afirmou a autonomia da política em face do ambiente normativo abrangente, mas que não se faz relevante para a grande maioria dos políticos de um modo geral, no Brasil, nem se faz presente em suas condutas. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2006