UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ROBERTO BONELLI BITENCOURT FILHO O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL: POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL Tubarão 2013 ROBERTO BONELLI BITENCOURT FILHO O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL: POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL Monografia apresentada ao Curso Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade Orientadora: Profª Maria Nilta RickenTenfen, Msc. Tubarão 2013 AGRADECIMENTOS Agradeço inicialmente a Deus, por me dar forças para continuar lutando ao longo de minha graduação. A toda minha família, pelo esforço em minha formação. À Professora Maria Nilta Ricken Tenfen, minha orientadora, por seu espírito generoso, o qual de forma paciente e atenciosa me auxiliou com empenho e conhecimento para elaboração desta monografia. RESUMO O presente trabalho propõe analisar o interesse da União Federal nas ações de usucapião de terrenos marginais de rio estadual e a aplicação de referido instituto, já que muitos destes terrenos são considerados terrenos de marinha, ou seja, são bens dominicais, logo, não passíveis de usucapião. Para a construção desta monografia, foi utilizado o método de abordagem dedutivo. O método de procedimento empregado para a coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica, pois analisou-se a doutrina pátria e jurisprudência selecionada.Os terrenos marginais de rio estadual, segundo jurisprudência majoritária, são considerados terrenos de marinha, por conta de estes sofrerem a influência das marés. Tal entendimento encontra respaldo no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, mais precisamente em seu artigo 2º (segundo), alínea “a”. Porém, o referido decreto não foi recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, bem como pelas subsequentes, eis que nenhuma delas atribui a influência das marés como fator determinante do domínio. As disposições previstas na Constituição não podem ser ampliadas ou restringidas por legislação infraconstitucional, salvo se a própria carta assim ressalve ou remeta à legislação ordinária. Não se pode atribuir o domínio dos terrenos marginais à União pelo simples fato de os mesmos sofrerem a influência das marés ou por desaguarem no oceano. Os rios que têm nascente e foz dentro do Estado, que não banham mais de um Estado, que não se estendem a outro território e não fazem divisas com outros países, a este o pertencem, por força da Constituição da República Federativa do Brasil. Caso preenchidos os requisitos mencionados acima, a União não tem interesse jurídico no feito, sendo a competência para o julgamento das ações da Justiça Estadual. Palavras-chave: Usucapião. Bens públicos. Terrenos de marinha. Declinação de competência. ABSTRACT This study aims to analyze the interest of the Federal Union in the actions of adverse possession of land marginal river state and the application of that office, because many of these lands are considered tide lands, in other words, so not subject to adverse possession. For the construction of this monograph, it was used the method of deductive approach. The method of procedure used for data collection was the literature, because it was analyzed the doctrine and jurisprudence selected. The marginal lands of river state, as the court majority, are considered tide lands, on account of their suffering tidal influence. This understanding is supported by the Decree-Law nº 9,760, of 1946, more precisely in its Article 2 (second), paragraph "a ". However, the decree hasn’t been approved by the United States Constitution of Brazil, 1946, and by subsequent behold neither assigns tidal influence as a determinant of the domain. The provisions of the Constitution cannot be enlarged or restricted by constitutional legislation, unless the card itself so he notes or refer to ordinary legislation. It don’t can assign the domain of marginal lands to the Union simply because they suffer tidal influence or emptying into the ocean. Rivers that have source and mouth within the state, not bathe more than one state, which do not extend to another country and not do with other foreign countries, belong to this, because of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. If completed the requirements mentioned above, the Union has no legal interest in done, and the power to judge the actions is of State Courts. Key-words: Adverse Possession. Public. Property. Tide lands. Decline jurisdiction. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... .8 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ................................. 8 1.2 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................. 9 1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 10 1.3.1 Geral ............................................................................................................................... 10 1.3.2 Específicos ...................................................................................................................... 10 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 10 1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ..... 10 2USUCAPIÃO ........................................................................................................................ 12 2.1 CONCEITO ........................................................................................................................ 12 2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................................................................ 13 2.2.1 Período Arcaico.............................................................................................................. 13 2.2.2Período Clássico .............................................................................................................. 14 2.2.3 Período Pós Clássico ...................................................................................................... 15 2.3 FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO ............................................................................... 16 2.4ESPÉCIES DE USUCAPIÃO NO DIREITO BRASILEIRO ............................................. 18 2.4.1 Usucapião ordinária ...................................................................................................... 18 2.4.2 Usucapião extraordinária ............................................................................................. 19 2.4.3 Usucapião urbana .......................................................................................................... 20 2.4.4 Usucapião rural ............................................................................................................. 23 2.4.5 Efeitos da sentença ........................................................................................................ 25 3BENS PÚBLICOS ................................................................................................................ 27 3.1 CONCEITO ........................................................................................................................ 27 3.2CLASSIFICAÇÃODOS BENS PÚBLICOS ...................................................................... 27 3.2.1Regime jurídico dos bens públicos ................................................................................ 27 3.2.2Bens de uso comum do povo .......................................................................................... 28 3.2.3Bens de uso especial ........................................................................................................ 29 3.2.4Bens dominicais .............................................................................................................. 29 3.2.5Terrenos de marinha e seus acrescidos ........................................................................ 32 3.2.6Terrenos marginais ........................................................................................................ 35 4DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA .................................................................. 37 4.1 O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL E DA POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL ................................................................. 37 4.2DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA ............................................................................... 50 4.3POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS DE MARINHA .......................... 53 5 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58 ANEXOS ............................................................................................................................... 64 ANEXO A – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC ..................... 65 ANEXO B – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS ................................. 71 ANEXO C – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS ...................... 79 ANEXO D – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.041958-3/RS ..................... 91 ANEXO E – APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS ................................................... 95 ANEXO F – RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0) .......................... 99 ANEXO G – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2012.029284-4 ................................... 105 ANEXO H – CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 27.558 - SP (1999/0087627-0) ....... 108 ANEXO I – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC ........... 109 8 1 INTRODUÇÃO Este trabalho monográfico tem por objetivo efetuar uma abordagem a respeito da possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, bem como o interesse jurídico da União das respectivas ações. 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA Segundo Moraes (2006, p.668), a União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-Membros e Municípios, constituindo pessoa jurídica de direito público interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado Brasileiro. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, expressa, no artigo 20 e seus incisos, que os bens pertencem à União Federal. (BRASIL, 1988). O inciso segundo, do artigo mencionado supra, aponta como bens da União dos lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, além de servirem de limites com outros países ou se estenderem a outro território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. (BRASIL, 1988). O Decreto-Lei nº 7.760, de 1946, conceituou como terrenos de marinha, e que pertencem à União, aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. (BRASIL, 1946). Porém, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, em seu artigo 35, discriminava de forma expressa e cristalina que os rios se incluiriam entre os bens do Estado, ou seja, os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e foz no território estadual. (BRASIL, 1946). A Constituição Federal de 1967, pela emenda nº 16/80, dispôs, no seu art. 5º, incluir-se entre os bens dos Estados e Territórios “os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles tem nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas”. (RIBEIRO, 2008, p. 617). Neste diapasão, no ano de 1946, os direitos dos Estados em relação aos lagos e rios passaram a ser previstos de forma expressa, tendo em vista que outrora somente eram identificados por exclusão. Esses institutos são de grande relevância ao se analisar a possibilidade da Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual, pois, de acordo com o Decreto-Lei 9 mencionado infra, os terrenos com margens a beira dos rios que sofrem influência de maré, por serem terrenos de marinha, não podem ser usucapidos. Ao revés, levando em consideração que tal decreto não foi recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, bem como pelas subsequentes, seria possível a aplicação do instituto, eis que tais bens pertenceriam ao Estado. Na lição de Pacheco (2008), o instituto da usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, ou de outros direitos reais suscetíveis de apropriação material, através da posse continuada, durante certo espaço de tempo, com a observação dos requisitos em lei estabelecidos. Para ser reconhecida a benesse da usucapião, é necessário preencher requisitos, estes que estão Previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 183, bem como no artigo 1.240, do Código Civil de 2002. (BRASIL, 1988). (BRASIL, 2002). Os rios, que serão objeto de estudo no presente trabalho, são aqueles que têm nascente e foz dentro de um determinado Estado, pois, da análise legislativa, tem-se, por dedução, que o Decreto-Lei nº 7.760, de 1946, não foi recepcionado nem mesmo pela Constituição Federal daquele mesmo ano, bem como pelas subsequentes. Nessa linha de raciocínio, a União não teria interesse nas ações de Usucapião em terrenos marginais de rio estadual que tenha nascente e foz dentro de um determinado Estado, tendo em vista que tais bens pertencem a este. Assim, a partir do que fora comentado anteriormente, tem-se a seguinte problemática: A União Federal tem interesse nas ações de Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual? 1.2 JUSTIFICATIVA A relevância da análise da possibilidade de aplicação do instituto da Usucapião em terrenos marginais de Rio Estadual reside no fato de que muitos cidadãos possuem a posse destes imóveis, que, por força do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, são considerados terras de marinha e, portanto, não são passíveis de usucapião. Da análise histórica das Constituições em relação às matérias que dizem respeito ao presente estudo, percebe-se que é possível usucapir terrenos marginais de rio estadual, mostrando-se de grande utilidade, principalmente em benefício das pessoas que residem em regiões ribeirinhas. 10 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Geral Demonstrar que a União Federal não possui interesse nas ações de usucapião de terrenos marginais de rio estadual que tenham nascentes e foz dentro do mesmo Estado. 1.3.2 Específicos Verificar, com base na lei, doutrina e jurisprudência, a possibilidade da aplicação do instituto da Usucapião em terrenos marginais de rio estadual. Descrever as características da usucapião, seus requisitos e modalidades, tais como: o ânimo de senhor, posse, justo título e boa-fé. Demonstrar a possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual. Identificar se a aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual fere a Constituição Federal. 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa deste trabalho monográfico será realizada utilizando-se o método de abordagem dedutivo, em que parte-se de um argumento geral ou universal, para, então, atingir a uma conclusão específica, determinada. Quanto ao procedimento, foi utilizada, para coleta de dados, a pesquisa bibliográfica. Ademais, como técnica para coleta e registro das informações, utilizou-se de leituras, documentação bibliográfica e jurisprudencial. 1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS O presente trabalho está estruturado em três principais capítulos, os quais foram desenvolvidos a partir da leitura de legislação, doutrinas e jurisprudências de alguns tribunais pátrios, em especial o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, buscando-se esclarecer o objeto de pesquisa. 11 A proposta do primeiro capítulo é discorrer sobre os aspectos históricos da usucapião, bem como suas principais modalidades, quais sejam, a usucapião ordinária, extraordinária, urbana, rural, além dos efeitos da sentença deste instituto. No segundo capítulo, busca-se conceituar os bens públicos, sua classificação e regime jurídico, e também suas respectivas modalidades: bens de uso comum, bens de uso especial e bens de uso dominicais. Com isso, almeja-se o esclarecimento dos referidos bens dando ênfase à alienabilidade dos bens públicos dominicais, esclarecendo-se, inclusive, ao que tange os terrenos de marinha e seus acrescidos e, ainda, os terrenos marginais de rio estadual, para posterior enfrentamento do tema proposto no trabalho monográfico. Ainda neste norte, o terceiro capítulo discorre sobre a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, tendo em vista que esses terrenos podem ser considerados terrenos de marinha. Os terrenos de marinha pertencem a União, logo, não são passíveis de usucapião, por força da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, será demonstrado que os terrenos marginais, que muitas vezes são considerados de marinha, pertencem ao Estado e não à União. Por fim, tem-se a declinação de competência das ações de usucapião, bem como a possibilidade de aplicação do referido instituto em terrenos de marinha. 12 2 USUCAPIÃO 2.1 CONCEITO Usucapião é o modo originário da aquisição do domínio através da posse mansa e pacífica, por certo espaço de tempo e fixado em lei. (RODRIGUES, 2003). É um dos modos de aquisição da propriedade e de outros direitos reais. Lafayette (apud RIBEIRO, 2008) expressa que o modo de adquirir é originário, quando o domínio adquirido começa a existir com o ato, que diretamente resulta, sem relação de causalidade com o estado jurídico de coisa anterior. Um dos requisitos primordiais para a constituição da usucapião é a posse. Esta consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera relação de fato. (RODRIGUES, 2003). Significa dizer que proporciona ao possuidor o exercício, pleno ou não, de alguns poderes inerentes à propriedade, sendo que tais poderes referem-se a usar, gozar e reaver um bem de quem injustamente o possua. Muitas teorias surgiram a fim de esclarecer o instituto da posse. Dentre estas, merecem realce a teoria subjetiva, de Savigny, e a objetiva, de Ihering. Para Savigny (apud RIBEIRO, 2008), tem-se a posse de uma coisa quando existe a possibilidade não somente de dispor dela fisicamente, mas ainda de defendê-la contra toda ação surpreendente. Encontram-se, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e um elemento intelectual, o animus, ou seja, o escopo de ter a coisa como sua, isto é, o animus sibirem habendi. (RODRIGUES, 2003). Tais elementos são essenciais para caracterização da posse, porque na ausência de corpus inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, na falta de animus, não existe posse, mas mera detenção. Para Ihering, a materialidade dos atos de exploração e a utilização da res são os fatores que determinam a existência da posse, e não a pretensão do possuidor. (ARAÚJO, 2005). Rodrigues (2003) explica que, para esta teoria, posse não significa apenas a detenção da coisa, ela se revela na maneira como o proprietário age em defesa da coisa, tendo em vista sua função econômica, pois o animus nada mais é que o propósito de servir-se da coisa como proprietário. 13 O referido autor exemplifica a teoria de Ihering (objetiva), através dos seguintes exemplos: Assim, o lavrador que deixa sua colheita no campo não a tem fisicamente; entretanto, a conserva em sua posse, pois que age, em relação ao produto colhido como o proprietário ordinariamente o faz. Mas, se deixa no mesmo local uma jóia, evidentemente não mais conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o proprietário age em relação a um bem dessa natureza. Não é mister um conhecimento mais profundo para saber se alguém é ou não possuidor. Tal ciência decorre do bom senso. O camponês que encontra animal capturado por armadilha sabe que ele pertence ao dono desta; desse modo, se o tirar dali, não ignora que pratica furto, já que o está subtraindo da posse de seu dono; o madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os conduza à serraria não tem o poder físico sobre os madeiros, mas conserva a posse, pois assim é que age o proprietário; o transeunte que vê materiais de construção ao pé da obra sabe que eles pertencem ao dono desta, embora não se encontrem sob sua detenção física. (RODRIGUES, 2003, p. 18-19). Conforme ensina Araújo (2005, p. 109), “o nosso Código adotou a teoria objetiva ao definir a exteriorização da posse como um dos atributos do domínio”. No mesmo sentido, Monteiro (1994, p. 14) afirma que “a teoria de Ihering foi adotada pela lei civil pátria, que se tornou o primeiro código a consagrá-la”. 2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA Procurando-se as raízes históricas da usucapião, não há duvida de que o Direito Romano consiste em sua fonte primitiva. (ARAÚJO, 2005). A usucapião foi consagrada na Lei das XII Tábuas, datada do ano de 305, da era romana ou da fundação de Roma (urbe condita), correspondendo ao ano de 455 a.C. (RIBEIRO, 2008). Para delinear-se a evolução histórica da usucapião, é necessário esclarecer alguns preceitos dos períodos, sendo eles o Arcaico, o Clássico e o Pós Clássico, conforme se verá a seguir. 2.2.1 Período Arcaico Conforme mencionado anteriormente, a origem da usucapião remonta à própria Lei das XII Tábuas. A usucapião de bens imóveis ocorria no prazo de dois anos; a de móveis, no prazo de um ano. Nesse período, não existiam requisitos para utilizar-se de tal instituto, salvo a proibição da prescrição aquisitiva em relação a objetos provenientes de furto. 14 Portanto, a posse deveria ser justa, ou seja, eram estritamente proibidos atos de violência, precariedade e clandestinidade. Além da proibição de usucapir a res furtiva, ainda havia outras, principalmente no que diz respeito à legitimidade ativa, eis que o sujeito ativo não poderia ser estrangeiro (peregrinis). A usucapião tinha apenas como objeto a propriedade quiritária, a qual somente poderia pertencer ao cidadão romano. É o que se extrai da obra de Araújo (2005, p. 34), o qual comenta que [...] O usucapião de bens imóveis ocorria no prazo de dois anos; já, para os bens móveis, o prazo seria reduzido pela metade, ou seja, um ano. [...]. A exigibilidade dos prazos é atribuída, nessa fase, à própria dimensão territorial de Roma. Da mesma forma, não existiam outros requisitos necessários para consolidação do usucapião, com exceção da proibição de prescrição aquisitiva sobre objetos furtados. O autor mencionado entende que a origem da usucapião remonta à fase anterior a própria Lei das XII Tábuas. Segundo Ribeiro (2008), alguns autores afirmam que a prescrição denominada aquisitiva originou-se na Grécia e que Platão mencionou em sua obra “A República”, porém, a maioria dos estudiosos comenta o instituto a partir do direto romano. 2.2.2 Período Clássico Conforme argumentado, os estrangeiros não poderiam ser sujeito ativo para invocar o instituto da usucapião, tendo em vista que esta somente tinha como objeto a propriedade quiritária, ou seja, deveria pertencer ao cidadão romano. Acontece que, com o desenvolvimento de Roma, a complexidade das relações sociais, o aumento do número de estrangeiros e dos terrenos provinciais (considerados res pública, ou seja, insuscetíveis de apropriação), exigia-se o aperfeiçoamento do instituto, oportunidade em que surgiu a longi temporis exceptio, sendo que o possuidor de boa-fé, com justo título e que estivesse sobre o imóvel por certo tempo, poderia opor referida benesse em juízo. Assim, Araújo (2005, p. 36) afirma que O aumento do número de estrangeiros e das possessões províncias proclamou uma nova forma de usucapião. Na verdade, como ensina Girard, com o passar do tempo as formas de aquisição solene pela mancipatio e in iurecessio prejudicaram os próprios cidadãos romanos. As fórmulas serviam apenas para a aquisição de terrenos itálicos e não para os provinciais. Os terrenos provinciais não eram suscetíveis de apropriação, pois eram considerados res publica. Os particulares que exerciam a posse sobre os fundos provinciais podiam usufruir, mas jamais tornar-se-iam 15 proprietários. Como forma de proteção dessa posse, ou quase-propriedade, surgiu a longi temporis praescriptio, também chamada de longi temporis exceptio. A chamada praescriptio, assim denominada porque vinha no cabeçalho de uma fórmula, era modalidade de exceção, meio de defesa, surgindo posteriormente à usucapião. Essa defesa poderia ser empregada tanto por cidadãos romanos como pelos estrangeiros. (VENOSA, 2003). Neste diapasão, a usucapião permaneceu no período clássico com as mesmas particularidades, convalescendo-se no que diz respeito à boa-fé e ao justo título, essenciais e indispensáveis para sua constituição. 2.2.3 Período Pós Clássico Conforme o que foi visto, nesse período, surgem relevantes modificações no que diz respeito à usucapião e a praescriptio. Houve uma reforma por parte do Direito Bizantino, sendo terminada por Teórido (424d.C.) do qual o proprietário desidioso perdia o seu direito de vindicar, mas não a sua propriedade. O prazo para perder o benefício de vindicar a propriedade, inicialmente, era de 40 (quarenta) anos, sendo posteriormente reduzidos para 30 (trinta) anos. Porém, foram introduzidas profundas modificações no século VI, com Justiniano. Inicialmente, realizou-se a fusão da usucapião com a praescriptio longi temporis. Assim, Justiniano excluiu a diferenciação entre propriedade quiritária e pretoriana, bem como dos terrenos provinciais e itálicos. Nesse período, surgem grandes modificações no que toca a usucapio e a praescriptio. O direito Bizantino provocou uma reforma iniciada pelo imperador Constantino e terminada por Teodósio (424 d.C.), na qual se extingui o direito de vindicar do proprietário negligente. Ele não perdia a propriedade, somente o direito de reivindicar, caso permanecesse silente por 40 (quarenta) anos, sendo posteriormente reduzido para 30 (trinta) anos. Com Justiniano foram introduzidas profundas alterações no séc. VI. Inicialmente realizou a fusão do usucapião com a praescriptio longi temporis. Com isso, o grande imperador eliminou a diferenciação entre propriedade quiritária e pretoriana, nem como os terrenos provinciais e itálicos. [...]. Ao fim, a própria praescriptio longissimi também se tornou modo de aquisição da propriedade, para o possuidor com 30 anos, sem justo título, mas com boa fé. Trata-se do surgimento do usucapião extraordinário.(ARAÚJO, 2005, p. 40-41). Nesse período, introduziu-se uma forma especial de usucapião, a longissimi temporis praescriptio, que os juristas hodiernos assimilaram como usucapião extraordinário. (VENOSA, 2003). 16 Feitos alguns esclarecimentos, ainda que sucintos, sobre a origem e evolução histórica do instituto da usucapião, serão estudados os fundamentos do referido instituto. 2.3 FUNDAMENTOS DA USUCAPIÃO O principal fundamento do instituto da usucapião é o bem comum, ou seja, dar à propriedade o uso mais adequado, cumprindo, assim, a sua função social, prevista nos artigos 170, III e 5º, XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]. (BRASIL, 1988). Corroborando a isto, extrai-se da obra de Rodrigues (2003, p. 108)que A usucapião se fundamenta, como vimos, no propósito de consolidação da propriedade, pois, em seu intermédio, empresta-se base jurídica a meras situações de fato. Assim, de um lado, estimula o legislador a paz social, e, de outro, diminui para o proprietário o ônus da prova de seu domínio. O referido instituto torna-se de relevante importância, porque sem ela “a propriedade seria provisória e reinaria uma incerteza permanente e universal, que teria como consequência uma perturbação geral. O fundamento básico realmente é o bem comum”. (BARRUFFINI, 1998, p.27). Conforme define Ferreira Filho (2006), a propriedade é um direito constitucional que não está acima nem abaixo dos outros, porém, está sujeito a adaptações corriqueiras em prol do interesse público, não sendo, portanto, caracterizada como um bem intocável. Ao proprietário, é assegurado o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e ainda de reavê-los do poder de quem injustamente os possua ou detenha, nos termos do art. 1.228, do Código Civil. (BRASIL, 2002). O direito de usar consiste na faculdade de colocar a coisa a serviço do titular, sem alterar sua substância. O dono emprega no seu próprio benefício ou no de terceiro. 17 (PEREIRA, 2012). O direito de gozar diz respeito ao direito de explorar economicamente a coisa e perceber seus frutos, sejam aqueles que ela produz naturalmente, sejam os frutos civis. (CHALHUB, 2003). Dispor é a faculdade que tem o proprietário de modificar a própria substância da coisa. É a escolha da destinação a ser dada ao bem, a mais ampla concessão da finalidade econômica ao objeto do direito real. “O direito de reaver corresponde ao estudo da ação reivindicatória. Esta é uma ação real, exercitável erga Omnes, que objetiva a retomada da coisa de quem injustamente a detenha”. (RIZZARDO, 2006, p. 213). A constituição vigente garante o direito de propriedade, este que deverá atender a sua função social. (PINTO FERREIRA, 1999). O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Carlos Adilson Silva1, citando Gabriel Dezen Júnior, explica de forma cristalina o conceito de função social da propriedade: Função social da propriedade é um conceito que dá a esta um atributo coletivo, não apenas individual. Significa dizer que a propriedade não é um direito que se exerce apenas pelo dono de alguma coisa, mas também que esse dono exerce em relação a terceiros. Ou seja, a propriedade, além de direito da pessoa, é também um encargo contra essa, que fica constitucionalmente obrigada a retribuir, de alguma forma, ao grupo social, um benefício pela manutenção e uso da propriedade. (DEZEN JÚNIOR, 2006. p. 51). Neste diapasão, a função social da propriedade tem o escopo de tutelar o interesse coletivo em razão da utilidade do bem, facultando inclusive ao proprietário ou possuidor explorar as riquezas e potenciais do imóvel. Diante do exposto, no que se refere ao instituto da função social da propriedade, é certo dizer que a usucapião beneficia o possuidor em face do proprietário inerte, perdendo este último o seu direito de propriedade. Significa que o proprietário desidioso perde o domínio da propriedade, transformando-se a posse em mera situação de fato em direito. Nesse sentido, Rodrigues (2003, p. 109) afirma que, Por outro lado, a usucapião dá prêmio a quem ocupa a terra, pondo-a a produzir. É certo que o verdadeiro proprietário perdeu seu domínio contra sua vontade. Mas não é injusta a solução legal, porque o prejudicado concorre com sua desídia para consumação de seu prejuízo. Em rigor, já vimos, o direito de propriedade é conferido ao homem para ser usado de acordo com o interesse social, e, evidentemente, não o usa dessa maneira quem deixa sua terra ao abandono por longos anos. 1 TJSC, Apelação Cível n. 2010.024125-0, da Capital, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 07-05-2013. 18 Na doutrina, existem duas correntes a respeito dos fundamentos da usucapião: a subjetiva e a objetiva. A primeira fundamenta o instituto na presunção de que o proprietário inerte renuncia o seu direito de propriedade, pois não a exerce. A segunda, conforme explicado supra, se dá pelo interesse na utilidade social que proporciona a propriedade. Gomes (2005, p. 153) ensina de forma irretocável o fundamento do instituto: A usucapião favorece o possuidor contra o proprietário, sacrificando a este com a perda de um direito que não está obrigado a exercer. Tendo essa força, é preciso justifica-la. Os escritores não estão de acordo na determinação do seu fundamento. Dividem-se em duas correntes: a subjetiva e a objetiva. As teorias subjetivas procuram fundamentar o usucapião na presunção de que há o ânimo da renúncia ao direito por parte do proprietário que não há exerce. [...] As teorias objetivas fundamentam a usucapião em considerações de utilidade social. É socialmente conveniente dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Insta mencionar que o Código Civil de 2002, no artigo 102, revelou-se incisivo quanto à impossibilidade de usucapião de bens públicos. (RIZZARDO, 2006). É que a matéria, até 1933, suscitava controvérsia, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Todavia, o problema foi sanado pelo Decreto nº 22.785, de 31/05/1933, o qual determinou não serem objeto de usucapião os bens públicos de qualquer natureza. (RODRIGUES, 2003). Esse entendimento foi reforçado pela Súmula nº 340, do Superior Tribunal Federal, que dispõe que: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião”. (BRASIL, 1973). Considerando os argumentos expostos, tem-se por conclusão que a propriedade não é mais vista como um direito absoluto, em que sua finalidade seria o interesse exclusivo do particular. Deve-se observar a função social da propriedade, ou seja, utilizá-la como instrumento de criação de bens necessários à subsistência da coletividade. 2.4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO 2.4.1 Usucapião ordinária A usucapião ordinária é aquela em que o possuidor dispõe de justo título e boa-fé. O prazo para aquisição do bem imóvel é de 10 (dez) anos, podendo, inclusive, ser reduzido pela metade se aquele houver estabelecido no imóvel investimento de interesse social e/ou econômico. 19 O Código Civil Brasileiro de 2002, mais precisamente em seu artigo 1.242, traz que “adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”. (BRASIL, 2002). Preliminarmente, é importante conceituar os requisitos acima mencionados, eis que são fundamentais para utilizar-se da benesse do instituto. Chalub (2003) diz que o justo título é o ato jurídico, de natureza singular, capaz de habilitar alguém a adquirir a propriedade de determinado bem, tais como a compra, a venda, a permuta, a ação em pagamento, a arrematação, a adjudicação, entre outros. Vale ressaltar que vem a ser o ato translativo que não produziu efeito. O título é de aquisição ineficaz. Gomes (2005) conceitua o possuidor de boa-fé (requisito indispensável da usucapião ordinária), como quem ignora o vício ou o obstáculo, que lhe impede a aquisição da coisa. Dessa ignorância resulta a convicção de que possui de forma legítima. Esses requisitos possuem caráter complementar, possuem caráter essencial, comum a toda espécie de usucapião à posse e o lapso temporal. Conforme salienta Ribeiro (2008), enquanto na usucapião extraordinária se exigem apenas os requisitos formais essenciais, na ordinária, tanto estes como os complementares são inarredáveis à sua configuração. 2.4.2 Usucapião extraordinária Conforme menciona Chalub (2003, p.75), a usucapião extraordinária caracterizase pela duração mais prolongada da posse, “bem como pela dispensa de justo título e boa fé, bastando que o possuidor exerça a posse, com animus domini, por certo tempo”. O referido instituto está previsto no artigo 1.238, do Código Civil de 2002. Vejase: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Basta que ocorra o fato da posse, não se investigando o título ou a boa fé. Basta a posse mansa, pacífica e ininterrupta. Ocorrendo posse nestes termos, “não podemos contestar o direito a prescrição aquisitiva”. (VENOSA, 2003, p. 240). 20 Tais requisitos são fundamentais, cumprindo, assim, ao autor, que pretenda o reconhecimento da usucapião, demonstrar que sua posse sobre o imóvel, exercida animus domini, durante o prazo legal, nunca foi interrompida, nem sofreu oposição ou contestação. (MONTEIRO, 1994). Ainda, caso o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o lapso de tempo se reduz para dez anos. (PEREIRA, 2012). Da análise do artigo acima mencionado, tem-se como requisitos para aplicação do referido instituto: posse contínua, pacífica, decurso do prazo de 15 (quinze) anos para os bens imóveis, dispensa de justo título e boa-fé. 2.4.3 Usucapião urbana A usucapião urbana compreende a posse de área urbana de até 250m² e a ocupação por cinco anos ininterruptos, com animus domini, além da utilização para moradia do ocupante ou da família, desde que não seja o usucapiente proprietário de outro imóvel no período aquisitivo. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). O referido instituto vem expresso no artigo 183, da Constituição da República Federativa do Brasil. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta [sic] metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 1988). Conforme leciona Gonçalves (2011, p. 264), a usucapião especial urbana constitui inovação trazida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: A usucapião especial urbana constitui inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, estando regulamentada em seu art. 183, verbis: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para a sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (grifo do autor). Cumpre salientar que o Código Civil Brasileiro de 2002 prevê o referido instituto, em seu artigo 1.240, redação que é praticamente idêntica ao preceito constitucional: Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta [sic] metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua 21 moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Esta modalidade de usucapião tem por escopo assegurar o direito de propriedade daqueles que não têm moradia e nenhum outro imóvel, resguardando, assim, os princípios constitucionais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, bem como da função social da propriedade. Nesse sentido, Ribeiro (2008, p. 934) destaca que, Somente após a elevação em nível constitucional do princípio de que a propriedade subordina-se à sua função social (o que restou concretizado na Emenda n. 1, de 1969 (art. 160, III), repetido no artigo 5º, XXIII, da vigente CF), é que veio a atentar o legislador quanto à utilização de áreas urbanas deixada sem uso, para valorização e futura especulação, mormente em face da enorme leva de pessoas sem qualquer espaço para morar ou construir casa própria. Portanto, da análise dos artigos anteriormente citados, tem-se por ilação que o possuidor deve ter a posse em terreno urbano, já que tem por escopo legitimar os loteamentos clandestinos dentro dos centros urbanos. (Ribeiro, 2005). Além disso, a área ocupada não pode exceder a 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, a posse deve justa, ou seja, sem oposição, com animus domini, deve haver a inexistência de quaisquer atos de violência, clandestinidade e precariedade, bem como o possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel. Conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: A aquisição da propriedade pela usucapião especial de imóvel urbano exige, além do exercício da posse sem oposição com animus domini por cinco anos ininterruptos, que o prescribente não seja proprietário de outro imóvel rural ou urbano e comprove que o terreno, não superior a 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), encontra-se localizado em área urbana e é utilizado para sua moradia ou de sua família. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.082994-4, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Fernando Carioni, 22-03-2011). É importante ressaltar que “o interessado para utilizar-se desse instituto não pode ter-se beneficiado por usucapião dessa natureza anteriormente”. (Venosa, 2003, p. 250). Para dar prosseguimento ao presente estudo, serão conceituados os requisitos do instituto da usucapião urbana, que são o limite da área ocupada e os atos de violência, assim como a clandestinidade e a precariedade. Os demais requisitos são comuns à usucapião extraordinária e ordinária, não sendo necessário conceituá-los novamente. 22 Conforme salienta Araújo (2005, p. 248), “a área urbana não poderá ser usucapida em dimensões superiores ao permissivo constitucional; caso contrário, o possuidor estaria se beneficiando da própria torpeza”. Nesse sentido, a área a ser usucapida deverá ser igual ou inferior à metragem estabelecida constitucionalmente. Caso a área urbana a ser usucapida seja superior, a petição inicial deverá ser indeferida, ante a impossibilidade jurídica do pedido. Colhe-se do julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANO. ART. 183 CF/88. IMÓVEIS COM ÁREA SUPERIOR AO LIMITE DE 250 m2. VEDAÇÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOS PEDIDOS. RETENÇÃO DE BENFEITORIAS. O primeiro apelo não merece provimento uma vez que a área a ser usucapida é maior que o limite constitucional de 250 metros quadrados. Ademais, o requisito moradia, imprescindível para a espécie, restou descumprido pois os apelantes mudaram-se de cidade, deixando o local. O segundo apelo, da mesma forma, não merece provimento pela impossibilidade de usucapião, pelo artigo 183 CF, de área superior a 250 metros quadrados, não aproveitando a pretensão dos autores o fato de terem recortado a área pretendida. Contudo, reservado direito às benfeitorias construídas. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70022787394, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 06/03/2008). Claro que a aplicação do texto deve primar pela equidade e senso de justiça, pois “não seria lícito privar uma pessoa humilde e sem posses, se a perícia comprovasse que a metragem da área requerida é de 255 (duzentos e cinquenta e cinco) metros quadrados”. (ARAÚJO, 2005, p. 248). Posse justa, conforme estabelece o artigo 1.200, do Código Civil Brasileiro, é a “que não for violenta, clandestina ou precária”. (BRASIL, 2002). Pereira (2012, p. 22) diz que “a posse violenta (adquirida vi) é a que se adquire por ato de força, seja ela natural ou física, seja moral ou resultante de ameaças que incutam na vítima sério receio”. No entanto, o Código Civil Brasileiro de 2002, mais precisamente em seu artigo 1.208, determina não ser possível a aquisição da posse por atos violentos, senão depois de cessar a violência, não gerando, portanto, efeitos no âmbito patrimonial. (BRASIL, 2002) Segundo Gomes (2003, p. 41), “posse clandestina é aquela que se adquire às ocultas. O possuidor a obtém, usando de artifícios para iludir o que tem a posse, ou agindo às escondidas. É o exemplo daquele que, à noite, muda a cerca divisória de seu terreno, apropriando-se do prédio vizinho”. 23 Precária é a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la (como o locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário, etc.) a retém indevidamente, quando lhe é reclamada. (RODRIGUES, 2003). Para Farias e Rosenvald (2012, p. 435), trata-se de mais uma maneira de promover o direito fundamental à moradia, “assegurando-se um patrimônio mínimo à entidade familiar, na linha de princípio da dignidade da pessoa humana”. Após analisar-se o instituto da usucapião especial urbana, será estudada a usucapião rural, conhecida também como pro labore. 2.4.4 Usucapião rural A usucapião rural foi criada pela Constituição Federal de 1934 e, a partir daí, jamais foi desprezada pelas leis posteriores, com exceção da omissão da Constituição Federal de 1967 e da emenda Constitucional nº 1, de 1969. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). Assim, extrai-se do artigo 125, da Constituição Federal de 1934, que Todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por dez anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até dez hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita. Conforme consta na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 191, “compreende a posse de área de terra em zona rural, não superior a 50 hectares, como ocupação por cinco anos ininterruptos, sendo o imóvel produtivo pelo trabalho e local de moradia da família, vedada a propriedade sobre outro imóvel no prazo legal”. (BRASIL, 1988). Não obstante os requisitos mencionados acima, segundo consta no artigo 3º, da Lei n. 6.969/81, são vedados à usucapião rural em áreas indispensáveis à segurança nacional, terras habitadas por silvícolas e áreas declaradas pelo Poder Executivo como de interesse ecológico: A usucapião especial não ocorrerá nas áreas indispensáveis à segurança nacional, nas terras habitadas por silvícolas, nem nas áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente. (BRASIL, 1981). 24 Essa modalidade de usucapião é regulada pela Lei nº 6.969/81, com as alterações provenientes de dispositivos que não foram objeto de recepção pelo texto constitucional (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 457), tanto é que o artigo primeiro desta lei menciona que a área rural não poderia exceder a 25 (vinte e cinco) hectares: Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de justo título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis. (BRASIL, 1981, grifo nosso). Esse dispositivo se torna ineficaz ao ser analisado em conformidade com a constituição vigente, que, em seu artigo 191, expressa que a área de terra a ser usucapida não pode ser superior a 50 (cinquenta) hectares. Veja-se: Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta [sic] hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. (BRASIL, 1988). Conforme ensina Venosa (2003),esse dispositivo constitucional foi recepcionado pelo artigo 1.239, do novo Código Civil, já que anova Carta dilatou a extensão de terra usucapienda fixada na lei anterior. Outra questão a ser analisada, é que anteriormente à promulgação da República Federativa do Brasil, era possível a usucapião de terras devolutas. Estas são áreas que integram o patrimônio das pessoas federativas, mas não são utilizadas para quaisquer finalidades públicas específicas. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). É o que menciona o artigo 2º, da Lei n. 6.969/81: “A usucapião especial, a que se refere esta Lei, abrange as terras particulares e as terras devolutas, em geral, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao posseiro, pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispõem sobre processo discriminatório de terras devolutas”. (BRASIL, 1981). Ainda segundo Bastos (apud FARIAS; ROSENVALD, 2012), as terras devolutas não se enquadrariam nos bens particulares ou públicos, pelo fato de o texto constitucional se referir separadamente às terras públicas e às terras devolutas. O instituto da usucapião tem por finalidade que terras produtivas fiquem nas mãos de trabalhadores e não de proprietários desidiosos. Aqui, tem-se o cumprimento da função social da propriedade. 25 Além disso, Farias e Rosenvald (2012, p. 457) ainda explicam de forma salutar a finalidade do instituto: Aqui a função social da posse é mais intensa do que na modalidade da usucapião urbana. A simples pessoalidade da posse pela moradia não conduz a aquisição da propriedade, se não acompanhada pelo exercício de uma atividade econômica, seja ela rural, industrial, ou de mera existência da entidade familiar. O objetivo desta usucapião é a consecução de uma política agrícola, promovendo-se a ocupação de vastas áreas subaproveitadas, tornando a terra útil por produtiva. (grifo nosso). Diante do exposto, a usucapião especial rural surgiu na Constituição Federal de 1934. Atualmente, é regulada pela Lei n. 9.969/81, salvo no que for contrário à Constituição vigente e tem por escopo fixar o homem no campo, tornando, assim, a propriedade produtiva. Seus requisitos estão expressos no artigo 191, da Constituição da República Federativa do Brasil: o possuidor não pode ser proprietário de imóvel rural ou urbano, deve possuir como seu, pelo prazo de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, em área de terra não superior a 50 (cinquenta) hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia. Identificadas as principais espécies de usucapião, na sequência serão estudados os efeitos da sentença que declara a propriedade. 2.4.5 Efeitos da sentença O efeito fundamental da usucapião é “transferir ao possuidor a propriedade da coisa” (Gomes, 2005, p. 172), sendo a sentença declaratória e que serve de título para registro da propriedade no respectivo Registro de imóveis, nos moldes do artigo 1.241, do Código Civil, in verbis: “Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel. Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. (BRASIL, 2002). A sentença é declaratória e produz efeito ex tunc, e vale dizer que a aquisição da propriedade se considera efetivada no momento em que se inicia a posse. (CHALUB, 2003). Porém, é de extrema relevância ressaltar que a doutrina majoritária entende que a sentença de usucapião possui caráter predominantemente declaratório, conforme a classificação quinaria de Pontes de Miranda. Tal entendimento se dá por conta de que a referida sentença constituise em título hábil para registro no cartório de registro de imóveis. 26 Nesse sentido, extrai-se do julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Entretanto, a sentença da ação de usucapião possui, na classificação quinária de Pontes de Miranda (adotada majoritariamente pela doutrina e jurisprudência), caráter predominante declaratório, mas também relevante carga constitutiva, representada pelo efeito de a sentença constituir-se título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. (TJSC, Apelação Cível n. 2006.030224-9, da Capital, rel. Des. Denise Volpato, j. 30-11-2010). No mesmo norte, Farias e Rosenvald (2012, p. 470) comentam que Qualquer sentença possui várias eficácias, mas a sua classificação será sempre elaborada com vistas àquela que se afigura preponderante. Destarte, a sentença de usucapião é preponderantemente declaratória de domínio, mas também constitutiva de direito subjetivo de propriedade. antes do registro da sentença, as faculdades do domínio já se enfeixam nas mãos do usucapiente, mas a titularidade remanesce formalmente e residualmente com o proprietário, como se fosse a última chama de uma vela que já se apagou. Com o registro, domínio e propriedade voltam apenas a se concentrar em uma pessoa: o usucapiente, repelindo de uma vez por todas o proprietário. A partir do registro da sentença, o proprietário titularizará o direito subjetivo de exigir da coletividade um dever geral de abstenção, formando-se, pela publicidade inerente ao registro, a relação jurídica entre o novo titular e o sujeito passivo universal. Para Gomes (2005, p. 172), a retroatividade da aquisição acarreta as seguintes consequências: Todos os atos praticados pelo possuidor são válidos; mesmo que fosse do possuidor de má fé, não estará obrigado a restituir os frutos da coisa; os atos praticados pelo proprietário no decurso do prazo da usucapião decaem, se esta é consumada. Desse modo, se o possuidor constitui direitos reais sobre o bem, consideram-se válidos desde o momento da constituição, uma vez consumada a usucapião. “Proferida sentença e declarando o domínio do autor, ela constituirá título hábil para transcrição, oponível erga omnes”. (MONTEIRO, 1994, p.134). O procedimento a ser utilizado para obter a sentença declaratória, ou melhor, predominante declaratória de usucapião, vem expresso nos artigos 941 a 945, do Código de Processo Civil. A modalidade especial segue o rito sumaríssimo da já mencionada Lei nº 6.969/81 (imóveis rurais). No presente capítulo, foram demonstradas as principais espécies de usucapião no ordenamento jurídico brasileiro, os fundamentos do referido instituto, bem como os efeitos da sentença. O próximo capítulo diz respeito aos bens públicos, sua classificação, regime jurídico e suas principais características. 27 3 BENS PÚBLICOS 3.1 CONCEITO Na lição de Meirelles (2007, p. 520), bens públicos, em sentido amplo, “são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertencem, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais em empresas governamentais”. Ainda, segundo o referido autor, no sistema administrativo, têm-se, no que diz respeito à classificação, os bens públicos federais, estaduais e municipais. O Código Civil de 2002, mais precisamente em seu artigo 98, define os bens públicos, afirmando que: “São públicos os bens do domínio nacional pertencente às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencem”. (BRASIL, 2002). 3.2 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS De acordo com o artigo 99, do mesmo diploma, os bens públicos estão enquadrados em três categorias: os bens de uso comum do povo, os bens de uso especial e os bens dominicais. (BRASIL, 2002). 3.2.1 Regime jurídico dos bens públicos Os bens públicos são resguardados pelas cláusulas de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade e pela não oneração que lhes conforma, em termos substanciais, o regime jurídico. (GASPARINI, 2012). A inalienabilidade, como tônica geral, depende dos casos que a lei estabelecer, ao passo que a alienabilidade, princípio relativo, depende de autorização legal nas hipóteses permitidas. (FRANCO SOBRINHO, 1979). Significa dizer, então, que os bens públicos não podem ser vendidos, permutados ou doados. Porém, somente são inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação pública específica. (RIBEIRO, 2008). 28 “Os bens públicos não podem ser penhorados e isto é uma consequência do artigo 100, da Constituição. Vale dizer, também, que tais bens não podem ser praceados para que o credor neles se sacie. Além disso, não podem ser gravados com direitos reais de garantia”. (MELLO, 2011, p. 293). “A imprescritibilidade significa que a ausência de exercício das faculdades de usar e fruir dos bens públicos não acarreta a possibilidade de aquisição de seu domínio por via de usucapião em prol de terceiros”. (JUSTEN FILHO, 2009, p. 926). Como decorrência da inalienabilidade e da impenhorabilidade, se apresenta o princípio da impossibilidade de oneração dos bens públicos, “pelo qual inexistem direitos reais de garantia sobre coisas públicas, tais como o penhor, a anticrese e a hipoteca”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 887). Portanto, são características dos bens públicos a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração. 3.2.2 Bens de uso comum do povo Marinella (2010, p. 750) menciona que “os bens de uso comum do povo, também denominados bens do domínio público, são os bens que todos podem usar; destinam-se a utilização geral pelos indivíduos, podendo ser federais, estaduais ou municipais”. Por serem de uso coletivo, tais bens podem ser utilizados indistintamente e sem quaisquer discriminações, salvo em casos de interesse público. São exemplos de bens públicos, conforme o referido artigo, as ruas, as praças, rios, logradouros públicos, dentre outros. Diniz (2010, p. 94) define bem o conceito de bens de uso comum do povo: Os bens de uso comum do povo, embora pertencentes à pessoa jurídica de direito público interno, podem ser utilizados, sem restrição e gratuita ou onerosamente, por todos, sem necessidade de qualquer permissão especial desde que cumpridas às condições impostas por regulamentos administrativos (p. ex., praças, jardins, ruas, estradas, mares, praias – Lei n. 7. 661/88, art. 9º; rios, enseadas, baías, golfos – CC, art. 99, I etc.). Nada obsta que o poder público venha a suspender seu uso por razões de segurança nacional ou do próprio povo usuário. P. ex.: interdição do porto, barragem do rio, etc. Portanto, bem de uso comum é “todo imóvel ou móvel, sobre qual o povo, o público, anonimamente, coletivamente exerce direitos de uso e gozo, como, por exemplo, o exercido sobre as estradas, os rios, as costas ao mar”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 819). 29 3.2.3 Bens de uso especial Os bens de uso especial são aqueles utilizados nos serviços prestados pela administração. Esses bens, em regra, não comportam o uso geral, pois os beneficiários diretos são os usuários do serviço e os servidores que trabalham nessa atividade. (MEDAUAR, 2012). Sobrinho (1979, p. 253) ensina que os bens de uso especial “são aqueles bens de serventia, destinados à execução dos serviços públicos, indispensáveis aos serviços administrativos, caracterizados por uma finalidade pública permanente que os torna nos casos previstos em bens patrimoniais indisponíveis”. No mesmo sentido, para Meirelles (2007, p. 522) esses bens “são aqueles que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços. São utilizados para atingir os fins do Estado. Exemplos de tais bens são os museus, aeroportos, escolas públicas, etc.”. 3.2.4 Bens dominicais Os bens dominicais são aqueles que não têm uma destinação específica, ao contrário do que ocorre com os bens de uso comum e os de uso especial. Para Justen Filho (2009), trata-se de bens móveis ou imóveis que se encontram na titularidade estatal, mas que não se constituem em efetivo instrumento de satisfação de necessidades coletivas. “Os bens dominicais são aqueles em que o poder público é titular da mesma maneira que a pessoa de direito privado é titular de seu patrimônio”. (RODRIGUES, 2003, p. 146). Entre os bens dominicais, têm-se, como exemplo, “os terrenos de marinha, as terras devolutas, os imóveis não utilizados pela administração, os bens móveis inservíveis, as ilhas oceânicas e o dinheiro e os títulos de crédito pertencentes à Fazenda Pública”. (MUKAI, 1999, p. 184). Meirelles explica que a lei civil quis dizer que os bens de uso comum e os de uso especial não podem ser alienados, por conta de sua destinação pública específica, ou seja, enquanto perdurar a denominada afetação pública, que nada mais é do que a destinação pública específica. 30 Os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser alienados, desde que a Administração satisfaça certas condições prévias para sua transferência ao domínio privado ou a outra entidade pública. O que a lei civil quis dizer é que os bens públicos são “inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação pública específica”. (MEIRELLES apud MUKAI, 1999, p. 184). Conforme salientado acima, os bens públicos podem ser alienados, desde que não tenham destinação específica. A alienação de bens imóveis da Administração Pública depende de autorização legislativa específica prévia, bem como de avaliação prévia e de procedimento licitatório, na forma da lei. Em regra, a lei que autoriza a alienação do bem promove a sua desafetação. (MUKAI, 1999, p. 190). No dizer de Marinella, a desafetação é um fato administrativo, que retira a destinação pública outrora conferida a um bem da Administração Pública, ou seja, quando este não mais atender os interesses da coletividade. Sendo assim, deixa de ser de uso comum do povo ou de uso especial para se transformar em bem dominical, que não tem finalidade pública: É um fato administrativo que retira o destino público, deixando de servir a uma finalidade pública. Assim, caso o bem esteja sendo utilizado para atender uma necessidade pública, por exemplo, usado como praça, como escola pública, mas por alguma razão, deixe de atender a esse interesse, desvinculando de uma destinação pública, diz-se que esse bem foi desafetado. Deixa de ser de uso comum do povo ou de uso especial para se transformar em bem dominical, aquele que não tem finalidade pública. (MARINELLA, 2010, p. 752). Portanto, os bens dominicais são aqueles que não têm uma destinação específica, ou seja, não tem finalidade pública, e, por conta desta característica, podem ser alienados pela Administração Pública. Os bens públicos de uso comum e os de uso especial não podem ser alienados, ao revés dos bens dominicais, conforme explicado anteriormente. Aqueles não podem ser alienados por conta de sua finalidade pública, salvo, conforme argumentado, quando forem desafetados. Da análise do presente estudo, no que diz respeito aos bens públicos, tem-se por ilação que estes são bens do domínio nacional, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno e são classificados como bens de uso comum do povo, uso especial e dominicais. Além disso, têm como características a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração. 31 Os bens de uso comum são destinados a toda coletividade, ou seja, pessoas não individualizadas. Os de uso especial são aqueles com destinação específica, mais precisamente à execução dos serviços públicos, sendo restrito aos beneficiários e aos servidores que prestam esse serviço, sendo de uso específico. Os bens dominicais não têm uma finalidade pública, logo, podem ser alienados ou explorados economicamente por parte da Administração Pública. A alienação de bens da Administração Pública se dá por licitação (Lei 8.666/93), que é um processo administrativo que visa a assegurar igualdade de condições a todos que queiram realizar um contrato com o poder público, sendo indispensável a comprovação do interesse público. Medauar explica de forma cristalina o procedimento de alienação de bens imóveis da Administração Pública, que, segundo o artigo 17, caput, da Lei 9.866/93, se dá com a prévia avaliação do bem, autorização do legislativo correspondente e de procedimento licitatório: A alienação de bens imóveis dependerá de autorização do legislativo correspondente, para a Administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, dependerá de avaliação prévia e de concorrência (art. 17, I). Por força do artigo 23 da Lei 9.636, de 15.05.1998, a alienação de bens imóveis da União depende de autorização, emitida pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, por delegação do Presidente da República (Decreto 3.125/99) e deverá ser precedida de parecer da Secretaria do Patrimônio da União quanto a sua conveniência e oportunidade. A alienação ocorrerá se não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio nacional. A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro da Fazenda, permitida a subdelegação. (MEDAUAR, 2012, p. 285). Do exposto supra, tem-se, ainda, o procedimento em relação à alienação de bens imóveis da União, que dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU (Secretaria do Patrimônio da União), quanto a sua oportunidade e eficiência. (BRASIL, 1988). “A União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-Membros e Municípios, constituindo pessoa jurídica de direito público interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado Brasileiro”. (MORAES, 2006, p. 668). Neste diapasão, os bens da União podem ser alienados quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o respectivo imóvel em seu domínio, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional. Cumpre salientar que tais alienações devem ser motivadas, ou seja, deve ser respeitado o princípio da motivação, que, segundo Mello (2011), impõe à administração 32 Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a providência adotada. A Lei 9.784/99, em seu artigo 50, menciona que a motivação é imprescindível para todo e qualquer ato administrativo, pois a ausência de motivação ou indicação de motivos inverídicos ou incongruentes torna o ato nulo. (BRASIL, 1999). Nesse sentido, a motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, pois a falta de motivação ou indicação de motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo devido a Lei n.º 9.784/99, em seu art. 50, prevê a necessidade de motivação dos atos administrativos sem fazer distinção entre atos vinculados e os discricionários, embora mencione nos vários incisos desse dispositivo quando a motivação é exigida.(GASPARINI, 2005. p. 23). Não obstante, existem outros instrumentos judiciais para questionar os atos eivados de vícios praticados por parte da Administração Pública, como a ação popular e a ação civil pública. A ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a este equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal. (MEIRELLES; WALD; MENDES, 2012). Segundo consta na obra citada dos autores acima, “a ação civil pública é disciplinada pela lei nº 7. 347, de 24.7.1985, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, dentre outros”. (MEIRELLES; WALD; MENDES, 2012, p. 170). Como se sabe, o objetivo do presente trabalho é demonstrar a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual, ante a impossibilidade de aplicação deste por conta desses terrenos serem considerados de marinha, logo, não passíveis de usucapião. Ora, se é possível a sua alienação, por que não é possível usucapir tais imóveis? Entende-se que tal situação fere os princípios constitucionais da função social da posse e da proporcionalidade, mas tal raciocínio será esclarecido no terceiro capítulo do presente estudo. Para melhor entendimento do presente trabalho, no que diz respeito à possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais, é necessário conceituar os chamados terrenos de marinha e seus acrescidos. 33 3.2.5 Terrenos de marinha e seus acrescidos Conforme estabelece o artigo 2º, do Decreto-Lei nº 9.760/46, os terrenos de marinha são aqueles situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, e os que contornam as ilhas em zona onde se faça sentir a influência das marés, medidos horizontalmente para a terra, em profundidade de 33 metros, a partir da linha de preamar média de 1831. A influência das marés é caracterizada pela variação periódica de, no mínimo,5 (cinco) centímetros no nível da água em qualquer época do ano. É isso que expressa o parágrafo único do referido artigo. (BRASIL, 1946). A linha do preamar médio, fixado pela influência das marés, em determinados períodos, sob o efeito das lunações, serviu de ponto de referência constante para a delimitação da faixa dos terrenos de marinha. (CRETELLA JÚNIOR, 1999). Para o referido autor, Com o advento do sistema métrico decimal, feitas as reduções, “terrenos de marinha são todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em sua foz, vão até a distância de 33 metros para a parte das terras, contados desde o ponto a que chega preamar médio” ou “em uma profundidade de 33 metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831, os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagos, até onde se faça sentir a influência das marés e os que contornam as ilhas situadas onde se faça sentir a influência das marés”. (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 835). Os terrenos de marinha pertencem à União, sendo justificado o domínio federal em virtude da necessidade de defesa e segurança nacional, porém, não são considerados bens de uso comum do povo ou de uso especial. São considerados bens dominicais. Nesse sentido, para Niebuhr (2004, p. 3), O artigo 11 do Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, qualifica o terreno de marinha como bem dominical, o que significa que o povo não tem livre acesso a eles. Os terrenos de marinha, nessa qualidade, podem ser utilizados privativamente pela União, quer de modo direto, quer por meio da celebração de contratos com terceiros, como, por exemplo, o de enfiteuse ou aforamento, o de cessão, permissão de uso, etc. Inclusive é permitido a União alienar os terrenos de marinha, como amparo no artigo 101 do Código Civil. Cretella Júnior (1999, p.434), no mesmo norte, afirma que Pela singular importância de que se revestem, entre os bens públicos do domínio da União, se acham os terrenos de marinha relevantes quer sob o aspecto patrimonial, 34 quer sob o ângulo politico; patrimonial, pela riqueza de sua contribuição para o domínio público, renda arrecadada pela fazenda dos foros e laudêmios devidos pelos ocupantes, políticos, porque, compreendendo a faixa marítima e nossa fronteira com o Oceano, existe interesse imediato em assegurar-se o domínio direto dos aludidos terrenos pelo Estado, afim de poder ali construir as defesas que se tornarem necessárias à proteção do nosso território. Por conta de serem considerados bens dominicais, os terrenos de marinha podem ser explorados economicamente por parte do poder público para obtenção de renda. Sua utilização pelo particular se faz sob o regime de aforamento, podendo, inclusive, ser alienados. A utilização por particulares se faz sob o regime de aforamento. É o que ensina Di Pietro (2012, p. 655): Os terrenos de marinha têm natureza de bens dominicais, uma vez que podem ser objeto de exploração pelo poder público, para obtenção de renda. Sua utilização pelo particular se faz sob regime de aforamento ou enfiteuse, pelo qual fica a União com o domínio direto e transfere ao enfiteuta o domínio útil, mediante pagamento de importância anual, denominada foro ou pensão. “Foro ou cânon é a prestação paga pelo enfiteuta ao senhorio direto, como reconhecimento da relação jurídica decorrente do desdobramento do domínio”. (CAVALCANTI, 1966, p. 484). É direito real limitado que confere a alguém, perpetuamente, poderes inerentes ao domínio, com a obrigação de pagar ao dono da coisa uma renda anual, conhecida como foro. O instituto também é denominado de aprazamento ou aforamento. (FARIAS; ROSENVALD, 2012). Atualmente, não se permite a constituição de uma enfiteuse, porém, aquelas que foram firmadas até 10 de janeiro de 2003, antes da vigência do Código Civil de 2002, serão regulados pela antiga lei civil. (RODRIGUES, 2009). É o que expressa o artigo 2.038, do Código Civil vigente: “Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores”. (BRASIL, 2002). Vale lembrar que, para que as áreas dos terrenos de marinha se tornem urbanas ou urbanizáveis, ou seja, se tornar de uso privado, é necessária a autorização do Governo Federal. Entretanto, algumas áreas dos terrenos de marinha se tornaram urbanas ou urbanizáveis por aquiescência do Governo Federal, passando a ser permitido o uso privado. No que concerne às construções e edificações particulares, incidem regularmente as normas próprias editadas pelos Estados e pelos Municípios, estes, 35 inclusive, dotados de competência urbanística local por preceito expresso na Constituição (art. 30, VIII). (CARVALHO FILHO, 2009, p. 1138). Conforme mencionado infra pelo autor, no que diz respeito às construções e edificações particulares, as normas são reguladas pelo Estado e pelos Municípios, conforme dispõe o artigo 30, inciso VIII, da CF/88, ou seja, promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. (BRASIL, 1988). Os acrescidos, ou seja, os terrenos acrescidos, conforme artigo 3º, do decreto infra, “são os que tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”. (BRASIL, 1946). Esses terrenos são formados por aluvião ou artificialmente. O artigo 16, do Código de Águas, traz o conceito de aluvião: constituem "aluvião" os acréscimos que sucessiva e imperceptivelmente se formarem para a parte do mar e das correntes, aquém do ponto a que chega o preamar médio, ou do ponto médio das enchentes ordinárias, bem como a parte do álveo que se descobrir pelo afastamento das águas. (BRASIL, 1934). Tais terrenos pertencem aos proprietários das terras marginais a que aderirem, na forma que o Código Civil estabelece (art. 1.250). (MEIRELLES, 2009). 2.3.6 Terrenos marginais Terrenos marginais são “os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte da terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias”. (BRASIL, 1934). “O que distingue os terrenos marginais dos terrenos de marinha é o fato de estarem fora do alcance das marés”. (MUKAI, 1999, p. 202). O referido autor explica que havia uma grande divergência doutrinária a respeito do domínio dos terrenos marginais, sendo tal discussão sanada com a Súmula 479, do Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe que: “as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”. (BRASIL, 1969). Ainda a Constituição Federal, em seu artigo 20, inciso II, expressa que são bens da União as faixas marginais aos “lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos 36 de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham”. (BRASIL, 1988). Forçoso esclarecer que os rios que têm nascente e foz dentro de determinado Estado que não façam limites com outros e nem se estendendo até outro território, pertencem eles ao Estado, por força da Constituição Federal. (AC nº 2006.71.0021834-6/RS, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, DE 19/06/2007). (grifo nosso). Porém, mesmo que os rios que tenham nascente, e foz dentro de determinado estado não façam limites com outros e nem se estendam até outro território, nada impede que estes sejam caracterizados como terrenos ou acrescidos de marinha; portanto, federais. (TRF 4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 00054112620104040000, 4ª Turma, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, D.E. 25/05/2010). Discorda-se de tal entendimento, pois nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator determinante do domínio, pois, se assim o fosse, os rios estaduais que chegam ao mar passariam a ser da União, não encontrando respaldo na Constituição Federal. No capítulo seguinte, serão trazidos à baila os argumentos da possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais e terrenos de marinha e seus acrescidos, muito embora o cerne do presente estudo seja em relação àquele. 37 4DOS PROBLEMAS DE ORDEM JURÍDICA 4.1 O INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL E DA POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS MARGINAIS DE RIO ESTADUAL Neste terceiro e último capítulo, demonstrar-se-á a possibilidade da aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais de rio estadual. Ainda, será discutida a possibilidade de aplicação deste em terrenos de marinha. Conforme explicado no início do presente trabalho, a usucapião é o modo originário da aquisição do domínio através da posse mansa e pacífica, por certo espaço de tempo, fixado em lei (RODRIGUES, 2003), sendo que seu principal fundamento é transferir ao possuidor a propriedade da coisa. A União é pessoa jurídica de direito público com capacidade política, que ora se manifesta em nome próprio, ora se manifesta em nome da Federação. (BASTOS, 2000). Assim, “embora não conte com personalidade internacional – apenas atribuída ao Estado Federal brasileiro – são as autoridades e órgãos da União que representam o Estado Federal”. (TAVARES, 2009, p. 1065). “Os Estados Federados, Estados-Membros ou Estados constituem ordenações jurídicas parcial, que atuam como núcleos autônomos de poder, com legislação, governo e jurisdição próprios”. (BULOS, 2010, p. 901). Terrenos marginais, conforme expressa o artigo 4º, do Decreto-Lei 9.760/46, “são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15m medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha das enchentes ordinárias”. (BRASIL, 1946). O domínio das águas é atribuído à União e aos Estados por força do artigo 20, da Constituição da República Federativa do Brasil. Todas as correntes de águas são públicas, de modo que a Constituição Federal reparte o domínio das águas entre a União e os Estados. O referido artigo modificou de forma significativa o Código de Águas, eliminando as antigas águas municipais, as comuns e particulares, ou seja, os terrenos marginais, que são sempre banhados por correntes navegáveis, serão do domínio público da União se a corrente navegável a ela pertencer; ou de domínio do Estado a que pertencer a corrente navegável. Esse é o mesmo entendimento de Silva (2009, p.256): 38 [...] Hoje isso está modificado, por força do dispositivo constitucional que estamos comentando, os quais atribuem o domínio das correntes de água à União e aos Estados, nos termos já especificados. Então, não há que se falar em “correntes públicas de uso comum”, como diz o item 2º do art. 11. Isso quer dizer, pois, que todas as correntes de água são públicas, de sorte que a constituição reparte o domínio das águas entre a União e os Estados, modificando profundamente o Código de Águas, eliminando as antigas águas municipais, as comuns e as particulares. Logo, os terrenos reservados, que são sempre os banhados por correntes navegáveis serão de domínio púbico da União se a corrente navegável a ela pertencer, ou de domínio púbico do Estado a que pertencer a corrente navegável. O artigo 20, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, expressa os bens que pertencem à União, in verbis: Art. 20. São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005) V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. (BRASIL, 1988). Nos termos do inciso terceiro, do referido dispositivo legal, pertencem à União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. (BRASIL, 1988). Ao analisar o inciso infra, pode-se afirmar que os rios que têm nascente e foz dentro de determinado estado, a este o pertencem. É que, para caracterização do domínio por parte da União, estes devem banhar mais de um Estado e servir de limites com outros países, ou se estender a território estrangeiro ou deles provir. Porém, existe uma grande discussão nos tribunais, principalmente no que diz respeito à caracterização de tais terrenos, sejam eles marginais ou de marinha. Ambos não se 39 confundem, eis que os terrenos de marinha, segundo consta no Decreto-Lei anteriormente citado, mais precisamente em seu artigo 2º, que tais terrenos “são os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, no contorno das ilhas até onde se faça sentir a influência das marés, numa largura de 33m, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831”. (BRASIL, 1988). A título de esclarecimento, os terrenos de marinha enquadram-se “como terras públicas, que não são suscetíveis de usucapião (CF, arts. 189, § 3º, e 191, parágrafo único) e só podem ser alienadas ou concedidas seu uso em área superior a dois mil e quinhentos hectares com prévia autorização do Congresso Federal”. (MEIRELLES, 2009, p. 555). Eliana Calmon, Ministra do Superior Tribunal de Justiça, citando Themístocles Brandão Cavalvanti, define o conceito de terrenos de marinha: De origem que remonta do Brasil Colônia, os terrenos de marinha, de propriedade da união, segundo a doutrina pátria, tiveram sua origem e justificativa, além das disposições constitucionais vigentes, em motivos “que interessam a defesa nacional, à vigilância da costa, à construção exploração dos portos, mais ainda de princípios imemoriais que só podem ser revogados por cláusula expressa da própria constituição. (REsp 968241/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 30/09/2009). Foi analisado de forma exaustiva que os bens da União não são suscetíveis de usucapião. Conforme se extrai do artigo 200 (duzentos) do Decreto-Lei 9.760/46: “os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos à usucapião”. (BRASIL, 1946). A controvérsia se dá nos casos em que os rios que tenham nascente e foz dentro de determinado estado, mesmo que não façam limites com outros e nem se estendam a outro território ou mesmo não se estendam a território estrangeiro ou deles provenham, são considerados, portanto, pertencentes ao Estado, por força da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, e nada impede que estes sejam caracterizados como terrenos ou acrescidos de marinha, sendo, assim, federais, por conta da influência das marés. Nesse sentido, é o entendimento da Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª região, 4ª Turma, Marga Inge Barth Tessler. Segundo a citada Desembargadora, o conceito de terrenos e acrescidos de marinha não comporta quaisquer incompatibilidade com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ou com o pacto federativo. A influência das marés é que dá conteúdo à expressão trazida no artigo 20, inciso VII, da Carta Maior. 40 Note-se que o conceito não comporta qualquer incompatibilidade com a atual Constituição ou com o pacto federativo. Não se trata de atribuir à União, diante da influência das marés, rios ou cursos d'água definidos constitucionalmente como estaduais; trata-se, isso sim, de definir como federais os terrenos marginais a tais corpos d'água, terrenos esses que não pertencem, em princípio, a qualquer Ente Político (salvo se por outra disposição constitucional ou por aquisição a justo título). Note-se: são bens diversos o rio e seus terrenos marginais, podendo um e outros pertencer a Entes ou pessoas diferentes. Não sendo, pois, inconstitucional a definição de terrenos de marinha e seus acrescidos, ao menos do que se refere às margens dos rios influenciados pelas marés, há que se considerar que é ela quem dá conteúdo à expressão trazida no art. 20, inc. VII, da CF/88, devendo ser adotada, inclusive, na hipótese de rios cujo domínio seja atribuído ao Estado - como no caso em tela. Aliás, a possibilidade de constituírem terrenos e acrescidos de marinha imóveis localizados às margens de rios estaduais não é tema novo nesta Corte e no próprio STJ. Há, aí, jurisprudência majoritária a considerar de propriedade da União, exemplificativamente, terrenos marginais ao Rio Tramandaí, que se encontra, ao que parece, em situação análoga à do Rio Itajaí-Açú, uma vez que também conta com nascente e foz dentro do território estadual (naquele caso, dentro do território do Estado do Rio Grande do Sul). (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC. Des. Federal Marga Inge Barth Tessler). O também Desembargador Federal, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, defende entendimento semelhante, no sentido de que é irrelevante que o rio seja ou não considerado estadual, porque, mesmo que tenha essa qualidade, mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens “até onde se faça sentir a influência das marés”, conforme preceitua o artigo 2º do Decreto – Lei 9.760/46, mesmo que a tal influência seja considerada mínima. O referido Desembargador afirma que não há qualquer inconstitucionalidade no Decreto citado, até mesmo porque essa inconstitucionalidade jamais foi reconhecida por qualquer Corte do país. ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. ART. 2º, "A", DO DECRETOLEI N.º 9.760/46. EFEITOS.1. O imóvel em questão se constitui em terreno de marinha ou acrescido de marinha, porque, historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés". É o teor do Decreto-Lei 9.760/46: 'Art. 2°São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas , até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo Único- Para efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência das marés é menor do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o argumento não colhe, uma vez que a lei não exige que a influência das marés seja a maior de todas. A lei exige apenas que a influência das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida. De outra parte, com o devido acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual. Mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens "até onde se faça sentir a 41 influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a propriedade do rio não impede que os terrenos a sua margem sejam da União. Merece destaque que não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar de vigente há mais de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por qualquer Corte do País. Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que lhe foram e são contemporâneas. Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E finalmente, não merece ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente não possa ser desconsiderado nesta ação, por força da lei especial. É que em se tratando de próprios federais não se pode invocar a legislação geral, inclusive dos registros públicos, quando tais imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito dispõe o art. 198 do Decreto-lei em exame: 'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei. " A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois, pode ser reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda. 2. Provimento dos embargos infringentes. (TRF4, EINF n. 94.04.55396-4, Segunda Seção, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. de 30/10/2009, grifo nosso). Esses argumentos são destituídos de conteúdo legal e técnico, até mesmo porque todos os rios estaduais que desaguam no mar, por exemplo, passariam a ser de domínio da União, o que vai contra o artigo 20, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe que são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. (BRASIL, 1988). Importante trazer à baila o ensinamento Silva a respeito dos rios: Rios que banhem mais de um Estado, tal como o São Francisco, o Paraíba, o Parnaíba, o rio Grande, o Amazonas, o Tocantins, o Araguaia, etc. Cremos que não há lago algum que banhe mais de um Estado e, salvo a Lagoa Mirim (RS/Uruguai), nem sirvam de limites com outros países” são, por exemplo, o rio Uruguai, o Paraguai, o Iguaçu, o Quaraí, o Guaporé, o Oiapoque. “Que se estendam a território estrangeiro ou deles provenham”: rios Japurá, Negro, Solimões, Madeira, Paraná, Paraguai. Logo, as águas (lagos, rios) situados exclusivamente no território de Estado a este pertencem, como o Tietê, o Piracicaba, no Estado de São Paulo; o Paraopeba, o Pará, o das Velhas, em minas. (SILVA, 2009, p. 289). Não se pode afirmar que os rios que tenham nascentes e foz dentro de determinado Estado, pelo simples fato de desaguar no oceano ou mesmo por conta da influência das marés, pertençam à União. Conforme citado pelo referido autor, as águas (lagos, rios) situadas exclusivamente no território do Estado a este o pertencem. A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, mais precisamente em seu artigo 37, alínea b, mencionava que era de domínio estadual as margens dos rios e lagos 42 navegáveis, destinadas ao uso público, se por algum título não fossem do domínio federal, municipal ou particular. (BRASIL, 1937). Conforme se extrai da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, “incluem-se entre os bens do Estado os lagos e rios em terrenos de seu domínio e os que têm nascente e foz no território estadual”. (BRASIL, 1946). Esse preceito foi mantido em 1967, com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, e a de nº 16, de 1980. O artigo 5º, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, mencionava: “incluem-se entre os bens dos Estados os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles têm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no artigo anterior”. (BRASIL, 1969). Pontes de Miranda ensinava que os lagos e rios, em terrenos de domínio do Estado, a este o pertencem, assim como sua nascente e foz, salvo aqueles que têm somente dentro ou fora do Estado, ocasião em que pertencem a União. Lagos e Rios. – Os lagos e rios, não só as margens, em terrenos de domínio de Estado- membro, pertencem ao Estado-membro. Também lhe pertencem os rios cuja nascente e foz sejam no território estadual. Porém os rios que só têm nascente ou só têm foz no Estado-membro pertencem a União. [...] Nascente e Foz. – Se tem fora do Estado-Membro a nascente ou a foz, não importa é aquela ou essa (estrangeiro, outro Estado-membro, Território, Distrito Federal, terras da União para defesa ou outra utilidade), não está composto o pressuposto a incidência do artigo 5º; não pertence ao Estado-membro o rio. Se o rio tem nascente e foz no território estadual, se bem que passe por outro Estado-Membro, Distrito Federal, ou Território, pertence ao Estado-membro em que estão a nascente e a foz. (PONTES DE MIRANDA, 1973, grifo nosso). Analisando-se os artigos citados acima, tem-se por ilação que nenhum texto constitucional estabelecia a maré como fator determinante do domínio, sendo correto dizer que os terrenos marginais de rio estadual não são de domínio da União e sim do Estado, nos moldes da Constituição Federal. Certamente não foi a intenção do legislador constituinte estabelecer a influência das marés como fator determinante do domínio. O artigo mencionado não deixa quaisquer dúvidas, eis que, para que tal domínio seja atribuído à União, os lagos e rios devem banhar mais de um Estado, servir de limite com outros países ou se estender a território estrangeiro ou dele provir. Tais argumentos foram extraídos do julgado da Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Silvia Gonçalves Goraieb: 43 Inicialmente, devemos partir da localização do Rio Tramandaí, para estabelecer a quem pertence e saber se o terreno que o autor diz ser de sua propriedade é ou não terreno de marinha. Possui referido rio nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro estado e nem se estende a outro território. Tais elementos estão definitivamente fixados no laudo pericial. A partir de tais conclusões, temos certo que pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. Com efeito, segundo evolução bem traçada no recurso, antes da Carta política de 1891, os rios eram todos do domínio da Coroa, passando depois, por força das alterações que sobrevieram, ao domínio tanto da União como dos Estados. As Constituições de 1934 e 1937 passaram a fixar o domínio da União, excluindo os rios que não se enquadrassem nas especificações próprias, sendo que a Carta de 1946, conceituou os rios do domínio dos Estados, o que foi seguido em 1967, Emenda Constitucional n° 1 de 1969 e a de n° 16, de 1980. Assim, já em 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos expressamente, eis que antes eram assegurados somente por exclusão. Vencida esta digressão de ordem constitucional, é necessário avançar na análise que vai fixar a natureza do domínio, frente à localização do terreno. Não se pode esquecer que a definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas. Com efeito, não se há de pretender alterar o domínio por fatores totalmente desvinculados da previsão legislativa, ou seja, não se pode chegar à afirmação de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União pelo simples fato de desaguar no oceano. Aliás, tal hipótese implicaria em fixar o domínio federal por estar o rio desaguando no mar territorial ou atravessar terrenos de marinha e acrescidos. Aliás, foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do oceano. Ocorre que o Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, editado pouco antes da Constituição de 1946, conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. Ora, nem a Carta de 37 admitia tal restrição que levaria ao absurdo de extinguir o domínio dos Estados sobre seus rios que deságuam no mar. E como foi magistralmente enfocado na apelação, a Constituição de 46, bem como as alterações subseqüentes, não recepcionaram tal impropriedade. Tal conclusão tanto mais se impõe se considerarmos que o texto legal não pode afrontar disposição constitucional, e o art. 25 das Disposições Transitórias da atual Carta Política revogou, definitivamente, os Decretos-Leis que consubstanciassem delegação do Congresso ao Poder Executivo em matéria de sua competência exclusiva, tal como legislar sobre bens do patrimônio da União, desde que não prorrogados por lei em tempo hábil. Assim, resulta certo que nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator determinante do domínio. Portanto, a conclusão sobre o domínio da União sobre terrenos marginais de rio estadual só porque este sofre os efeitos da maré é totalmente despida de conteúdo legal e técnico, pois todos os rios estaduais que chegam ao mar passariam a ser da União, o que não corresponde à previsão constitucional e a intenção dos constituintes.(AC nº 94.04.55397-2/RS, Rel. Des. Fed. Silvia Maria Gonçalves Goraieb. DJU 22/07/1998). Conforme foi comentado pela Desembargadora, para que o domínio de determinado rio seja atribuído ao domínio da União ou do Estado, é necessário fazer alguns apontamentos. Inicialmente, deve-se analisar se o rio tem nascente e foz dentro do Estado e verificar se ele não se estende a outro território. Em caso afirmativo, este pertence ao Estado, por força da Constituição da República Federativa do Brasil. Posteriormente, é necessário analisar a fixação da natureza do domínio, frente à localização do terreno. Insta salientar que o domínio atribuído à União ou ao Estado deve 44 estar vinculado às disposições expressas na Constituição da República Federativa do Brasil. Conforme já argumentado, não se pode atribuir o domínio de determinado rio à União pelo simples fato deste sofrer a influência das marés, ou mesmo por conta de desaguar no oceano. É que a foz de rios que desaguam no oceano nada mais são do que a foz do próprio rio, e não do oceano. Nessa linha de raciocínio é o entendimento do também Desembargador Federal Valdemar Capelleti, no sentido de que a definição do domínio por parte dos Estados deve estar vinculada expressamente na previsão legislativa, ou seja, não se pode atribuir o domínio por parte da União pelo simples fato de rios sentirem a influência das marés. A foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que a foz do próprio rio, e não do oceano. A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no oceano. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano.(AC nº 2006.71.00.021834-6/RS, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, DE 19/06/2007). Essa questão, no que diz respeito ao domínio dos rios atribuídos à União e aos Estados, vem há muito tempo sendo discutida. A Constituição de 1891, em seu artigo 64, mencionava que à União somente caberia a parte do território necessária à defesa nacional, mas aos Estados pertencia tudo o que se situasse dentro de seu território. Tal discussão foi tratada de forma polêmica pelos Ministros Carvalho de Mendonça e Alfredo Valadão, que entendiam que os rios que banhassem mais de um Estado pertenceriam a tais Estados, ao contrário de Clóvis Beviláqua, que sustentava que os mesmos pertenciam à União. É o que se extrai da obra do constitucionalista Pinto Ferreira (1999, p. 260): A constituição de 1891 debate a questão em seu artigo 64, firmando-se a regra de que à União só cabia a parte do território necessária à defesa nacional, mas aos Estados pertencia tudo o que se situasse dentro do seu território. Daí a discussão travada de forma polêmica entre M.I. Carvalho de Mendonça e Alfredo Valadão, pretendendo que os rios que banhassem mais de um Estado pertencessem a tais Estados, contra a opinião sustentada por Clóvis Beviláqua, de que pertenciam a União. A propriedade dos terrenos de marinha era muito discutida. Os que eram favoráveis a essa tese, sustentavam que tais terrenos estariam compreendidos entre as terras devolutas, por disposição da Constituição de 1891, em seu artigo 64: “Pertencem aos Estados 45 as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais”. (BRASIL, 1891). É o que ensina Cavalcanti (1966, p. 411): [...] Contra essa opinião citam-se as de JOÃO BARBALHO (18), RODRIGO OTÁVIO (19), e ALFREDO VALADÃO,JOÃO LUIS ALVES (20), o projeto apresentado ao Senado em 1892 por diversos senadores reconhecendo o direito dos Estados sôbre [sic] os terrenos de marinha e acrescidos, e o projeto aprovado pelo congresso em 1896 e vetado pelo Presidente da república. Dos ensinamentos trazidos, verifica-se que a discussão no que diz respeito aos terrenos de marinha é controversa desde a Constituição de 1891. Ferreira (apud MARTINS, 1993, p. 103) leciona que “entre os bens dos Estados, incluem-se os rios que neles têm nascente e foz; são os chamados rios interestaduais. São, assim, rios estaduais os que não estejam em terrenos de domínio da União, que não sejam interestaduais e que não sejam internacionais”. Para que o rio não se enquadre aos requisitos previstos no artigo 20, inciso terceiro, da Constituição da República Federativa do Brasil, este não pode banhar mais de um Estado e nem servir de limites com outros países, além de não se estender a território estrangeiro ou dele provenha. Conforme salienta Ferreira Filho (1997, p. 199), sobre as águas, bem mais simples seria a tarefa do intérprete se aqui se dissesse diretamente o que resulta do texto quando confrontado com o art. 20, III, da Constituição, ou seja, que pertencem aos Estados todas as águas que a Constituição não atribui à União neste dispositivo: as de lagos, rios e quaisquer correntes que não se encontrem no espaço do Território, não banhem mais de um Estado, não sirvam de limites com outros países, não se estendam ao estrangeiro nem deste provenham. Importante ressaltar que o domínio estadual decorre do preceito previsto no artigo 26, inciso primeiro, da Constituição da República Federativa do Brasil, que assim expressa: “Incluem-se entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”. (BRASIL, 1988). Houve necessidade de fazer tal indicação, porque são bens da mesma natureza daqueles já determinados para a União no art. 20, exatamente para definir que os bens aqui previstos não entram no domínio federal. (SILVA, 2009). 46 Atribuir o domínio em benefício da União dos rios que sofrem a influência das marés, vai de encontro à Constituição da República Federativa do Brasil, até mesmo porque, desde a Constituição de 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos de forma expressa, sendo correto afirmar que o Decreto-Lei 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições posteriores, inclusive a atual. Porém, a Constituição de 1934 já enumerava com mais precisão os bens pertencentes aos Estados-Membros, eis que tais direitos somente eram previstos por exclusão. Neste diapasão, têm-se os ensinamentos de Pinto Ferreira (1999, p. 260): A constituição de 1934, enumerou com mais precisão o bens pertencentes a União e aos Estados – Membros, nos arts. 20 e 21, mas inverteu a sistemática dominante na Lei Magna anterior, uma vez que fez o domínio da União a regra, enquanto o domínio dos Estados é a exceção. A orientação da Carta política de 1937 é semelhante, no sentido de aprofundamento da unidade nacional. 2. A divisão de bens nas constituições de 1946, 1967 e 1988. A constituição de 1946, é obvio, não podia também fugir a um esclarecimento do problema, que suscitou e regulou nos seus arts. 34 e 35, determinando a inclusão necessária de determinados bens no domínio da União e no domínio dos Estados. A constituição de 1967 regulou o problema em seus arts. 4º e 5º. Note-se que desde a Constituição de 1946, os bens dos estados passaram a ser previstos de forma clara e precisa, principalmente no que diz respeito à nascente e foz dos rios. Portanto, se desde a carta de 1946 o legislador atribui ao domínio dos Estados os rios que têm nascente e foz dentro de seu território, a este o pertence. Entende-se, então, não ser coerente a fixação do respectivo domínio pelo simples fato do rio sentir a influência das marés, que é conceituado por uma legislação infraconstitucional, ou seja, de hierarquia inferior à Constituição da República Federativa do Brasil. Meirelles (2009, p. 554) explica de forma cristalina sobre o assunto: O Dec. federal 19.924, de 27.04.31, reafirmou o direito dos Estados-membros sobre as terras que lhes foram transferidas pela Constituição de 1891 e reconheceu-lhes expressamente a competência para “regular a administração, concessão, exploração, uso e transmissão das terras devolutas, que lhes pertencem, excluída sempre a aquisição por usucapião” (art. 1º). A legislação subsequente proibiu o resgate dos aforamentos de terrenos pertencentes ao domínio da União e assegurou aos Estadosmembros o domínio dos terrenos marginais acrescidos naturalmente dos rios navegáveis de seus territórios, bem como o das ilhas formadas nesses rios e nas lagoas navegáveis, em todas as zonas não alcançadas pela influência das marés (Dec. federal 21.235, de 2.4.32). Logo depois foi transferido aos Estados- membros o domínio de todos os terrenos aforados pela União (Dec. federal 22.658, de 20.4.33). [...] A Constituição Federal de 1969 manteve no domínio dos Estados-membros todas as terras devolutas não compreendidas no patrimônio da União (art. 5º). (grifo nosso). 47 Segundo o mencionado autor, os rios públicos, na partilha constitucional, desde 1946, ficaram repartidos entre a União e os Estados-Membros, “sem se atribuir qualquer domínio fluvial ou lacustre aos Municípios”. (MEIRELLES, 2009, p. 567). Neste diapasão, é importante citar o entendimento da 2ª Corte do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Segundo a referida corte, o Decreto-Lei 9.768/46, não foi recepcionado pelas constituições posteriores de 1946, não havendo na atual Constituição Federal definição no que diz respeito aos terrenos de marinha e seus acrescidos, eis que a influência das marés não é a mais indicada para caracterização do imóvel como sendo de domínio da União, caracterizando-se, outrossim, como terrenos de marinha. ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENODE MARINHA E ACRESCIDOS - RIO TRAMANDAÍ. BEM DE DOMÍNIO ESTADUAL. DECRETO-LEI Nº 9.760/46 - NÃO-RECEPÇÃO. NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. 1. O rio Tramandaí possui nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do Sul, a este pertencendo seu domínio. 2. Havendo acréscimos às margens do rio Tramandaí, em decorrência de aterro artificialmente colocado, os terrenos de aí oriundos também pertencem ao domínio do Estado do Rio Grande do Sul. 3. O Decreto-Lei nº 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições posteriores a de 1946, não havendo na atual Carta Magna de 1988 qualquer definição a respeito de terreno de marinha e seus acrescidos, certo que a influência das marés não é mais indicada a caracterizar o imóvel como tal. 4. Os atos administrativos que visam à cobrança de taxa de ocupação restam anulados presente o desaparecimento da fato gerador de referida cobrança, qual seja, ocupação de terreno de marinha. (TRF4, AC 96.04.55312-7, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Amaury Chaves de Athayde, DJ 26/07/2006). Em outras palavras, as disposições previstas na Constituição da República Federativa do Brasil não podem ser ampliadas ou restringidas por regulamentação infraconstitucional, a menos que a própria carta assim ressalve ou remeta à lei ordinária. (AC nº 1999.71.00.014738-2/RS, Rel. Des. Fed. Edgard Lippmann Junior, DJU 22/11/2006). Bastos (2000, p. 47) ensina que As normas componentes de um ordenamento jurídico encontram-se dispostas segundo uma hierarquia e formando uma espécie de pirâmide, sendo que a Constituição ocupa o ponto mais alto, o ápice da pirâmide legal, fazendo com que todas as demais normas que lhe vêm abaixo a ela se encontrem subordinadas. [...] Qualquer ato jurídico de natureza infraconstitucional padecerá do supremo vício de ilegalidade, o qual, no caso, em razão de ser praticado contra a Lei Maior, denomina-se inconstitucionalidade. A supremacia das normas constitucionais é assegurada através dos processos próprios, que vêm negar aplicação, negar executoriedade aos atos praticados contra seus comandos e até mesmo suprimir em definitivo uma lei inconstitucional. “Todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma 48 infraconstitucional de que não contrariar a nova ordem será recepcionada”. (LENZA, 2009, p. 186). Segundo o referido doutrinador, a essa situação, acrescenta-se que não se admite o controle de constitucionalidade via ação direta de inconstitucionalidade genérica, por falta de previsão no art. 102, I, a, da CF/88. É permitido, apenas, “a possibilidade de se alegar que a norma não foi recepcionada, mas é perfeitamente cabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental”. (LENZA, 2009, p. 186). Conforme entendimento de Miranda (apud TAVARES, 2009, p. 174), no que diz respeito a não recepção de normas anteriores à Constituição, este entende que, quando se analisa a incompatibilidade entre uma legislação ordinária pretérita em face da Constituição vigente, tem-se uma questão de inconstitucionalidade. Há grande celeuma na doutrina quando se analisa a incompatibilidade entre a legislação ordinária pretérita e a Constituição superveniente. Jorge Miranda entende que se trata, ainda aqui, de uma questão de inconstitucionalidade. E assim se posiciona que [...] a inconstitucionalidade não é primitiva ou subsequente, originária ou derivada, inicial ou ulterior. A sua abstrata realidade jurídico – formal não depende do tempo de produção de preceitos. Por ser contrário à Constituição Federal da República Federativa do Brasil, no que diz respeito ao domínio dos rios por parte dos Estados, vale dizer que o Decreto-Lei 9.760/47 não foi recepcionado pela Carta Magna. Inclusive, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, manifestou-se pela inconstitucionalidade do referido decreto, sob o argumento já citado anteriormente, de que os rios que têm nascente, curso e foz dentro de território do Estado, no caso julgado, o Rio Tramandaí, no Estado do Rio Grande do Sul, não poderia ser demarcado como terreno de marinha, eis que fere o artigo 20, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil. Porém, é necessário esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça não segue este entendimento. É que mesmo em se tratando de rio estadual, é possível que haja, em suas margens, áreas que constituam terrenos de marinha, bastando, isto, para o preenchimento dos requisitos elencados no artigo 2º, “a”, do Decreto-Lei 9.760/1946. Conforme explicado anteriormente, o artigo citado menciona que os imóveis que estejam situados na faixa de 33 (trinta e três) metros, a contar da linha do preamar médio de 1831, para dentro da terra (art. 2º, caput), e que as áreas banhadas pelo mar sofram a influência das marés, entendidas como a oscilação periódica de cinco centímetros, pelo 49 menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano (art. 2º, parágrafo único), são caracterizados como terrenos de marinha. Para o mencionado Tribunal, o do Decreto-Lei nº 9.760/46 foi recepcionado pelas constituições federais que lhes são posteriores, inclusive a Constituição da República Federativa do Brasil vigente. ADMINISTRATIVO. BEM PÚBLICO. TERRENO DE MARINHA. MUNICÍPIO DE IMBÉ. RIO TRAMANDAÍ. NATUREZA JURÍDICA. IRRELEVÂNCIA. DECRETO-LEI 9.760/1946. LINHA DO PREAMAR MÉDIO DE 1831. BENS DA UNIÃO. REGISTRO IMOBILIÁRIO DE BEM PÚBLICO. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO ANTE A OMISSÃO QUANTO À REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO DA SPU. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. 1. Cuidam os autos de Ação Ordinária ajuizada com vista à declaração de nulidade do procedimento demarcatório da linha do preamar médio de 1831, realizado pela Secretaria de Patrimônio da União - SPU, que culminou na inscrição de vários imóveis localizados no Município de Imbé/RS como terrenos de marinha e acrescidos. Alegam os autores que o Rio Tramandaí pertence ao Estado do Rio Grande do Sul, e não à União, e que possuem o domínio pleno dos imóveis, atestado pelo registro imobiliário. 2. O Tribunal a quo manteve a sentença de procedência da demanda, sob o fundamento exclusivo de que "o Rio Tramandaí possui nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro Estado e nem se estendendo até outro território. Assim sendo, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal". 3. Todavia, apesar de o Rio Tramandaí pertencer ao Estado do Rio Grande do Sul (fato incontroverso), é possível que haja em sua margem áreas que constituam terrenos de marinha (art. 2º, "a", do Decreto-Lei 9.760/1946). Basta, para tanto, o preenchimento dos requisitos insertos no mencionado artigo: que os imóveis estejam situados na faixa de 33 metros, a contar da linha do preamar-médio de 1831, para dentro da terra; e que as áreas banhadas pelo mar sofram a influência das marés, entendidas como a oscilação periódica de cinco centímetros, pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano (art. 2º, parágrafo único). 4. No Direito brasileiro, ao contrário de outros países, tanto o Código Civil de 1916 como o de 2002 adotaram o sistema de presunção relativa ou iuris tantum, segundo o qual a transcrição do título no Registro Imobiliário assegura o domínio, mas admite elisão por meio de prova em contrário. 5. Inoponíveis ao Estado títulos de propriedade referentes a bens que, pela Constituição ou lei, integram o seu domínio. Registrar em Cartório imóvel de terceiro (pior, se integrante do patrimônio público), em vez de assegurar direito incontestável, caracteriza violação frontal à legislação, ou mesmo má-fé, pois não se admite que à força imperativa e inafastável da norma jurídica se oponha ato registrário, que por isso mesmo deve ser tido por inválido e incapaz de produzir efeitos. Precedentes do STJ. 6. Cumpre salientar que o Recurso Especial 968.241/RS noticia que o Tribunal de origem considerou como terreno de marinha alguns imóveis localizados no "braço morto" do Rio Tramandaí. Vê-se, assim, que há, ao menos, divergência na origem sobre a questão da existência ou não de terrenos de marinha nas margens do referido rio, a qual deve ser enfrentada pelo aresto impugnado. 7. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão recorrido e determinar a devolução dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que, superado o tema acerca da natureza jurídica do Rio Tramandaí, o acórdão aprecie a matéria referente à regularidade do procedimento demarcatório efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU, a qual considerou que os bens estão situados em terreno de marinha. (REsp 982.039/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2010, DJe 28/02/2012). 50 É de se discordar, data vênia, dos referidos argumentos. É que a Constituição da República Federativa do Brasil, bem como as posteriores da carta de 1946 não trataram de estabelecer a influência das marés como fator determinante para fixação do domínio por parte da União. O Decreto-Lei 9.760/46, ao fazer a definição dos terrenos de marinha e seus acrescidos, dos imóveis situados nas margens de rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, fere frontalmente a definição constitucional de domínio dos Estados. Segundo Pinto Ferreira (1999, p. 14), “as leis constitucionais têm, destarte, uma validade superior às leis ordinárias, que somente valem pelo seu acordo com as normas estabelecidas na Constituição”. O domínio por parte dos Estados deve ater-se expressamente àquilo estabelecido na Constituição federal em vigor. Portanto, quando os terrenos marginais tiverem nascente e foz dentro de determinado estado, a este o pertence, salvo as hipóteses previstas no artigo 20 da Carta maior. Para a conclusão do presente estudo, analisar-se-á a declinação de competência, bem como a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião em terrenos de marinha. 4.2 DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA Diante de todos os argumentos expostos ao longo do presente estudo, no sentido de que os rios marginais que têm nascente e foz dentro de determinado estado a este pertencem, aliás, de forma exaustiva, poder-se-ia afirmar que a competência para julgamento de tais ações seria da justiça estadual. Extrai-se da decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina: PROCESSUAL CIVIL - ASSITÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA DECLARAÇÃO DE POBREZA - REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS CONCESSÃO - USUCAPIÃO - ÁREA CONFRONTANTE COM RIO PERTENCENTE À UNIÃO - DECLINAÇÃO DE OFÍCIO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL - UNIÃO QUE MANIFESTA SEU DESINTERESSE NO FEITO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL RECURSO PROVIDO. Para o deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita basta o interessado afirmar que não está em condições de pagar as despesas processuais sem prejuízo ao seu sustento ou de sua família. O simples fato da União ser confrontante do imóvel usucapiendo não desloca a competência para a Justiça Federal, sobretudo quando a União manifesta expressamente seu 51 desinteresse no feito. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2008.029162-9, de Balneário Piçarras, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 05-03-2009). Porém, predomina o entendimento nos tribunais que quando a União possuir interesse jurídico no feito deve a causa ser julgada na Justiça Federal. É que a competência para declarar eventual interesse da União é da Justiça Federal. Nesse sentido, tem-se a Súmula 150, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”. (BRASIL, 1996). De forma semelhante, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO RECONHECIDO PELA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I – É pacífica a orientação jurisprudencial consolidada no âmbito desta Corte, no sentido de competir à Justiça Federal decidir sobre o interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal no processo (Súmula 150/STJ). Uma vez reconhecido o interesse da União no feito, deverá a ação ter prosseguimento perante o juízo federal. II - No presente caso, foi proferida decisão por juiz federal, afastando o interesse da União na causa, a qual veio a ser reformada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento de agravo de instrumento. III – Logo, não existe incompatibilidade entre o referido julgado e o acórdão proferido por esta Corte, ao julgar conflito de competência que lhe precedeu, o qual foi expresso em afirmar que o feito deveria prosseguir na justiça estadual "enquanto não reapreciada a decisão" no âmbito do tribunal regional federal, daí o manifesto caráter de provisoriedade desse provimento judicial. Conflito conhecido, declarando-se competente a 3ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, a quem caberá prosseguir no julgamento da ação.(CC 27.558/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/02/2003, DJ 10/03/2003). Ainda, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO - UNIÃO FEDERAL MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE NO FEITO - INTERFERÊNCIA DO IMÓVEL USUCAPIENDO COM TERRENOS DE MARINHA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA SOBRE A QUAL NÃO INCIDE PRECLUSÃO - ART. 113 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA FEDERAL - MEDIDA QUE SE IMPÕE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. "É cediço que a competência em discussão na presente lide é absoluta, pois em razão da matéria tratada na demanda, sua observância pode e deve ser reconhecida de ofício pelo magistrado, constituindo questão de ordem pública, em razão de preservar interesse da mesma ordem. Sabendo-se do caráter público da competência em razão da matéria é de se afirmar que sobre tal questão não incide preclusão pro iudicato, já que o Código de Processo Civil admite que sejam apreciadas a qualquer tempo e grau de jurisdição." (AI n. 2005.023594-5 - Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz) "Tendo a União manifestado interesse na causa, sob o fundamento de constituir o imóvel usucapiendo "terreno de marinha", impõe-se a anulação do processo e a remessa dos autos à Justiça Federal." (AC n. 2008.029115- 52 5 - Rel. Newton Trisotto) (Agravo de Instrumento n. 2010.074782-4, de Palhoça, rel. Des. Cid Goulart). (grifo nosso). É que, conforme dispõe o artigo 109, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. (BRASIL, 1988). Segundo o entendimento do Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, não se pode imputar a outra parte, no caso os usucapientes, a comprovação de que áreas usucapiendas sejam de propriedade da União ou com ela confronte. Ao revés, tal atribuição é mister da União, que possui estrutura técnico-administrativa própria para a definição e demarcação de terras de marinha (GRPU e SPU) e, segundo dispõe o artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, menciona que o ônus da prova incumbe ao réu quando há existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Ainda, na hipótese de não haver anuência por parte do juiz estadual em relação à remessa dos autos, deverá esse juízo suscitar conflito negativo de competência, considerando os enunciados das súmulas 224 e 254, do Superior Tribunal de Justiça. USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Ausência de provas de que a Linha Preamar Média de 1831 atinge o imóvel usucapiendo. Ausência de interesse processual e de legitimidade da União para compor a demanda. Mantida a decisão na qual restou declarada a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a lide. (TRF4, AG 2009.04.00.011234-6, Quarta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 01/03/2010). Conforme dispõe a Súmula 150, do Superior Tribunal de Justiça, anteriormente citada, a União, suas autarquias e empresas públicas devem demonstrar seu interesse jurídico no feito. Nos casos de ações que digam respeito à aplicação do instituto da usucapião em terrenos marginais, deve a União comprovar que estes possuem tal qualidade. Poder-se-ia cogitar que, diante da ilegitimidade passiva por parte da União Federal e sua falta de interesse de agir, em relação ao feito (conforme artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil), ser reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar os pedidos veiculados em ações que não demonstre seu interesse, ou 53 seja, a não comprovação de que os terrenos usucapiendos se tratam de marinha ou seus acrescidos, determinando-se a competência para a Justiça Estadual. É o que se extrai de parte do julgado do juiz federal Hermes Siedler da Conceição Júnior: [...] Ante o exposto, diante da ilegitimidade passiva da União Federal e sua falta de interesse de agir em relação ao presente feito (art. 267, VI, do CPC), reconheço a INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA da Justiça Federal (art. 113, cabeça do CPC), para processar e julgar os pedidos veiculados nesta ação, determinando a redistribuição dos autos para a Justiça Estadual da Comarca de São Francisco do Sul/SC (art. 113, § 2º do CPC), competente para apreciar e julgar esta ação de usucapião. (TRF4, AG 2009.04.00.011234-6, Quarta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 01/03/2010). Concorda-se, portanto, com o entendimento acima e, de acordo com o que foi mencionado no presente estudo, a União Federal teria de demonstrar que o rio não tem nascente e foz situada integralmente no estado, não fazendo divisa com outros estados ou países e nem se estenda a outro território. 4.3 POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO EM TERRENOS DE MARINHA A constituição da República Federativa do Brasil expressa que os imóveis públicos não são passíveis de usucapião. Conforme estudado anteriormente, os terrenos de marinha constituem bens dominicais e não são suscetíveis de usucapião. Porém, os bens dominicais podem ser alienados por parte da Administração Pública, se assim o desejar. Tais bens integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, isto é, sobre eles a Administração exerce “poderes de proprietário, segundo os preceitos de Direitos Constitucional e Administrativo”. (MEIRELLES, 2009, p. 527). Se os bens dominicais não têm destinação específica e podem ser alienados pela Administração Pública, poder-se-ia afirmar que tais bens poderiam ser usucapidos, em homenagem aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. É importante mencionar que os bens públicos dominicais e os de uso especial antes do Código Civil de 1916 arrolavam entre os usucapíveis, se o lapso temporal da posse atingisse quarenta ou mais anos. (RIZZARDO, 2006). Segundo entendimento de Rosenvald e Chaves (2010, p. 415), “a absoluta impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao princípio 54 constitucional da função social da posse, em última instância do princípio da proporcionalidade”. Tanto é que os bens públicos dominicais e os de uso especial, antes do Código Civil de 1916, arrolavam entre os usucapíveis, se o lapso temporal da posse atingisse quarenta ou mais anos. (RIZZARDO, 2006). A função social da posse está intimamente ligada com o princípio da dignidade da pessoa humana e tem por escopo atender as exigências de moradia, o aproveitamento do solo, bem como programas de erradicação da pobreza, ou seja, de se dar efetividade a este princípio. A função social da posse como princípio constitucional positivado, além de atender à unidade e completude do ordenamento jurídico, é exigência da funcionalização das situações patrimoniais, especificamente para atender as exigências de moradia, de aproveitamento do solo, bem como aos programas de erradicação da pobreza, elevando o conceito da dignidade da pessoa humana a um plano substancial e não meramente formal. É forma ainda de melhor se efetivar os preceitos infraconstitucionais relativos ao tema possessório, já que a funcionalidade pelo uso e aproveitamento da coisa juridiciza a posse como direito autônomo e independente da propriedade, retirando-a daquele estado de simples defesa contra o esbulho para se impor perante todos” dicionando a estrutura do direito e o seu exercício”. (ALBUQUERQUE, 2002, p. 53-54). No ordenamento jurídico pátrio não se tem essa teoria de forma expressa, sendo extraída de princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da função social. Segundo Tartuce, referida teoria consta no projeto nº 6.960/02, de autoria de Ricardo Fiúza. Entretanto, já adiantamos que tal teoria consta do Projeto nº 6.960/02, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, pelo qual o artigo 1.196 passará a ter a seguinte redação: "considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse". Isso, adotando sugestão de Joel Dias Figueira Jr. (TARTUCE, 2005, grifo do autor). Ainda segundo o mencionado doutrinador, no princípio da função social da posse está implícita a codificação emergente, principalmente no que diz respeito à posse – trabalho, conforme artigos 1.238, parágrafo único; 1.242, parágrafo único; e 1.228, §§ 4º e 5º, todos do novo Código Civil. Como é notório, preveem os parágrafos únicos dos arts. 1.238 e 1.242 a redução dos prazos para a usucapião extraordinária e ordinária, respectivamente, nos casos envolvendo bens imóveis. Na usucapião extraordinária o prazo é reduzido de 15 (quinze) para 10 (dez) anos; na ordinária de 10 (dez) para 5 (cinco) anos. Em ambos os casos, a redução se dá diante de uma situação de posse-trabalho, nos casos em que aquele que tem a posse utiliza o imóvel com intuito de moradia, ou realiza obras 55 e investimentos de caráter produtivo, com relevante caráter social e econômico. Entendemos que essas reduções estão de acordo com a solidariedade social, com a proposta de erradicação da pobreza e, especificamente, com a proteção do direito à moradia, prevista no art. 6º da Constituição Federal. (BRASIL, 1988). Portanto, seria possível a aplicação do instituto da usucapião de terrenos de marinha, utilizando-se, para tanto, dos princípios da proporcionalidade e da função social da posse. O primeiro, porque se é facultado à Administração Pública a alienação de tais imóveis, por serem considerados dominicais, ou seja, não tem destinação específica, também deveriam ser passíveis de usucapião. O segundo, para dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, devido a sua importância de caráter social e econômico. Não mais vigora o caráter imperioso da propriedade. Seu conteúdo está, nos tempos atuais, virtualmente restrito, ao contrário do que preponderava no Direito romano, e em outros sistemas onde dominava o caráter absoluto e ilimitado. (RIZZARDO, 2006). É certo que a possibilidade de usucapião em terrenos de marinha traria benefícios significativos à sociedade, ou seja, assegurar o direito da propriedade àqueles que não a possuem, visto que esses terrenos não têm uma finalidade pública por serem dominicais. A não aplicabilidade do instituto da usucapião de bens públicos não deve ser absoluta, ou seja, é necessário dar efetividade ao direito de propriedade e moradia aos cidadãos. 56 5 CONCLUSÃO No presente estudo, demonstrou-se que o principal fundamento do instituto da usucapião é o bem comum, ou seja, dar à propriedade o uso mais adequado, cumprindo, assim, a sua função social. Vale dizer que o proprietário desidioso perde o domínio da propriedade, transformando-se a posse de mera situação de fato em direito. Também foi conceituada a classificação dos bens públicos, seu regime jurídico e suas respectivas modalidades, dando ênfase aos bens dominicais, que, por não terem uma destinação específica, podem ser alienados por parte da administração pública se assimo desejar, através de procedimento licitatório. Esses procedimentos devem ser sempre motivados por parte da administração pública, sob pena de nulidade. Conforme argumentado de forma exaustiva, o referido instituto pode ser utilizado em terrenos marginais de rio estadual, que, segundo a jurisprudência majoritária, não é possível, eis que os terrenos que sofrem influência das marés, ou mesmo os que desaguem no oceano, são considerados terrenos de marinha, ou seja, bens públicos dominicais, logo, não passíveis de usucapião. A Constituição Federal da República expressa que são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, e que sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham. Significa dizer que os rios que têm nascente e foz dentro de determinado Estado, que não banham mais de um Estado, não sirvam de limites com outros países, nem se estendam a outro território, a este pertencem. O Decreto-Lei nº 9.760, que dispõe sobre os bens imóveis da União, não foi recepcionado pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, bem como pelas subsequentes, eis que nenhuma dessas tratou de atribuir a influência das marés como fator determinante do domínio. Em relação à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a não recepção se dá, principalmente, no que diz respeito ao domínio atribuído à União e aos Estados. Não se pode atribuir o domínio de terrenos marginais à União pelo simples fato destes sofrerem a influência das marés ou desaguar no oceano. Neste último caso, a foz de um rio que deságua no oceano nada mais é do que a foz do próprio rio, e não do oceano. As disposições previstas na Constituição não podem ser ampliadas ou restringidas por regulamentação infraconstitucional, a menos que a própria carta assim ressalve ou remeta à lei ordinária. 57 Para que seja atribuído o domínio por parte da União, o rio deve banhar mais de um Estado e servir de limites com outros países, ou se estender a território estrangeiro ou deles provir, por força da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Neste diapasão, tem-se por dedução que a União não tem interesse jurídico em ações de usucapião de terrenos marginais de rio estadual quando estes possuírem integralmente nascente e foz no Estado, não banhem outros estados e nem se estendam a outro território. Atribuir o domínio em benefício da União dos rios que sofrem a influência das marés vai de encontro à Constituição Federal. O direito dos Estados passou a ser previsto de forma expressa desde a Constituição de 1946, eis que somente era previsto por exclusão. Pertencendo ao Estado os terrenos marginais, ou seja, caso preencham os requisitos mencionados acima, a competência para julgamento das ações de usucapião seria da Justiça Estadual, não tendo a União interesse jurídico no feito. Por fim, poder-se-ia cogitar que a aplicação do instituto da usucapião poderia ser utilizada em terrenos de marinha. É que tais bens são considerados dominicais e, por isso mesmo, podem ser alienados por parte da Administração Pública, ou seja, não se tem por proporcional e razoável que não possam ser usucapidos, transferindo a propriedade a outrem. Não obstante, a absoluta inalienabilidade dos bens públicos é equivocada, eis que fere o princípio Constitucional da proporcionalidade e da função social da posse, este último, a princípio, previsto de forma implícita na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ao se dar oportunidade aos moradores que têm a posse de terrenos ribeirinhos (quando considerados de marinha), por conta da significativa divergência nos Tribunais, como foi demonstrada, de usucapir esses bens imóveis, estar-se-á dando efetividade aos direitos fundamentais do homem, tais como o direito à propriedade e ao princípio da dignidade da pessoa humana. 58 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua consequência frente à situação proprietária. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. ARAÚJO, Fabio Caldas de. O usucapião no âmbito material e processual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. BARRUFFINI, José Carlos Tosetti. Usucapião constitucional urbano e rural: função social da propriedade. São Paulo: Atlas, 1998. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 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XII. 64 ANEXOS 65 ANEXO A – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC RELATOR AGRAVANTE PROCURADOR AGRAVADO ADVOGADO : : : : : Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR UNIÃO FEDERAL Procuradoria-Regional da União JOSE ROBERTO DE FREITAS GianeCatia Rosa Alves de Carvalho EMENTA USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Ausência de provas de que a Linha Preamar Média de 1831 atinge o imóvel usucapiendo. Ausência de interesse processual e de legitimidade da União para compor a demanda. Mantida a decisão na qual restou declarada a incompetência da Justiça Federalpara processar e julgar a lide. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 03 de fevereiro de 2010. Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR Relator Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, Relator, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3270562v5 e, se solicitado, do código CRC 7559D377. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR:2128 Nº de Série do Certificado: 4435F046 Data e Hora: 03/02/2010 15:25:58 66 AGRAVO DE INSTRUMENTONº 2009.04.00.011234-6/SC RELATOR : Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR AGRAVANTE : UNIÃOFEDERAL PROCURADOR : Procuradoria-Regional da União AGRAVADO : JOSE ROBERTO DE FREITAS ADVOGADO : Giane Catia Rosa Alves de Carvalho RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento, objetivando a reforma da decisão, na qual foi reconhecida a ilegitimidade e a falta de interesse de agir da União, bem como a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar os pedidos formulados na açãode usucapião, movida pelo agravado. (fl. 101/104) Sustenta a agravante que a área usucapienda interfere com terrenos de marinha, justificando-se a permanência do ente federal e do feito na esfera de competência da Justiça Federal. Requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, o seu provimento. Indeferido o pedido de agregação de efeito suspensivo ao agravo instrumento.(fl. 112) Recurso regularmente processado. Com contrarrazões. É o relatório. Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR Relator Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, Relator, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3270560v6 e, se solicitado, do código CRC B3DD96F5. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR:2128 Nº de Série do Certificado: 4435F046 Data e Hora: 03/02/2010 15:26:04 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.011234-6/SC de 67 RELATOR AGRAVANTE PROCURADOR AGRAVADO ADVOGADO : : : : : Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR UNIÃOFEDERAL Procuradoria-Regional da União JOSE ROBERTO DE FREITAS GianeCatia Rosa Alves de Carvalho VOTO Na decisão inaugural, firmou-se o seguinte entendimento, in verbis: "(...) Alinho-me à posição assumida pelo juízo a quo, por estar suficientemente fundamentada nas provas produzidas pelas partes, não subsistindo os argumentos da agravante para modificar a decisão agravada. Pelo que, indefiro o pedido de agregação de efeito suspensivo ao recurso. Nos termos da legislação, intime-se a parte agravada para que apresente resposta, se quiser. Oficie-se o juiz a quo para que preste informações quanto ao cumprimento do disposto no art. 526 do CPC, especialmente." Nesta oportunidade, verifica-se que não foram apresentados pela parte agravante argumentos relevantes que justifiquem a reforma da decisão agravada. Pertinente a transcrição dos bem-lançados fundamentos do decisum que se mostram imprescindíveis para a solução da controvérsia, in verbis: "(...)Tenho sustentado em processos deusucapião que não é aceitável imputar à outra parte o ônus da comprovação de que a área usucapienda seja de propriedade da União ou com ela confronte. Com efeito, tal mister é atribuição da União, que se diga, possui estrutura técnicoadministrativa própria para a definição e demarcação das terras de marinha(GRPU e SPU) e porque o ônus da prova incumbe ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (inciso II do art. 333 do CPC). Pelo exposto, consigno cinco razões para entender não haver interesse da União no feito. Primeira. A União não comprovou que a Linha Preamar Média de 1831 atinge o imóvel usucapiendo. Pelo contrário. Foram os autores que demonstraram suficientemente nos autos (mediante a juntada de contundente documentação elaborada por engenheiro civil, inclusive com auxílio de aparelho de posicionamento global - GPS) não haver interferência do imóvel objeto da ação sobre terrenos de marinha Segunda. Diante de tais alegações e documentos, a União nada alegou. Há sequer impugnação aos documentos juntados pelos autores ou manifestação de que as distâncias neles indicadas seriam incorretas. Vale dizer, a União, concordou com os dados e informações trazidas pelos autores. 68 Terceira. Os documentos que carreou aos autos, apenas aumentam as dúvidas em vez de aclarar as incertezas. Há também dubiedade e confusão em suas manifestações, que por serem contraditórias, apenas contribuem para tumultuar o processo, especialmente em questão que, obrigatoriamente, deveria prontamente esclarecer. Quarta. A União não esclareceu se há LPM/1831 demarcada no local. Se não o fez há presunção lógica, de que não existe homologação e, nesse caso, segundo entendimento da corte regional, não há como obstar o processamento do feito perante a Justiça Estadual, na medida em que inexiste previsão acerca da conclusão do procedimento demarcatório (AI n. 2008.04.00.010555-6, 4ª Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior). E mesmo que a LPM/1831 tenha sido demarcada na região, sua presunção seria juris tantum, e, no caso concreto, não prevalece diante dos documentos carreados pelos autores. Quinta. O imóvel não confronta com terras ou acrescidos de marinha. O terreno está há mais de trinta e cinco metros do final da Av. Atlântica. No caso de ser computada demais áreas físicas, como vegetação local (como restinga) e a faixa de areia da praia, a distância entre esse imóvel e o mar ultrapassa a marca de 70 metros. Nesse pormenor, os documentos veiculados pelos autores, em larga margem são mais específicos e conclusivos em relação àqueles produzidos pela União. Para tanto basta o cotejo entre os documentos encartados pelos autores (fls.93 e 131) com os documentos produzidos pela União(fls.64/66). Também constato verossimilhança na alegação dos autores sobre o equívoco na medição da LPM pela União, porquanto, se fosse possível transportar a linha da preamar média indicada pela União no local, a Avenida Atlântica estaria dentro d´água (a LPM/1831 presumida estaria 2,27 metros além dessa avenida em direção à terra), de forma que, na praia de Itaguaçu não haveria praia. O que não corresponde à realidade fática. Observando a imagem de satélite (fl. 134) se conclui a extensa faixa de areia na praia de Itaguaçu (região do imóvel usucapiendo). Dessa forma, verifica-se, no caso concreto, a inexistência de interesse de agir da União frente aos fatos, fundamentos jurídicos e documentos técnicos comprobatórios da distância do imóvel em relação à LPM/1831. A Súmula n. 150 do Superior Tribunal de Justiça preceitua que compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo da União, suas autarquias ou empresas públicas. E na hipótese de não haver anuência do Juízo Estadual em relação à remessa dos autos, deverá esse Juízo suscitar conflito negativo de competência, considerando os enunciados das súmulas n.s 224 e 254 do STJ. 1. Ante o exposto, diante da ilegitimidade passiva da União Federal e sua falta de interesse de agir em relação ao presente feito (art. 267, VI, do CPC), reconheço a INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA da Justiça Federal (art. 113, cabeça do CPC), para processar e julgar os pedidos veiculados nesta ação, determinando a redistribuição dos autos para a Justiça Estadual da Comarca de São Francisco do Sul/SC (art. 113, § 2º do CPC), competente para apreciar e julgar esta ação de usucapião. ..." Por todo o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, mantendo a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. 69 É o voto. Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR Relator Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, Relator, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. 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Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR:2128 Nº de Série do Certificado: 4435F046 Data e Hora: 03/02/2010 15:26:01 EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 03/02/2010 AGRAVO DE INSTRUMENTONº 2009.04.00.011234-6/SC ORIGEM: SC 200872010027111 RELATOR : Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR PRESIDENTE : Valdemar Capeletti PROCURADOR : Drª Shamantha Chantal Dobrowolski AGRAVANTE : PROCURADOR : AGRAVADO : ADVOGADO : UNIÃO FEDERAL Procuradoria-Regional da União JOSE ROBERTO DE FREITAS Giane Catia Rosa Alves de Carvalho Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 03/02/2010, na seqüência 157, disponibilizada no DE de 26/01/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS. Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: 70 A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO , MANTENDO A DECISÃO AGRAVADA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RELATOR ACÓRDÃO VOTANTE(S) : Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR : Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR : Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI : Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA Regaldo Amaral Milbradt Diretor de Secretaria Documento eletrônico assinado digitalmente por Regaldo Amaral Milbradt, Diretor de Secretaria, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3289221v1 e, se solicitado, do código CRC 9E9D3EE7. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): REGALDO AMARAL MILBRADT:11574 Nº de Série do Certificado: 443553F9 Data e Hora: 03/02/2010 18:23:24 71 ANEXO B – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS RELATOR : EMBARGANTE ADVOGADO EMBARGADO ADVOGADO : : : : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ UNIÃO FEDERAL Procuradoria-Regional da União HENRIQUE TAVARES Gil Villeroy e outro EMENTA ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. ART. 2º, "A", DO DECRETO-LEI N.º 9.760/46. EFEITOS. 1. O imóvel em questão se constitui em terreno de marinha ou acrescido de marinha, porque, historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés". É o teor do Decreto-Lei 9.760/46: 'Art. 2°-São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas , até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo Único- Para efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.' O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência das marés é menor do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o argumento não colhe, uma vez que a lei não exige que a influência das marés seja a maior de todas. A lei exige apenas que a influência das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida. De outra parte, com o devido acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual. Mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens "até onde se faça sentir a influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a propriedade do rio não impede que os terrenos a sua margem sejam da União. Merece destaque que não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar de vigente há mais de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por qualquer Corte do País. Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que lhe foram e são contemporâneas. 72 Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E finalmente, não merece ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente não possa ser desconsiderado nesta ação, por força da lei especial. É que em se tratando de próprios federais não se pode invocar a legislação geral, inclusive dos registros públicos, quando tais imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito dispõe o art. 198 do Decreto-lei em exame: 'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei. " A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois, pode ser reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda. 2. Provimento dos embargos infringentes. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes, vencido o Desembargador Federal Valdemar Capeletti, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 08 de outubro de 2009. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Relator EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES RELATOR : LENZ EMBARGANTE : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União EMBARGADO : HENRIQUE TAVARES ADVOGADO : Gil Villeroy e outro RELATÓRIO Trata-se de embargos infringentes interpostos pela União visando à reforma do aresto de fl. 65, com a seguinte ementa, verbis: "ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. REQUISITOS. . Requisitos da cautela configurados, sendo o risco de prejuízo irreparável representado pela ineficácia do provimento jurisdicional após o efetivo pagamento da taxa impugnada, o que exigiria ajuizamento de repetição de indébito; a fumaça do bom direito decorre da existência de título de domínio registrado em nome do apelante, a indicar que o terreno não é da marinha, bem como do voto proferido na ação principal. 73 . Cautela deferida para sustar a cobrança da taxa de ocupação. . Apelação provida." Foram apresentadas contrarrazões. O MPF manifestou-se pela não intervenção no feito. É o relatório. Peço dia. VOTO In casu, afiguram-se-me irrefutáveis as considerações desenvolvidas no voto vencido do eminente Des. Federal José Germano da Silva, a fls. 60/3, verbis: "Peço licença para divergir. De início, adoto como razões de decidir os fundamentos da bem lançada sentença, da culta Juíza Maria Lúcia Leiria, hoje integrante desta Corte: 'Trata-se, à toda evidência, de lançamentos fiscais efetuados pelo inteiro poder legal da União. O imóvel em questão localiza-se em terreno da faixa litorânea- considerados pela legislação em vigor como terrenos de marinha. Assim se vê da perícia técnica efetuada, fls.162/199: " ... Em 1962, o DEPRC construiu o guia-corrente (molhe), na margem esquerda do canal, fixando a foz na posição atual, isolando a derivação norte denominada de " braço morto ". Em conseqüência da separação, surgiram diversas lagoas no leito separado, apresentando larguras variáveis entre 100 e 50 m na dimensão perpendicular a praia. As margens mais afastadas desta coincidiram aproximadamente com a atual Av. Rio Grande do Município de Imbé, que encontra-se localizada no desenho do loteamento (Anexo VIII)" (fl.168). " ... Anteriormente à fixação da barra, a configuração do rio Tramandaí junto ao Oceano Atlântico era variável, conforme consta pelos registros gráficos constantes deste laudo, quais sejam: Anexo IV- Mostra que em 1939, a foz estava próxima da posição atual e identificando o "braço Morto" da barra antiga; Anexo V - Mostra que em 1948 a barra apresentava uma configuração muito semelhante a de 1939; Anexo VI- Mostra que por volta de 1957 a foz deslocou-se para o norte voltando para a posição denominada de "barra antiga" no Anexo IV, ou seja nesta época o rio retornava a ocupar o leito do "Braço Morto "; Anexo VII- Mostra como foi fixada a barra em 1962, separando a atual foz do "braço morto" (fl.171). " ... Todas as configurações que apresentou a foz do rio Tramandaí, anteriores a sua fixação pelos molhes eram normais, entendendo-se neste caso normais como sinônimo de naturais, já que as diversas posições que apresentava eram provenientes de fenômenohidrometereológicos, portanto da natureza. 74 Os molhes foram construídos para fixar a barra em uma posição conveniente para melhor permitir o escoamento das águas e portanto um maior calado para as embarcações. A barra foi fixada muito próxima de uma das posições que a foz apresentava naturalmente". (fl.171) A descrição do loteamento onde está o imóvel do autor na Rua Santa Rosa, 1884, Lote 13, Quadra 53, na Praia do Imbé, integra a área constante do " Braço Morto do Rio Tramandaí", portanto, terreno de marinha (fl.170). Ao exame de todo o laudo e anexos concluo que o terreno do autor está incluído em terrenos de marinha, haja vista as mutações do rio Tramandaí, como se vê do mapa dafl.199. Dita taxa não tem a natureza jurídica de "taxa", espécie de tributo, e sim de preço públicovisto tratar-se de contra prestação pelo uso de bem público. Aliás, assim diz Bernardo Ribeiro de Moraes: " ... como receita pública o preço público se caracteriza fundamentalmente por ser uma receita pública originária( decorrente do patrimônio do Estado, que fornece o bem) e FACULTATIVA (não há, para a sua percepção a utilização do poder fiscal); o tributo caracteriza-se como uma receita DERIVADA (não decorrente do patrimônio do Estado, que aufere a receita, mas, sim, de terceiro) e COMPULSÓRIA (há utilização do poder fiscal, da soberania estatal, que faz a norma legal exigindo o pagamento). O preço público é uma receita CONTRAPRESTACIONAL (há uma relação de interdependência entre os ingressos e os gastos, entre o que se recebe paga). Esta distinção é da ciência das finanças e tem em vista o elemento político-jurídico (compulsoriedade); b) como prestação, o preço caracteriza-se fundamentalmente por ser uma obrigação CONTRATUAL (decorrente de acordo de vontades) e NÃO CONTRAPRESTACIONAL (não existe um dá lá toma cá , uma troca de bem por dinheiro, pois o contribuinte paga o tributo sem estar adquirindo nada, existindo uma transferência de riqueza através da utilização do poder fiscal. Esta distinção é de direito financeiro e tem por base a origem dos recursos ... " Dispõe a Súmula 545 do STF: " Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e tem sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à que as instituiu". Por isso, trata-se à toda evidência, de preço público a taxa de ocupação referente aos terrenos de marinha. Tratando-se de preço público, inexiste a falada bitributação, visto que a mesma só ocorre quando incidente dois tributos com o mesmo fato gerador. Legal, pois, a cobranças de dita taxa. Ademais, o alegado direito de propriedade, em relação que seria "erga omnes", porque inscrito no registro de imobiliário, não tem a força de desconstituir como bem público os terrenos de marinha, aliás, protegidos constitucionalmente. Quanto à medida cautelar em apenso, a mesma improcede, eis que não vislumbra presente o duplo requisito. O eventual perigo da demora, bem como a plausibilidade do bom direito, restaram superados. Isto posto, julgo improcedentes as presentes ações, cassando, por via de conseqüência, a liminar deferida, e condenando o autor nas despesas processuais e em honorários de advogado, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor corrigido de cada uma das causas." Argumenta o recorrente em seu apelo que (1) não se trata de terreno e nem acrescido de marinha; que (2) o rio Tramandaí não é federal; que o Decreto-lei nº 9.760/46 é inconstitucional; e que (3) o seu título não pode ser desconstituído senão por sentença nos termos da lei. Tenho que assim não é. 75 O imóvel em questão se constitui em terreno de marinha ou acrescido de marinha, porque, historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés". É o teor do Decreto-Lei 9.760/46: 'Art. 2°-São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas , até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo Único- Para efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.' O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência das marés é menor do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o argumento não colhe, uma vez que a lei não exige que a influência das marés seja a maior de todas. A lei exige apenas que a influência das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida. De outra parte, com o devido acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual. Mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens "até onde se faça sentir a influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a propriedade do rio não impede que os terrenos a sua margem sejam da União. Merece destaque que não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar de vigente há mais de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por qualquer Corte do País. Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que lhe foram e são contemporâneas. Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E finalmente, não merece ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente não possa ser desconsiderado nesta ação, por força da lei especial. É que em se tratando de próprios federais não se pode invocar a legislação geral, inclusive dos registros públicos, quando tais imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito dispõe o art. 198 do Decreto-lei em exame: 'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei. " A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois, pode ser reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda. Ante isso, nego provimento ao apelo. 76 É o voto." Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes. É o meu voto. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Relator EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES RELATOR : LENZ EMBARGANTE : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União EMBARGADO : HENRIQUE TAVARES ADVOGADO : Gil Villeroy e outro VOTO-VISTA Pedi vista dos autos para compreender a questão. Muito embora a matéria já tenha sido objeto de inúmeros julgamentos proferidos nesta Corte, no sentido de reconhecer o domínio estadual do Rio Tramandaí e a inviabilidade de cobrança de taxa de ocupação, definiu-se nova orientação sobre a matéria, conforme demonstra o seguinte precedente: EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO ADMINISTRATIVO. TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS. CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO-LEI 9.760/46. LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. TAXA DE OCUPAÇÃO. REGISTRO IMOBILIÁRIO. PRESUNÇÃO RELATIVA DO DIREITO DE PROPRIEDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. Foi regular o procedimento administrativo que demarcou a linha de preamar médio do ano de 1831 na região de tramandaí e Imbé, com vistas a identificar os terrenos de marinha. 2. O Decreto-Lei nº 9.760/46 foi recepcionado pelas constituições federais que lhe são posteriores, inclusive a atual. 3. O Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros precedentes, reconheceu como legal e legítimo o processo demarcatório acabado em 1974. 4. O registro do título translativo no cartório de imóveis não gera presunção absoluta do direito real de propriedade, mas relativa, admitindo prova em sentido contrário, não sendo, portanto, oponível à União. 5. Não restando provado que os imóveis taxados encontram-se fora da área demarcada como terreno de marinha, legítima é a cobrança da respectiva taxa de ocupação. (TRF4, EIAC 2003.71.00.073691-5, Segunda Seção, Relatora Desª. Federal MargaInge Barth Tessler, D.E. 28/03/2008) 77 O laudo pericial produzido nestes autos (fls. 169/172) corrobora este entendimento, contendo esclarecimentos importantes acerca da questão. Em resposta ao quesito de n. 8, o perito confirma a influência das marés do Rio Tramandaí e lagoa Tramandaí, demonstrando que a variação periódica do nível do rio provocada pelas marés, com amplitude de 5 centímetros, caracteriza suas margens como terrenos de marinha. Evoluindo no parecer, o perito confirma que o exame do processo administrativo da SPU n. 1085-000 240/A de 1972, que demarcou a Linha Limite de Marinha (LLM), permite essa afirmação, informando, ainda, que a propriedade dos rios e lagoas não deve evidentemente ser levado em consideração para determinar a influência das marés. Assim, o entendimento de que o Rio Tramandaí pertence ao domínio estadual, por possuir nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não exclui a possibilidade de integrar patrimônio da União. Adstrito aos limites da divergência, inclino-me pela prevalência do voto vencido, acompanhando o Relator. Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento aos embargos infringentes. É o voto. Juiz Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08/10/2009 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 94.04.55396-4/RS ORIGEM: RS 8800110274 RELATOR PRESIDENTE PROCURADOR : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ : Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro : Dr. Francisco de Assis Sanseverino EMBARGANTE : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União EMBARGADO : HENRIQUE TAVARES ADVOGADO : Gil Villeroy e outro Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08/10/2009, na seqüência 33, disponibilizado no DE de 24/09/2009, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS. Certifico que o(a) 2ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: 78 PROSSEGUINDO O JULGAMENTO, APÓS O VOTO-VISTA DO JUIZ FEDERAL MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, DANDO PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES, A SEÇÃO, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDO O DES. FEDERAL VALDEMAR CAPELETTI; RESSALVADO O PONTO DE VISTA DA DES. FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER. IMPEDIDA A DES. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA. RELATOR ACÓRDÃO : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ VOTO VISTA : Juiz Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA IMPEDIDO(S) : Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA Fádia Gonzalez Zanini Diretora de Secretaria 79 ANEXO C – EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS RELATORA REL. ACÓRDÃO EMBARGANTE ADVOGADO EMBARGADO ADVOGADO : Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER : : : : CATERINA FRANCISCA CAPRIO Luiz Carlos Kremer e outros UNIÃO FEDERAL Procuradoria-Regional da União EMENTA EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO ADMINISTRATIVO. DOMÍNIO DA UNIÃO. TERRENOS DE MARINHA. ACRESCIDOS. DEFINIÇÃO. DECRETO-LEI Nº 9.760/46. CF/88. RECEPÇÃO. DEMARCAÇÃO. PROCEDIMENTO. EFICÁCIA DECLARATÓRIA. REGULARIDADE. AUTORES. TÍTULOS DE DOMÍNIO. VÍCIO. DESCONSTITUIÇÃO. DESNECESSIDADE. INFLUÊNCIA DAS MARÉS. VERIFICAÇÃO. TAXA DE OCUPAÇÃO. EXIGIBILIDADE. PRECEDENTES DO EGRÉGIO STJ. AFORAMENTO. PREFERÊNCIA. 1. A regra constitucional que arrola na condição de bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos (inciso VII, artigo 20) encontra detalhamento nos artigos 2º e 3º do Decreto-lei nº 9.760/1946, devidamente recepcionados pela Constituição Federal de 1988. 2. Os terrenos de marinha são aqueles compreendidos em uma profundidade de trinta e três metros medidos horizontalmente para a parte da terra da posição da linha de preamar-médio de 1831, situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, caracterizada tal influência pela oscilação periódica de cinco centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Os terrenos acrescidos de marinha são os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. 3. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha e acrescidos (artigos 9º a 14, Decreto-lei nº 9.760/1946), situado na esfera de competência do Serviço do Patrimônio da União - SPU, detém eficácia meramente declaratória. 4. A determinação da posição da linha de preamar-médio de 1831 a propósito das áreas discutidas no feito, as quais efetivamente se encontram dentro do perímetro identificado como terreno de marinha e acrescidos na região do denominado "Braço Morto" do Rio Tramandaí no Município de Imbé/RS, foi levada a cabo consoante regular procedimento administrativo, o qual, à míngua de prova em sentido contrário, permanece hígido quanto aos atributos relacionados a sua legalidade, legitimidade, veracidade, imperatividade, auto-executoriedade e tipicidade. 5. Os títulos de domínio apresentados pela autora decorrem de cadeia aquisitiva viciada, uma vez que principiada a partir da equivocada averbação no registro imobiliário de acórdão que decidiu em 1966 ação de usucapião movida pelo Município de Osório. O lapso identificado na mencionada averbação diz respeito à omissão da ressalva havida no acórdão da ação de usucapião quanto aos terrenos de marinha, notadamente apartados da área 80 usucapida. Ademais, apenas após a fixação da barra do Rio Tramandaí no início da década de 1970 a área debatida, anteriormente álveo instável do referido rio, passou, com a ocorrência da evaporação das águas, da ação dos ventos e do aterro empreendido pelo labor humano, a representar local loteável e passível de usucapião, não antes desse momento. 6. Desnecessidade da desconstituição dos títulos de propriedade apresentados pela autora, tendo em linha de conta que o domínio da União, à vista de seu fundamento constitucional e de sua anterioridade, prepondera sobre a condição jurídica dos demandantes, que comprovadamente não detêm a titularidade das áreas em comento. 7. Evidenciada a influência das marés sobre a foz do Rio Tramandaí na forma da definição prevista no parágrafo único do artigo 2º do Decreto-lei nº 9.760/1946, caracterizada pela oscilação periódica mínima de cinco centímetros do nível das águas em qualquer época do ano, nos termos dos laudos técnicos produzidos nos autos. 8. Exigibilidade da taxa de ocupação pela União em virtude de seu comprovado domínio quanto às áreas em liça, conclusão roborada pelos precedentes jurisprudenciais de lavra do egrégio STJ. 9. Reconhecida a preferência da autora ao aforamento das áreas ocupadas, de acordo com o preceituado no artigo 105 do Decreto-lei nº 9.760/1946. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais Sílvia Goraieb e Valdemar Capeletti, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 10 de dezembro de 2009. Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER Relatora para o acórdão Documento eletrônico assinado digitalmente por Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, Relatora para o acórdão, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3348761v2 e, se solicitado, do código CRC BDE6F95E. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER:24 Nº de Série do Certificado: 4435E8A6 Data e Hora: 12/03/2010 13:25:25 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS RELATORA : Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO 81 ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União RELATÓRIO Trata-se de embargos infringentes em que a Turma julgadora, composta pelos Desembargadores Federais Marga Inge Barth Tessler, Edgard Lippmann Junior e o Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, por maioria, deu provimento à apelação da União e à remessa oficial para julgar improcedente o pedido, que visa à anulação dos atos administrativos que implicaram na inscrição do imóvel como terreno de marinha e ao afastamento da cobrança de taxa de ocupação. O acórdão foi ementado nos seguintes termos: DIREITO ADMINISTRATIVO. TERRENOS DE MARINHA. ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ. PROPRIEDADE DA UNIÃO AFORADOS POR MUNICÍPIO A PARTICULARES. DECRETO-LEI 9.760/46. DEVIDA A TAXA DE OCUPAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. O fato do imóvel objeto da cobrança estar registrado no Registro de Imóveis, não tem o condão de afastar a cobrança em questão, pois a transcrição do título no registro de imóveis tem presunção "juris tantum" e é inoponível à União, que possui o domínio dos terrenos de marinha por força de disposição constitucional, independentemente do registro. 2. Tendo os autores adquirido o imóvel depois do procedimento demarcatório cuja citação foi legal e legítima, inclusive acobertado pela prescrição, desnecessário seria novo procedimento, nem tampouco ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão do referido procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade. Restou vencido o Exmo. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha que negou provimento à apelação e à remessa oficial, entendendo que o rio Tramandaí, por ter nascente e foz contidas no Estado do Rio Grande do Sul, pertence ao domínio estadual, não integrando o patrimônio da União, razão por que o imóvel situado na área do antigo braço morto do rio não pode ser considerado terreno de marinha. Pretende a embargante a prevalência do voto vencido por seus próprios fundamentos. Com contra-razões, vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. Des. Federal Silvia Goraieb Relatora Documento eletrônico assinado digitalmente por Des. Federal Silvia Goraieb, Relatora, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 82 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3120468v5 e, se solicitado, do código CRC 79678721. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): SILVIA MARIA GONCALVES GORAIEB:21 Nº de Série do Certificado: 4435AA3C Data e Hora: 06/01/2010 15:44:14 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS RELATORA : Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União VOTO O julgamento envolve questão já conhecida e enfrentada nas Turmas, o que me permite reproduzir os fundamentos de voto por mim proferido perante a 4ª Turma: "Quanto ao mérito, a matéria não é nova, eis que a Turma já a enfrentou em outras oportunidades. Assim, passo a transcrever o voto por mim proferido quando julgamento da AC nº 94.04.55397-2/RS: O mérito da presente ação está intimamente ligado a questões de ordem fática, à luz da legislação aplicável, frente à prova pericial técnica. Inicialmente, devemos partir da localização do Rio Tramandaí, para estabelecer a quem pertence e saber se o terreno que o autor diz ser de sua propriedade é ou não terreno de marinha. Possui referido rio nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro estado e nem se estende a outro território. Tais elementos estão definitivamente fixados no laudo pericial. A partir de tais conclusões, temos certo que pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. Com efeito, segundo evolução bem traçada no recurso, antes da Carta política de 1891, os rios eram todos do domínio da Coroa, passando depois, por força das alterações que sobrevieram, ao domínio tanto da União como dos Estados. As Constituições de 1934 e 1937 passaram a fixar o domínio da União, excluindo os rios que não se enquadrassem nas especificações próprias, sendo que a Carta de 1946, conceituou os rios do domínio dos Estados, o que foi seguido em 1967, Emenda Constitucional n° 1 de 1969 e a de n° 16, de 1980. Assim, já em 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos expressamente, eis que antes eram assegurados somente por exclusão. 83 Vencida esta digressão de ordem constitucional, é necessário avançar na análise que vai fixar a natureza do domínio, frente à localização do terreno. Não se pode esquecer que a definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas. Com efeito, não se há de pretender alterar o domínio por fatores totalmente desvinculados da previsão legislativa, ou seja, não se pode chegar à afirmação de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União pelo simples fato de desaguar no oceano. Aliás, tal hipótese implicaria em fixar o domínio federal por estar o rio desaguando no mar territorial ou atravessar terrenos de marinha e acrescidos. Aliás, foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do oceano. Ocorre que o Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, editado pouco antes da Constituição de 1946, conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. Ora, nem a Carta de 37 admitia tal restrição que levaria ao absurdo de extinguir o domínio dos Estados sobre seus rios que deságuam no mar. E como foi magistralmente enfocado na apelação, a Constituição de 46, bem como as alterações subseqüentes, não recepcionaram tal impropriedade. Tal conclusão tanto mais se impõe se considerarmos que o texto legal não pode afrontar disposição constitucional, e o art. 25 das Disposições Transitórias da atual Carta Política revogou, definitivamente, os Decretos-Leis que consubstanciassem delegação do Congresso ao Poder Executivo em matéria de sua competência exclusiva, tal como legislar sobre bens do patrimônio da União, desde que não prorrogados por lei em tempo hábil. Assim, resulta certo que nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator determinante do domínio. Portanto, a conclusão sobre o domínio da União sobre terrenos marginais de rio estadual só porque este sofre os efeitos da maré é totalmente despida de conteúdo legal e técnico, pois todos os rios estaduais que chegam ao mar passariam a ser da União, o que não corresponde à previsão constitucional e a intenção dos constituintes. Por outro lado, é difícil acreditar que um aterro pudesse subsistir às investidas das águas do mar, para alterar o traçado original da faixa litorânea, a fim de colocar em dúvida a real situação do terreno em questão. Ademais, se estivermos frente a acrescidos, outro tratamento não poderiam ter que não aquele previsto na Constituição, pois a sua propriedade é atribuída a quem detém o domínio das áreas aumentadas. Portanto, se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passam eles também ao seu domínio e a União não pode considerar-se dona de margens que não lhe pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio. Logo, o imóvel questionado não é terreno de marinha, não é acrescido de marinha, porque não está situado em faixa litorânea. Sua localização dista a 4 quadras da faixa litorânea e mais de 3 quadras do rio Tramandaí. Segundo a contestação está situado "sobre aterro feito, em decorrência da fixação da barra do Rio Tramandaí, sobre o leito antigo (braço morto), para completar a ação da própria evaporação das águas e a ação dos ventos sobre as dunas ali existentes ". Assim, a própria União afirma que não se trata de terreno de marinha, mas de acrescido que, estando às margens do Rio Tramandaí, porque o mesmo sofre influência das marés, constitui acrescido de marinha. Como se vê, a questão primordial para definir o mérito é esta: - segundo a ordem constitucional, o imóvel do autor, pelo fato de estar próximo das margens do Rio Tramandaí - 3 quadras - e porque a União entende que o mesmo está situado em aterro feito para a 84 fixação da barra, pode ser considerado acrescido de marinha, pelo simples fato deste rio sofrer influência da maré, porque um Decreto-Lei não recepcionado pela nova Carta Política assim determina? Evidentemente, não podemos interpretar as normas da Magna Carta buscando o oposto do que os constituintes visavam. No caso, é evidente que o domínio dos Estados constitui uma conquista destes frente à descentralização do poder após a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e, depois, expressamente. Em decorrência, segundo o mais elementar princípio de hermenêutica, o que a Constituição fixa expressamente, valendo o dispositivo por si só, por ser auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido, muito menos por um Decreto-Lei. Para não mais me alongar sobre tais aspectos, peço permissão para transcrever trechos do Parecer do insigne Ex-Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Dr. CID HEÁCLITO DE QUEIROZ, publicado no Diário Oficial da União em 23.9.82, págs. 17927 a 17933, que trata do domínio dos Estados sobre os rios que neles têm a sua nascente e foz, o qual se encontra nos autos. Sinalo que a matéria é de ordem constitucional, e referido Parecer foi aprovado pelo Consultor-Geral da República, Dr. PAULO CEZAR CATALDO, após manifestação do Secretário do Meio-Ambiente, do Diretor Geral do Serviço do Patrimônio da União, da Consultoria Jurídica do Ministério do Interior e do Procurador do Ministério da Fazenda, Dr. IGNÁCIO LOYOLA COSTA. "Desejo deixar bem claro neste processo ( nº 15466-79) que considero grave erro considerar como federais todos os rios que deságuam no Oceano. Se fosse essa a intenção do Constituinte, outra teria sido a redação do art. 5º da Constituição Federal. No entanto, há pessoas que afirmam que esses rios são federais porque, antes de chegar ao Oceano, passam por uma faixa de 30 metros da União (terrenos de marinha), é ilógico aceitar a interpretação que um rio, às vezes com centenas de quilômetros dentro de um Estado, seja considerado federal só por causa de insignificantes 30 metros. Essa interpretação é uma manifestação exagerada de centralismo, totalmente contrária ao nosso espírito federalista." ........................................................................................................... "3. Apesar de parecer claro que os rios que têm nascente e foz num mesmo Estado a ele pertencem, veio a ser defendido ponto de vista segundo o qual se o rio desaguar no oceano, isto é, se sua foz se situar no mar territorial, passaria ele a ter condição federal, posto que também o 'mar territorial' se inclui, pela Constituição, entre os bens da União (art. 4º,inciso VI). 4. Surgiu, ademais, a observação de que, atravessando o rio a faixa constituída de terrenos de marinha e acrescidos - que se estende ao longo de todo o litoral do país (igualmente de propriedade da União) - mais essa razão militaria em favor da propriedade federal. 5. Não obstante o brilho das opiniões em contrário, manifesta-se este Serviço pelo não acolhimento dessa interpretação do ditame constitucional. Quisesse realmente o legislador estender o caráter federal a todos os rios de deságuam no oceano, por certo teria usado redação condizente com esse desiderato. Da forma, entretanto, como se referiu às expressões 'nascente' e 'foz', parece, data vênia, inequívoco o seu propósito de conceituar tal espécie como de propriedade estadual." 6. Vale, a respeito, transcrever os seguintes tópicos do bem lançado parecer da lavra do Assessor Jurídico Antônio Inagê do Assis Oliveira, Da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (fls. 18/21): 85 'Se foz é conceituada como ponto onde termina o acidente geográfico, a partir do qual se inicia outro, não há como concluir-se que ela se localiza no outro acidente, ou seja, no 'mar territorial'. É curial que foz é exatamente o limite entre um acidente e outro. Portanto, se não pode, por definição, localizar-se no mar territorial, é lógico concluir-se que está no território estadual.' ............................................................................................................. "Jurídicas e judiciosas se afiguram as considerações constantes dos Pareceres incorporados a este processo contrariando as teses de que 'os rios que nascem e percorrem o interior de um só Estado, desaguando no Oceano, devem ser considerados federais, visto terem sua foz no mar territorial', ou de que a 'União poderá considerar de sua propriedade uma parcela do rio estadual, pois, quando as águas do rio alcançarem a extensão que lhes pertence (terrenos de marinha), estará percorrendo terrenos de seu domínio, e em conseqüência disso, essa parte lhe pertence, pelo próprio texto constitucional'. Com efeito, o exame dos dispositivos constantes das Cartas de 1891, 1934, 1937 e 1946, no atinente aos bens da União e dos Estados demonstram, cristalinamente, que foi nesta última que se revelou o propósito do legislador constituinte de discriminar expressamente, ainda que de forma não exaustiva, os rios que se incluiriam entre os bens dos Estados, objetivo que anteriormente era atingido por via de exclusão, com a menção apenas dos rios considerados federais." ........................................................................................................... "Se a inclusão da norma 'teve por escopo definir direito até então reconhecido apenas por exclusão, será ilógico que se atribua a essa disposição sentido exatamente contrário', como bem acentuou a douta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Não seria, na verdade a melhor técnica de interpretação aquela que acarretasse tornar sem objeto o mandamento constitucional, pois, na prática, equivaleria a tornar inexistentes os rios estaduais." ............................................................................................................ "Com efeito, a controvérsia tem solução, desde que, segundo as lições da Hermenêutica, seja afastada a exegese meramente literal, que induz o intérprete a conclusões absurdas, tais como a de inexistência de rios estaduais ou de que não constituiriam bens dos Estados os lagos circundados por propriedades privadas. Cumpre ao exegeta buscar o escopo dos preceitos constitucionais. Dessa forma, evidencia-se que o fim colimado pelo art. 5º da Constituição foi o de incluir, efetivamente, no patrimônio dos Estados Federados, determinados lagos e rios, estes desde que tenham a nascente e a foz geograficamente situadas em seu território, isto é, nos limites geográficos da unidade federada, independentemente de as águas fluviais desaguarem aqui ou acolá e os terrenos marginais serem propriedade de A ou de B." Em conclusão, desde que não estejam situados totalmente em terrenos do domínio da União, não banhem mais de um Estado nem constituam limite com outros países, os rios que tenham nascente e foz localizados nos limites geográficos do mesmo Estado ou Território incluem-se entre os bens dessas unidades federadas, ainda que deságüemno Oceano." Utilizando-me de tais argumentos como razões de decidir, dispensável maior aprofundamento sobre o tema jurídico, frente à realidade dos fatos e à previsão legislativa já declinadas." Por esses fundamentos, deve prevalecer o voto vencido. 86 Prequestionamento O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado, considerando-se aqui transcritos todos os artigos da Constituição e/ou de lei referidos pelas partes. Em face do exposto, dou provimento aos embargos infringentes. É como voto. Des. Federal Silvia Goraieb Relatora Documento eletrônico assinado digitalmente por Des. Federal Silvia Goraieb, Relatora, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3120469v5 e, se solicitado, do código CRC 449675F2. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): SILVIA MARIA GONCALVES GORAIEB:21 Nº de Série do Certificado: 4435AA3C Data e Hora: 06/01/2010 15:44:22 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS RELATORA : Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União VOTO DIVERGENTE Peço vênia para divergir do entendimento manifestado pela eminente Relatora, o que faço mediante a adoção da posição por mim já manifestada perante a 4ª Turma quando do julgamento deste processo, conforme as razões a seguir transcritas, verbis: "Peço vênia para divergir do E. Relator, tendo em linha de consideração que o Superior Tribunal de Justiça vem reformando nossas decisões. O imóvel da parte autora fica localizado na Praia do Imbé, na Rua Taquara, na área do antigo braço morto do Rio Tramandaí. 87 É de se ressaltar que o fato do imóvel objeto da cobrança estar, bem ou mal registrado no Registro de Imóveis - e digo bem ou mal porque os ditos terrenos originaram-se da aquisição por usucapião intentada pelo Município de Osório em 1956, contra herdeiros de João Bernardes dos Santos, cujo acórdão transitado em julgado excluiu os terrenos de marinha, condição não observada quando do registro dos limites das terras adquiridas - não tem o condão de afastar a cobrança em questão, pois a transcrição do título no registro de imóveis tem presunção 'juris tantum' e é inoponível à União, que possui o domínio dos terrenos de marinha por força de disposição constitucional, independentemente do registro. Da celeuma instalada em torno destes imóveis, por parte do Superior Tribunal de Justiça, o que tem sido mantida naquele Pretório é a legalidade do processo demarcatório, mesmo tendo se baseado em vetusto ordenamento, o Decreto-Lei 9.760/46, este que também remete a linha de preamar média de 1831. Não desconheço as divergências acerca da matéria, tanto que votei em sentido contrário do juízo que ora faço, no exame dos embargos infringentes 97.04.41363-7, julgado na Segunda Seção, em 13 de junho de 2001. Mas, se o Superior Tribunal de Justiça legitima a demarcação, com base no dito Decreto-Lei, que em seu art. 2º, estabeleceu o suporte fático da incidência da taxa de ocupação, definindo os terrenos de marinha como sendo os existentes "em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontamente, para a parte da terra da linha do preamar médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés", de acordo com inúmeros estudos já realizados, há que ser mantida a sentença. Ademais, não seria viável a impugnação ao procedimento de demarcação, inclusive quanto à delimitação da posição da linha do preamar de 1831, por encontrar-se acobertado pela prescrição, considerando que o procedimento começara por volta de 1971 e terminara em 1974. Veja-se a respeito, os seguintes julgados: "Processual civil e administrativo. Recursos especiais. Terrenos de marinha e acrescidos. Taxa de ocupação. Alegada violação dos arts. 458, iii, 535, i e ii, 82, iii, e 246, do cpc. Nãoocorrência. Processo administrativo de demarcação. Fixação da linha preamar média de 1831. Convocação dos interessados. Citação pessoal e editalícia (decreto-lei 9.760/46, art. 11). Distinção. Qualificação dos imóveis como terrenos de marinha. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade (súmula 7/stj). Identificação de bens: demarcação e discriminação. Registro imobiliário: presunção relativa do direito de propriedade. Divergência jurisprudencial (súmula 83/stj). Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (...) 4. A demarcação dos terrenos de marinha não se confunde com a discriminação de terras da União, pois constituem processos diversos de identificação de bens, cada qual com disciplina normativa própria (Decreto-Lei 9.760/46, Título I, Capítulo II, Seções II e IV). 5. A citação dos interessados no procedimento demarcatório de terrenos de marinha e acrescidos, sempre que identificados e certo o domicílio, deverá realizar-se pessoalmente. Somente no caso de existirem interessados incertos poder-se-á realizar a convocação editalícia (DecretoLei 9.760/46, art. 11). 6. As instâncias ordinárias reconheceram que os recorrentes adquiriram os imóveis depois de inaugurado o procedimento demarcatório. Por isso, a citação por edital foi legal e legítima. 7. O registro do título translativo no cartório de imóveis não gera presunção absoluta do direito real de propriedade, mas relativa, vale dizer, admite prova em sentido contrário (CC/1916, art. 527; CC/2002, art. 1.231). 8. As alienações realizadas pelo Município de Osório/RS, sem observar os limites objetivos da sentença proferida na ação de usucapião - que ressalvou, expressamente, os terrenos de marinha e acrescidos -, são nulas de pleno direito. Logo, os títulos de domínio privado são inoponíveis à 88 União, cuja titularidade, conferida por lei, tem natureza originária. 9. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula 83/STJ). 10. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa parte, desprovidos." (REsp 466.500/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 03.04.2006 p. 227) (grifos intencionais) "ADMINISTRATIVO - TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS - ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ - IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DA UNIÃO AFORADOS POR MUNICÍPIO A PARTICULARES - DECRETO-LEI 9.760/46 - EFEITOS DO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO SOBRE TÍTULOS DE PROPRIEDADE E DE AFORAMENTO REGISTRADOS - TAXA DE OCUPAÇÃO - MEDIDA CAUTELAR. 1. Aplicação parcial da Súmula 283/STF porque inatacado o fundamento do acórdão recorrido no sentido de que a impugnação ao procedimento de demarcação, inclusive quanto à delimitação da posição da linha do preamar de 1831, encontra-se acobertado pela prescrição. 2. Impossibilidade de reexame do contexto fático-probatório referente à assertiva de estarem os imóveis localizados dentro das áreas de propriedade da União, por força da Súmula 7/STJ. 3. Deficiente a fundamentação do recurso especial na parte em que suscita vício de julgamento no acórdão de origem, tendo aplicabilidade o teor da Súmula 284/STF. 4. Conflito aparente entre as normas do Decreto-lei 9.760/46, do Código Civil Brasileiro de 1916 e da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) que se resolve pela aplicação da regra do art. 2º, § 2º, da LICC. 5. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do BrasilColônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46. 6. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas. 7. Em relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de 1916 como o novo Código de 2002 adotaram o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário. 8. Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido. 9. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade. 10. A presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante o ônus da prova de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha. 11. Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado. 12. Ausência de fumus boni juris. 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, improvido. (REsp 624.746/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 180) (grifos intencionais). Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial, para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus sucumbenciais. É o voto." (fl. 514-5). Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso. É o voto. Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER 89 Documento eletrônico assinado digitalmente por Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, , conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3348737v2 e, se solicitado, do código CRC F4D3C749. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER:24 Nº de Série do Certificado: 4435E8A6 Data e Hora: 12/03/2010 13:25:22 EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/11/2009 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS ORIGEM: RS 200371000458757 RELATOR : Des. Federal SILVIA GORAIEB PRESIDENTE : Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro PROCURADOR : Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/11/2009, na seqüência 13, disponibilizada noDE de 29/10/2009, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS. Certifico que o(a) 2ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: RETIRADO DE PAUTA. Fádia Gonzalez Zanini Diretora de Secretaria EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/12/2009 EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2003.71.00.045875-7/RS ORIGEM: RS 200371000458757 90 RELATOR : Des. Federal SILVIA GORAIEB PRESIDENTE : Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro PROCURADOR : Dr. Marcos Vinicius Aguiar Macedo SUSTENTAÇÃO ORAL : Dr. Luiz Carlos Kremer, pela embargante EMBARGANTE : CATERINA FRANCISCA CAPRIO ADVOGADO : Luiz Carlos Kremer e outros EMBARGADO : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Procuradoria-Regional da União Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/12/2009, na seqüência 14, disponibilizada no DE de 26/11/2009, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS. Certifico que o(a) 2ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A SEÇÃO, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDOS A RELATORA E O DES. FEDERAL VALDEMAR CAPELETTI. LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER. RELATOR ACÓRDÃO VOTANTE(S) : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER : : : : : : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ Juiz Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS Des. Federal SILVIA GORAIEB Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI Fádia Gonzalez Zanini Diretora de Secretaria 91 ANEXO D – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.041958-3/RS RELATOR : AGRAVANTE : ADVOGADO : AGRAVADO : ADVOGADO : INTERESSADO : : : Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON UNIÃO FEDERAL Luis Antonio Alcoba de Freitas LUIZ ANTONIO DA SILVA RAMOS e outro Joao Batista Comparsi Neto SUCESSAO DE ZULMIRA FARIAS GOULART CHEILA ESTER BARAZZUTTI DE AZEVEDO CHIRLEY LAINE BARAZZUTTI AYRES DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação de usucapião, declarou que o imóvel objeto da lide não é bem da União por não ser considerado terreno de marinha ou acrescido em relação ao Rio Tramandaí. Sustenta a agravante que os documentos trazidos aos autos corroboram que a área constitui terreno de marinha e, portanto, é bem da União. Aduz que a atual distância da orla marítima não conduz à conclusão de que o imóvel não é terreno de marinha e que para caracterizá-lo como bem público federal basta que a área fique à margem de qualquer rio do país, seja ele estadual ou federal. Requer efeito suspensivo. Brevemente relatado, decido. O cerne da presente demanda é saber se a área objeto da ação de usucapião é ou não terreno de marinha. Tenho que, na hipótese em debate, devem ser lembrados os fundamentos utilizados pela Eminente Desembargadora Federal Sílvia Gonçalves Goraieb, no julgamento da AC nº 96.04.43009-2/RS, conforme os excertos que pela pertinência passo a transcrever: "... Inicialmente, devemos partir da localização do Rio Tramandaí, para estabelecer a quem pertence e saber se o terreno que o autor diz ser de sua propriedade é ou não terreno de marinha. Possui referido rio nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro estado e nem se estende a outro território. Tais elementos estão definitivamente fixados no laudo pericial. A partir de tais conclusões, temos certo que pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. Com efeito, segundo evolução bem traçada no recurso, antes da Carta política de 1891, os rios eram todos do domínio da Coroa, passando depois, por força das alterações que sobrevieram, ao domínio tanto da União como dos Estados. As Constituições de 1934 e 1937 passaram a fixar o domínio da União, excluindo os rios que não se enquadrassem nas especificações próprias, sendo que a Carta de 1946, conceituou os 92 rios do domínio dos Estados, o que foi seguido em 1967, Emenda Constitucional n° 1 de 1969 e a de n° 16, de 1980. Assim, já em 1946, os direitos dos Estados passaram a ser previstos expressamente, eis que antes eram assegurados somente por exclusão. Vencida esta digressão de ordem constitucional, é necessário avançar na análise que vai fixar a natureza do domínio, frente à localização do terreno. Não se pode esquecer que a definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas. Com efeito, não se há de pretender alterar o domínio por fatores totalmente desvinculados da previsão legislativa, ou seja, não se pode chegar à afirmação de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União pelo simples fato de desaguar no oceano. Aliás, tal hipótese implicaria em fixar o domínio federal por estar o rio desaguando no mar territorial ou atravessar terrenos de marinha e acrescidos. Aliás, foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do oceano. Ocorre que o Decreto-lei 9.760, de 5.9.46, editado pouco antes da Constituição de 1946, conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés. Ora, nem a Carta de 37 admitia tal restrição que levaria ao absurdo de extinguir o domínio dos Estados sobre seus rios que deságuam no mar. E como foi magistralmente enfocado na apelação, a Constituição de 46, bem como as alterações subseqüentes, não recepcionaram tal impropriedade. Tal conclusão tanto mais se impõe se considerarmos que o texto legal não pode afrontar disposição constitucional, e o art. 25 das Disposições Transitórias da atual Carta Política revogou, definitivamente, os Decretos-Leis que consubstanciassem delegação do Congresso ao Poder Executivo em matéria de sua competência exclusiva, tal como legislar sobre bens do patrimônio da União, desde que não prorrogados por lei em tempo hábil. Assim, resulta certo que nenhum texto constitucional trata de estabelecer a maré como fator determinante do domínio. Portanto, a conclusão sobre o domínio da União sobre terrenos marginais de rio estadual só porque este sofre os efeitos da maré é totalmente despida de conteúdo legal e técnico, pois todos os rios estaduais que chegam ao mar passariam a ser da União, o que não corresponde à previsão constitucional e a intenção dos constituintes...." Aliás, este é o entendimento que vem sendo adotado por esta Corte de Justiça em casos que tais: "ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. TERRENOS DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. RIO TRAMANDAÍ. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite como outro Estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no oceano. “Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano". (AC nº 2006.71.00.021834-6/RS, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, DE 19/06/2007) 93 "ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. IMÓVEIS NÃO PERTENCENTES À UNIÃO. PROPRIEDADES PRIVADAS. TAXA DE OCUPAÇÃO. INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. INCABIMENTO. “A matéria acerca das propriedades privadas localizadas à margem do rio Tramandaí já foi objeto de minuciosa análise pela 2ª Seção deste Tribunal, no sentido de que os imóveis dos autores não pertencem à União, razão pela qual não é devida a taxa de ocupação". (AI nº 2007.04.00.004138-0/RS, Rel. Juiz Márcio Antônio Rocha, DE 24/04/2007) "ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO E ACRESCIDOS DE MARINHA . PRECEDENTES DA CORTE. 1. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro Estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. 2. A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no oceano. 3. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano. 4. A Constituição de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram a impropriedade do decreto-lei 9.760/46, no que conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, resultando certo que nenhum texto constitucional tratou de estabelecer tal fenômeno determinante do domínio. 5. Se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passam eles também ao seu domínio, e a União não pode considerar-se dona das margens que não lhe pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio. 6. O domínio dos Estados constitui conquista destes frente à descentralização do poder após a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e, depois, de forma expressa. 7. O que a Constituição fixa em dispositivo auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido, muito menos por um decreto-lei. 8. Prejudicado o pedido de compensação tributária formulado pela apelante, pois a taxa de ocupação tem natureza administrativa e não tributária. 9. Apelação parcialmente provida, na medida do julgamento do agravo de instrumento nº 2004.04.01.011436-6". (AC nº 2003.71.00.073691-5/RS, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DE 19/04/2007). "ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENODE MARINHA E ACRESCIDOS RIO TRAMANDAÍ . BEM DE DOMÍNIO ESTADUAL. DECRETO-LEI Nº 9.760/46 - NÃORECEPÇÃO. NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. 1. O rio Tramandaí possui nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do Sul, a este pertencendo seu domínio. 2. Havendo acréscimos às margens do rio Tramandaí, em decorrência de aterro artificialmente colocado, os terrenos de aí oriundos também pertencem ao domínio do Estado do Rio Grande do Sul. 3. O Decreto-Lei nº 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições posteriores a de 1946, não havendo na atual Carta Magna de 1988 qualquer definição a respeito de terreno de marinha e seus acrescidos, certo que a influência das marés não é mais indicada a caracterizar o imóvel como tal. 94 4. Os atos administrativos que visam à cobrança de taxa de ocupação restam anulados presente o desaparecimento da fato gerador de referida cobrança, qual seja, ocupação de terreno de marinha" . (AC nº 96.04.55312-7/RS, Rel. p/ acórdão Des. Fed. Amaury Chaves de Athayde, DJU 26/07/2006) "ADMINISTRATIVO. TERRENOS E ACRESCIDOS DE MARINHA . TAXA DE OCUPAÇÃO. INCABIMENTO. ÁREA DE DOMÍNIO ESTADUAL. DESCENTRALIZAÇÃO. O deságüe da foz de um rio no mar não é condição que determina ser o rio de domínio da União, por falta de previsão legal que assim estabeleça. O Rio Tramandaí pertence ao estado do Rio Grande do Sul por ter nascente e foz no citado estado-federado e não se estender a outro território. Os acrescidos, naturais ou não, à margem de rio estadual são acrescidos estaduais não importando qual ente assentou a sua barra. As Constituições Federais, desde 1946, não recepcionaram o DL 9.760/46 no que concerne a conceituação como terreno de marinha daqueles marginais a rios e lagoas que não se sujeitam à influência das marés. O domínio estadual é decorrência da descentralização crescente desde a proclamação da república, sendo expressa na atual legislação vigente. As disposições auto-aplicáveis da CF/88 não podem ser ampliadas ou restringidas por regulamentação infraconstitucional, a menos que a própria carta assim ressalve ou remeta à lei ordinária. Reputam-se nulos os atos administrativos de inscrição, lançamento e cobrança de taxa de Ocupação relativa aos imóveis descritos na inicial, por não se tratar de terrenos de marinha , sendo indevida a exação. Via de conseqüência é de ser extinta a execução fiscal a eles referente. Providas as apelações interpostas na ação ordinária e nos embargos à execução". (AC nº 1999.71.00.014738-2/RS, Rel. Des. Fed. Edgard Lippmann Junior, DJU 22/11/2006) Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo pleiteado. Comunique-se ao MM. Juízo a quo. Intime-se a parte agravada para resposta. Porto Alegre, 12 de maio de 2008. Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON Relator 95 ANEXO E – APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS RELATOR : REL. ACÓRDÃO : APELANTE : ADVOGADO : APELADOS : ADVOGADOS : : APELADOS : ADVOGADOS : : APELADO : ADVOGADOS : REMETENTE : SR. DES. FEDERAL JOSÉ GERMANO DA SILVA AMAURY CHAVES DE ATHAYDE UNIÃO Simone Anacleto Lopes ALÍCIO LOTHÁRIO LOTH e outros Ivo Gabriel Correa da Cunha e outro Marcia Eliz Endres CLÉO ROSSI e outros Luiz Carlos Kremer Claudio Pedro Endres LAURO JOSÉ MARTINS FILHO Adriano Kalfelz Martins e outro MM. JUÍZO DA 6ª VF DE PORTO ALEGRE EMENTA ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENODE MARINHA E ACRESCIDOS - RIO TRAMANDAÍ. BEM DE DOMÍNIO ESTADUAL. DECRETOLEI Nº 9.760/46 - NÃO-RECEPÇÃO. NULIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. 1. O rio Tramandaí possui nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do Sul, a este pertencendo seu domínio. 2. Havendo acréscimos às margens do rio Tramandaí, em decorrência de aterro artificialmente colocado, os terrenos de aí oriundos também pertencem ao domínio do Estado do Rio Grande do Sul. 3. O Decreto-Lei nº 9.760/46 não foi recepcionado pelas constituições posteriores a de 1946, não havendo na atual Carta Magna de 1988 qualquer definição a respeito de terreno de marinha e seus acrescidos, certo que a influência das marés não é mais indicada a caracterizar o imóvel como tal. 4. Os atos administrativos que visam à cobrança de taxa de ocupação restam anulados presente o desaparecimento da fato gerador de referida cobrança, qual seja, ocupação de terreno de marinha. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, e no mérito, por maioria, vencido o Relator, negar provimento ao recurso e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 19 de junho de 2001. AMAURY CHAVES DE ATHAYDE Relator para o acórdão 96 APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.55312-7/RS RELATOR : SR. DES. FEDERAL JOSÉ GERMANO DA SILVA APELANTE : UNIÃO ADVOGADO : Simone Anacleto Lopes APELADOS : ALÍCIO LOTHÁRIO LOTH e outros ADVOGADOS : Ivo Gabriel Correa da Cunha e outro : Marcia Eliz Endres APELADOS : CLÉO ROSSI e outros ADVOGADOS : Luiz Carlos Kremer : Claudio Pedro Endres APELADO : LAURO JOSÉ MARTINS FILHO ADVOGADOS : Adriano Kalfelz Martins e outro REMETENTE : MM. JUÍZO DA 6ª VF DE PORTO ALEGRE VOTO DIVERGENTE O Sr. Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE: Acompanho o eminente Relator quanto ao afastamento das preliminares argüidas, dizendo com a nulidade da v. sentença prolatada e a prescrição. Peço vênia, no entanto, para divergir em relação ao mérito da ação. Confiro. Os autores, ora apelados, objetivam a declaração de nulidade dos atos administrativos que digam com a cobrança da taxa de ocupação sobre seus imóveis, situados nas margens do rio Tramandaí, por estarem localizados em terreno de marinha. A pretensão do ente político está em cobrar a taxa de ocupação, uma vez que os imóveis discriminados na inicial, segundo sua tese, encontram-se localizados dentro da especificação trazida pelo Decreto-lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, sendo terrenos atualmente situados em aterros no denominado "Braço Morto", de Imbé/RS, onde anteriormente passava o leito antigo do rio, enquadrando-se, pois, na acepção de acrescidos de terrenos de marinha. Assim fixado, prossigo. Bem andou o MM. Juízo da causa ao julgar procedente a pretensão dos autores fundamentando seu entendimento na não-recepção do Decreto-Lei nº 9.760/46, no tocante à conceituação de terrenos de marinha à beira dos rios, frente a atual Constituição Federal, que é lacunosa na conceituação do que sejam terrenos de marinha. Aos fundamentos já esposados pelo Douto Magistrado, vale acrescer O rio Tramandaí tem sua nascente e foz dentro do Estado do Rio Grande do Sul, não banhando mais de um Estado ou Território, tampouco fazendo limite com outro país, ou ainda, se estendendo ou provendo de outro território estrangeiro, caso em que, 97 automaticamente, seria enquadrado como pertencente ao domínio da UNIÃO (CF, art. 20, III). Afora a especificação a respeito dos rios, a atual Carta Magna, também indica como sendo de propriedade da UNIÃO, os terrenos de marinha e seus acrescidos. Ocorre que, a mesma Carta, deixa em aberto qualquer conceituação de terrenos de marinha e acrescidos, exceto, quando, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, artigo 49, § 3º, indica os terrenos de marinha, aos fins de aplicação da enfiteuse, como os situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima. Sendo o rio Tramandaí, um rio cujo domínio pertence ao Estado do Rio Grande do Sul, os terrenos a sua margem ao mesmo estado pertencem, pois, o fato de ter a foz desaguando no oceano, não o faz constituir patrimônio da UNIÃO. Ademais, nenhum texto constitucional depois da edição do Decreto-Lei que conceitua terreno de marinha, recepcionou a indicação da influência das marés a modo de conceituar o instituto. Logo, os imóveis questionados não são terrenos de marinha e, tampouco, via de conseqüência, constitui sua utilização fato gerador para pagamento da taxa de ocupação. Na esteira desse entendimento, vale referir r. precedente desta Turma, da ilustre Relatora Juíza SILVIA GORAIEB, que bem expõe em situação símile (AC nº 94.04.553972/RS, maioria, DJU-II 22/07/1998) ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. TERRENO E ACRESCIDO DE MARINHA. RIO TRAMANDAÍ. NASCENTE E FOZ NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TÍTULO TRANSCRITO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. A definição do domínio dos estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no oceano. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio e não do oceano. A Constituição de 1946, bem como as subseqüentes, não recepcionaram a impropriedade do Del-9760/46, no que conceituou como terreno de marinha aqueles situados nas margens dos rios e lagoas até onde se faça sentir a influência das marés, resultando certo que nenhum texto constitucional tratou de estabelecer tal fenômeno determinante do domínio. Se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passam eles também ao seu domínio e a União não pode considerar-se dona das margens que não lhe pertencem, pelo simples fato de haver assentado a barra do rio. O domínio dos estados constitui conquista destes frente à descentralização do poder após a República, o que foi primeiramente previsto por exclusão e, depois, de forma expressa. O que a Constituição fixa em dispositivo auto-aplicável, sem ressalvas nem remessa à lei regulamentadora, não pode ser ampliado nem restringido, muito menos por um decreto-lei. Entendimento embasado em Parecer do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Consultor-Geral da República, após manifestação do Secretário do Meio-Ambiente, do Diretor-Geral do Serviço do Patrimônio da União, da Consultoria do Ministério do Interior e do Procurador do Ministério da Fazenda, que afastam a tese consubstanciada na sentença. 98 Procedência da ação decretada, mediante a declaração de nulidade dos atos administrativos que impliquem em inscrição, lançamento e cobrança, relativos à taxa de ocupação sobre o imóvel descrito na inicial. Sucumbência fixada na esteira dos precedentes da Turma. Apelação provida. ANTE O EXPOSTO Nego provimento à apelação e à remessa oficial. É como voto. AMAURY CHAVES DE ATHAYDE Relator para Acórdão 99 ANEXO F – RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : UNIÃO RECORRIDO : HELENA HEIDRICH E OUTROS ADVOGADO : CLARISSA WRUCK SILVA E OUTRO(S) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado: ADMINISTRATIVO. BENS PÚBLICOS. TERRENOS DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. RIO TRAMANDAÍ. Possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite como outro Estado e nem se estendendo até outro território, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal. A definição do domínio dos Estados não está condicionada a considerações outras que não aquelas expressamente previstas, não sendo possível alterá-lo por fatores desvinculados da previsão legislativa, como o de que os rios que tenham nascente e foz dentro de um determinado Estado sejam atribuídos ao domínio da União, pelo simples fato de desaguar no oceano. Foz de um rio que deságua no mar nada mais é do que foz do próprio rio, e não do oceano. A Fazenda Nacional sustenta ter ocorrido violação do art. 1º do Decreto 20.910/1932; dos arts. 2º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14 do Decreto-Lei 9.760/1946; e dos arts. 212, 214, 216 e 237 da Lei 6.015/1973. Alega, em suma: a) "o pressuposto para o não pagamento da taxa de ocupação é o reconhecimento da ineficácia da demarcação efetuada. Mas essa já não poderia ser atacada, eis que prescrito tal direito" (fl. 583); b) "nas demarcações da LPM de 1831, nas cidades de Tramandaí e praia de Imbé foram seguidos os ritos administrativos previstos na legislação e normas orientadoras, quais sejam, Capítulo II, Seção II, do DL 9760/46, artigos 9º a 14" (fl. 585); c) "não tem qualquer respaldo quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originadas em título Documento: 7489159 RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 9 Superior Tribunal de Justiça outorgado pela União Federal" (fl. 588). As contrarrazões foram apresentadas (fls. 596 - 612). O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do Recurso (fls. 618-625). É o relatório. Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 9 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 982.039 - RS (2007/0202825-0) VOTO 100 O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuidam os autos de Ação Declaratória de nulidade dos atos administrativos da Secretaria do Patrimônio da União – SPU que importaram na inscrição de vários imóveis situados nas margens do Rio Tramandaí, na praia de Imbé/RS, como terrenos de marinha e acrescidos, bem como na cobrança de taxa de ocupação. Preliminarmente, é de rigor rejeitar a preliminar de prescrição, porquanto, segundo o acórdão recorrido, inexiste nos autos demonstração do momento efetivo em que os autores tiveram ciência da realização do procedimento demarcatório. Além disso, entre a data de ajuizamento da demanda, em 16.6.2004, e a do lançamento da taxa de ocupação e acréscimos, apurados até 30.6.2004, não transcorreu o prazo prescricional quinquenal, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. No mérito, o acórdão impugnado negou provimento ao Recurso de Apelação interposto pela Fazenda Nacional, confirmando a sentença que julgou procedentes os pedidos aduzidos na exordial, sob o fundamento de que "o Rio Tramandaí possui nascente e foz no Estado do Rio Grande do Sul, não fazendo limite com outro Estado e nem se estendendo a outro território. Assim sendo, pertence ele ao Estado, por força da Constituição Federal" (fls. 556-557). Asseverou, ainda, que, "se houve acréscimos às margens do Rio Tramandaí, sendo ele um rio estadual, passaram eles também ao domínio do Estado e a União não pode considerar-se dona das margens que não lhe pertencem" (fl. 577). Inicialmente, cumpre destacar que, no Direito brasileiro, ao contrário do que ocorre em outros países, tanto o Código Civil de 1916 como o de 2002 adotaram o sistema de presunção relativa ou iuris tantum, segundo o qual a transcrição do título no Registro Imobiliário assegura o domínio, mas admite elisão por meio de prova em contrário. Além disso, são inoponíveis ao Estado títulos de propriedade referentes a Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 9 Superior Tribunal de Justiça bens que, pela Constituição ou lei, integram o seu domínio. Registrar em Cartório imóvel de terceiro (pior, se integrante do patrimônio público), em vez de assegurar direito incontestável, caracteriza violação frontal à legislação, ou mesmo má-fé, pois não se admite que à força imperativa e inafastável da norma jurídica se oponha ato registrário, que por isso mesmo deve ser tido por inválido e incapaz de produzir efeitos. Como se sabe, terrenos de marinha são todos os que, banhados pelas águas do mar ou de rios navegáveis, em sua foz, vão até a distância de 33 (trinta e três) metros em direção ao continente, contados horizontalmente a partir da linha do preamar média de 1831, nos termos do art. 2º, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946. Por sua vez, terrenos acrescidos são os que se formam com a terra carreada pelo rio, ou de modo artificial, em seguimento aos terrenos de marinha (art. 3º, do referido diploma legal). Vale a pena transcrever os mencionados artigos: Decreto-Lei 9.760/1946: (...) Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo 101 menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. Denota-se, dos supratranscritos dispositivos legais, que, mesmo em se tratando de rio estadual (fato incontroverso), é possível que haja em sua margem áreas que constituam terrenos de marinha (art. 2º, "a", do Decreto-Lei 9.760/1946). Basta, para tanto, o preenchimento dos requisitos insertos no art. 2º do citado texto normativo: que os imóveis estejam situados na faixa de 33 (trinta e três) metros, a Documento: 7489159 RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 9 Superior Tribunal de Justiça contar da linha do preamar médio de 1831, para dentro da terra (art. 2º, caput); e que as áreas banhadas pelo mar sofram a influência das marés, entendidas como a oscilação periódica de cinco centímetros, pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano (art. 2º, parágrafo único). Observa-se, pois, que o fato de o Rio Tramandaí pertencer ao Estado do Rio Grande do Sul não tem o condão de afastar as ponderações da Secretaria do Patrimônio da União, no sentido de que os imóveis objeto do litígio estão situados em terrenos de marinha e seus acrescidos. Mister se faz salientar que o Decreto-Lei 9.760/1946 prevê, em seus arts. 9º a 14, procedimento específico a ser adotado pela SPU na demarcação da linha do preamar médio de 1831, in verbis: Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) Art. 12. O edital será afixado na repartição arrecadadora da Fazenda Nacional na localidade, e publicado por 3 (três) vezes, com intervalos não superiores a 10 (dez) dias, no Diário Oficial, se se tratar de terrenos situados no Distrito Federal, ou na fôlha que nos Estados ou Territórios lhes publicar o expediente. Parágrafo único. Além do disposto no caput deste artigo, o edital deverá ser publicado, pelo menos 1 (uma) vez, em jornal de grande circulação local. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007) Art. 13. De posse dêsses e outros documentos, que se esforçará por obter, e após a realização dos trabalhos topográficos que se fizerem necessários, o Chefe do órgão local do S. P. U. determinará a posição da linha em despacho de que, por edital com o prazo de 10 (dez) dias, dará ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações. Parágrafo único. Tomando conhecimento das impugnações porventura apresentadas, a autoridade a que se refere êste artigo reexaminará o assunto, e, se confirmar a sua decisão, recorrerá ex-offício para o Diretor do S. P. U., sem prejuízo do recurso da parte interessada. Art. 14. Da decisão proferida pelo Diretor do S. P. U. será dado conhecimento aos interessados, que, no prazo improrrogável de 20 (vinte) dias contados de sua ciência. poderão interpor recurso para o C. T. U. Este Tribunal Superior possui precedente no sentido de que, somente por meio de ação judicial própria, é possível ao particular descaracterizar os terrenos de Documento: 7489159 RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 9 Superior Tribunal de Justiça marinha e seus acrescidos, discriminados pela Secretaria de Patrimônio da União, com base no procedimento específico fixado na citada legislação. Confira-se a ementa do referido acórdão: 102 ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. 1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria. 2. Cobrança de taxa de ocupação pela União. 3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul. 4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de terreno de marinha. 5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse convencimento. Matéria de prova. 6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no registro de imóvel tem presunção "juris tantum". 7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha. 8. Taxa de ocupação devida. 9. Recurso especial improvido. (REsp 409.303/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ 14/10/2002 p. 197, grifei). Acresça-se, ainda, que o Recurso Especial 968.241/RS traz a notícia de que o Tribunal a quo possui julgados que reconhecem que alguns imóveis localizados no "braço morto" do Rio Tramandaí estão situados em terrenos de marinha e acrescidos. Transcrevo a ementa do julgado: ADMINISTRATIVO – TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS – ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ – DECRETO-LEI 9.760/46 – EFEITOS DO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO – TAXA DE OCUPAÇÃO. 1. Ausência de contrariedade aos artigos 131, 458, II e 535 do CPC, pois não subsistem as omissões detectadas no julgamento do REsp. 579.118/RS, tendo o Tribunal de origem respondido ponto a ponto e, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas por força da referida decisão. 2. O recurso especial, em relação aos temas tratados no Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 9 Superior Tribunal de Justiça rejulgamento do embargos declaratórios, não se afigura apto a ensejar conhecimento, seja pela ausência de indicação de dispositivos legais que teriam sido violados quanto às teses de julgamento extra petita e insuficiência da documentação de fls. 635/716, seja porque, no que toca as demais questões, embora haja sido mencionado diversos dispositivos, deixou-se de indicar, com clareza e precisão, em que reside a contrariedade ou negativa de vigência à lei federal. Incide o óbice da Súmula 284/STF. 3. Conforme abstraído soberanamente pelas instâncias de origem, estão definitivamente incluídos em área demarcada pela União como de terreno de marinha e de acrescidos de marinha através de procedimento administrativo. Alterar as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias demandaria reexame do contexto fático-probatório dos autos, medida inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. 4. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46. 5. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas. 103 6. Em relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de 1916 como o novo Código de 2002 adotaram o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário. 7. Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido. 8. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade. 9. Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, improvido. (REsp 968.241/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 30/09/2009, grifei). Vê-se, assim, que existe, ao menos, divergência na instância de origem quanto à existência ou não de terrenos de marinha na margem do Rio Tramandaí. Sendo assim, impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que o acórdão recorrido, ultrapassado o tema da natureza jurídica do Rio Tramandaí, manifeste-se sobre a regularidade ou não do procedimento demarcatório efetivado pela SPU, que considerou que os bens objeto do litígio estão situados em Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO Site certificado Página 7 de 9 Superior Tribunal de Justiça terrenos de marinha e seus acrescidos. Ressalte-se, ademais, que a jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de que a existência de registro imobiliário em nome de particular é insuficiente para afastar a presunção de que tais imóveis encontram-se em terrenos de marinha. Nessa linha, destaco os seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – TAXA DE OCUPAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA – DIREITO DE PROPRIEDADE DA UNIÃO – VIOLAÇÃO DO ART. 535/CPC NÃO CONFIGURADA. 1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal a quo se pronuncia de modo claro e suficiente sobre a questão posta nos autos e realiza a prestação jurisdicional de forma fundamentada. 2. A agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. 3. O STJ assenta que, nas hipóteses em que os imóveis se situam em terrenos da marinha, o título de domínio particular é inoponível, porquanto propriedade da União. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1066073/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 03/02/2009, grifei). ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. TITULARIDADE. 1. Não há que se falar em omissão ou falta de fundamentação, já que o acórdão atacado foi claro ao concluir que é incabível, em mandado de segurança, a produção de prova da correção topográfica da demarcação da área objeto da cobrança da exação e que cumpriria ao impetrante, e não à União, comprovar a alegada irregularidade no procedimento demarcatório 104 do terreno, o que não ocorreu; sendo assim, não caberia ao Tribunal a quo afirmar "se agasalhou ou não a demarcação e aprovação da LPM", já que nem sequer entendeu suficientes as provas apresentadas com a exordial. 2. O acórdão recorrido deixou claro que "o registro não possui presunção iuris et de iure, e sim iuris tantum, o que permite a elisão de sua eficácia se comprovada a ausência de legitimidade", bem como ser "inoponível à União os títulos de propriedade do impetrante, referente a imóveis que sempre esteve sob o domínio daquela" e, ainda, que esse "título, em verdade, sequer poderia ter sido emitido, na medida em que pretendeu constituir direito de propriedade sobre imóvel à revelia do verdadeiro detentor de seu domínio". 3. Os terrenos de marinha são bens públicos dominiais. Desse modo, as pretensões dos particulares sobre eles não podem ser acolhidas, nos termos do art. 198 do Decreto-Lei nº 9.760/46. Documento: 7489159 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 8 de 9 Superior Tribunal de Justiça 4. É notório que, após a demarcação da linha de preamar e a fixação dos terrenos de marinha, a propriedade passa ao domínio público e os antigos proprietários passam à condição de ocupantes, sendo provocados a regularizar a situação mediante pagamento de foro anual pela utilização do bem. 5. Na hipótese, não há informação ou documento nos autos que afaste a presunção de que os terrenos de marinha em questão se tratam de bens públicos dominiais, por isso, não pode o particular pretender isentar-se da cobrança da taxa de ocupação, porquanto este domínio, frise-se, é da União. 6. Recurso especial não provido. (REsp 693.032/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 07/04/2008, grifei). PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TERRENOS DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. 1. A existência de registro em cartório de imóveis local em favor de particular não retira da propriedade da União os terrenos de marinha. 2. Cabe ao ocupante do imóvel a comprovação de que o bem não se situa em área destinada a terrenos de marinha. 3. Pode a União realizar cobrança de taxa de ocupação de terrenos de marinha após a conclusão de procedimento demarcatório, sem que, para tanto, ajuíze ação anulatória de registro de propriedade. 4. Recurso especial provido. (REsp 550.111/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, DJ 25/04/2007 p. 300). Por tudo isso, dou parcial provimento ao Recurso Especial para anular o acórdão recorrido e determinar a devolução dos autos ao egrégio Tribunal de origem, a fim de que, superado o tema acerca da natureza jurídica do Rio Tramandaí, o acórdão aprecie a matéria referente à regularidade do procedimento demarcatório efetuado pela Secretaria do Patrimônio da União. É como voto. 105 ANEXO G – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2012.029284-4 Processo: 2012.029284-4 (Acórdão) Relator: Marcus Tulio Sartorato Origem: Itajaí Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil Julgado em: 11/09/2012 Juiz Prolator: José Carlos Bernardes dos Santos Classe: Agravo de Instrumento Agravo de Instrumento n. 2012.029284-4, de Itajaí Relator: Des. Marcus Tulio Sartorato PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. INTERESSE NO FEITO MANIFESTADO PELA UNIÃO FEDERAL. IMÓVEL USUCAPIENDO QUE INTERFERE COM TERRAS DE MARINHA. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. EXEGESE DO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA SÚMULA 150 DO STJ. INTERLOCUTÓRIO MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO. "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (Súmula 150 do STJ). Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2012.029284-4, da comarca de Itajaí (Vara da F. Púb. E. Fisc. A. do Trab. e Reg. Púb.), em que é agravante Empreendimentos Imobiliários Praia dos Amores Ltda., e agravada Aifa Regina Zonta: A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Saul Steil. Florianópolis, 11 de setembro de 2012. Marcus Tulio Sartorato Relator RELATÓRIO Empreendimentos Imobiliários Praia dos Amores Ltda. interpôs agravo de instrumento contra a decisão judicial proferida pelo MM. Juiz de Direito, Doutor José Carlos Bernardes dos Santos, que, nos autos da ação de usucapião ajuizada por Aifa Regina Zonta, determinou a 106 remessa dos autos à Justiça Federal após manifestação da União acerca de seu interesse no feito. Sustenta a agravante, em suma, que foi determinada a exclusão das terras de marinha da área usucapienda, devendo a agravada apresentar nova planta do imóvel. Dessa forma, assevera que o interesse da União se esvaiu, sendo desnecessária a remessa dos autos à Justiça Federal. Alega, ainda, que o processo deve ser extinto em razão do descumprimento da decisão que ordenou o recolhimento de caução. Por fim, aduz que não houve comprovação do efetivo interesse jurídico da União no resultado da demanda. O pedido de concessão de efeito suspensivo foi negado pelo eminente Des. Subst. Domingos Paludo (fls. 257/262). Conquanto intimada, a agravada deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar contraminuta (certidão de fl. 265). VOTO Dispõe o art. 109, inciso I, da Constituição Federal, que compete aos Juízes Federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública forem interessadas. No caso, a União demonstrou possuir interesse no imóvel usucapiendo (fl. 235), uma vez que "a área interfere com terras de marinha". Logo, diante desta manifestação, a competência para o julgamento da questão é da Justiça Federal, como bem salientou o Magistrado singular. Nesse sentido, dispõe a Súmula 150 do STJ: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas". Sobre o tema, colhem-se os seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INTERESSE NO FEITO MANIFESTADO PELA UNIÃO FEDERAL APÓS O JULGAMENTO DA LIDE PELO MAGISTRADO SINGULAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA ANALISAR O PEDIDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA SÚMULA 150 DO STJ. REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO. "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (Súmula 150 do STJ). (Apelação Cível n. 2008.009597-9, de Joinville, deste relator). USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DA LIDE. FORO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL (ART. 95 DO CPC). MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE POR AUTARQUIA FEDERAL. APLICAÇÃO DO ART 109, I, A, DA CF, E DA SÚMULA N. 150 DO STJ. REMESSA DOS AUTOS À VARA FEDERAL DE CRICIÚMA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (Súmula n. 150 do STJ) (Agravo de Instrumento n. 2011.090879-3, de Santa Rosa do Sul, rel. Des. Jorge Luiz de Borba). 107 AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO - UNIÃO FEDERAL MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE NO FEITO - INTERFERÊNCIA DO IMÓVEL USUCAPIENDO COM TERRENOS DE MARINHA - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA SOBRE A QUAL NÃO INCIDE PRECLUSÃO - ART. 113 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA FEDERAL - MEDIDA QUE SE IMPÕE - DECISÃO MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. "É cediço que a competência em discussão na presente lide é absoluta, pois em razão da matéria tratada na demanda, sua observância pode e deve ser reconhecida de ofício pelo magistrado, constituindo questão de ordem pública, em razão de preservar interesse da mesma ordem. Sabendo-se do caráter público da competência em razão da matéria é de se afirmar que sobre tal questão não incide preclusão pro iudicato, já que o Código de Processo Civil admite que sejam apreciadas a qualquer tempo e grau de jurisdição." (AI n. 2005.023594-5 - Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz) "Tendo a União manifestado interesse na causa, sob o fundamento de constituir o imóvel usucapiendo "terreno de marinha", impõe-se a anulação do processo e a remessa dos autos à Justiça Federal." (AC n. 2008.029115-5 - Rel. Newton Trisotto) (Agravo de Instrumento n. 2010.074782-4, de Palhoça, rel. Des. Cid Goulart). Destarte, somente a Justiça Federal pode avaliar o efetivo interesse jurídico da União no presente feito. Aliás, a competência para o julgamento da presente lide deve ser fixada antes de qualquer outra decisão a ser tomada no processo, razão pela qual não podem ser alvo de análise neste momento as demais teses suscitadas pela agravante. Ante o exposto, vota-se pelo desprovimento do recurso. Gabinete Des. Marcus Tulio Sartorato 108 ANEXO H – CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 27.558 - SP (1999/0087627-0) RELATOR: MINISTRO CASTRO FILHO AUTOR: JOANNA MOTTA FERREIRA E OUTROS ADVOGADO: JOSÉ COSTA DE AZEVEDO RÉU: UNIÃO SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DE SÃO PAULO - SP SUSCITADO: JUÍZO FEDERAL DA 3A VARA CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO EMENTA CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO RECONHECIDO PELA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I – É pacífica a orientação jurisprudencial consolidada no âmbito desta Corte, no sentido de competir à Justiça Federal decidir sobre o interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal no processo (Súmula 150/STJ). Uma vez reconhecido o interesse da União no feito, deverá a ação ter prosseguimento perante o juízo federal. II - No presente caso, foi proferida decisão por juiz federal, afastando o interesse da União na causa, a qual veio a ser reformada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento de agravo de instrumento. III – Logo, não existe incompatibilidade entre o referido julgado e o acórdão proferido por esta Corte, ao julgar conflito de competência que lhe precedeu, o qual foi expresso em afirmar que o feito deveria prosseguir na justiça estadual "enquanto não reapreciada a decisão " no âmbito do tribunal regional federal, daí o manifesto caráter de provisoriedade desse provimento judicial. Conflito conhecido, declarando-se competente a 3ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, a quem caberá prosseguir no julgamento da ação. ACÓRDÃO Documento: 652535 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJ: 10/03/2003 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente a 3ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, a suscitada, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Aldir Passarinho Junior e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Brasília (DF), 12 de fevereiro de 2003(Data do Julgamento). MINISTRO CASTRO FILHO Relator 109 ANEXO I – AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC RELATORA : AGRAVANTE : ADVOGADO : AGRAVADO : ADVOGADO : : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER UNIÃO FEDERAL Emanuela Cristina Andrade Lacerda JEAN CARLO FISTAROL Álvaro Borges de Oliveira Emanuela Cristina Andrade Lacerda EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. TERRENOS DE MARINHA. PROPRIEDADE DA UNIÃO. DECRETO-LEI 9.760/46. 1. Com efeito, tendo a União contestado a ação de usucapião e alegado que o imóvel debatido constitui terreno/acrescido de marinha, o interesse da agravada fica patente, nos autos, impondo-se a fixação da competência da Justiça Federal para dirimir a lide. A procedência e demonstração da qualidade do imóvel é matéria de mérito, impassível de ser resolvida em decisão terminativa. 2. Acrescento que o simples fato de o Rio Itajaí-Açú ter nascente e foz situados integralmente no Estado de Santa Catarina - sendo de propriedade estadual - não exclui a possibilidade de que seus terrenos marginais sejam caracterizados como terrenos ou acrescidos de marinha (portanto, federais). ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 12 de maio de 2010. Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER Relatora Documento eletrônico assinado digitalmente por Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, Relatora, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no 110 Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3398168v3 e, se solicitado, do código CRC 795A9608. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER:24 Nº de Série do Certificado: 4435E8A6 Data e Hora: 18/05/2010 18:53:36 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC RELATORA : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER AGRAVANTE : UNIÃO FEDERAL ADVOGADO : Emanuela Cristina Andrade Lacerda AGRAVADO : JEAN CARLO FISTAROL ADVOGADO : Álvaro Borges de Oliveira : Emanuela Cristina Andrade Lacerda RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que, no bojo de ação de usucapião de imóvel confrontante com o Rio Itajaí-Açú, entendeu não haver bem de domínio público federal na área sub judice, reconhecendo a ilegitimidade ad causam da União e declinando, consequentemente, da competência para processar e julgar o feito à Justiça Estadual. Em suas razões, a União alegou que o Rio Itajaí-Açú deságua no Oceano Atlântico e sofre inequívoca influência das marés, o que caracteriza a área usucapienda como terreno/acrescido de marinha. Defendeu a constitucionalidade/recepção do Decreto-Lei nº 9.760/46, no que se refere à conceituação dos terrenos de marinha, que compreendem, inclusive, aqueles situados ao longo da margem de rio estadual. Sustentou ser impossível atribuir ao Estado de Santa Catarina, com base em lacuna constitucional na definição dos terrenos de marinha, a propriedade de bem imóvel que não lhe foi conferido pela Constituição (a qual só atribuiu aos Estados as águas superficiais de rios como o debatido, não os terrenos ao longo de suas margens). Argumentou que a CF/88 não refere, como bens estaduais, as porções territoriais de tais rios justamente porque as mesmas já estão abrangidas no conceito legal de terrenos/acrescidos de marinha, que pertencem à União. Teceu considerações históricas acerca do mencionado conceito. O pedido de efeito suspensivo foi indeferido. Sem contraminuta. É o relatório. Inclua-se em pauta. 111 VOTO Prolatei decisão nos seguintes termos: "(...) Merece reforma a decisão recorrida. Com efeito, tendo a União contestado a ação de usucapião e alegado que o imóvel debatido constitui terreno/acrescido de marinha, o interesse da agravada fica patente, nos autos, impondo-se a fixação da competência da Justiça Federal para dirimir a lide. A procedência e demonstração da qualidade do imóvel é matéria de mérito, impassível de ser resolvida em decisão terminativa. Nesse sentido, os seguintes julgados desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. TERRENO DE MARINHA. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. A alegação de que parte de imóvel usucapiendo constitui terreno de marinha e a sua demonstração, são matérias de prova que dizem respeito ao próprio mérito da ação de usucapião. Tal circunstância justifica interesse da União no feito e a competência da Justiça Federal para apreciar a demanda. (TRF4, AI n. 2008.04.00.017260-0, Quarta Turma, Relator Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, D.E. de 11/11/2008) CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE USUCAPIÃO. Contestação da União no sentido de que a ação de usucapião tem por objeto terreno de marinha. Competência da Justiça Federal. (STJ, CC n. 20.768/SC, Segunda Seção, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 22/11/1999) Ademais, acrescento que o simples fato de o Rio Itajaí-Açú ter nascente e foz situados integralmente no Estado de Santa Catarina - sendo de propriedade estadual - não exclui a possibilidade de que seus terrenos marginais sejam caracterizados como terrenos ou acrescidos de marinha (portanto, federais). A discussão passa pela definição de que corpos d'água pertencem à União e aos Estados, bem como de quais bens podem ser considerados terrenos e acrescidos de marinha. A Constituição Federal de 1988 foi explícita em definir a propriedade de rios e cursos d'água federais e estaduais (arts. 20, inc. III, e 26, inc. I); não especificou, contudo, a amplitude da expressão "terrenos de marinha e seus acrescidos" (art. 20, inc. VII), deixando de definir quais terrenos marginais se incluiriam em tal noção e seriam, dessarte, de propriedade da União. Veja-se o teor dos dispositivos citados: Art. 20. São bens da União: [...] III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...] VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; [...] Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; [...] 112 Não havendo, no Texto Constitucional, a definição da expressão "terrenos de marinha e seus acrescidos", há que se entender que o legislador constituinte se valeu dos conceitos então existentes no mundo jurídico a respeito do tema - desde que, por evidente, tais noções não contrariem disposições expressas da nova Constituição. Esse o método interpretativo adotado, de longa data, na remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - de que é exemplo o reconhecimento da inconstitucionalidade da exigência da contribuição social do antigo inc. I do art. 195 da CF/88 (que, em sua redação originária, dispunha que "Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;") sobre valores pagos a autônomos, administradores ou avulsos, uma vez que tais montantes não podiam ser considerados tecnicamente salários. Transcrevo excerto do voto condutor de um dos leading cases sobre o tema - Recurso Extraordinário n. 166772, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco Aurélio Mello, DJ de 16/12/1994: [...] o conteúdo político de uma Constituição não pode levar quer ao desprezo do sentido vernacular das palavras utilizadas pelo legislador constituinte, quer ao técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, por força dos estudos acadêmicos e pela atuação dos pretórios. Já se disse que "as questões de nome são de grande importância, porque, elegendo um nome ao invés de outro, torna-se rigorosa e não suscetível de mal-entendido uma determinada linguagem. A purificação de linguagem é uma parte essencial da pesquisa científica, sem a qual nenhuma pesquisa poderá dizer-se científica" (Studi Sulla Teoria Generali delDiritto, Torino - G. Giappichelli, edição 1955, página 37). Realmente, a flexibilidade de conceitos, o câmbio do sentido destes, conforme os interesses em jogo, implicam insegurança incompatível com o objetivo da própria Carta que, realmente, é um corpo político, mas o é ante os parâmetros que encera e estes não são imunes ao real sentido dos vocábulos, especialmente os de contornos jurídicos. O precedente restou assim ementado: INTERPRETAÇÃO - CARGA CONSTRUTIVA - EXTENSAO. Se e certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação a ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do interprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe "inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida" - Celso Antônio Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este aquele. CONSTITUIÇÃO - ALCANCE POLÍTICO - SENTIDO DOS VOCABULOS INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não e conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios. SEGURIDADE SOCIAL - DISCIPLINA - ESPÉCIES - CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DISTINÇÃO. Sob a égide das Constituições Federais de 1934, 1946 e 1967, bem como da 113 Emenda Constitucional no 1/69, teve-se a previsão geral do tríplice custeio, ficando aberto campo propicio a que, por norma ordinária, ocorresse a regência das contribuições. A Carta da Republica de 1988 inovou. Em preceitos exaustivos - incisos I, II e III do artigo 195 impôs contribuições, dispondo que a lei poderia criar novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecida a regra do artigo 154, inciso I, nela inserta (par. 4. do artigo 195 em comento).. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - TOMADOR DE SERVIÇOS - PAGAMENTOS A ADMINISTRADORES E AUTONOMOS - REGENCIA. A relação jurídica mantida com administradores e autônomos não resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste formalizado a luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Dai a impossibilidade de se dizer que o tomador dos serviços qualifica-se como empregador e que a satisfação do que devido ocorra via folha de salários. Afastado o enquadramento no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, exsurge a desvalia constitucional da norma ordinária disciplinadora da matéria. A referencia contida no par. 4. do artigo 195 da Constituição Federal ao inciso I do artigo 154 nela insculpido, impõe a observância de veículo próprio - a lei complementar. Inconstitucionalidade do inciso I do artigo 3. da Lei n. 7.787/89, no que abrangido o que pago a administradores e autônomos. Declaração de inconstitucionalidade limitada pela controvérsia dos autos, no que não envolvidos pagamentos a avulsos. No caso em tela, a definição de terrenos e acrescidos de marinha já constava, quando da promulgação da atual Constituição, do Decreto-Lei n. 9.760/46, segundo o qual: Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União: a) os terrenos de marinha e seus acrescidos; [...] c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas na faixa da fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir a influência das marés; [...] Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. Art. 4º São terrenos marginais os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha média das enchentes ordinárias. Note-se que o conceito não comporta qualquer incompatibilidade com a atual Constituição ou com o pacto federativo. Não se trata de atribuir à União, diante da influência das marés, rios ou cursos d'água definidos constitucionalmente como estaduais; trata-se, isso sim, de definir como federais os terrenos marginais a tais corpos d'água, terrenos esses que não pertencem, em princípio, a qualquer Ente Político (salvo se por outra disposição 114 constitucional ou por aquisição a justo título). Note-se: são bens diversos o rio e seus terrenos marginais, podendo um e outros pertencer a Entes ou pessoas diferentes. Não sendo, pois, inconstitucional a definição de terrenos de marinha e seus acrescidos, ao menos do que se refere às margens dos rios influenciados pelas marés, há que se considerar que é ela quem dá conteúdo à expressão trazida no art. 20, inc. VII, da CF/88, devendo ser adotada, inclusive, na hipótese de rios cujo domínio seja atribuído ao Estado - como no caso em tela. Aliás, a possibilidade de constituírem terrenos e acrescidos de marinha imóveis localizados às margens de rios estaduais não é tema novo nesta Corte e no próprio STJ. Há, aí, jurisprudência majoritária a considerar de propriedade da União, exemplificativamente, terrenos marginais ao Rio Tramandaí, que se encontra, ao que parece, em situação análoga à do Rio Itajaí-Açú, uma vez que também conta com nascente e foz dentro do território estadual (naquele caso, dentro do território do Estado do Rio Grande do Sul). Nessa linha, os seguintes arestos: ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. ART. 2º, "A", DO DECRETO-LEI N.º 9.760/46. EFEITOS. 1. O imóvel em questão se constitui em terrenode marinha ou acrescido de marinha, porque, historicamente, esteve situado nas margens de um braço ("morto") do rio Tramandaí, em parte onde, segundo a perícia, se fazia "sentir a influência das marés". É o teor do DecretoLei 9.760/46: 'Art. 2°-São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamarmédio de 1831: a) Os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas , até onde se faça sentir a influência das marés; b) Os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo Único- Para efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) cm pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3° - São terrenos acrescidos de marinha os que tiverem formado natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.' O recorrente sustenta que a perícia está equivocada, porque a influência das marés é menor do que a dos fenômenos meteorológicos (chuva e vento). Entretanto, o argumento não colhe, uma vez que a lei não exige que a influência das marés seja a maior de todas. A lei exige apenas que a influência das marés seja sentida. E isto é, fora de qualquer dúvida. De outra parte, com o devido acatamento, é irrelevante que o rio Tramandaí seja estadual. Mesmo sendo estadual, federais serão os terrenos que estiverem situados as suas margens "até onde se faça sentir a influência das marés" (art. 2°, a, do DL 9.760/46). Como se vê, a propriedade do rio não impede que os terrenos a sua margem sejam da União. Merece destaque que não há qualquer inconstitucionalidade neste diploma legal que, apesar de vigente há mais de meio século, nunca teve sua inconstitucionalidade reconhecida por qualquer Corte do País. Ademais, não vislumbro qualquer incongruência dele com as constituições que lhe foram e são contemporâneas. Aliás, tal incongruência não foi demonstrada, também, neste feito. E finalmente, não merece ser acolhido o argumento de que o título de domínio do recorrente não possa ser desconsiderado nesta ação, por força da lei especial. É que em se tratando de próprios federais não se pode invocar a legislação geral, inclusive dos registros públicos, quando tais imóveis são regidos pela legislação especial. A respeito dispõe o art. 198 do Decreto-lei em exame: 'Art. 198- A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando os originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei. " A hipótese é, pois, de nulidade absoluta do título de propriedade privada e, pois, pode ser reconhecida e declarada, incidentalmente, em qualquer demanda. 2. Provimento dos embargos infringentes. 115 (TRF4, EINF n. 94.04.55396-4, Segunda Seção, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. de 30/10/2009, grifo nosso) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS INFRINGENTES. TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS. ÁREA DO ANTIGO "BRAÇO MORTO" DO RIO TRAMANDAÍ. ART. 535 CPC. FUNDAMENTAÇÃO. OMISSÃO EXISTENTE. VOTO VENCIDO. DESPICIENDA A JUNTADA. 1. A definição de "terrenos de marinha", consta do art. 2º, do Decreto-Lei 9.760/46, diploma recepcionado pela Constituição vigente, tendo, por isso, plena vigência, pois nos termos desta, de acordo com o que consta do seu art. 20, VII, são bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos, regra originada de princípios imemoriais que sempre nortearam o comportamento administrativo, princípios de direito histórico relacionados à defesa nacional, à vigilância da costa e à construção e exploração de portos, tanto que não houve declaração de inconstitucionalidade, por qualquer tribunal. 2. Os imóveis objeto de incidência e cobrança de taxas de ocupação pelo Serviço de Patrimônio da União, nos casos de Tramandaí e Imbé, situam-se dentro da faixa demarcada, em processos administrativos previstos no Decreto-Lei Nº 9.760/46, na Seção II, artigos 9º a 14, da competência do referido SPU, através dos Processos Administrativos nºs 1085.000240/A - 1972 e 1085.000240/B - 1972, os quais foram concluídos em 1974, atos estes que gozam de todos os atributos comuns aos atos administrativos, quais sejam, presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade. 3. Vale dizer que os registros de propriedade não têm o condão de afastar as cobranças em questão, pois a transcrição do título no registro de imóveis tem presunção juris tantum e é inoponível à União, que possui o domínio dos terrenos de marinha por força de disposição constitucional, independentemente do registro. 4. Basicamente, as ações têm por objetos imóveis situados sobre o antigo braço morto do Rio Tramandaí em Imbé, ou situados ao longo das margens do mesmo rio, tanto no lado do Município de Tramandaí, quanto no do Município de Imbé, estes que, mesmo distantes do Oceano Atlântico, sofreriam a influência das marés, e caberia, fosse o caso, aos demandantes produzir prova conclusiva no sentido de que os seus imóveis não se encontravam abrangidos pela demarcação. Essa prova, no entanto, não foi produzida. 5. Ainda que se admitisse levar em conta ser ou não ser o referido rio, propriedade do Estado do Rio Grande do Sul, relevanotar que, a despeito de não ter havido exame meritório propriamente dito acerca da celeuma instalada em torno destes imóveis, por parte do Superior Tribunal de Justiça, o que tem sido mantida naquele Pretório é a legalidade do processo demarcatório, mesmo tendo se baseado em vetusto ordenamento, o referido Decreto-Lei 9.760/46, este que também remete a linha de preamar média de 1831. 6. Mas, se o próprio Superior Tribunal de Justiça legitimou a demarcação, com base no dito Decreto-Lei, que em seu art. 2º, estabeleceu o suporte fático da incidência da taxa de ocupação, definindo os terrenos de marinha como sendo os existentes "em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra da linha do preamar médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés", e sendo incontroverso que esta influência se estende por todo o nível do rio Tramandaí, até cerca de 01 (um) quilômetro após a sua desembocadura na lagoa de Tramandaí, de acordo com inúmeros estudos já realizados, há que ser mantida a sentença. 7. Ademais, não seria viável a impugnação ao procedimento de demarcação, inclusive quanto à delimitação da posição da linha do preamar de 1831, por encontrar-se acobertado pela prescrição, considerando que o procedimento começara por volta de 1971 e terminara em 1974. Precedentes do STJ. 116 8. No que tange ao pedido de que seja juntado aos autos o voto vencido do Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon para fins de que haja pronunciamento expresso sobre a questão divergente, trata-se de medida despicienda, uma vez que, o Eminente Desembargador Federal, ao negar provimento aos embargos infringentes, simplesmente, manteve o provimento da apelação, tal como decidido pela Quarta Turma. (TRF4, EINF n. 2005.71.00.029602-0, Segunda Seção, Relatora Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. de 28/11/2008, grifo nosso). Idêntico entendimento foi adotado por esta Quarta Turma no recente julgamento da Apelação/Reexame Necessário n. 2003.71.00.058939-6 (D.E. de 26/01/2010). Diante de todo exposto, defiro efeito suspensivo ao agravo de instrumento, a fim de manter a ação originária na Justiça Federal. Intimem-se, sendo a parte agravada na forma e para os fins do art. 527, inc. V, do Código de Processo Civil. Comunique-se." Não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado. Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento. É o voto. Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER Relatora Documento eletrônico assinado digitalmente por Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, Relatora, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3398167v2 e, se solicitado, do código CRC CD413632. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER:24 Nº de Série do Certificado: 4435E8A6 Data e Hora: 12/05/2010 18:29:52 EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/05/2010 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005411-26.2010.404.0000/SC ORIGEM: SC 200772080032220 RELATOR : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER PRESIDENTE : Marga Inge Barth Tessler PROCURADOR : Drº Domingos Sávio Dresch da Silveira 117 AGRAVANTE : ADVOGADO : AGRAVADO : ADVOGADO : : UNIÃO FEDERAL Emanuela Cristina Andrade Lacerda JEAN CARLO FISTAROL Álvaro Borges de Oliveira Emanuela Cristina Andrade Lacerda Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/05/2010, na seqüência 56, disponibilizada noDE de 04/05/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS. Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELATOR ACÓRDÃO VOTANTE(S) : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER : Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER : Juiz Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE : Des. Federal SILVIA GORAIEB Regaldo Amaral Milbradt Diretor de Secretaria Documento eletrônico assinado digitalmente por Regaldo Amaral Milbradt, Diretor de Secretaria, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3464062v1 e, se solicitado, do código CRC 352C31D1. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): REGALDO AMARAL MILBRADT:11574 Nº de Série do Certificado: 44366A1C Data e Hora: 13/05/2010 17:07:29