UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ROBERTO BONELLI BITENCOURT FILHO
O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL:
POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO
ESTADUAL
Tubarão
2013
ROBERTO BONELLI BITENCOURT FILHO
O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL:
POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO
ESTADUAL
Monografia apresentada ao Curso Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade
Orientadora: Profª Maria Nilta RickenTenfen, Msc.
Tubarão
2013
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente a Deus, por me dar forças para continuar lutando ao longo
de minha graduação.
A toda minha família, pelo esforço em minha formação.
À Professora Maria Nilta Ricken Tenfen, minha orientadora, por seu espírito
generoso, o qual de forma paciente e atenciosa me auxiliou com empenho e conhecimento
para elaboração desta monografia.
RESUMO
O presente trabalho propõe analisar o interesse da União Federal nas ações de usucapião de
terrenos marginais de rio estadual e a aplicação de referido instituto, já que muitos destes
terrenos são considerados terrenos de marinha, ou seja, são bens dominicais, logo, não
passíveis de usucapião. Para a construção desta monografia, foi utilizado o método de
abordagem dedutivo. O método de procedimento empregado para a coleta de dados foi a
pesquisa bibliográfica, pois analisou-se a doutrina pátria e jurisprudência selecionada.Os
terrenos marginais de rio estadual, segundo jurisprudência majoritária, são considerados
terrenos de marinha, por conta de estes sofrerem a influência das marés. Tal entendimento
encontra respaldo no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, mais precisamente em seu artigo 2º
(segundo), alínea “a”. Porém, o referido decreto não foi recepcionado pela Constituição dos
Estados Unidos do Brasil, de 1946, bem como pelas subsequentes, eis que nenhuma delas
atribui a influência das marés como fator determinante do domínio. As disposições previstas
na Constituição não podem ser ampliadas ou restringidas por legislação infraconstitucional,
salvo se a própria carta assim ressalve ou remeta à legislação ordinária. Não se pode atribuir o
domínio dos terrenos marginais à União pelo simples fato de os mesmos sofrerem a influência
das marés ou por desaguarem no oceano. Os rios que têm nascente e foz dentro do Estado,
que não banham mais de um Estado, que não se estendem a outro território e não fazem
divisas com outros países, a este o pertencem, por força da Constituição da República
Federativa do Brasil. Caso preenchidos os requisitos mencionados acima, a União não tem
interesse jurídico no feito, sendo a competência para o julgamento das ações da Justiça
Estadual.
Palavras-chave: Usucapião. Bens públicos. Terrenos de marinha. Declinação de
competência.
ABSTRACT
This study aims to analyze the interest of the Federal Union in the actions of adverse
possession of land marginal river state and the application of that office, because many of
these lands are considered tide lands, in other words, so not subject to adverse possession. For
the construction of this monograph, it was used the method of deductive approach. The
method of procedure used for data collection was the literature, because it was analyzed the
doctrine and jurisprudence selected. The marginal lands of river state, as the court majority,
are considered tide lands, on account of their suffering tidal influence. This understanding is
supported by the Decree-Law nº 9,760, of 1946, more precisely in its Article 2 (second),
paragraph "a ". However, the decree hasn’t been approved by the United States Constitution
of Brazil, 1946, and by subsequent behold neither assigns tidal influence as a determinant of
the domain. The provisions of the Constitution cannot be enlarged or restricted by
constitutional legislation, unless the card itself so he notes or refer to ordinary legislation. It
don’t can assign the domain of marginal lands to the Union simply because they suffer tidal
influence or emptying into the ocean. Rivers that have source and mouth within the state, not
bathe more than one state, which do not extend to another country and not do with other
foreign countries, belong to this, because of the Constitution of the Federative Republic of
Brazil. If completed the requirements mentioned above, the Union has no legal interest in
done, and the power to judge the actions is of State Courts.
Key-words: Adverse Possession. Public. Property. Tide lands. Decline jurisdiction.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... .8
1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ................................. 8
1.2 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................. 9
1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 10
1.3.1 Geral ............................................................................................................................... 10
1.3.2 Específicos ...................................................................................................................... 10
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 10
1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ..... 10
2USUCAPIÃO ........................................................................................................................ 12
2.1 CONCEITO ........................................................................................................................ 12
2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................................................................ 13
2.2.1 Período Arcaico.............................................................................................................. 13
2.2.2Período Clássico .............................................................................................................. 14
2.2.3 Período Pós Clássico ...................................................................................................... 15
2.3 FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO ............................................................................... 16
2.4ESPÉCIES DE USUCAPIÃO NO DIREITO BRASILEIRO ............................................. 18
2.4.1 Usucapião ordinária ...................................................................................................... 18
2.4.2 Usucapião extraordinária ............................................................................................. 19
2.4.3 Usucapião urbana .......................................................................................................... 20
2.4.4 Usucapião rural ............................................................................................................. 23
2.4.5 Efeitos da sentença ........................................................................................................ 25
3BENS PÚBLICOS ................................................................................................................ 27
3.1 CONCEITO ........................................................................................................................ 27
3.2CLASSIFICAÇÃODOS BENS PÚBLICOS ...................................................................... 27
3.2.1Regime jurídico dos bens públicos ................................................................................ 27
3.2.2Bens de uso comum do povo .......................................................................................... 28
3.2.3Bens de uso especial ........................................................................................................ 29
3.2.4Bens dominicais .............................................................................................................. 29
3.2.5Terrenos de marinha e seus acrescidos ........................................................................ 32
3.2.6Terrenos marginais ........................................................................................................ 35
4DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA .................................................................. 37
4.1 O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL E DA POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM
TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL ................................................................. 37
4.2DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA ............................................................................... 50
4.3POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS DE MARINHA .......................... 53
5 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58
ANEXOS ............................................................................................................................... 64
ANEXO A – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC ..................... 65
ANEXO B – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS ................................. 71
ANEXO C – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS ...................... 79
ANEXO D – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.041958-3/RS ..................... 91
ANEXO E – APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS ................................................... 95
ANEXO F – RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0) .......................... 99
ANEXO G – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2012.029284-4 ................................... 105
ANEXO H – CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 27.558 - SP (1999/0087627-0) ....... 108
ANEXO I – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC ........... 109
8
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho monográfico tem por objetivo efetuar uma abordagem a respeito da
possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual,
bem como o interesse jurídico da União das respectivas ações.
1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
Segundo Moraes (2006, p.668), a União é entidade federativa autônoma em
relação aos Estados-Membros e Municípios, constituindo pessoa jurídica de direito público
interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado Brasileiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, expressa, no artigo 20
e seus incisos, que os bens pertencem à União Federal. (BRASIL, 1988).
O inciso segundo, do artigo mencionado supra, aponta como bens da União dos
lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de
um Estado, além de servirem de limites com outros países ou se estenderem a outro território
estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.
(BRASIL, 1988).
O Decreto-Lei nº 7.760, de 1946, conceituou como terrenos de marinha, e que
pertencem à União, aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a
influência das marés. (BRASIL, 1946).
Porém, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, em seu artigo 35,
discriminava de forma expressa e cristalina que os rios se incluiriam entre os bens do Estado,
ou seja, os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e foz no território
estadual. (BRASIL, 1946).
A Constituição Federal de 1967, pela emenda nº 16/80, dispôs, no seu art. 5º,
incluir-se entre os bens dos Estados e Territórios “os lagos em terrenos de seu domínio, bem
como os rios que neles tem nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas”.
(RIBEIRO, 2008, p. 617).
Neste diapasão, no ano de 1946, os direitos dos Estados em relação aos lagos e
rios passaram a ser previstos de forma expressa, tendo em vista que outrora somente eram
identificados por exclusão.
Esses institutos são de grande relevância ao se analisar a possibilidade da
Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual, pois, de acordo com o Decreto-Lei
9
mencionado infra, os terrenos com margens a beira dos rios que sofrem influência de maré,
por serem terrenos de marinha, não podem ser usucapidos. Ao revés, levando em
consideração que tal decreto não foi recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do
Brasil, de 1946, bem como pelas subsequentes, seria possível a aplicação do instituto, eis que
tais bens pertenceriam ao Estado.
Na lição de Pacheco (2008), o instituto da usucapião é uma forma originária de
aquisição da propriedade, ou de outros direitos reais suscetíveis de apropriação material,
através da posse continuada, durante certo espaço de tempo, com a observação dos requisitos
em lei estabelecidos.
Para ser reconhecida a benesse da usucapião, é necessário preencher requisitos,
estes que estão Previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu
artigo 183, bem como no artigo 1.240, do Código Civil de 2002. (BRASIL, 1988). (BRASIL,
2002).
Os rios, que serão objeto de estudo no presente trabalho, são aqueles que têm
nascente e foz dentro de um determinado Estado, pois, da análise legislativa, tem-se, por
dedução, que o Decreto-Lei nº 7.760, de 1946, não foi recepcionado nem mesmo pela
Constituição Federal daquele mesmo ano, bem como pelas subsequentes.
Nessa linha de raciocínio, a União não teria interesse nas ações de Usucapião em
terrenos marginais de rio estadual que tenha nascente e foz dentro de um determinado Estado,
tendo em vista que tais bens pertencem a este.
Assim, a partir do que fora comentado anteriormente, tem-se a seguinte
problemática: A União Federal tem interesse nas ações de Usucapião em terrenos
marginais de Rio Estadual?
1.2 JUSTIFICATIVA
A relevância da análise da possibilidade de aplicação do instituto da Usucapião
em terrenos marginais de Rio Estadual reside no fato de que muitos cidadãos possuem a posse
destes imóveis, que, por força do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, são considerados terras de
marinha e, portanto, não são passíveis de usucapião.
Da análise histórica das Constituições em relação às matérias que dizem respeito
ao presente estudo, percebe-se que é possível usucapir terrenos marginais de rio estadual,
mostrando-se de grande utilidade, principalmente em benefício das pessoas que residem em
regiões ribeirinhas.
10
1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Geral
Demonstrar que a União Federal não possui interesse nas ações de usucapião de
terrenos marginais de rio estadual que tenham nascentes e foz dentro do mesmo Estado.
1.3.2 Específicos
Verificar, com base na lei, doutrina e jurisprudência, a possibilidade da aplicação
do instituto da Usucapião em terrenos marginais de rio estadual.
Descrever as características da usucapião, seus requisitos e modalidades, tais
como: o ânimo de senhor, posse, justo título e boa-fé.
Demonstrar a possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos
marginais de rio estadual.
Identificar se a aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio
estadual fere a Constituição Federal.
1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa deste trabalho monográfico será realizada utilizando-se o método de
abordagem dedutivo, em que parte-se de um argumento geral ou universal, para, então, atingir
a uma conclusão específica, determinada. Quanto ao procedimento, foi utilizada, para coleta
de dados, a pesquisa bibliográfica.
Ademais, como técnica para coleta e registro das informações, utilizou-se de
leituras, documentação bibliográfica e jurisprudencial.
1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS
O presente trabalho está estruturado em três principais capítulos, os quais foram
desenvolvidos a partir da leitura de legislação, doutrinas e jurisprudências de alguns tribunais
pátrios, em especial o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, buscando-se esclarecer o
objeto de pesquisa.
11
A proposta do primeiro capítulo é discorrer sobre os aspectos históricos da
usucapião, bem como suas principais modalidades, quais sejam, a usucapião ordinária,
extraordinária, urbana, rural, além dos efeitos da sentença deste instituto.
No segundo capítulo, busca-se conceituar os bens públicos, sua classificação e
regime jurídico, e também suas respectivas modalidades: bens de uso comum, bens de uso
especial e bens de uso dominicais. Com isso, almeja-se o esclarecimento dos referidos bens
dando ênfase à alienabilidade dos bens públicos dominicais, esclarecendo-se, inclusive, ao
que tange os terrenos de marinha e seus acrescidos e, ainda, os terrenos marginais de rio
estadual, para posterior enfrentamento do tema proposto no trabalho monográfico.
Ainda neste norte, o terceiro capítulo discorre sobre a possibilidade de aplicação
do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, tendo em vista que esses
terrenos podem ser considerados terrenos de marinha.
Os terrenos de marinha pertencem a União, logo, não são passíveis de usucapião,
por força da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, será demonstrado que os
terrenos marginais, que muitas vezes são considerados de marinha, pertencem ao Estado e não
à União.
Por fim, tem-se a declinação de competência das ações de usucapião, bem como a
possibilidade de aplicação do referido instituto em terrenos de marinha.
12
2 USUCAPIÃO
2.1 CONCEITO
Usucapião é o modo originário da aquisição do domínio através da posse mansa e
pacífica, por certo espaço de tempo e fixado em lei. (RODRIGUES, 2003). É um dos modos
de aquisição da propriedade e de outros direitos reais.
Lafayette (apud RIBEIRO, 2008) expressa que o modo de adquirir é originário,
quando o domínio adquirido começa a existir com o ato, que diretamente resulta, sem relação
de causalidade com o estado jurídico de coisa anterior.
Um dos requisitos primordiais para a constituição da usucapião é a posse. Esta
consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera
relação de fato. (RODRIGUES, 2003). Significa dizer que proporciona ao possuidor o
exercício, pleno ou não, de alguns poderes inerentes à propriedade, sendo que tais poderes
referem-se a usar, gozar e reaver um bem de quem injustamente o possua.
Muitas teorias surgiram a fim de esclarecer o instituto da posse. Dentre estas,
merecem realce a teoria subjetiva, de Savigny, e a objetiva, de Ihering.
Para Savigny (apud RIBEIRO, 2008), tem-se a posse de uma coisa quando existe
a possibilidade não somente de dispor dela fisicamente, mas ainda de defendê-la contra toda
ação surpreendente.
Encontram-se, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus,
que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e um elemento intelectual, o animus, ou
seja, o escopo de ter a coisa como sua, isto é, o animus sibirem habendi. (RODRIGUES,
2003).
Tais elementos são essenciais para caracterização da posse, porque na ausência de
corpus inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, na falta de animus, não existe posse,
mas mera detenção.
Para Ihering, a materialidade dos atos de exploração e a utilização da res são os
fatores que determinam a existência da posse, e não a pretensão do possuidor. (ARAÚJO,
2005).
Rodrigues (2003) explica que, para esta teoria, posse não significa apenas a
detenção da coisa, ela se revela na maneira como o proprietário age em defesa da coisa, tendo
em vista sua função econômica, pois o animus nada mais é que o propósito de servir-se da
coisa como proprietário.
13
O referido autor exemplifica a teoria de Ihering (objetiva), através dos seguintes
exemplos:
Assim, o lavrador que deixa sua colheita no campo não a tem fisicamente;
entretanto, a conserva em sua posse, pois que age, em relação ao produto colhido
como o proprietário ordinariamente o faz. Mas, se deixa no mesmo local uma jóia,
evidentemente não mais conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o
proprietário age em relação a um bem dessa natureza.
Não é mister um conhecimento mais profundo para saber se alguém é ou não
possuidor. Tal ciência decorre do bom senso. O camponês que encontra animal
capturado por armadilha sabe que ele pertence ao dono desta; desse modo, se o tirar
dali, não ignora que pratica furto, já que o está subtraindo da posse de seu dono; o
madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os
conduza à serraria não tem o poder físico sobre os madeiros, mas conserva a posse,
pois assim é que age o proprietário; o transeunte que vê materiais de construção ao
pé da obra sabe que eles pertencem ao dono desta, embora não se encontrem sob sua
detenção física. (RODRIGUES, 2003, p. 18-19).
Conforme ensina Araújo (2005, p. 109), “o nosso Código adotou a teoria objetiva
ao definir a exteriorização da posse como um dos atributos do domínio”.
No mesmo sentido, Monteiro (1994, p. 14) afirma que “a teoria de Ihering foi
adotada pela lei civil pátria, que se tornou o primeiro código a consagrá-la”.
2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Procurando-se as raízes históricas da usucapião, não há duvida de que o Direito
Romano consiste em sua fonte primitiva. (ARAÚJO, 2005).
A usucapião foi consagrada na Lei das XII Tábuas, datada do ano de 305, da era
romana ou da fundação de Roma (urbe condita), correspondendo ao ano de 455 a.C.
(RIBEIRO, 2008).
Para delinear-se a evolução histórica da usucapião, é necessário esclarecer alguns
preceitos dos períodos, sendo eles o Arcaico, o Clássico e o Pós Clássico, conforme se verá a
seguir.
2.2.1 Período Arcaico
Conforme mencionado anteriormente, a origem da usucapião remonta à própria
Lei das XII Tábuas. A usucapião de bens imóveis ocorria no prazo de dois anos; a de móveis,
no prazo de um ano. Nesse período, não existiam requisitos para utilizar-se de tal instituto,
salvo a proibição da prescrição aquisitiva em relação a objetos provenientes de furto.
14
Portanto, a posse deveria ser justa, ou seja, eram estritamente proibidos atos de violência,
precariedade e clandestinidade.
Além da proibição de usucapir a res furtiva, ainda havia outras, principalmente no
que diz respeito à legitimidade ativa, eis que o sujeito ativo não poderia ser estrangeiro
(peregrinis). A usucapião tinha apenas como objeto a propriedade quiritária, a qual somente
poderia pertencer ao cidadão romano.
É o que se extrai da obra de Araújo (2005, p. 34), o qual comenta que
[...] O usucapião de bens imóveis ocorria no prazo de dois anos; já, para os bens
móveis, o prazo seria reduzido pela metade, ou seja, um ano. [...]. A exigibilidade
dos prazos é atribuída, nessa fase, à própria dimensão territorial de Roma. Da
mesma forma, não existiam outros requisitos necessários para consolidação do
usucapião, com exceção da proibição de prescrição aquisitiva sobre objetos furtados.
O autor mencionado entende que a origem da usucapião remonta à fase anterior a
própria Lei das XII Tábuas. Segundo Ribeiro (2008), alguns autores afirmam que a prescrição
denominada aquisitiva originou-se na Grécia e que Platão mencionou em sua obra “A
República”, porém, a maioria dos estudiosos comenta o instituto a partir do direto romano.
2.2.2 Período Clássico
Conforme argumentado, os estrangeiros não poderiam ser sujeito ativo para
invocar o instituto da usucapião, tendo em vista que esta somente tinha como objeto a
propriedade quiritária, ou seja, deveria pertencer ao cidadão romano.
Acontece que, com o desenvolvimento de Roma, a complexidade das relações
sociais, o aumento do número de estrangeiros e dos terrenos provinciais (considerados res
pública, ou seja, insuscetíveis de apropriação), exigia-se o aperfeiçoamento do instituto,
oportunidade em que surgiu a longi temporis exceptio, sendo que o possuidor de boa-fé, com
justo título e que estivesse sobre o imóvel por certo tempo, poderia opor referida benesse em
juízo.
Assim, Araújo (2005, p. 36) afirma que
O aumento do número de estrangeiros e das possessões províncias proclamou uma
nova forma de usucapião. Na verdade, como ensina Girard, com o passar do tempo
as formas de aquisição solene pela mancipatio e in iurecessio prejudicaram os
próprios cidadãos romanos. As fórmulas serviam apenas para a aquisição de terrenos
itálicos e não para os provinciais. Os terrenos provinciais não eram suscetíveis de
apropriação, pois eram considerados res publica. Os particulares que exerciam a
posse sobre os fundos provinciais podiam usufruir, mas jamais tornar-se-iam
15
proprietários. Como forma de proteção dessa posse, ou quase-propriedade, surgiu a
longi temporis praescriptio, também chamada de longi temporis exceptio.
A chamada praescriptio, assim denominada porque vinha no cabeçalho de uma
fórmula, era modalidade de exceção, meio de defesa, surgindo posteriormente à usucapião.
Essa defesa poderia ser empregada tanto por cidadãos romanos como pelos estrangeiros.
(VENOSA, 2003).
Neste diapasão, a usucapião permaneceu no período clássico com as mesmas
particularidades, convalescendo-se no que diz respeito à boa-fé e ao justo título, essenciais e
indispensáveis para sua constituição.
2.2.3 Período Pós Clássico
Conforme o que foi visto, nesse período, surgem relevantes modificações no que
diz respeito à usucapião e a praescriptio. Houve uma reforma por parte do Direito Bizantino,
sendo terminada por Teórido (424d.C.) do qual o proprietário desidioso perdia o seu direito de
vindicar, mas não a sua propriedade.
O prazo para perder o benefício de vindicar a propriedade, inicialmente, era de 40
(quarenta) anos, sendo posteriormente reduzidos para 30 (trinta) anos. Porém, foram
introduzidas profundas modificações no século VI, com Justiniano.
Inicialmente, realizou-se a fusão da usucapião com a praescriptio longi temporis.
Assim, Justiniano excluiu a diferenciação entre propriedade quiritária e pretoriana, bem como
dos terrenos provinciais e itálicos.
Nesse período, surgem grandes modificações no que toca a usucapio e a
praescriptio. O direito Bizantino provocou uma reforma iniciada pelo imperador
Constantino e terminada por Teodósio (424 d.C.), na qual se extingui o direito de
vindicar do proprietário negligente. Ele não perdia a propriedade, somente o direito
de reivindicar, caso permanecesse silente por 40 (quarenta) anos, sendo
posteriormente reduzido para 30 (trinta) anos. Com Justiniano foram introduzidas
profundas alterações no séc. VI. Inicialmente realizou a fusão do usucapião com a
praescriptio longi temporis. Com isso, o grande imperador eliminou a diferenciação
entre propriedade quiritária e pretoriana, nem como os terrenos provinciais e itálicos.
[...]. Ao fim, a própria praescriptio longissimi também se tornou modo de aquisição
da propriedade, para o possuidor com 30 anos, sem justo título, mas com boa fé.
Trata-se do surgimento do usucapião extraordinário.(ARAÚJO, 2005, p. 40-41).
Nesse período, introduziu-se uma forma especial de usucapião, a longissimi
temporis praescriptio, que os juristas hodiernos assimilaram como usucapião extraordinário.
(VENOSA, 2003).
16
Feitos alguns esclarecimentos, ainda que sucintos, sobre a origem e evolução
histórica do instituto da usucapião, serão estudados os fundamentos do referido instituto.
2.3 FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO
O principal fundamento do instituto da usucapião é o bem comum, ou seja, dar à
propriedade o uso mais adequado, cumprindo, assim, a sua função social, prevista nos artigos
170, III e 5º, XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]. (BRASIL, 1988).
Corroborando a isto, extrai-se da obra de Rodrigues (2003, p. 108)que
A usucapião se fundamenta, como vimos, no propósito de consolidação da
propriedade, pois, em seu intermédio, empresta-se base jurídica a meras situações de
fato. Assim, de um lado, estimula o legislador a paz social, e, de outro, diminui para
o proprietário o ônus da prova de seu domínio.
O referido instituto torna-se de relevante importância, porque sem ela “a
propriedade seria provisória e reinaria uma incerteza permanente e universal, que teria como
consequência uma perturbação geral. O fundamento básico realmente é o bem comum”.
(BARRUFFINI, 1998, p.27).
Conforme define Ferreira Filho (2006), a propriedade é um direito constitucional
que não está acima nem abaixo dos outros, porém, está sujeito a adaptações corriqueiras em
prol do interesse público, não sendo, portanto, caracterizada como um bem intocável.
Ao proprietário, é assegurado o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e
ainda de reavê-los do poder de quem injustamente os possua ou detenha, nos termos do art.
1.228, do Código Civil. (BRASIL, 2002).
O direito de usar consiste na faculdade de colocar a coisa a serviço do titular, sem
alterar sua substância. O dono emprega no seu próprio benefício ou no de terceiro.
17
(PEREIRA, 2012). O direito de gozar diz respeito ao direito de explorar economicamente a
coisa e perceber seus frutos, sejam aqueles que ela produz naturalmente, sejam os frutos civis.
(CHALHUB, 2003). Dispor é a faculdade que tem o proprietário de modificar a própria
substância da coisa. É a escolha da destinação a ser dada ao bem, a mais ampla concessão da
finalidade econômica ao objeto do direito real. “O direito de reaver corresponde ao estudo da
ação reivindicatória. Esta é uma ação real, exercitável erga Omnes, que objetiva a retomada
da coisa de quem injustamente a detenha”. (RIZZARDO, 2006, p. 213).
A constituição vigente garante o direito de propriedade, este que deverá atender a
sua função social. (PINTO FERREIRA, 1999).
O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Carlos
Adilson Silva1, citando Gabriel Dezen Júnior, explica de forma cristalina o conceito de função
social da propriedade:
Função social da propriedade é um conceito que dá a esta um atributo coletivo, não
apenas individual. Significa dizer que a propriedade não é um direito que se exerce
apenas pelo dono de alguma coisa, mas também que esse dono exerce em relação a
terceiros. Ou seja, a propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo
contra essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao
grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade. (DEZEN
JÚNIOR, 2006. p. 51).
Neste diapasão, a função social da propriedade tem o escopo de tutelar o interesse
coletivo em razão da utilidade do bem, facultando inclusive ao proprietário ou possuidor
explorar as riquezas e potenciais do imóvel.
Diante do exposto, no que se refere ao instituto da função social da propriedade, é
certo dizer que a usucapião beneficia o possuidor em face do proprietário inerte, perdendo
este último o seu direito de propriedade. Significa que o proprietário desidioso perde o
domínio da propriedade, transformando-se a posse em mera situação de fato em direito.
Nesse sentido, Rodrigues (2003, p. 109) afirma que,
Por outro lado, a usucapião dá prêmio a quem ocupa a terra, pondo-a a produzir. É
certo que o verdadeiro proprietário perdeu seu domínio contra sua vontade. Mas não
é injusta a solução legal, porque o prejudicado concorre com sua desídia para
consumação de seu prejuízo. Em rigor, já vimos, o direito de propriedade é
conferido ao homem para ser usado de acordo com o interesse social, e,
evidentemente, não o usa dessa maneira quem deixa sua terra ao abandono por
longos anos.
1
TJSC, Apelação Cível n. 2010.024125-0, da Capital, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 07-05-2013.
18
Na doutrina, existem duas correntes a respeito dos fundamentos da usucapião: a
subjetiva e a objetiva. A primeira fundamenta o instituto na presunção de que o proprietário
inerte renuncia o seu direito de propriedade, pois não a exerce. A segunda, conforme
explicado supra, se dá pelo interesse na utilidade social que proporciona a propriedade.
Gomes (2005, p. 153) ensina de forma irretocável o fundamento do instituto:
A usucapião favorece o possuidor contra o proprietário, sacrificando a este com a
perda de um direito que não está obrigado a exercer. Tendo essa força, é preciso
justifica-la. Os escritores não estão de acordo na determinação do seu fundamento.
Dividem-se em duas correntes: a subjetiva e a objetiva. As teorias subjetivas
procuram fundamentar o usucapião na presunção de que há o ânimo da renúncia ao
direito por parte do proprietário que não há exerce. [...] As teorias objetivas
fundamentam a usucapião em considerações de utilidade social. É socialmente
conveniente dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as
aquisições e facilitar a prova do domínio.
Insta mencionar que o Código Civil de 2002, no artigo 102, revelou-se incisivo
quanto à impossibilidade de usucapião de bens públicos. (RIZZARDO, 2006). É que a
matéria, até 1933, suscitava controvérsia, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Todavia, o
problema foi sanado pelo Decreto nº 22.785, de 31/05/1933, o qual determinou não serem
objeto de usucapião os bens públicos de qualquer natureza. (RODRIGUES, 2003).
Esse entendimento foi reforçado pela Súmula nº 340, do Superior Tribunal
Federal, que dispõe que: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais como os
demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião”. (BRASIL, 1973).
Considerando os argumentos expostos, tem-se por conclusão que a propriedade
não é mais vista como um direito absoluto, em que sua finalidade seria o interesse exclusivo
do particular. Deve-se observar a função social da propriedade, ou seja, utilizá-la como
instrumento de criação de bens necessários à subsistência da coletividade.
2.4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO
2.4.1 Usucapião ordinária
A usucapião ordinária é aquela em que o possuidor dispõe de justo título e boa-fé.
O prazo para aquisição do bem imóvel é de 10 (dez) anos, podendo, inclusive, ser reduzido
pela metade se aquele houver estabelecido no imóvel investimento de interesse social e/ou
econômico.
19
O Código Civil Brasileiro de 2002, mais precisamente em seu artigo 1.242, traz
que “adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo
título e boa-fé, o possuir por dez anos”. (BRASIL, 2002).
Preliminarmente, é importante conceituar os requisitos acima mencionados, eis
que são fundamentais para utilizar-se da benesse do instituto.
Chalub (2003) diz que o justo título é o ato jurídico, de natureza singular, capaz
de habilitar alguém a adquirir a propriedade de determinado bem, tais como a compra, a
venda, a permuta, a ação em pagamento, a arrematação, a adjudicação, entre outros. Vale
ressaltar que vem a ser o ato translativo que não produziu efeito. O título é de aquisição
ineficaz.
Gomes (2005) conceitua o possuidor de boa-fé (requisito indispensável da
usucapião ordinária), como quem ignora o vício ou o obstáculo, que lhe impede a aquisição da
coisa. Dessa ignorância resulta a convicção de que possui de forma legítima.
Esses requisitos possuem caráter complementar, possuem caráter essencial,
comum a toda espécie de usucapião à posse e o lapso temporal.
Conforme salienta Ribeiro (2008), enquanto na usucapião extraordinária se
exigem apenas os requisitos formais essenciais, na ordinária, tanto estes como os
complementares são inarredáveis à sua configuração.
2.4.2 Usucapião extraordinária
Conforme menciona Chalub (2003, p.75), a usucapião extraordinária caracterizase pela duração mais prolongada da posse, “bem como pela dispensa de justo título e boa fé,
bastando que o possuidor exerça a posse, com animus domini, por certo tempo”.
O referido instituto está previsto no artigo 1.238, do Código Civil de 2002. Vejase:
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Basta que ocorra o fato da posse, não se investigando o título ou a boa fé. Basta a
posse mansa, pacífica e ininterrupta. Ocorrendo posse nestes termos, “não podemos contestar
o direito a prescrição aquisitiva”. (VENOSA, 2003, p. 240).
20
Tais requisitos são fundamentais, cumprindo, assim, ao autor, que pretenda o
reconhecimento da usucapião, demonstrar que sua posse sobre o imóvel, exercida animus
domini, durante o prazo legal, nunca foi interrompida, nem sofreu oposição ou contestação.
(MONTEIRO, 1994).
Ainda, caso o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou
nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o lapso de tempo se reduz para dez
anos. (PEREIRA, 2012).
Da análise do artigo acima mencionado, tem-se como requisitos para aplicação do
referido instituto: posse contínua, pacífica, decurso do prazo de 15 (quinze) anos para os bens
imóveis, dispensa de justo título e boa-fé.
2.4.3 Usucapião urbana
A usucapião urbana compreende a posse de área urbana de até 250m² e a
ocupação por cinco anos ininterruptos, com animus domini, além da utilização para moradia
do ocupante ou da família, desde que não seja o usucapiente proprietário de outro imóvel no
período aquisitivo. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). O referido instituto vem expresso no
artigo 183, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta [sic] metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 1988).
Conforme leciona Gonçalves (2011, p. 264), a usucapião especial urbana constitui
inovação trazida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
A usucapião especial urbana constitui inovação trazida pela Constituição Federal de
1988, estando regulamentada em seu art. 183, verbis: “Aquele que possuir como sua
área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para a sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural. (grifo do autor).
Cumpre salientar que o Código Civil Brasileiro de 2002 prevê o referido instituto,
em seu artigo 1.240, redação que é praticamente idêntica ao preceito constitucional:
Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta [sic] metros
quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua
21
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural.
Esta modalidade de usucapião tem por escopo assegurar o direito de propriedade
daqueles que não têm moradia e nenhum outro imóvel, resguardando, assim, os princípios
constitucionais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, bem como da função social da
propriedade.
Nesse sentido, Ribeiro (2008, p. 934) destaca que,
Somente após a elevação em nível constitucional do princípio de que a propriedade
subordina-se à sua função social (o que restou concretizado na Emenda n. 1, de 1969
(art. 160, III), repetido no artigo 5º, XXIII, da vigente CF), é que veio a atentar o
legislador quanto à utilização de áreas urbanas deixada sem uso, para valorização e
futura especulação, mormente em face da enorme leva de pessoas sem qualquer
espaço para morar ou construir casa própria.
Portanto, da análise dos artigos anteriormente citados, tem-se por ilação que o
possuidor deve ter a posse em terreno urbano, já que tem por escopo legitimar os loteamentos
clandestinos dentro dos centros urbanos. (Ribeiro, 2005). Além disso, a área ocupada não
pode exceder a 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, a posse deve justa, ou seja, sem
oposição, com animus domini, deve haver a inexistência de quaisquer atos de violência,
clandestinidade e precariedade, bem como o possuidor não pode ser proprietário de outro
imóvel.
Conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
A aquisição da propriedade pela usucapião especial de imóvel urbano exige, além do
exercício da posse sem oposição com animus domini por cinco anos ininterruptos,
que o prescribente não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano e comprove
que o terreno, não superior a 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados),
encontra-se localizado em área urbana e é utilizado para sua moradia ou de sua
família. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.082994-4, de Balneário Camboriú, Rel. Des.
Fernando Carioni, 22-03-2011).
É importante ressaltar que “o interessado para utilizar-se desse instituto não pode
ter-se beneficiado por usucapião dessa natureza anteriormente”. (Venosa, 2003, p. 250).
Para dar prosseguimento ao presente estudo, serão conceituados os requisitos do
instituto da usucapião urbana, que são o limite da área ocupada e os atos de violência, assim
como a clandestinidade e a precariedade. Os demais requisitos são comuns à usucapião
extraordinária e ordinária, não sendo necessário conceituá-los novamente.
22
Conforme salienta Araújo (2005, p. 248), “a área urbana não poderá ser usucapida
em dimensões superiores ao permissivo constitucional; caso contrário, o possuidor estaria se
beneficiando da própria torpeza”.
Nesse sentido, a área a ser usucapida deverá ser igual ou inferior à metragem
estabelecida constitucionalmente. Caso a área urbana a ser usucapida seja superior, a petição
inicial deverá ser indeferida, ante a impossibilidade jurídica do pedido.
Colhe-se do julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E USUCAPIÃO
CONSTITUCIONAL URBANO. ART. 183 CF/88. IMÓVEIS COM ÁREA
SUPERIOR AO LIMITE DE 250 m2. VEDAÇÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA
DOS
PEDIDOS.
RETENÇÃO
DE
BENFEITORIAS. O primeiro apelo não merece provimento uma vez que a área a
ser usucapida é maior que o limite constitucional de 250 metros quadrados.
Ademais, o requisito moradia, imprescindível para a espécie, restou descumprido
pois os apelantes mudaram-se de cidade, deixando o local. O segundo apelo, da
mesma forma, não merece provimento pela impossibilidade de usucapião, pelo
artigo 183 CF, de área superior a 250 metros quadrados, não aproveitando a
pretensão dos autores o fato de terem recortado a área pretendida. Contudo,
reservado direito às benfeitorias construídas. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação
Cível Nº 70022787394, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 06/03/2008).
Claro que a aplicação do texto deve primar pela equidade e senso de justiça, pois
“não seria lícito privar uma pessoa humilde e sem posses, se a perícia comprovasse que a
metragem da área requerida é de 255 (duzentos e cinquenta e cinco) metros quadrados”.
(ARAÚJO, 2005, p. 248).
Posse justa, conforme estabelece o artigo 1.200, do Código Civil Brasileiro, é a
“que não for violenta, clandestina ou precária”. (BRASIL, 2002).
Pereira (2012, p. 22) diz que “a posse violenta (adquirida vi) é a que se adquire
por ato de força, seja ela natural ou física, seja moral ou resultante de ameaças que incutam na
vítima sério receio”.
No entanto, o Código Civil Brasileiro de 2002, mais precisamente em seu artigo
1.208, determina não ser possível a aquisição da posse por atos violentos, senão depois de
cessar a violência, não gerando, portanto, efeitos no âmbito patrimonial. (BRASIL, 2002)
Segundo Gomes (2003, p. 41), “posse clandestina é aquela que se adquire às
ocultas. O possuidor a obtém, usando de artifícios para iludir o que tem a posse, ou agindo às
escondidas. É o exemplo daquele que, à noite, muda a cerca divisória de seu terreno,
apropriando-se do prédio vizinho”.
23
Precária é a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la
(como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário, etc.) a retém indevidamente,
quando lhe é reclamada. (RODRIGUES, 2003).
Para Farias e Rosenvald (2012, p. 435), trata-se de mais uma maneira de
promover o direito fundamental à moradia, “assegurando-se um patrimônio mínimo à
entidade familiar, na linha de princípio da dignidade da pessoa humana”.
Após analisar-se o instituto da usucapião especial urbana, será estudada a
usucapião rural, conhecida também como pro labore.
2.4.4 Usucapião rural
A usucapião rural foi criada pela Constituição Federal de 1934 e, a partir daí,
jamais foi desprezada pelas leis posteriores, com exceção da omissão da Constituição Federal
de 1967 e da emenda Constitucional nº 1, de 1969. (FARIAS; ROSENVALD, 2012).
Assim, extrai-se do artigo 125, da Constituição Federal de 1934, que
Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos
contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra
até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada,
adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.
Conforme consta na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em
seu artigo 191, “compreende a posse de área de terra em zona rural, não superior a 50
hectares, como ocupação por cinco anos ininterruptos, sendo o imóvel produtivo pelo trabalho
e local de moradia da família, vedada a propriedade sobre outro imóvel no prazo legal”.
(BRASIL, 1988).
Não obstante os requisitos mencionados acima, segundo consta no artigo 3º, da
Lei n. 6.969/81, são vedados à usucapião rural em áreas indispensáveis à segurança nacional,
terras habitadas por silvícolas e áreas declaradas pelo Poder Executivo como de interesse
ecológico:
A usucapião especial não ocorrerá nas áreas indispensáveis à segurança nacional,
nas terras habitadas por silvícolas, nem nas áreas de interesse ecológico,
consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais,
estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos
atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão
competente. (BRASIL, 1981).
24
Essa modalidade de usucapião é regulada pela Lei nº 6.969/81, com as alterações
provenientes de dispositivos que não foram objeto de recepção pelo texto constitucional
(FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 457), tanto é que o artigo primeiro desta lei menciona que
a área rural não poderia exceder a 25 (vinte e cinco) hectares:
Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5
(cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25
(vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver
sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé,
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título
para transcrição no Registro de Imóveis. (BRASIL, 1981, grifo nosso).
Esse dispositivo se torna ineficaz ao ser analisado em conformidade com a
constituição vigente, que, em seu artigo 191, expressa que a área de terra a ser usucapida não
pode ser superior a 50 (cinquenta) hectares. Veja-se:
Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por
cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a
cinquenta [sic] hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. (BRASIL, 1988).
Conforme ensina Venosa (2003),esse dispositivo constitucional foi recepcionado
pelo artigo 1.239, do novo Código Civil, já que anova Carta dilatou a extensão de terra
usucapienda fixada na lei anterior.
Outra questão a ser analisada, é que anteriormente à promulgação da República
Federativa do Brasil, era possível a usucapião de terras devolutas. Estas são áreas que
integram o patrimônio das pessoas federativas, mas não são utilizadas para quaisquer
finalidades públicas específicas. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). É o que menciona o artigo
2º, da Lei n. 6.969/81: “A usucapião especial, a que se refere esta Lei, abrange as terras
particulares e as terras devolutas, em geral, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao
posseiro, pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispõem sobre processo discriminatório de
terras devolutas”. (BRASIL, 1981).
Ainda segundo Bastos (apud FARIAS; ROSENVALD, 2012), as terras devolutas
não se enquadrariam nos bens particulares ou públicos, pelo fato de o texto constitucional se
referir separadamente às terras públicas e às terras devolutas.
O instituto da usucapião tem por finalidade que terras produtivas fiquem nas mãos
de trabalhadores e não de proprietários desidiosos. Aqui, tem-se o cumprimento da função
social da propriedade.
25
Além disso, Farias e Rosenvald (2012, p. 457) ainda explicam de forma salutar a
finalidade do instituto:
Aqui a função social da posse é mais intensa do que na modalidade da usucapião
urbana. A simples pessoalidade da posse pela moradia não conduz a aquisição da
propriedade, se não acompanhada pelo exercício de uma atividade econômica, seja
ela rural, industrial, ou de mera existência da entidade familiar. O objetivo desta
usucapião é a consecução de uma política agrícola, promovendo-se a ocupação
de vastas áreas subaproveitadas, tornando a terra útil por produtiva. (grifo
nosso).
Diante do exposto, a usucapião especial rural surgiu na Constituição Federal de
1934. Atualmente, é regulada pela Lei n. 9.969/81, salvo no que for contrário à Constituição
vigente e tem por escopo fixar o homem no campo, tornando, assim, a propriedade produtiva.
Seus requisitos estão expressos no artigo 191, da Constituição da República
Federativa do Brasil: o possuidor não pode ser proprietário de imóvel rural ou urbano, deve
possuir como seu, pelo prazo de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, em área de terra
não superior a 50 (cinquenta) hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia.
Identificadas as principais espécies de usucapião, na sequência serão estudados os
efeitos da sentença que declara a propriedade.
2.4.5 Efeitos da sentença
O efeito fundamental da usucapião é “transferir ao possuidor a propriedade da
coisa” (Gomes, 2005, p. 172), sendo a sentença declaratória e que serve de título para registro
da propriedade no respectivo Registro de imóveis, nos moldes do artigo 1.241, do Código
Civil, in verbis: “Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida,
mediante usucapião, a propriedade imóvel. Parágrafo único. A declaração obtida na forma
deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”.
(BRASIL, 2002).
A sentença é declaratória e produz efeito ex tunc, e vale dizer que a aquisição da
propriedade se considera efetivada no momento em que se inicia a posse. (CHALUB, 2003).
Porém, é de extrema relevância ressaltar que a doutrina majoritária entende que a sentença de
usucapião possui caráter predominantemente declaratório, conforme a classificação quinaria
de Pontes de Miranda. Tal entendimento se dá por conta de que a referida sentença constituise em título hábil para registro no cartório de registro de imóveis.
26
Nesse sentido, extrai-se do julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Entretanto, a sentença da ação de usucapião possui, na classificação quinária de
Pontes de Miranda (adotada majoritariamente pela doutrina e jurisprudência), caráter
predominante declaratório, mas também relevante carga constitutiva, representada
pelo efeito de a sentença constituir-se título hábil para o registro no Cartório de
Registro de Imóveis. (TJSC, Apelação Cível n. 2006.030224-9, da Capital, rel. Des.
Denise Volpato, j. 30-11-2010).
No mesmo norte, Farias e Rosenvald (2012, p. 470) comentam que
Qualquer sentença possui várias eficácias, mas a sua classificação será sempre
elaborada com vistas àquela que se afigura preponderante. Destarte, a sentença de
usucapião é preponderantemente declaratória de domínio, mas também constitutiva
de direito subjetivo de propriedade. antes do registro da sentença, as faculdades do
domínio já se enfeixam nas mãos do usucapiente, mas a titularidade remanesce
formalmente e residualmente com o proprietário, como se fosse a última chama de
uma vela que já se apagou. Com o registro, domínio e propriedade voltam apenas a
se concentrar em uma pessoa: o usucapiente, repelindo de uma vez por todas o
proprietário. A partir do registro da sentença, o proprietário titularizará o direito
subjetivo de exigir da coletividade um dever geral de abstenção, formando-se, pela
publicidade inerente ao registro, a relação jurídica entre o novo titular e o sujeito
passivo universal.
Para Gomes (2005, p. 172), a retroatividade da aquisição acarreta as seguintes
consequências:
Todos os atos praticados pelo possuidor são válidos; mesmo que fosse do possuidor
de má fé, não estará obrigado a restituir os frutos da coisa; os atos praticados pelo
proprietário no decurso do prazo da usucapião decaem, se esta é consumada. Desse
modo, se o possuidor constitui direitos reais sobre o bem, consideram-se válidos
desde o momento da constituição, uma vez consumada a usucapião.
“Proferida sentença e declarando o domínio do autor, ela constituirá título hábil
para transcrição, oponível erga omnes”. (MONTEIRO, 1994, p.134).
O procedimento a ser utilizado para obter a sentença declaratória, ou melhor,
predominante declaratória de usucapião, vem expresso nos artigos 941 a 945, do Código de
Processo Civil. A modalidade especial segue o rito sumaríssimo da já mencionada Lei nº
6.969/81 (imóveis rurais).
No presente capítulo, foram demonstradas as principais espécies de usucapião no
ordenamento jurídico brasileiro, os fundamentos do referido instituto, bem como os efeitos da
sentença.
O próximo capítulo diz respeito aos bens públicos, sua classificação, regime
jurídico e suas principais características.
27
3 BENS PÚBLICOS
3.1 CONCEITO
Na lição de Meirelles (2007, p. 520), bens públicos, em sentido amplo, “são todas
as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações,
que pertencem, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais em empresas
governamentais”.
Ainda, segundo o referido autor, no sistema administrativo, têm-se, no que diz
respeito à classificação, os bens públicos federais, estaduais e municipais.
O Código Civil de 2002, mais precisamente em seu artigo 98, define os bens
públicos, afirmando que: “São públicos os bens do domínio nacional pertencente às pessoas
jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a
que pertencem”. (BRASIL, 2002).
3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS
De acordo com o artigo 99, do mesmo diploma, os bens públicos estão
enquadrados em três categorias: os bens de uso comum do povo, os bens de uso especial e os
bens dominicais. (BRASIL, 2002).
3.2.1 Regime jurídico dos bens públicos
Os bens públicos são resguardados pelas cláusulas de inalienabilidade,
imprescritibilidade e impenhorabilidade e pela não oneração que lhes conforma, em termos
substanciais, o regime jurídico. (GASPARINI, 2012).
A inalienabilidade, como tônica geral, depende dos casos que a lei estabelecer, ao
passo que a alienabilidade, princípio relativo, depende de autorização legal nas hipóteses
permitidas. (FRANCO SOBRINHO, 1979). Significa dizer, então, que os bens públicos não
podem ser vendidos, permutados ou doados.
Porém, somente são inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a
fins administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação
pública específica. (RIBEIRO, 2008).
28
“Os bens públicos não podem ser penhorados e isto é uma consequência do artigo
100, da Constituição. Vale dizer, também, que tais bens não podem ser praceados para que o
credor neles se sacie. Além disso, não podem ser gravados com direitos reais de garantia”.
(MELLO, 2011, p. 293).
“A imprescritibilidade significa que a ausência de exercício das faculdades de usar
e fruir dos bens públicos não acarreta a possibilidade de aquisição de seu domínio por via de
usucapião em prol de terceiros”. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 926).
Como decorrência da inalienabilidade e da impenhorabilidade, se apresenta o
princípio da impossibilidade de oneração dos bens públicos, “pelo qual inexistem direitos
reais de garantia sobre coisas públicas, tais como o penhor, a anticrese e a hipoteca”.
(CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 887).
Portanto,
são
características
dos
bens
públicos
a
inalienabilidade,
a
imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração.
3.2.2 Bens de uso comum do povo
Marinella (2010, p. 750) menciona que “os bens de uso comum do povo, também
denominados bens do domínio público, são os bens que todos podem usar; destinam-se a
utilização geral pelos indivíduos, podendo ser federais, estaduais ou municipais”.
Por serem de uso coletivo, tais bens podem ser utilizados indistintamente e sem
quaisquer discriminações, salvo em casos de interesse público. São exemplos de bens
públicos, conforme o referido artigo, as ruas, as praças, rios, logradouros públicos, dentre
outros.
Diniz (2010, p. 94) define bem o conceito de bens de uso comum do povo:
Os bens de uso comum do povo, embora pertencentes à pessoa jurídica de direito
público interno, podem ser utilizados, sem restrição e gratuita ou onerosamente, por
todos, sem necessidade de qualquer permissão especial desde que cumpridas às
condições impostas por regulamentos administrativos (p. ex., praças, jardins, ruas,
estradas, mares, praias – Lei n. 7. 661/88, art. 9º; rios, enseadas, baías, golfos – CC,
art. 99, I etc.). Nada obsta que o poder público venha a suspender seu uso por razões
de segurança nacional ou do próprio povo usuário. P. ex.: interdição do porto,
barragem do rio, etc.
Portanto, bem de uso comum é “todo imóvel ou móvel, sobre qual o povo, o
público, anonimamente, coletivamente exerce direitos de uso e gozo, como, por exemplo, o
exercido sobre as estradas, os rios, as costas ao mar”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 819).
29
3.2.3 Bens de uso especial
Os bens de uso especial são aqueles utilizados nos serviços prestados pela
administração. Esses bens, em regra, não comportam o uso geral, pois os beneficiários diretos
são os usuários do serviço e os servidores que trabalham nessa atividade. (MEDAUAR,
2012).
Sobrinho (1979, p. 253) ensina que os bens de uso especial “são aqueles bens de
serventia, destinados à execução dos serviços públicos, indispensáveis aos serviços
administrativos, caracterizados por uma finalidade pública permanente que os torna nos casos
previstos em bens patrimoniais indisponíveis”.
No mesmo sentido, para Meirelles (2007, p. 522) esses bens “são aqueles que se
destinam especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados
instrumentos desses serviços. São utilizados para atingir os fins do Estado. Exemplos de tais
bens são os museus, aeroportos, escolas públicas, etc.”.
3.2.4 Bens dominicais
Os bens dominicais são aqueles que não têm uma destinação específica, ao
contrário do que ocorre com os bens de uso comum e os de uso especial.
Para Justen Filho (2009), trata-se de bens móveis ou imóveis que se encontram na
titularidade estatal, mas que não se constituem em efetivo instrumento de satisfação de
necessidades coletivas.
“Os bens dominicais são aqueles em que o poder público é titular da mesma
maneira que a pessoa de direito privado é titular de seu patrimônio”. (RODRIGUES, 2003, p.
146). Entre os bens dominicais, têm-se, como exemplo, “os terrenos de marinha, as terras
devolutas, os imóveis não utilizados pela administração, os bens móveis inservíveis, as ilhas
oceânicas e o dinheiro e os títulos de crédito pertencentes à Fazenda Pública”. (MUKAI,
1999, p. 184).
Meirelles explica que a lei civil quis dizer que os bens de uso comum e os de uso
especial não podem ser alienados, por conta de sua destinação pública específica, ou seja,
enquanto perdurar a denominada afetação pública, que nada mais é do que a destinação
pública específica.
30
Os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser alienados, desde que a
Administração satisfaça certas condições prévias para sua transferência ao domínio
privado ou a outra entidade pública. O que a lei civil quis dizer é que os bens
públicos são “inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins
administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja,
destinação pública específica”. (MEIRELLES apud MUKAI, 1999, p. 184).
Conforme salientado acima, os bens públicos podem ser alienados, desde que não
tenham destinação específica. A alienação de bens imóveis da Administração Pública depende
de autorização legislativa específica prévia, bem como de avaliação prévia e de procedimento
licitatório, na forma da lei. Em regra, a lei que autoriza a alienação do bem promove a sua
desafetação. (MUKAI, 1999, p. 190).
No dizer de Marinella, a desafetação é um fato administrativo, que retira a
destinação pública outrora conferida a um bem da Administração Pública, ou seja, quando
este não mais atender os interesses da coletividade. Sendo assim, deixa de ser de uso comum
do povo ou de uso especial para se transformar em bem dominical, que não tem finalidade
pública:
É um fato administrativo que retira o destino público, deixando de servir a uma
finalidade pública. Assim, caso o bem esteja sendo utilizado para atender uma
necessidade pública, por exemplo, usado como praça, como escola pública, mas por
alguma razão, deixe de atender a esse interesse, desvinculando de uma destinação
pública, diz-se que esse bem foi desafetado. Deixa de ser de uso comum do povo ou
de uso especial para se transformar em bem dominical, aquele que não tem
finalidade pública. (MARINELLA, 2010, p. 752).
Portanto, os bens dominicais são aqueles que não têm uma destinação específica,
ou seja, não tem finalidade pública, e, por conta desta característica, podem ser alienados pela
Administração Pública.
Os bens públicos de uso comum e os de uso especial não podem ser alienados, ao
revés dos bens dominicais, conforme explicado anteriormente. Aqueles não podem ser
alienados por conta de sua finalidade pública, salvo, conforme argumentado, quando forem
desafetados.
Da análise do presente estudo, no que diz respeito aos bens públicos, tem-se por
ilação que estes são bens do domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito
público interno e são classificados como bens de uso comum do povo, uso especial e
dominicais. Além disso, têm como características a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a
impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração.
31
Os bens de uso comum são destinados a toda coletividade, ou seja, pessoas não
individualizadas. Os de uso especial são aqueles com destinação específica, mais
precisamente à execução dos serviços públicos, sendo restrito aos beneficiários e aos
servidores que prestam esse serviço, sendo de uso específico. Os bens dominicais não têm
uma finalidade pública, logo, podem ser alienados ou explorados economicamente por parte
da Administração Pública.
A alienação de bens da Administração Pública se dá por licitação (Lei 8.666/93),
que é um processo administrativo que visa a assegurar igualdade de condições a todos que
queiram realizar um contrato com o poder público, sendo indispensável a comprovação do
interesse público.
Medauar explica de forma cristalina o procedimento de alienação de bens imóveis
da Administração Pública, que, segundo o artigo 17, caput, da Lei 9.866/93, se dá com a
prévia avaliação do bem, autorização do legislativo correspondente e de procedimento
licitatório:
A alienação de bens imóveis dependerá de autorização do legislativo
correspondente, para a Administração direta e entidades autárquicas e fundacionais,
e, para todos, dependerá de avaliação prévia e de concorrência (art. 17, I). Por força
do artigo 23 da Lei 9.636, de 15.05.1998, a alienação de bens imóveis da União
depende de autorização, emitida pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e
Gestão, por delegação do Presidente da República (Decreto 3.125/99) e deverá ser
precedida de parecer da Secretaria do Patrimônio da União quanto a sua
conveniência e oportunidade. A alienação ocorrerá se não houver interesse público,
econômico ou social em manter o imóvel no domínio nacional. A competência para
autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro da Fazenda, permitida a
subdelegação. (MEDAUAR, 2012, p. 285).
Do exposto supra, tem-se, ainda, o procedimento em relação à alienação de bens
imóveis da União, que dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e
será sempre precedida de parecer da SPU (Secretaria do Patrimônio da União), quanto a sua
oportunidade e eficiência. (BRASIL, 1988).
“A União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-Membros e
Municípios, constituindo pessoa jurídica de direito público interno, cabendo-lhe exercer as
atribuições da soberania do Estado Brasileiro”. (MORAES, 2006, p. 668).
Neste diapasão, os bens da União podem ser alienados quando não houver
interesse público, econômico ou social em manter o respectivo imóvel em seu domínio, nem
inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional.
Cumpre salientar que tais alienações devem ser motivadas, ou seja, deve ser
respeitado o princípio da motivação, que, segundo Mello (2011), impõe à administração
32
Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a providência
adotada.
A Lei 9.784/99, em seu artigo 50, menciona que a motivação é imprescindível
para todo e qualquer ato administrativo, pois a ausência de motivação ou indicação de
motivos inverídicos ou incongruentes torna o ato nulo. (BRASIL, 1999).
Nesse sentido,
a motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, pois a falta de
motivação ou indicação de motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo devido a
Lei n.º 9.784/99, em seu art. 50, prevê a necessidade de motivação dos atos
administrativos sem fazer distinção entre atos vinculados e os discricionários,
embora mencione nos vários incisos desse dispositivo quando a motivação é
exigida.(GASPARINI, 2005. p. 23).
Não obstante, existem outros instrumentos judiciais para questionar os atos
eivados de vícios praticados por parte da Administração Pública, como a ação popular e a
ação civil pública.
A ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão
para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a este equiparados – ilegais
e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal. (MEIRELLES; WALD; MENDES,
2012).
Segundo consta na obra citada dos autores acima, “a ação civil pública é
disciplinada pela lei nº 7. 347, de 24.7.1985, é o instrumento processual adequado para
reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, dentre outros”. (MEIRELLES;
WALD; MENDES, 2012, p. 170).
Como se sabe, o objetivo do presente trabalho é demonstrar a possibilidade de
aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, ante a
impossibilidade de aplicação deste por conta desses terrenos serem considerados de marinha,
logo, não passíveis de usucapião.
Ora, se é possível a sua alienação, por que não é possível usucapir tais imóveis?
Entende-se que tal situação fere os princípios constitucionais da função social da posse e da
proporcionalidade, mas tal raciocínio será esclarecido no terceiro capítulo do presente estudo.
Para melhor entendimento do presente trabalho, no que diz respeito à
possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais, é necessário
conceituar os chamados terrenos de marinha e seus acrescidos.
33
3.2.5 Terrenos de marinha e seus acrescidos
Conforme estabelece o artigo 2º, do Decreto-Lei nº 9.760/46, os terrenos de
marinha são aqueles situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, e os que contornam as ilhas em zona
onde se faça sentir a influência das marés, medidos horizontalmente para a terra, em
profundidade de 33 metros, a partir da linha de preamar média de 1831.
A influência das marés é caracterizada pela variação periódica de, no mínimo,5
(cinco) centímetros no nível da água em qualquer época do ano. É isso que expressa o
parágrafo único do referido artigo. (BRASIL, 1946).
A linha do preamar médio, fixado pela influência das marés, em determinados
períodos, sob o efeito das lunações, serviu de ponto de referência constante para a delimitação
da faixa dos terrenos de marinha. (CRETELLA JÚNIOR, 1999).
Para o referido autor,
Com o advento do sistema métrico decimal, feitas as reduções, “terrenos de marinha
são todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em sua foz,
vão até a distância de 33 metros para a parte das terras, contados desde o ponto a que
chega preamar médio” ou “em uma profundidade de 33 metros medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de
1831, os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagos,
até onde se faça sentir a influência das marés e os que contornam as ilhas situadas
onde se faça sentir a influência das marés”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 835).
Os terrenos de marinha pertencem à União, sendo justificado o domínio federal
em virtude da necessidade de defesa e segurança nacional, porém, não são considerados bens
de uso comum do povo ou de uso especial. São considerados bens dominicais.
Nesse sentido, para Niebuhr (2004, p. 3),
O artigo 11 do Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, qualifica o terreno de
marinha como bem dominical, o que significa que o povo não tem livre acesso a
eles. Os terrenos de marinha, nessa qualidade, podem ser utilizados privativamente
pela União, quer de modo direto, quer por meio da celebração de contratos com
terceiros, como, por exemplo, o de enfiteuse ou aforamento, o de cessão, permissão
de uso, etc. Inclusive é permitido a União alienar os terrenos de marinha, como
amparo no artigo 101 do Código Civil.
Cretella Júnior (1999, p.434), no mesmo norte, afirma que
Pela singular importância de que se revestem, entre os bens públicos do domínio da
União, se acham os terrenos de marinha relevantes quer sob o aspecto patrimonial,
34
quer sob o ângulo politico; patrimonial, pela riqueza de sua contribuição para o
domínio público, renda arrecadada pela fazenda dos foros e laudêmios devidos pelos
ocupantes, políticos, porque, compreendendo a faixa marítima e nossa fronteira com
o Oceano, existe interesse imediato em assegurar-se o domínio direto dos aludidos
terrenos pelo Estado, afim de poder ali construir as defesas que se tornarem
necessárias à proteção do nosso território.
Por conta de serem considerados bens dominicais, os terrenos de marinha podem
ser explorados economicamente por parte do poder público para obtenção de renda. Sua
utilização pelo particular se faz sob o regime de aforamento, podendo, inclusive, ser
alienados. A utilização por particulares se faz sob o regime de aforamento.
É o que ensina Di Pietro (2012, p. 655):
Os terrenos de marinha têm natureza de bens dominicais, uma vez que podem ser
objeto de exploração pelo poder público, para obtenção de renda. Sua utilização pelo
particular se faz sob regime de aforamento ou enfiteuse, pelo qual fica a União com
o domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil, mediante pagamento de
importância anual, denominada foro ou pensão.
“Foro ou cânon é a prestação paga pelo enfiteuta ao senhorio direto, como
reconhecimento
da
relação
jurídica
decorrente
do
desdobramento
do
domínio”.
(CAVALCANTI, 1966, p. 484).
É direito real limitado que confere a alguém, perpetuamente, poderes inerentes ao
domínio, com a obrigação de pagar ao dono da coisa uma renda anual, conhecida como foro.
O instituto também é denominado de aprazamento ou aforamento. (FARIAS; ROSENVALD,
2012).
Atualmente, não se permite a constituição de uma enfiteuse, porém, aquelas que
foram firmadas até 10 de janeiro de 2003, antes da vigência do Código Civil de 2002, serão
regulados pela antiga lei civil. (RODRIGUES, 2009). É o que expressa o artigo 2.038, do
Código Civil vigente: “Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,
subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei
nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores”. (BRASIL, 2002).
Vale lembrar que, para que as áreas dos terrenos de marinha se tornem urbanas ou
urbanizáveis, ou seja, se tornar de uso privado, é necessária a autorização do Governo
Federal.
Entretanto, algumas áreas dos terrenos de marinha se tornaram urbanas ou
urbanizáveis por aquiescência do Governo Federal, passando a ser permitido o uso
privado. No que concerne às construções e edificações particulares, incidem
regularmente as normas próprias editadas pelos Estados e pelos Municípios, estes,
35
inclusive, dotados de competência urbanística local por preceito expresso na
Constituição (art. 30, VIII). (CARVALHO FILHO, 2009, p. 1138).
Conforme mencionado infra pelo autor, no que diz respeito às construções e
edificações particulares, as normas são reguladas pelo Estado e pelos Municípios, conforme
dispõe o artigo 30, inciso VIII, da CF/88, ou seja, promover, no que couber adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano. (BRASIL, 1988).
Os acrescidos, ou seja, os terrenos acrescidos, conforme artigo 3º, do decreto
infra, “são os que tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios
e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”. (BRASIL, 1946).
Esses terrenos são formados por aluvião ou artificialmente. O artigo 16, do
Código de Águas, traz o conceito de aluvião:
constituem "aluvião" os acréscimos que sucessiva e imperceptivelmente se
formarem para a parte do mar e das correntes, aquém do ponto a que chega o
preamar médio, ou do ponto médio das enchentes ordinárias, bem como a parte do
álveo que se descobrir pelo afastamento das águas. (BRASIL, 1934).
Tais terrenos pertencem aos proprietários das terras marginais a que aderirem, na
forma que o Código Civil estabelece (art. 1.250). (MEIRELLES, 2009).
2.3.6 Terrenos marginais
Terrenos marginais são “os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do
alcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte da terra, contados desde o
ponto médio das enchentes ordinárias”. (BRASIL, 1934).
“O que distingue os terrenos marginais dos terrenos de marinha é o fato de
estarem fora do alcance das marés”. (MUKAI, 1999, p. 202).
O referido autor explica que havia uma grande divergência doutrinária a respeito
do domínio dos terrenos marginais, sendo tal discussão sanada com a Súmula 479, do
Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe que: “as margens dos rios navegáveis são de
domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”.
(BRASIL, 1969). Ainda a Constituição Federal, em seu artigo 20, inciso II, expressa que são
bens da União as faixas marginais aos “lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos
36
de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se
estendam a território estrangeiro ou dele provenham”. (BRASIL, 1988).
Forçoso esclarecer que os rios que têm nascente e foz dentro de determinado
Estado que não façam limites com outros e nem se estendendo até outro território, pertencem
eles ao Estado, por força da Constituição Federal. (AC nº 2006.71.0021834-6/RS, Rel. Des.
Fed. Valdemar Capeletti, DE 19/06/2007). (grifo nosso).
Porém, mesmo que os rios que tenham nascente, e foz dentro de determinado
estado não façam limites com outros e nem se estendam até outro território, nada impede que
estes sejam caracterizados como terrenos ou acrescidos de marinha; portanto, federais. (TRF
4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 00054112620104040000, 4ª Turma, Des. Federal
MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, D.E. 25/05/2010).
Discorda-se de tal entendimento, pois nenhum texto constitucional trata de
estabelecer a maré como fator determinante do domínio, pois, se assim o fosse, os rios
estaduais que chegam ao mar passariam a ser da União, não encontrando respaldo na
Constituição Federal.
No capítulo seguinte, serão trazidos à baila os argumentos da possibilidade de
aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais e terrenos de marinha e seus
acrescidos, muito embora o cerne do presente estudo seja em relação àquele.
37
4DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA
4.1 O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL E DA POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM
TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL
Neste terceiro e último capítulo, demonstrar-se-á a possibilidade da aplicação do
instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual. Ainda, será discutida a
possibilidade de aplicação deste em terrenos de marinha.
Conforme explicado no início do presente trabalho, a usucapião é o modo
originário da aquisição do domínio através da posse mansa e pacífica, por certo espaço de
tempo, fixado em lei (RODRIGUES, 2003), sendo que seu principal fundamento é transferir
ao possuidor a propriedade da coisa.
A União é pessoa jurídica de direito público com capacidade política, que ora se
manifesta em nome próprio, ora se manifesta em nome da Federação. (BASTOS, 2000).
Assim, “embora não conte com personalidade internacional – apenas atribuída ao Estado
Federal brasileiro – são as autoridades e órgãos da União que representam o Estado Federal”.
(TAVARES, 2009, p. 1065).
“Os Estados Federados, Estados-Membros ou Estados constituem ordenações
jurídicas parcial, que atuam como núcleos autônomos de poder, com legislação, governo e
jurisdição próprios”. (BULOS, 2010, p. 901).
Terrenos marginais, conforme expressa o artigo 4º, do Decreto-Lei 9.760/46, “são
os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de
15m medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha das enchentes
ordinárias”. (BRASIL, 1946).
O domínio das águas é atribuído à União e aos Estados por força do artigo 20, da
Constituição da República Federativa do Brasil. Todas as correntes de águas são públicas, de
modo que a Constituição Federal reparte o domínio das águas entre a União e os Estados. O
referido artigo modificou de forma significativa o Código de Águas, eliminando as antigas
águas municipais, as comuns e particulares, ou seja, os terrenos marginais, que são sempre
banhados por correntes navegáveis, serão do domínio público da União se a corrente
navegável a ela pertencer; ou de domínio do Estado a que pertencer a corrente navegável.
Esse é o mesmo entendimento de Silva (2009, p.256):
38
[...] Hoje isso está modificado, por força do dispositivo constitucional que estamos
comentando, os quais atribuem o domínio das correntes de água à União e aos
Estados, nos termos já especificados. Então, não há que se falar em “correntes
públicas de uso comum”, como diz o item 2º do art. 11. Isso quer dizer, pois, que
todas as correntes de água são públicas, de sorte que a constituição reparte o
domínio das águas entre a União e os Estados, modificando profundamente o
Código de Águas, eliminando as antigas águas municipais, as comuns e as
particulares. Logo, os terrenos reservados, que são sempre os banhados por correntes
navegáveis serão de domínio púbico da União se a corrente navegável a ela
pertencer, ou de domínio púbico do Estado a que pertencer a corrente navegável.
O artigo 20, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, expressa
os bens que pertencem à União, in verbis:
Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e
construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental,
definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que
banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as
praias fluviais;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias
marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a
sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade
ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 46, de 2005)
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. (BRASIL, 1988).
Nos termos do inciso terceiro, do referido dispositivo legal, pertencem à União
“os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território
estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”.
(BRASIL, 1988).
Ao analisar o inciso infra, pode-se afirmar que os rios que têm nascente e foz
dentro de determinado estado, a este o pertencem. É que, para caracterização do domínio por
parte da União, estes devem banhar mais de um Estado e servir de limites com outros países,
ou se estender a território estrangeiro ou deles provir.
Porém, existe uma grande discussão nos tribunais, principalmente no que diz
respeito à caracterização de tais terrenos, sejam eles marginais ou de marinha. Ambos não se
39
confundem, eis que os terrenos de marinha, segundo consta no Decreto-Lei anteriormente
citado, mais precisamente em seu artigo 2º, que tais terrenos “são os situados no continente,
na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, no contorno das ilhas até onde se faça
sentir a influência das marés, numa largura de 33m, medidos horizontalmente, para a parte da
terra, da posição da linha do preamar médio de 1831”. (BRASIL, 1988).
A título de esclarecimento, os terrenos de marinha enquadram-se “como terras
públicas, que não são suscetíveis de usucapião (CF, arts. 189, § 3º, e 191, parágrafo único) e
só podem ser alienadas ou concedidas seu uso em área superior a dois mil e quinhentos
hectares com prévia autorização do Congresso Federal”. (MEIRELLES, 2009, p. 555).
Eliana Calmon, Ministra do Superior Tribunal de Justiça, citando Themístocles
Brandão Cavalvanti, define o conceito de terrenos de marinha:
De origem que remonta do Brasil Colônia, os terrenos de marinha, de propriedade da união,
segundo a doutrina pátria, tiveram sua origem e justificativa, além das disposições
constitucionais vigentes, em motivos “que interessam a defesa nacional, à vigilância da
costa, à construção exploração dos portos, mais ainda de princípios imemoriais que só
podem ser revogados por cláusula expressa da própria constituição. (REsp 968241/RS, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe
30/09/2009).
Foi analisado de forma exaustiva que os bens da União não são suscetíveis de
usucapião. Conforme se extrai do artigo 200 (duzentos) do Decreto-Lei 9.760/46: “os bens
imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos à usucapião”. (BRASIL,
1946).
A controvérsia se dá nos casos em que os rios que tenham nascente e foz dentro
de determinado estado, mesmo que não façam limites com outros e nem se estendam a outro
território ou mesmo não se estendam a território estrangeiro ou deles provenham, são
considerados, portanto, pertencentes ao Estado, por força da Constituição Federal da
República Federativa do Brasil, e nada impede que estes sejam caracterizados como terrenos
ou acrescidos de marinha, sendo, assim, federais, por conta da influência das marés.
Nesse sentido, é o entendimento da Desembargadora Federal do Tribunal
Regional Federal da 4ª região, 4ª Turma, Marga Inge Barth Tessler. Segundo a citada
Desembargadora, o conceito de terrenos e acrescidos de marinha não comporta quaisquer
incompatibilidade com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ou com o
pacto federativo. A influência das marés é que dá conteúdo à expressão trazida no artigo 20,
inciso VII, da Carta Maior.
40
Note-se que o conceito não comporta qualquer incompatibilidade com a atual Constituição
ou com o pacto federativo. Não se trata de atribuir à União, diante da influência das marés,
rios ou cursos d'água definidos constitucionalmente como estaduais; trata-se, isso sim, de
definir como federais os terrenos marginais a tais corpos d'água, terrenos esses que não
pertencem, em princípio, a qualquer Ente Político (salvo se por outra disposição
constitucional ou por aquisição a justo título). Note-se: são bens diversos o rio e seus
terrenos marginais, podendo um e outros pertencer a Entes ou pessoas diferentes.
Não sendo, pois, inconstitucional a definição de terrenos de marinha e seus acrescidos, ao
menos do que se refere às margens dos rios influenciados pelas marés, há que se considerar
que é ela quem dá conteúdo à expressão trazida no art. 20, inc. VII, da CF/88, devendo ser
adotada, inclusive, na hipótese de rios cujo domínio seja atribuído ao Estado - como no
caso em tela.
Aliás, a possibilidade de constituírem terrenos e acrescidos de marinha imóveis localizados
às margens de rios estaduais não é tema novo nesta Corte e no próprio STJ. Há, aí,
jurisprudência majoritária a considerar de propriedade da União, exemplificativamente,
terrenos marginais ao Rio Tramandaí, que se encontra, ao que parece, em situação análoga
à do Rio Itajaí-Açú, uma vez que também conta com nascente e foz dentro do território
estadual (naquele caso, dentro do território do Estado do Rio Grande do Sul). (AGRAVO
DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC. Des. Federal Marga Inge Barth
Tessler).
O também Desembargador Federal, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz,
defende entendimento semelhante, no sentido de que é irrelevante que o rio seja ou não
considerado estadual, porque, mesmo que tenha essa qualidade, mesmo sendo estadual,
federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens “até onde se faça sentir a
influência das marés”, conforme preceitua o artigo 2º do Decreto – Lei 9.760/46, mesmo que
a tal influência seja considerada mínima.
O referido Desembargador afirma que não há qualquer inconstitucionalidade no
Decreto citado, até mesmo porque essa inconstitucionalidade jamais foi reconhecida por
qualquer Corte do país.
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. ART. 2º, "A", DO DECRETOLEI N.º 9.760/46. EFEITOS.1. O imóvel em questão se constitui em terreno de
marinha ou acrescido de marinha, porque, historicamente, esteve situado nas
margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em parte onde, segundo a perícia,
se fazia "sentir a influência das marés". É o teor do Decreto-Lei 9.760/46: 'Art. 2°São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de
1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas , até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas
situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo Único- Para
efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de
5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou
artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos
de marinha. O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência
das marés é menor do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento).
Entretanto, o argumento não colhe, uma vez que a lei não exige que a influência das
marés seja a maior de todas. A lei exige apenas que a influência das marés seja
sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida. De outra parte, com o devido acatamento,
é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual. Mesmo sendo estadual, federais
serão os terrenos que estiverem situados as suas margens "até onde se faça sentir a
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influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a propriedade do rio
não impede que os terrenos a sua margem sejam da União. Merece destaque que não
há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar de vigente há mais
de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por qualquer
Corte do País. Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as
constituições que lhe foram e são contemporâneas. Aliás, tal incongruência não foi
demonstrada, também, neste feito. E finalmente, não merece ser acolhido o
argumento de que o título de domínio do recorrente não possa ser desconsiderado
nesta ação, por força da lei especial. É que em se tratando de próprios federais não
se pode invocar a legislação geral, inclusive dos registros públicos, quando tais
imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito dispõe o art. 198 do
Decreto-lei em exame: 'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer
pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo
quando os originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei.
" A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois,
pode ser reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda. 2.
Provimento dos embargos infringentes. (TRF4, EINF n. 94.04.55396-4, Segunda
Seção, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz,
D.E. de 30/10/2009, grifo nosso).
Esses argumentos são destituídos de conteúdo legal e técnico, até mesmo porque
todos os rios estaduais que desaguam no mar, por exemplo, passariam a ser de domínio da
União, o que vai contra o artigo 20, inciso III, da Constituição da República Federativa do
Brasil, que dispõe que são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em
terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros
países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos
marginais e as praias fluviais”. (BRASIL, 1988).
Importante trazer à baila o ensinamento Silva a respeito dos rios:
Rios que banhem mais de um Estado, tal como o São Francisco, o Paraíba, o
Parnaíba, o rio Grande, o Amazonas, o Tocantins, o Araguaia, etc. Cremos que não
há lago algum que banhe mais de um Estado e, salvo a Lagoa Mirim (RS/Uruguai),
nem sirvam de limites com outros países” são, por exemplo, o rio Uruguai, o
Paraguai, o Iguaçu, o Quaraí, o Guaporé, o Oiapoque. “Que se estendam a território
estrangeiro ou deles provenham”: rios Japurá, Negro, Solimões, Madeira, Paraná,
Paraguai. Logo, as águas (lagos, rios) situados exclusivamente no território de
Estado a este pertencem, como o Tietê, o Piracicaba, no Estado de São Paulo; o
Paraopeba, o Pará, o das Velhas, em minas. (SILVA, 2009, p. 289).
Não se pode afirmar que os rios que tenham nascentes e foz dentro de
determinado Estado, pelo simples fato de desaguar no oceano ou mesmo por conta da
influência das marés, pertençam à União. Conforme citado pelo referido autor, as águas
(lagos, rios) situadas exclusivamente no território do Estado a este o pertencem.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, mais precisamente em seu
artigo 37, alínea b, mencionava que era de domínio estadual as margens dos rios e lagos
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navegáveis, destinadas ao uso público, se por algum título não fossem do domínio federal,
municipal ou particular. (BRASIL, 1937).
Conforme se extrai da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946,
“incluem-se entre os bens do Estado os lagos e rios em terrenos de seu domínio e os que têm
nascente e foz no território estadual”. (BRASIL, 1946). Esse preceito foi mantido em 1967,
com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, e a de nº 16, de 1980.
O artigo 5º, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, mencionava: “incluem-se
entre os bens dos Estados os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles
têm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no
artigo anterior”. (BRASIL, 1969).
Pontes de Miranda ensinava que os lagos e rios, em terrenos de domínio do
Estado, a este o pertencem, assim como sua nascente e foz, salvo aqueles que têm somente
dentro ou fora do Estado, ocasião em que pertencem a União.
Lagos e Rios. – Os lagos e rios, não só as margens, em terrenos de domínio de
Estado- membro, pertencem ao Estado-membro. Também lhe pertencem os rios
cuja nascente e foz sejam no território estadual. Porém os rios que só têm
nascente ou só têm foz no Estado-membro pertencem a União. [...] Nascente e Foz.
– Se tem fora do Estado-Membro a nascente ou a foz, não importa é aquela ou essa
(estrangeiro, outro Estado-membro, Território, Distrito Federal, terras da União para
defesa ou outra utilidade), não está composto o pressuposto a incidência do artigo
5º; não pertence ao Estado-membro o rio. Se o rio tem nascente e foz no território
estadual, se bem que passe por outro Estado-Membro, Distrito Federal, ou
Território, pertence ao Estado-membro em que estão a nascente e a foz. (PONTES
DE MIRANDA, 1973, grifo nosso).
Analisando-se os artigos citados acima, tem-se por ilação que nenhum texto
constitucional estabelecia a maré como fator determinante do domínio, sendo correto dizer
que os terrenos marginais de rio estadual não são de domínio da União e sim do Estado, nos
moldes da Constituição Federal.
Certamente não foi a intenção do legislador constituinte estabelecer a influência
das marés como fator determinante do domínio. O artigo mencionado não deixa quaisquer
dúvidas, eis que, para que tal domínio seja atribuído à União, os lagos e rios devem banhar
mais de um Estado, servir de limite com outros países ou se estender a território estrangeiro
ou dele provir.
Tais argumentos foram extraídos do julgado da Desembargadora Federal do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Silvia Gonçalves Goraieb:
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Inicialmente, devemos partir da localização do Rio Tramandaí, para estabelecer a
quem pertence e saber se o terreno que o autor diz ser de sua propriedade é ou não
terreno de marinha. Possui referido rio nascente e foz no Estado do Rio Grande do
Sul, não fazendo limite com outro estado e nem se estende a outro território. Tais
elementos estão definitivamente fixados no laudo pericial. A partir de tais
conclusões, temos certo que pertence ele ao Estado, por força da Constituição
Federal. Com efeito, segundo evolução bem traçada no recurso, antes da Carta
política de 1891, os rios eram todos do domínio da Coroa, passando depois, por
força das alterações que sobrevieram, ao domínio tanto da União como dos Estados.
As Constituições de 1934 e 1937 passaram a fixar o domínio da União, excluindo os
rios que não se enquadrassem nas especificações próprias, sendo que a Carta de
1946, conceituou os rios do domínio dos Estados, o que foi seguido em 1967,
Emenda Constitucional n° 1 de 1969 e a de n° 16, de 1980. Assim, já em 1946, os
direitos dos Estados passaram a ser previstos expressamente, eis que antes eram
assegurados somente por exclusão. Vencida esta digressão de ordem constitucional,
é necessário avançar na análise que vai fixar a natureza do domínio, frente à
localização do terreno. Não se pode esquecer que a definição do domínio dos
Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas
expressamente previstas. Com efeito, não se há de pretender alterar o domínio por
fatores totalmente desvinculados da previsão legislativa, ou seja, não se pode chegar
à afirmação de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado
Estado sejam atribuídos ao domínio da União pelo simples fato de desaguar no
oceano. Aliás, tal hipótese implicaria em fixar o domínio federal por estar o rio
desaguando no mar territorial ou atravessar terrenos de marinha e acrescidos. Aliás,
foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do
oceano. Ocorre que o Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, editado pouco antes da
Constituição de 1946, conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas
margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. Ora, nem a
Carta de 37 admitia tal restrição que levaria ao absurdo de extinguir o domínio dos
Estados sobre seus rios que deságuam no mar. E como foi magistralmente enfocado
na apelação, a Constituição de 46, bem como as alterações subseqüentes, não
recepcionaram tal impropriedade. Tal conclusão tanto mais se impõe se
considerarmos que o texto legal não pode afrontar disposição constitucional, e o art.
25 das Disposições Transitórias da atual Carta Política revogou, definitivamente, os
Decretos-Leis que consubstanciassem delegação do Congresso ao Poder Executivo
em matéria de sua competência exclusiva, tal como legislar sobre bens do
patrimônio da União, desde que não prorrogados por lei em tempo hábil. Assim,
resulta certo que nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator
determinante do domínio. Portanto, a conclusão sobre o domínio da União sobre
terrenos marginais de rio estadual só porque este sofre os efeitos da maré é
totalmente despida de conteúdo legal e técnico, pois todos os rios estaduais que
chegam ao mar passariam a ser da União, o que não corresponde à previsão
constitucional e a intenção dos constituintes.(AC nº 94.04.55397-2/RS, Rel. Des.
Fed. Silvia Maria Gonçalves Goraieb. DJU 22/07/1998).
Conforme foi comentado pela Desembargadora, para que o domínio de
determinado rio seja atribuído ao domínio da União ou do Estado, é necessário fazer alguns
apontamentos.
Inicialmente, deve-se analisar se o rio tem nascente e foz dentro do Estado e
verificar se ele não se estende a outro território. Em caso afirmativo, este pertence ao Estado,
por força da Constituição da República Federativa do Brasil.
Posteriormente, é necessário analisar a fixação da natureza do domínio, frente à
localização do terreno. Insta salientar que o domínio atribuído à União ou ao Estado deve
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estar vinculado às disposições expressas na Constituição da República Federativa do Brasil.
Conforme já argumentado, não se pode atribuir o domínio de determinado rio à União pelo
simples fato deste sofrer a influência das marés, ou mesmo por conta de desaguar no oceano.
É que a foz de rios que desaguam no oceano nada mais são do que a foz do próprio rio, e não
do oceano.
Nessa linha de raciocínio é o entendimento do também Desembargador Federal
Valdemar Capelleti, no sentido de que a definição do domínio por parte dos Estados deve
estar vinculada expressamente na previsão legislativa, ou seja, não se pode atribuir o domínio
por parte da União pelo simples fato de rios sentirem a influência das marés. A foz de um rio
que deságua no mar nada mais é do que a foz do próprio rio, e não do oceano.
A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras
que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores
desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e
foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo
simples fato de desaguar no oceano. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é
do que foz do próprio rio, e não do oceano.(AC nº 2006.71.00.021834-6/RS, Rel.
Des. Fed. Valdemar Capeletti, DE 19/06/2007).
Essa questão, no que diz respeito ao domínio dos rios atribuídos à União e aos
Estados, vem há muito tempo sendo discutida. A Constituição de 1891, em seu artigo 64,
mencionava que à União somente caberia a parte do território necessária à defesa nacional,
mas aos Estados pertencia tudo o que se situasse dentro de seu território.
Tal discussão foi tratada de forma polêmica pelos Ministros Carvalho de
Mendonça e Alfredo Valadão, que entendiam que os rios que banhassem mais de um Estado
pertenceriam a tais Estados, ao contrário de Clóvis Beviláqua, que sustentava que os mesmos
pertenciam à União. É o que se extrai da obra do constitucionalista Pinto Ferreira (1999, p.
260):
A constituição de 1891 debate a questão em seu artigo 64, firmando-se a regra de
que à União só cabia a parte do território necessária à defesa nacional, mas aos
Estados pertencia tudo o que se situasse dentro do seu território. Daí a discussão
travada de forma polêmica entre M.I. Carvalho de Mendonça e Alfredo Valadão,
pretendendo que os rios que banhassem mais de um Estado pertencessem a tais
Estados, contra a opinião sustentada por Clóvis Beviláqua, de que pertenciam a
União.
A propriedade dos terrenos de marinha era muito discutida. Os que eram
favoráveis a essa tese, sustentavam que tais terrenos estariam compreendidos entre as terras
devolutas, por disposição da Constituição de 1891, em seu artigo 64: “Pertencem aos Estados
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as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente
a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações,
construções militares e estradas de ferro federais”. (BRASIL, 1891).
É o que ensina Cavalcanti (1966, p. 411):
[...] Contra essa opinião citam-se as de JOÃO BARBALHO (18), RODRIGO
OTÁVIO (19), e ALFREDO VALADÃO,JOÃO LUIS ALVES (20), o projeto
apresentado ao Senado em 1892 por diversos senadores reconhecendo o direito dos
Estados sôbre [sic] os terrenos de marinha e acrescidos, e o projeto aprovado pelo
congresso em 1896 e vetado pelo Presidente da república.
Dos ensinamentos trazidos, verifica-se que a discussão no que diz respeito aos
terrenos de marinha é controversa desde a Constituição de 1891.
Ferreira (apud MARTINS, 1993, p. 103) leciona que “entre os bens dos Estados,
incluem-se os rios que neles têm nascente e foz; são os chamados rios interestaduais. São,
assim, rios estaduais os que não estejam em terrenos de domínio da União, que não sejam
interestaduais e que não sejam internacionais”.
Para que o rio não se enquadre aos requisitos previstos no artigo 20, inciso
terceiro, da Constituição da República Federativa do Brasil, este não pode banhar mais de um
Estado e nem servir de limites com outros países, além de não se estender a território
estrangeiro ou dele provenha.
Conforme salienta Ferreira Filho (1997, p. 199), sobre as águas,
bem mais simples seria a tarefa do intérprete se aqui se dissesse diretamente o que
resulta do texto quando confrontado com o art. 20, III, da Constituição, ou seja, que
pertencem aos Estados todas as águas que a Constituição não atribui à União neste
dispositivo: as de lagos, rios e quaisquer correntes que não se encontrem no espaço
do Território, não banhem mais de um Estado, não sirvam de limites com outros
países, não se estendam ao estrangeiro nem deste provenham.
Importante ressaltar que o domínio estadual decorre do preceito previsto no artigo
26, inciso primeiro, da Constituição da República Federativa do Brasil, que assim expressa:
“Incluem-se entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,
emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da
União”. (BRASIL, 1988).
Houve necessidade de fazer tal indicação, porque são bens da mesma natureza
daqueles já determinados para a União no art. 20, exatamente para definir que os bens aqui
previstos não entram no domínio federal. (SILVA, 2009).
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Atribuir o domínio em benefício da União dos rios que sofrem a influência das
marés, vai de encontro à Constituição da República Federativa do Brasil, até mesmo porque,
desde a Constituição de 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos de forma
expressa, sendo correto afirmar que o Decreto-Lei 9.760/46 não foi recepcionado pelas
constituições posteriores, inclusive a atual. Porém, a Constituição de 1934 já enumerava com
mais precisão os bens pertencentes aos Estados-Membros, eis que tais direitos somente eram
previstos por exclusão.
Neste diapasão, têm-se os ensinamentos de Pinto Ferreira (1999, p. 260):
A constituição de 1934, enumerou com mais precisão o bens pertencentes a União e
aos Estados – Membros, nos arts. 20 e 21, mas inverteu a sistemática dominante na
Lei Magna anterior, uma vez que fez o domínio da União a regra, enquanto o
domínio dos Estados é a exceção. A orientação da Carta política de 1937 é
semelhante, no sentido de aprofundamento da unidade nacional. 2. A divisão de
bens nas constituições de 1946, 1967 e 1988. A constituição de 1946, é obvio, não
podia também fugir a um esclarecimento do problema, que suscitou e regulou nos
seus arts. 34 e 35, determinando a inclusão necessária de determinados bens no
domínio da União e no domínio dos Estados. A constituição de 1967 regulou o
problema em seus arts. 4º e 5º.
Note-se que desde a Constituição de 1946, os bens dos estados passaram a ser
previstos de forma clara e precisa, principalmente no que diz respeito à nascente e foz dos
rios. Portanto, se desde a carta de 1946 o legislador atribui ao domínio dos Estados os rios que
têm nascente e foz dentro de seu território, a este o pertence. Entende-se, então, não ser
coerente a fixação do respectivo domínio pelo simples fato do rio sentir a influência das
marés, que é conceituado por uma legislação infraconstitucional, ou seja, de hierarquia
inferior à Constituição da República Federativa do Brasil.
Meirelles (2009, p. 554) explica de forma cristalina sobre o assunto:
O Dec. federal 19.924, de 27.04.31, reafirmou o direito dos Estados-membros sobre as
terras que lhes foram transferidas pela Constituição de 1891 e reconheceu-lhes
expressamente a competência para “regular a administração, concessão, exploração,
uso e transmissão das terras devolutas, que lhes pertencem, excluída sempre a
aquisição por usucapião” (art. 1º). A legislação subsequente proibiu o resgate dos
aforamentos de terrenos pertencentes ao domínio da União e assegurou aos Estadosmembros o domínio dos terrenos marginais acrescidos naturalmente dos rios
navegáveis de seus territórios, bem como o das ilhas formadas nesses rios e nas lagoas
navegáveis, em todas as zonas não alcançadas pela influência das marés (Dec. federal
21.235, de 2.4.32). Logo depois foi transferido aos Estados- membros o domínio de todos
os terrenos aforados pela União (Dec. federal 22.658, de 20.4.33). [...] A Constituição
Federal de 1969 manteve no domínio dos Estados-membros todas as terras devolutas não
compreendidas no patrimônio da União (art. 5º). (grifo nosso).
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Segundo o mencionado autor, os rios públicos, na partilha constitucional, desde
1946, ficaram repartidos entre a União e os Estados-Membros, “sem se atribuir qualquer
domínio fluvial ou lacustre aos Municípios”. (MEIRELLES, 2009, p. 567).
Neste diapasão, é importante citar o entendimento da 2ª Corte do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região. Segundo a referida corte, o Decreto-Lei 9.768/46, não foi
recepcionado pelas constituições posteriores de 1946, não havendo na atual Constituição
Federal definição no que diz respeito aos terrenos de marinha e seus acrescidos, eis que a
influência das marés não é a mais indicada para caracterização do imóvel como sendo de
domínio da União, caracterizando-se, outrossim, como terrenos de marinha.
ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENODE MARINHA E
ACRESCIDOS - RIO TRAMANDAÍ. BEM DE DOMÍNIO ESTADUAL.
DECRETO-LEI Nº 9.760/46 - NÃO-RECEPÇÃO. NULIDADE DOS ATOS
ADMINISTRATIVOS. 1. O rio Tramandaí possui nascente e foz dentro do Estado
do Rio Grande do Sul, a este pertencendo seu domínio. 2. Havendo acréscimos às
margens do rio Tramandaí, em decorrência de aterro artificialmente colocado, os
terrenos de aí oriundos também pertencem ao domínio do Estado do Rio Grande do
Sul. 3. O Decreto-Lei nº 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições
posteriores a de 1946, não havendo na atual Carta Magna de 1988 qualquer
definição a respeito de terreno de marinha e seus acrescidos, certo que a influência
das marés não é mais indicada a caracterizar o imóvel como tal. 4. Os atos
administrativos que visam à cobrança de taxa de ocupação restam anulados presente
o desaparecimento da fato gerador de referida cobrança, qual seja, ocupação de
terreno de marinha. (TRF4, AC 96.04.55312-7, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão
Amaury Chaves de Athayde, DJ 26/07/2006).
Em outras palavras, as disposições previstas na Constituição da República
Federativa do Brasil não podem ser ampliadas ou restringidas por regulamentação
infraconstitucional, a menos que a própria carta assim ressalve ou remeta à lei ordinária. (AC
nº 1999.71.00.014738-2/RS, Rel. Des. Fed. Edgard Lippmann Junior, DJU 22/11/2006).
Bastos (2000, p. 47) ensina que
As normas componentes de um ordenamento jurídico encontram-se dispostas
segundo uma hierarquia e formando uma espécie de pirâmide, sendo que a
Constituição ocupa o ponto mais alto, o ápice da pirâmide legal, fazendo com que
todas as demais normas que lhe vêm abaixo a ela se encontrem subordinadas. [...]
Qualquer ato jurídico de natureza infraconstitucional padecerá do supremo vício de
ilegalidade, o qual, no caso, em razão de ser praticado contra a Lei Maior,
denomina-se inconstitucionalidade. A supremacia das normas constitucionais é
assegurada através dos processos próprios, que vêm negar aplicação, negar
executoriedade aos atos praticados contra seus comandos e até mesmo suprimir em
definitivo uma lei inconstitucional.
“Todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão
revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma
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infraconstitucional de que não contrariar a nova ordem será recepcionada”. (LENZA, 2009, p.
186).
Segundo o referido doutrinador, a essa situação, acrescenta-se que não se admite o
controle de constitucionalidade via ação direta de inconstitucionalidade genérica, por falta de
previsão no art. 102, I, a, da CF/88. É permitido, apenas, “a possibilidade de se alegar que a
norma não foi recepcionada, mas é perfeitamente cabível a arguição de descumprimento de
preceito fundamental”. (LENZA, 2009, p. 186).
Conforme entendimento de Miranda (apud TAVARES, 2009, p. 174), no que diz
respeito a não recepção de normas anteriores à Constituição, este entende que, quando se
analisa a incompatibilidade entre uma legislação ordinária pretérita em face da Constituição
vigente, tem-se uma questão de inconstitucionalidade.
Há grande celeuma na doutrina quando se analisa a incompatibilidade entre a
legislação ordinária pretérita e a Constituição superveniente. Jorge Miranda entende
que se trata, ainda aqui, de uma questão de inconstitucionalidade. E assim se
posiciona que [...] a inconstitucionalidade não é primitiva ou subsequente, originária
ou derivada, inicial ou ulterior. A sua abstrata realidade jurídico – formal não
depende do tempo de produção de preceitos.
Por ser contrário à Constituição Federal da República Federativa do Brasil, no que
diz respeito ao domínio dos rios por parte dos Estados, vale dizer que o Decreto-Lei 9.760/47
não foi recepcionado pela Carta Magna.
Inclusive, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
manifestou-se pela inconstitucionalidade do referido decreto, sob o argumento já citado
anteriormente, de que os rios que têm nascente, curso e foz dentro de território do Estado, no
caso julgado, o Rio Tramandaí, no Estado do Rio Grande do Sul, não poderia ser demarcado
como terreno de marinha, eis que fere o artigo 20, inciso III, da Constituição da República
Federativa do Brasil.
Porém, é necessário esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça não segue este
entendimento. É que mesmo em se tratando de rio estadual, é possível que haja, em suas
margens, áreas que constituam terrenos de marinha, bastando, isto, para o preenchimento dos
requisitos elencados no artigo 2º, “a”, do Decreto-Lei 9.760/1946.
Conforme explicado anteriormente, o artigo citado menciona que os imóveis que
estejam situados na faixa de 33 (trinta e três) metros, a contar da linha do preamar médio de
1831, para dentro da terra (art. 2º, caput), e que as áreas banhadas pelo mar sofram a
influência das marés, entendidas como a oscilação periódica de cinco centímetros, pelo
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menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano (art. 2º, parágrafo único),
são caracterizados como terrenos de marinha.
Para o mencionado Tribunal, o do Decreto-Lei nº 9.760/46 foi recepcionado pelas
constituições federais que lhes são posteriores, inclusive a Constituição da República
Federativa do Brasil vigente.
ADMINISTRATIVO. BEM PÚBLICO. TERRENO DE MARINHA. MUNICÍPIO
DE IMBÉ. RIO TRAMANDAÍ. NATUREZA JURÍDICA. IRRELEVÂNCIA.
DECRETO-LEI 9.760/1946. LINHA DO PREAMAR MÉDIO DE 1831. BENS DA
UNIÃO. REGISTRO IMOBILIÁRIO DE BEM PÚBLICO. ANULAÇÃO DO
ACÓRDÃO RECORRIDO ANTE A OMISSÃO QUANTO À REGULARIDADE
DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO DA SPU. DEVOLUÇÃO DOS
AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM.
1. Cuidam os autos de Ação Ordinária ajuizada com vista à declaração de nulidade
do procedimento demarcatório da linha do preamar médio de 1831, realizado pela
Secretaria de Patrimônio da União - SPU, que culminou na inscrição de vários
imóveis localizados no Município de Imbé/RS como terrenos de marinha e
acrescidos. Alegam os autores que o Rio Tramandaí pertence ao Estado do Rio
Grande do Sul, e não à União, e que possuem o domínio pleno dos imóveis, atestado
pelo registro imobiliário.
2. O Tribunal a quo manteve a sentença de procedência da demanda, sob o
fundamento exclusivo de que "o Rio Tramandaí possui nascente e foz no Estado do
Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro Estado e nem se estendendo até
outro território. Assim sendo, pertence ele ao Estado, por força da Constituição
Federal".
3. Todavia, apesar de o Rio Tramandaí pertencer ao Estado do Rio Grande do Sul
(fato incontroverso), é possível que haja em sua margem áreas que constituam
terrenos de marinha (art. 2º, "a", do Decreto-Lei 9.760/1946). Basta, para tanto, o
preenchimento dos requisitos insertos no mencionado artigo: que os imóveis estejam
situados na faixa de 33 metros, a contar da linha do preamar-médio de 1831, para
dentro da terra; e que as áreas banhadas pelo mar sofram a influência das marés,
entendidas como a oscilação periódica de cinco centímetros, pelo menos, do nível
das águas, que ocorra em qualquer época do ano (art. 2º, parágrafo único).
4. No Direito brasileiro, ao contrário de outros países, tanto o Código Civil de 1916
como o de 2002 adotaram o sistema de presunção relativa ou iuris tantum, segundo
o qual a transcrição do título no Registro Imobiliário assegura o domínio, mas
admite elisão por meio de prova em contrário.
5. Inoponíveis ao Estado títulos de propriedade referentes a bens que, pela
Constituição ou lei, integram o seu domínio. Registrar em Cartório imóvel de
terceiro (pior, se integrante do patrimônio público), em vez de assegurar direito
incontestável, caracteriza violação frontal à legislação, ou mesmo má-fé, pois não se
admite que à força imperativa e inafastável da norma jurídica se oponha ato
registrário, que por isso mesmo deve ser tido por inválido e incapaz de produzir
efeitos. Precedentes do STJ.
6. Cumpre salientar que o Recurso Especial 968.241/RS noticia que o Tribunal de
origem considerou como terreno de marinha alguns imóveis localizados no "braço
morto" do Rio Tramandaí. Vê-se, assim, que há, ao menos, divergência na origem
sobre a questão da existência ou não de terrenos de marinha nas margens do referido
rio, a qual deve ser enfrentada pelo aresto impugnado.
7. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão recorrido e
determinar a devolução dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que, superado o tema
acerca da natureza jurídica do Rio Tramandaí, o acórdão aprecie a matéria referente
à regularidade do procedimento demarcatório efetuado pela Secretaria do Patrimônio
da União - SPU, a qual considerou que os bens estão situados em terreno de
marinha. (REsp 982.039/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 28/02/2012).
50
É de se discordar, data vênia, dos referidos argumentos. É que a Constituição da
República Federativa do Brasil, bem como as posteriores da carta de 1946 não trataram de
estabelecer a influência das marés como fator determinante para fixação do domínio por parte
da União.
O Decreto-Lei 9.760/46, ao fazer a definição dos terrenos de marinha e seus
acrescidos, dos imóveis situados nas margens de rios e lagoas até onde se faça sentir a
influência das marés, fere frontalmente a definição constitucional de domínio dos Estados.
Segundo Pinto Ferreira (1999, p. 14), “as leis constitucionais têm, destarte, uma
validade superior às leis ordinárias, que somente valem pelo seu acordo com as normas
estabelecidas na Constituição”.
O domínio por parte dos Estados deve ater-se expressamente àquilo estabelecido
na Constituição federal em vigor. Portanto, quando os terrenos marginais tiverem nascente e
foz dentro de determinado estado, a este o pertence, salvo as hipóteses previstas no artigo 20
da Carta maior.
Para a conclusão do presente estudo, analisar-se-á a declinação de competência,
bem como a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos de marinha.
4.2 DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Diante de todos os argumentos expostos ao longo do presente estudo, no sentido
de que os rios marginais que têm nascente e foz dentro de determinado estado a este
pertencem, aliás, de forma exaustiva, poder-se-ia afirmar que a competência para julgamento
de tais ações seria da justiça estadual.
Extrai-se da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina:
PROCESSUAL CIVIL - ASSITÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA DECLARAÇÃO DE POBREZA - REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS CONCESSÃO - USUCAPIÃO - ÁREA CONFRONTANTE COM RIO
PERTENCENTE À UNIÃO - DECLINAÇÃO DE OFÍCIO DA COMPETÊNCIA
PARA A JUSTIÇA FEDERAL - UNIÃO QUE MANIFESTA SEU
DESINTERESSE NO FEITO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL RECURSO PROVIDO.
Para o deferimento dos benefícios da assistência
judiciária gratuita basta o interessado afirmar que não está em condições de pagar as
despesas processuais sem prejuízo ao seu sustento ou de sua família. O simples
fato da União ser confrontante do imóvel usucapiendo não desloca a competência
para a Justiça Federal, sobretudo quando a União manifesta expressamente seu
51
desinteresse no feito. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.029162-9, de
Balneário Piçarras, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 05-03-2009).
Porém, predomina o entendimento nos tribunais que quando a União possuir
interesse jurídico no feito deve a causa ser julgada na Justiça Federal. É que a competência
para declarar eventual interesse da União é da Justiça Federal. Nesse sentido, tem-se a Súmula
150, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “Compete à Justiça Federal decidir
sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas
autarquias ou empresas públicas”. (BRASIL, 1996).
De forma semelhante, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E
FEDERAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO RECONHECIDO
PELA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL. I – É pacífica a orientação jurisprudencial consolidada no âmbito
desta Corte, no sentido de competir à Justiça Federal decidir sobre o interesse da
União, entidade autárquica ou empresa pública federal no processo (Súmula
150/STJ). Uma vez reconhecido o interesse da União no feito, deverá a ação ter
prosseguimento perante o juízo federal. II - No presente caso, foi proferida decisão
por juiz federal, afastando o interesse da União na causa, a qual veio a ser reformada
pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento de agravo de
instrumento. III – Logo, não existe incompatibilidade entre o referido julgado e o
acórdão proferido por esta Corte, ao julgar conflito de competência que lhe
precedeu, o qual foi expresso em afirmar que o feito deveria prosseguir na justiça
estadual "enquanto não reapreciada a decisão" no âmbito do tribunal regional
federal, daí o manifesto caráter de provisoriedade desse provimento judicial.
Conflito conhecido, declarando-se competente a 3ª Vara Cível da Seção Judiciária
do Estado de São Paulo, a quem caberá prosseguir no julgamento da ação.(CC
27.558/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
12/02/2003, DJ 10/03/2003).
Ainda, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO - UNIÃO FEDERAL MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE NO FEITO - INTERFERÊNCIA DO
IMÓVEL
USUCAPIENDO
COM
TERRENOS
DE
MARINHA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL - MATÉRIA DE
ORDEM PÚBLICA SOBRE A QUAL NÃO INCIDE PRECLUSÃO - ART. 113
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA
FEDERAL - MEDIDA QUE SE IMPÕE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO
DESPROVIDO. "É cediço que a competência em discussão na presente lide é
absoluta, pois em razão da matéria tratada na demanda, sua observância pode e deve
ser reconhecida de ofício pelo magistrado, constituindo questão de ordem pública,
em razão de preservar interesse da mesma ordem. Sabendo-se do caráter público da
competência em razão da matéria é de se afirmar que sobre tal questão não incide
preclusão pro iudicato, já que o Código de Processo Civil admite que sejam
apreciadas a qualquer tempo e grau de jurisdição." (AI n. 2005.023594-5 - Rel. Des.
Sérgio Roberto Baasch Luz) "Tendo a União manifestado interesse na causa, sob o
fundamento de constituir o imóvel usucapiendo "terreno de marinha", impõe-se a
anulação do processo e a remessa dos autos à Justiça Federal." (AC n. 2008.029115-
52
5 - Rel. Newton Trisotto) (Agravo de Instrumento n. 2010.074782-4, de Palhoça, rel.
Des. Cid Goulart). (grifo nosso).
É que, conforme dispõe o artigo 109, inciso I, da Constituição da República
Federativa do Brasil,
aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras,
rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. (BRASIL, 1988).
Segundo o entendimento do Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior,
não se pode imputar a outra parte, no caso os usucapientes, a comprovação de que áreas
usucapiendas sejam de propriedade da União ou com ela confronte. Ao revés, tal atribuição é
mister da União, que possui estrutura técnico-administrativa própria para a definição e
demarcação de terras de marinha (GRPU e SPU) e, segundo dispõe o artigo 333, inciso II, do
Código de Processo Civil, menciona que o ônus da prova incumbe ao réu quando há
existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Ainda, na hipótese de não haver anuência por parte do juiz estadual em relação à
remessa dos autos, deverá esse juízo suscitar conflito negativo de competência, considerando
os enunciados das súmulas 224 e 254, do Superior Tribunal de Justiça.
USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE
PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Ausência de provas de
que a Linha Preamar Média de 1831 atinge o imóvel usucapiendo. Ausência de
interesse processual e de legitimidade da União para compor a demanda. Mantida a
decisão na qual restou declarada a incompetência da Justiça Federal para processar e
julgar a lide. (TRF4, AG 2009.04.00.011234-6, Quarta Turma, Relator Hermes
Siedler da Conceição Júnior, D.E. 01/03/2010).
Conforme dispõe a Súmula 150, do Superior Tribunal de Justiça, anteriormente
citada, a União, suas autarquias e empresas públicas devem demonstrar seu interesse jurídico
no feito. Nos casos de ações que digam respeito à aplicação do instituto da usucapião em
terrenos marginais, deve a União comprovar que estes possuem tal qualidade.
Poder-se-ia cogitar que, diante da ilegitimidade passiva por parte da União
Federal e sua falta de interesse de agir, em relação ao feito (conforme artigo 267, inciso VI,
do Código de Processo Civil), ser reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Federal
para processar e julgar os pedidos veiculados em ações que não demonstre seu interesse, ou
53
seja, a não comprovação de que os terrenos usucapiendos se tratam de marinha ou seus
acrescidos, determinando-se a competência para a Justiça Estadual.
É o que se extrai de parte do julgado do juiz federal Hermes Siedler da Conceição
Júnior:
[...] Ante o exposto, diante da ilegitimidade passiva da União Federal e sua falta de
interesse de agir em relação ao presente feito (art. 267, VI, do CPC), reconheço a
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA da Justiça Federal (art. 113, cabeça do CPC), para
processar e julgar os pedidos veiculados nesta ação, determinando a redistribuição
dos autos para a Justiça Estadual da Comarca de São Francisco do Sul/SC (art. 113,
§ 2º do CPC), competente para apreciar e julgar esta ação de usucapião. (TRF4, AG
2009.04.00.011234-6, Quarta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior,
D.E. 01/03/2010).
Concorda-se, portanto, com o entendimento acima e, de acordo com o que foi
mencionado no presente estudo, a União Federal teria de demonstrar que o rio não tem
nascente e foz situada integralmente no estado, não fazendo divisa com outros estados ou
países e nem se estenda a outro território.
4.3 POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS DE MARINHA
A constituição da República Federativa do Brasil expressa que os imóveis
públicos não são passíveis de usucapião.
Conforme estudado anteriormente, os terrenos de marinha constituem bens
dominicais e não são suscetíveis de usucapião. Porém, os bens dominicais podem ser
alienados por parte da Administração Pública, se assim o desejar.
Tais bens integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real,
isto é, sobre eles a Administração exerce “poderes de proprietário, segundo os preceitos de
Direitos Constitucional e Administrativo”. (MEIRELLES, 2009, p. 527).
Se os bens dominicais não têm destinação específica e podem ser alienados pela
Administração Pública, poder-se-ia afirmar que tais bens poderiam ser usucapidos, em
homenagem aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade.
É importante mencionar que os bens públicos dominicais e os de uso especial
antes do Código Civil de 1916 arrolavam entre os usucapíveis, se o lapso temporal da posse
atingisse quarenta ou mais anos. (RIZZARDO, 2006).
Segundo entendimento de Rosenvald e Chaves (2010, p. 415), “a absoluta
impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao princípio
54
constitucional da função social da posse, em última instância do princípio da
proporcionalidade”. Tanto é que os bens públicos dominicais e os de uso especial, antes do
Código Civil de 1916, arrolavam entre os usucapíveis, se o lapso temporal da posse atingisse
quarenta ou mais anos. (RIZZARDO, 2006).
A função social da posse está intimamente ligada com o princípio da dignidade da
pessoa humana e tem por escopo atender as exigências de moradia, o aproveitamento do solo,
bem como programas de erradicação da pobreza, ou seja, de se dar efetividade a este
princípio.
A função social da posse como princípio constitucional positivado, além de atender
à unidade e completude do ordenamento jurídico, é exigência da funcionalização das
situações patrimoniais, especificamente para atender as exigências de moradia, de
aproveitamento do solo, bem como aos programas de erradicação da pobreza,
elevando o conceito da dignidade da pessoa humana a um plano substancial e não
meramente formal. É forma ainda de melhor se efetivar os preceitos
infraconstitucionais relativos ao tema possessório, já que a funcionalidade pelo uso e
aproveitamento da coisa juridiciza a posse como direito autônomo e independente da
propriedade, retirando-a daquele estado de simples defesa contra o esbulho para se
impor perante todos” dicionando a estrutura do direito e o seu exercício”.
(ALBUQUERQUE, 2002, p. 53-54).
No ordenamento jurídico pátrio não se tem essa teoria de forma expressa, sendo
extraída de princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da função social.
Segundo Tartuce, referida teoria consta no projeto nº 6.960/02, de autoria de Ricardo Fiúza.
Entretanto, já adiantamos que tal teoria consta do Projeto nº 6.960/02, de autoria do
Deputado Ricardo Fiúza, pelo qual o artigo 1.196 passará a ter a seguinte redação:
"considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida,
que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à
propriedade ou outro direito real suscetível de posse". Isso, adotando sugestão de
Joel Dias Figueira Jr. (TARTUCE, 2005, grifo do autor).
Ainda segundo o mencionado doutrinador, no princípio da função social da posse
está implícita a codificação emergente, principalmente no que diz respeito à posse – trabalho,
conforme artigos 1.238, parágrafo único; 1.242, parágrafo único; e 1.228, §§ 4º e 5º, todos do
novo Código Civil.
Como é notório, preveem os parágrafos únicos dos arts. 1.238 e 1.242 a redução dos
prazos para a usucapião extraordinária e ordinária, respectivamente, nos casos
envolvendo bens imóveis. Na usucapião extraordinária o prazo é reduzido de 15
(quinze) para 10 (dez) anos; na ordinária de 10 (dez) para 5 (cinco) anos. Em ambos
os casos, a redução se dá diante de uma situação de posse-trabalho, nos casos em
que aquele que tem a posse utiliza o imóvel com intuito de moradia, ou realiza obras
55
e investimentos de caráter produtivo, com relevante caráter social e econômico.
Entendemos que essas reduções estão de acordo com a solidariedade social, com a
proposta de erradicação da pobreza e, especificamente, com a proteção do direito à
moradia, prevista no art. 6º da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).
Portanto, seria possível a aplicação do instituto da usucapião de terrenos de
marinha, utilizando-se, para tanto, dos princípios da proporcionalidade e da função social da
posse. O primeiro, porque se é facultado à Administração Pública a alienação de tais imóveis,
por serem considerados dominicais, ou seja, não tem destinação específica, também deveriam
ser passíveis de usucapião. O segundo, para dar efetividade ao princípio da dignidade da
pessoa humana, devido a sua importância de caráter social e econômico.
Não mais vigora o caráter imperioso da propriedade. Seu conteúdo está, nos
tempos atuais, virtualmente restrito, ao contrário do que preponderava no Direito romano, e
em outros sistemas onde dominava o caráter absoluto e ilimitado. (RIZZARDO, 2006).
É certo que a possibilidade de usucapião em terrenos de marinha traria benefícios
significativos à sociedade, ou seja, assegurar o direito da propriedade àqueles que não a
possuem, visto que esses terrenos não têm uma finalidade pública por serem dominicais.
A não aplicabilidade do instituto da usucapião de bens públicos não deve ser
absoluta, ou seja, é necessário dar efetividade ao direito de propriedade e moradia aos
cidadãos.
56
5 CONCLUSÃO
No presente estudo, demonstrou-se que o principal fundamento do instituto da
usucapião é o bem comum, ou seja, dar à propriedade o uso mais adequado, cumprindo,
assim, a sua função social. Vale dizer que o proprietário desidioso perde o domínio da
propriedade, transformando-se a posse de mera situação de fato em direito.
Também foi conceituada a classificação dos bens públicos, seu regime jurídico e
suas respectivas modalidades, dando ênfase aos bens dominicais, que, por não terem uma
destinação específica, podem ser alienados por parte da administração pública se assimo
desejar, através de procedimento licitatório. Esses procedimentos devem ser sempre
motivados por parte da administração pública, sob pena de nulidade.
Conforme argumentado de forma exaustiva, o referido instituto pode ser utilizado
em terrenos marginais de rio estadual, que, segundo a jurisprudência majoritária, não é
possível, eis que os terrenos que sofrem influência das marés, ou mesmo os que desaguem no
oceano, são considerados terrenos de marinha, ou seja, bens públicos dominicais, logo, não
passíveis de usucapião.
A Constituição Federal da República expressa que são bens da União os lagos,
rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um
Estado, e que sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou
dele provenham. Significa dizer que os rios que têm nascente e foz dentro de determinado
Estado, que não banham mais de um Estado, não sirvam de limites com outros países, nem se
estendam a outro território, a este pertencem.
O Decreto-Lei nº 9.760, que dispõe sobre os bens imóveis da União, não foi
recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, bem como pelas
subsequentes, eis que nenhuma dessas tratou de atribuir a influência das marés como fator
determinante do domínio. Em relação à Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, a não recepção se dá, principalmente, no que diz respeito ao domínio atribuído à União
e aos Estados.
Não se pode atribuir o domínio de terrenos marginais à União pelo simples fato
destes sofrerem a influência das marés ou desaguar no oceano. Neste último caso, a foz de um
rio que deságua no oceano nada mais é do que a foz do próprio rio, e não do oceano.
As disposições previstas na Constituição não podem ser ampliadas ou restringidas
por regulamentação infraconstitucional, a menos que a própria carta assim ressalve ou remeta
à lei ordinária.
57
Para que seja atribuído o domínio por parte da União, o rio deve banhar mais de
um Estado e servir de limites com outros países, ou se estender a território estrangeiro ou
deles provir, por força da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Neste diapasão, tem-se por dedução que a União não tem interesse jurídico em
ações de usucapião de terrenos marginais de rio estadual quando estes possuírem
integralmente nascente e foz no Estado, não banhem outros estados e nem se estendam a outro
território.
Atribuir o domínio em benefício da União dos rios que sofrem a influência das
marés vai de encontro à Constituição Federal. O direito dos Estados passou a ser previsto de
forma expressa desde a Constituição de 1946, eis que somente era previsto por exclusão.
Pertencendo ao Estado os terrenos marginais, ou seja, caso preencham os
requisitos mencionados acima, a competência para julgamento das ações de usucapião seria
da Justiça Estadual, não tendo a União interesse jurídico no feito.
Por fim, poder-se-ia cogitar que a aplicação do instituto da usucapião poderia ser
utilizada em terrenos de marinha. É que tais bens são considerados dominicais e, por isso
mesmo, podem ser alienados por parte da Administração Pública, ou seja, não se tem por
proporcional e razoável que não possam ser usucapidos, transferindo a propriedade a outrem.
Não obstante, a absoluta inalienabilidade dos bens públicos é equivocada, eis que
fere o princípio Constitucional da proporcionalidade e da função social da posse, este último,
a princípio, previsto de forma implícita na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988.
Ao se dar oportunidade aos moradores que têm a posse de terrenos ribeirinhos
(quando considerados de marinha), por conta da significativa divergência nos Tribunais, como
foi demonstrada, de usucapir esses bens imóveis, estar-se-á dando efetividade aos direitos
fundamentais do homem, tais como o direito à propriedade e ao princípio da dignidade da
pessoa humana.
58
REFERÊNCIAS
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situação proprietária. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
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64
ANEXOS
65
ANEXO A – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC
RELATOR
AGRAVANTE
PROCURADOR
AGRAVADO
ADVOGADO
:
:
:
:
:
Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
UNIÃO FEDERAL
Procuradoria-Regional da União
JOSE ROBERTO DE FREITAS
GianeCatia Rosa Alves de Carvalho
EMENTA
USUCAPIÃO.
AUSÊNCIA
DE INTERESSE
DA
UNIÃO.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
Ausência de provas de que a Linha Preamar Média de 1831 atinge o imóvel
usucapiendo. Ausência de interesse processual e de legitimidade da União para compor a
demanda.
Mantida a decisão na qual restou declarada a incompetência da Justiça
Federalpara processar e julgar a lide.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar
provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de fevereiro de 2010.
Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal HERMES SIEDLER DA
CONCEIÇÃO JÚNIOR, Relator, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que
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66
AGRAVO DE INSTRUMENTONº 2009.04.00.011234-6/SC
RELATOR
: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
AGRAVANTE
: UNIÃOFEDERAL
PROCURADOR : Procuradoria-Regional da União
AGRAVADO
: JOSE ROBERTO DE FREITAS
ADVOGADO
: Giane Catia Rosa Alves de Carvalho
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento, objetivando a reforma da decisão, na qual
foi reconhecida a ilegitimidade e a falta de interesse de agir da União, bem como a
incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar os pedidos formulados na
açãode usucapião, movida pelo agravado. (fl. 101/104)
Sustenta a agravante que a área usucapienda interfere com terrenos de marinha,
justificando-se a permanência do ente federal e do feito na esfera de competência da Justiça
Federal. Requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o seu provimento.
Indeferido o pedido de agregação de efeito suspensivo ao agravo
instrumento.(fl. 112)
Recurso regularmente processado. Com contrarrazões.
É o relatório.
Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal HERMES SIEDLER DA
CONCEIÇÃO JÚNIOR, Relator, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC
de
67
RELATOR
AGRAVANTE
PROCURADOR
AGRAVADO
ADVOGADO
:
:
:
:
:
Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
UNIÃOFEDERAL
Procuradoria-Regional da União
JOSE ROBERTO DE FREITAS
GianeCatia Rosa Alves de Carvalho
VOTO
Na decisão inaugural, firmou-se o seguinte entendimento, in verbis:
"(...) Alinho-me à posição assumida pelo juízo a quo, por estar suficientemente fundamentada
nas provas produzidas pelas partes, não subsistindo os argumentos da agravante para
modificar a decisão agravada.
Pelo que, indefiro o pedido de agregação de efeito suspensivo ao recurso.
Nos termos da legislação, intime-se a parte agravada para que apresente resposta, se quiser.
Oficie-se o juiz a quo para que preste informações quanto ao cumprimento do
disposto no art. 526 do CPC, especialmente."
Nesta oportunidade, verifica-se que não foram apresentados pela parte
agravante argumentos relevantes que justifiquem a reforma da decisão agravada.
Pertinente a transcrição dos bem-lançados fundamentos do decisum que se
mostram imprescindíveis para a solução da controvérsia, in verbis:
"(...)Tenho sustentado em processos deusucapião que não é aceitável imputar à outra parte o
ônus da comprovação de que a área usucapienda seja de propriedade da União ou com ela
confronte. Com efeito, tal mister é atribuição da União, que se diga, possui estrutura técnicoadministrativa própria para a definição e demarcação das terras de marinha(GRPU e SPU)
e porque o ônus da prova incumbe ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor (inciso II do art. 333 do CPC).
Pelo exposto, consigno cinco razões para entender não haver interesse da União no feito.
Primeira. A União não comprovou que a Linha Preamar Média de 1831 atinge o imóvel
usucapiendo. Pelo contrário. Foram os autores que demonstraram suficientemente nos autos
(mediante a juntada de contundente documentação elaborada por engenheiro civil, inclusive
com auxílio de aparelho de posicionamento global - GPS) não haver interferência do imóvel
objeto da ação sobre terrenos de marinha
Segunda. Diante de tais alegações e documentos, a União nada alegou. Há sequer
impugnação aos documentos juntados pelos autores ou manifestação de que as distâncias
neles indicadas seriam incorretas. Vale dizer, a União, concordou com os dados e
informações trazidas pelos autores.
68
Terceira. Os documentos que carreou aos autos, apenas aumentam as dúvidas em vez de
aclarar as incertezas. Há também dubiedade e confusão em suas manifestações, que por
serem contraditórias, apenas contribuem para tumultuar o processo, especialmente em
questão que, obrigatoriamente, deveria prontamente esclarecer.
Quarta. A União não esclareceu se há LPM/1831 demarcada no local. Se não o fez há
presunção lógica, de que não existe homologação e, nesse caso, segundo entendimento da
corte regional, não há como obstar o processamento do feito perante a Justiça Estadual, na
medida em que inexiste previsão acerca da conclusão do procedimento demarcatório (AI n.
2008.04.00.010555-6, 4ª Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior). E mesmo que a
LPM/1831 tenha sido demarcada na região, sua presunção seria juris tantum, e, no caso
concreto, não prevalece diante dos documentos carreados pelos autores.
Quinta. O imóvel não confronta com terras ou acrescidos de marinha. O terreno está há
mais de trinta e cinco metros do final da Av. Atlântica. No caso de ser computada demais
áreas físicas, como vegetação local (como restinga) e a faixa de areia da praia, a distância
entre esse imóvel e o mar ultrapassa a marca de 70 metros. Nesse pormenor, os documentos
veiculados pelos autores, em larga margem são mais específicos e conclusivos em
relação àqueles produzidos pela União. Para tanto basta o cotejo entre os documentos
encartados pelos autores (fls.93 e 131) com os documentos produzidos pela União(fls.64/66).
Também constato verossimilhança na alegação dos autores sobre o equívoco na medição da
LPM pela União, porquanto, se fosse possível transportar a linha da preamar média indicada
pela União no local, a Avenida Atlântica estaria dentro d´água (a LPM/1831 presumida
estaria 2,27 metros além dessa avenida em direção à terra), de forma que, na praia de
Itaguaçu não haveria praia. O que não corresponde à realidade fática. Observando a
imagem de satélite (fl. 134) se conclui a extensa faixa de areia na praia de Itaguaçu (região
do imóvel usucapiendo).
Dessa forma, verifica-se, no caso concreto, a inexistência de interesse de agir da União
frente aos fatos, fundamentos jurídicos e documentos técnicos comprobatórios da distância
do imóvel em relação à LPM/1831.
A Súmula n. 150 do Superior Tribunal de Justiça preceitua que compete à Justiça
Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo
da União, suas autarquias ou empresas públicas.
E na hipótese de não haver anuência do Juízo Estadual em relação à remessa dos autos,
deverá esse Juízo suscitar conflito negativo de competência, considerando os enunciados das
súmulas n.s 224 e 254 do STJ.
1. Ante o exposto, diante da ilegitimidade passiva da União Federal e sua falta de
interesse de agir em relação ao presente feito (art. 267, VI, do CPC), reconheço
a INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA da Justiça Federal (art. 113, cabeça do CPC), para
processar e julgar os pedidos veiculados nesta ação, determinando a redistribuição dos autos
para a Justiça Estadual da Comarca de São Francisco do Sul/SC (art. 113, § 2º do CPC),
competente para apreciar e julgar esta ação de usucapião. ..."
Por todo o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento,
mantendo a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos.
69
É o voto.
Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Relator
Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal HERMES SIEDLER DA
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 03/02/2010 AGRAVO DE INSTRUMENTONº
2009.04.00.011234-6/SC
ORIGEM: SC 200872010027111
RELATOR
: Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
PRESIDENTE : Valdemar Capeletti
PROCURADOR : Drª Shamantha Chantal Dobrowolski
AGRAVANTE :
PROCURADOR :
AGRAVADO :
ADVOGADO :
UNIÃO FEDERAL
Procuradoria-Regional da União
JOSE ROBERTO DE FREITAS
Giane Catia Rosa Alves de Carvalho
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 03/02/2010, na
seqüência 157, disponibilizada no DE de 26/01/2010, da qual foi intimado(a)
UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e
as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe,
em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
70
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO
AGRAVO DE INSTRUMENTO , MANTENDO A DECISÃO AGRAVADA PELOS SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
RELATOR
ACÓRDÃO
VOTANTE(S)
: Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
: Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
: Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI
: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Regaldo Amaral Milbradt
Diretor de Secretaria
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71
ANEXO B – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS
RELATOR
:
EMBARGANTE
ADVOGADO
EMBARGADO
ADVOGADO
:
:
:
:
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES
LENZ
UNIÃO FEDERAL
Procuradoria-Regional da União
HENRIQUE TAVARES
Gil Villeroy e outro
EMENTA
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. ART. 2º, "A", DO DECRETO-LEI N.º
9.760/46. EFEITOS.
1. O imóvel em questão se constitui em terreno de marinha ou acrescido de
marinha, porque, historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio
Tramandaí, em parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés".
É o teor do Decreto-Lei 9.760/46:
'Art. 2°-São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio
de 1831:
a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas
, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) Os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a
influência das marés. Parágrafo Único- Para efeitos deste artigo a influência das marés é
caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que
ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou
artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de
marinha.'
O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência das
marés é menor do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o
argumento não colhe, uma vez que a lei não exige que a influência das marés seja a maior de
todas. A lei exige apenas que a influência das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer
dúvida.
De outra parte, com o devido acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí
seja estadual.
Mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as
suas margens "até onde se faça sentir a influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46).
Como se vê, a propriedade do rio não impede que os terrenos a sua margem sejam da União.
Merece destaque que não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal
que, apesar de vigente há mais de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade
reconhecida por qualquer Corte do País.
Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que
lhe foram e são contemporâneas.
72
Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E
finalmente, não merece ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente não
possa ser desconsiderado nesta ação, por força da lei especial.
É que em se tratando de próprios federais não se pode invocar a legislação
geral, inclusive dos registros públicos, quando tais imóveis são regidos pela legislação
especial. A respeito dispõe o art. 198 do Decreto-lei em exame:
'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o
domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os originais em títulos
por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei. "
A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e,
pois, pode ser reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda.
2. Provimento dos embargos infringentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento aos
embargos infringentes, vencido o Desembargador Federal Valdemar Capeletti, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de outubro de 2009.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES
RELATOR
:
LENZ
EMBARGANTE : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
: Procuradoria-Regional da União
EMBARGADO
: HENRIQUE TAVARES
ADVOGADO
: Gil Villeroy e outro
RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes interpostos pela União visando à reforma do
aresto de fl. 65, com a seguinte ementa, verbis:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. REQUISITOS.
. Requisitos da cautela configurados, sendo o risco de prejuízo irreparável representado pela
ineficácia do provimento jurisdicional após o efetivo pagamento da taxa impugnada, o que
exigiria ajuizamento de repetição de indébito; a fumaça do bom direito decorre da existência
de título de domínio registrado em nome do apelante, a indicar que o terreno não é da
marinha, bem como do voto proferido na ação principal.
73
. Cautela deferida para sustar a cobrança da taxa de ocupação.
. Apelação provida."
Foram apresentadas contrarrazões.
O MPF manifestou-se pela não intervenção no feito.
É o relatório.
Peço dia.
VOTO
In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas no voto
vencido do eminente Des. Federal José Germano da Silva, a fls. 60/3, verbis:
"Peço licença para divergir.
De início, adoto como razões de decidir os fundamentos da bem lançada sentença, da culta
Juíza Maria Lúcia Leiria, hoje integrante desta Corte:
'Trata-se, à toda evidência, de lançamentos fiscais efetuados pelo inteiro poder legal da
União. O imóvel em questão localiza-se em terreno da faixa litorânea- considerados pela
legislação em vigor como terrenos de marinha. Assim se vê da perícia técnica efetuada,
fls.162/199:
" ... Em 1962, o DEPRC construiu o guia-corrente (molhe), na margem esquerda do canal,
fixando a foz na posição atual, isolando a derivação norte denominada de " braço morto ".
Em conseqüência da separação, surgiram diversas lagoas no leito separado, apresentando
larguras variáveis entre 100 e 50 m na dimensão perpendicular a praia. As margens mais
afastadas desta coincidiram aproximadamente com a atual Av. Rio Grande do Município de
Imbé, que encontra-se localizada no desenho do loteamento (Anexo VIII)" (fl.168).
" ... Anteriormente à fixação da barra, a configuração do rio Tramandaí junto ao Oceano
Atlântico era variável, conforme consta pelos registros gráficos constantes deste laudo, quais
sejam:
Anexo IV- Mostra que em 1939, a foz estava próxima da posição atual e identificando o
"braço Morto" da barra antiga;
Anexo V - Mostra que em 1948 a barra apresentava uma configuração muito semelhante a de
1939;
Anexo VI- Mostra que por volta de 1957 a foz deslocou-se para o norte voltando para a
posição denominada de "barra antiga" no Anexo IV, ou seja nesta época o rio retornava a
ocupar o leito do "Braço Morto ";
Anexo VII- Mostra como foi fixada a barra em 1962, separando a atual foz do "braço morto"
(fl.171).
" ... Todas as configurações que apresentou a foz do rio Tramandaí, anteriores a sua fixação
pelos molhes eram normais, entendendo-se neste caso normais como sinônimo de naturais, já
que as diversas posições que apresentava eram provenientes de fenômenohidrometereológicos, portanto da natureza.
74
Os molhes foram construídos para fixar a barra em uma posição conveniente para melhor
permitir o escoamento das águas e portanto um maior calado para as embarcações. A barra
foi fixada muito próxima de uma das posições que a foz apresentava naturalmente". (fl.171)
A descrição do loteamento onde está o imóvel do autor na Rua Santa Rosa, 1884, Lote 13,
Quadra 53, na Praia do Imbé, integra a área constante do " Braço Morto do Rio
Tramandaí", portanto, terreno de marinha (fl.170).
Ao exame de todo o laudo e anexos concluo que o terreno do autor está incluído em terrenos
de marinha, haja vista as mutações do rio Tramandaí, como se vê do mapa dafl.199.
Dita taxa não tem a natureza jurídica de "taxa", espécie de tributo, e sim de preço públicovisto tratar-se de contra prestação pelo uso de bem público. Aliás, assim diz Bernardo
Ribeiro de Moraes:
" ... como receita pública o preço público se caracteriza fundamentalmente por ser uma
receita pública originária( decorrente do patrimônio do Estado, que fornece o bem) e
FACULTATIVA (não há, para a sua percepção a utilização do poder fiscal); o tributo
caracteriza-se como uma receita DERIVADA (não decorrente do patrimônio do Estado, que
aufere a receita, mas, sim, de terceiro) e COMPULSÓRIA (há utilização do poder fiscal, da
soberania estatal, que faz a norma legal exigindo o pagamento). O preço público é uma
receita CONTRAPRESTACIONAL (há uma relação de interdependência entre os ingressos e
os gastos, entre o que se recebe paga). Esta distinção é da ciência das finanças e tem em vista
o elemento político-jurídico (compulsoriedade);
b) como prestação, o preço caracteriza-se fundamentalmente por ser uma obrigação
CONTRATUAL (decorrente de acordo de vontades) e NÃO CONTRAPRESTACIONAL (não
existe um dá lá toma cá , uma troca de bem por dinheiro, pois o contribuinte paga o tributo
sem estar adquirindo nada, existindo uma transferência de riqueza através da utilização do
poder fiscal. Esta distinção é de direito financeiro e tem por base a origem dos recursos ... "
Dispõe a Súmula 545 do STF: " Preços de serviços públicos e taxas não se confundem,
porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada à
prévia autorização orçamentária, em relação à que as instituiu".
Por isso, trata-se à toda evidência, de preço público a taxa de ocupação referente aos
terrenos de marinha.
Tratando-se de preço público, inexiste a falada bitributação, visto que a mesma só ocorre
quando incidente dois tributos com o mesmo fato gerador.
Legal, pois, a cobranças de dita taxa.
Ademais, o alegado direito de propriedade, em relação que seria "erga omnes", porque
inscrito no registro de imobiliário, não tem a força de desconstituir como bem público os
terrenos de marinha, aliás, protegidos constitucionalmente.
Quanto à medida cautelar em apenso, a mesma improcede, eis que não vislumbra presente o
duplo requisito. O eventual perigo da demora, bem como a plausibilidade do bom direito,
restaram superados.
Isto posto, julgo improcedentes as presentes ações, cassando, por via de conseqüência, a
liminar deferida, e condenando o autor nas despesas processuais e em honorários de
advogado, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor corrigido de cada uma das
causas."
Argumenta o recorrente em seu apelo que (1) não se trata de terreno e nem acrescido de
marinha; que (2) o rio Tramandaí não é federal; que o Decreto-lei nº 9.760/46 é
inconstitucional; e que (3) o seu título não pode ser desconstituído senão por sentença nos
termos da lei.
Tenho que assim não é.
75
O imóvel em questão se constitui em terreno de marinha ou acrescido de marinha, porque,
historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em
parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés".
É o teor do Decreto-Lei 9.760/46:
'Art. 2°-São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas , até onde se
faça sentir a influência das marés;
b) Os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés.
Parágrafo Único- Para efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela
oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer
época do ano.
Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou
artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de
marinha.'
O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência das marés é menor
do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o argumento não colhe,
uma vez que a lei não exige que a influência das marés seja a maior de todas. A lei exige
apenas que a influência das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida.
De outra parte, com o devido acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual.
Mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens
"até onde se faça sentir a influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a
propriedade do rio não impede que os terrenos a sua margem sejam da União.
Merece destaque que não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar
de vigente há mais de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por
qualquer Corte do País.
Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que lhe foram e
são contemporâneas.
Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E finalmente, não merece
ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente não possa ser
desconsiderado nesta ação, por força da lei especial.
É que em se tratando de próprios federais não se pode invocar a legislação geral, inclusive
dos registros públicos, quando tais imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito
dispõe o art. 198 do Decreto-lei em exame:
'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno
de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os originais em títulos por ela
outorgados na forma do presente Decreto-lei. "
A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois, pode ser
reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda.
Ante isso, nego provimento ao apelo.
76
É o voto."
Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes.
É o meu voto.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES
RELATOR
:
LENZ
EMBARGANTE : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
: Procuradoria-Regional da União
EMBARGADO
: HENRIQUE TAVARES
ADVOGADO
: Gil Villeroy e outro
VOTO-VISTA
Pedi vista dos autos para compreender a questão.
Muito embora a matéria já tenha sido objeto de inúmeros julgamentos
proferidos nesta Corte, no sentido de reconhecer o domínio estadual do Rio Tramandaí e a
inviabilidade de cobrança de taxa de ocupação, definiu-se nova orientação sobre a matéria,
conforme demonstra o seguinte precedente:
EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO ADMINISTRATIVO. TERRENOS DE MARINHA E
ACRESCIDOS. CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO-LEI 9.760/46. LEGALIDADE
DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. TAXA DE OCUPAÇÃO. REGISTRO
IMOBILIÁRIO. PRESUNÇÃO RELATIVA DO DIREITO DE PROPRIEDADE.
PRECEDENTES DO STJ.
1. Foi regular o procedimento administrativo que demarcou a linha de preamar médio do
ano de 1831 na região de tramandaí e Imbé, com vistas a identificar os terrenos de marinha.
2. O Decreto-Lei nº 9.760/46 foi recepcionado pelas constituições federais que lhe são
posteriores, inclusive a atual.
3. O Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros precedentes, reconheceu como legal e
legítimo o processo demarcatório acabado em 1974.
4. O registro do título translativo no cartório de imóveis não gera presunção absoluta do
direito real de propriedade, mas relativa, admitindo prova em sentido contrário, não sendo,
portanto, oponível à União.
5. Não restando provado que os imóveis taxados encontram-se fora da área demarcada como
terreno de marinha, legítima é a cobrança da respectiva taxa de ocupação.
(TRF4, EIAC 2003.71.00.073691-5, Segunda Seção, Relatora Desª. Federal MargaInge Barth
Tessler, D.E. 28/03/2008)
77
O laudo pericial produzido nestes autos (fls. 169/172) corrobora este
entendimento, contendo esclarecimentos importantes acerca da questão.
Em resposta ao quesito de n. 8, o perito confirma a influência das marés do Rio
Tramandaí e lagoa Tramandaí, demonstrando que a variação periódica do nível do rio
provocada pelas marés, com amplitude de 5 centímetros, caracteriza suas margens como
terrenos de marinha.
Evoluindo no parecer, o perito confirma que o exame do processo
administrativo da SPU n. 1085-000 240/A de 1972, que demarcou a Linha Limite de Marinha
(LLM), permite essa afirmação, informando, ainda, que a propriedade dos rios e lagoas não
deve evidentemente ser levado em consideração para determinar a influência das marés.
Assim, o entendimento de
que o Rio Tramandaí pertence ao domínio estadual, por possuir
nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não exclui a possibilidade de integrar
patrimônio da União.
Adstrito aos limites da divergência, inclino-me pela prevalência do voto
vencido, acompanhando o Relator.
Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento aos embargos
infringentes.
É o voto.
Juiz Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/10/2009
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS
ORIGEM: RS 8800110274
RELATOR
PRESIDENTE
PROCURADOR
: Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
: Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro
: Dr. Francisco de Assis Sanseverino
EMBARGANTE : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União
EMBARGADO : HENRIQUE TAVARES
ADVOGADO : Gil Villeroy e outro
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/10/2009, na
seqüência 33, disponibilizado no DE de 24/09/2009, da qual foi intimado(a) UNIÃO
FEDERAL, UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), o MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 2ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
78
PROSSEGUINDO O JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO JUIZ
FEDERAL MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, DANDO PROVIMENTO AOS EMBARGOS
INFRINGENTES, A SEÇÃO, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO AOS
EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDO O DES. FEDERAL VALDEMAR
CAPELETTI; RESSALVADO O PONTO DE VISTA DA DES. FEDERAL MARGA INGE
BARTH TESSLER. IMPEDIDA A DES. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA.
RELATOR
ACÓRDÃO
: Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
VOTO VISTA : Juiz Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
IMPEDIDO(S) : Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Fádia Gonzalez Zanini
Diretora de Secretaria
79
ANEXO C – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS
RELATORA
REL.
ACÓRDÃO
EMBARGANTE
ADVOGADO
EMBARGADO
ADVOGADO
: Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB
: Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
:
:
:
:
CATERINA FRANCISCA CAPRIO
Luiz Carlos Kremer e outros
UNIÃO FEDERAL
Procuradoria-Regional da União
EMENTA
EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO ADMINISTRATIVO. DOMÍNIO DA UNIÃO.
TERRENOS DE MARINHA. ACRESCIDOS. DEFINIÇÃO. DECRETO-LEI Nº 9.760/46.
CF/88. RECEPÇÃO. DEMARCAÇÃO. PROCEDIMENTO. EFICÁCIA DECLARATÓRIA.
REGULARIDADE. AUTORES. TÍTULOS DE DOMÍNIO. VÍCIO. DESCONSTITUIÇÃO.
DESNECESSIDADE. INFLUÊNCIA DAS MARÉS. VERIFICAÇÃO. TAXA DE
OCUPAÇÃO. EXIGIBILIDADE. PRECEDENTES DO EGRÉGIO STJ. AFORAMENTO.
PREFERÊNCIA.
1. A regra constitucional que arrola na condição de bens da União os terrenos
de marinha e seus acrescidos (inciso VII, artigo 20) encontra detalhamento nos artigos 2º e 3º
do Decreto-lei nº 9.760/1946, devidamente recepcionados pela Constituição Federal de 1988.
2. Os terrenos de marinha são aqueles compreendidos em uma profundidade de
trinta e três metros medidos horizontalmente para a parte da terra da posição da linha de
preamar-médio de 1831, situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, caracterizada tal influência pela
oscilação periódica de cinco centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em
qualquer época do ano. Os terrenos acrescidos de marinha são os que se tiverem formado,
natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos
terrenos de marinha.
3. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha e acrescidos
(artigos 9º a 14, Decreto-lei nº 9.760/1946), situado na esfera de competência do Serviço do
Patrimônio da União - SPU, detém eficácia meramente declaratória.
4. A determinação da posição da linha de preamar-médio de 1831 a propósito
das áreas discutidas no feito, as quais efetivamente se encontram dentro do perímetro
identificado como terreno de marinha e acrescidos na região do denominado "Braço Morto"
do Rio Tramandaí no Município de Imbé/RS, foi levada a cabo consoante regular
procedimento administrativo, o qual, à míngua de prova em sentido contrário, permanece
hígido quanto aos atributos relacionados a sua legalidade, legitimidade, veracidade,
imperatividade, auto-executoriedade e tipicidade.
5. Os títulos de domínio apresentados pela autora decorrem de cadeia aquisitiva
viciada, uma vez que principiada a partir da equivocada averbação no registro imobiliário de
acórdão que decidiu em 1966 ação de usucapião movida pelo Município de Osório. O lapso
identificado na mencionada averbação diz respeito à omissão da ressalva havida no acórdão
da ação de usucapião quanto aos terrenos de marinha, notadamente apartados da área
80
usucapida. Ademais, apenas após a fixação da barra do Rio Tramandaí no início da década de
1970 a área debatida, anteriormente álveo instável do referido rio, passou, com a ocorrência
da evaporação das águas, da ação dos ventos e do aterro empreendido pelo labor humano, a
representar local loteável e passível de usucapião, não antes desse momento.
6. Desnecessidade da desconstituição dos títulos de propriedade apresentados
pela autora, tendo em linha de conta que o domínio da União, à vista de seu fundamento
constitucional e de sua anterioridade, prepondera sobre a condição jurídica dos demandantes,
que comprovadamente não detêm a titularidade das áreas em comento.
7. Evidenciada a influência das marés sobre a foz do Rio Tramandaí na forma
da definição prevista no parágrafo único do artigo 2º do Decreto-lei nº 9.760/1946,
caracterizada pela oscilação periódica mínima de cinco centímetros do nível das águas em
qualquer época do ano, nos termos dos laudos técnicos produzidos nos autos.
8. Exigibilidade da taxa de ocupação pela União em virtude de seu comprovado
domínio quanto às áreas em liça, conclusão roborada pelos precedentes jurisprudenciais de
lavra do egrégio STJ.
9. Reconhecida a preferência da autora ao aforamento das áreas ocupadas, de
acordo com o preceituado no artigo 105 do Decreto-lei nº 9.760/1946.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencidos os
Desembargadores Federais Sílvia Goraieb e Valdemar Capeletti, negar provimento ao
recurso, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de dezembro de 2009.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora para o acórdão
Documento eletrônico assinado digitalmente por Desª. Federal MARGA INGE BARTH
TESSLER, Relatora para o acórdão, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que
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61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência
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12/03/2010 13:25:25
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS
RELATORA
: Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB
EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO
81
ADVOGADO
: Luiz Carlos Kremer e outros
EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
: Procuradoria-Regional da União
RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes em que a Turma julgadora, composta pelos
Desembargadores Federais Marga Inge Barth Tessler, Edgard Lippmann Junior e o Juiz
Federal Márcio Antônio Rocha, por maioria, deu provimento à apelação da União e à remessa
oficial para julgar improcedente o pedido, que visa à anulação dos atos administrativos que
implicaram na inscrição do imóvel como terreno de marinha e ao afastamento da cobrança de
taxa de ocupação.
O acórdão foi ementado nos seguintes termos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. TERRENOS DE MARINHA. ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO
MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ. PROPRIEDADE DA UNIÃO AFORADOS POR
MUNICÍPIO A PARTICULARES. DECRETO-LEI 9.760/46. DEVIDA A TAXA DE
OCUPAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ.
1. O fato do imóvel objeto da cobrança estar registrado no Registro de Imóveis, não tem o
condão de afastar a cobrança em questão, pois a transcrição do título no registro de imóveis
tem presunção "juris tantum" e é inoponível à União, que possui o domínio dos terrenos de
marinha por força de disposição constitucional, independentemente do registro.
2. Tendo os autores adquirido o imóvel depois do procedimento demarcatório cuja citação foi
legal e legítima, inclusive acobertado pela prescrição, desnecessário seria novo
procedimento, nem tampouco ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos
registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão do referido
procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos
administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
Restou vencido o Exmo. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha que negou
provimento à apelação e à remessa oficial, entendendo que o rio Tramandaí, por ter nascente e
foz contidas no Estado do Rio Grande do Sul, pertence ao domínio estadual, não integrando o
patrimônio da União, razão por que o imóvel situado na área do antigo braço morto do rio não
pode ser considerado terreno de marinha.
Pretende a embargante a prevalência do voto vencido por seus próprios
fundamentos.
Com contra-razões, vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
Des. Federal Silvia Goraieb
Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente por Des. Federal Silvia Goraieb, Relatora,
conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves
Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da
82
4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está
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06/01/2010 15:44:14
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS
RELATORA
: Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB
EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO
ADVOGADO
: Luiz Carlos Kremer e outros
EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
: Procuradoria-Regional da União
VOTO
O julgamento envolve questão já conhecida e enfrentada nas Turmas, o que me
permite reproduzir os fundamentos de voto por mim proferido perante a 4ª Turma:
"Quanto ao mérito, a matéria não é nova, eis que a Turma já a enfrentou em outras
oportunidades.
Assim, passo a transcrever o voto por mim proferido quando julgamento da AC nº
94.04.55397-2/RS:
O mérito da presente ação está intimamente ligado a questões de ordem fática, à luz da
legislação aplicável, frente à prova pericial técnica.
Inicialmente, devemos partir da localização do Rio Tramandaí, para estabelecer a quem
pertence e saber se o terreno que o autor diz ser de sua propriedade é ou não terreno de
marinha.
Possui referido rio nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com
outro estado e nem se estende a outro território.
Tais elementos estão definitivamente fixados no laudo pericial.
A partir de tais conclusões, temos certo que pertence ele ao Estado, por força da
Constituição Federal.
Com efeito, segundo evolução bem traçada no recurso, antes da Carta política de 1891, os
rios eram todos do domínio da Coroa, passando depois, por força das alterações que
sobrevieram, ao domínio tanto da União como dos Estados.
As Constituições de 1934 e 1937 passaram a fixar o domínio da União, excluindo os rios que
não se enquadrassem nas especificações próprias, sendo que a Carta de 1946, conceituou os
rios do domínio dos Estados, o que foi seguido em 1967, Emenda Constitucional n° 1 de 1969
e a de n° 16, de 1980.
Assim, já em 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos expressamente, eis que
antes eram assegurados somente por exclusão.
83
Vencida esta digressão de ordem constitucional, é necessário avançar na análise que vai
fixar a natureza do domínio, frente à localização do terreno.
Não se pode esquecer que a definição do domínio dos Estados não está condicionada a
considerações outras que não aquelas expressamente previstas.
Com efeito, não se há de pretender alterar o domínio por fatores totalmente desvinculados da
previsão legislativa, ou seja, não se pode chegar à afirmação de que os rios que tenham
nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União pelo
simples fato de desaguar no oceano.
Aliás, tal hipótese implicaria em fixar o domínio federal por estar o rio desaguando no mar
territorial ou atravessar terrenos de marinha e acrescidos.
Aliás, foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do
oceano.
Ocorre que o Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, editado pouco antes da Constituição de 1946,
conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde
se faça sentir a influência das marés.
Ora, nem a Carta de 37 admitia tal restrição que levaria ao absurdo de extinguir o domínio
dos Estados sobre seus rios que deságuam no mar.
E como foi magistralmente enfocado na apelação, a Constituição de 46, bem como as
alterações subseqüentes, não recepcionaram tal impropriedade.
Tal conclusão tanto mais se impõe se considerarmos que o texto legal não pode afrontar
disposição constitucional, e o art. 25 das Disposições Transitórias da atual Carta Política
revogou, definitivamente, os Decretos-Leis que consubstanciassem delegação do Congresso
ao Poder Executivo em matéria de sua competência exclusiva, tal como legislar sobre bens
do patrimônio da União, desde que não prorrogados por lei em tempo hábil.
Assim, resulta certo que nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator
determinante do domínio. Portanto, a conclusão sobre o domínio da União sobre terrenos
marginais de rio estadual só porque este sofre os efeitos da maré é totalmente despida de
conteúdo legal e técnico, pois todos os rios estaduais que chegam ao mar passariam a ser da
União, o que não corresponde à previsão constitucional e a intenção dos constituintes.
Por outro lado, é difícil acreditar que um aterro pudesse subsistir às investidas das águas do
mar, para alterar o traçado original da faixa litorânea, a fim de colocar em dúvida a real
situação do terreno em questão.
Ademais, se estivermos frente a acrescidos, outro tratamento não poderiam ter que não
aquele previsto na Constituição, pois a sua propriedade é atribuída a quem detém o domínio
das áreas aumentadas.
Portanto, se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual,
passam eles também ao seu domínio e a União não pode considerar-se dona de margens que
não lhe pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio.
Logo, o imóvel questionado não é terreno de marinha, não é acrescido de marinha, porque
não está situado em faixa litorânea.
Sua localização dista a 4 quadras da faixa litorânea e mais de 3 quadras do rio Tramandaí.
Segundo a contestação está situado "sobre aterro feito, em decorrência da fixação da barra
do Rio Tramandaí, sobre o leito antigo (braço morto), para completar a ação da própria
evaporação das águas e a ação dos ventos sobre as dunas ali existentes ".
Assim, a própria União afirma que não se trata de terreno de marinha, mas de acrescido que,
estando às margens do Rio Tramandaí, porque o mesmo sofre influência das marés, constitui
acrescido de marinha.
Como se vê, a questão primordial para definir o mérito é esta: - segundo a ordem
constitucional, o imóvel do autor, pelo fato de estar próximo das margens do Rio Tramandaí
- 3 quadras - e porque a União entende que o mesmo está situado em aterro feito para a
84
fixação da barra, pode ser considerado acrescido de marinha, pelo simples fato deste rio
sofrer influência da maré, porque um Decreto-Lei não recepcionado pela nova Carta Política
assim determina?
Evidentemente, não podemos interpretar as normas da Magna Carta buscando o oposto do
que os constituintes visavam.
No caso, é evidente que o domínio dos Estados constitui uma conquista destes frente à
descentralização do poder após a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e,
depois, expressamente. Em decorrência, segundo o mais elementar princípio de
hermenêutica, o que a Constituição fixa expressamente, valendo o dispositivo por si só, por
ser auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei regulamentadora, não pode ser ampliado
nem restringido, muito menos por um Decreto-Lei.
Para não mais me alongar sobre tais aspectos, peço permissão para transcrever trechos do
Parecer do insigne Ex-Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Dr. CID HEÁCLITO DE
QUEIROZ, publicado no Diário Oficial da União em 23.9.82, págs. 17927 a 17933, que trata
do domínio dos Estados sobre os rios que neles têm a sua nascente e foz, o qual se encontra
nos autos.
Sinalo que a matéria é de ordem constitucional, e referido Parecer foi aprovado pelo
Consultor-Geral da República, Dr. PAULO CEZAR CATALDO, após manifestação do
Secretário do Meio-Ambiente, do Diretor Geral do Serviço do Patrimônio da União, da
Consultoria Jurídica do Ministério do Interior e do Procurador do Ministério da Fazenda,
Dr. IGNÁCIO LOYOLA COSTA.
"Desejo deixar bem claro neste processo ( nº 15466-79) que considero grave erro considerar
como federais todos os rios que deságuam no Oceano. Se fosse essa a intenção do
Constituinte, outra teria sido a redação do art. 5º da Constituição Federal. No entanto, há
pessoas que afirmam que esses rios são federais porque, antes de chegar ao Oceano, passam
por uma faixa de 30 metros da União (terrenos de marinha), é ilógico aceitar a interpretação
que um rio, às vezes com centenas de quilômetros dentro de um Estado, seja considerado
federal só por causa de insignificantes 30 metros. Essa interpretação é uma manifestação
exagerada de centralismo, totalmente contrária ao nosso espírito federalista."
...........................................................................................................
"3. Apesar de parecer claro que os rios que têm nascente e foz num mesmo Estado a ele
pertencem, veio a ser defendido ponto de vista segundo o qual se o rio desaguar no oceano,
isto é, se sua foz se situar no mar territorial, passaria ele a ter condição federal, posto que
também o 'mar territorial' se inclui, pela Constituição, entre os bens da União (art. 4º,inciso
VI).
4. Surgiu, ademais, a observação de que, atravessando o rio a faixa constituída de terrenos
de marinha e acrescidos - que se estende ao longo de todo o litoral do país (igualmente de
propriedade da União) - mais essa razão militaria em favor da propriedade federal.
5. Não obstante o brilho das opiniões em contrário, manifesta-se este Serviço pelo não
acolhimento dessa interpretação do ditame constitucional. Quisesse realmente o legislador
estender o caráter federal a todos os rios de deságuam no oceano, por certo teria usado
redação condizente com esse desiderato. Da forma, entretanto, como se referiu às expressões
'nascente' e 'foz', parece, data vênia, inequívoco o seu propósito de conceituar tal espécie
como de propriedade estadual."
6. Vale, a respeito, transcrever os seguintes tópicos do bem lançado parecer da lavra do
Assessor Jurídico Antônio Inagê do Assis Oliveira, Da Fundação Estadual de Engenharia do
Meio Ambiente (fls. 18/21):
85
'Se foz é conceituada como ponto onde termina o acidente geográfico, a partir do qual se
inicia outro, não há como concluir-se que ela se localiza no outro acidente, ou seja, no 'mar
territorial'. É curial que foz é exatamente o limite entre um acidente e outro. Portanto, se não
pode, por definição, localizar-se no mar territorial, é lógico concluir-se que está no território
estadual.'
.............................................................................................................
"Jurídicas e judiciosas se afiguram as considerações constantes dos Pareceres incorporados
a este processo contrariando as teses de que 'os rios que nascem e percorrem o interior de
um só Estado, desaguando no Oceano, devem ser considerados federais, visto terem sua foz
no mar territorial', ou de que a 'União poderá considerar de sua propriedade uma parcela do
rio estadual, pois, quando as águas do rio alcançarem a extensão que lhes pertence (terrenos
de marinha), estará percorrendo terrenos de seu domínio, e em conseqüência disso, essa
parte lhe pertence, pelo próprio texto constitucional'.
Com efeito, o exame dos dispositivos constantes das Cartas de 1891, 1934, 1937 e 1946, no
atinente aos bens da União e dos Estados demonstram, cristalinamente, que foi nesta última
que se revelou o propósito do legislador constituinte de discriminar expressamente, ainda
que de forma não exaustiva, os rios que se incluiriam entre os bens dos Estados, objetivo que
anteriormente era atingido por via de exclusão, com a menção apenas dos rios considerados
federais."
...........................................................................................................
"Se a inclusão da norma 'teve por escopo definir direito até então reconhecido apenas por
exclusão, será ilógico que se atribua a essa disposição sentido exatamente contrário', como
bem acentuou a douta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Não seria, na verdade a
melhor técnica de interpretação aquela que acarretasse tornar sem objeto o mandamento
constitucional, pois, na prática, equivaleria a tornar inexistentes os rios estaduais."
............................................................................................................
"Com efeito, a controvérsia tem solução, desde que, segundo as lições da Hermenêutica, seja
afastada a exegese meramente literal, que induz o intérprete a conclusões absurdas, tais
como a de inexistência de rios estaduais ou de que não constituiriam bens dos Estados os
lagos circundados por propriedades privadas.
Cumpre ao exegeta buscar o escopo dos preceitos constitucionais.
Dessa forma, evidencia-se que o fim colimado pelo art. 5º da Constituição foi o de incluir,
efetivamente, no patrimônio dos Estados Federados, determinados lagos e rios, estes desde
que tenham a nascente e a foz geograficamente situadas em seu território, isto é, nos limites
geográficos da unidade federada, independentemente de as águas fluviais desaguarem aqui
ou acolá e os terrenos marginais serem propriedade de A ou de B."
Em conclusão, desde que não estejam situados totalmente em terrenos do domínio da União,
não banhem mais de um Estado nem constituam limite com outros países, os rios que tenham
nascente e foz localizados nos limites geográficos do mesmo Estado ou Território incluem-se
entre os bens dessas unidades federadas, ainda que deságüemno Oceano."
Utilizando-me de tais argumentos como razões de decidir, dispensável maior
aprofundamento sobre o tema jurídico, frente à realidade dos fatos e à previsão legislativa já
declinadas."
Por esses fundamentos, deve prevalecer o voto vencido.
86
Prequestionamento
O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido pelas
razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que deixo de aplicar os
dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até
aqui foi declinado, considerando-se aqui transcritos todos os artigos da Constituição e/ou de
lei referidos pelas partes.
Em face do exposto, dou provimento aos embargos infringentes.
É como voto.
Des. Federal Silvia Goraieb
Relatora
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EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS
RELATORA
: Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB
EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO
ADVOGADO
: Luiz Carlos Kremer e outros
EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
: Procuradoria-Regional da União
VOTO DIVERGENTE
Peço vênia para divergir do entendimento manifestado pela eminente Relatora,
o que faço mediante a adoção da posição por mim já manifestada perante a 4ª Turma quando
do julgamento deste processo, conforme as razões a seguir transcritas, verbis:
"Peço vênia para divergir do E. Relator, tendo em linha de consideração que o Superior
Tribunal de Justiça vem reformando nossas decisões.
O imóvel da parte autora fica localizado na Praia do Imbé, na Rua Taquara, na área do
antigo braço morto do Rio Tramandaí.
87
É de se ressaltar que o fato do imóvel objeto da cobrança estar, bem ou mal registrado no
Registro de Imóveis - e digo bem ou mal porque os ditos terrenos originaram-se da aquisição
por usucapião intentada pelo Município de Osório em 1956, contra herdeiros de João
Bernardes dos Santos, cujo acórdão transitado em julgado excluiu os terrenos de marinha,
condição não observada quando do registro dos limites das terras adquiridas - não tem o
condão de afastar a cobrança em questão, pois a transcrição do título no registro de imóveis
tem presunção 'juris tantum' e é inoponível à União, que possui o domínio dos terrenos de
marinha por força de disposição constitucional, independentemente do registro.
Da celeuma instalada em torno destes imóveis, por parte do Superior Tribunal de Justiça, o
que tem sido mantida naquele Pretório é a legalidade do processo demarcatório, mesmo
tendo se baseado em vetusto ordenamento, o Decreto-Lei 9.760/46, este que também remete a
linha de preamar média de 1831.
Não desconheço as divergências acerca da matéria, tanto que votei em sentido contrário do
juízo que ora faço, no exame dos embargos infringentes 97.04.41363-7, julgado na Segunda
Seção, em 13 de junho de 2001.
Mas, se o Superior Tribunal de Justiça legitima a demarcação, com base no dito Decreto-Lei,
que em seu art. 2º, estabeleceu o suporte fático da incidência da taxa de ocupação, definindo
os terrenos de marinha como sendo os existentes "em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros medidos horizontamente, para a parte da terra da linha do preamar médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se
faça sentir a influência das marés", de acordo com inúmeros estudos já realizados, há que ser
mantida a sentença.
Ademais, não seria viável a impugnação ao procedimento de demarcação, inclusive quanto à
delimitação da posição da linha do preamar de 1831, por encontrar-se acobertado pela
prescrição, considerando que o procedimento começara por volta de 1971 e terminara em
1974.
Veja-se a respeito, os seguintes julgados:
"Processual civil e administrativo. Recursos especiais. Terrenos de marinha e acrescidos.
Taxa de ocupação. Alegada violação dos arts. 458, iii, 535, i e ii, 82, iii, e 246, do cpc. Nãoocorrência. Processo administrativo de demarcação. Fixação da linha preamar média de
1831. Convocação dos interessados. Citação pessoal e editalícia (decreto-lei 9.760/46, art.
11). Distinção. Qualificação dos imóveis como terrenos de marinha. Reexame de fatos e
provas. Impossibilidade (súmula 7/stj). Identificação de bens: demarcação e discriminação.
Registro imobiliário: presunção relativa do direito de propriedade. Divergência
jurisprudencial (súmula 83/stj). Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.
(...) 4. A demarcação dos terrenos de marinha não se confunde com a discriminação de terras
da União, pois constituem processos diversos de identificação de bens, cada qual com
disciplina normativa própria (Decreto-Lei 9.760/46, Título I, Capítulo II, Seções II e IV). 5. A
citação dos interessados no procedimento demarcatório de terrenos de marinha e acrescidos,
sempre que identificados e certo o domicílio, deverá realizar-se pessoalmente. Somente no
caso de existirem interessados incertos poder-se-á realizar a convocação editalícia (DecretoLei 9.760/46, art. 11). 6. As instâncias ordinárias reconheceram que os recorrentes
adquiriram os imóveis depois de inaugurado o procedimento demarcatório. Por isso, a
citação por edital foi legal e legítima. 7. O registro do título translativo no cartório de
imóveis não gera presunção absoluta do direito real de propriedade, mas relativa, vale dizer,
admite prova em sentido contrário (CC/1916, art. 527; CC/2002, art. 1.231). 8. As alienações
realizadas pelo Município de Osório/RS, sem observar os limites objetivos da sentença
proferida na ação de usucapião - que ressalvou, expressamente, os terrenos de marinha e
acrescidos -, são nulas de pleno direito. Logo, os títulos de domínio privado são inoponíveis à
88
União, cuja titularidade, conferida por lei, tem natureza originária. 9. "Não se conhece do
recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo
sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ). 10. Recursos especiais parcialmente
conhecidos e, nessa parte, desprovidos." (REsp 466.500/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 03.04.2006 p. 227) (grifos intencionais)
"ADMINISTRATIVO - TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS - ÁREA DO ANTIGO
"BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ - IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DA UNIÃO
AFORADOS POR MUNICÍPIO A PARTICULARES - DECRETO-LEI 9.760/46 - EFEITOS
DO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO SOBRE TÍTULOS DE PROPRIEDADE E DE
AFORAMENTO REGISTRADOS - TAXA DE OCUPAÇÃO - MEDIDA CAUTELAR. 1.
Aplicação parcial da Súmula 283/STF porque inatacado o fundamento do acórdão recorrido
no sentido de que a impugnação ao procedimento de demarcação, inclusive quanto à
delimitação da posição da linha do preamar de 1831, encontra-se acobertado pela
prescrição. 2. Impossibilidade de reexame do contexto fático-probatório referente à assertiva
de estarem os imóveis localizados dentro das áreas de propriedade da União, por força da
Súmula 7/STJ. 3. Deficiente a fundamentação do recurso especial na parte em que suscita
vício de julgamento no acórdão de origem, tendo aplicabilidade o teor da Súmula 284/STF.
4. Conflito aparente entre as normas do Decreto-lei 9.760/46, do Código Civil Brasileiro de
1916 e da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) que se resolve pela aplicação da regra do
art. 2º, § 2º, da LICC. 5. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do BrasilColônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no
Decreto-lei 9.760/46. 6. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz
efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas. 7. Em
relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de 1916 como o novo
Código de 2002 adotaram o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao
domínio, admitindo prova em contrário. 8. Não tem validade qualquer título de propriedade
outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha
ou acrescido. 9. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a
anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o
procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos
administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
10. A presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante o ônus da prova
de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha. 11. Legitimidade da cobrança
de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela
outorgado. 12. Ausência de fumus boni juris. 13. Recurso especial parcialmente conhecido e,
no mérito, improvido. (REsp 624.746/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 15.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 180) (grifos intencionais).
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial, para
julgar improcedente a ação, invertidos os ônus sucumbenciais.
É o voto." (fl. 514-5).
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.
É o voto.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
89
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/11/2009
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS
ORIGEM: RS 200371000458757
RELATOR
: Des. Federal SILVIA GORAIEB
PRESIDENTE : Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro
PROCURADOR : Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni
EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO
ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros
EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/11/2009, na
seqüência 13, disponibilizada noDE de 29/10/2009, da qual foi intimado(a) UNIÃO
FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS
FEDERAIS.
Certifico que o(a) 2ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
RETIRADO DE PAUTA.
Fádia Gonzalez Zanini
Diretora de Secretaria
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/12/2009
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS
ORIGEM: RS 200371000458757
90
RELATOR
: Des. Federal SILVIA GORAIEB
PRESIDENTE : Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro
PROCURADOR : Dr. Marcos Vinicius Aguiar Macedo
SUSTENTAÇÃO
ORAL
: Dr. Luiz Carlos Kremer, pela embargante
EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO
ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros
EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/12/2009, na
seqüência 14, disponibilizada no DE de 26/11/2009, da qual foi intimado(a) UNIÃO
FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais
PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 2ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A SEÇÃO, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AOS
EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDOS A RELATORA E O DES. FEDERAL
VALDEMAR CAPELETTI. LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL MARGA INGE
BARTH TESSLER.
RELATOR
ACÓRDÃO
VOTANTE(S)
: Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
:
:
:
:
:
:
Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
Juiz Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS
Des. Federal SILVIA GORAIEB
Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI
Fádia Gonzalez Zanini
Diretora de Secretaria
91
ANEXO D – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.041958-3/RS
RELATOR
:
AGRAVANTE :
ADVOGADO :
AGRAVADO
:
ADVOGADO :
INTERESSADO :
:
:
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
UNIÃO FEDERAL
Luis Antonio Alcoba de Freitas
LUIZ ANTONIO DA SILVA RAMOS e outro
Joao Batista Comparsi Neto
SUCESSAO DE ZULMIRA FARIAS GOULART
CHEILA ESTER BARAZZUTTI DE AZEVEDO
CHIRLEY LAINE BARAZZUTTI AYRES
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação de usucapião,
declarou que o imóvel objeto da lide não é bem da União por não ser considerado terreno de
marinha ou acrescido em relação ao Rio Tramandaí.
Sustenta a agravante que os documentos trazidos aos autos corroboram que a
área constitui terreno de marinha e, portanto, é bem da União. Aduz que a atual distância da
orla marítima não conduz à conclusão de que o imóvel não é terreno de marinha e que para
caracterizá-lo como bem público federal basta que a área fique à margem de qualquer rio do
país, seja ele estadual ou federal. Requer efeito suspensivo.
Brevemente relatado, decido.
O cerne da presente demanda é saber se a área objeto da ação de usucapião é
ou não terreno de marinha. Tenho que, na hipótese em debate, devem ser lembrados os
fundamentos utilizados pela Eminente Desembargadora Federal Sílvia Gonçalves Goraieb, no
julgamento da AC nº 96.04.43009-2/RS, conforme os excertos que pela pertinência passo a
transcrever:
"...
Inicialmente, devemos partir da localização do Rio Tramandaí, para estabelecer a quem
pertence e saber se o terreno que o autor diz ser de sua propriedade é ou não terreno de
marinha.
Possui referido rio nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com
outro estado e nem se estende a outro território.
Tais elementos estão definitivamente fixados no laudo pericial.
A partir de tais conclusões, temos certo que pertence ele ao Estado, por força da
Constituição Federal.
Com efeito, segundo evolução bem traçada no recurso, antes da Carta política de 1891, os
rios eram todos do domínio da Coroa, passando depois, por força das alterações que
sobrevieram, ao domínio tanto da União como dos Estados.
As Constituições de 1934 e 1937 passaram a fixar o domínio da União, excluindo os rios que
não se enquadrassem nas especificações próprias, sendo que a Carta de 1946, conceituou os
92
rios do domínio dos Estados, o que foi seguido em 1967, Emenda Constitucional n° 1 de 1969
e a de n° 16, de 1980.
Assim, já em 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos expressamente, eis que
antes eram assegurados somente por exclusão.
Vencida esta digressão de ordem constitucional, é necessário avançar na análise que vai
fixar a natureza do domínio, frente à localização do terreno.
Não se pode esquecer que a definição do domínio dos Estados não está condicionada a
considerações outras que não aquelas expressamente previstas.
Com efeito, não se há de pretender alterar o domínio por fatores totalmente desvinculados da
previsão legislativa, ou seja, não se pode chegar à afirmação de que os rios que tenham
nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União pelo
simples fato de desaguar no oceano.
Aliás, tal hipótese implicaria em fixar o domínio federal por estar o rio desaguando no mar
territorial ou atravessar terrenos de marinha e acrescidos.
Aliás, foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do
oceano.
Ocorre que o Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, editado pouco antes da Constituição de 1946,
conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde
se faça sentir a influência das marés.
Ora, nem a Carta de 37 admitia tal restrição que levaria ao absurdo de extinguir o domínio
dos Estados sobre seus rios que deságuam no mar.
E como foi magistralmente enfocado na apelação, a Constituição de 46, bem como as
alterações subseqüentes, não recepcionaram tal impropriedade.
Tal conclusão tanto mais se impõe se considerarmos que o texto legal não pode afrontar
disposição constitucional, e o art. 25 das Disposições Transitórias da atual Carta Política
revogou, definitivamente, os Decretos-Leis que consubstanciassem delegação do Congresso
ao Poder Executivo em matéria de sua competência exclusiva, tal como legislar sobre bens
do patrimônio da União, desde que não prorrogados por lei em tempo hábil.
Assim, resulta certo que nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator
determinante do domínio. Portanto, a conclusão sobre o domínio da União sobre terrenos
marginais de rio estadual só porque este sofre os efeitos da maré é totalmente despida de
conteúdo legal e técnico, pois todos os rios estaduais que chegam ao mar passariam a ser da
União, o que não corresponde à previsão constitucional e a intenção dos constituintes...."
Aliás, este é o entendimento que vem sendo adotado por esta Corte de Justiça
em casos que tais:
"ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. TERRENOS DE MARINHA. TAXA DE
OCUPAÇÃO. RIO TRAMANDAÍ.
Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo
limite como outro Estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado,
por força da Constituição Federal.
A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não
aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da
previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um
determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no
oceano.
“Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano".
(AC nº 2006.71.00.021834-6/RS, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, DE 19/06/2007)
93
"ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. IMÓVEIS NÃO PERTENCENTES À
UNIÃO. PROPRIEDADES PRIVADAS. TAXA DE OCUPAÇÃO. INSCRIÇÃO NO
CADASTRO DE INADIMPLENTES. INCABIMENTO.
“A matéria acerca das propriedades privadas localizadas à margem do rio Tramandaí já foi
objeto de minuciosa análise pela 2ª Seção deste Tribunal, no sentido de que os imóveis dos
autores não pertencem à União, razão pela qual não é devida a taxa de ocupação".
(AI nº 2007.04.00.004138-0/RS, Rel. Juiz Márcio Antônio Rocha, DE 24/04/2007)
"ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO E ACRESCIDOS DE MARINHA .
PRECEDENTES DA CORTE.
1. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo
limite com outro Estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por
força da Constituição Federal.
2. A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não
aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da
previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um
determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no
oceano.
3. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano.
4. A Constituição de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram a impropriedade
do decreto-lei 9.760/46, no que conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas
margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, resultando certo
que nenhum texto constitucional tratou de estabelecer tal fenômeno determinante do domínio.
5. Se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passam
eles também ao seu domínio, e a União não pode considerar-se dona das margens que não
lhe pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio.
6. O domínio dos Estados constitui conquista destes frente à descentralização do poder após
a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e, depois, de forma expressa.
7. O que a Constituição fixa em dispositivo auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei
regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido, muito menos por um decreto-lei.
8. Prejudicado o pedido de compensação tributária formulado pela apelante, pois a taxa de
ocupação tem natureza administrativa e não tributária.
9. Apelação parcialmente provida, na medida do julgamento do agravo de instrumento nº
2004.04.01.011436-6".
(AC nº 2003.71.00.073691-5/RS, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DE
19/04/2007).
"ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENODE MARINHA E ACRESCIDOS RIO TRAMANDAÍ . BEM DE DOMÍNIO ESTADUAL. DECRETO-LEI Nº 9.760/46 - NÃORECEPÇÃO. NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
1. O rio Tramandaí possui nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do Sul, a este
pertencendo seu domínio.
2. Havendo acréscimos às margens do rio Tramandaí, em decorrência de aterro
artificialmente colocado, os terrenos de aí oriundos também pertencem ao domínio do Estado
do Rio Grande do Sul.
3. O Decreto-Lei nº 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições posteriores a de 1946,
não havendo na atual Carta Magna de 1988 qualquer definição a respeito de terreno de
marinha e seus acrescidos, certo que a influência das marés não é mais indicada a
caracterizar o imóvel como tal.
94
4. Os atos administrativos que visam à cobrança de taxa de ocupação restam anulados
presente o desaparecimento da fato gerador de referida cobrança, qual seja, ocupação de
terreno de marinha" .
(AC nº 96.04.55312-7/RS, Rel. p/ acórdão Des. Fed. Amaury Chaves de Athayde, DJU
26/07/2006)
"ADMINISTRATIVO. TERRENOS E ACRESCIDOS DE MARINHA . TAXA DE OCUPAÇÃO.
INCABIMENTO. ÁREA DE DOMÍNIO ESTADUAL. DESCENTRALIZAÇÃO.
O deságüe da foz de um rio no mar não é condição que determina ser o rio de domínio da
União, por falta de previsão legal que assim estabeleça.
O Rio Tramandaí pertence ao estado do Rio Grande do Sul por ter nascente e foz no citado
estado-federado e não se estender a outro território. Os acrescidos, naturais ou não, à
margem de rio estadual são acrescidos estaduais não importando qual ente assentou a sua
barra.
As Constituições Federais, desde 1946, não recepcionaram o DL 9.760/46 no que concerne a
conceituação como terreno de marinha daqueles marginais a rios e lagoas que não se
sujeitam à influência das marés. O domínio estadual é decorrência da descentralização
crescente desde a proclamação da república, sendo expressa na atual legislação vigente. As
disposições auto-aplicáveis da CF/88 não podem ser ampliadas ou restringidas por
regulamentação infraconstitucional, a menos que a própria carta assim ressalve ou remeta à
lei ordinária.
Reputam-se nulos os atos administrativos de inscrição, lançamento e cobrança de taxa de
Ocupação relativa aos imóveis descritos na inicial, por não se tratar de terrenos de marinha ,
sendo indevida a exação. Via de conseqüência é de ser extinta a execução fiscal a eles
referente.
Providas as apelações interpostas na ação ordinária e nos embargos à execução".
(AC nº 1999.71.00.014738-2/RS, Rel. Des. Fed. Edgard Lippmann Junior, DJU 22/11/2006)
Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo pleiteado.
Comunique-se ao MM. Juízo a quo.
Intime-se a parte agravada para resposta.
Porto Alegre, 12 de maio de 2008.
Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
Relator
95
ANEXO E – APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS
RELATOR
:
REL. ACÓRDÃO :
APELANTE
:
ADVOGADO
:
APELADOS
:
ADVOGADOS :
:
APELADOS
:
ADVOGADOS :
:
APELADO
:
ADVOGADOS :
REMETENTE
:
SR. DES. FEDERAL JOSÉ GERMANO DA SILVA
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
UNIÃO
Simone Anacleto Lopes
ALÍCIO LOTHÁRIO LOTH e outros
Ivo Gabriel Correa da Cunha e outro
Marcia Eliz Endres
CLÉO ROSSI e outros
Luiz Carlos Kremer
Claudio Pedro Endres
LAURO JOSÉ MARTINS FILHO
Adriano Kalfelz Martins e outro
MM. JUÍZO DA 6ª VF DE PORTO ALEGRE
EMENTA
ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENODE MARINHA E
ACRESCIDOS - RIO TRAMANDAÍ. BEM DE DOMÍNIO ESTADUAL. DECRETOLEI Nº 9.760/46 - NÃO-RECEPÇÃO. NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
1. O rio Tramandaí possui nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do
Sul, a este pertencendo seu domínio.
2. Havendo acréscimos às margens do rio Tramandaí, em decorrência de aterro
artificialmente colocado, os terrenos de aí oriundos também pertencem ao domínio do Estado
do Rio Grande do Sul.
3. O Decreto-Lei nº 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições
posteriores a de 1946, não havendo na atual Carta Magna de 1988 qualquer definição a
respeito de terreno de marinha e seus acrescidos, certo que a influência das marés não é mais
indicada a caracterizar o imóvel como tal.
4. Os atos administrativos que visam à cobrança de taxa de ocupação restam
anulados presente o desaparecimento da fato gerador de referida cobrança, qual seja,
ocupação de terreno de marinha.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar as
preliminares, e no mérito, por maioria, vencido o Relator, negar provimento ao recurso e à
remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de junho de 2001.
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator para o acórdão
96
APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS
RELATOR
: SR. DES. FEDERAL JOSÉ GERMANO DA SILVA
APELANTE : UNIÃO
ADVOGADO : Simone Anacleto Lopes
APELADOS : ALÍCIO LOTHÁRIO LOTH e outros
ADVOGADOS : Ivo Gabriel Correa da Cunha e outro
: Marcia Eliz Endres
APELADOS : CLÉO ROSSI e outros
ADVOGADOS : Luiz Carlos Kremer
: Claudio Pedro Endres
APELADO
: LAURO JOSÉ MARTINS FILHO
ADVOGADOS : Adriano Kalfelz Martins e outro
REMETENTE : MM. JUÍZO DA 6ª VF DE PORTO ALEGRE
VOTO DIVERGENTE
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE:
Acompanho o eminente Relator quanto ao afastamento das preliminares
argüidas, dizendo com a nulidade da v. sentença prolatada e a prescrição. Peço vênia, no
entanto, para divergir em relação ao mérito da ação. Confiro.
Os autores, ora apelados, objetivam a declaração de nulidade dos atos
administrativos que digam com a cobrança da taxa de ocupação sobre seus imóveis, situados
nas margens do rio Tramandaí, por estarem localizados em terreno de marinha.
A pretensão do ente político está em cobrar a taxa de ocupação, uma vez que os
imóveis discriminados na inicial, segundo sua tese, encontram-se localizados dentro da
especificação trazida pelo Decreto-lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, sendo terrenos
atualmente situados em aterros no denominado "Braço Morto", de Imbé/RS, onde
anteriormente passava o leito antigo do rio, enquadrando-se, pois, na acepção de acrescidos de
terrenos de marinha.
Assim fixado, prossigo.
Bem andou o MM. Juízo da causa ao julgar procedente a pretensão dos autores
fundamentando seu entendimento na não-recepção do Decreto-Lei nº 9.760/46, no tocante à
conceituação de terrenos de marinha à beira dos rios, frente a atual Constituição Federal, que
é lacunosa na conceituação do que sejam terrenos de marinha. Aos fundamentos já esposados
pelo Douto Magistrado, vale acrescer O rio Tramandaí tem sua nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do
Sul, não banhando mais de um Estado ou Território, tampouco fazendo limite com outro país,
ou ainda, se estendendo ou provendo de outro território estrangeiro, caso em que,
97
automaticamente, seria enquadrado como pertencente ao domínio da UNIÃO (CF, art. 20,
III).
Afora a especificação a respeito dos rios, a atual Carta Magna, também indica
como sendo de propriedade da UNIÃO, os terrenos de marinha e seus acrescidos. Ocorre que,
a mesma Carta, deixa em aberto qualquer conceituação de terrenos de marinha e acrescidos,
exceto, quando, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, artigo 49, § 3º,
indica os terrenos de marinha, aos fins de aplicação da enfiteuse, como os situados na faixa de
segurança, a partir da orla marítima.
Sendo o rio Tramandaí, um rio cujo domínio pertence ao Estado do Rio Grande
do Sul, os terrenos a sua margem ao mesmo estado pertencem, pois, o fato de ter a foz
desaguando no oceano, não o faz constituir patrimônio da UNIÃO. Ademais, nenhum texto
constitucional depois da edição do Decreto-Lei que conceitua terreno de marinha,
recepcionou a indicação da influência das marés a modo de conceituar o instituto. Logo, os
imóveis questionados não são terrenos de marinha e, tampouco, via de conseqüência, constitui
sua utilização fato gerador para pagamento da taxa de ocupação.
Na esteira desse entendimento, vale referir r. precedente desta Turma, da ilustre
Relatora Juíza SILVIA GORAIEB, que bem expõe em situação símile (AC nº 94.04.553972/RS, maioria, DJU-II 22/07/1998) ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO E ACRESCIDO DE MARINHA.
RIO TRAMANDAÍ. NASCENTE E FOZ NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TÍTULO
TRANSCRITO NO REGISTRO DE IMÓVEIS.
Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo
limite com outro estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por
força da Constituição Federal.
A definição do domínio dos estados não está condicionada a considerações outras que não
aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da
previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um
determinado estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no
oceano.
Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do oceano.
A Constituição de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram a impropriedade do
Del-9760/46, no que conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos
rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, resultando certo que nenhum
texto constitucional tratou de estabelecer tal fenômeno determinante do domínio.
Se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passam eles
também ao seu domínio e a União não pode considerar-se dona das margens que não lhe
pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio.
O domínio dos estados constitui conquista destes frente à descentralização do poder após a
República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e, depois, de forma expressa.
O que a Constituição fixa em dispositivo auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei
regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido, muito menos por um decreto-lei.
Entendimento embasado em Parecer do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado
pelo Consultor-Geral da República, após manifestação do Secretário do Meio-Ambiente, do
Diretor-Geral do Serviço do Patrimônio da União, da Consultoria do Ministério do Interior e
do Procurador do Ministério da Fazenda, que afastam a tese consubstanciada na sentença.
98
Procedência da ação decretada, mediante a declaração de nulidade dos atos administrativos
que impliquem em inscrição, lançamento e cobrança, relativos à taxa de ocupação sobre o
imóvel descrito na inicial.
Sucumbência fixada na esteira dos precedentes da Turma.
Apelação provida.
ANTE O EXPOSTO
Nego provimento à apelação e à remessa oficial.
É como voto.
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator para Acórdão
99
ANEXO F – RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : HELENA HEIDRICH E OUTROS
ADVOGADO : CLARISSA WRUCK SILVA E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Trata-se de Recurso Especial interposto,
com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim
ementado: ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. TERRENOS DE MARINHA. TAXA
DE OCUPAÇÃO. RIO TRAMANDAÍ. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado
do Rio Grande do Sul, não fazendo limite como outro Estado e nem se estendendo até outro
território, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal.
A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não
aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da
previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um
determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no
oceano.
Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano.
A Fazenda Nacional sustenta ter ocorrido violação do art. 1º do Decreto 20.910/1932; dos
arts. 2º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14 do Decreto-Lei 9.760/1946; e dos arts. 212, 214, 216 e 237 da
Lei 6.015/1973. Alega, em suma:
a) "o pressuposto para o não pagamento da taxa de ocupação é o reconhecimento da ineficácia
da demarcação efetuada. Mas essa já não poderia ser atacada, eis que prescrito tal direito" (fl.
583);
b) "nas demarcações da LPM de 1831, nas cidades de Tramandaí e praia de Imbé foram
seguidos os ritos administrativos previstos na legislação e normas orientadoras, quais sejam,
Capítulo II, Seção II, do DL 9760/46, artigos 9º a 14" (fl. 585);
c) "não tem qualquer respaldo quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de
marinha e seus acrescidos, salvo quando originadas em título Documento: 7489159 RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 9
Superior Tribunal de Justiça outorgado pela União Federal" (fl. 588).
As contrarrazões foram apresentadas (fls. 596 - 612).
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do Recurso
(fls. 618-625).
É o relatório.
Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 9
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0)
VOTO
100
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuidam os autos de Ação
Declaratória de nulidade dos atos administrativos da Secretaria do Patrimônio da União –
SPU que importaram na inscrição de vários imóveis situados nas margens do Rio Tramandaí,
na praia de Imbé/RS, como terrenos de marinha e acrescidos, bem como na cobrança de taxa
de ocupação.
Preliminarmente, é de rigor rejeitar a preliminar de prescrição, porquanto, segundo o acórdão
recorrido, inexiste nos autos demonstração do momento efetivo em que os autores tiveram
ciência da realização do procedimento demarcatório. Além disso, entre a data de ajuizamento
da demanda, em 16.6.2004, e a do lançamento da taxa de ocupação e acréscimos, apurados até
30.6.2004, não transcorreu o prazo prescricional quinquenal, previsto no art. 1º do Decreto
20.910/1932.
No mérito, o acórdão impugnado negou provimento ao Recurso de Apelação interposto pela
Fazenda Nacional, confirmando a sentença que julgou procedentes os pedidos aduzidos na
exordial, sob o fundamento de que "o Rio Tramandaí possui nascente e foz no Estado do Rio
Grande do Sul, não fazendo limite com outro Estado e nem se estendendo a outro território.
Assim sendo, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal" (fls. 556-557).
Asseverou, ainda, que, "se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio
estadual, passaram eles também ao domínio do Estado e a União não pode considerar-se dona
das margens que não lhe pertencem" (fl. 577).
Inicialmente, cumpre destacar que, no Direito brasileiro, ao contrário do que ocorre em outros
países, tanto o Código Civil de 1916 como o de 2002 adotaram o sistema de presunção
relativa ou iuris tantum, segundo o qual a transcrição do título no Registro Imobiliário
assegura o domínio, mas admite elisão por meio de prova em contrário.
Além disso, são inoponíveis ao Estado títulos de propriedade referentes a Documento:
7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 9
Superior Tribunal de Justiça
bens que, pela Constituição ou lei, integram o seu domínio. Registrar em Cartório imóvel de
terceiro (pior, se integrante do patrimônio público), em vez de assegurar direito incontestável,
caracteriza violação frontal à legislação, ou mesmo má-fé, pois não se admite que à força
imperativa e inafastável da norma jurídica se oponha ato registrário, que por isso mesmo deve
ser tido por inválido e incapaz de produzir efeitos.
Como se sabe, terrenos de marinha são todos os que, banhados pelas águas do mar ou de rios
navegáveis, em sua foz, vão até a distância de 33 (trinta e três) metros em direção ao
continente, contados horizontalmente a partir da linha do preamar média de 1831, nos termos
do art. 2º, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946.
Por sua vez, terrenos acrescidos são os que se formam com a terra carreada pelo rio, ou de
modo artificial, em seguimento aos terrenos de marinha (art. 3º, do referido diploma legal).
Vale a pena transcrever os mencionados artigos:
Decreto-Lei 9.760/1946:
(...)
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33
(trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da
posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens
dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça
sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das
marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo
101
menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem
formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento
aos terrenos de marinha. Denota-se, dos supratranscritos dispositivos legais, que, mesmo em
se tratando de rio estadual (fato incontroverso), é possível que haja em sua margem áreas que
constituam terrenos de marinha (art. 2º, "a", do Decreto-Lei 9.760/1946). Basta,
para tanto, o preenchimento dos requisitos insertos no art. 2º do citado texto normativo: que
os imóveis estejam situados na faixa de 33 (trinta e três) metros, a Documento: 7489159 RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 9
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contar da linha do preamar médio de 1831, para dentro da terra (art. 2º, caput); e que as áreas
banhadas pelo mar sofram a influência das marés, entendidas como a oscilação periódica de
cinco centímetros, pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano (art.
2º, parágrafo único).
Observa-se, pois, que o fato de o Rio Tramandaí pertencer ao Estado do Rio Grande do Sul
não tem o condão de afastar as ponderações da Secretaria do Patrimônio da União, no sentido
de que os imóveis objeto do litígio estão situados em terrenos de marinha e seus acrescidos.
Mister se faz salientar que o Decreto-Lei 9.760/1946 prevê, em seus arts. 9º a 14,
procedimento específico a ser adotado pela SPU na demarcação da linha do preamar médio de
1831, in verbis:
Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para
que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros
esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando. (Redação
dada pela Lei nº 11.481, de 2007)
Art. 12. O edital será afixado na repartição arrecadadora da Fazenda Nacional na localidade, e
publicado por 3 (três) vezes, com intervalos não superiores a 10 (dez) dias, no Diário Oficial,
se se tratar de terrenos situados no Distrito Federal, ou na fôlha que nos Estados ou Territórios
lhes publicar o expediente.
Parágrafo único. Além do disposto no caput deste artigo, o edital deverá ser publicado, pelo
menos 1 (uma) vez, em jornal de grande circulação local. (Incluído pela Lei nº 11.481, de
2007)
Art. 13. De posse dêsses e outros documentos, que se esforçará por obter, e após a realização
dos trabalhos topográficos que se fizerem necessários, o Chefe do órgão local do S. P. U.
determinará a posição da linha em despacho de que, por edital com o prazo de 10 (dez) dias,
dará ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações.
Parágrafo único. Tomando conhecimento das impugnações porventura apresentadas, a
autoridade a que se refere êste artigo reexaminará o assunto, e, se confirmar a sua decisão,
recorrerá ex-offício para o Diretor do S. P. U., sem prejuízo do recurso da parte interessada.
Art. 14. Da decisão proferida pelo Diretor do S. P. U. será dado conhecimento aos
interessados, que, no prazo improrrogável de 20 (vinte) dias contados de sua ciência. poderão
interpor recurso para o C. T. U.
Este Tribunal Superior possui precedente no sentido de que, somente por meio de ação
judicial própria, é possível ao particular descaracterizar os terrenos de Documento: 7489159 RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 9
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marinha e seus acrescidos, discriminados pela Secretaria de Patrimônio da União, com base
no procedimento específico fixado na citada legislação. Confira-se a ementa do referido
acórdão:
102
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO.
1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em
legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial
própria.
2. Cobrança de taxa de ocupação pela União.
3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem
proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul.
4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de
terreno de marinha.
5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse
convencimento. Matéria de prova.
6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no
registro de imóvel tem presunção "juris tantum".
7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel
situado em área considerada como terreno de marinha.
8. Taxa de ocupação devida.
9. Recurso especial improvido.
(REsp 409.303/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO,
PRIMEIRA TURMA, DJ 14/10/2002 p. 197, grifei).
Acresça-se, ainda, que o Recurso Especial 968.241/RS traz a notícia de que o Tribunal a quo
possui julgados que reconhecem que alguns imóveis localizados no "braço morto" do Rio
Tramandaí estão situados em terrenos de marinha e acrescidos. Transcrevo a ementa do
julgado:
ADMINISTRATIVO – TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS – ÁREA DO
ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ – DECRETO-LEI 9.760/46 –
EFEITOS DO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO – TAXA DE OCUPAÇÃO.
1. Ausência de contrariedade aos artigos 131, 458, II e 535 do CPC, pois não subsistem as
omissões detectadas no julgamento do REsp. 579.118/RS, tendo o Tribunal de origem
respondido ponto a ponto e, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas por
força da referida decisão.
2. O recurso especial, em relação aos temas tratados no Documento: 7489159 - RELATÓRIO
E VOTO - Site certificado Página 6 de 9
Superior Tribunal de Justiça
rejulgamento do embargos declaratórios, não se afigura apto a ensejar conhecimento, seja pela
ausência de indicação de dispositivos legais que teriam sido violados quanto às teses de
julgamento extra petita e insuficiência da documentação de fls. 635/716, seja porque, no que
toca as demais questões, embora haja sido mencionado diversos dispositivos, deixou-se de
indicar, com clareza e precisão, em que reside a contrariedade ou negativa de vigência à lei
federal. Incide o óbice da Súmula 284/STF.
3. Conforme abstraído soberanamente pelas instâncias de origem, estão definitivamente
incluídos em área demarcada pela União como de terreno de marinha e de acrescidos de
marinha através de procedimento administrativo. Alterar as conclusões a que chegaram as
instâncias ordinárias demandaria reexame do contexto fático-probatório dos autos, medida
inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ.
4. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens
públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46.
5. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente
declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.
103
6. Em relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de 1916 como o novo
Código de 2002 adotaram o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao
domínio, admitindo prova em contrário.
7. Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel
situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.
8. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros
de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento
administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos:
presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
9. Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos
ocupantes sem título por ela outorgado.
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, improvido.
(REsp 968.241/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe
30/09/2009, grifei).
Vê-se, assim, que existe, ao menos, divergência na instância de origem quanto à existência ou
não de terrenos de marinha na margem do Rio Tramandaí.
Sendo assim, impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que o acórdão
recorrido, ultrapassado o tema da natureza jurídica do Rio Tramandaí, manifeste-se sobre a
regularidade ou não do procedimento demarcatório efetivado pela SPU, que considerou que
os bens objeto do litígio estão situados em Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO Site certificado Página 7 de 9
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terrenos de marinha e seus acrescidos.
Ressalte-se, ademais, que a jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de que a
existência de registro imobiliário em nome de particular é insuficiente para afastar a
presunção de que tais imóveis encontram-se em terrenos de marinha.
Nessa linha, destaco os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – TAXA DE
OCUPAÇÃO DE TERRENO DE
MARINHA – DIREITO DE PROPRIEDADE DA UNIÃO – VIOLAÇÃO DO
ART. 535/CPC NÃO CONFIGURADA.
1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal a quo se pronuncia de modo claro e
suficiente sobre a questão posta nos autos e realiza a prestação jurisdicional de forma
fundamentada.
2. A agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que
alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo
regimental.
3. O STJ assenta que, nas hipóteses em que os imóveis se situam em terrenos da marinha, o
título de domínio particular é inoponível, porquanto propriedade da União.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1066073/RS, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 03/02/2009, grifei).
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE
OCUPAÇÃO. TITULARIDADE.
1. Não há que se falar em omissão ou falta de fundamentação, já que o acórdão atacado foi
claro ao concluir que é incabível, em mandado de segurança, a produção de prova da correção
topográfica da demarcação da área objeto da cobrança da exação e que cumpriria ao
impetrante, e não à União, comprovar a alegada irregularidade no procedimento demarcatório
104
do terreno, o que não ocorreu; sendo assim, não caberia ao Tribunal a quo afirmar "se
agasalhou ou não a demarcação e aprovação da LPM", já que nem sequer
entendeu suficientes as provas apresentadas com a exordial.
2. O acórdão recorrido deixou claro que "o registro não possui presunção iuris et de iure, e
sim iuris tantum, o que permite a elisão de sua eficácia se comprovada a ausência de
legitimidade", bem como ser "inoponível à União os títulos de propriedade do impetrante,
referente a imóveis que sempre esteve sob o domínio daquela" e, ainda, que esse "título, em
verdade, sequer poderia ter sido emitido, na medida em que pretendeu constituir direito de
propriedade sobre imóvel à revelia do verdadeiro detentor de seu domínio".
3. Os terrenos de marinha são bens públicos dominiais. Desse modo, as pretensões dos
particulares sobre eles não podem ser acolhidas, nos termos do art. 198 do Decreto-Lei nº
9.760/46.
Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 8 de 9
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4. É notório que, após a demarcação da linha de preamar e a fixação dos terrenos de marinha,
a propriedade passa ao domínio público e os antigos proprietários passam à condição de
ocupantes, sendo provocados a regularizar a situação mediante pagamento de foro anual pela
utilização do bem.
5. Na hipótese, não há informação ou documento nos autos que afaste a presunção de que os
terrenos de marinha em questão se tratam de bens públicos dominiais, por isso, não pode o
particular pretender isentar-se da cobrança da taxa de ocupação, porquanto este domínio,
frise-se, é da União.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 693.032/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 07/04/2008,
grifei).
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TERRENOS DE
MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO.
1. A existência de registro em cartório de imóveis local em favor de particular não retira da
propriedade da União os terrenos de marinha.
2. Cabe ao ocupante do imóvel a comprovação de que o bem não se situa em área destinada a
terrenos de marinha.
3. Pode a União realizar cobrança de taxa de ocupação de terrenos de marinha após a
conclusão de procedimento demarcatório, sem que, para tanto, ajuíze ação anulatória de
registro de propriedade.
4. Recurso especial provido.
(REsp 550.111/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA,
DJ 25/04/2007 p. 300).
Por tudo isso, dou parcial provimento ao Recurso Especial para anular o acórdão recorrido e
determinar a devolução dos autos ao egrégio Tribunal de origem, a fim de que, superado o
tema acerca da natureza jurídica do Rio Tramandaí, o acórdão aprecie a matéria referente à
regularidade do procedimento demarcatório efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União.
É como voto.
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ANEXO G – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2012.029284-4
Processo: 2012.029284-4 (Acórdão)
Relator: Marcus Tulio Sartorato
Origem: Itajaí
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: 11/09/2012
Juiz Prolator: José Carlos Bernardes dos Santos
Classe: Agravo de Instrumento
Agravo de Instrumento n. 2012.029284-4, de Itajaí
Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato
PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. INTERESSE NO FEITO MANIFESTADO PELA
UNIÃO FEDERAL. IMÓVEL USUCAPIENDO QUE INTERFERE COM TERRAS DE
MARINHA. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL.
EXEGESE DO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA SÚMULA 150 DO
STJ. INTERLOCUTÓRIO MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO.
"Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a
presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (Súmula 150 do
STJ).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2012.029284-4, da
comarca de Itajaí (Vara da F. Púb. E. Fisc. A. do Trab. e Reg. Púb.), em que é agravante
Empreendimentos Imobiliários Praia dos Amores Ltda., e agravada Aifa Regina Zonta:
A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com
voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Saul Steil.
Florianópolis, 11 de setembro de 2012.
Marcus Tulio Sartorato
Relator
RELATÓRIO
Empreendimentos Imobiliários Praia dos Amores Ltda. interpôs agravo de instrumento contra
a decisão judicial proferida pelo MM. Juiz de Direito, Doutor José Carlos Bernardes dos
Santos, que, nos autos da ação de usucapião ajuizada por Aifa Regina Zonta, determinou a
106
remessa dos autos à Justiça Federal após manifestação da União acerca de seu interesse no
feito.
Sustenta a agravante, em suma, que foi determinada a exclusão das terras de marinha da área
usucapienda, devendo a agravada apresentar nova planta do imóvel. Dessa forma, assevera
que o interesse da União se esvaiu, sendo desnecessária a remessa dos autos à Justiça Federal.
Alega, ainda, que o processo deve ser extinto em razão do descumprimento da decisão que
ordenou o recolhimento de caução. Por fim, aduz que não houve comprovação do efetivo
interesse jurídico da União no resultado da demanda.
O pedido de concessão de efeito suspensivo foi negado pelo eminente Des. Subst. Domingos
Paludo (fls. 257/262).
Conquanto intimada, a agravada deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar
contraminuta (certidão de fl. 265).
VOTO
Dispõe o art. 109, inciso I, da Constituição Federal, que compete aos Juízes Federais
processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública forem
interessadas.
No caso, a União demonstrou possuir interesse no imóvel usucapiendo (fl. 235), uma vez que
"a área interfere com terras de marinha". Logo, diante desta manifestação, a competência
para o julgamento da questão é da Justiça Federal, como bem salientou o Magistrado singular.
Nesse sentido, dispõe a Súmula 150 do STJ: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a
existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas
autarquias ou empresas públicas".
Sobre o tema, colhem-se os seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INTERESSE NO FEITO
MANIFESTADO PELA UNIÃO FEDERAL APÓS O JULGAMENTO DA LIDE PELO
MAGISTRADO SINGULAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA
ANALISAR O PEDIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E DA SÚMULA 150 DO STJ. REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO. "Compete à
Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no
processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (Súmula 150 do STJ). (Apelação
Cível n. 2008.009597-9, de Joinville, deste relator).
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DA
LIDE. FORO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL (ART. 95 DO CPC). MANIFESTAÇÃO DE
INTERESSE POR AUTARQUIA FEDERAL. APLICAÇÃO DO ART 109, I, A, DA CF, E
DA SÚMULA N. 150 DO STJ. REMESSA DOS AUTOS À VARA FEDERAL DE
CRICIÚMA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. "Compete à
Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no
processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (Súmula n. 150 do STJ) (Agravo
de Instrumento n. 2011.090879-3, de Santa Rosa do Sul, rel. Des. Jorge Luiz de Borba).
107
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO - UNIÃO FEDERAL MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE NO FEITO - INTERFERÊNCIA DO IMÓVEL
USUCAPIENDO COM TERRENOS DE MARINHA - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
DA JUSTIÇA ESTADUAL - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA SOBRE A QUAL NÃO
INCIDE PRECLUSÃO - ART. 113 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - REMESSA DO
FEITO À JUSTIÇA FEDERAL - MEDIDA QUE SE IMPÕE - DECISÃO MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. "É cediço que a competência em discussão na presente lide é
absoluta, pois em razão da matéria tratada na demanda, sua observância pode e deve ser
reconhecida de ofício pelo magistrado, constituindo questão de ordem pública, em razão de
preservar interesse da mesma ordem. Sabendo-se do caráter público da competência em
razão da matéria é de se afirmar que sobre tal questão não incide preclusão pro iudicato, já
que o Código de Processo Civil admite que sejam apreciadas a qualquer tempo e grau de
jurisdição." (AI n. 2005.023594-5 - Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz) "Tendo a União
manifestado interesse na causa, sob o fundamento de constituir o imóvel usucapiendo
"terreno de marinha", impõe-se a anulação do processo e a remessa dos autos à Justiça
Federal." (AC n. 2008.029115-5 - Rel. Newton Trisotto) (Agravo de Instrumento n.
2010.074782-4, de Palhoça, rel. Des. Cid Goulart).
Destarte, somente a Justiça Federal pode avaliar o efetivo interesse jurídico da União no
presente feito. Aliás, a competência para o julgamento da presente lide deve ser fixada antes
de qualquer outra decisão a ser tomada no processo, razão pela qual não podem ser alvo de
análise neste momento as demais teses suscitadas pela agravante.
Ante o exposto, vota-se pelo desprovimento do recurso.
Gabinete Des. Marcus Tulio Sartorato
108
ANEXO H – CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 27.558 - SP (1999/0087627-0)
RELATOR: MINISTRO CASTRO FILHO
AUTOR: JOANNA MOTTA FERREIRA E OUTROS
ADVOGADO: JOSÉ COSTA DE AZEVEDO
RÉU: UNIÃO
SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DE
SÃO PAULO - SP
SUSCITADO: JUÍZO FEDERAL DA 3A VARA CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO
ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL.
AÇÃO DE USUCAPIÃO.
INTERESSE DA UNIÃO RECONHECIDO PELA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA
150/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
I – É pacífica a orientação jurisprudencial consolidada no âmbito desta Corte, no sentido de
competir à Justiça Federal decidir sobre o interesse da União, entidade autárquica ou empresa
pública federal no processo (Súmula 150/STJ). Uma vez reconhecido o interesse da União no
feito, deverá a ação ter prosseguimento perante o juízo federal.
II - No presente caso, foi proferida decisão por juiz federal, afastando o interesse da União na
causa, a qual veio a ser reformada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no
julgamento de agravo de instrumento.
III – Logo, não existe incompatibilidade entre o referido julgado e o acórdão proferido por
esta Corte, ao julgar conflito de competência que lhe precedeu, o qual foi expresso em afirmar
que o feito deveria prosseguir na justiça estadual "enquanto não reapreciada a decisão " no
âmbito do tribunal regional federal, daí o manifesto caráter de provisoriedade desse
provimento judicial.
Conflito conhecido, declarando-se competente a 3ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado
de São Paulo, a quem caberá prosseguir no julgamento da ação.
ACÓRDÃO
Documento: 652535 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 10/03/2003 Página 1 de
2
Superior Tribunal de Justiça
Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do
Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,
por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente a 3ª Vara Cível da Seção
Judiciária do Estado de São Paulo, a suscitada, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.
Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Ari Pargendler, Carlos
Alberto Menezes Direito, Aldir Passarinho Junior e Nancy Andrighi votaram com o Sr.
Ministro-Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Brasília (DF), 12 de fevereiro de 2003(Data do Julgamento).
MINISTRO CASTRO FILHO
Relator
109
ANEXO I – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC
RELATORA :
AGRAVANTE :
ADVOGADO :
AGRAVADO :
ADVOGADO :
:
Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
UNIÃO FEDERAL
Emanuela Cristina Andrade Lacerda
JEAN CARLO FISTAROL
Álvaro Borges de Oliveira
Emanuela Cristina Andrade Lacerda
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO.
TERRENOS DE MARINHA. PROPRIEDADE DA UNIÃO. DECRETO-LEI 9.760/46.
1. Com efeito, tendo a União contestado a ação de usucapião e alegado que o
imóvel debatido constitui terreno/acrescido de marinha, o interesse da agravada fica patente,
nos autos, impondo-se a fixação da competência da Justiça Federal para dirimir a lide. A
procedência e demonstração da qualidade do imóvel é matéria de mérito, impassível de ser
resolvida em decisão terminativa.
2. Acrescento que o simples fato de o Rio Itajaí-Açú ter nascente e foz situados
integralmente no Estado de Santa Catarina - sendo de propriedade estadual - não exclui a
possibilidade de que seus terrenos marginais sejam caracterizados como terrenos ou
acrescidos de marinha (portanto, federais).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar
provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de maio de 2010.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
Documento eletrônico assinado digitalmente por Desª. Federal MARGA INGE BARTH
TESSLER, Relatora, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no
110
Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do
documento está disponível no endereço eletrônico
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18/05/2010 18:53:36
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC
RELATORA : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
AGRAVANTE : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Emanuela Cristina Andrade Lacerda
AGRAVADO : JEAN CARLO FISTAROL
ADVOGADO : Álvaro Borges de Oliveira
: Emanuela Cristina Andrade Lacerda
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que, no bojo
de ação de usucapião de imóvel confrontante com o Rio Itajaí-Açú, entendeu não haver bem
de domínio público federal na área sub judice, reconhecendo a ilegitimidade ad causam da
União e declinando, consequentemente, da competência para processar e julgar o feito à
Justiça Estadual.
Em suas razões, a União alegou que o Rio Itajaí-Açú deságua no Oceano
Atlântico e sofre inequívoca influência das marés, o que caracteriza a área usucapienda como
terreno/acrescido de marinha. Defendeu a constitucionalidade/recepção do Decreto-Lei nº
9.760/46, no que se refere à conceituação dos terrenos de marinha, que compreendem,
inclusive, aqueles situados ao longo da margem de rio estadual. Sustentou ser impossível
atribuir ao Estado de Santa Catarina, com base em lacuna constitucional na definição dos
terrenos de marinha, a propriedade de bem imóvel que não lhe foi conferido pela Constituição
(a qual só atribuiu aos Estados as águas superficiais de rios como o debatido, não os terrenos
ao longo de suas margens). Argumentou que a CF/88 não refere, como bens estaduais, as
porções territoriais de tais rios justamente porque as mesmas já estão abrangidas no conceito
legal de terrenos/acrescidos de marinha, que pertencem à União. Teceu considerações
históricas acerca do mencionado conceito.
O pedido de efeito suspensivo foi indeferido.
Sem contraminuta.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
111
VOTO
Prolatei decisão nos seguintes termos:
"(...) Merece reforma a decisão recorrida.
Com efeito, tendo a União contestado a ação de usucapião e alegado que o imóvel debatido
constitui terreno/acrescido de marinha, o interesse da agravada fica patente, nos autos,
impondo-se a fixação da competência da Justiça Federal para dirimir a lide. A procedência e
demonstração da qualidade do imóvel é matéria de mérito, impassível de ser resolvida em
decisão terminativa.
Nesse sentido, os seguintes julgados desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. TERRENO DE
MARINHA. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
A alegação de que parte de imóvel usucapiendo constitui terreno de marinha e a sua
demonstração, são matérias de prova que dizem respeito ao próprio mérito da ação de
usucapião. Tal circunstância justifica interesse da União no feito e a competência da Justiça
Federal para apreciar a demanda.
(TRF4, AI n. 2008.04.00.017260-0, Quarta Turma, Relator Juiz Federal Márcio Antônio
Rocha, D.E. de 11/11/2008)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE USUCAPIÃO.
Contestação da União no sentido de que a ação de usucapião tem por objeto terreno de
marinha. Competência da Justiça Federal.
(STJ, CC n. 20.768/SC, Segunda Seção, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 22/11/1999)
Ademais, acrescento que o simples fato de o Rio Itajaí-Açú ter nascente e foz situados
integralmente no Estado de Santa Catarina - sendo de propriedade estadual - não exclui a
possibilidade de que seus terrenos marginais sejam caracterizados como terrenos ou
acrescidos de marinha (portanto, federais).
A discussão passa pela definição de que corpos d'água pertencem à União e aos Estados,
bem como de quais bens podem ser considerados terrenos e acrescidos de marinha.
A Constituição Federal de 1988 foi explícita em definir a propriedade de rios e cursos d'água
federais e estaduais (arts. 20, inc. III, e 26, inc. I); não especificou, contudo, a amplitude da
expressão "terrenos de marinha e seus acrescidos" (art. 20, inc. VII), deixando de definir
quais terrenos marginais se incluiriam em tal noção e seriam, dessarte, de propriedade da
União. Veja-se o teor dos dispositivos citados:
Art. 20. São bens da União: [...]
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território
estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...]
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; [...]
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas,
neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; [...]
112
Não havendo, no Texto Constitucional, a definição da expressão "terrenos de marinha e seus
acrescidos", há que se entender que o legislador constituinte se valeu dos conceitos então
existentes no mundo jurídico a respeito do tema - desde que, por evidente, tais noções não
contrariem disposições expressas da nova Constituição. Esse o método interpretativo
adotado, de longa data, na remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - de que
é exemplo o reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência da contribuição social do
antigo inc. I do art. 195 da CF/88 (que, em sua redação originária, dispunha que "Art. 195. A
seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos
empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;") sobre valores
pagos a autônomos, administradores ou avulsos, uma vez que tais montantes não podiam ser
considerados tecnicamente salários. Transcrevo excerto do voto condutor de um dos leading
cases sobre o tema - Recurso Extraordinário n. 166772, Tribunal Pleno, Relator Ministro
Marco Aurélio Mello, DJ de 16/12/1994:
[...] o conteúdo político de uma Constituição não pode levar quer ao desprezo do sentido
vernacular das palavras utilizadas pelo legislador constituinte, quer ao técnico, considerados
institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita
linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito
estabelecido com a passagem do tempo, por força dos estudos acadêmicos e pela atuação dos
pretórios. Já se disse que "as questões de nome são de grande importância, porque, elegendo
um nome ao invés de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma
determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte essencial da pesquisa
científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá dizer-se científica" (Studi Sulla Teoria
Generali delDiritto, Torino - G. Giappichelli, edição 1955, página 37). Realmente, a
flexibilidade de conceitos, o câmbio do sentido destes, conforme os interesses em jogo,
implicam insegurança incompatível com o objetivo da própria Carta que, realmente, é um
corpo político, mas o é ante os parâmetros que encera e estes não são imunes ao real sentido
dos vocábulos, especialmente os de contornos jurídicos.
O precedente restou assim ementado:
INTERPRETAÇÃO - CARGA CONSTRUTIVA - EXTENSAO.
Se e certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a
vinculação a ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em
vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do interprete. No
exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio
juízo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela
perseguida" - Celso Antônio Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma
ciência, o meio justifica o fim, mas não este aquele.
CONSTITUIÇÃO - ALCANCE POLÍTICO - SENTIDO DOS VOCABULOS INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não e conducente ao desprezo
do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos
consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem,
possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido
com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito,
pela atuação dos Pretórios.
SEGURIDADE SOCIAL - DISCIPLINA - ESPÉCIES - CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DISTINÇÃO. Sob a égide das Constituições Federais de 1934, 1946 e 1967, bem como da
113
Emenda Constitucional no 1/69, teve-se a previsão geral do tríplice custeio, ficando aberto
campo propicio a que, por norma ordinária, ocorresse a regência das contribuições. A Carta
da Republica de 1988 inovou. Em preceitos exaustivos - incisos I, II e III do artigo 195 impôs contribuições, dispondo que a lei poderia criar novas fontes destinadas a garantir a
manutenção ou expansão da seguridade social, obedecida a regra do artigo 154, inciso I,
nela inserta (par. 4. do artigo 195 em comento)..
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - TOMADOR DE SERVIÇOS - PAGAMENTOS A
ADMINISTRADORES E AUTONOMOS - REGENCIA. A relação jurídica mantida com
administradores e autônomos não resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste
formalizado a luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Dai a impossibilidade de se dizer
que o tomador dos serviços qualifica-se como empregador e que a satisfação do que devido
ocorra via folha de salários. Afastado o enquadramento no inciso I do artigo 195 da
Constituição Federal, exsurge a desvalia constitucional da norma ordinária disciplinadora
da matéria. A referencia contida no par. 4. do artigo 195 da Constituição Federal ao inciso I
do artigo 154 nela insculpido, impõe a observância de veículo próprio - a lei complementar.
Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 3. da Lei n. 7.787/89, no que abrangido o que
pago a administradores e autônomos. Declaração de inconstitucionalidade limitada pela
controvérsia dos autos, no que não envolvidos pagamentos a avulsos.
No caso em tela, a definição de terrenos e acrescidos de marinha já constava, quando da
promulgação da atual Constituição, do Decreto-Lei n. 9.760/46, segundo o qual:
Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a) os terrenos de marinha e seus acrescidos; [...]
c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas na faixa da fronteira do território
nacional e nas zonas onde se faça sentir a influência das marés; [...]
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos
horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se
faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela
oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em
qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou
artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de
marinha.
Art. 4º São terrenos marginais os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance
das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte
da terra, contados desde a linha média das enchentes ordinárias.
Note-se que o conceito não comporta qualquer incompatibilidade com a atual Constituição
ou com o pacto federativo. Não se trata de atribuir à União, diante da influência das marés,
rios ou cursos d'água definidos constitucionalmente como estaduais; trata-se, isso sim, de
definir como federais os terrenos marginais a tais corpos d'água, terrenos esses que não
pertencem, em princípio, a qualquer Ente Político (salvo se por outra disposição
114
constitucional ou por aquisição a justo título). Note-se: são bens diversos o rio e seus
terrenos marginais, podendo um e outros pertencer a Entes ou pessoas diferentes.
Não sendo, pois, inconstitucional a definição de terrenos de marinha e seus acrescidos, ao
menos do que se refere às margens dos rios influenciados pelas marés, há que se considerar
que é ela quem dá conteúdo à expressão trazida no art. 20, inc. VII, da CF/88, devendo ser
adotada, inclusive, na hipótese de rios cujo domínio seja atribuído ao Estado - como no caso
em tela.
Aliás, a possibilidade de constituírem terrenos e acrescidos de marinha imóveis localizados
às margens de rios estaduais não é tema novo nesta Corte e no próprio STJ. Há, aí,
jurisprudência majoritária a considerar de propriedade da União, exemplificativamente,
terrenos marginais ao Rio Tramandaí, que se encontra, ao que parece, em situação análoga
à do Rio Itajaí-Açú, uma vez que também conta com nascente e foz dentro do território
estadual (naquele caso, dentro do território do Estado do Rio Grande do Sul). Nessa linha, os
seguintes arestos:
ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. ART. 2º, "A", DO DECRETO-LEI N.º
9.760/46. EFEITOS.
1. O imóvel em questão se constitui em terrenode marinha ou acrescido de marinha, porque,
historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em
parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés". É o teor do DecretoLei 9.760/46: 'Art. 2°-São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)
metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamarmédio de 1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e
lagoas , até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas situadas
em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo Único- Para efeitos deste
artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo
menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3° - São terrenos
acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar
ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.' O recorrente sustenta que a
perícia está equivocada, porque a influência das marés é menor do que a dos fenômenos
meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o argumento não colhe, uma vez que a lei não
exige que a influência das marés seja a maior de todas. A lei exige apenas que a influência
das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida. De outra parte, com o devido
acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual. Mesmo sendo estadual, federais
serão os terrenos que estiverem situados as suas margens "até onde se faça sentir a
influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a propriedade do rio não
impede que os terrenos a sua margem sejam da União. Merece destaque que não há qualquer
inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar de vigente há mais de meio século,
nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por qualquer Corte do País. Ademais, não
vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que lhe foram e são
contemporâneas. Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E
finalmente, não merece ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente
não possa ser desconsiderado nesta ação, por força da lei especial. É que em se tratando de
próprios federais não se pode invocar a legislação geral, inclusive dos registros públicos,
quando tais imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito dispõe o art. 198 do
Decreto-lei em exame: 'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer
pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os
originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei. " A hipótese é, pois,
de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois, pode ser reconhecida e
declarada, incidentalmente, em qualquer demanda. 2. Provimento dos embargos infringentes.
115
(TRF4, EINF n. 94.04.55396-4, Segunda Seção, Relator Desembargador Federal Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. de 30/10/2009, grifo nosso)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS INFRINGENTES. TERRENOS DE
MARINHA E ACRESCIDOS. ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ.
ART. 535 CPC. FUNDAMENTAÇÃO. OMISSÃO EXISTENTE. VOTO VENCIDO.
DESPICIENDA A JUNTADA.
1. A definição de "terrenos de marinha", consta do art. 2º, do Decreto-Lei 9.760/46, diploma
recepcionado pela Constituição vigente, tendo, por isso, plena vigência, pois nos termos
desta, de acordo com o que consta do seu art. 20, VII, são bens da União os terrenos de
marinha e seus acrescidos, regra originada de princípios imemoriais que sempre nortearam
o comportamento administrativo, princípios de direito histórico relacionados à defesa
nacional, à vigilância da costa e à construção e exploração de portos, tanto que não houve
declaração de inconstitucionalidade, por qualquer tribunal.
2. Os imóveis objeto de incidência e cobrança de taxas de ocupação pelo Serviço de
Patrimônio da União, nos casos de Tramandaí e Imbé, situam-se dentro da faixa demarcada,
em processos administrativos previstos no Decreto-Lei Nº 9.760/46, na Seção II, artigos 9º a
14, da competência do referido SPU, através dos Processos Administrativos nºs
1085.000240/A - 1972 e 1085.000240/B - 1972, os quais foram concluídos em 1974, atos
estes que gozam de todos os atributos comuns aos atos administrativos, quais sejam,
presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
3. Vale dizer que os registros de propriedade não têm o condão de afastar as cobranças em
questão, pois a transcrição do título no registro de imóveis tem presunção juris tantum e é
inoponível à União, que possui o domínio dos terrenos de marinha por força de disposição
constitucional, independentemente do registro.
4. Basicamente, as ações têm por objetos imóveis situados sobre o antigo braço morto do Rio
Tramandaí em Imbé, ou situados ao longo das margens do mesmo rio, tanto no lado do
Município de Tramandaí, quanto no do Município de Imbé, estes que, mesmo distantes do
Oceano Atlântico, sofreriam a influência das marés, e caberia, fosse o caso, aos demandantes
produzir prova conclusiva no sentido de que os seus imóveis não se encontravam abrangidos
pela demarcação. Essa prova, no entanto, não foi produzida.
5. Ainda que se admitisse levar em conta ser ou não ser o referido rio, propriedade do Estado
do Rio Grande do Sul, relevanotar que, a despeito de não ter havido exame meritório
propriamente dito acerca da celeuma instalada em torno destes imóveis, por parte do
Superior Tribunal de Justiça, o que tem sido mantida naquele Pretório é a legalidade do
processo demarcatório, mesmo tendo se baseado em vetusto ordenamento, o referido
Decreto-Lei 9.760/46, este que também remete a linha de preamar média de 1831.
6. Mas, se o próprio Superior Tribunal de Justiça legitimou a demarcação, com base no dito
Decreto-Lei, que em seu art. 2º, estabeleceu o suporte fático da incidência da taxa de
ocupação, definindo os terrenos de marinha como sendo os existentes "em uma profundidade
de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra da linha do
preamar médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos
rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés", e sendo incontroverso que esta
influência se estende por todo o nível do rio Tramandaí, até cerca de 01 (um) quilômetro
após a sua desembocadura na lagoa de Tramandaí, de acordo com inúmeros estudos já
realizados, há que ser mantida a sentença.
7. Ademais, não seria viável a impugnação ao procedimento de demarcação, inclusive quanto
à delimitação da posição da linha do preamar de 1831, por encontrar-se acobertado pela
prescrição, considerando que o procedimento começara por volta de 1971 e terminara em
1974. Precedentes do STJ.
116
8. No que tange ao pedido de que seja juntado aos autos o voto vencido do Desembargador
Federal Luiz Carlos de Castro Lugon para fins de que haja pronunciamento expresso sobre a
questão divergente, trata-se de medida despicienda, uma vez que, o Eminente
Desembargador Federal, ao negar provimento aos embargos infringentes, simplesmente,
manteve o provimento da apelação, tal como decidido pela Quarta Turma.
(TRF4, EINF n. 2005.71.00.029602-0, Segunda Seção, Relatora Desembargadora Federal
Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. de 28/11/2008, grifo nosso).
Idêntico entendimento foi adotado por esta Quarta Turma no recente julgamento da
Apelação/Reexame Necessário n. 2003.71.00.058939-6 (D.E. de 26/01/2010).
Diante de todo exposto, defiro efeito suspensivo ao agravo de instrumento, a fim de manter a
ação originária na Justiça Federal.
Intimem-se, sendo a parte agravada na forma e para os fins do art. 527, inc. V, do Código de
Processo Civil. Comunique-se."
Não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
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TESSLER, Relatora, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/05/2010
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC
ORIGEM: SC 200772080032220
RELATOR
: Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
PRESIDENTE : Marga Inge Barth Tessler
PROCURADOR : Drº Domingos Sávio Dresch da Silveira
117
AGRAVANTE :
ADVOGADO :
AGRAVADO :
ADVOGADO :
:
UNIÃO FEDERAL
Emanuela Cristina Andrade Lacerda
JEAN CARLO FISTAROL
Álvaro Borges de Oliveira
Emanuela Cristina Andrade Lacerda
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/05/2010, na
seqüência 56, disponibilizada noDE de 04/05/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO
FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais
PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe,
em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RELATOR
ACÓRDÃO
VOTANTE(S)
: Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
: Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
: Juiz Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
: Des. Federal SILVIA GORAIEB
Regaldo Amaral Milbradt
Diretor de Secretaria
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