CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA
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INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA
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Sr. Edson Aparecido Moreti............................................. Secretário
Sr. José Severino....................................................... Tesoureiro
Dr. Osni Ferreira (Rev.)............................................. Chanceler
Dr. Eleazar Ferreira ................................................... Reitor
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REVISTA JURIDICA DA UNIFIL
ANO VIII – NO. 8 – 2011
Órgão de divulgação científica do Curso de Direito da UNIFIL
– Centro Universitário Filadélfia
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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA
REITOR:
Dr. Eleazar Ferreira
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Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Revista jurídica da UniFil / Centro Universitário
Filadélfia. Colegiado do Curso de Direito. – v. 1 n.1 (2004) – Londrina : UniFil, 2011.
1 v. : il.
Anual.
Descrição baseada em: v. 1 n.1 (2004).
ISSN 1087-1627
1. Direito – Pesquisa – Periódicos. 2. Pesquisa jurídica –
Periódicos. 3. Direito – Estudo e ensino – Periódicos. I. Centro
Universitário Filadélfia.
CDU 34(05)
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SUMÁRIO
A SAÚDE DO TRABALHADOR E A QUESTÃO DO AMIANTO NO BRASIL .............. 13
Aline Cristina Salles Lopes
Ana Paula Sefrin Saladini
CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS
MUNICIPAIS – ANÁLISE DE CASO – MUNICÍPIO DE LONDRINA ............................ 29
Ana Karina Ticianelli Moller
Sandra Márcia Sbizera
A TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS: UMA ANÁLISE DA COISA
JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS À LUZ DA CONCEPÇÃO NORMATIVISTA DE
RELAÇÃO JURÍDICA ............................................................................................................. 39
Anderson de Azevedo
Indianara Pavesi Pini Sonni
COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA: DA ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA
OBRIGATORIEDADE DA SUBMISSÃO DO DISSÍDIO INDIVIDUAL À COMISSÃO DE
CONCILIAÇÃO PRÉVIA ....................................................................................................... 51
Cristiane Carla Claro Frasson
Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO DIREITO
DAS OBRIGAÇÕES ................................................................................................................. 67
Demétrius Coelho Souza
CONSIDERAÇÕES SOBRE A AUDIÊNCIA UNA TRABALHISTA E OS PRINCÍPIOS
DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ....................................................................... 75
Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti
Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTATUTO DA CIDADE E A
RESPONSABILIDADE PELA SUA APLICAÇÃO ............................................................... 89
Marília Barros Breda
A INFILTRAÇÃO DE AGENTES NO COMBATE À CORRUPÇÃO PÚBLICA E À
CRIMINALIDADE ORGANIZADA .................................................................................... 103
Patrícia Carraro Rossetto
A ADVOCACIA E A PROPAGANDA PELO ADVOGADO .............................................. 123
Rodrigo Brum Silva
Juliana Kiyosen Nakayama
MEDIDAS DE SEGURANÇA ............................................................................................... 133
Romulo de Aguiar Araújo
Douglas Bonaldi Maranhão
COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIAS ....................................................................... 146
COMENTÁRIO À DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NOS AUTOS DE Nº
035.11.100108-5 DA COMARCA DE IGUATEMI –MS ...................................................... 147
Osmar Vieira da Silva
COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO TRT-PR PROFERIDO NOS AUTOS DE Nº
00772.2009.655.09.00-6 ........................................................................................................... 153
Ana Paula Sefrin Saladini
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EDITORIAL
Praticar ciência significa trabalhar incessantemente para gerar conhecimentos. O 8º
Volume da Revista Jurídica da Unifil retrata de forma precisa essa incessante busca de novos
horizontes descortinados através do ensino e da aprendizagem constante.
Nessa edição tornamos públicas as inquietações próprias daqueles que não se acomodam
diante do desconhecido e, em suas pesquisas desenvolvidas, revelam à comunidade jurídica todas
as suas descobertas.
Não se pode falar em ensino sem que haja pesquisa, e esta não cumpre sua função se
não for divulgada, socializada. Consequência dessa responsabilidade – enorme satisfação do
Conselho Editorial – são as publicações, um espaço para a divulgação científica dos nossos
docentes, empenhados em investigações afinadas com as linhas de pesquisa (Dogmática Jurídica,
Desenvolvimento e Responsabilidade Social e Teorias do Direito, do Estado e Cidadania) e dos
nossos alunos de Graduação e Pós-Graduação.
Nesse 8º volume da Revista iniciamos a veiculação de jurisprudências, com ênfase na
atividade jurisdicional, com vistas ao fim social, no momento da aplicação da norma.
Congratulamo-nos com os autores e reiteramos nosso convite para que o leitor venha
fazer parte da história da Revista Jurídica da Unifil, participando do próximo volume, por meio
da elaboração de artigos jurídicos ou de resenhas críticas das obras de terceiros.
Conselho Editorial
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MENSAGEM DA REITORIA
Diante da grandeza e complexidade dos problemas que enfrentamos no nosso dia a dia,
é comum ficarmos perplexos e, num primeiro momento, imobilizados. Porém, a esse tipo de
tentação cumpre-nos resistir com todas as forças.
A sociedade em que vivemos é basicamente mal organizada de muitos pontos de vista.
Às vezes nos sentimos levados a duvidar da utilidade de iniciativas que visem à melhoria da
situação em setores específicos ou, pior ainda, em pontos isolados. Seria como se estivéssemos a
disfarçar futilmente, com a aplicação de cosméticos, as rugas do rosto de um doente terminal. Não
faltará quem repute inócuo, senão contraproducente, qualquer esforço para resolver este ou aquele
problema particular: mero desperdício de energias. Afinal, se os alicerces mesmos do edifício
estão em causa, não valeria a pena preocuparmo-nos com o mau funcionamento da bomba d`água
ou com a deficiente iluminação da garagem. Semelhante atitude, encontradiça em espíritos que
se julgam Progressistas é, na verdade a melhor aliada do Conservadorismo. Apostar tudo no ideal
significa, pura e simplesmente, condenar o real à imobilidade perpétua.
Disse um grande estadista que é muito difícil sabermos o que precisaríamos fazer para
salvar o mundo, mas é relativamente fácil sabermos o que precisamos fazer para cumprir o nosso
dever. Se começarmos por aí, não direi que cheguemos a salvar o mundo, mas talvez possamos
contribuir, e não será pouco, para torná-lo menos inóspito.
É com esse espírito que apresentamos à comunidade acadêmica mais uma edição da
Revista Jurídica da Unifil, cumprimentando o Conselho Editorial e a todos os articulistas pelos
belos trabalhos apresentados e sempre acreditando que, com o desenvolvimento intelectual que
os artigos proporcionam, poderemos contribuir para um mundo menos inóspito, onde a felicidade
do ser humano seja o alvo e, portanto, o centro de todas as nossas aspirações e realizações diárias
aqui na academia.
Numa fria manhã do inverno do ano de 2011
Dr. Eleazar Ferreira
Reitor da Unifil Revista Jurídica da Unifil - 08.indb 12
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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini
A SAÚDE DO TRABALHADOR E A QUESTÃO DO AMIANTO NO BRASIL
Aline Cristina Salles Lopes1*
Ana Paula Sefrin Saladini2*
RESUMO
O presente artigo analisou aspectos de segurança e saúde do trabalhador com relação aos
possíveis problemas de saúde causados em razão do contato com o mineral amianto, uma
vez que os que trabalham com esse elemento estão sujeitos a desenvolver doenças como a
asbestos, câncer do pulmão e câncer da pleura, dentre outras. Perpassou a questão das medidas
preventivas de segurança para o trabalho com esse elemento, delimitando conceitualmente o
que vem a ser o amianto e quais as possíveis consequências na saúde do trabalhador. Ao final,
fez uma análise do enfrentamento do Supremo Tribunal Federal em relação às alegações
de inconstitucionalidade das leis estaduais que aos poucos têm limitado a utilização desse
perigoso elemento nas indústrias.
PALAVRAS-CHAVE: Doença profissional. Pneumoconiose. Meio Ambiente do Trabalho.
Asbesto. Medicina do trabalho.
HEALTH WORKERS AND THE QUESTION OF ASBESTOS IN BRAZIL
ABSTRACT
This article has examined aspects of worker health and safety with respect to potential health
problems caused due to contact with the mineral asbestos, as those who work with this element
are likely to develop diseases such as asbestosis, lung cancer and cancer of the pleura, among
others. Pervaded the issue of preventive security measures to work with this element, delimiting
conceptually what comes to asbestos and the possible health consequences of the employee. In
the end, did an analysis of the confrontation of the Supreme Court relating to allegations of
unconstitutional state laws that have gradually limited the use of this dangerous element in the
industries.
13
KEYWORDS: Occupational disease. Pneumoconiosis. Environment Work. Asbestos.
Occupational medicine.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. 2.1 Insalubridade.
2.2 Medidas Preventivas de Medicina do Trabalho. 2.3 Condições de Segurança para
Trabalhar com o Amianto. 3 O AMIANTO. 3.1 O que é o Amianto. 3.2 A Saúde do
Trabalhador e o Amianto. 3.3 Supremo Tribunal Federal e o Amianto. 4 CONCLUSÃO.
REFERÊNCIAS.
1 * Graduada em Direito (UNIFIL)
2 * Mestranda em Ciências Jurídica (UENP – Jacarezinho PR), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL). Professora
(UNIFIL), Juíza do Trabalho (Jacarezinho PR)
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A Saúde do Trabalhador e a Questão do Amianto no Brasil
1 INTRODUÇÃO
Esse trabalho tem a finalidade de demonstrar os grandes riscos que os
trabalhadores enfrentam ao lidar com o amianto, substância cujos resultados danosos podem
demorar até 15 (quinze) anos para aparecer, caso haja contaminação. Embora de latência
prolongada, quando causa o adoecimento do trabalhador acarreta problemas físicos graves, que
afetam principalmente o pulmão, implicando moléstias como asbestose ou fibrose pulmonar.
É inquestionável que o amianto é substância de natureza insalubre, tendo em
vista que é considerada insalubridade qualquer atividade que implique contato com agente nocivo
externo que tenha potencial lesivo à saúde do empregado. Entretanto, não obstante seu alto risco
para a saúde do trabalhador, esse produto continua sendo utilizado no Brasil. A continuidade
na exploração desse agente traz potencial prejuízos aos empregados, questão que precisa ser
discutida no contexto jurídico-trabalhista.
Para propiciar o esclarecimento do assunto, o presente artigo irá abordar
questões de segurança e medicina do trabalho, inclusive medidas de caráter preventivo. Também
será analisado o conceito de meio ambiente de trabalho, observada a perspectiva do principio da
prevenção e dos instrumentos de proteção, analisando ainda o aspecto da competência da justiça
do trabalho quando se trata de assunto atinente à defesa do meio ambiente do trabalho. Na parte
final será abordada especificamente a questão do amianto, esclarecendo-se no que consiste esse
agente, sua relação com a saúde do trabalhador e o meio ambiente do trabalho, e perpassando o
enfrentamento no Supremo Tribunal Federal a respeito da manutenção do uso do amianto no Brasil.
14
2 SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO
2.1 Insalubridade
O art. 189 da CLT dispõe que são consideradas atividades ou operações
insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os
empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza
e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. É insalubre, pois, qualquer
agente nocivo externo que prejudique o empregado caso haja contato por um determinado período
e acima de um determinado nível, chamado de limite de tolerância.
O Ministério do Trabalho é quem aprova o quadro das atividades e operações
insalubres e adota normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites
de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do
empregado a esses agentes, conforme o Art. 190 da CLT. Nesse ponto, a NR 15 da Portaria nº
3.214/78 especifica as condições de insalubridade em seus vários anexos.
Conforme Oliveira, para que se evitassem discussões infindáveis sobre o
enquadramento da atividade ou operação como insalubre, e uma vez que esse enquadramento
depende de análise técnica, ficou a cargo do Ministério do Trabalho aprovar o quadro de atividades
ou operações insalubres, conforme determina o art. 190 da CLT. Assim, não basta a conclusão do
laudo pericial de que está presente agente nocivo à saúde do trabalhador: é necessário, conforme
a jurisprudência, que essa atividade também esteja relacionada como insalubre pelo Ministério do
Trabalho (2002, p. 177-178).
No ordenamento jurídico nacional não existe vedação ao trabalho em condições
insalubres, mas a solução encontrada pelo legislador foi estabelecer para o empregado o direito à
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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini
percepção de um adicional de caráter salarial, como espécie de indenização tarifada pelo potencial
risco à saúde. Assim, nos termos do art. 192 da CLT, em uma interpretação sistemática com o art.
7º da Constituição, o trabalhador urbano ou rural terá direito ao adicional de insalubridade em
grau mínimo, médio ou máximo, conforme o potencial de prejuízo à sua saúde. Preleciona o art.
192 da CLT que:
O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância
estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional, respectivamente de
40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da
região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo (Redação dada pela lei n
6.514/77).
Oliveira, num viés crítico, afirma que o legislador optou pelo critério da
monetização do risco, e que essa postura legal transformou-se num permissivo para expor o
trabalhador ao agente nocivo, porque é bem menos oneroso pagar o adicional do que investir para
tornar o ambiente de trabalho saudável (2002, p. 179).
Esse investimento para tornar o ambiente de trabalho mais saudável é possível
e propicia ao empregador que deixe de pagar o adicional respectivo, porque faz cessar a condição
especial de trabalho que gera o direito ao pagamento. Sergio Pinto Martins (2009, p.643) esclarece
que a eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá nas seguintes hipóteses: (a) com a
adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; (b) com
a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminua a intensidade do
agente agressivo a limites de tolerância (art. 191, CLT).
As medidas coletivas de prevenção dos riscos ambientais são prioritárias;
somente excepcionalmente é que se deve admitir o uso de Equipamentos de Proteção Individual,
enquanto ainda estão sendo implementadas as medidas coletivas de prevenção (MELO, 2004, p.
110). Assim, o EPI deveria ser algo subsidiário à adoção de instrumentos de proteção coletiva, e
usado apenas temporariamente.
Os Equipamentos de Proteção Individual são os dispositivos ou produtos de
uso individual pelo trabalhador destinado à proteção dos riscos suscetíveis de ameaçar a segurança
e a saúde no trabalho. São de fornecimento obrigatório e gratuito por toda empresa, que deve
fornecê-los em perfeito estado de conservação e funcionamento, como adverte Melo, sempre que
as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos
à saúde do empregado (2004, p. 110).
O que se observa no cotidiano das empresas brasileiras, entretanto, é que o
empregador limita-se, no maior percentual das vezes, a fornecer os equipamentos de proteção
individual, quando o faz, sem preocupar-se com a neutralização dos riscos à saúde do trabalhador,
o que ratifica a opinião expressada por Oliveira, acima transcrita, de que o sistema propicia uma
monetização do risco e não estimula a sua eliminação.
Quanto à base de cálculo da parcela, a questão, atualmente, é objeto de profunda
controvérsia. O dispositivo infraconstitucional (art. 192 da CLT) refere-se ao salário mínimo
como base de cálculo; já o inciso XXIII do art. 7º da Constituição faz referência a adicional
de remuneração para atividades insalubres, o que causa a controvérsia. A posição adotada pelo
TST, inicialmente, foi que o dispositivo constitucional não visara alterar a base de cálculo, e que
o adicional deveria ser calculado sobre o salário mínimo, como previsto na CLT. A discussão
ganhou maior dimensão quando o STF votou a redação da Súmula Vinculante no. 43, e, na esteira,
15
3 Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem
de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
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A Saúde do Trabalhador e a Questão do Amianto no Brasil
16
o TST revisou a redação de sua Súmula 228, modificando seu entendimento a respeito da base de
cálculo do adicional de insalubridade, que até então era o salário mínimo4.
O STF terminou por determinar a suspensão da aplicação da Súmula 228 do
TST, em sua nova redação, na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular
o adicional de insalubridade, atendendo reclamação proposta pela Confederação Nacional da
Indústria5.
Conforme Sérgio Pinto Martins, o adicional deve ser calculado sobre o salário
básico, não havendo omissão na legislação para se aplicar a analogia. A justificativa do autor fundase no argumento que o inciso XXIII do art. 7º da Constituição Federal não dispõe que o adicional
de insalubridade deva ser calculado sobre a remuneração, mas sim que se trata de um adicional de
remuneração. Logo, não teria modificado a legislação infraconstitucional para estabelecer que o
adicional deveria ser sobre a remuneração ou sobre o salário contratual do empregado. Para ele,
o cálculo do adicional de insalubridade deve ser feito sobre um determinado valor previsto na
legislação ordinária – ou seja, o salário mínimo, mas não sobre a remuneração. O sentido da palavra
remuneração a que se refere a Lei Fundamental deve ser entendido como o verbo remunerar e não
propriamente a remuneração de que trata o art. 457 da CLT (2009, p. 239/240).
Com a suspensão da aplicação da Súmula 228 do TST, a opinião que prepondera
na doutrina é que deve ser calculado o adicional sobre o salário mínimo. Assim, para Martinez,
“ao menos temporariamente o adicional continuará a ser regido pela CLT” (2011, p. 261). Klippel,
no mesmo sentido, argumenta que atualmente impera o salário mínimo como base de cálculo para
esse adicional, posicionamento que deve permanecer até que seja editada lei prevendo nova base
de cálculo, que não poderá ser o salário mínimo, observado o entendimento do STF na Súmula
4, e que até poderá ser o salário básico, como quis o TST através da nova redação da Súmula 228
(2011, p. 291).6
2.2 Medidas Preventivas de Medicina do Trabalho
As empresas devem contar com órgãos de segurança e saúde do trabalhador,
entidades que integram a estrutura patronal com o propósito de garantir um meio ambiente laboral
livre de riscos ocupacionais ou minimamente ofensivos (MARTINEZ, 2011, p. 250). Esses órgãos,
como os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT)
e as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) visam a atuar de maneira preventiva,
evitando o acidente ou a doença antes que eles venham a ocorrer.
Uma das principais medidas preventivas da medicina do trabalho é o exame
médico, que, além de obrigatório, será sempre por conta do empregador. O empregador estará
sujeito, quando solicitado, a apresentar ao agente de inspeção do trabalho os comprovantes de
custeio de todas as despesas com os exames médicos. Os exames devem ser feitos na admissão,
na dispensa e periodicamente (art. 168 da CLT, com redação da Lei nº 7.855/89).
Existem algumas regras a serem seguidas para a realização do exame
periódico, quais sejam: (1) para trabalhadores expostos a riscos ou situações de trabalho que
4 A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade
será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.
5 Medida Cautelar em Reclamação no. 6.266-0, Distrito Federal.
6 VAtualmente, tramitam no Congresso Nacional os seguintes projetos: PLS (Projeto de Lei do Senado) no. 448 de 2008, de autoria
do Senador Marconi Perillo, que visa alterar o art. 192 da CLT, modificando a base de cálculo do adicional de insalubridade, de
modo a adequá-lo à Súmula Vinculante no. 4 do STF, estabelecendo como base de cálculo o salário básico do empregado; e PL
4.133/08, visando estabelecer a remuneração do empregado como base de cálculo do adicional de insalubridade.
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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini
impliquem o desencadeamento ou agravamento de doença ocupacional, ou ainda, para aquele
que sejam portadores de doenças crônicas, os exames deverão ser repetidos: (1.1) a cada ano
ou intervalos menores, a critério do médico encarregado, ou se notificado pelo médico agente
da inspeção do trabalho, ou ainda, como resultado de negociação coletiva de trabalho; (1.2) de
acordo com a periodicidade especificada no Anexo nº 6 da NR 15, para os trabalhadores expostos
a condições hiperbáricas7; (2) para dos demais trabalhadores: (2.1) anual, quando menores de
18 anos e maiores de 45 anos de idade; (2.2) a cada dois anos, para os trabalhadores entre 18
anos e 45 anos de idade. Quando o trabalhador se ausentar do trabalho por período igual ou
superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não, ou parto, o
exame medico de retorno deverá ser feito obrigatoriamente no primeiro dia da volta ao trabalho.
Ainda, é importante frisar que todo estabelecimento deverá ser equipado com material necessário
à prestação de primeiros socorros, considerando-se as características da atividade desenvolvida,
sendo que o material deverá ser guardado em local adequado e aos cuidados de pessoa treinada
para esse fim (MARTINS, 2009, p. 631/632).
O anexo 12 da NR 15 do MTE estabelece os limites de tolerância para
poeiras minerais. Em relação aos trabalhadores expostos ao asbesto, também denominado
amianto, no exercício do trabalho, estabelece que todos os trabalhadores que desempenham
ou tenham funções ligadas à exposição ocupacional a esse agente serão submetidos aos
exames médicos previstos no subitem 7.1.3 da NR 7 (Programa de Controle Médico da Saúde
Ocupacional – PCMSO), que deverão ser realizados por ocasião da admissão, demissão e
anualmente, obrigatoriamente, exames complementares, incluindo, além da avaliação clínica,
telerradiografia de tórax e prova de função pulmonar (espirometria). As empresas ficam, ainda,
obrigadas a informar aos trabalhadores examinados, em formulário próprio, os resultados dos
exames realizados. Após o término do contrato de trabalho envolvendo exposição ao asbesto
o empregador deve manter disponível a realização periódica de exames médicos de controle
dos trabalhadores durante 30 (trinta) anos. Estes exames deverão ser realizados com a seguinte
periodicidade: a) a cada 3 (três) anos para trabalhadores com período de exposição de 0 (zero)
a 12 (doze) anos; b) a cada 2 (dois) anos para trabalhadores com período de exposição de 12
(doze) a 20 (vinte) anos; c) anual para trabalhadores com período de exposição superior a 20
(vinte) anos.
Importante lembrar que a empresa deverá encaminhar o empregado
imediatamente ao INSS se for constatada doença profissional ou produzida em virtude de
condições especiais do trabalho. Tanto a doença profissional quanto a doença do trabalho são
consideradas acidentes de trabalho por equiparação, e o art. 22 da Lei 8.213/91 estabelece que a
empresa deve comunicar a ocorrência de acidente até o primeiro dia útil seguinte à ocorrência.
Conforme a NR 6, aprovada pela Portaria nº 3.214/78, que especifica regras
sobre EPIs (equipamentos de proteção individual), as empresas devem fornecer obrigatória e
gratuitamente aos empregados os equipamentos de proteção individual necessários, de maneira
a protegê-los contra os riscos de acidentes do trabalho e danos a sua saúde. Em se tratando de
trabalhadores expostos ao amianto, inclui-se o fornecimento de vestimenta de trabalho que poderá
ser contaminada, que não poderá ser utilizava fora do local de trabalho e que deverá ser trocada
com freqüência mínima de duas vezes por semana; o empregador deverá criar, também, condições
para troca de roupa e banho do empregado ao final do expediente diário, nos termos do item 15,
Anexo 12, da NR 15.
17
7 Superior à pressão atmosférica.
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O dimensionamento do SESMT depende da gradação do risco da atividade
principal e do número total de empregados existentes no estabelecimento. Sérgio Pinto Martins
(2009, p. 634) esclarece que:
As empresas estão obrigadas a manter serviços especializados em segurança
e em medicina do trabalho, nos quais será necessária a existência de profissionais especializados
exigidos em cada empresa (médico e engenheiro do trabalho). Suas regras são especificadas na
NR 4 da Portaria nº 3.214/78.
As empresas que atuam com fabricação de produtos de minerais não metálicos,
como é o caso do amianto, enquadram-se no grau de risco 4, e devem manter em seu quadro os
seguintes profissionais, nos termos do Quadro II da NR 4: técnico de segurança do trabalho,
quando contem com ao menos 50 empregados; engenheiro de segurança do trabalho e médico
do trabalho a partir de 101 empregados; auxiliar de enfermagem do trabalho, a partir de 501
empregados; enfermeiro do trabalho, a partir de 3.501 empregados.
De acordo com o Art. 163 da CLT, é obrigatória a constituição da Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), conforme as instruções do Ministério do Trabalho que
estão contidas na NR 5 da Portaria nº 3.214/78. Os objetivos da CIPA são explicitados no item 5.1
dessa NR: prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível
permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador. As
empresas que trabalham com fabricação de artefatos de fibrocimento, que utilizam como matéria
prima o amianto, são enquadradas no CNAE 23.30-3 do Grupo C-12, e devem manter desde 1
membro titular da CIPA e 1 suplente, a partir de 20 empregados, até 10 titulares e 8 suplentes,
se contar entre 5.001 e 10.000 empregados, aos quais devem ser acrescentados mais 2 titulares e
2 suplentes para cada grupo de 2.500 empregados acima de 10.000 empregados, nos termos do
Quadro 1 da NR 5.
2.3 Condições de Segurança para Trabalhar com o Amianto
No Brasil, a Lei 9.055, de 1º de junho de 1995, disciplina a extração,
industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que
o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais, de qualquer origem, utilizadas para o
mesmo fim.
Essa lei veda a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização
da actinolita, amosita (asbesto marrom), antofilita, crocidolita (amianto azul) e da tremolita,
variedades minerais pertencentes ao grupo dos anfibólios, bem como dos produtos que contenham
estas substâncias minerais; veda ainda a pulverização (spray) de todos os tipos de fibras, tanto
de asbestos/amianto da variedade crisotila e a venda a granel de fibras em pó. A única variedade
ainda permitida de exploração é o asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco). Em
seu art. 4º estabelece que os órgãos competentes de controle de segurança, higiene e medicina do
trabalho deverão desenvolver programas sistemáticos de fiscalização, monitoramento e controle
dos riscos de exposição ao asbesto/amianto da variedade crisotila.
Sergio Pinto Martins ((2009, p. 642) afirma que em todos os locais de trabalho
em que há contato com o amianto da variedade permitida devem ser observados os limites de
tolerância fixados na legislação e, em sua ausência, serão fixados com base nos critérios de
controle de exposição recomendados por organismos nacionais ou internacionais reconhecidos
cientificamente.
Os órgãos competentes de controle e segurança, higiene e medicina do trabalho
foram incumbidos do desenvolvimento de programas sistemáticos de fiscalização, monitoramento
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e controle dos riscos de exposição ao amianto/asbesto tratadas no Art. 2º da Lei 9.055/95. Paulo
de Bessa Antunes (2008, p.666) esclarece que tal atribuição pode ser exercida diretamente ou
através de convênios com instituições públicas ou privadas, credenciadas para tal fim pelo Poder
Executivo.
Estabelece a Lei 9.055/95, ainda, que caso constatadas infrações à lei, devem
ser encaminhadas informações pelos órgãos fiscalizadores, no prazo máximo de setenta e duas
horas, ao Ministério Público Federal, através de comunicação circunstanciada, para as devidas
providências.
A Convenção nº 162 da OIT, de 1986, foi aprovada pelo Decreto Legislativo
nº 51 de 25 de agosto de 1989, e promulgada pelo Decreto nº 126, de 22 de maio de 1991.
Essa Convenção trata da utilização do amianto com segurança, estabelecendo, dentre outras
diretrizes, as seguintes: a) a legislação nacional deverá determinar a prevenção ou controle
da exposição ao asbesto mediante a submissão de todo trabalho em que o trabalhador possa
estar exposto ao asbesto a disposições que prescrevam medidas técnicas de prevenção
e práticas de trabalho adequadas, incluída a higiene no lugar de trabalho; ou através do
estabelecimento de regras e procedimentos especiais, incluídas as autorizações, para a
utilização do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham
asbesto ou para determinados processos de trabalho (artigo 9); b) quando for necessário
para proteger a saúde dos trabalhadores e seja tecnicamente possível, a legislação nacional
deverá estabelecer uma ou várias das medidas seguintes: quando for possível, determinar a
substituição do asbesto, ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham
asbesto, por outros materiais ou produtos ou a utilização de tecnologias alternativas,
cientificamente reconhecidas pela autoridade competente como inofensivos ou menos
nocivos; ou estabelecer a proibição total ou parcial da utilização do asbesto ou de certos
tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham asbesto em determinados processos
de trabalho (art. 10); c) proibir, com regra geral, a utilização da crocidolita e dos produtos
que contenham essa fibra (art. 11); d) proibir, como regra geral, a pulverização de todas as
formas de asbesto.
Considerando o cerco mundial em relação à vedação da utilização do amianto,
as empresas que atuam nesse ramo, no Brasil, vêm desenvolvendo mecanismos para garantir a
segurança de seus trabalhadores. Uma das maiores empresas no Brasil que atuam nessa área,
líder no mercado nacional na fabricação de telhas e caixas-d’água de fibrocimento, conforme
informações de seu sítio eletrônico, o Grupo Eternit informa que adotou as seguintes medidas
preventivas: a) despoeiramento: conjunto complexo de medidas de controle para eliminar
partículas no ar que envolve coifas para captação, tubulações, ventiladores e filtros; os recortes de
telhas de fibrocimento são feitos em cabines enclausuradas com exaustão negativa, sem qualquer
exposição do operador; b) adoção de moinho de filler nas fábricas, com recuperação e recliclagem
total dos resíduos de fibrocimento; c) orientação do trabalhador sobre os riscos da operação e
demais medidas de controle, incluído o uso de EPI’s; d) o armazenamento e a distribuição do
amianto crisotila são feitos em embalagens de ráfia resistentes, paletizadas e recobertas com
plástico termorretrátil para proteção; e) a limpeza das estruturas e máquinas pode ser feita a úmido
ou por aspiração, com utilização de aspiradores de pó portáteis ou mangueiras flexíveis ligadas
a um sistema central de exaustão; as áreas industriais são limpas com varredeiras mecânicas,
evitando a geração de poeiras.
Utilizando medidas preventivas, as indústrias que utilizam o amianto como
matéria-prima buscam elastecer a permissão para sua utilização.
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3 O AMIANTO
3.1 O que é o Amianto
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Amianto ou asbesto são nomes genéricos de mineral encontrado naturalmente no
meio ambiente, em mais de 30 variedades, sendo que somente seis possuem valor econômico ou
comercial. A palavra asbesto é de origem grega que significa “o que não é destrutível pelo fogo”. A
palavra tem origem latina (amianthus), com significado de incorruptível, sem mácula. Existem dois
importantes grupos de rochas amiantíferas, os anfibólios e as serpentinas. A principal variedade de
serpentina é a crisotila ou amianto branco, correspondendo a quase 98,5% de todo o amianto utilizado
no mundo. Os anfibólios são fibras duras, retas e pontiagudas, das quais são extraídas cinco variedades
principais: amosita (amianto marrom), crocidolita (amianto azul), antofilita, tremolita e actinolita; do
ponto de vista econômico os dois primeiros são os mais importantes (ANTUNES, 2008, p. 662).
Em razão de suas múltiplas propriedades físico-químicas, o amianto tem tido
uma grande gama de aplicação ao longo da história. Entretanto, pelo tamanho do risco à saúde
pública, atualmente tais aplicações estão reduzidas a cerca de uma centena. Paulo de Bessa
Antunes (2008, p. 662) traz as principais utilizações do amianto:
a) cimento-amianto: mais de 80% do consumo mundial de amianto é realizado
por este segmento. Anualmente, produzem-se, mundialmente, cerca de 30 milhões de toneladas de
telhas onduladas, placas de revestimento, painéis, divisórios, tubos, caixas-d’água e outros artigos
necessários para a construção civil. No Brasil, o cimento-amianto responde por quase 90% do
amianto consumido. Registra-se que mais de 50% dos telhados no Brasil são de cimento-amianto; b)
produto de fricção: utilização na indústria automobilística e ferroviária para a confecção de pastilhas,
lonas de freio e discos de embreagem; c) indústria têxtil: é utilizado para a confecção de mantas
para isolamento térmico de caldeiras, motores, automóveis, tubulações e equipamentos diversos,
em particular para as indústrias química e petrolífera, e também na produção de roupas especiais
(macacões, aventais e luvas) e biombos de proteção contra fogo; d) produção de filtros: serve para a
produção de filtros especiais que são utilizados nas indústrias farmacêutica e de bebidas (cervejas e
vinhos) e na fabricação de soda cáustica, dentre outros; e) indústria de papéis e papelões: laminados de
papel ou papelão utilizados como isolante térmico e elétrico de fornos, caldeiras, estufas, tubulações
de transporte marítimo e embalagens especiais; f) material de vedação: é utilizado em combinação
com outros produtos para a produção de juntas de revestimento e vedação, guarnições diversas, além
de mástiques e massas especiais, usadas em setores como a indústria automotiva e a de extração; g)
isolantes térmicos para as indústrias aeronáuticas e aeroespacial; h) revestimentos de piso.
O uso do amianto já era conhecido pelo homem primitivo, que o misturava
com barro para conferir propriedades de refratariedade aos utensílios domésticos. Na atualidade,
é utilizado principalmente como matéria-prima na produção de artefatos de cimento-amianto para
a indústria de construção civil e em outros setores e produtos, como guarnições de freios (lonas e
pastilhas), juntas, gaxetas, revestimentos de discos de embreagem – no setor automotivo, tecidos,
vestimentas especiais, pisos, tintas, revestimentos e isolamentos térmicos e acústicos, entre outros
(CASTRO et al., 2003, p. 904).
3.2 A Saúde do Trabalhador e o Amianto
No Brasil, o amianto tem sido usado em larga escala há décadas, especialmente
na indústria de exploração e transformação (mineração, cimento amianto, materiais de fricção,
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isolantes térmicos e outros); não obstante, não existe um levantamento exato acerca do quantitativo
de trabalhadores e pessoas expostas a esta substância (CASTRO et al, 2003, p. 904).
Paulo de Bessa Antunes (2008, p. 663) faz uma relação entre o amianto e a
saúde humana:
Os principais problemas relacionados com os asbestos dizem respeito
à sua presença no ar atmosférico e conseqüente inalação. [...] De fato,
as repercussões do amianto sobre a saúde humana são a principal
discussão sobre o produto, pois ninguém desconhece a sua importância
econômica. Toda a polêmica teve início na década de 1960, quando
veio a público um estudo de casos de doenças em uma mina de amianto
anfibólio na África do Sul. [...] O amianto pode estar relacionado com
três doenças principais: a asbestose, o câncer do pulmão e o mesotelioma.
As doenças eram decorrentes de uma intensa exposição dos operários
à poeira do amianto, sobretudo nas minas e quando da aplicação por
jateamento de isolantes térmicos em navios, casas e prédios.
As conclusões científicas a respeito dos problemas causados pelo amianto
implicam em reconhecer que o amianto é nocivo aos pulmões, gerando como moléstias a
asbestose, o câncer no pulmão e o mesotelioma, males de latência prolongada, que demoram de
quinze a quarenta anos para se manifestar. O que se observa é que normalmente estão sob risco os
trabalhadores expostos, durante longos períodos, a altas concentrações de fibras.
As principais profissões atingidas pela asbestose incluem aqueles que
trabalham com a extração, trituração, transporte e armazenamento de cimento, construção civil e
naval, manufatura de vestimentas refratárias ao calor, fabricação de freios de veículos, fabricação
de materiais de fibrocimento e de isolantes elétricos e térmicos (MARANO, 2007, p. 172).
As doenças causadas pelo amianto são diversas, porém, na grande maioria das
vezes, o órgão contaminado é o pulmão; as principais doenças são (ANTUNES, 2008, p. 664):
a) Fibrose Pulmonar: é chamada de asbestose porque a fibra de amianto que
invade os pulmões tem o nome de asbesto. A doença progressiva e leva lentamente o paciente
à morte, após anos de sofrimento por recorrência de uma pneumonia. Esta relacionada com a
prolongada inalação de poeira contendo alta concentração de fibras de amianto. As fibras alojamse nos alvéolos pulmonares, e, para se defender, o organismo deposita sobre elas uma proteína
semelhante a um cimento, que cicatriza o alvéolo, impedindo que se encha de ar. Esse processo,
repetindo-se intensamente ao longo dos anos, pode tornar o pulmão fibrosado e em elasticidade,
com dificuldades respiratórias; b) Câncer do pulmão: é semelhante ao câncer causado pelo fumo.
Do início da exposição às fibras de amianto até o aparecimento do câncer, passam-se em média
20 anos; c) Mesotelioma: forma muito rara de tumor maligno que se desenvolve no mesotélio
(peritônio). O período médio de aparecimento da doença, desde o início da exposição, é de trinta
a quarenta anos.
A asbestose é um tipo de pneumoconiose produzida pelo asbesto ou amianto.
Para seu desenvolvimento é preciso que estejam presentes cinco condições: a) necessidade de um
certo número de partículas em suspensão no ar, que para o amianto é de 5 milhões de partículas por
metro cúbico de ar; b) existência de certa porcentagem de substância nociva nas partículas, sendo
que a possibilidade de moléstia será tanto maior quanto maior for o percentual da substância;
c) que as partículas tenham tamanho suficiente para serem inaladas e retidas; quanto menor a
partícula, nesse caso, maior será a retenção alveolar dessas partículas; d) tempo de exposição:
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maior tempo implica em maior risco de instalação de lesão pulmonar; e) susceptibilidade do
indivíduo, sendo que a preexistência de afecções pulmonares predispõe o trabalhador à instalação
de uma pneumoconiose. Também é de se ressaltar que quanto mais pesado for o trabalho do
indivíduo, maior a facilidade da instalação da doença, porque exige uma maior freqüência
respiratória, facilitando a inalação de uma maior quantidade de poeira (MARANO, 2007, p. 167168).
A Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (ABREA), localizada em
Osasco, interior de São Paulo, reúne ecologistas e a entidade que reúne as vítimas do uso do
amianto. Essa associação afirma que são mais de três mil produtos no Brasil que usam o amianto,
e adverte que esse elemento mineral provoca males terríveis: asbestose (endurecimento lento do
pulmão que causa falta de ar progressiva), câncer de pulmão, mesotelioma de pleura e peritônio
(mata em até dois anos após o diagnóstico), doenças pleurais (placas, derrames, espessamentos,
distúrbios ventilatórios), câncer de faringe e do aparelho digestivo; essas moléstias atingem não
só os operários das fábricas, mas também as famílias dos trabalhadores, os vizinhos das fábricas
e o consumidor que adquire produtos à base deste material ou que se expõe à poeira liberada por
este material (GIANNASI, s/d, p. 2-3).
Quando se faz análise mais ampla, envolvendo outros atores sociais, como
familiares, usuários e habitantes do entorno da mineração e das usinas de beneficiamento
(indireta, paraocupacional e ambientalmente expostos) a questão alcança dimensão ainda mais
grave. Considerando-se a longa latência das doenças atribuídas ao amianto e a sua produção em
larga escala no país a partir da década de 1970, estima-se que o pico do adoecimento no Brasil se
dará entre 2005-2015, como ocorreu na Europa e nos Estados Unidos a partir do final dos anos 60
(CASTRO et al., 2003, p. 904).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a crisotila/amianto está
relacionada a diversas formas de doença pulmonar (asbestose, câncer pulmonar e mesoteliona de
pleura e peritônio), não havendo nenhum limite seguro de exposição para o risco carcinogênico
de acordo com o Critério 203, publicado pelo IPCS (Internacional Programme on Chemical
Safety) / WHO (Organização Mundial da Saúde). A OMS recomenda, complementarmente, que
o uso do amianto seja substituído, sempre que possível, da mesma forma que a OIT (Organização
Internacional do Trabalho) já o fizera em sua Convenção nº 162, 1986. (CASTRO et al., 2003, p.
904).
A proteção requerida nas atividades com amianto, segundo o Quadro III da
Instrução Normativa nº 01/94, está condicionada à quantidade de fibras presentes no ambiente.
Porém, não se dispõe de um órgão de referência que municie diretamente a fiscalização e que dê
suporte aos seus processos, ficando então dependentes e limitadas à avaliação ambiental, dados
que no mais das vezes acaba por serem apresentados de forma unilateral pelas empresas.
3.3 O Supremo Tribunal Federal e a Questão do Amianto
A constitucionalidade de leis estaduais dos estados de São Paulo e Mato Grosso
do Sul que buscam restringir o uso e exploração do amianto no âmbito dessas unidades federativas
foi enfrentado pelo STF em dois ciclos distintos: o primeiro compreendeu o julgamento das ADIs
nº 2.396 e nº 2.656; e o segundo, envolveu o julgamento das ADIs nº 3.355, 3.356, 3.357, 3.406,
3.470, 3.937 e ADPF nº 109. O julgamento das ADIs nº 2.396 e 2.656 marca a primeira ocasião na
qual a exploração do amianto foi objeto de julgamento no STF, em sede de controle concentrado
de constitucionalidade. O julgamento da ADI nº 2.396 iniciou-se em setembro de 2001, quando
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foi apreciado o pedido de medida cautelar. Em maio de 2003, o julgamento foi retomado, ocasião
na qual foram julgados os méritos da ADI nº 2.396 e da ADI º 2.656 (MEDINA, 2008, p. 45).
Na ADI nº 2.396 o governador do Estado de Goiás impugnava a
constitucionalidade da Lei nº 2.210/01, do Estado do Mato Grosso do Sul, que veda a
fabricação, o ingresso, a comercialização e a estocagem de amianto ou de produtos à base de
amianto, destinados à construção civil, no território do Estado. Em suas razões, sustentava que
a lei estadual teria invadido competência da União para legislar sobre mineração, segurança e
medicina do trabalho (Art. 22, I e XII, e 25, § 1º da Constituição Federal), competência essa que
já teria sido exercida com a edição da Lei nº 9.050/95. Argumentava ainda que havia violação
dos princípios da iniciativa privada, da livre concorrência e da propriedade (Art. 170, caput, e
incisos II e IV, da Constituição Federal), bem como ofensa ao princípio federativo, visto que um
Estado não poderia discriminar produtos provenientes de outro. Aduziu, por fim, violação ao
princípio da proporcionalidade (inexistência do binômio necessidade/adequação). A Assembléia
Legislativa e o governador do Estado do Mato Grosso do Sul, sustentaram a constitucionalidade
do ato normativo impugnado, apoiando-se fundamentalmente nas seguintes razões: ausência de
invasão de competência (a norma versa sobre saúde, que é direito social, e não sobre mineração
ou direito do trabalho); é dever do Estado discriminar produtos nocivos à saúde de sua população;
ponderação de princípios, dignidade da pessoa humana; caráter interventivo da ação, conforme
art. 34, VII, da Constituição Federal; de caráter protetivo ambiental. (MEDINA, 2008, p. 45).
Em 29 de setembro de 2001 a medida liminar foi concedida, e aproximadamente
três anos depois, em 08 de maio de 2003, quando na apreciação do mérito, o STF confirmou
a liminar deferida, declarando a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 2.210/01, julgando a
ADI nº 2.396 parcialmente procedente. Nessa ocasião preservaram-se apenas os dispositivos que
determinavam a adoção de medidas que visassem à proteção da saúde do trabalhador que tivesse
sido exposto ao amianto. No julgamento da medida cautelar, a questão constitucional foi analisada
exclusivamente sob o prisma da competência concorrente da União e dos Estados para legislar.
Em seu voto, a Relatora, Ministra Ellen Gracie, afastou expressamente todos os outros supostos
vícios pelo governador de Goiás, apontando à fls. 616 que: “Só encontro inconsistência do texto
da legislação estadual com a Constituição Federal se analisá-lo sob a óptica da repartição das
competências legislativas, tal como definida nos Arts. 22 e 24 da Carta Maior”. No julgamento
da medida cautelar na ADI nº 2.396, o voto da Relatora foi acompanhado pela unanimidade dos
Ministros presentes à sessão. Para declarar a inconstitucionalidade da norma estadual na ADI
nº 2.396, a Ministra Ellen Gracie se pautou nos fundamentos da Representação nº 1.153-4 (DJ
25/10/85), que julgou a constitucionalidade de diversos atos normativos do Estado do Rio Grande
do Sul, que versavam acerca do controle de agrotóxicos e biocidas, em exame que foi procedido
sob égide da Constituição anterior (MEDINA, 2008, p. 46).
O segundo ciclo é marcado por uma série de ADIs (nº 3.355, 3.356, 3.357,
3.470 e 3.937) e a ADPF nº 109, totalizando sete ações, propostas coordenadamente pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, com o objetivo de ver declaradas
inconstitucionais as leis dos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e São
Paulo, todas normas estaduais (no caso da ADPF, municipal) que procuram restringir o uso do
amianto no âmbito de suas respectivas unidades federativas. As ADIs nº 3.355, 3.356, 3.357,
3.406 e 3.470 fundamentam a inconstitucionalidade dos diplomas estaduais impugnados em
violação ao princípio da livre concorrência (Art. 170 da Constituição Federal), visto que se estaria
a impor restrições desarrazoada ao comercio de produtos à base de amianto. As ações arrimamse, ainda em usurpação de competência legislativa da União: concorrente (extrapolação do limite
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supletivo reservado aos Estados pela Lei Federal nº 9.055/95 – Art. 24, V e § 1º da Constituição
Federal) e privativa (as normas disciplinariam matéria concernente a direito do trabalho – Art.
22, XI e XII). As ADIs nº 3.356 e 3.406 articulam também vicio formal dos diplomas estaduais
impugnados, consistentes no exercício da iniciativa legislativa pela Assembléia Legislativa em
matéria procedimental da Administração Pública, cuja regulação apenas se faria possível por
intermédio de Lei de iniciativa privativa do governador do Estado. Portanto, nesse segundo ciclo as
inconstitucionalidades argüidas situam-se na invasão, pelos Estados, da competência concorrente
da União para legislar, na linha dos fundamentos lançados pelo STF nos procedentes acima
indicados, ADI nº 2.396 e ADI nº 2.656. Nesse segundo ciclo, intervieram a ABREA – Instituto
Brasileiro do Crisotila e a Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidores de Produtos de
Fibrocimento – ABIFIBRO, a fim de possibilitar o exame e a sua repercussão (MEDINA, 2008,
p. 47-48).
A ADI nº 3.356/PE foi de Relatoria do Ministro Eros Grau. Em 26/10/05,
em suas informações, o governador e a Assembleia Legislativa de Pernambuco sustentaram
a constitucionalidade da lei estadual e a sua convergência com a lei federal nº 9.055/95; a
necessidade de ponderação entre os princípios, no sentido de dar prevalência ao direito à vida
(saúde), e ao princípio da dignidade da pessoa humana, em detrimento da livre iniciativa; a
legislação do banimento do amianto, inclusive a Convenção nº 162/OIT. A ABREA sustentou a
constitucionalidade da lei estadual impugnada, requerendo o seu ingresso no feito na qualidade
de amicus curiae. O Instituto Crisotila pediu intervenção, sustentando a inconstitucionalidade
da norma estadual. Iniciando o julgamento, após as sustentações orais da CNTI, da ABREA e
da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, o Ministro Eros Grau julgou procedente
a ação para declarar a inconstitucionalidade da lei estadual, entendendo que a lei em questão
invadia a competência da União para legislar sobre normas gerais sobre produtos e consumidores,
meio ambiente e controle de poluição, proteção e defesa da saúde, bem como que extrapolava
a competência legislativa suplementar dos Estados-Membros (CF, Art. 24, V, VI e XII, p. 2º).
Ressaltou que a legislação federal em vigor (Lei nº 9.055/95), que troca as normas gerais a esse
respeito, nos termos do Art. 24, p. 1º, da Constituição Federal, não veda a comercialização nem
o uso do referido silicato. Alem disso, considerou que a norma, ao obstar que os órgãos públicos
estaduais adquiram materiais que contenham o amianto, usurpa a área de atuação do Chefe do
Poder Executivo, a quem cabe a direção, a organização e o funcionamento da Administração
(Constituição Federal, Art. 84, II e VI, a) (MEDINA, 2008, p. 48).
A ADI nº 3.937/SP, da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, teve fundamento
na invasão de competência privativa da União para legislar sobre normas gerais em matéria
concorrente, argumento que norteou a peça exordial da CNTI. A ABIFIBRO atuou como amicus
curiae, analisando um peculiar viés econômico da questão constitucional em debate. A associação
trouxe breve relato acerca de sua criação, explicitando que, em suas origens, congregava todas
as 17 fábricas instaladas nos 10 Estados da Federação, que utilizavam o amianto como matériaprima para a fabricação de telhas, caixas d’água, placas de revestimento, painéis e divisórias,
esclarecendo que vem empreendendo esforços em busca de novas tecnologias que viabilizassem
a substituição progressiva do amianto, considerando a enorme pressão sofrida em decorrência do
reconhecido caráter danoso da fibra para a saúde humana. Como resultados dessas pesquisas, foram
desenvolvidos os polialcoolvinílico (PVA) e o polipropileno (PP), utilizados no Brasil desde 2001
como substitutos de sucesso do amianto na indústria do fibrocimento. A nova tecnologia fez com
que uma das associadas (Brasilit) abandonasse o uso do amianto, mas as demais associadas, em
vez de se unirem no esforço de banimento, viram nessa atitude uma oportunidade de aumentarem
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sua margem de lucro, já que a substituição do amianto representa um acréscimo de 15% no custo
final do produto (MEDINA, 2008, p. 50).
Iniciado o julgamento em 20/08/07, a despeito do panorama constitucional, os
votos proferidos pelos Ministros do STF continuaram a ater-se ao vício formal da norma estadual,
em invasão de competência concorrente da União. Portanto, o Ministro Marco Aurélio, Relator,
julgou procedente a ação, no que foi acompanhado pela Ministra Carmen Lúcia e pelo Ministro
Lewandowski. O julgamento caminhava para o mesmo desfecho traçado nas ADIs nº 2.396 e nº
2.656, até que o Ministro Eros Grau se pronunciasse, mudando radicalmente seu entendimento
para declarar a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 9.055/95, mantendo incólume a legislação
estadual, e acenando já com a mudança de seu voto na ADI nº 3.356/PE. O tema acerca da suposta
inconstitucionalidade das leis estaduais que restringem o uso do amianto assumiu contornos e
complexidades distintas do enfrentamento travado no primeiro ciclo (MEDINA, 2008, p. 50).
A ação direta de inconstitucionalidade ainda não foi julgada pelo Supremo,
como se verifica de consulta ao sítio eletrônico daquela Corte8. Entretanto, foi proferida decisão
na medida cautelar proposta, visando a suspensão da eficácia da lei. Nessa medida cautelar foi
proferido acórdão, datado de 04 de junho de 2008, e publicado em 10/10/08, em que se acabou
negando o pedido da CNI. O fundamento (incidental) do Ministro Eros Grau foi que a própria Lei
Federal 9.055, que autoriza o comércio de amianto no Brasil, padece de inconstitucionalidade,
porque agride o preceito disposto no art. 196 da Constituição (direito à saúde).
Conforme as informações do sítio eletrônico do STF, publicadas por ocasião
do Dia Mundial do Meio Ambiente, em 05 de junho de 2009, observa-se que a tendência atual do
STF é de vedar o uso desse material de grande nocividade (Brasil, STF, 2009):
Amianto: Já em 22 de abril deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski
indeferiu o pedido de liminar na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 109. Na ação, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contesta lei municipal de São
Paulo que proíbe o uso do amianto na construção civil. O ministro
Lewandowski fundamentou sua decisão no julgamento do Plenário
na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI 3937), no qual a Corte
decidiu que, por uma questão de saúde, a lei que proíbe o amianto
estava de acordo com a Constituição Federal. Esse julgamento ocorreu
em 4 de junho de 2008. O Supremo manteve por 7 votos a 3 a vigência
da Lei paulista 12.684/07, que proibiu o uso de qualquer produto que
utilize o amianto no estado.
Constata-se, dessa evolução jurisprudencial, a tendência do Judiciário em
cercear o uso do amianto no Brasil, em razão da garantia constitucional de proteção à saúde
e ao meio ambiente. Isso representa um avanço, mormente se considerarmos que a posição
inicialmente adotada pelo STF foi de declarar a inconstitucionalidade das leis estaduais que
proibiam a fabricação de produtos com esse mineral.
No âmbito trabalhista, a mais recente confirmação de condenação de
empregador em razão de doença decorrente do trabalho em contato com o amianto foi noticiada
no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho no dia 16 de maio de 2011: a 4ª Turma do
TST manteve uma indenização que havia sido concedida pelo Tribunal Regional do Trabalho da
25
8 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2544561
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A Saúde do Trabalhador e a Questão do Amianto no Brasil
2ª Região (São Paulo): R$ 300.000,00 reais de indenização por danos morais e pensão mensal
vitalícia por ter adquirido câncer pulmonar decorrente da aspiração constante de pó de amianto,
utilizado na fabricação dos produtos que ele vendia9.
4 CONCLUSÃO
26
O presente artigo trouxe ao debate um tema sério, que envolve interesse não
apenas de parte da classe trabalhadora, mas abrange questões envolvendo o meio ambiente em
geral e a saúde pública. O amianto não é um tema do qual a sociedade tenha ampla ciência, sendo
que muitas pessoas desconhecem o fato de se tratar de um material extremamente poluente ao meio
ambiente e com alto potencial lesivo para aqueles que têm contato, podendo levar trabalhadores
à morte precoce e com alto grau de sofrimento, devido aos graves problemas de saúde que causa,
como o câncer de pulmão, a asbestose e o mesotelioma.
Quando se faz uma ampla análise sobre a contaminação que o amianto pode
causar, constata-se por meio de pesquisas de institutos conceituados, entre eles OIT, OMS e a
ABREA, que o usuário final também corre riscos de se contaminar a longo prazo.
Apesar de a reação do organismo quanto à contaminação ser demorada, devido
à latência prolongada do agente, a questão deve ser discutida a fim de se eliminar o uso desse
material na indústria brasileira. Existem pesquisas que indicam que o amianto pode ser substituído
por outros materiais com menor grau de toxicidade, embora de custo mais elevado.
Os Estados que baniram o uso amianto tomaram uma postura em consonância
com o princípio da proteção à saúde: melhor banir o uso do amianto agora, mesmo que se passe
a utilizar matéria-prima de custo mais alto, do que posteriormente ter trabalhadores e famílias
doentes. A postura atual do STF, de declarar a constitucionalidade dessas leis, indica que existe
um avanço da questão no Brasil, embora ainda lento.
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9 A notícia completa esta disponível em <http://ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIAS.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=12279&p_
cod_area_noticia=ASCS&p_txt_pesquisa=amianto>.
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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera
CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS
MUNICIPAIS – ANÁLISE DE CASO – MUNICÍPIO DE LONDRINA
Ana Karina Ticianelli Moller10*
Sandra Márcia Sbizera11*
RESUMO
O presente artigo trata da supremacia da Constituição Federal no ordenamento jurídico
brasileiro e das formas previstas para controle de constitucionalidade dos atos do Poder
Público, visando à defesa dessa Constituição. Analisa os tipos de inconstitucionalidade e
os momentos de possibilidade de controle. Explica as formas de controle difuso e controle
concentrado. Analisa o controle efetuado em leis municipais em face da Constituição Estadual
e da Constituição Federal. Analisa caso concreto de declaração de inconstitucionalidade de
Lei do Município de Londrina.
PALAVRAS-CHAVE: Controle de constitucionalidade. Controle difuso. Controle concentrado.
Leis Municipais. Município de Londrina.
CONSIDERATIONS ON CONSTITUTIONAL CONTROL OF ORDINANCES - CASE
STUDY – Londrina City
ABSTRACT
This article is about the supremacy of the Constitution in the Brazilian legal system and of
the ways provided to control the constitutionality of the Government, aiming to defend that
Constitution. It analyzes the types of unconstitutionality and the moments of possibility of control.
Explains the ways of diffuse control and concentrated control. Analyzes the control is made in the
municipal laws in the face of the State Constitution and the Federal Constitution. Analyzes case
of unconstitutionality of Law in Londrina.
29
KEYWORDS: Control of constitutionality. Diffuse control. Concentrated control. Municipal
Laws control.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.
3 TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE. 4 MOMENTOS DO CONTROLE. 4.1
Controle Difuso e Controle Concentrado. 5 CONTROLE CONSTITUCIONAL DE
LEIS MUNICIPAIS. 6 ANÁLISE DO CASO CONCRETO – LEI Nº 6.825, DE 22 DE
OUTUBRO DE 1996 – CÂMARA MUNICIPAL DE LONDRINA. 6.1 A Declaração
de Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996. 7
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
10* Mestre em Direito Negocial (UEL). Especialista em Direito Empresarial (UEL). Professora (UNIFIL). Advogada.
11* Graduada em Letras (UEL), Graduada em Direito (UNIFIL)
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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina
1 INTRODUÇÃO
A compreensão do ordenamento jurídico está intimamente ligada às idéias
de Constituição e de norma fundamental. Tendo em vista a possibilidade de múltiplos sentidos
atribuídos à expressão “norma fundamental”, para o presente estudo, esclarecemos o entendimento
de norma fundamental, no ensinamento de Inocêncio Mártires Coelho, como “aquela norma que,
numa determinada comunidade política, unifica e confere validade às suas normas jurídicas,
as quais, e razão e a partir dela, se organizam e/ou se estruturam em sistema”. (COELHO in
MENDES, 2010, p. 45).
Para melhor entendimento sobre controle de constitucionalidade, é preciso a
análise de dois pressupostos essenciais: a existência de um sistema hierárquico de normas com a
supremacia da Constituição Federal, e a presença de um sistema rígido constitucional.
Um sistema hierarquizado, ou seja, de escalonamento normativo é estrutural
para a supremacia constitucional, pois é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração
legislativa e o seu conteúdo (MORAES, 2011, p 729).
O reconhecimento da supremacia da Constituição e de sua força vinculante
em relação aos Poderes Públicos torna inevitável a discussão sobre as formas e modos de defesa
dessa Constituição, bem como da necessidade de controle de constitucionalidade dos atos do
Poder Público, tanto em âmbito federal, como estadual e municipal.
Essa condição de supremacia do texto constitucional exige que todo arcabouço
normativo por ele legitimado se compatibilize com a Lei Maior, sob pena de lhe retirar a força
normativa (DONIZETTI, 2010, p. 137).
30
2 CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
A inconstitucionalidade das leis é expressão designativa, no mais amplo
sentido, da incompatibilidade entre atos e fatos jurídicos e a Constituição (TAVARES, 2010,
p. 212). Ressalta o mesmo autor que o ato jurídico pode também ser um ato administrativo,
contrário à Constituição, como, por exemplo, um decreto presidencial, que contrarie diretamente
a Constituição.
Controle de constitucionalidade significa “verificar a adequação
(compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus
requisitos formais e materiais” (MORAES, 2011, p. 731).
Tornando aos ensinamentos de Hely Lopes Meireles (2008, p.744), temos que
o cumprimento de leis inconstitucionais tem suscitado dúvidas e perplexidades na doutrina e na
jurisprudência. Contudo, já se firmou o entendimento de que o Executivo não é obrigado a aceitar
normas legislativas contrárias à Constituição ou a leis hierarquicamente superiores.
Ainda, o mesmo autor, lembra que o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo salientou que o dever de velar pela Constituição compete ao Executivo, que não somente
pode, como até deve, negar cumprimento à lei que considere inconstitucional, até que o Poder
Judiciário, provocado por quem de direito, decida a respeito (MEIRELES, 2008, p.744).
Significa dizer que o chefe do Executivo pode se negar ao cumprimento de ato
legislativo inconstitucional, desde que declare sua recusa, formal e expressamente, apontando a
inconstitucionalidade a que se opõe.
Além disso, como titular da ação, cumpre-lhe impetrar Ação Direta de
Inconstitucionalidade junto ao Poder competente para julgar definitivamente o feito.
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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera
Segundo Alexandre de Moraes (2011), a idéia de controle de constitucionalidade
está vinculada à supremacia da Constituição Federal sobre todo o ordenamento jurídico e, também,
à idéia de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, o controle de constitucionalidade configura-se como garantia
de supremacia dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, que limita o poder do
Estado, ao mesmo tempo em que lhe confere legitimidade para exercer seus deveres.
3 TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE
Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação,
nas palavras de Jorge Miranda, que “se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra
coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que
cabe ou não no seu sentido” (1981, p. 273 e 274).
Essa relação de índole normativa (MIRANDA, 1981, p. 274) é que qualifica a
inconstitucionalidade, pois somente assim logra-se afirmar a obrigatoriedade do texto constitucional
e a ineficácia de todo e qualquer ato normativo contraveniente (MENDES, 2010, p. 1156).
Uma norma poderá sofrer de um vício de inconstitucionalidade em virtude da
ação ou da omissão de ato do Poder Público. Por ação (positiva ou por atuação) quando ensejar a
incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder Público) com a Constituição.
Por omissão, quando por inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de
eficácia limitada (LENZA, 2011, P. 230).
A inconstitucionalidade por ação pressupõe a existência de normas
inconstitucionais, enquanto a inconstitucionalidade por omissão a violação da lei pelo silêncio
legislativo (CANOTILHO, 1993, p. 982 apud LENZA, 2011).
O vício de inconstitucionalidade por ação verifica-se de duas maneiras: formal
e material. A primeira decorre da não observância, na formação do ato, do devido processo
legislativo. A segunda entende-se como um vício de substância, de matéria, de conteúdo.
Quanto ao processo legislativo ressalta-se o princípio da legalidade,
previsto no art. 5º, II da Constituição Federal que determina que “ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Lembra Alexandre de Moraes
(2011, p. 1362) que:
31
O processo legislativo´é verdadeiro corolário do princípio da legalidade,
que deve ser entendido como ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de espécie normativa
devidamente elaborada de acordo com as regras de processo legislativo
constitucional (Art. 59 a 69, da Constituição Federal).
De acordo com o mesmo autor, a consequência da inobservância das normas
constitucionais de processo legislativo será a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato
normativo produzido, proporcionando o controle repressivo por parte do Judiciário, tanto pelo
método difuso, quanto pelo método concentrado (MORAES, 2011, p. 1363).
Os vícios formais afetam o ato normativo singularmente considerado, sem
atingir seu conteúdo, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formação da lei
(MENDES, 2010, p. 1170).
Acerca do vício material de inconstitucionalidade, é importante ressaltar
a necessidade de observância da supremacia dos princípios direitos e garantias fundamentais
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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina
previstos na Constituição Federal, para que não haja incongruência entre o conteúdo da lei e o
conteúdo da Constituição.
A inconstitucionalidade material envolve não só o contraste direto do ato
legislativo como parâmetro constitucional, como a aferição do desvio de poder ou do excesso de
poder legislativo (MENDES, 2010, p. 1172).
4 MOMENTOS DE CONTROLE
32
A análise a seguir diz respeito ao momento em que será realizado o controle,
ou seja, o momento preventivo, antes do projeto virar lei, e o repressivo, já sobre a lei inserida no
ordenamento.
O controle preventivo, também chamado prévio, realiza-se durante o processo
legislativo da formação do próprio ato legislativo. Esse controle pode ser exercido pelo Legislativo,
pelo Executivo e pelo Judiciário.
O Legislativo age por meio de suas comissões de justiça na análise do projeto
de lei, incorrendo, portando, sobre projetos de medidas provisórias, resoluções de Tribunais e
decretos.
O Executivo participa do controle preventivo ao vetar projeto de lei que
considere inconstitucional, impedindo-o de transformar-se em lei.
O controle pelo Judiciário fundamenta-se na idéia de que os parlamentares têm
o direito de não deliberar emenda constitucional tendente a abolir os bens assegurados no § 4º
do art. 60 da Constituição Federal, ou seja, considerados como cláusula pétrea. Nesse caso vedase a deliberação, pois a Mesa estaria praticando uma ilegalidade se colocasse em pauta tal tema
(LENZA, 2011).
Já o controle repressivo realiza-se não mais sobre o projeto, mas sobre a lei já
inserida no ordenamento. Essa forma de controle é exercida, em regra, pelo Poder Judiciário, mas
também pode ser exercida, excepcionalmente, pelo Poder Legislativo.
A exceção vem prevista nos arts. 49,V e 62 da CF/88. O primeiro prevê a
possibilidade de sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitarem do poder
regulamentar ou dos limites da delegação legislativa, enquanto o segundo trata das medidas
provisórias consideradas inconstitucionais pelo Congresso Nacional.
Como visto, como regra, o controle posterior é realizado pelo Poder Judiciário,
que no Brasil é considerado misto, com previsão tanto do controle difuso (americano), quanto do
controle concentrado (europeu/austríaco), explicados a seguir.
4. 1 Controle Difuso e Controle Concentrado
O controle difuso, também chamado de controle pela via de exceção ou defesa,
ou ainda controle aberto, é realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário, observadas
as regras de competência processual, na análise de um caso concreto, quando a declaração da
inconstitucionalidade se dá de maneira incidental.
A decisão da declaração de inconstitucionalidade da lei no controle difuso vale
somente para as partes litigantes, tornando-a nula de pleno direito e produzindo efeitos pretéritos,
ou seja, terá efeitos inter partes e ex tunc.
Por meio de recurso extraordinário a questão poderá chegar ao Supremo Tribunal
Federal, que exercerá o controle difuso, de forma incidental, observadas as regras do art. 97 da CF
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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera
(LENZA, 2011), conhecida como cláusula de reserva de plenário. Declarada pelo STF, em maioria
absoluta do pleno do tribunal, a inconstitucionalidade da lei, será feita a comunicação da decisão à
autoridade ou órgão interessado e, após o trânsito em julgado, ao Senado Federal, conforme o art. 52,
X da CF, para que este suspenda, por meio de resolução, a execução da referida lei.
O controle concentrado, também de chamado de via de ação, é assim
denominado por ser função precípua do Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua
competência originária, conforme art. 102 da Constituição Federal. Assim, somente ao STF
compete processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, genéricas ou interventivas,
as ações de inconstitucionalidade por omissão e as ações declaratórias de constitucionalidade
(MORAES, 2011, p. 1360).
Ensina Alexandre de Moraes (2011, p. 755) que o controle concentrado visa
obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, independentemente
da existência de um caso concreto. Busca-se a invalidação da lei como garantia da segurança das
relações jurídicas que não podem fundamentar-se em normas inconstitucionais.
Assim, ainda do mesmo autor “a declaração da inconstitucionalidade, portanto,
é o objeto principal da ação” (2011, p. 756).
5 CONTROLE CONSTITUCIONAL DE LEIS MUNICIPAIS
A Constituição Federal de 1988 contemplou expressamente a questão do controle
abstrato de normas nos âmbitos estadual e municipal em face da respectiva norma suprema.
Assim a CF dispõe em seu art. 125, § 2º, “cabe aos Estados a instituição de
representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em
face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.”
Ensina Gilmar Ferreira Mendes (2010) que todas as Constituições Estaduais
disciplinaram, sem exceção, o instituto, com maior ou menor legitimação. Além do controle
abstrato, algumas unidades federadas também instituíram também a ação direta por omissão.
Isto posto, tem-se que a competência para julgar Ação Direta de
Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo proposto pelo legitimado no âmbito municipal, e
que contrarie a Constituição Estadual, recai ao Tribunal de Justiça do Estado.
Pedro Lenza (2009) afirma que, com relação à lei ou ato normativo municipal
que contrarie a Constituição Federal, inexiste o controle concentrado por Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Nessa situação, o controle se dá via sistema difuso, podendo a questão
alcançar o STF por meio de recurso extraordinário, de forma incidental.
Se, contudo, a norma federal em debate tiver sido repetida na Constituição
Estadual, ainda que se trate de norma de repetição obrigatória e redação idêntica à norma
constitucional, será possível o controle concentrado perante o Tribunal de Justiça local, abrindose também a possibilidade de cabimento de recurso extraordinário a ser submetido ao STF.
Importante salientar que tratando-se de lei municipal em face da Lei Orgânica
do Município, não será considerado controle de constitucionalidade, mas controle de legalidade.
33
6 ANÁLISE DO CASO CONCRETO — Lei nº 6.825, de 22 de outubro de 1996 — Câmara
Municipal de Londrina
No ano de 1996 foi protocolado na Câmara Municipal de Londrina o Projeto
de Lei nº 372/1996, por iniciativa de um parlamentar, que propunha a isenção do pagamento
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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina
da pavimentação asfáltica aos proprietários de imóveis localizados nos Conjuntos Habitacionais
Armindo Guazzi e Giovani Lunardeli, e também aos proprietários de imóveis localizados nas ruas
Osny Muniz e Tanganica, do Conjunto Habitacional Hilda Mandarino, todos daquele Município.
Para justificar sua iniciativa, o autor se pautou no aspecto econômico da
população, alegando que a maioria dos moradores daquelas localidades não teria condições de
efetuar o pagamento pela obra realizada.
Seguindo os pressupostos regimentais daquela Casa Legislativa e da Lei
Orgânica do Município de Londrina, a matéria foi despachada em Sessão Ordinária, pelo
Presidente da Mesa Executiva, à Comissão de Justiça, Legislação e Redação e à Comissão de
Finanças e Orçamento.
Deixando a análise de mérito a critério do Plenário, a Comissão de Justiça
apontou que a concessão do benefício proposto importaria em desembolso financeiro por parte do
Município, esbarrando nas vedações impostas por sua própria Lei Orgânica, que atribui ao Poder
Executivo a competência exclusiva para iniciar processos legislativos de tal natureza.
Assim dispõe a Lei Orgânica:
Art. 103. Os projetos de lei relativos ao Plano Plurianual, às Diretrizes
Orçamentárias, ao Orçamento Anual e aos créditos adicionais, de iniciativa
exclusiva do Prefeito, serão apreciados pela Câmara Municipal na forma de
seu Regimento Interno e desta Lei Orgânica. (grifo nosso)
A esse respeito nos ensina Hely Lopes Meirelles:
34
Todo ato do prefeito que infringir prerrogativa da Câmara — como
também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição
da Prefeitura ou do Prefeito — é nulo, por ofensivo do princípio da
separação de funções dos órgãos do governo local (CF, Art. 2º, c/c o
Art. 31), podendo ser invalidado pelo Judiciário. (MEIRELLES, 2008.
p. 727)
Apontou ainda a Comissão de Justiça que a proposta feria o princípio
constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Assim, se todos são
iguais perante a lei, igualmente todos deveriam pagar o benefício da pavimentação ou deveriam
ser isentados do pagamento, uma vez que a Contribuição de Melhoria — tributo a ser cobrado
no caso em tela — incide sobre os imóveis de todos os beneficiados por obras públicas que lhes
proporcionem uma especial valorização.
Preliminarmente, a Comissão de Finanças, emitiu parecer solicitando maiores
esclarecimentos sobre a matéria à Secretaria Municipal da Fazenda, que não se pronunciou no
prazo regimental. Diante dessa omissão, a Comissão de Finanças, em seu parecer, reproduziu
informações do autor da matéria, indicando que a isenção pretendida não representaria,
mensalmente, quantia significante aos cofres públicos. Alegando ainda a Comissão que, sem
dados oficiais, não dispunha de informações suficientes para se manifestar tecnicamente, remeteu
a matéria ao crivo exclusivo do Plenário, sem qualquer fundamentação que pudesse sustentar as
discussões para sua aprovação ou rejeição, sob o aspecto financeiro.
Segundo Alexandre de Moraes (2011), o princípio da igualdade consagrado
pela constituição e invocado no parecer da comissão de justiça, opera em dois planos distintos.
De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente,
de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos
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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera
abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano,
na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e os atos
normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo,
religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. (grifo nosso)
Finalmente, submetida a três discussões, a despeito dos apontamentos técnicos,
a matéria restou aprovada pelo Legislativo e foi encaminhada ao Executivo para sanção, na forma
do Substitutivo nº 01/96.
Sobre a atuação das Comissões permanentes e a decisão final dos parlamentares,
Helly Lopes Meirelles afirma:
Os pareceres das comissões permanentes [...] não obrigam o plenário,
e seu desacolhimento não infringe qualquer princípio informativo
do procedimento legislativo, mesmo porque a proposição pode ser
inatacável sob o prisma técnico, e ser inconveniente ou inoportuna do
ponto de vista político — e este aspecto é reservado à consideração e
deliberação dos vereadores. (MEIRELLES, 2008. p. 665)
Em verdade, as comissões permanentes têm atribuições exclusivamente
internas e, em nenhum momento, representam a Casa Legislativa. Seus pareceres são exarados
de acordo com suas especialidades e as matérias a elas submetidas são analisadas sob a ótica
eminentemente técnica, jamais política. Vale dizer que esses pareceres são instrumentos de suma
importância no processo técnico-legislativo, eis que norteiam e esclarecem os legisladores quanto
ao que enseja a proposição em análise.
No uso de suas atribuições, o Prefeito Municipal vetou integralmente o
projeto e fundamentou sua decisão apontando ter havido ofensa ao princípio da separação dos
poderes, disposto no Art. 7º, parágrafo único da Constituição Estadual, em reprodução ao disposto
no artigo 2º da Constituição Federal, bem como ao Art. 12 da Lei Orgânica do Município de
Londrina. Apontou ainda afronta aos artigos 87, IV e 133, caput e seu § 2º, da Constituição do
Estado do Paraná, que atribui exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que
digam respeito ao Plano Plurianual, às diretrizes orçamentárias anuais e aos orçamentos anuais do
Estado e dos Municípios.
A esse respeito, o artigo 31, parágrafo 1º da LOM, em consonância com o
artigo 231 do Regimento Interno da Câmara Municipal, preconiza:
35
Art. 31. Concluída a votação do projeto de lei, o Presidente da Câmara
Municipal o enviará ao Prefeito que, aquiescendo, o sancionará e
encaminhará cópia original da lei à Câmara Municipal no prazo máximo
de 3 (três) dias após a sanção.
§ 1º Se o Prefeito julgar o projeto de lei, no todo ou em parte, inconstitucional
ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente dentro de
15 (quinze) dias úteis, contados da data em que o receber e comunicará ao
Presidente da Câmara Municipal, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, as
razões do veto.
Seguindo a formalidades inerentes a tais processos, o Chefe do Executivo
encaminhou o veto à Câmara Municipal dentro do prazo regulamentar, qual seja, quinze dias
úteis.
Recebido o veto, o mesmo foi submetido à Comissão de Justiça, que manteve
seu posicionamento anterior.
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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina
Apreciado em discussão única e submetida à votação nominal aberta, o veto
foi rejeitado pelo plenário da Câmara Municipal com o voto contrário da maioria absoluta dos
seus membros.
Relativamente aos procedimentos advindos da rejeição do veto aposto pelo
Executivo, o artigo 31, parágrafos 4º, 6º, 7º, 8º e 9º da LOM, também em consonância com o
artigo 231 do Regimento Interno da Câmara Municipal, determina:
36
Art. 31. [...]
§ 4º Comunicado o veto, a Câmara Municipal apreciá-lo-á dentro de 30
(trinta) dias, contados da data do seu recebimento, em discussão única
e votação nominal aberta, mantendo-se o veto quando este não obtiver
o voto contrário da maioria absoluta dos membros da Câmara.
[...]
§ 6º Rejeitado o veto, o projeto de lei retornará ao Prefeito para
promulgação.
§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de 48 (quarenta e oito) horas,
pelo Prefeito Municipal, nos casos dos parágrafos 3º e 5º, o Presidente
da Câmara Municipal a promulgará e, se este não o fizer em igual prazo,
caberá ao Vice-Presidente fazê-lo.
§ 8º Quando se tratar de rejeição de veto parcial, a lei promulgada
tomará o mesmo número da original.
§ 9º A publicação de leis, decretos legislativos e resoluções dar-se-á no
prazo máximo de 15 (quinze) dias após a sua promulgação.
Comunicado formalmente da rejeição do veto, manteve-se inerte o Prefeito
Municipal, restando ao Presidente do Legislativo a promulgação da matéria, que se converteu na
Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996, publicada no Jornal Oficial do Município,
edição nº 13.544, de 26.10.1996, fls. 7.
6.1 A declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996
Em fevereiro de 2007, o Prefeito do Município de Londrina, na condição
de legitimado ativo, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná, com pedido de medida liminar inaudita altera pars em face da Câmara
Municipal de Londrina, postulando a suspensão dos efeitos da Lei Municipal nº 6.825/96, até o
julgamento final da ação.
Em maio de 2007, o Desembargador Ivan Bortoleto deferiu a medida liminar
pleiteada e encaminhou cópia dos autos à Câmara Municipal para que fossem prestadas as
informações que julgasse necessárias.
Finalmente, em maio de 2008, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
proferiu o acórdão nº 8650, que por unanimidade de votos julgou procedente a ação para declarar a
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996, editada e promulgada
pela Câmara Municipal de Londrina, conforme abaixo:
Acórdão 8650.Julg. 30/05/2008, decisão unânime, DJ 7639. DECISÃO:
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes do Órgão Especial
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em
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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera
julgar procedente a presente ação para declarar a inconstitucionalidade da
Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996, editada e promulgada
Câmara Municipal de Londrina. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO LEGISLATIVO - LEI
MUNICIPAL DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO - USURPAÇÃO PELO PODER LEGISLATIVO - VÍCIO DE
INICIATIVA ISENÇÃO DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS MUNICIPAIS
- OFENSA AOS ARTIGOS 7º E 87, INCISO IV C/C 133, INCISO III,
DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL CARACTERIZADA PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
1. A teor do disposto no artigo 133 da Constituição Estadual, a iniciativa para
apresentar projetos de lei à Câmara Municipal que versem sobre finanças
e orçamento do município está reservada ao Prefeito Municipal, ficando a
cargo do Poder Legislativo da municipalidade exercer o controle externo do
Executivo, e não se imiscuir em matérias que fogem à sua competência. 2.
Ação direta de inconstitucionalidade procedente.
Assim, por meio do controle repressivo do Poder Judiciário, foi declarada
eivada do vício da inconstitucionalidade formal a Lei Municipal nº 6.825/1996, restabelecendo
as devidas competências dos Poderes Executivo e Legislativo, preservando a norma superior
concernente à separação dos poderes.
7 CONCLUSÃO
O ordenamento jurídico brasileiro, que tem a Constituição Federal como
norma fundamental, estabeleceu mecanismos suficientes para coibir à afronta do texto supremo
por normas infraconstitucionais, sejam federais, estaduais, distritais ou municipais.
Nesse sentido, o Princípio da Supremacia da Constituição Federal se apresenta
como um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, pois ao submeter às normas
infraconstitucionais aos preceitos constitucionais, efetivamente está realizando a premissa
máxima da Constituição Federal como norma fundamental.
O estudo do caso concreto objeto deste artigo demonstra que os mecanismos
legais necessários ao controle a ser exercido sobre os atos que pretendam se sobrepor aos princípios
constitucionais constituem-se em ferramentas adequadas e eficientes.
Contrariamente ao que se apregoa a respeito da morosidade do Poder Judiciário,
o administrador público que, mesmo plenamente consciente dos vícios constantes na Lei nº 6.825/96
— até porque apôs seu veto ao projeto que lhe deu origem — demorou mais de dez anos para propor
ação declaratória de inconstitucionalidade à matéria, que foi julgada em pouco mais de um ano.
Relativamente ao processo legislativo, o estudo demonstrou que, em nome
de uma suposta “soberania” atribuída ao Plenário das Casas Legislativas, estudos técnicos de
fundamental importância, desenvolvidos para subsidiar as discussões das matérias em pauta, por
muitas vezes são desprezados pelos legisladores, onerando os cofres públicos, assoberbando os
órgãos judiciais e promovendo o inchaço do ordenamento jurídico infraconstitucional, com a
aprovação de diplomas legais maculados por vícios insanáveis.
Mais preocupante ainda se apresenta tal situação quando verificamos que
inúmeros projetos de lei aprovados e convertidos em leis contrariam dispositivos editados pelas
próprias Casas Legislativas.
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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina
REFERÊNCIAS
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Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco – 5 ed. rev. e atual – São Paulo: Saraiva, 2010
DONIZETTI, Elpídio. Ações constitucionais – 2. ed. rev., amp. e atual. até a Lei 12.120
de 15 de dezembro de 2009, bem como pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. São
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed., revista, atualizada e
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LONDRINA. Lei Orgânica do Município de Londrina. Promulgada em 5 de abril de
1990. Londrina: 1990.
LONDRINA. Regimento Interno da Câmara Municipal de Londrina. Resolução nº 6, de
1º de julho de 1993. Londrina: 1993.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
38
MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de
Segurança e ações constitucionais. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes,
Inocêncio Mártires Coelho, Pulo Gustavo Gonet Branco. – 5. ed. revista e atualizada. São
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MENDES, Gilmar Ferreira. Novos Aspectos do Controle de Constitucionalidade
Brasileiro. Revista Direito Público, Brasília, DPU nº 27, maio-junho/2009.
_________________. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio
Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 2. ed. revista e atualizada. São Paulo:
Saraiva: 2008.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. Ed. Coimbra: Coimbra, 1981.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
PARANÁ. Constituição do Estado do Paraná (1989). Curitiba: Imprensa Oficial, 2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 ed. São Paulo:
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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional – 8 ed. rev. e atual. – São
Paulo: Saraiva, 2010.
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Revista Jurídica da Unifil - 08.indb 38
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Anderson de Azevedo, Indianara Pavesi Pini Sonni
A TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS: Uma análise da coisa
julgada nas ações coletivas à luz da concepção normativista de
relação jurídica
Anderson de Azevedo12*
Indianara Pavesi Pini Sonni13*
RESUMO
Devido ao caráter de imprescindibilidade dos interesses transindividuais, cuja presença é notória
diante das características reinantes na sociedade hodierna, o processo civil vem se remodulando
no sentido de atribuir aos direitos coletivos uma tutela hábil e efetiva. Nesse traslado (do
individual para o coletivo) desponta uma série de celeumas, principalmente no que tange a alguns
institutos como a legitimidade e a coisa julgada. Todavia, vislumbrando tais assuntos sob a ótica
da estrutura da relação jurídica normativista de direito material, restam pacificadas todas as
discussões suscitadas, vez que, não há o que se falar em regime diferenciado, mas sim, em uma
análise adequada, de acordo com a concepção da relação jurídica que engloba a norma jurídica,
a qual impõe o dever ser e o sujeito do direito. De toda a sorte, ao estudar a tutela jurisdicional
coletiva, deve-se direcionar a sua disciplina visando à concretização da instrumentalização do
processo na seara dos interesses transindividuais, uma ferramenta que viabiliza os escopos da
Jurisdição.
PALAVRAS-CHAVE: Transindividuais; Coisa Julgada; Relação Jurídica Normativa.
THE TUTELAGE OF TRANSINDIVIDUAL INTERESTS AND THE ACCESS TO
JUSTICE: An analysis of res judicata in the collective actions from the viewpoint of
normative conception of juridical relationship
39
ABSTRACT
Due to the nature of the indispensability of transindividual interests, whose presence is remarkable
before the prevailing characteristics in today’s society, the civil case has been remodeling in order
to assign to the collective rights a skilled and effective tutelage. In this transfer (individual to the
collective) emerge a series of uproars, especially in regard to some institutes such as the legitimacy
and res judicata. However, glimpsed such matters from the viewpoint of the structure of the
normative juridical relationship of substantive law, remain pacified all the raised discussions,
since, there is nothing to speak of differentiated regime, but in a proper analysis, according to
conception of the legal relationship which includes the legal rule, which imposes an “ought”,
and the subject of law. Of any sort, studying the collective jurisdictional tutelage, one should be
directed to your discipline aimed at the implementation of the instrumentalization of the process
in the harvest of transindividual interests, is a tool that enables the scopes of jurisdiction.
KEYWORDS: transindividual; Res judicata; Normative Juridical Relationship.
12* Mestrando em Direito (UEL). Professor (UNIFIL). Advogado.
13* Mestranda em Direito (UEL). Especialista em Direito (PUC). Advogada.
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A Tutela dos Interesses Transindividuais: Uma Análise da Coisa Julgada nas Ações Coletivas à Luz da Concepção Normativista de
Relação Jurídica
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO
DA TUTELA JURISDICIONAL TRANSINDIVIDUAL. 3 A CONCEPÇÃO DO PROCESSO
TRADICIONAL E A CONJUNTURA DO PROCESSO COLETIVO. 4 O REGIME JURÍDICO
DA COISA JULGADA À LUZ DA PERSPECTIVA NORMATIVISTA DE RELAÇÃO
JURÍDICA. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
40
1 INTRODUÇÃO
Rudolph von Jhering, inaugurando a clássica obra A Luta pelo Direito, registrou
que a paz é o fim que o direito tem em vista,a luta é o meio de que se serve para o conseguir
(JHERING, 1986, p. 01). Desde os tempos arcaicos da civilização helênica, quando a Lei
Draconiana suprimiu a vindita pessoal14, ao Estado é atribuída a tarefa de proporcionar eqüidade
e justiça ao corpo social. E assim, sob diferentes concepções, o direito vem se adaptando, como
instrumento de organização social, às diversas formas de exercício de poder.
Modernamente, esse incessante combate tem dentre seus principais objetivos
garantir aos integrantes da sociedade uma forma segura da construção do Estado Democrático de
Direito. As cartas constitucionais têm procurado inserir instrumentos que propiciem a consecução
dessa finalidade, geralmente com remédios processuais que passaram a fazer parte do rol de
direitos e garantias individuais e coletivos, como ocorreu no art. 5º do nosso Texto Constitucional
de 1988.
Conforme ensina Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (CARNEIRO, 2003,
p. 48-49), a Constituição Federal de 1988, “consagrando e alargando o âmbito dos direitos
fundamentais, individuais e sociais, prevendo a criação de mecanismos adequados para garantilos”, e, especificamente no que se refere ao acesso à justiça previu a (...) “criação de novos
instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos”, por exemplo, o mandado de segurança
coletivo (art. 5º, LXX), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), a ação civil pública (art. 129, III),
dentre outras conquistas, como a “reestruturação do Ministério Público, como órgão essencial à
função jurisdicional do Estado, conferindo-lhe atribuições para a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses coletivos e sociais (art. 127, caput, e 129).”
Além desses dispositivos constitucionais, o inciso XXXV, do mesmo art. 5º,
reza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito,” abrindo
as portas institucionais para a proteção da mais ampla gama de interesses.
Assim, a tutela dos interesses transindividuais coletivos é um dos pressupostos
para consecução dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito. E, pragmaticamente,
a eficácia da sentença proferida em uma demanda coletiva é um dos mais poderosos instrumentos
para a consecução dessa finalidade, já que propiciará a um maior número de interessados
(legitimados individuais), o benefício da decisão judicial.
Dessa forma, denota-se a relevância do estudo dos efeitos da coisa julgada das
ações envolvendo interesses transindividuais, como expressão à instrumentalidade do processo,
ao que esse excerto se propõe.
148 As Leis de Drácon, de 621 a.C, no início do período de formação da cidade-Estado ateninense, trouxeram profundas transformações
ao direito antigo. Dentre essas inovações, vemos a eliminação da possibilidade do ofendido exercer pessoalmente a vingança
pessoal como forma de sancionamento da conduta infracional. É uma fase de institucionalização da jurisdição, que no modelo
grego foi extremamente participativa, contando com juízos e tribunais populares.
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Anderson de Azevedo, Indianara Pavesi Pini Sonni
2 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA TUTELA
JURISDICIONAL TRANSINDIVIDUAL
O desenvolvimento de pesquisas sobre as relações jurídicas, envolvendo os
interesses transindividuais, isto é, aqueles que transcendem ao individual e atingem uma ampla
gama de indivíduos, que pela simples análise do seu conceito se diferem dos interesses individuais,
vem exigindo, paralelamente, uma releitura e uma reformulação do processo, como forma de
atender às suas peculiaridades. Como consectário da sociedade de massa, reinante no século XXI,
mais competitiva, padronizada e globalizada, faz-se imprescindível pesquisar e compreender
os novos paradigmas de tutela desses interesses, mais suscetíveis das lesões ocorrentes nessa
sociedade contemporânea.
Marinoni e Arenhart (MARINONI/ARENHART, 2006, p.719) prescrevem
que o surgimento dessa nova categoria de direitos exigiu que o processo civil fosse remodelado
para atender adequadamente as necessidades da sociedade contemporânea. No mesmo sentido
preleciona Mancuso (2007, p.08):
O limiar do terceiro milênio exibe uma sociedade massificada,
competitiva, espraiada por um mundo globalizado, o que acarreta
alterações profundas no tripé do Direito Processual – ação, processo e
jurisdição – e de outro lado vai tornando defasadas antigas concepções,
ligadas a um outro tempo.
O processo, de acordo com os ensinamentos de Candido Rangel Dinamarco,
(2008, p.177) é um instrumento, sendo que “todo instrumento como tal é meio; e todo meio é
tal e se legitima em função dos fins que se destina”. O processo é uma ferramenta a serviço da
jurisdição, sendo os seus escopos, sociais, políticos e jurídicos.
Moacyr Amaral Santos (2004, p.269-270) também concebe o processo dentro
dessas duas vertentes: “processo é a operação por meio da qual se obtém a composição da lide,
é o meio de que se vale o Estado para exercer a sua função jurisdicional”, e como operação, “o
processo se desenvolve em uma série de atos”.
Nessa esteira, sendo o processo um instrumento de concretização dos fins
jurisdicionais, destacando, nesse momento, a pacificação das lides, tais escopos se concretizam,
com muito mais ênfase, no âmbito coletivo, onde os conflitos a ser solucionados e pacificados
pelo processo são mais ostensivos, e como já frisado, extrapolam a esfera do individual.
Mencionam Didier e Zaneti que os processos coletivos servem a “litigação de
um interesse público,” eis que se destinam às demandas que englobam “para além dos interesses
meramente individuais, aqueles referentes à preservação da harmonia e à realização dos objetivos
constitucionais da sociedade e da comunidade” (DIDIER/ZANETI, 2009, p.28).
O subsistema do processo coletivo possui objetivos e instrumentos inerentes
aos interesses tutelados, como defende Zavascki (2007, p.24):
41
Trata-se de um subsistema com objetivos próprios (a tutela de direitos
coletivos e a tutela coletiva de direitos) que são alcançados a base
de instrumentos próprios (ações civis públicas, ações civis coletivas,
ações de controle concentrado de constitucionalidade, em suas várias
modalidades), fundados em princípios e regras próprios, o que confere
ao processo coletivo uma identidade bem definida no cenário processual.
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A Tutela dos Interesses Transindividuais: Uma Análise da Coisa Julgada nas Ações Coletivas à Luz da Concepção Normativista de
Relação Jurídica
Diante da “proliferação ou multiplicação dos direitos,” fenômenos difundidos
por Norberto Bobbio (2004, p.83), o processo se consagra como uma forma efetiva de solucionar
conflitos, atribuindo os mais diversos “direitos” aos seus respectivos detentores, de acordo com
os postulados de Justiça.
Ainda, o processo, além de ser um instrumento de concretização dos escopos
jurisdicionais, é um meio de consubstanciar o preceito fundamental, previsto na Constituição
da República, do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), o qual indica, além do direito de aceder aos
tribunais, a prerrogativa de alcançar a efetividade da tutela, norteado pela garantia do devido
processo legal. Mauro Cappelletti (1988, p.20), em seu estudo sobre o acesso à Justiça, identificou
como as “soluções práticas para os problemas de acesso à Justiça”, além da assistência judiciária
e da representação em juízo, a “representação dos interesses difusos”.
Assim, denota-se que, além do processo coletivo ser um meio de efetivação
da tutela jurisdicional transindividual, é um instrumento, ainda mais dinâmico e efetivo, de
consolidar os escopos da jurisdição, devido às peculiaridades dos interesses metaindividuais, que,
como já frisado, se constituem por ser mais abrangentes e complexos. Trata-se, também, de um
meio de ampliar e aprimorar a efetividade da tutela jurisdicional.
3 A CONCEPÇÃO DO PROCESSO TRADICIONAL E A CONJUNTURA DO PROCESSO
COLETIVO
42
A estrutura do processo clássico (individualista), cujo assunto e interesses
pertencem exclusivamente à tradicional conjuntura triangular (autor, juiz e réu) e à concepção de
relação de direito material pelo ordenamento adotado, não se coadunam com as particularidades
dos interesses transindividuais, o que suscita uma inadequação de alguns institutos processauis
com a solução das lides de cunho coletivo.
Acerca dessas disparidades, é interessante transcrever o posicionamento de
Mauro Cappelletti (1988, p.49-50):
A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a
proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto
entre duas partes que se destinava a solução de uma controvérsia entre essas
mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que
pertencem a um grupo, ao público em geral ou à um segmento do público não
se enquadrava bem nesse esquema. As regras determinantes de legitimidade,
normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar
as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.
Mancuso, em nota introdutória de uma de suas obras, apresenta uma análise da
sistemática dos sistemas, individual e coletivo, fazendo uma contraposição entre ambos. Segundo
o mencionado autor, na jurisdição singular, o juiz sopesa, inicialmente, se há identidade entre o
autor e o sujeito que, “no plano material, aparece em situação de vantagem, bem como se coincide
o réu e aquele em situação de sujeição.” Posteriormente a tal juízo de admissibilidade, procura no
ordenamento jurídico a fórmula para a solução do conflito. Contudo, esse clássico método não se
coaduna com os conflitos de caráter coletivo. Prossegue o autor (MANCUSO, 2007, p.20):
Esse tradicional sistema, provindo das fontes romanas, todavia, hoje já
não se acomoda confortavelmente aos mega-conflitos que assomam ao
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judiciário concernindo a um número importante ou até indeterminado
de sujeitos que, não raro, agitam interesses não especificamente
positivados, inviabilizando a redução do caso aos esquemas tradicionais
de litisconsórcio, notadamente ante a sinalização de que este não pode
ser muito numeroso (parágrafo único do art. 46 do CPC).
Dessa forma, a tutela dos interesses transindividuais exige uma nova postura
do ordenamento jurídico, para que, também no que tange aos direitos coletivos, o processo possa
ser um instrumento efetivo de concretização dos objetivos jurisdicionais.
Luiz Fernando Bellinetti (2000, p.125) tem o seguinte entendimento:
A concepção tradicional de relação jurídica enfoca o Direito como
uma forma de proteger direitos subjetivos individuais, tendo sido o
supedâneo para o desenvolvimento de todo o direito processual civil
moderno.
Essa circunstância tem levado a inúmeros problemas relativamente às
ações coletivas, pois parece-me que quando se trata de tutela jurisdicional
coletiva, essa concepção de relação jurídica é absolutamente inadequada
para enfrentar as questões existentes, o que induz, consequentemente,
a inadequação dos institutos e conceitos processuais tradicionais para
solucionar os litígios de índole coletiva.
O autor acima aludido, no artigo direcionado às ações coletivas (BELLINETTI,
2000, p.125), desenvolve uma ideia distinta de relação jurídica material da preponderante no
ordenamento pátrio, a qual está mais adequada aos interesses individuais, vigorando a preocupação
com os direitos subjetivos das pessoas envolvidas. Para o autor, as normas não devem ser dirigidas
aos sujeitos, mas sim a “preservar determinados bens ou valores que interessam a um grupo
(determinado ou indeterminado) de pessoas, estatuindo o dever jurídico de respeito a esses bens
ou valores”.
Essa concepção de relação jurídica foi difundida há um tempo longínquo por
Hans Kelsen (1881-1973). Kelsen define a relação jurídica como decorrência do dever-ser imposto
pela norma (KELSEN, 2003, p. 67). A relação jurídica é estabelecida entre a norma jurídica e o
sujeito do direito, quando impõe o dever ser. Quando esse indivíduo não observa a condição
jurídica imposta pela norma, nasce a consequência jurídica (ou consequência antijurídica), as
quais são entrelaçadas por meio da imputação “reconhecida pela Teoria Pura do Direito como
legalidade particular do direito”.
Kelsen (2003, p. 67) deixa bem claro a sua concepção de relação jurídica
transcendental no seguinte trecho: “A conseqüência jurídica (antijurídica) será atribuída à
condição jurídica. Este é o sentido do enunciado: alguém é punido “por causa” de um delito, a
execução ao patrimônio de alguém é “por causa” da falta de pagamento da dívida”.
Para Kelsen, o conteúdo das normas jurídicas não é formado pelas pessoas ou
pelos indivíduos, mas sim, por suas condutas, por suas ações ou por suas omissões, de maneira
que, essas ideias de norma tem efeito na definição de relação jurídica, “não como relação entre o
sujeito do dever e o sujeito do direito, mas como relação entre um dever jurídico e o direito reflexo
que lhe corresponde” (KELSEN, 2003, p.183).
Essa percepção de relação jurídica, na seara dos interesses transindividuais,
sanaria algumas divergências existentes no exame de alguns institutos do processo coletivo,
como, por exemplo, as questões sobre os limites subjetivos da coisa julgada, eis que aqui, o
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processo não engloba apenas um sujeito em cada polo, mas sim, uma coletividade indeterminada
ou determinável de partes, bem como a questão da titularidade dos direitos e a legitimidade ativa.
A cominação do dever jurídico pelo ordenamento jurídico acarretaria em uma
perspectiva distinta dos conceitos de titularidade e legitimidade. Como preleciona BELLINETTI
(2000, p.129) na difusão dessa tese, no âmbito dos interesses transindividuais, “titular é quem
pode exigir o cumprimento do dever jurídico”, ao passo que a legitimidade, a qual é decorrente
do sistema jurídico (imposição de um dever), é “o poder conferido pelo ordenamento jurídico
para influir na criação ou aplicação da norma (ativa), ou para sujeitar-se ao poder jurídico nela
estatuído (passiva)”.
Nessa esteira, o dissenso concernente a legitimidade ativa nas ações coletivas,
(legitimidade extraordinária15 ou mesmo substituição processual16) resta sanado. Analisando
a estrutura da relação jurídica, propagada inicialmente por Kelsen, e resgatada por Bellinetti,
os detentores da legitimidade nas ações coletivas serão aqueles previstos pela norma para o
implemento da obrigação jurídica (passiva) ou para participarem da incidência da norma (ativa).
Isso porque, a legitimidade no âmbito dos interesses transindividuais não será definida através
da relação jurídica, vislumbrada com um sujeito ativo e sujeito passivo em torno de determinada
obrigação (ou dever). No caso da tutela coletiva a legitimidade ativa e passiva será decorrente
do próprio ordenamento, isto é, a relação será caracterizada pelo “ordenamento impondo o dever
jurídico de respeito a determinados interesses do grupo social” (BELLINETTI, 2000, p.128).
Desta feita, não há o que se falar em legitimidade extraordinária ou substituição
processual. Através da incidência da concepção de relação jurídica ora abordada, no âmbito da
tutela coletiva, denota-se que terão legitimidade ativa aqueles a quem o ordenamento confere
poder para promover a criação ou subsunção da norma, ao passo que, a legitimidade passiva, se
traduz na sujeição ao dever jurídico prelecionado pela norma.
Importante ressaltar, todavia, que a perspectiva de relação jurídica, tratada
nesse apanhado, refere-se à relação de direito material, e não a relação processual, cuja estrutura
permanece a mesma no âmbito das ações coletivas.
4 O REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA À LUZ DA PERSPECTIVA
NORMATIVISTA DE RELAÇÃO JURÍDICA
Uma ação é coletiva quando, entre outros aspectos, engloba os interesses de
membros ausentes ao processo. A sentença nas ações coletivas deve ter efeitos obrigatórios para
além das partes. O caráter abrangente da coisa julgada é um elemento essencial do procedimento
de uma ação coletiva e uma nota diferenciadora desse sistema em relação ao processo, em
sua concepção clássica. Assim, a doutrina da coisa julgada é, provavelmente, o elemento mais
importante de qualquer legislação sobre ação coletiva.
A ideia que se propala é que uma sentença limitada aos sujeitos processuais,
presentes no tribunal, seria um obstáculo à essência fundamental do processo coletivo.
Nesse sentido, pondera Mancuso (2004, p.266) que, quando as situações
que transcendem a esfera do individual exigem uma tutela do ordenamento jurídico, o direito
15Marinoni preleciona que a lei processual brasileira concebe para as ações coletivas, um sistema de legitimação extraordinária
atribuindo a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos a determinados organismos que supõe-se tenham
condições de adequadamente protegê-los.
16Zavascki, por sua vez, difunde que tratando-se de direitos difusos ou coletivos (sem titular determinado), a legitimação ativa é
exercida, invariavelmente, em regime de substituição processual.
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processual tradicional “parece carecer de instrumentos hábeis e eficazes, servindo de exemplo
o que se passa com a coisa julgada nos conflitos intersubjetivos, a qual opera como ‘lei entre
as partes’, o que a torna inadequada para imunizar a decisão de mérito proferida nos conflitos
metaindividuais”.
A questão que instiga o debate é a seguinte: o art. 103 e 104 do Código de
Defesa do Consumidor17 modificou, efetivamente, o regime dos limites subjetivos da coisa julgada
do art. 472 do Código de Processo Civil? Será que a fixação dos sujeitos processuais como limites
da autoridade da sentença são efetivos óbices para o alcance das finalidades das ações coletivas
e, em última instância, um obstáculo para a garantia da instrumentalização do processo e do
atingimento das finalidades da jurisdição coletiva?
Apesar de serem relativamente recentes as alterações promovidas no sistema
processual brasileiro acerca das ações coletivas, contando aproximadamente com 21 (vinte e um)
anos (lei n.º 8.078/90 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor), as transformações no
modelo de organização social, e os reflexos dessas transformações no processo, vêm atraindo o
olhar sensível de notáveis juristas.
Antonio Gidi, em sua obra Coisa Julgada e Litispendência nas Ações Coletivas,
faz uma citação (LIEBMAN apud GIDI, 1995, p. 13) de Liebman, reputando-a profética. Segundo
registrou o jurista italiano, em sua obra Eficácia e autoridade da sentença, datada de 1945:
O princípio que limita às partes a autoridade da coisa julgada sempre
comportou exceções, que a doutrina procurou justificar com maior ou menor
acerto. Nestes últimos tempos, importantes correntes da doutrina esforçaramse por alargar o âmbito de extensão da coisa julgada e, em alguns casos, até
por quebrar o clássico princípio, invalidando praticamente os seus efeitos. Não
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estaria, talvez, errado quem visse, nessas correntes, um reflexo, provavelmente
inconsciente, da tendência socializadora e antiinvidividualista do direito,
que vem abrindo caminho em toda parte. O homem já não vive isolado na
sociedade. A atividade do indivíduo é de maneira crescente condicionada pelas
atividades dos seus semelhantes; aumenta a solidariedade e a responsabilidade
de cada um e seus atos se projetam em esfera sernpre maior.
Em análise ao estudo da disciplina da coisa julgada nas ações coletivas, a
primeira indagação que exsurge é: há um novo regime jurídico da coisa julgada? É possível dizer
que a coisa julgada produzida no processo coletivo obedece a uma sistemática diferenciada em
relação à coisa julgada conseqüente da tutela individual?
Visualizando um novo regime jurídico para a coisa julgada no âmbito
metaindividual, Ronaldo Lima dos Santos (2006, p. 43) asserta que:
A imbricação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da
Ação Civil Pública, conferiu uma sistematização aos diversos aspectos
da tutela coletiva, e, com o Código de Processo Civil operando como
pano de fundo e fonte subsidiária formaram um verdadeiro circuito
17Dispõe o art. 103 do CDC: “Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I – ‘erga omnes’, exceto
se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação,
com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;II – ‘ultra partes’,
mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior,
quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;III – ‘erga omnes’, apenas no caso de procedência
do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano VIII - nº 8
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de integração e complementaridade, delineando um “microssistema
processual coletivo”, cujas normas e princípios são aplicáveis a qualquer
demanda cujo objeto consista na tutela de interesses transindividuais.
Realmente, além de conferir contornos mais precisos à ação civil pública,
o Código de Defesa do Consumidor redefiniu a regulamentação de uma série de institutos
processuais, disciplinados, ordinariamente, pelo Código de Processo Civil, adaptando-os às
peculiaridades dos conflitos de massa.
Assim, para alguns doutrinadores, o CDC concedeu um regime específico à
coisa julgada, o que, para um segmento considerável da doutrina, afastou-o da tradicional regra do
art. 472 do CPC. Há quem afirme, de forma exagerada, como, por exemplo, Luciana de Oliveira
Leal, em seu artigo Coisa Julgada nas Ações Coletivas, que a sistemática do Código de Processo
Civil é incompatível com direitos desta natureza, tendo cedido lugar à disciplina própria da
matéria, pelo Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Civil Pública, dadas a relevância e
a amplitude dos direitos coletivos.
Contudo, tal posicionamento, ao que consta, não é uníssono. Ada Pelegrini
Grivover, que coordena os estudos para elaboração de um dos anteprojetos do Código de Processo
Civil Coletivo, é mais comedida quando comenta a amplitude das regras relativas à coisa julgada
nas ações coletivas. Para a jurista (GRINOVER, 2002, p. 903):
46
O regime da coisa julgada oferece peculiaridades nas ações coletivas, E
isso porque, de um lado, a própria configuração das ações ideológicas —
em que o bem estar pertence a uma coletividade de pessoas — exige, peb
menos até certo ponto, a extensão da coisa julgada ultra partes; mas, de
outro lado, a limitação da coisa jutgada às partes é princípio inerente ao
contraditório e à ampla defesa, na medida em que o terceiro, juridicamente
prejudicado, deve poder opor-se à sentença desfavorável proferida inter,
aliás, exatamente porque não participou da relação jurídico-processual.
Marinoni e Arenhart, destacando que a disciplina da coisa julgada em relação
às ações coletivas no direito brasileiro é dada, seja para direitos coletivos, seja para difusos ou
ainda individuais homogêneos, pelos artigos 103 e 104 do CDC, com consonância com as regras
previstas na Lei da Ação Civil Pública, registra que não é possível afirmar que perdura um novo
regime da coisa julgada. Partindo da premissa que, a autoridade da coisa julgada, tecnicamente,
não opera efeitos erga ornnes, mas são os efeitos da sentença que atingem terceiros para beneficiálos em caso de procedência do pedido do autor coletivo, os doutrinadores são reticentes no sentido
de destacar a coisa julgada coletiva como uma nova categoria, sob um novo regime, registrando
apenas a existência de particularidades do instituto, quando inserido no contexto da tutela coletiva.
Por fim, anotam que (MARINONI/ARENHART, 2006, p. 743-744):
Na verdade, bem observada a disciplina da questão, nota-se que nenhuma
particularidade (exceto pela questão da possibilidade de propor nova
ação mediante prova nova, em caso de improcedência por falta de prova)
tem ela em relação ao trato comum da coisa julgada no direito brasileiro.
Em essência, não é a coisa julgada que opera efeitos erga omnes, e sim
os efeitos diretos da sentença. (..) Sabendo compreender corretamente
a disciplina da coisa julgada da ação individual, a disciplina da coisa
julgada coletiva é, praticamente, intuitiva.
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Em complemento, quanto ao registrado pelo insigne jurista, não se trata
de atribuir, em caráter excepcional, um efeito erga omnes à coisa julgada, como propalado
ordinariamente por considerável segmento da doutrina, e sim compreender que a decisão
judicial na ação coletiva, uma vez transitada em julgado, beneficia a todos os titulares dos
interesses em jogo: a) como consectário do efeito natural da sentença, que repercute na esfera
jurídica desses indivíduos; b) e como expressão da autoridade da decisão judicial que vincula
o réu.
O que muda em relação ao que se tem ordinariamente proferido é a perspectiva
da análise do objeto. Se a análise da relação jurídica base envolver os interesses coletivos sob o
espectro tradicional, concebendo-a como um liame intersubjetivo que vincula o titular do direito
violado ao seu ofensor, os problemas a superar na seara processual serão muitos, como, por
exemplo, a inadequação do regime jurídico da coisa julgada prevista no art. 472, do Código de
Processo Civil. Esse “problema” é desconstruído a partir da análise da relação jurídico sob o
prisma normativista.
Em outras palavras, o dissenso sobre os limites subjetivos da coisa julgada
material nas ações coletivas resta apaziguado com a adoção da estrutura da relação jurídica
propagada inicialmente por Kelsen, e difundida, na seara dos direitos transindividuais por
Bellinetti.
Adotando-se essa postura, o detentor da legitimidade passiva será aquele a
qual é destinado o dever jurídico. Assim, os efeitos subjetivos da coisa julgada se estendem a
quem é destinado o dever jurídico, imposto pela norma, ou seja, o réu da ação. Por conseguinte, se
o sujeito passivo da relação jurídica processual tornou-se, definitivamente, vinculado ao comando
sentencial, por força da autoridade da coisa julgada material, há um lógico impedimento que ele
volte a discutir a mesma matéria em outro feito. O efeito natural da sentença, portanto, será o
benefício que todos os titulares daquele mesmo interesse em juízo terão com a sentença propalada.
Portanto, nenhum regime jurídico novo há em relação ao sistema adotado pelo
Código de Processo Civil, quando analisamos os limites subjetivos da coisa julgada coletiva sob
a ótica normativista kelseniana. Esse parece também ser o entendimento de Eduardo Talamini
(TALAMINI, 2004):
47
O fundamental é que o réu da ação coletiva em questão não se possa
subtrair da autoridade da coisa julgada da sentença de procedência,
inclusive quando demandado subseqüentemente pelo legitimado
individual. Mas para se assegurar tal resultado, basta o regime normal
da coisa julgada: o réu da ação coletiva foi parte naquele processo;
portanto, mesmo pelos parâmetros tradicionais, já está adstrito à coisa
julgada lá formada, ainda quando ela seja invocada pelo legitimado
individual que não participou do processo coletivo.
Nesse sentido, têm-se entendido, até com relativa univocidade, que o regime
jurídico da coisa julgada coletiva foi concebido atendendo-se a essa necessidade de propiciar
ao maior número de pessoas possíveis, os benefícios de uma sentença de procedência que
envolva interesses transindividuais. Assevera-se que os modelos propostos para disciplinar as
ações coletivas preceituam uma regulamentação diferenciada, a qual gera divergências no que
tange a subsunção de tais preceitos ao caso concreto. Melhor seria, talvez, em uma análise mais
aprofundada, adotar a estrutura de relação jurídica propagada por Kelsen, abalizada na imposição
do dever jurídico ao sujeito passivo, e se perfaz entre o ordenamento jurídico e o sujeito.
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Mais uma vez, reitera-se a concepção de relação jurídica do referido autor:
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Do ponto de vista de uma concepção que encare o Direito como norma
ou sistema de normas, porém, o direito subjetivo não pode ser um
interesse – protegido pelo Direito – mas apenas a proteção ou tutela
deste interesse, por parte do direito objetivo. E esta proteção consiste
no fato de a ordem jurídica ligar a ofensa desse interesse a uma sanção,
quer dizer, no fato de ela estatuir o dever de não lesar o interesse.
(KELSEN, 1998, p. 148-149)
Assim, não significa afirmar, necessariamente, que o regime jurídico da coisa
julgada foi recriado. A questão é de ordem científica e acadêmica: o posicionamento aqui defendido
objeta com a tese de que o Código de Defesa do Consumidor instituiu um regime novo da coisa julgada
e que o instituto, conforme regulado pelo Código de Processo Civil, previsto no sistema tradicional,
clássico ou individual, é insubsistente para regular as relações jurídicas de natureza coletiva.
Esse excerto demonstra que a teoria da coisa julgada, consubstanciada nas
disposições do Código de Processo Civil, é exatamente a mesma teoria que explica esse fenômeno
no plano coletivo, o qual, vislumbrado sob a ótica da relação jurídica normativista, não acarreta
quaisquer celeumas, inclusive, especificamente, no que diz respeito aos seus limites subjetivos,
bastando um redimensionamento, sob a ótica normativista kelseniana, segundo a qual, os benefícios
da coisa julgada da decisão judicial proferida nas ações coletivas, atingirão os interessados por
intermédio dos efeitos naturais da sentença.
Como defendido, e já exposto neste trabalho, disciplinar as ações coletivas,
principalmente no que tange a doutrina da coisa julgada, de modo a dotá-las de eficácia é de
salutar importância, para que, também na seara dos interesses transindividuais, devido as suas
peculiaridades já mencionadas nesse trabalho, seja efetivado o acesso à Justiça, em sua mais
ampla acepção.
5 CONCLUSÃO
Por todo o exposto, denota-se que a regulamentação das ações coletiva,
especialmente no que tange ao regime da coisa julgada, de forma a consubstanciar os mais
diversificados interesses transindividuais, revela-se imprescindível. De toda a forma, ao adotar
qualquer disciplina dos interesses metaindividuais, deve-se ter como premissa fundamental o
acesso à Justiça, isto é, a tutela mais adequada dos interesses que transcendem a esfera do individual
é aquela que consubstancia, de forma efetiva, a disposição do art. 5º, XXXV da Constituição
da República, como pondera Mancuso (2004, P. 268) ao afirmar que “esta última proposta – a
‘adaptação criativa’ do arsenal processual existente às novas exigências surgidas com o Acesso à
Justiça dos interesses metaindividuais – parece-nos o melhor rumo a seguir”.
Disciplinar a tutela dos interesses transindividuais de forma a concretizar a
garantia fundamental do acesso à Justiça representa não apenas a possibilidade de alcançar a
Justiça enquanto órgão estatal, mas, também, possibilitar o acesso à ordem jurídica justa, efetiva,
pela instrumentalidade processual. Assim, Pedro Lenza (LENZA, 2003, p.), ao iniciar o capítulo
que trata da identificação dos obstáculos “ondas renovatórias e pontos sensíveis” utiliza a
expressão “acesso a ordem jurídica justa” e não “acesso a Justiça”.
Alguns autores já defenderam que, para regulamentar os interesses
transindividuais de forma efetiva, deve-se fazer uma análise sistemática dos dispositivos, os quais
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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini
prescrevem os institutos processuais, com os artigos da Constituição Federal, que resguardam
o acesso à Justiça e o devido processo legal (due processo of law). Como exemplo, cita-se
Kazuo Watanabe (WATANABE/GRINOVER, 1984, p.91), que, especificamente no que tange
a legitimidade, preconizou a possibilidade de uma interpretação aberta do art. 6º do Código de
Processo Civil com o inciso XXXV do art. 5º da Lei Maior.
Há um caminho bastante extenso a ser percorrido para disciplinar, de forma
efetiva, os direitos transindividuais, seja por meio do microssistema, seja com a introdução de
um código brasileiro de processo coletivo. Deve-se asseverar que, muito embora haja acentuadas
divergências no que concerne à disciplina dos interesses transindividuais, diante de sua acentuada
relevância e do seu crescimento notório na sociedade atual, a sua regulamentação, de forma a
atribuir eficácia ao processo coletivo, é de extrema urgência, não só para consubstanciar tais
direitos, o que seria o escopo imediato, mas para, também, consagrar a instrumentalização do
processo e a sua efetividade.
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Cristiane Carla Claro Frasson, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA: DA ANÁLISE
CONSTITUCIONAL DA OBRIGATORIEDADE DA SUBMISSÃO
DO DISSÍDIO INDIVIDUAL À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO
PRÉVIA
Cristiane Carla Claro Frasson18*
Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula19*
RESUMO
As Comissões de Conciliação Prévia foram instituídas por força da Lei nº 9.958 de 12 de Janeiro
de 2000. Elas se apresentam como uma outra forma para a solução dos conflitos individuais
do trabalho, cujo objetivo principal é o desafogamento da Justiça do Trabalho, que se encontra
sobrecarregada quanto ao número de processos não liquidados. Assim, criou-se uma discussão
acerca da obrigatoriedade da submissão dos dissídios individuais trabalhistas à Comissão
de Conciliação Prévia antes de impetrar a própria Reclamação Trabalhista. Tem-se alguns
entendimento que o direito de ação fica restringido por essa obrigatoriedade, baseando-se no art.
5º, XXXV, da Constituição Federal, e não poderia desta forma ser considerado como condição
da ação. De outro lado, estão os doutrinadores que relatam ser apenas uma forma extrajudicial
de solução desses conflitos e conseqüentemente ocorreria a diminuição das ações trabalhistas na
Justiça do Trabalho.
PALAVRAS-CHAVES: solução de conflitos; conciliação; comissão de conciliação prévia;
mediação.
51
COMMISSIONS OF PREVIOUS CONCILIATION: of the constitutional analysis
of the compulsory nature of the submission of the individual salary agreement to the
Commission of Previous Conciliation.
ABSTRACT
The Commissions of Previous Conciliation were instituted by force of the Law no. 9.958 of
January 12, 2000. They come with an alternative form for the solution of the individual conflicts
of the work, whose main objective is to drawn off the Justice of the Work, that one find overloaded
comparing to the number of processes unliquidated. Like this, begins a discussion concerning the
compulsory nature of the submission of the individual labor salary agreements to the Commission
of Previous Conciliation before petitioning the own Labor Complaint. It is had some understanding
that the right action is restricted by that compulsory nature, basing on the article 5th, XXXV, of
the Federal Constitution, and it would not be able to this way to be considered as condition of the
action. On another side, there are the masters telling that it’s just a form out side the law to the
solution of those conflicts and consequently it would happen the decrease of the labor actions in
the Justice of the Work.
KEYWORDS: solution of conflicts; conciliation; commission of previous conciliation; mediation.
18* Especialista em Direito do Trabalho (IDCC).
19* Mestre em Direito (UEL). Professora (UNIFIL). Advogada.
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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de
Conciliação Prévia
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. 2.1 Histórico. 2.2 Conceito.
3 DO DIREITO DE AÇÃO E A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. 3.1 Submissão
da Causa Trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia: Faculdade ou Obrigatoriedade? 3.2 A
Relevância da Forma de Conciliação Extrajudicial. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
52
1 INTRODUÇÃO
A Comissão de Conciliação Prévia foi criada pela Lei nº 9.958, de 12 de Janeiro
de 2000, e têm como objetivo a solução de uma forma mais ágil e rápida, por meio da conciliação,
dos conflitos trabalhistas individuais existentes entre os empregados e seus empregadores, sendo
considerada um meio alternativo “privado” extrajudicial, para a solução desses conflitos.
Ocorre atualmente um grande número de acordos que estão sendo homologados
perante as Comissões de Conciliação Prévia e em sua grande maioria, os jurisdicionados não têm
muito conhecimento do funcionamento, vantagens e desvantagens desses acordos.
A necessidade de submeter os conflitos individuais de trabalho à Comissão de
Conciliação Prévia é considerada como condição da ação. Dentro deste contexto, afirma-se que
estaria contrariando o direito de ação, capitulado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. No
entanto, trata-se de um tema que merece um maior aprofundamento, sob pena de negar a própria
existência de novos institutos que vêem ao encontro das necessidades da sociedade, razão pela
qual trata-se de um tópico relevante a ser tratado ao longo deste trabalho.
A obrigatoriedade da submissão do dissídio individual perante a Comissão
tem sido vista como uma norma ditatorial, e não como justificativa para amenizar o volume de
reclamações trabalhistas na Justiça do Trabalho, assim se estabelece uma questão: Comissão de
Conciliação Prévia, solução ou coação? O que há na Constituição Federal do Brasil acerca da
Comissão de Conciliação Prévia?
No decorrer do presente trabalho, após a individualização do objeto, foi feita
a apresentação das formas extrajudiciais de solução dos conflitos individuais trabalhistas, com
suas características, um breve histórico, suas formas de constituição e a natureza jurídica das
Comissões de Conciliação Prévia, e finalizando o trabalho, foi discorrido acerca do direito de
ação e a Comissão de Conciliação Prévia, sobre a submissão da demanda trabalhista à esta, ser
uma faculdade ou obrigatoriedade, o entendimento jurisprudencial, e a relevância da forma de
conciliação extrajudicial.
A presente pesquisa ocupou-se do método dedutivo, tendo sido utilizadas obras
acadêmicas referentes ao tema, pesquisas jurisprudenciais e outras técnicas próprias da pesquisa
jurídica.
2 DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA
2.1 Histórico
Comissão é derivada do latim “commissio”, de “commitere”, significa não
somente a ação de unir, concurso, como também a ação de confiar, de entregar.
E, neste duplo sentido de união ou concurso para um fim determinado ou de
auxílio ou cooperação na execução de determinados misteres, que possui o vocábulo, na linguagem
jurídica, uma variedade de acepções.
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O termo conciliação também provém do latim “conciliatio”, de “conciliare”;
significando, harmonizar, compor, ajustar, segundo De Plácido e Silva (2001, p.183):
Na Justiça do Trabalho, entende-se por conciliação, aquele ato, onde o
Juiz oferece ao Reclamante e ao Reclamado as bases para a composição
de seus interesses em conflito.
Dos textos mais antigos que se tem notícias, tem-se a Recomendação
n.º 94, de 1952, da antiga Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Onde Barros, F. (2009) pronuncia-se acerca de tal tema:
[...] conforme bem informa o Min. João Oreste Dalazen (1), que
prescrevia, àquela época, a criação de organismos de consulta e
colaboração entre empregadores e trabalhadores, no âmbito da empresa,
para prevenir ou conciliar as respectivas controvérsias, excluindo de suas
atribuições apenas as questões compreendidas no campo da negociação
coletiva, por se tratarem estas de competência dos Sindicatos.
Além do mecanismo antes mencionado, outro, mais recente, veio a
demonstrar, pela letra das orientações da OIT, o reflexo da necessidade de
se criarem meios de solução de dissídios e controvérsias trabalhistas por
meio da negociação extrajudicial. Assim, a OIT, através da Convenção
154/81, estabeleceu como princípios o reconhecimento mútuo da
representatividade, a aceitação da legitimação e o reconhecimento da
predisposição das partes de estabelecer um processo de comunicação
fundado no diálogo franco, leal e objetivo, orientado para o fim de se
conciliar.
Em 1994, nos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista Rural
(VASCONCELOS, 1995, p.99), na cidade histórica de Patrocínio/MG, as Comissões de
Conciliação Prévia começaram as suas atividades, e, em quatro anos de funcionamento atenderam
mais de 44.000 mil causas, fazendo desta forma, com que a Justiça do Trabalho notasse a grande
necessidade da legalização de tal instituto, para que ocorresse a diminuição dos processos que
tramitavam na Justiça do Trabalho.
Segundo Alice Monteiro de Barros (2002, p.936):
53
[...] esses projetos previam a obrigatoriedade da tentativa de
conciliação prévia, como requisito para o ajuizamento da ação, a qual
não representa ineditismo, mesmo porque desde a Constituição do 1824
(art. 161) já se preceituava que os juízes de paz estavam investidos da
função conciliatória prévia, a qual constituía condição obrigatória para
o exercício de qualquer processo.
Dessa forma, o Presidente da República enviou à Câmara dos Deputados a
mensagem n.º 500, de 28 de julho de 1998, que posteriormente foi transformada no Projeto de Lei
n.º 4.694/98, que acrescentava dispositivos à CLT, dispondo sobre as Comissões de Conciliação
Prévia em empresas privadas, públicas e entes públicos que admitirem trabalhadores sob o regime
da CLT, (para empresas com mais de 50 (cinquenta) empregados). Tal Projeto de Lei, após sofrer
várias modificações, originou à Lei n. 9.958/2000, conforme Maciel (2002, p.178) o anteprojeto,
que ensejou a referida lei, teve origem em sucessivos trabalhos existentes sobre a matéria, dentre
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Conciliação Prévia
eles o de comissão, criada pela Academia Nacional de Direito do Trabalho, composta por Arnaldo
Süsselind, Segadas Vianna e Haddock Lobo.
A Comissão de Conciliação Prévia foi introduzida pela Lei nº 9.958, de 12
de Janeiro de 2000, que passou a vigorar em 12 de abril, do mesmo ano, acrescentando o Título
VI-A à Consolidação das Leis do Trabalho, podendo ser instituída por empresas ou sindicatos,
com composição paritária, integrando representantes dos empregados e dos empregadores, com
atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. A criação das Comissões de
Conciliação Prévia, assim como dos Juizados Especiais de Pequenas Causas Trabalhistas, é uma
reivindicação antiga da doutrina, de forma a diminuir o grande volume de ações trabalhistas na
Justiça do Trabalho, apesar deste último ainda não ter sido concretizado.
E assim conclui Altamiro J. dos Santos (2001, p.164):
54
conclui-se que a projeção dos antecedentes históricos do instituto da
conciliação trabalhista é altamente relevante para melhor compreensão
de seu alcance nas dimensões da vida pessoal, familiar, profissional,
econômica, social, cultural e científica na conviviologia e harmonia
social entre os sujeitos da relação de emprego. Defende-se a criação
da Comissão de Conciliação Prévia, sob a denominação ‘Conselho
de Conciliação Prévia Extrajudicial’, com o perfil, a sistematologia,
os princípios e as características adotadas na Lei n. 9.958, de 12 de
janeiro de 2000, que acrescentou o Título VI-A, arts. 625-A usque 625H, deu nova redação ao art. 876 e ainda acrescentou o art. 877-A à
Consolidação das Leis do Trabalho.
Para Melhado (2005), os antecedentes históricos que ensejaram às negociações
para as Comissões de Conciliação Prévia foram conseqüências das organizações sindicais que
eram precárias e da crise mundial, conforme expõe:
[...] a história de nossas organizações de trabalhadores confunde-se
com a sombria história do autoritarismo do Estado brasileiro e das
forças conservadoras que o dominam e dominaram ao longo deste
século que se esvai. Os sindicatos brasileiros ostentam até hoje a feição
obtusa do fascismo. Não foram forjados como resultado concreto das
lutas operárias do início do século. Ao contrário, nasceram no Estado
Novo fundamentalmente para inibir a eclosão o movimento operário
autônomo e libertário. Sofreram intervenções diretas no regime
militar de 64 e, ao lado de toda a sociedade civil, padeceram o exílio
da liberdade, a ausência de debate político, o embrutecimento da
vida institucional, a castração dos partidos políticos. Com os mesmos
defeitos atávicos, baseados na contribuição sindical compulsória e na
unicidade artificial, passaram pela Constituinte incólumes e defrontamse com a crise hodierna do capitalismo da mundialização: perda da
centralidade do trabalho, novas formas de organização da produção,
toyotização da indústria, e-commerce, teletrabalho, desemprego,
fusões, incorporações, gigantismo empresarial e os novos monopólios,
o depauperamento do poder do Estado nacional e o fim do seu perfil de
bem-estar do ideário keynesiano e social-democrata. Exatamente neste
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contexto de precariedade das organizações sindicais e crise mundial de
paradigmas, exsurge a Lei no 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que retira
do aparelho de Estado a conciliação dos conflitos oriundos das relações
entre capital e trabalho, confiando-os aos sindicatos e aos próprios
atores sociais, no interior da empresa. Cuida-se de proposta que deve
ser analisada sem preconceitos, que contém méritos importantes, mas
em última análise corresponde à realização de um projeto ideológico
em que a hegemonia do neoliberalismo se evidencia.
E por fim, a análise de Giglio (1982, p.11), conforme a legislação brasileira:
Os termos ‘conciliação’ e ‘acordo’, este no sentido daquele, vêm
consignados em mais de uma dezena de artigos da Consolidação
do Trabalho, em cerca de vinte incisos legais, o que revela não só a
importância que o legislador vota ao assunto, com também a origem
da CLT, amálgama de textos esparsos, sem muita coerência lógica,
estrutural ou científica. [...] A importância dada à conciliação é tanta
que Mozart Victor Russomano chega a qualificá-la de característica
do processo trabalhista, e Eduardo Gabriel Saad a eleva à condição de
princípio orientador desse ramo processual.
Assim, com essa grande conquista dos empregados e empregadores, a Justiça
do Trabalho foi uma das partes mais privilegiadas, pois conforme acima descrito diminuiu o
número de ações trabalhistas que são proposta na Justiça do Trabalho. Empregados e empregadores
comemoram o fim de uma grande batalha, que era a lentidão que acompanhava os conflitos
individuais de trabalho, tendo desta forma, uma solução rápida e satisfatória para tais conflitos.
55
2.2 Conceito
O conceito dado pela CNI – Confederação Nacional da Indústria (CARTILHA,
2000, p.9), é a seguinte: “A Comissão de Conciliação Prévia é um organismo de conciliação
extrajudicial, de composição paritária, no âmbito das empresas ou grupos de empresas e no
âmbito dos sindicatos, não possuindo qualquer relação administrativa ou jurisdicional com o
Ministério do Trabalho e não estando subordinados a qualquer registro ou reconhecimento de
órgãos públicos”.
Para Giglio (2003), a conciliação tem um conceito mais amplo do que o
acordo, significando entendimento, recomposição de relações desarmônicas, desarme de espírito,
compreensão, ajustamento de interesse, e, o acordo é apenas a conseqüência material.
Benedetti Junior (2009), explica:
[...] a Comissão de Conciliação Prévia é um organismo de conciliação
extrajudicial, de composição paritária, no âmbito das empresas ou grupo
de empresas e no âmbito dos sindicatos, não possuindo qualquer relação
administrativa ou jurisdicional com o Ministério do Trabalho e Emprego
ou com a Justiça do Trabalho e não estando subordinados a qualquer
registro ou reconhecimento de órgão públicos. [...] a conciliação não é,
propriamente, uma técnica para solução de conflitos, assim, como não é
o julgamento. As técnicas são: a mediação, a arbitragem e o processo. A
conciliação é uma solução para o conflito, aceita pelas partes, que tanto
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Conciliação Prévia
56
pode ocorrer em uma das técnicas criadas para a solução de conflitos
quanto fora delas.Em síntese, pode-se concluir que, a Comissão de
Conciliação Prévia é um instituto privado e facultativo, onde se busca
a conciliação de empregado e empregador sem a interferência do poder
estatal, podendo ser constituída no âmbito sindical ou no âmbito das
empresas. Sendo que, conciliado as partes, privilegiou a autonomia
da vontade destas, impossibilitando, assim, que um terceiro proferisse
uma decisão para o conflito.
Segundo diz o artigo 625-A, in fine, da CLT, as Comissões de Conciliação
Prévia tem a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho entre patrões e
empregados, buscando desta forma, a solução extrajudicial dos conflitos individuais do trabalho,
sempre ao lado da função jurisdicional do Estado, e não como substituto desta.
Mello (2009) ensina que está implícita outra finalidade paralela das Comissões
de Conciliação Prévia, que é, diminuindo-se o número de ações individuais, propiciar a concreção
do procedimento sumaríssimo, pois este, embora razoavelmente estruturado pela Lei 9957/2000,
só terá eficácia quando se tiver um número menor de reclamações; aliás, como se sabe, os dois
projetos de lei – das Comissões e do procedimento sumaríssimo – foram discutidos conjuntamente,
cujo objetivo final de ambos era encontrar fórmulas para permitir à Justiça do Trabalho atuar de
forma célere e eficaz...
Desta forma, buscou-se uma maior atuação das Comissões de Conciliação
Prévia para que a mesma consiga diminuir o número de processos que tramitam perante a Justiça
do Trabalho.
Neste mesmo sentido Robortello (1997, p.206) alerta sobre a lentidão da
Justiça do Trabalho:
[...] outrora o empregado ameaçava o patrão com uma reclamação
na Justiça do Trabalho; na atualidade, o patrão é que o ameaça com a
demorada solução judicial, fruto das deficiências do sistema judiciário,
levando o empregado reclamante a aceitar acordos judiciais irrisórios,
motivados pela premente necessidade de sobrevivência e pela
expectativa de longa demora na solução judicial do conflito...
Já o professor-doutor Souto Maior (2002, p.18) afirma que:
a conciliação não é, propriamente, uma técnica para a solução de
conflitos, assim, como não é o julgamento. As técnicas são: a mediação,
a arbitragem e o processo. A conciliação é uma solução para o conflito,
aceita pelas partes, que tanto pode ocorrer em uma das técnicas criadas
para a solução de conflitos quanto fora delas.
As Comissões de Conciliação Prévia buscam sempre o diálogo entre as partes,
e consequentemente estão sempre abertas as negociações.
Pode se dizer que, a Comissão de Conciliação Prévia é um instituto “privado
e tem sua constituição facultativa”, onde se busca a conciliação de empregado e empregador
sem a interferência do poder estatal, podendo ser constituída no âmbito sindical ou no âmbito
das empresas. Sendo que, conciliado as partes, privilegiou a autonomia de vontade das partes,
impossibilitando, assim, que um terceiro proferisse uma decisão para o conflito, ao contrário do
que acontece na Arbitragem.
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3 DO DIREITO DE AÇÃO E A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA
3.1 Submissão da Causa Trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia: Faculdade ou
Obrigatoriedade?
Conforme o art. 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho, delineado pela
Lei 9958/2000, esboça que:
Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão
de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver
sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da
categoria.(CARRION, 2001)
A discussão mais relevante acerca do aludido dispositivo legal é sobre a
sua inconstitucionalidade. Ao defrontar-se com o direito de ação, surge a dúvida sobre estar
ou não restringindo aquele direito, pelo fato de entender-se obrigatória a submissão do pleito
primeiramente à Comissão de Conciliação Prévia.
Estabelece o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (CAHALI, 2003): “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.”
Tal dispositivo visa garantir a todos o direito de ação. Assim, é sabido que a Magna
Carta assegura a inafastabilidade do direito de ação em caso de lesão ou ameaça de direito. Pois se
trata de um direito absoluto, sendo seu exercício condicionado a certos requisitos, como já ocorre na
Teoria Geral do Processo, no seu art. 267, VI do Código de Processo Civil (CAHALI, 2003):
Art. 267- Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:
VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a
possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.
O entendimento mais plausível, respeitando-se opiniões contrárias, é
que o art. 625-D da CLT, não guarda inconstitucionalidade, uma vez que
não institui obrigatoriedade de submissão à Comissões de Conciliação
Prévia antes da propositura da ação no foro judicial.
Na interpretação literal do art. 625-D, pode-se notar que o legislador usou
o termo “será”, caracterizando, desta forma, a faculdade. No entanto se o mesmo buscasse a
obrigatoriedade, teria utilizado o termo “deverá ser”, para caracterizar a obrigatoriedade de
submissão.
Segundo Ribeiro (2009):
57
Soa incongruente a afirmação de que o empregado seria obrigado a
encaminhar sua pretensão à Comissão de Conciliação, mas não seria
obrigado a comparecer à sessão de conciliação. E mais esta: se o
empregado tem a faculdade de comparecer à sessão de conciliação
(a ausência não é cominada), não pode o exercício desta faculdade
rivalizar com a pretensa obrigatoriedade de encaminhamento da
pretensão à Comissão... Como o empregado pode negociar uma solução
conciliatória, ele também pode não a desejar. E, não a desejando,
exteriorizará essa sua vontade, esse seu interesse, encaminhando ao
Estado-Juiz a sua pretensão.
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Conciliação Prévia
O entendimento de Lopes (2000, p. 92):
A exigência da tentativa prévia de conciliação perante órgão
extrajudicial mediador, de forma nenhuma macula o princípio
constitucional do acesso ao Judiciário, e nem pode ser comparada
a uma instância administrativa prévia, já que não há qualquer
julgamento por órgão administrativo, mas mera mediação por
representantes dos litigantes. Ademais, todo esse procedimento que
vai da apresentação da demanda perante a Comissão e a reunião de
conciliação, encontra-se nos lindes do razoável, já que não consome
mais de 10 dias (art. 625-F da CLT), não causando prejuízo ao
direito de acessar o Judiciário.
O § 1º do art. 764 da CLT, como também os arts. 846 e 847 da CLT, estabelecem
que: “...aberta a audiência, o juiz proporá a conciliação...”.
Com isso, apenas se não houver acordo, o reclamado será instigado a apresentar
sua defesa, com todas as exceções e preliminares cabíveis.
Desta forma, antes mesmo de ser possível à arguição defensiva de eventual
não submissão à Comissão de Conciliação Prévia, o juiz terá que provocar as partes à conciliação
judicial, de modo que, havendo êxito, sequer a defesa será oferecida, uma vez frustrada a tentativa
judicial de ajuste. Fica demonstrado como seria infrutífera, novamente a submissão ao órgão
extrajudicial.
O conceituado professor Martins Filho (2009, p.166) cita que:
58
A pretensa inconstitucionalidade, vislumbrada por alguns, na
obrigatoriedade da passagem prévia da demanda perante a Comissão
de Conciliação, não tem qualquer procedência. As Comissões de
Conciliação Prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário,
assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, na medida
em que são apenas instâncias prévias conciliatórias, em que a
comissão deve dar resposta à demanda em 10 dias (CLT, art. 625-F),
o que, de forma alguma, representa óbice ao acesso ao Judiciário.
O próprio Supremo Tribunal Federal, em questão análoga, referente
à imposição, por lei, da necessidade do postulante de benefício
comunicar ao INSS a ocorrência do acidente, como condição da ação
indenizatória, com vistas a uma possível solução administrativa da
pendência, entendeu que não há inconstitucionalidade na criação da
condição (cf. RE 144.840-SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em
02.04.96, informativo nº 25 do STF). Assim, a nova lei exige que,
nas localidades ou empresas onde houver comissão de conciliação
prévia instituída, o empregado apresente sua demanda à comissão
para apreciação prévia (CLT, art. 625-D), constituindo a exigência
pressuposto processual para o ajuizamento da ação trabalhista, caso
não seja bem sucedida a conciliação. A negociação prévia passará a
ser exigida tanto para os dissídios coletivos quanto para os dissídios
individuais, como forma de se prestigiar as soluções autônomas dos
conflitos trabalhistas.
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Da mesma forma ensina Alexandre Nery de Oliveira (2003, p.195):
Ilógico, a todo modo, portanto, que o juiz deixasse de provocar as
partes à conciliação judicial, ou de homologar acordo perante o Juízo
manifestado, como determina a Lei, apenas pelo fato de não haver sido
a questão submetida à prévia conciliação de órgão extrajudicial, se
nada houver estabelecido estar a mesma como efetiva condição para a
ação trabalhista. Seria, mas que tudo, divorciar-se na realidade social e
impor às partes uma obrigação não estabelecida por Lei, e mais ainda,
declarar, indiretamente, nulidade na propositura da demanda quando
desta suposta (mas não efetiva, frise-se) nulidade não resultaria qualquer
prejuízo, à luz do artigo 794 e seguintes da CLT, já que se há o ânimo
algum para a conciliação judicial, igualmente não estarão presentes às
condições para a conciliação perante a Comissão de Conciliação Prévia.
Desta feita, o entendimento mais aceitável, é de que o art. 625-D não traz
nenhuma inconstitucionalidade, porquanto não institui obrigatoriedade de submissão dos conflitos
individuais do trabalho a tais Comissões de Conciliação Prévia.
Conclui o magistrado Melhado (2005):
Em princípio, a interpretação literal da norma constitucional do art. 5º,
inciso XXXV, acima transcrita, em cotejo como o novel art. 625-D,
da Consolidação, inspira uma conclusão imediata. É inconstitucional
a subordinação do processo judicial à conciliação prévia, por
representar inibição do exercício do direito de ação e portanto
ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado
como cláusula pétrea da Carta de 1988.Sem embargo, o direito deve
ser visto como uma ciência (será?) aberta a dialética da realidade
humana. Não seria insensato, com efeito, que a norma constitucional
inscrita no inciso XXXV do art. 5º fosse interpretada em outros
termos. Poder-se-ia dizer, por exemplo, que a Lei 9.958 não está
excluindo a apreciação de qualquer matéria pelo Poder Judiciário:
apenas condiciona-o através de medida singela, acessível a qualquer
cidadão, que além de tudo poderia evitar a tentativa de conciliação
prévia por qualquer “motivo relevante” (§ 3º do art. 625-D).
A passagem do empregado pelas Comissões Conciliação Prévia representa,
acima de tudo, um ato pedagógico na busca do diálogo direto entre empregado e empregador,
visando a concretização de importante paradigma para as modernas relações de trabalho.
Mas alguns juristas possuem entendimento diferenciado, e relatam que a
passagem primeiramente à Comissão de Conciliação Prévia é obrigatória.
Martins (2001, p. 38) descreve:
59
Emprega o art. 625-D da CLT o verbo ser, no imperativo. Isso indica
que o empregado terá de submeter sua reivindicação à comissão antes de
ajuizar a ação na Justiça do Trabalho. O § 2º do mesmo artigo também usa
o verbo dever no imperativo para efeito de juntar com a petição inicial da
reclamação trabalhista a declaração frustrada da tentativa de conciliação.
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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de
Conciliação Prévia
Nota-se que o procedimento instituído representa condição da ação
para o ajuizamento da reclamação trabalhista. Trata-se de hipótese de
interesse de agir, que envolve o interesse em conseguir o bem por obra
dos órgãos públicos.
Reza o inciso VI do art. 267 do CPC que o processo é extinto sem
julgamento de mérito quando não concorrer qualquer das condições
da ação, “como...”. Isso demonstra que as condições da ação não são
apenas a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o
interesse processual, sendo a determinação legal exemplificativa e não
exaustiva. A lei poderá estabelecer outras condições para o exercício do
direito de ação.
E ainda prossegue:
60
O procedimento criado pelo art. 625-D da CLT não é inconstitucional,
pois as condições da ação devem ser estabelecidas em lei e não se está
privando o empregado de ajuizar a ação, desde que tente a conciliação.
O que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição proíbe é que a lei
exclua da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a
direito, o que não ocorre com as comissões prévias de conciliação.
O autor deixa visível a sua posição com relação à obrigatoriedade da
tentativa de conciliação, antes do ingresso na Justiça do Trabalho, mas também esclarece acerca
da inconstitucionalidade. Pois como vários outros juristas, menciona que o art. 625-D não é
inconstitucional, apenas é uma condição da ação, que por sua vez está estabelecida em lei, e não
está privando o empregado de ajuizar a ação, desde que tente antes a conciliação nas Comissões
de Conciliação Prévia.
O professor Mello (2009) ensina:
[...] não há falar em qualquer inconstitucionalidade, porque, como é
preciso ressaltar, a negociação coletiva foi prestigiada pela Constituição,
que para sua validade, promoveu o sindicato como partícipe obrigatório
do seu processo, como condição de validade da avença (art. 8º, inciso
II). Assim, se as partes negociam coletivamente a criação da Comissão
Conciliatória, como instrumento prévio para tentativa da solução do
conflito individual fora do Judiciário (e não obrigação), nenhuma
inconstitucionalidade existe capaz de macular a sua efetivação.
Assim fica explícito que a criação das Comissões de Conciliação Prévia é uma
faculdade dos próprios empregados, e não há como caracterizar a inconstitucionalidade neste
processo.
Conforme o já citado art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, a lei proíbe a
exclusão da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, mas o fato, é
que isso não ocorre nas Comissões de Conciliação Prévia, pois somente é feita uma tentativa de
conciliação.
Ainda segundo o professor Mello (2009), não há inconstitucionalidade, como
ensina:
A pretensa inconstitucionalidade, vislumbrada por alguns, na
obrigatoriedade da passagem prévia da demanda perante a Comissão
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de Conciliação Prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário,
assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, na medida em
que são apenas instâncias prévias conciliatórias, em que a comissão
deve dar resposta à demanda em 10 dias (CLT, art. 625-F), o que, de
forma alguma, representa óbice ao acesso ao Judiciário...
Assim, não há que se pretender que seja inconstitucional a passagem
obrigatória dos litigantes na Comissão Conciliação Prévia. A nova lei
exige que, nas localidades ou empresas onde houver comissão instituída,
o empregado apresente sua demanda à Comissão para apreciação prévia
(CLT, art. 625-D), constituindo a exigência pressuposto processual
para o ajuizamento da ação trabalhista, caso não seja bem sucedida
a conciliação. A negociação prévia passará a ser exigida tanto para os
dissídios coletivos quanto para os dissídios individuais, como forma de
se prestigiar as soluções autônomas dos conflitos trabalhistas.
Da ausência do Termo Tentativa de Conciliação, fornecido pelas Comissões de
Conciliação Prévia, segundo Martins (2001, p. 40):
Se o empregado não passar pela Comissão de Conciliação antes de
ajuizar a ação, o juiz irá devolver os autos à comissão para que esta
proceda à conciliação, mas irá extinguir o processo sem julgamento
de mérito (art. 267, VI, do CPC), por não atender à condição da ação
estabelecida na Lei (tentativa de conciliação pela comissão).
Desta forma, alguns autores admitem a extinção do processo sem julgamento
de mérito, e outra parte não acha necessário tal procedimento, devendo a reclamação trabalhista
seguir seus trâmites normais. Muitos são os entendimentos acerca da ausência do Termo de
Tentativa de Conciliação, conforme será analisada no tópico seguinte.
61
3.2 A Relevância da Forma de Conciliação Extrajudicial
O art. 625-A da CLT relata que as Comissões de Conciliação Prévia têm a
atribuição de tentar a conciliação dos conflitos individuais trabalhistas.
Essa atribuição é extremamente importante na busca da solução extrajudicial
dos conflitos individuais de trabalho, ao lado da função jurisdicional do Estado, e não como
substitutivo desta.
Um dos maiores benefícios que as Comissões de Conciliação Prévia podem
trazer é a diminuição dos números de ações trabalhistas, que serão propostas na Justiça do
Trabalho, visto que, as Comissões de Conciliação Prévia irão buscar a solução do litígio individual
trabalhista, através da conciliação. Ocorrendo uma melhora na prestação jurisdicional.
Com essa tentativa de conciliação, que é proposta pelas Comissões de
Conciliação Prévia, haverá consequentemente um maior estímulo com relação ao diálogo entre
empregadores e empregados, que terão como incentivo a melhor alternativa para a solução do
litígio, visando à exclusão de despesas adicionais para ambos.
Uma vez conciliado perante as Comissões de Conciliação Prévia, o empregador
não precisará dispor de numerários para a contratação de um profissional da área do direito para
apresentação de sua contestação. Já o empregado pagará para o seu advogado, quantia menor, pois não
necessitará de submissão da reclamação trabalhista à Justiça do Trabalho, e as audiências que ocorrem
na Comissão de Conciliação Prévia são informais, não tendo a necessidade de um maior preparo.
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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de
Conciliação Prévia
Quando o litígio individual trabalhista, é submetido a Comissão de Conciliação
Prévia, o empregador será apenas notificado pela Comissão, da data da audiência de conciliação.
Nesta audiência será proposta a conciliação pelos conciliadores, não tendo, o empregado, a
necessidade de apresentar defesa, também não será preciso a presença de advogado. Tendo assim
o empregador, a faculdade de comparecer ou não.
Mas essas facilidades não são observadas por muitos, que desprezando essa
forma de conciliação, não se apresentam para a tentativa de conciliação.
Se o empregado não passar primeiramente pela Comissão de Conciliação
Prévia, são inúmeras as jurisprudências que extinguem o processo sem julgamento de mérito, ou
pode ocorrer situações que o magistrado dá prosseguimento ao feito sem qualquer penalidade,
visto que na Lei 9958/2000 não previu nenhum tipo de sanção.
Há desta forma, uma grande divergência a esse respeito, não seria sensato a
constituição de um órgão que visa garantir os direitos dos empregados e empregadores, com
maior celeridade de processo e menor custo, que não seja utilizado, questionando-se a vantagem
desta lei.
Assim, segue os doutrinadores e magistrados, buscando uma solução pacífica
e equilibrada acerca da obrigatoriedade de submissão do dissídio individual trabalhista perante as
Comissões de Conciliação Prévia.
A exigência do pressuposto de submissão às Comissões de Conciliação Prévia,
não significa, no entanto, privação ao direito de ação, conforme relata Mello (2009):
62
A exigência desse pressuposto, no entanto, não significa vedação ao
direito de ação, porque o legislador infraconstitucional será reservada a
competência para criar pressupostos processuais, desde que os mesmos
não impeçam o exercício do direito de ação. No caso, a juntada da
certidão Negativa de Conciliação corresponde a um pressuposto
processual de validade da relação processual, que é a petição inicial
apta para o conhecimento da demanda.
Contudo seguem os conflitos sobre as Comissões de Conciliação Prévia, pois
com o aumento do número de ações trabalhistas e a demora da solução jurisdicional, fica explícito
a necessidade de uma solução rápida para amenizar tal problema.
Sendo as Comissões de Conciliação Prévia um órgão privado que visa somente
a conciliação, em processos de menor complexidade, de forma simples, rápida e barata, que busca
a parceria, ao invés da conflitualidade que prevalece na Justiça do Trabalho.
Desta forma, a discussão sobre a inconstitucionalidade alegada por alguns
poderá ser sobreposta pela necessidade de uma solução rápida e barata, uma vez que, a Previdência
Social ainda não está fiscalizando as negociações realizadas perante as Comissões de Conciliações
Prévia.
Assim demonstra Mello (2009):
As Comissões de Conciliação Prévia representam importante
paradigma para o Direito do Trabalho, não somente no tocante à
solução dos conflitos individuais de trabalho, mas em especial
com relação à efetivação de um dos mais importantes aspectos da
liberdade sindical, que é a representação rela dos trabalhadores nos
locais de trabalho.
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Segundo o entendimento do autor acima citado, poderá não somente diminuir
as ações trabalhistas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, como por outro lado, fazer com que
os empregados percebam que possuem uma maior representação frente aos empregadores.
4 CONCLUSÃO
1. O aumento dos números de conflitos individuais laborais e a demora da
solução jurisdicional são fatos indiscutíveis que reclamam por alterações imediatas nas formas de
solução de tais conflitos, mediante ruptura da dogmática enraizada no sistema pátrio de relações
de emprego, voltada para a atuação estatal como solução ideal.
2. Surgem 2 (duas) formas extrajudiciais de conciliação; a mediação ou
conciliação e a arbitragem. Mediação ou conciliação, é a forma extrajudicial de solucionar
conflitos, sem a imposição de qualquer forma de acordo. Arbitragem é uma forma extrajudicial,
que possui como características a celeridade, o informalismo, o confidencialismo ou sigilo, a
confiabilidade e a flexibilidade, tendo como ponto marcante à imposição da solução apresentada
pelo árbitro.
3. A Comissão de Conciliação Prévia é um organismo de conciliação
extrajudicial privada, de entes independentes com função conciliatória, formada a partir de
uma composição paritária de empregados e empregadores, no âmbito das empresas ou grupo de
empresas ou ainda sindicatos, que tem como objetivo aproximar as partes que se encontram em
conflito de natureza trabalhista, não se estendendo aos conflitos coletivos, buscando sempre a
conciliação.
4. Não há espaço para a alegação de inconstitucionalidade da norma legal do
art. 625-D, da CLT, que exige a conciliação prévia como pressuposto processual ao ajuizamento
da reclamação trabalhista individual. Inconstitucional afigura-se o sistema processual atual, que
possibilita a eternização das demandas judiciais, como obstáculo ao verdadeiro direito de ação.
5. O direito de ação, e o acesso ao Judiciário, conforme art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal, não fica lesionado com a Comissão de Conciliação Prévia, pois somente se
procede, com uma tentativa conciliatória que poderá ser ou não aceita pelas partes.
6. As Comissões de Conciliação Prévia visam somente à conciliação, de forma
simples, rápida e atualmente com baixo custo, que busca a parceria, ao invés da conflitualidade que
prevalece na Justiça do Trabalho. Trata-se de um procedimento que descarta a forma impositiva,
caminhando para a forma da conjugação de interesses.
7. A Comissão de Conciliação Prévia implica em um amadurecimento do
poder de representação tanto por parte dos empregados como dos empregadores.
8. Na análise jurisprudencial, nota-se que os entendimentos são variáveis
acerca da ausência do termo de conciliação. Alguns se posicionam pela extinção do processo
sem julgamento de mérito, visto a ausência dos requisitos do art. 267, VI do CPC. Outros, pelo
suprimento da ausência da tentativa conciliatória perante as Comissões de Conciliação Prévia, em
razão da conciliação feita em juízo.
9. Existe a necessidade do aperfeiçoamento do referido instituto, principalmente
no que diz à forma de sua criação e constituição, a fim de que não se promova através das
Comissões de Conciliação Prévia a fraude à Lei.
10. Assim tornou-se conclusivo que as Comissões de Conciliação Prévia não
gera inconstitucionalidade, apesar de ser uma condição da ação, não obstrui o direito de impetrar
a Reclamação Trabalhista perante a Justiça do Trabalho. Pode-se dizer que as Comissões de
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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de
Conciliação Prévia
Conciliação Prévia são um elo de ligação entre a Justiça do Trabalho e o conflito individual
trabalhista.
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Demétrius Coelho Souza
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Demétrius Coelho Souza20*
RESUMO
O presente artigo objetiva esclarecer alguns aspectos em torno do que se convencionou chamar
de constitucionalização do direito civil. Analisa-se a aplicabilidade dos valores constitucionais no
âmbito do direito das obrigações, apresentando, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, os
pontos tidos como mais importantes nesse ramo do direito civil.
PALAVRAS-CHAVE: Valores. Constitucionalização. Direito Civil. Obrigações.
THE CONSTITUTIONALIZATION OF CIVIL LAW AND ITS CONSEQUENCES IN
THE LAW OF OBLIGATIONS
ABSTRACT
The present essay aims to point out some aspects involving what is called constitutionalization of
civil law. After that, the essay analyses the applicability of constitutional values concerning the
civil law, more specifically in the field of obligations. Not intending to run out of the theme, the
essay points out the most relevant issues in this very important branch of civil law.
KEYWORDS: Values. Constitutionalization. Civil Law. Obligations
67
SUMÁRIO
1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL. 2 O CONSTITUCIONALISMO
E A EVOLUÇÃO DO DIREITO CIVIL. 3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS
CONTRATOS. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
A constitucionalização do direito civil no Brasil “é um fenômeno doutrinário
que tomou corpo principalmente a partir da última década do século XX, entre os juristas
preocupados com a revitalização do direito civil e sua adequação aos valores que tinham sido
consagrados na Constituição de 1988, como expressões das transformações sociais” (LÔBO,
2008, p.18)21 Esses valores, desnecessário dizer, devem nortear todo o ordenamento jurídico e
refletir em todas as suas normas.
20* Mestre em Direito (UEM). Especialista em Direito Empresarial (UEL). Especialista em Filosofia Política e Jurídica (UEL) e
Especialista em Direito Civil e Processual Civil (UEL). Professor (PUCPR, UNIFIL). Advogado.
21No mesmo sentido, manifesta-se Luis Roberto Barroso: “Ao longo do século XX, com o advento do Estado social e a percepção
crítica da desigualdade material entre os indivíduos, o direito civil começa a superar o individualismo exacerbado, deixando de
ser o reino soberano da autonomia da vontade. Em nome da solidariedade social e da função social das instituições como a
propriedade e o contrato, o Estado começa a interferir nas relações entre particulares, mediante a introdução de normas de ordem
pública. Tais normas se destinam, sobretudo, à proteção do lado mais fraco da relação jurídica, como o consumidor, o locatário, o
empregado. É a fase do dirigismo contratual que consolida a publicização do direito privado”. In: Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 368.
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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações
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Melhor explicando, o Código Civil de 1916, eminentemente patrimonialista,
já não se mostrava suficiente para atender as mudanças sofridas pela sociedade brasileira,
notadamente após o advento da Constituição Federal de 1988, que, com acerto, estabeleceu o
princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil (CF/88, art. 1º, inc. III).
Sob essa perspectiva, pode-se afirmar, com base nas lições de Eugênio Facchini
Neto, que “a constitucionalização do direito civil decorre a migração, para o âmbito privado,
de valores constitucionais, dentre os quais, como verdadeiro primus inter paris, o princípio da
dignidade da pessoa humana. Disso deriva, necessariamente, a chamada despatrimonialização
do direito civil. Ou seja, recoloca-se no centro do direito civil o ser humano e suas emanações.
O patrimônio deixa de estar no centro das preocupações privatistas [...], sendo substituído pela
consideração com a pessoa humana. Daí a valorização, por exemplo, dos direitos de personalidade,
que o novo Código Civil brasileiro emblematicamente regulamenta já nos seus primeiros artigos,
como a simbolizar uma chave de leitura para todo o restante do estatuto civil” (FACCHINI NETO,
2006, p.34-35).
A constitucionalização do direito civil representa, pois, o regramento da
vida à luz do que se considera de suma importância para um bom e adequado convívio social,
a lembrar que “de todos os ramos jurídicos são o direito civil e o direito constitucional os que
mais dizem respeito ao cotidiano de cada pessoa humana e de cada cidadão, respectivamente. As
normas constitucionais e civis incidem diária e permanentemente, pois cada um de nós é sujeito
de direitos ou de deveres civis em todos os instantes da vida, como pessoas, como adquirentes e
utentes de coisas e serviços ou como integrantes de relações negociais e familiares. Do mesmo
modo, em todos os dias exercemos a cidadania e somos tutelados pelos direitos fundamentais.
Essa característica comum favorece a aproximação dos dois ramos [...]” (LÔBO, 2008, p.19).
Dito de outro modo, o Direito Civil como um todo deixa de voltar seus
esforços apenas para o patrimônio, passando a alocar a pessoa no centro de suas atenções, dando
guarida, especialmente, à igualdade, à integridade física e moral (psicofísica), à liberdade e à
solidariedade.22 Daí a importância de serem observadas as normas contidas na Constituição
Federal de 1988, principalmente arts. 1º e 3º, que tratam, respectivamente, dos fundamentos e
dos objetivos da República Federativa do Brasil, pois a ideologia social, traduzida em valores de
justiça social ou de solidariedade, passou a dominar o cenário constitucional do século XX, como
já observado.
Assim, na correta colocação de Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p. 1), “o direito
civil ressurge como sistema jurídico fundamental de realização cotidiana da dignidade da pessoa
humana23, que passa a ter primazia sobre as relações patrimoniais, que eram hegemônicas nas
22Melhor explicando, “O substrato material da dignidade desse modo entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o
sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, ii) merecedores do mesmo respeito à integridade
psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual
tem a garantia de não ver a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade
física e moral – psicofísica –, da liberdade e da solidariedade”. MORAES, Maria Celina Bodin de. O Conceito de Dignidade
Humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, Direitos Fundamentais e
Direito Privado. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.119 .
23“A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade
real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para
os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção
a dignidade da pessoa humana”. In: Recurso Especial nº 869843-RS, 1ª Turma do STJ, relator Ministro Luiz Fux, julgado em
18.09.2007, publicado no Diário da Justiça de 15.10.07, p. 243. Luiz Antônio Rizzato Nunes, de sua parte, observa que “a dignidade
é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num
relativismo”. In: O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 46.
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Demétrius Coelho Souza
codificações liberais. Sua unidade não está mais enraizada nos códigos civis, mas no conjunto
de princípios e regras que se elevaram à Constituição e aos tratados internacionais, em torno dos
quais gravitam os microssistemas jurídicos que tratam das matérias a ele vinculadas”.
Sob essa perspectiva, pode-se afirmar que: a) a constitucionalização é o
processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil,
devendo o Código Civil ser interpretado à luz dos valores e princípios constitucionais; b) o jurista
deve interpretar o Código Civil segundo a Constituição Federal, até porque a constitucionalização
do direito civil “é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de
onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil. É nesse ambiente
que se dá a virada axiológica do direito civil, tanto pela vinda de normas de direito civil para a
Constituição como, sobretudo, pela ida da Constituição para a interpretação do direito civil [...]”.
(BARROSO, 2010, p. 369).
Por outras palavras, constitucionalizar o direito civil, assim como outros ramos
do Direito, significa aplicar as normas constitucionais às normas infraconstitucionais, fazendo
incidir os valores consagrados pelo texto constitucional, contribuindo, por conseguinte, para a
unidade de todo o sistema.
Em termos mais precisos, “ao situar o princípio da dignidade da pessoa
humana no ápice do ordenamento jurídico, a Constituição de 1988 conduziu a uma verdadeira
inversão de valores no sistema de direito civil, já que a tutela do patrimônio, que era antes
a principal preocupação do civilista, dá lugar à proteção da pessoa, objetivo que deverá
conformar o conteúdo de cada um dos institutos jurídicos. Em virtude da necessidade de se
tutelar tal princípio de forma precípua, tudo mais se tornou relativo e ponderável em relação
à dignidade da pessoa humana, onde quer que ela, ponderados os interesses contrapostos, se
encontre”. (SILVA, 2005, p.82).
Nessa medida, afirma-se que “O Código Civil cumprirá sua vocação de
pacificação social se for efetivamente iluminado pelos vetores maiores que foram projetados nas
normas constitucionais, notadamente nos princípios” (LÔBO, 2008, p.23), observando-se, desde
já, que nada pode conflitar com o espírito constitucional, sob pena de a Constituição Federal cair
em um vazio sem fim, ou se tornar, na conhecida expressão de Ferdinand Lassalle, uma “folha
de papel”, em branco. Destarte, “De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se
ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos de poder”. (LASSALLE, 2004, p.68). Por mais essa
razão deve-se observar o princípio da dignidade da pessoa, presente, como já se percebeu, em
todo o Direito Civil.
69
2 O CONSTITUCIONALISMO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO CIVIL
Com propriedade, afirma Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p.4) que “O
constitucionalismo e a codificação (especialmente os códigos civis) são contemporâneos do
advento do Estado liberal e da afirmação do individualismo jurídico. Cada um cumpriu seu
papel: um, o de limitar profundamente o Estado e o poder político (Constituição), a outra, o de
assegurar o mais amplo espaço de autonomia aos indivíduos, nomeadamente no campo econômico
(codificação)”.
E, como já anotado, “Os códigos civis tiveram como paradigma o cidadão
dotado de patrimônio, vale dizer, o burguês livre do controle ou impedimento públicos. Nesse
sentido é que entenderam o homem comum, deixando a grande maioria fora de seu alcance”.
(LÔBO, 2005, p.4).
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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações
Esse pensamento, entretanto, sucumbiu ao que se convencionou chamar de
“função social dos direitos”, ocasião em que ocorreu o surgimento de outros ramos do direito,
conforme observa o mesmo Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p.5):
70
O Estado social, no plano do direito, é todo aquele que tem incluído
na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da
limitação ao poder político, limitam-se os poderes econômicos e sociais
e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o
trabalho, a moradia, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social,
o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais
do direito civil.
Nesse passo, houve no Estado Social um aumento de responsabilidade solidária
das partes e uma maior concretude, por porte do Poder Judiciário, de rever negócios jurídicos.
Constatou-se, pois, a valorização da função social, o incremento de valores éticos e um recuo ao
(extremo) formalismo então existente antes do advento do atual Código Civil.
E, mais especificamente no que diz respeito ao direito das obrigações, pode-se
afirmar que o princípio da função social “é o que impõe a observância das consequências sociais
das relações obrigacionais, tendo como pressuposto a compreensão de que direitos e faculdades
individuais não são imiscíveis às necessidades sociais, dado que o indivíduo só pode construir a
sua vida em sociedade”. (SILVA, 2006, p.132)
Em outras palavras, o patrimônio, tão enraizado no Código Civil de 1916,
deu lugar a valores éticos e sociais24, ocasião em que se passou a privilegiar a pessoa humana25,
em sua plenitude. Daí a afirmação de Paulo Luiz Netto Lôbo: “A patrimonialização das relações
civis, que persiste nos códigos, no sentido de primazia, é incompatível com os valores fundados
na dignidade humana, adotados pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (art. 1º,
III)” (LÔBO, 2005, p. 7).
Não se pretende, com a transcrição supra, afirmar que as obrigações não
devem ser cumpridas. Ao contrário, o cumprimento das obrigações traz tranquilidade e paz
a toda a sociedade, sendo de extrema importância para um bom convívio social que todas as
obrigações sejam cumpridas, até porque todos somos, em menor ou maior grau, credores e
devedores de obrigações, contraindo diuturnamente obrigações das mais diversas.
A diretriz trazida pelo Código Civil, salvo melhor juízo, é no sentido de
dar guarida à ética, à boa-fé e à pessoa26 que figura como credora e devedora de obrigações,
24Para Carlos Roberto Gonçalves, o Código Civil de 2002 tem como princípios básicos os da socialidade, eticidade e operabilidade.
O princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental
da pessoa humana, a lembrar que o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com
o sentido individualista que condicionava o código anterior. O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como
fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz
para encontrar a solução mais justa ou eqüitativa. Neste sentido, é posto o princípio do equilíbrio econômico dos contratos como
base ética de todo o direito obrigacional. Reconhece-se, assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento
de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes
excessiva-mente onerosa. O princípio da operabilidade, por fim, leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado,
executado. No bojo do princípio da operabilidade está implícito o da concretitude, que é a obrigação que tem o legislador de não
legislar em abstrato, mas sim para o indivíduo situado: para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho
enquanto um ser subordinado ao poder familiar. In: Direito Civil Brasileiro: parte geral. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24-25.
25“Hoje, sabemos que de nada adianta a forma perfeita se o conteúdo do instituto não for direcionado ao fim último do direito, que é
a tutela da pessoa humana, onde quer que ela melhor se desenvolva”. SILVA, Roberta Mauro e. In: op. cit., p. 72.
26 Sobre o tema, a nota de Miguel Reale: “Eticidade e socialidade: eis aí os princípios que presidiram a feitura do novo Código Civil,
a começar pelo reconhecimento da necessária indenização de danos puramente morais, e pela exigência de probidade e boa-fé tanto
na conclusão dos negócios jurídicos como na sua execução. Estabelecidos esses princípios, não foi mais considerada sem limites
a fruição do próprio direito, reconhecendo-se que este deve ser exercido em benefício da pessoa, mas sempre respeitados os fins
ético-sociais da comunidade a que o seu titular pertence. Não há, em suma, direitos individuais absolutos, uma vez que o direito de
um acaba onde o de outrem começa”. In: Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 36.
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colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme anseios
preconizados pela própria Constituição Federal de 1988 (art. 3º, inc. I).
Acrescente-se ao tema o entendimento de que a assunção de uma
obrigação ou até mesmo uma execução forçada não pode levar o devedor a uma situação
incompatível com a dignidade humana, pois “O conteúdo básico, o núcleo essencial
do princípio da dignidade da pessoa humana, é composto pelo mínimo existencial,
que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá
afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade [...]. Uma proposta de
concretização do mínimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira,
deverá incluir os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso
de necessidade e ao acesso à justiça”. (BARCELLOS, 2002, p.305) .
Portanto, “A proteção do patrimônio mínimo não está atrelada à
exacerbação do indivíduo. Não se prega a volta ao direito solitário da individualidade
suprema, mas sim do respeito ao indivíduo numa concepção solidária e contemporânea,
apta a recolher a experiência codificada e superar seus limites” (FACHIN, 2006, p.167).
Aliás, seria muito difícil, quiçá impossível para o devedor, criar “ânimo” para cumprir
uma obrigação se o mínimo existencial não lhe fosse garantido. A afirmação, entretanto,
não pode servir de subterfúgio para descumprimentos obrigacionais imotivados, pois este
não é, evidentemente, o desejo da sociedade.
De qualquer sorte, mais especificamente em relação ao direito das
obrigações, “o paradigma liberal de prevalência do interesse do credor e do antagonismo
foi substituído pelo equilíbrio de direitos e deveres entre credor e devedor, não apenas na
dimensão formal, da tradição dos juristas, mas, sobretudo, na dimensão da igualdade ou
equivalência material, fundado no princípio da solidariedade social” (LÔBO, 2005, p.8).
O direito das obrigações, por conseguinte, passou a ter conotação mais
27
social em razão de o ordenamento jurídico brasileiro não mais se limitar, como outrora,
à análise obrigacional pura e simples, mas também às pessoas do credor e do devedor e as
nuanças sociais que os circundam, garantindo-se ao devedor um mínimo necessário para
que possa ter uma vida digna e, consequentemente, reunir condições para cumprir suas
obrigações, pois eventual descumprimento obrigacional pode gerar inquietude social.
71
3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS CONTRATOS
O Código Civil encontra-se dividido em duas partes: a geral e a especial. A
primeira cuida das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos e a segunda, a parte especial, cuida
do direito das obrigações, do direito de empresa, do direito das coisas, do direito de família e do
direito das sucessões. O direito das obrigações constitui, portanto, o primeiro dos cinco livros da
parte especial, no que andou bem o legislador, pois um contrato é, substancialmente, formado
por obrigações28 e não há como elaborar um contrato sem um prévio conhecimento do direito das
obrigações.29
27Nesse sentido, transcreve-se lição de Thiago Rodovalho dos Santos: “Desse modo, é preciso que o intérprete atual tenha em
mente as profundas transformações por que passou o Direito das Obrigações no século XX, passando a ter uma conotação mais
social. E isto é especialmente verdadeiro em nosso ordenamento jurídico, posto que o novo Código Civil teve com [sic] um de
seus princípios basilares a socialidade (ao lado da eticidade e da operabilidade). In: Algumas Considerações sobre o Perfil atual do
Direito das Obrigações. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 37, jan./mar. 2009, p. 260.
28“A ordem econômica realiza-se, principalmente, mediante contratos. A atividade econômica é um complexo de atos negociais
direcionados a fins de produção e distribuição dos bens e serviços que atendem às necessidades humanas e sociais. É na ordem
econômica e social que emerge o Estado social, sob o ponto de vista jurídico-constitucional, e caracteriza-se a ideologia
constitucionalmente estabelecida”. In: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 9.
29Lê-se em José Ricardo Alvarez Vianna que “o Direito das Obrigações representa a autêntica parte geral dos contratos e da
responsabilidade civil”. In: Manual de Direito das Obrigações. Curitiba: Juruá, 2010, p. 27.
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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações
Deve-se destacar, igualmente, que os contratos não são mais vistos com o rigor
da “pacta sunt servanda”, isto é, considerados “lei entre as partes”. Ao revés, “A liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (CC, art. 421). Nessa
medida, “Quando o julgador concluir que um contrato no todo ou em parte desvia-se de sua
função social, deverá extirpar sua eficácia ou, se for o caso, adaptá-lo às necessidades sociais, tal
como o faria com cláusulas abusivas” (VENOSA, 2010, p.429).
Nesse contexto, afirma-se que a ordem econômica tem por finalidade assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art. 170), reduzindo as
desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º e inc. VII do art. 170). Essa afirmação demonstra,
por exemplo, a aplicabilidade das normas constitucionais ao direito das obrigações, revestindo-se
de sua função social.30 É o que ocorre, por exemplo, com o instituto da lesão (CC 157), prevendo
o ordenamento jurídico a possibilidade de a pessoa requerer a anulação do negócio jurídico caso
tenha se submetido, por premente necessidade ou inexperiência, à prestação manifestamente
desproporcional à prestação oposta.
A esse quadro acrescente-se, novamente, a lição de Paulo Luiz Netto Lôbo
(2005, p.11):
72
Talvez uma das maiores características do contrato, na atualidade, seja
o crescimento do princípio da equivalência material das prestações, que
perpassa todos os fundamentos constitucionais a ele aplicáveis. Esse
princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para
manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para
corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as
mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa
não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como
foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem
excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra,
aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária.
Esse princípio conjuga-se com os princípios da boa-fé objetiva31 e da
função social, igualmente referidos no Código Civil.
O trecho supra transcrito encontra terreno fértil no direito das obrigações,
até mesmo porque a confiança constitui um dos núcleos propulsores da boa-fé objetiva
(SILVA, 2006, p.142), que importa em interpretar os contratos em consonância com uma
30“Por ter natureza de princípio – que não se vale da lógica do tudo ou nada, da aplicação completa ou da não aplicação –, a função
social convive com os demais princípios de direito obrigacional, não os excluindo ou sendo excluída. Também em razão disso,
somente no caso concreto é que se verificará o seu peso em contraposição aos demais”. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. In: op. cit.,
p. 132.
31O art. 422 do Código Civil faz referência ao princípio da boa-fé objetiva. Eis o seu teor: “Os contratantes são obrigados a guardar,
assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidades e boa-fé”. O artigo contém o que se denomina
cláusula geral, conduzindo o intérprete a um padrão de conduta geralmente aceito no tempo e no espaço. A idéia central é no sentido
de que, em princípio, contratante algum ingressa em conteúdo contratual sem a necessária boa-fé. Em cada caso, o juiz deverá
definir quais as situações nas quais os partícipes de um contrato se desviaram da boa-fé. Nesse sentido, manifestam-se Nelson
Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “O novo sistema jurídico de direito privado impõe às partes que resguardem, tanto na
conclusão quanto na execução do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé (CC 422). A norma prevê, como cláusula geral,
a boa-fé objetiva. Igualmente, nas disposições finais e transitórias, prescreve que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar
preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos pelo CC para o resguardo da função social da propriedade e da função
social dos contratos (CC 2035 par.ún.). Ao intérprete, por sua vez, incumbe a exegese do negócio jurídico em consonância com a
principiologia do sistema. A boa-fé subjetiva é técnica de interpretação contratual (CC 113)”. In: Código Civil Comentado. 7. ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 534. Mais adiante, escrevem os autores: “A boa-fé objetiva impõe ao contratante um
padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade”. In: op.
cit., p. 536. Na boa-fé subjetiva, por sua vez, o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, regular.
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Demétrius Coelho Souza
conduta proba, correta, leal e confiável, privilegiando, assim, os direitos fundamentais e os
valores constitucionais.
Daí o porquê afirmar-se que os direitos fundamentais encontram plena
aplicabilidade no direito privado, o que já foi objeto de estudo de doutrinadores de escol, dentre
os quais se destaca Claus-Wilhelm Canaris (2003, p.36), para quem “os direitos fundamentais
vigoram imediatamente em face das normas de direito privado”, sendo este, aliás, o entendimento
doutrinário dominante.
4 CONCLUSÃO
Brevemente, pode-se afirmar que as normas constitucionais devem refletir sobre
todas as normas infraconstitucionais, pelo que plenamente aplicáveis os valores e as diretrizes
estabelecidas pelo texto constitucional às normas de direito privado. Sob essa perspectiva,
conclui-se que os valores constitucionais devem nortear todo o direito civil, aí incluído o direito
das obrigações, razão pela qual não mais se admite prestações ou obrigações desproporcionais ou
iníquas, contraídas em desatenção aos princípios que regem a matéria, com manifesto desprestigio
ou desatenção à dignidade da pessoa.
Com isso, não se quer dizer que as obrigações não devam ser cumpridas. Ao
contrário, as obrigações devem sempre ser cumpridas, sob pena de gerar inquietude social. O
que não mais se admite, entretanto, é que obrigações sejam contraídas em descompasso com os
valores e diretrizes preconizadas pela Constituição Federal, pois este não é, por óbvio, o espírito
da lei maior nem tampouco representa os anseios da sociedade.
REFERÊNCIAS
73
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Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
CONSIDERAÇÕES SOBRE A AUDIÊNCIA UNA TRABALHISTA E OS PRINCÍPIOS
DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti32*
Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula33*
RESUMO
Traça considerações sobre a audiência una trabalhista e os princípios do contraditório e ampla
defesa, sem, contudo, esgotar o tema. Neste diapasão, num primeiro momento traz a baila
alguns dos princípios que norteiam os processos de uma maneira geral e especificamente o
processo do trabalho. À luz destes princípios, traz a justificativa da adoção da audiência una
pela Consolidação das Leis do Trabalho quando de sua criação. Traça considerações sobre
o Título X, Capítulo II, Sessão VIII, artigos 813 a 817 e Capítulo III, do mesmo título, na
Sessão II, artigos 843 a 852 da CLT, que tratam das audiências dos órgãos da Justiça do
Trabalho e da audiência de julgamento. Dá enfoque especial e traça considerações sobre os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa em contraposição à realização da
audiência una. Traça considerações sobre a realização da audiência una atualmente, trazendo
a assertiva de que esta pode prejudicar o empregado e poder levar a violação dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Finalmente, trata da possibilidade e das
vantagens de realização de ao menos três audiências (audiência inicial, audiência de instrução
e audiência de julgamento) e destaca ser esta a forma mais adequada para a solução dos
conflitos trabalhistas e de promover a busca da Justiça perfeita.
PALAVRAS-CHAVES: Audiência una; princípio do contraditório; princípio da ampla defesa.
75
CONSIDERATIONS FOR UNA AUDIENCE AND LABOR PRINCIPLES AND WIDE
DEFENSE CONTRADICTORY
ABSTRACT
Draws considerations about the audience una labor and the principles of contradictory and ample
defense, without, however, exhaust the subject. In this vein, at first brings to the fore some of
the principles that guide the process in general and specifically the labor process. The light of
these principles, brings the justification of the adoption of the audience una the Consolidation of
Labor Laws at creation. Draws considerations on Title X, Chapter II, Section VIII, Articles 813 to
817 and Chapter III of the same title, in Section II, Articles 843 to 852 of the Labor Code which
deal with audiences of the organs of the Labour Court and the audience trial. Gives focus on
special considerations and outlines the constitutional principles of contradictory and full defense
as opposed to holding the hearing una. Draws considerations una the hearing today, bringing the
assertion that this could harm the employee and may lead to violation of constitutional principles
of the contradictory and full defense. Finally, comes the possibility and advantages of conducting
at least three hearings (initial hearing, the hearing of instruction and the trial) and highlights that
this is the best way to solve the labor disputes and promote the pursuit of perfect justice
32* Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (IDCC).
33* Mestre em Direito (UEL). Professora (UNIFIL). Advogada.
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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
KEYWORDS Audience una; adversarial principle, the principle of ample defense
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS. 3 A AUDIÊNCIA UNA NA CLT. 4.
A AUDIÊNCIA UNA E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.
5 FRACIONAMENTO DAS AUDIÊNCIAS: POSSIBILIDADES E VANTAGENS. 6
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
76
1 INTRODUÇÃO
A Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1º de maio de 1943, no Título X,
Capítulo II, Sessão VIII, nos artigos 813 a 817, trata das audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho e
no Capítulo III, do mesmo título, na Sessão II, trata da audiência de julgamento, nos artigos 843 a 852.
O presente artigo procura abordar alguns aspectos sobre audiência no Processo
do Trabalho, sem, porém, esgotar o tema e trazer algumas considerações sobre a forma una da
audiência e os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Neste sentido, num primeiro momento, procura-se trazer a baila alguns dos
princípios que norteiam os processos de uma maneira geral e especificamente o processo do
trabalho, para assim, entender o porquê da adoção da audiência una pela Consolidação das Leis
do Trabalho quando de sua criação.
Após, traz-se a tona a forma como a Consolidação das Leis do Trabalho trata
da audiência, traçando-se algumas considerações sobre os artigos 813 a 817 e 843 a 852.
Em seguida, dá-se um enfoque especial e se traça considerações sobre os
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa em contraposição à realização da
audiência una, concluindo que a realização de audiência de forma una pode prejudicar o empregado
e poder levar a violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não se
mostrando a forma mais adequada e, tampouco, a mais justa para solucionar as lides trabalhistas.
Por fim, trata-se da possibilidade e das vantagens de realização de ao menos
três audiências, sendo uma para tentativa de conciliação e apresentação de defesa (audiência
inicial), outra para colheita de provas (audiência de instrução) e, uma terceira, para prolação de
sentença (audiência de julgamento), como forma mais adequada para a solução dos conflitos
trabalhistas e de promover a busca da Justiça perfeita.
2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS
Princípio, como define Amauri Mascaro Nascimento (1997, p.96), “é um ponto
de partida. Um fundamento. O princípio de uma estrada é seu ponto de partida, ensinam os juristas.
Encontrar os princípios do direito processual do trabalho corresponde, portanto, à enumeração de
idéias básicas nele encontradas”.
Pois bem, para que se possa entender a forma adotada pela Consolidação das
Leis do Trabalho quanto à audiência una, interessante se faz colacionar alguns dos princípios que
norteiam os processos de uma maneira geral e especificamente o processo do trabalho.
A doutrina enumera vários princípios que são aplicáveis ao processo do
trabalho. Ives Granda da Silva Martins Filho (2001, p.134), de uma forma didática, apresenta o
que denomina princípios constitucionais de processo e princípios do processo do trabalho.
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Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
Entre os princípios constitucionais de processo, destaca: a) due process of law
(CF art. 5º, XXXV), abrangendo o juiz natural, como aquele previamente instituído pela ordem
jurídica (CF art. 5º, LIII) o contraditório (CF art. 5º, LV) e a observância do procedimento regular
(CF art. 5º, LIV); b) a publicidade dos atos processuais (CF art. 5º, LX e 93, IX), que assegura a
possibilidade de qualquer pessoa presenciar a realização dos atos do processo, a obrigatoriedade
de que o ato das partes e do juiz sejam comunicados à parte contrária e, ainda, a garantia de
presença, ao menos dos advogados, quando o processo correr em segredo de justiça; c) motivação
das decisões, ou seja, o convencimento motivado do juiz (CF art. 93, IX); d) garantia da assistência
judiciária gratuita ao economicamente impossibilitados de arcar com as despesas processuais
(CF art. 5º, LXXIV); e) duplo grau de jurisdição, que é a possibilidade de revisão da decisão de
primeira instância por um órgão colegiado (CF art. 5º, LV).
Quanto aos princípios do processo do trabalho, o mesmo autor, resume estes
como sendo os seguintes: a) subsidiariedade, ou seja, aplicação subsidiária do direito processual
civil ao direito processual do trabalho nos casos omissos e desde que haja compatibilidade (CLT,
art. 769); b) concentração de recursos, de forma que são irrecorríveis as decisões interlocutórias,
sendo cabível a interposição de recursos apenas quando esgotada a discussão da matéria nas
instâncias inferiores (CLT, art. 893, § 1º); c) dispositivo, que significa que o processo deve ser
iniciado pelo autor, não cabendo ao juiz ou tribunal conhecer de ofício de qualquer causa (CPC,
art. 2º); d) instrumentalidade das formas, que significa que os atos serão considerados válidos se
atingida a finalidade a que se destinavam, ainda que realizados de forma distinta (CPC, arts. 154
e 244); e) oralidade, ou seja, predominância da forma oral sobre a escrita (CLT, art. 847 e 850); f)
livre convicção do juiz, que importa na ampla liberdade de apreciação da prova pelo magistrado
(CPC, art. 131); g) celeridade e economia processual (CLT, art. 765); h) concentração, que busca
da solução do litígio em uma única audiência (CLT, art. 849); i) conciliação (CLT, arts. 846 e
850); j) lealdade processual, que significa que as partes devem colaborar para a busca da verdade,
sem alterar a realidade dos fatos, opor resistência injustificada ao andamento do processo ou usar
deste para obter fins ilegais (CPC, arts. 14, Ie 17); k) eventualidade, que importa na necessidade
de que todas as alegações sejam apresentadas na oportunidade processual própria (CPC, art. 303);
l) indisponibilidade de direitos (CLT, art. 9º); m) identidade física do juiz34, de forma que o juiz
que tomou os depoimentos pessoais e testemunhas deverá julgar a causa (CPC, art. 132); n) non
reformatio in pejus, ou seja, proibição de julgamento que piore a situação daquele que recorreu
(CPC, arts. 505 e 515); o) aplicação imediata das leis processuais (CPC, art. 132) e p) aplicação
da lei do local da execução do contrato, ou seja, aplicação à controvérsia da lei do país onde será
cumprido o contrato e não de onde ele foi celebrado (Súmula nº 207 do C. TST).
Pois bem, uma vez traçados os princípios que norteiam o direito processual
do trabalho, parecia restar justificável a adoção, pela Consolidação das Leis do Trabalho, da
forma una para as audiências trabalhistas, mormente pela aplicação dos princípios da celeridade,
concentração e da oralidade.
Quando da criação da CLT, em 1º de maio de 1943, a adoção da forma una de
audiência atendia as necessidades dos jurisdicionados à época, dada a simplicidade deste ramo do
direito, tanto que, inicialmente, sequer a Justiça do Trabalho era órgão do poder judiciário, o que
somente veio a ocorrer com a Constituição Federal de 1946.
Todavia, a utilização, nos dias atuais, da forma una para realização das
audiências parece não mais atender as necessidades dos jurisdicionados. Ao contrário, parece
77
34A Súmula nº 136 do C. TST, porém, reza que “não se aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física do juiz”.
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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
ferir o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, mormente se considerarmos a
existência de relações de trabalho mais complexas, bem como a gama de processos que a Justiça
do Trabalho passou a ter competência para processar e julgar, em razão das alterações introduzidas
no art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
3 A AUDIÊNCIA UNA NA CLT
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Como já se disse acima, após traçados os princípios que norteiam o direito
processual do trabalho e verificada à época de criação da CLT, justificável se mostra a adoção da
audiência una pela legislação trabalhista quando da criação da Consolidação das Leis do Trabalho.
Porém, a utilização, atualmente, da forma una para realização das audiências
parece não mais atender as necessidades dos jurisdicionados, além de poder importar em violação
ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Antes, porém, de se traçar
considerações a este respeito, é necessário verificar a forma como a Consolidação das Leis do
Trabalho trata da audiência.
Primeiramente, cabe dizer aqui que audiência, nas palavras de Sergio Pinto
Martins (2006, p.264), “vem do latim audientia, que é o ato de escutar, de atender. A audiência
consiste no ato praticado sob a presidência do juiz a fim de ouvir ou de atender às alegações das
partes”.
A audiência, conforme o ilustre autor Eduardo Gabriel Saad (2008, p.534), é
tida como “o ponto alto do processo, quando: o Juiz entra em contato com as partes, ouvindo-as
e interrogando-as; aprecia os meios de prova oferecidos pelo Reclamante e pelo Reclamado e,
finalmente, decide proferindo sentença”.
A CLT, no Título X, Capítulo II, Sessão VIII, nos artigos 813 a 817, trata das
audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho. No Capítulo III, do mesmo título, na Sessão II, trata
da audiência de julgamento, nos artigos 843 a 852.
Estabelece o art. 813 que as audiências serão públicas e que serão realizadas na
sede do Juízo ou Tribunal, em dias úteis previamente fixados, entre 8 (oito) e 18 (dezoito) horas,
não podendo ultrapassar 5 (cinco) horas seguidas, salvo se houver matéria urgente.
As audiências, porém, podem ser realizadas em outro local, em casos especiais,
sendo necessário, nesta hipótese, que seja afixado edital com antecedência mínima de 24 (vinte e
quatro) horas na sede do Juízo ou Tribunal (art. 813, § 1º).
É possível, também, sempre que necessário, a realização de audiências
extraordinárias, desde que também seja observado o prazo mínimo de antecedência de 24 (vinte
e quatro) horas (art. 813, § 2º).
À hora marcada, o juiz declarará aberta a audiência, sendo apregoadas as partes,
testemunhas e demais pessoas que devam comparecer (art. 815). Todavia, se até 15 (quinze)
minutos após a hora marcada, o juiz não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se,
devendo o ocorrido constar de termo a ser juntado aos autos (art. 815, parágrafo único).
Ao juiz cabe manter a ordem nas audiências, incumbindo-lhe, inclusive, o
poder de mandar retirar-se do recinto os assistentes que a perturbarem (art. 816). Esta faculdade
trata-se, nos dizeres de Carlos Henrique Bezerra Leite (2003, p.303), do “exercício do poder de
polícia pelo juiz, também chamado de poder de polícia processual, que é princípio elementar para
manutenção da ordem, do decoro e da segurança nos recintos destinados às audiências e sessões
dos tribunais”.
O registro das audiências é feito em livro próprio, conforme art. 817 da CLT,
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Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
podendo ser fornecidas certidões de tais registros as pessoas que os requererem (art. 817, parágrafo
único). Atualmente tais registros são digitados em meio eletrônico.
À audiência deverão estar presentes o reclamante e reclamado, salvo quando
tratar-se de ações plúrimas ou de cumprimento, em que os empregados poderão fazer-se representar
pelo Sindicato de sua categoria (art. 843).
É possível que o reclamado faça-se substituir por gerente ou preposto que tenha
conhecimento dos fatos, cujas declarações obrigarão o proponente (art. 843, § 1º)35. Também
é possível que o empregado faça-se representar por outro empregado que pertença a mesma
profissão ou pelo seu sindicato, caso não possa comparecer pessoalmente, por motivo de doença
ou outro motivo poderoso, devidamente comprovado (art. 843, § 2º).
O não comparecimento das partes à audiência traz conseqüências diferentes,
acaso se trate de reclamante ou reclamado. O art. 844 da CLT estabelece que o não comparecimento
do reclamante importa em arquivamento da reclamação e o não comparecimento do reclamado
importa em revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. O parágrafo único do mencionado
artigo, porém, prevê a possibilidade do juiz suspender o julgamento e designar nova audiência,
acaso ocorra motivo relevante.
As partes deverão comparecer à audiência acompanhadas de suas testemunhas,
apresentando, também nesta oportunidade, as demais provas que pretendem produzir (art. 845).
Aberta a audiência, o juiz proporá a conciliação (art. 846).
A conciliação, como já se disse outrora, é princípio do direito processual do
trabalho. Nos dizeres de Eduardo Gabriel Saad (2001, p.570), “no Direito Processual do Trabalho,
a figura da conciliação projeta-se de maneira impressionante, pois é um instituto de grande alcance
na instauração da paz social”.
A conciliação é forma de solução de conflito muito prestigiada na Justiça do
Trabalho. Nos dizeres de Cleber Lucio de Almeida (2009, p.169-177) a “solução negociada do
conflito de interesses é a mais democrática forma de colocar fim ao processo judicial e atende aos
princípios da celeridade, economia e da efetividade da decisão judicial”.
É tamanha a importância da conciliação na Justiça do Trabalho que a CLT
estabelece a obrigatoriedade de sua tentativa em dois momentos distintos, quais sejam, quando aberta
à audiência (art. 846) e quando terminada a instrução processual, após as razões finais (art.850).
Havendo acordo, será lavrado termo, assinado pelo juiz e pelas partes,
consignado-se neste todas as condições estipuladas para seu cumprimento (art. 846, § 1º).
Caso não haja acordo, o reclamado contará com vinte minutos para aduzir
sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada pelas partes (art. 847).
Todavia, “na prática, porém, a peça de defesa do reclamado é escrita e entregue ao juiz que,
incontinenti, a entrega ao reclamante (ou a seu representante), não havendo leitura alguma das
peças processuais” (LEITE, (2003, p. 303).
Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo haver
interrogatório das partes (art. 848), sendo após ouvidas as testemunhas, peritos e os técnicos, se
houver (art. 848, § 2º).
A audiência de julgamento será contínua, nos termos do que estabelece o art.
849 da CLT, podendo ser concluída em outra oportunidade, por motivo de força maior, sendo a
continuação marcada para a primeira data da pauta desimpedida, independente de nova notificação.
79
35A Súmula nº 377 do C. TST estabelece que “exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, ou contra micro ou pequeno
empresário, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado”.
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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
Uma vez terminada a instrução, poderão as partes, no prazo não excedente de
dez minutos cada uma, aduzir razões finais. Em seguida, o juiz renovará a proposta de conciliação
e, caso esta não se realize, será proferida a decisão (art. 850).
Todos os trâmites da instrução e julgamento da reclamação trabalhista serão
resumidos em ata, constando também desta a decisão na íntegra (art. 851), devendo referida ata se
junta ao processo no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito) horas (art. 851, § 1º).
Os litigantes, conforme dispõe o art. 852 da CLT, serão notificados da decisão
proferida no feito de forma pessoal ou por seus representantes, na própria audiência ou, em caso
de revelia, serão notificados por edital (art.841, § 1º).
4 A AUDIÊNCIA UNA E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
O art. 849 da CLT, como já se disse, dispõe que a audiência de julgamento
será contínua, ou seja, todos os atos são concentrados numa única audiência, com a realização
de proposta conciliatória, apresentação de defesa, manifestação, colheita de provas, razões finais,
nova proposta conciliatória e prolação de sentença.
Na prática, porém, o que se verifica é que os próprios magistrados não observam
essa determinação, pois raramente proferem sua sentença na própria audiência.
Neste sentido, vale a pena transcrever aqui as considerações do advogado
Alberto de Paula Machado (2010):
80
[...] Já no que toca a concentração dos atos, há muito tempo a audiência
deixou de ser una, posto que mesmo concentrando-se os atos de
entrega de defesa, manifestação e coleta de provas, os magistrados
optam, invariavelmente, por designar nova audiência para prolação e
publicação da sentença. É certo que tal procedimento é recomendável e
louvável, pois garante ao magistrado tempo de dedicação para o estudo
do processo e para a profunda análise das teses e argumentos de cada
parte, longe do calor do debate.
Também a oralidade deixou de fazer parte do cotidiano do processo trabalhista,
mesmo em audiências unas, pois a leitura da reclamação em audiência, nos termos do artigo 847
da CLT, é sempre dispensada e a defesa, em quase a totalidade dos casos, é entregue de forma
escrita, já acompanhada dos documentos.
Portanto, o que se verifica, usualmente, é que os próprios magistrados não
observam, estritamente, os termos do art. 849 da CLT, que dispõe que a audiência de julgamento
será contínua, pois raramente proferem sentença em audiência.
Da forma como se apresenta, mais uma vez citando Alberto de Paula Machado,
a audiência una constitui-se em um indisfarçável instrumento de cerceamento de direito da parte
reclamante. Segundo o Machado (2010):
[...] a audiência una, na prática tem demonstrado que esta além de nada
contribuir com a celeridade processual, oralidade e concentração dos
atos, também se constitui em indisfarçável instrumento de cerceamento
de defesa da parte reclamante, que fica em posição processual
desfavorável diante da parte reclamada, caracterizando nítida violação
a princípios constitucionais de isonomia e da ampla defesa.
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Ora, quando a audiência é realizada de forma una, não havendo a conciliação,
a reclamada apresenta sua defesa e documentos e, então, num curto prazo de poucos minutos,
o reclamante tem que analisar todas as argumentações de defesa, os documentos acostados,
manifestar-se sobre os mesmos e verificar quais os pontos controvertidos sobre os quais será
necessária a realização de prova.
Neste sentido, como assevera José Affonso Dallegrave Neto (2010), “é
humanamente impossível que o reclamante consiga defender-se a contento num exíguo prazo
de minutos em manifestação oral acerca da complexa prova documental”. Para o professor e
advogado, pior que isso, “é a prática de impor ao Reclamante uma manifestação apressada e
incompleta de documentos sem a concessão de tempo hábil para o exame acurado da peça de
defesa”.
O reclamado, contrariamente, tem prazo suficiente para analisar a reclamação
trabalhista e os documentos juntados pelo autor, elaborar a sua defesa, organizar as provas que
apresentará no feito e reunir as testemunhas, acaso entenda necessário a produção de prova oral,
já que, nos termos do art. 841 da CLT, recebida e protocolada a petição, o reclamado deverá ser
notificado para comparecer à audiência que será a primeira desimpedida depois de 5 (cinco) dias.
Dessa feita, a realização de audiência una pode constituir-se em instrumento
de cerceamento de defesa da parte reclamante, por ficar em uma posição processual desfavorável
diante da reclamada, em completa violação aos princípios constitucionais do contraditório e da
ampla defesa (art. 5º, LV).
De mais a mais, atualmente, diversamente do que ocorria há época da elaboração
da CLT, as relações de trabalho tem se apresentado de forma mais complexas e os empregados,
na quase totalidade das vezes, fazem-se acompanhar por advogados, o que torna mais técnica e
até mais complexas as demandas. Aliado a isso, após a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a
Justiça do Trabalho teve enormemente ampliada a sua competência para processar e julgar feitos.
Com efeito, nos termos da atual redação do art. 114 da Constituição Federal,
compete a Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho,
abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - as ações que envolvam exercício
do direito de greve; III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e
trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV - os mandados de segurança, habeas corpus
e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V - os conflitos
de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos
de fiscalização das relações de trabalho; VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais
previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
Neste sentido, vale a pena transcrever aqui as considerações de Fernanda de
Abreu Pirotta (2010):
81
é imprescindível lembrar que à época da elaboração da Consolidação
das Leis Trabalhistas as relações de trabalho e de emprego ocorriam
de forma mais restrita e simples, motivo por que a solução dos litígios
também se dava de modo mais facilitada.
Basta perceber que, em meados do século passado, o principal
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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
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instrumento de trabalho do advogado não era o computador ou o
notebook, mas a máquina de escrever que não possui a tecla delete nem
backspace, nem as funções de “recorta e cola” do word.
Na prática atual, a linguagem da informática traduz-se juridicamente
pelo fato de que o profissional do direito é capaz de produzir muitas
mais petições trabalhistas em um menor espaço de tempo. As petições,
além de mais variadas, tornaram-se mais extensas pela facilidade em
obter informações via internet.
Ora, a tecnologia pode ser fantástica quando bem utilizada, o problema
ocorre quando o advogado da parte demandante é surpreendido pelo
conteúdo da contestação ao qual só tem acesso naquele momento, e
dispõe de apenas 10 (dez) minutos para impugnar as alegações contidas
nas incontáveis laudas e documentos colacionados à defesa.
O resultado é que, sem conhecer quais fatos serão realmente
controvertidos na lide em questão, muitas vezes são levadas testemunhas
desnecessárias, e, em outras ocasiões, sequer é possível conhecer e
analisar todos os documentos com a amplitude necessária.
O mais grave, contudo, é que o exíguo tempo para conhecer do conteúdo
da contestação e para realizar a impugnação dos fatos e documentos
trazidos em Juízo o que dificulta a defesa técnica adequada e embaraça
substancialmente a instrução em prejuízo do contraditório.
[...]
O que se vivencia hoje é um cenário de diversas metamorfoses
econômicas, sociais e políticas no qual é inevitável constatar que as
relações de trabalho adquiriram uma complexidade muito maior do
que aquela antes experimentada nos sistemas de produção taylorista e
fordista, exigindo dos operadores do direito uma conduta muito mais
atenta para alcançar a justiça no caso concreto.
Corolário lógico de relações mais complexas é que os conflitos
resistidos de valores tornam-se também mais abstrusos, bem como a
instrução processual decorrente deles.
A tendência é a de que os gêneros diferenciados de relações jurídicas
recorram à Justiça do Trabalho para obter a tutela de seus direitos,
principalmente em razão da ampliação da competência da Justiça
Trabalhista promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Também e nesta ordem de ideias, André Luiz Amorim Franco (1999, p.9), juiz
do trabalho substituto na Região de Ribeirão Preto, São Paulo, mantém posicionamento contrário
à audiência una por entender que esta viola os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Afirma o magistrado:
[...] A CLT, de 1943, ao prever a audiência una, não contava com o
avanço tecnológico e a diversidade das lides trabalhistas, aliado a
presença cada vez mais frequente dos advogados, como patronos das
partes, tornando técnico um procedimento simplório no início, quase
administrativo. Na verdade, o universo laboral perdeu sua simplicidade
absoluta e ganhou contornos forenses de um dos ramos mais dinâmicos
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do Direito. O crescimento econômico, as conquistas dos trabalhadores, os
sindicatos, contribuíram para tornar mais complexo os atos do processo,
exigindo cada vez mais dos advogados e Juízes. Demais, extremamente
prejudicada fica a posição do reclamante, que tem imediato contato com
a defesa do adversário, às vezes longa e com preliminares, seguida de
documentos, sem tempo de formar uma estratégia para o restante que o
aguarda. Não se pode falar em celeridade em detrimento da qualidade,
mormente com o advento da Constituição da República de 1988 que
exalta o contraditório e a ampla defesa.
Diante deste atual cenário, portanto, é possível afirmar que a realização de
audiência de forma una pode prejudicar o empregado e poder levar a violação dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não se mostrando a forma mais adequada e,
tampouco, a mais justa para solucionar as lides trabalhistas.
5 FRACIONAMENTO DAS AUDIÊNCIAS: POSSIBILIDADES E VANTAGENS
Como já se disse acima, o Direito do Trabalho perdeu sua simplicidade
absoluta e ganhou contornos forenses de um dos ramos mais dinâmicos do Direito. Dessa feita, a
realização de audiência una pode prejudicar o empregado e pode levar a violação dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, de modo que não se mostra como forma mais
adequada ou mais justa para solucionar as lides trabalhistas.
O fracionamento das audiências, que já vem sendo utilizada por alguns juízos,
com adoção da prática de realização de três audiências, ou seja, uma para tentativa de conciliação
e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência de instrução)
e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), parece ser a forma mais
adequada para a solução dos conflitos trabalhistas.
Nem se diga que com a segmentação das audiências estar-se-ia violando os
princípios da celeridade, concentração e da oralidade, que também são informadores do processo
trabalhista. Ora, não se pode admitir, sob o manto da aplicação de referidos princípios, que outros,
mais importantes, por terem status constitucional, como o do contraditório e da ampla defesa,
deixem de ser aplicados.
Ademais e como já se disse, as relações de trabalho tem se apresentado de
forma mais complexa; os empregados, na quase totalidade das vezes, fazem-se acompanhar
por advogados, o que torna mais técnica e até mais complexas as demandas; além da Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, ter ampliado enormemente a competência da Justiça do Trabalho.
Dessa feita, os princípios da celeridade, concentração e da oralidade devem
continuar ser aplicados na medida do possível, desde que não importem violação a outros
princípios mais importantes, como o do contraditório e ampla defesa.
Outrossim, cumpre destacar que mesmo sem qualquer alteração na CLT, seria
possível e vantajoso o fracionamento das audiências.
Isso porque, como já se disse anteriormente, o próprio art. 849 da CLT, que
reza que a audiência será contínua, traz a possibilidade desta não ser concluída no mesmo dia
em caso de ocorrência de motivo de força maior. Aliás, os próprios magistrados normalmente
fracionam as audiências, ao menos quando da prolação da sentença, pois estas raramente ocorrem
no mesmo dia da audiência de julgamento.
Ademais, a própria Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 765
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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
estabelece que “os juízes e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e
velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao
esclarecimento delas”.
Portanto, mesmo sem qualquer alteração da CLT, mostra-se juridicamente
possível o fracionamento das audiências.
Aliás, e seguindo esta tendência, o próprio Tribunal Superior do Trabalho, pela
Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, através da atual Consolidação do Provimentos da
Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 28 de outubro de 2008, no Título VII, intitulado
“Das Audiências — Normas Procedimentais no Dissídio Individual”, quando trata das audiência,
reza a possibilidade de seu fracionamento.
Com efeito, reza o art. 46 de referida Consolidação do Provimento:
84
Art. 46. Adotada audiência una nos processos de rito ordinário, cabe
ao Juiz:
I – [...]
II - adiar ou cindir a audiência se houver retardamento superior a uma
hora para a realização da audiência;
III - conceder vista ao reclamante na própria audiência dos
documentos exibidos com a defesa, antes da instrução, salvo se o
reclamante, em face do volume e complexidade dos documentos,
preferir que o Juiz assine prazo para tanto, caso em que, registrada
tal circunstância em ata, cumprirá ao Juiz designar nova data para
a audiência de instrução (grifo nosso).
Ademais, o fracionamento das audiências somente traria benefícios ao bom
andamento do processo e a solução da lide.
Com efeito, como afirma Sergio Pinto Martins (2006, p.265) “a experiência
mostra que, quanto mais forem realizadas audiências, maior a probabilidade de as próprias partes
se conciliarem”.
Além disso, com o fracionamento da audiência, certamente o princípio
constitucional do contraditório e da ampla defesa seriam observados, pois a parte reclamante
teria a possibilidade de, com calma, verificar os argumentos defensivos da reclamada e analisar
os documentos por esta trazidos ao feito, manifestando-se sobre este e, inclusive, demonstrando
matematicamente eventuais incorreções de pagamento de verbas.
Ademais, seria possível o magistrado sanear o feito, com a apreciação de
preliminares e requerimentos, determinando alguma providência que entendesse necessária para
o melhor andamento da demanda.
Seria possível, ainda, fixarem-se os pontos controvertidos, facilitando, assim,
a produção de prova no feito.
Ademais, com a segmentação da audiência, seria possível uma melhor
adequação das pautas, já que o magistrado teria condições de melhor avaliar a complexidade da
causa e, assim, estimar o tempo razoável para instrução de cada feito.
Portanto, o fracionamento da audiência somente traria benefícios, tanto às
partes, como ao próprio magistrado e a própria Justiça do Trabalho, propiciando, verdadeiramente,
a justa solução da lide. Nos dizeres do advogado Alberto de Paula Machado (2010):
[...] é imprescindível, para se fazer Justiça e colocar as partes em
igualdade no processo, a segmentação da audiência, realizando-se
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Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula
um ato inicial para tentativa de conciliação (artigo 846/CLT) e, se
ausente esta, entrega da defesa, seguindo-se com concessão de prazo
hábil para o reclamante se manifestar sobre seus termos e documentos
apresentados, para, só então, designar-se nova audiência para instrução
e coleta de provas (artigo 849/CLT), onde não só o magistrado, mas
também reclamante e reclamado poderão comparecer sabedores e com
absoluta segurança do que é controvertido, bem como das provas que
competirão a cada um produzir, empregando celeridade ao processo,
mas sempre em busca da Justiça perfeita, com atenção inafastável à
isonomia e à garantia da ampla defesa das partes.
Assim, a realização de ao menos três audiências, sendo uma para tentativa de
conciliação e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência
de instrução) e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), salvo
opiniões contrárias, parece ser a forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas e,
verdadeiramente, promover a busca da Justiça perfeita.
6 CONCLUSÃO
Procurou-se no presente artigo trazer algumas considerações sobre a
audiência no Processo do Trabalho, sem, porém, esgotar o tema, dando um enfoque especial
e traçando considerações sobre princípios processuais de uma maneira geral, a forma una da
audiência, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa em contraposição
à realização da audiência contínua e as possibilidade e vantagens do fracionamento da
audiência.
Demonstrou-se que o art. 849 da CLT estabelece que a audiência será contínua,
o que significa que todos os atos são concentrados numa única audiência, como a realização de
proposta conciliatória, apresentação de defesa, manifestação, colheita de provas, razões finais,
nova proposta conciliatória e prolação de sentença.
Asseverou-se que quando da criação da CLT, em 1º de maio de 1943, a
adoção da forma una de audiência atendia as necessidades dos jurisdicionados à época, dada a
simplicidade das relações laborais, além de prestigiar os princípios processuais da celeridade,
concentração e da oralidade.
Todavia, destacou-se que a utilização, nos dias atuais, da forma una para
realização das audiências parece não mais atender as necessidades dos jurisdicionados, além de
poder ferir o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, diante do atual cenário,
marcado pela existência de relações de trabalho mais complexas, e diversas, e, ainda, diante da
gama de processos que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para processar e julgar, em
razão das alterações introduzidas no art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional
nº 45/2004.
Dessa feita, trouxe-se a tona o fracionamento das audiências, já adotada por
alguns juízos, com adoção da prática de realização de três audiências, sendo uma para tentativa de
conciliação e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência
de instrução) e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), como sendo
uma forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas.
Destacou-se, ainda, que mesmo sem qualquer alteração na CLT, seria possível
o fracionamento das audiências, considerando que o próprio art. 849 da CLT, estabelece que a
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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
audiência pode não ser concluída no mesmo dia em caso de ocorrência de motivo de força maior,
além do próprio art. 765 estabelecer que os magistrados terão ampla liberdade na direção do
processo, podendo determinar qualquer diligência necessária ao seu esclarecimento.
Aliado a isso, destacou-se o posicionamento adotado pela Corregedoria-Geral
da Justiça do Trabalho, através da atual Consolidação do Provimentos da Corregedoria-Geral
da Justiça do Trabalho, de 28 de outubro de 2008, que em seu art. 46 trouxe a possibilidade da
segmentação das audiências.
Por fim, destacaram-se as vantagens do fracionamento das audiências, acabando
por concluir que a realização de ao menos três audiências, (audiência inicial, audiência de instrução
e audiência de julgamento), salvo opiniões contrárias, parece ser a forma mais adequada para a
solução dos conflitos trabalhistas e, verdadeiramente, promover a busca da Justiça perfeita.
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Marília Barros Breda
BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTATUTO DA CIDADE E A
RESPONSABILIDADE PELA SUA APLICAÇÃO
Marília Barros Breda36*
RESUMO
O presente artigo objetiva tecer algumas considerações a respeito do Estatuto da Cidade,
apresentando seu conceito e objetivo, de forma a esclarecer a importância dessa lei para a
implementação da Política de Desenvolvimento Urbano insculpida na Constituição Federal de
1988. Analisa-se, outrossim, a responsabilidade pela aplicação do Estatuto da Cidade, de forma
a resguardar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a concretização da cidade
sustentável.
PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Cidade. Responsabilidade. Desenvolvimento urbano.
SHORT THOUGHTS ON THE STATUS OF THE LAW CITY AND THE
RESPONSIBILITY FOR ITS IMPLEMENTATION
ABSTRACT
The present essay aims to highlight some aspects concerning the City Statute, mainly related to its
notion and purpose. It points out the importance of this law for the implementation of the Urban
Development Policy foreseen in the Federal Constitution of 1988. It will be seen, moreover, the
responsibility for implementing the City Statute in order to safeguard the full development of the
city’s social functions and the achievement of sustainable city.
89
KEYWORDS: City Statute. Responsibility. Urban development.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO, OBJETIVO E IMPORTÃNCIA DO ESTATUTO DA CIDADE.
3 O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO. 3.1
Principais Instrumentos da Política de Desenvolvimento urbano. 3.2 Função social da propriedade
urbana. 4 RESPONSABILIDADE PELA APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE. 5
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Segundo relatório publicado recentemente pela Organização das Nações Unidas
(ONU), mais da metade da população mundial vive nas cidades. Essa realidade não é diferente no
Brasil. Na década de 40, cerca de 30% da população brasileira residia em área urbana. Na década de
60, esse número subiu para 45%. Em 1970, para mais de 50% e alcança, atualmente, o percentual de
77%. Aliás, há previsão de que esse patamar alcance 88% até o ano de 2030, haja vista que, atualmente,
36* Pós-Graduanda em Teoria e Prática de Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina.
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina. Membro da Comissão de Jovens
Advogados da OABPR, subseção de Londrina. Advogada.
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Breves Considerações a Respeito do Estatuto da Cidade e a Responsabilidade pela sua Aplicação
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a migração não objetiva mais o abandono do campo (em busca de melhores condições de vida nas
cidades), mas sim a troca de cidades em busca de trabalho e qualidade de vida, fazendo com que as
pequenas e médias cidades cresçam de forma mais acelerada do que as megalópoles.
Este acelerado processo de urbanização exige a adoção de medidas que visem
resguardar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas, especialmente aquelas que residem nos
centros urbanos, onde a concentração populacional é cada vez maior.
Ademais, destaca-se, que o meio ambiente é considerado um direito difuso,
pois seus titulares são indetermináveis, e encontram-se ligados por uma situação de fato. É
também um direito indivisível, pois não se pode quantificar qual parcela pertence a cada um de
seus titulares, e a maioria dos doutrinadores, como Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p.20),
por exemplo, o classifica em quatro aspectos: natural, cultural, do trabalho e artificial.
O meio ambiente artificial, intimamente ligado ao tema em apreço, é composto
pelo espaço urbano construído. É aqui que se estudam as práticas de direito urbanístico, com
destaque à função social da cidade. Nesse contexto, insere-se o Estatuto da Cidade.
O conteúdo relativo ao meio ambiente artificial está intimamente ligado à
dinâmica das cidades, não sendo possível “desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade
de vida, assim como do direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida”
(FIORILLO, 2009, p.340) .
E foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que a cidade passou
a ter natureza jurídica ambiental, ou seja, passou a ser disciplinada em razão da estrutura jurídica
do bem ambiental (art. 225 da CF) e em decorrência das diretrizes constitucionais advindas dos
arts. 182 e 183 da Carta Magna (meio ambiente artificial), tendo a Carta Magna reservado, ainda,
vários dispositivos alusivos ao desenvolvimento urbano (arts. 21, XX, e 182), planos urbanísticos
(arts. 21, IX; 30, VIII; e 182) e função urbanística da propriedade urbana.
Destarte, marcado pela necessidade de acomodar quase 193 milhões de seres
humanos, o Brasil convive com a formação de uma cidade irregular ao lado da regular, obrigando
a considerar, nos dias de hoje,
[...] uma realidade no campo jurídico que nasce com o regramento
constitucional [...] visando superar discriminações sociais da cidade
pós-liberal e dar a todos os brasileiros e estrangeiros que aqui residem
os benefícios de meio ambiente artificial cientificamente concebido.
(FIORILLO, 2009, p. 348)
Devido ao crescente aumento populacional nas cidades, exige-se do Poder
Público, com a participação de toda a coletividade, a observância de regras no sentido de viabilizar
esse crescimento urbano, justamente para que problemas como trânsito urbano, poluição sonora,
visual etc. e crescimento desordenado sejam evitados e/ou minorados.
Atenta a essa realidade, a Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo
exclusivo ao meio ambiente, definindo a política ambiental brasileira. Este capítulo notabiliza-se
pela sua importância e avanço, inclusive se comparado a Constituições de outros Estados, estando na
vanguarda de seu tempo, além de estabelecer, mais especificamente em seu art. 182, diretrizes voltadas
para a política de desenvolvimento urbano, com o fim principal de dar guarida às funções sociais das
cidades, proporcionando uma melhor qualidade de vida e bem-estar para os habitantes da “urbe”.
Para dar cumprimento às diretrizes supramencionadas, editou-se a Lei Federal
nº 10.257/2001, autodenominada “Estatuto da Cidade”, que prevê, em seu art. 4º, uma série de
instrumentos voltados ao pleno desenvolvimento da política urbana e das funções sociais das cidades.
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Marília Barros Breda
O Estatuto da Cidade, portanto, deve cumprir esse importante papel,
proporcionando bem-estar e uma melhor qualidade de vida aos habitantes da “urbe”, através da
aplicação dos instrumentos ali previstos, pois sem eles, desnecessário dizer, restará inviabilizada
por completo a vida nas cidades, colocando em xeque as diretrizes fixadas pela Constituição
Federal de 1988. Sob essa perspectiva, a proteção da cidade significa proteger, também, a
dignidade da pessoa humana. Com isso, restará atendido um dos principais objetivos delineados
pela Carta Magna.
Ante ao exposto, o presente texto, ainda que de forma breve, apresentará o
conceito, objetivo e importância do Estatuto da Cidade, bem como a sua relação com a efetivação
da política de desenvolvimento urbano, insculpida nos já mencionados arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, abordando, também, a responsabilidade do administrador municipal pela
aplicação do referido Estatuto, tudo para que seja possível vivenciar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e a concretização da cidade sustentável, de forma a dar guarida ao
direito fundamental de se viver em uma cidade ecologicamente equilibrada.
2 CONCEITO, OBJETIVO E IMPORTÂNCIA DO ESTATUTO DA CIDADE
Atualmente, o processo migratório tem ocorrido de maneira diversa dos tempos
pretéritos, pois não mais objetiva o abandono do campo em busca de melhores condições de vida
nas cidades, mas sim a troca de cidades em busca de trabalho e qualidade de vida. E atenta a essa
nova realidade, a Constituição Federal, em seu art. 182 estabeleceu diretrizes voltadas para a
política de desenvolvimento urbano.
Para dar cumprimento às diretrizes supramencionadas, o Estatuto da Cidade
trouxe em seu art. 4º uma série de instrumentos voltados ao pleno desenvolvimento da política
urbana e das funções sociais das cidades, haja vista a necessidade das cidades estarem preparadas
para o crescente aumento populacional, além de ter por objetivo regulamentar os artigos 182
e 183 da Constituição Federal e estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, pois toda
cidade deve se valer de instrumentos que viabilizem o morar bem, o trabalho, o transporte e o
lazer, além de possuir 58 artigos distribuídos em cinco capítulos: I - Diretrizes Gerais; II - Dos
Instrumentos da Política Urbana; III - Do Plano Diretor; IV - Da Gestão Democrática da Cidade;
e V - Disposições Gerais.
Élida Séguin (2006, p.18), ao apresentar um conceito do que seria o Estatuto
da Cidade, tece considerações a respeito do ramo do Direito no qual esta lei está situada. A
referida autora, apesar de reconhecer que a Lei 10.257/2001 demonstra preocupação não apenas
com o meio ambiente construído, mas também com o rural, verifica que seus institutos técnicos,
políticos e jurídicos são todos urbanos, razão pela qual ela o classifica como pertencente ao Direito
Ambiental Construído.
Assim, o Estatuto da Cidade seria “[...] o conjunto de normas, princípios,
políticas públicas e diretrizes que visam, com a participação da comunidade, atingir uma qualidade
de vida urbana e disciplinar o Meio Ambiente Construído [...]”, (SÉGUIM, 2006, p.18), ficando
vinculado aos princípios que regem o Direito Ambiental.
Neste sentido, vale ressaltar as lições de Odete Medauar, para quem
91
O Estatuto da Cidade vem disciplinar e reiterar várias figuras e
institutos do Direito Urbanístico, alguns já presentes na Constituição
de 1988, que parece ter sido lembrada ou relembrada, nesse aspecto,
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com a edição do Estatuto da Cidade. Fornece um instrumental a
ser utilizado em matéria urbanística, sobretudo em nível municipal,
visando à melhor ordenação do espaço urbano, com observância da
proteção ambiental, e à busca de solução para problemas sociais
graves, como a moradia, o saneamento, por exemplo, que o caos
urbano faz incidir, de modo contundente, sobre as camadas carentes
da sociedade. (MEDAUAR, 2004, p. 17)
Esta lei, segundo Paulo de Bessa Antunes, tem por objetivo “regular o uso
da propriedade urbana em benefício da coletividade, da segurança e do bem-estar dos cidadãos
e, também, do equilíbrio ambiental” (ANTUNES, 2005, p. 289) Tal objetivo encontra-se
expressamente definido no art. 2º da Lei 10.257/01: “Art. 2o. A política urbana tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante
as seguintes diretrizes gerais: [...]” (BRASIL, 2011).
Desta forma, tem-se que o Estatuto da Cidade estabelece as diretrizes gerais
da política urbana através de normas e instrumentos que exigem, sobretudo, a participação
direta da sociedade no planejamento e gestão da cidade, conforme explica Maria Auxiliadora de
Moraes Moreira (2008), pois toda cidade necessita de instrumentos que viabilizem o morar bem,
o trabalho, o lazer e o transporte.
Segundo Maria Luiza Machado Granziera, a referida lei traz para o direito
brasileiro:
92
[...] alguns princípios relativos a necessidade de planejar de forma
séria e concreta as cidades, [...] garantir que a cidade, na implantação
dos planos, alcance efetivamente a desejada sustentabilidade. [...] O
planejamento, pelo município deve levar em conta sua expansão
proporcionalmente à quantidade de recursos naturais disponíveis,
além da capacidade financeira do Poder Público para fazer frente às
demandas de equipamentos urbanos, transporte, saúde, educação, etc.
(GRANZIERA, 2007, p.185)
Como inovação, o Estatuto da Cidade traz a participação da sociedade,
principalmente no plano diretor e em audiências públicas nos processos de implantação de
empreendimentos, pois se os moradores cobrarem do Poder Público as medidas necessárias ao
equilíbrio ambiental, o Município terá mais chances de aproximar-se da sustentabilidade.
Para Cyntia da Silva Almeida Willeman, o Estatuto da Cidade cria outro
sistema de proteção do meio ambiente, resultando na formação de “um direito urbano-ambiental,
ramo do Direito que de forma interdisciplinar busca contemplar a dimensão urbanística com os
princípios de proteção ao meio ambiente.” (WILLEMAM, 2009).
Sobre o tema, Vanêsca Buzelato Prestes entende que
O estatuto da cidade é a expressão legal da política urbano-ambiental,
norma originadora de um sistema que interage com os diversos agentes
que constroem a cidade, e a reconhece em movimento, em um processo
que precisa, de um lado, avaliar e dar conta das necessidades urbanas e
de ouro, estabelecer os limites para a vida em sociedade, considerando
que essa sociedade está cada vez mais dinâmica, exigente e com
escassez de recursos naturais. ( PRESTES, apud WILLEMAN, 2009)
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Marília Barros Breda
A importância desta lei reside no fato de que fez renascer o interesse pela
questão urbana, além de impor aos Municípios e ao setor privado muita atenção à matéria, até
porque, com a Medida Provisória 2.180-35/2001, a ordem urbanística passou a fazer parte do
objeto da ação civil pública, o que torna imprescindível conhecer, divulgar, discutir e aplicar o
Estatuto da Cidade, para melhoria da qualidade de vida de toda a população. (MEDAUAR, 2004,
p.18).
Ademais, como bem explica Toshio Mukai,
Podemos destacar como um dos aspectos relevantes da referida Lei
o fato de constituir-se em um instrumento que permitirá a efetiva
concretização do plano diretor nos Municípios brasileiros, sendo, como
dito, obrigatório para aqueles de mais de vinte mil habitantes, na cidade.
(MUKAI, 2007, p. 40)
Diante disso, verifica-se que o Estatuto da Cidade busca criar uma
política e uma consciência popular para a sustentabilidade das cidades, garantindo a todos
os direitos à terra urbana e à moradia, pois traz instrumentos que podem ser considerados
inovadores para a gestão das cidades, não tratando apenas do meio ambiente urbano e sua
qualidade, mas abordando, inclusive, as exigências ambientais presentes na Constituição
e na Política Nacional do Meio Ambiente.
Ao estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, o referido estatuto
representou um passo importante e até mesmo histórico em matéria urbanística, pois
viabiliza a construção de uma política urbana objetivando o desenvolvimento ordenado das
cidades, de forma a permitir que sejam cumpridas as suas funções sociais, possibilitando,
desta forma, que seja vivenciado o conceito de cidade sustentável.
Entretanto, segundo as lições de Odete Medauar, para que o Estatuto
da Cidade possa ter eficácia, não basta apenas a previsão de uma série de instrumentos
que podem ser utilizados em prol da política urbana. É necessário, outrossim, que tais
instrumentos sejam operacionalizados e adaptados a realidade das cidades, haja vista que
cada cidade possui uma vocação, um modo de ser. Para isso, “[...] em todo Município
serão tomadas as decisões para efetivar as diretrizes fixadas no Estatuto da Cidade,
com a ouvida, com a participação da coletividade, segundo prevê o próprio Estatuto”
(MEDAUAR, 2004, p.17).
Por fim, ressalta-se que o art. 2º do Estatuto da Cidade traz em
seus incisos os princípios da política urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, conforme se
verá a seguir.
93
3 O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO
A Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo exclusivamente à política
urbana (Título VI, Capítulo II), trazendo ali os parâmetros mínimos a serem adotados por toda a
municipalidade,37 vez que tal política encontra-se diretamente ligada à dinâmica das cidades. Os
dois artigos que compõem este capítulo (arts. 182 e 183) estão voltados para o estabelecimento
37A esse respeito, Paulo de Bessa Antunes observa que o “[...] próprio texto constitucional definiu os contornos, mínimos, a serem
observados pelo legislador ordinário ao dispor sobre a matéria.” (ANTUNES, op. cit., p.291).
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de uma disciplina para a ocupação do solo urbano e para as políticas públicas, “cujo objetivo
é assegurar uma ocupação racional e socialmente justa dos territórios de nossas cidades.”
(ANTUNES, 2005, p.91)
Em sede constitucional ficou estabelecido que a política de desenvolvimento
urbano deve ser executada principalmente pelo Poder Público Municipal, de acordo com as
diretrizes gerais fixadas em lei. Tal política tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, sendo o plano diretor o seu
principal instrumento, pois, conforme explica Paulo de Bessa Antunes, é ele “[...] quem definirá
quando a propriedade privada estiver, ou não, cumprindo com as suas funções sociais, mediante
o atendimento das ‘exigências fundamentais’ de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor”
(ANTUNES, 2005, p.291).
Ressalta-se, ainda, que, segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, a competência
material para a consecução dos objetivos de desenvolvimento da política urbana foi atribuída à
União, inclusive no que tange à habitação, saneamento básico e transportes urbanos, de forma a
delimitar através de normas gerais as diretrizes que servirão como parâmetros no desenvolvimento
da política urbana que os Estados e Municípios deverão adotar (FIORILLO, 2009, p.342-343).
Os objetivos da política urbana, portanto, consistem em ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, garantindo o direito a
cidades sustentáveis, bem como assegurar o bem-estar dos seus habitantes. Essa política deve ser
traçada de acordo com as necessidades do Município, nos moldes do Estatuto da Cidade.
O referido Estatuto, inclusive, apresenta as diretrizes a serem observadas
para que possa haver a efetivação da política de desenvolvimento urbano, de forma a evitar,
de maneira geral, o crescimento desordenado das cidades e as externalidades negativas que
podem ser causadas por ele. Tais diretrizes encontram-se previstas nos incisos do art. 2º da Lei.
10.257/2001 e consistem, em síntese, na garantia do direito a cidades sustentáveis, na gestão
democrática das cidades, na cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores
da sociedade no processo de urbanização, no planejamento do desenvolvimento das cidades, na
oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados, na
ordenação e controle do uso do solo, na proteção, preservação e recuperação do meio ambiente
natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; na
regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o
estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, dentre
outras.
Da análise do dispositivo legal acima citado, infere-se que as diretrizes
disciplinadas pela lei para a efetivação da política urbana são obrigatórias para os Municípios,
que deverão incluí-las, guardadas as devidas peculiaridades, em seus planos diretores, leis de uso
e ocupação do solo e de parcelamento do solo, como oportunamente observa Toshio Mukai (2007,
p. 42).
Entretanto, para que uma política urbana seja efetiva, ela deve ser coerente
com seu território e exequível, conferindo diretrizes e bases legais às ações relativas à busca da
sustentabilidade urbana. Porém, por causa da inércia da Administração Pública na solução dos
problemas relativos à política urbana,38 tem sido cada vez mais difícil atingir a sustentabilidade.
Assim, para que tais problemas sejam solucionados, inclusive o relacionado à inércia da
38Maria Luiza Machado Granziera cita os seguintes problemas: descontinuidade dos programas a cada mudança do executivo
municipal; falta de preparo administrativo para fazer frente às necessidades da população; falta de vontade política séria e efetiva
de melhorar a qualidade de vida da população urbana, inclusive a carente (GRANZIERA, op. cit., p.188).
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Administração Pública, é fundamental que haja a participação popular na elaboração de projetos
voltados para tal finalidade, sendo o plano diretor o principal instrumento para o desenvolvimento
dessa política ambiental urbana.
3.1 Principais Instrumentos da Política de Desenvolvimento Urbano
O Estatuto da Cidade, ao atribuir uma função ambiental à cidade, estabeleceu
os instrumentos para que seja possível a sua realização e, como visto, ele tem por objetivo regular
o uso da propriedade urbana em favor do equilíbrio ecológico e da sadia qualidade de vida. Para
isso, a referida lei fornece um instrumental a ser utilizado em matéria urbanística, sobretudo em
nível municipal, visando a melhor ordenação do espaço urbano, com observância da proteção
ambiental e à busca de soluções para os problemas apresentados pela sociedade.
O art. 4º do Estatuto da Cidade enumera extenso rol de instrumentos a serem
utilizados em prol da efetivação da política urbana brasileira. Tais instrumentos podem ser
classificados em instrumentos de planejamento, tributário, jurídicos e ambientais (MEIRELES,
2005, p.157-158).
São considerados instrumentos de planejamento os planos nacionais, regionais
e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejamento
das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; e o planejamento municipal.
Os instrumentos tributários e financeiros encontram-se previstos no inc. IV,
do art. 4º do Estatuto da Cidade e são: imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
(IPTU); contribuição de melhoria; incentivos e benefícios fiscais e financeiros.
Por sua vez, a desapropriação, servidão administrativa, limitações
administrativas, tombamento de imóveis ou de imobiliário urbano, instituição de unidades de
conservação, instituição de zonas especiais de interesse social, concessão de direito real de
uso, concessão de uso especial para fins de moradia, parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios, usucapião especial de imóvel urbano, direito de superfície, direito de preempção,
outorga onerosa do direito de construir e de alteração do uso, transferência do direito de construir,
operações urbanas consorciadas, regularização fundiária, assistência técnica e jurídica gratuita
para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos, são considerados instrumentos jurídicos
e políticos previstos no inc. V, art. 4º do referido Estatuto, e objetivam auxiliar o Poder Público,
a sociedade e o mercado na construção de “uma cidade mais justa e solidária, minimizando os
transtornos que naturalmente advêm da ausência de planejamento.” (SOUZA, 2010, p.71).
Por fim, os instrumentos ambientais estão previstos no art. VI, art. 4º da Lei
10.257/01, e são representados pelo estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) e o estudo prévio
de impacto de vizinhança (EPIV).
Dentre os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, cujo rol é meramente
exemplificativo, pois não impede que os Municípios façam uso de outros instrumentos que
possibilitem uma participação mais ampla da comunidade, o instrumento básico da política de
desenvolvimento e de expansão urbana é o plano diretor, obrigatório para as cidades com mais de
20 mil habitantes, pois, para que a propriedade urbana cumpra com sua função social, é necessário
que ela atenda às exigências de ordenação das cidades previstas no plano diretor.
Segundo Marcus Alexsander Dexheimer,
95
A problemática ambiental é de notória gravidade em virtude do
agravamento do efeito estufa, da ameaça à biodiversidade, da redução
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Breves Considerações a Respeito do Estatuto da Cidade e a Responsabilidade pela sua Aplicação
da cobertura florestal do planeta, da escassez de água, do crescimento
demográfico nos países pobres, entre muitos outros. E as cidades sofrem
e reproduzem esses problemas. (DEXHEIMER, 2004, p.421).
Para que essas questões sejam solucionadas é necessário que os projetos, em
regra elaborados pelo Estado, estejam em consonância com os anseios da população afetada,
sendo fundamental a efetiva participação popular. E o plano diretor é o principal instrumento para
o desenvolvimento dessa política ambiental, pois a racionalização de gastos e planejamento bem
efetuado é uma condicionante do equilíbrio ambiental e da sustentabilidade urbana. Planejar o
desenvolvimento da cidade significa conduzir o crescimento urbano de forma a evitar impactos
sobre o meio ambiente e distorções de cunho econômico e social.
3.2 Função Social da Propriedade Urbana
96
A propriedade é um direito real, garantido constitucionalmente,39 que confere
ao seu titular a faculdade de usar, gozar dispor e reaver a coisa daquele que a estiver exercendo
injustamente a posse ou a detenha, conforme dispõe o art. 1228 do Código Civil,40 e tem por
característica a plenitude, exclusividade, perpetuidade, relatividade e elasticidade (MARQUESI,
2009). Contudo, nenhuma dessas características é absoluta, em razão do princípio da função
social da propriedade.
Constitucionalmente, o princípio da função social da propriedade está presente
no inc. XXIII do art. 5º, art. 182 e art. 183, que estabelecem as diretrizes da política urbana
brasileira, o que faz com que a propriedade não seja vista apenas como um direito, mas também
como um dever, em razão da função social a qual ela está vinculada.
Segundo José Afonso da Silva (2008, p.77), o “[...] direito de propriedade não
pode mais ser tido como um direito individual. A inserção do princípio da função social, sem
impedir a existência da instituição, modifica sua natureza”.
Em relação à propriedade urbana, José Afonso da Silva (2008, p.80) entende
que seu regime jurídico é fundamentalmente de direito urbanístico e a considera como um direito
planificado, por ser predeterminado por planos urbanísticos, instrumentos básicos de atuação
urbanística do Poder Público.
Diante disso, a função social da propriedade urbana encontra-se disciplinada
pelo art. 182 da Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade e está diretamente vinculada
à ordenação da cidade expressa no plano diretor, conforme dispõe o § 2º, do art. 182 da Carta
Magna,41 o que significa que a propriedade urbana cumpre com sua função social quando realiza
as funções urbanísticas de proporcionar habitação, condições adequadas de trabalho, recreação e
circulação humana, ou seja, quando ela é exercida de forma a atender as funções sociais da cidade.
O Estatuto da Cidade, ao se preocupar com a questão ambiental nos centros
urbanos procura-se, também, em conferir uma conotação social à propriedade privada, passando
a propriedade urbana exercer uma função social, nos termos do inc. XXIII, do art. 5º e art. 182 da
Constituição Federal.
39Art. 5º, inc.XXII – é garantido o direito de propriedade. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op.
cit.).
40Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha. (BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011).
41Art. 182. [...] § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit.).
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Desta forma, a utilização do solo urbano está sujeita às determinações de leis
urbanísticas e do plano diretor, principalmente em razão do disposto no § 4º do art. 182 da Lei
Maior, que permite ao Poder Público Municipal,
[...] mediante lei específica para área incluída no plano diretor,
exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o seu adequado
aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou
edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial
e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos,
em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da
indenização e os juros legais. (BRASIL, 2011)
Destarte, assim como qualquer outro bem privado, a propriedade urbana pode
ser objeto de desapropriação. Na realidade, a Constituição prevê dois tipos de desapropriação,
conforme explica José Afonso da Silva:
Um deles é a desapropriação comum, que pode ser por utilidade ou
necessidade pública ou por interesse social, nos termos dos arts. 5º,
XXIV e 182, §3º, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.
Outro é a desapropriação-sanção que é destinada a punir o nãocumprimento de imposições constitucionais urbanísticas, fundadas
na função social da propriedade urbana, pelo proprietário de terrenos
urbanos, onde a indenização em dinheiro é substituída pela indenização
mediante títulos da dívida pública, como se estatui no art. 182, §4º, III.
(SILVA, 2008, p.78)
Luís Paulo Sirvinskas, por sua vez, ao tratar da função social da propriedade
urbana entende que
97
Essa exigência social deve estar consignada no plano diretor. Assim,
o ‘plano diretor da cidade não poderá se afastar dos princípios
constitucionais atinentes a defesa e preservação do meio ambiente e da
ordem econômica, a fim de evitar que a atividade urbanística seja lesiva
aos interesses da coletividade.’ (SIRVINSKAS, 2010, p.705)
Diante disso, pode-se concluir que para que a propriedade urbana cumpra com
sua função social, ela deve atender as exigências previstas no plano diretor, “instrumento de gestão
pública e ambiental, processo compreensivo e participativo no qual pode se dar o enfrentamento
dos diversos conflitos existentes acerca do uso e ocupação do solo urbano e de seus recursos”.
(GRANZIERA, 2007, p.186).
A propriedade, portanto, não pode mais ser vista como um direito
absoluto, pois, não apenas o Estatuto da Cidade, mas principalmente a Constituição Federal,
impõe ao proprietário o dever de exercer seu direito de propriedade em benefício de toda a
coletividade, observando as exigências fundamentais de ordenação da cidade constantes no
plano diretor.
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Breves Considerações a Respeito do Estatuto da Cidade e a Responsabilidade pela sua Aplicação
4 A RESPONSABILIDADE PELA APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE
A Constituição Federal de 1988 reserva um significativo espaço para a matéria
urbanística e estabelece ser competência da União “instituir diretrizes para o desenvolvimento
urbano inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.”42 Assim, cabe à União
fixar as diretrizes, ou seja, os preceitos basilares, para proporcionar o desenvolvimento urbano,
“nele incluídas as questões atinentes à moradia, ao saneamento básico e transportes urbanos”.
(MEDAUAR, 2004, p.20)
Além dessas competências, a Constituição estabeleceu ser competência
comum entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, legislar sobre normas para
a cooperação no que tange à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e
do bem-estar em âmbito nacional (inc. II), sendo essa competência fundada no parágrafo único,
art. 23 da Lei Maior, que, aliás, prevê a necessidade de edição de leis complementares para a
cooperação em geral entre todos os entes da federação (BRASIL, 2011).
Ainda em matéria urbanística, o inc. I do art. 24 da Carta Magna fixa como
competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre direito
urbanístico. E, por força do § 1º deste artigo, a competência da União, quanto à legislação
concorrente, se expressa em normas gerais, sem que isso importe em excluir a competência
suplementar dos Estados.43.
Em relação aos Municípios, Odete Medauar ressalta que
[...] a Constituição Federal lhe atribuiu a competência para suplementar a
legislação federal e estadual, no que couber (art. 30, II). No caso das diretrizes
98
fixada no Estatuto da Cidade, o Município, na sua legislação, deverá, assim,
absorvê-las e suplementá-las, no que for compatível com a sua realidade e com
os seus objetivos. (MEDAUAR, 2004, p.23)
O Estatuto da Cidade, por sua vez, estabeleceu no art. 3º a competência
da União para as atribuições de interesse da política urbana, repetindo em parte o disposto
na Constituição, conforme pode ser observado nos incisos I (legislar sobre normas gerais de
direito urbanístico); IV (instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos); e V (elaborar e executar planos nacionais e regionais
de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social) do referido dispositivo
legal, correspondentes, respectivamente, ao inc. I do art. 24, inc. XX do art. 21, e inc. IX do art.
21 da Constituição Federal. (CARVALHO FILHO, 2009, p.17)
Ademais, o inc. III do mesmo art. 3º do Estatuto conferiu à União a competência
para promover, por iniciativa própria e em conjunto com as demais entidades federativas, programas de
construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, competência,
diga-se por oportuno, fixada com base no inc. IX do art. 23 da Constituição Federal.44.
42Art. 21. Compete à União: [...] XX- instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011.
43Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] § 2º
- A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos
Estados. (Ibid.)
44Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: [...] III – promover, por iniciativa própria e em
conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico. (BRASIL. Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. op. cit.).
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Entretanto, de acordo com Odete Medauar (2004, p.22), é certo que “[...] o
Estatuto da Cidade destina-se precipuamente aos Municípios, aplicando-se também ao Distrito
Federal e seu governador, com fulcro no seu art. 51”, pois, apesar de estarem na lei federal as
diretrizes gerais, cabe ao governo municipal
[...] a implantação e a execução dos planos urbanísticos, a iniciar pelo plano
diretor, aprovado por lei, que é realmente um instrumento fundamental da
ordem urbanística municipal. Acresce que os Municípios têm competência
própria sobre matéria urbanística, como se observa nos arts. 30 e 182 da
CF, não se limitando a apenas suplementar a legislação federal e estadual.
(CARVALHO FILHO, 2009, p.18)
Diante disso, verifica-se a inegável responsabilidade política e administrativa do
Município para dispor sobre política urbana, não sendo possível admitir a inércia do administrador
municipal em relação à ordem urbanística, pois esta é necessária para o desenvolvimento
econômico e social das cidades e bem-estar das populações. Odete Medauar observa, ainda, que
[...] quer as diretrizes gerais do Capítulo I , quer os demais preceitos, todos se
impõe à legislação municipal, inclusive aos planos diretores e aos projetos e
planos decorrentes do plano diretor. Vinculam também a legislação urbanística
dos e do Distrito Federal. (MEDAUAR, 2004, p.22)
Desta forma, pode-se dizer que o Estatuto da Cidade fornece os parâmetros a
serem observados pelo Poder Executivo e Legislativo dos Municípios quando da elaboração de
suas leis e planos urbanísticos.
Uma observação interessante a ser feita diz respeito ao conteúdo do art. 52 do
referido Estatuto, que prevê a possibilidade de aplicação de sanção ao prefeito, por improbidade
administrativa quando:
99
[...] II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado
aproveitamento do imóvel incorporado ao patrimônio público,
conforme o disposto no § 4o do art. 8o desta Lei;
III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em
desacordo com o disposto no art. 26 desta Lei;
IV – aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de
construir e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31
desta Lei;
V – aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em
desacordo com o previsto no § 1o do art. 33 desta Lei;
VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a
III do § 4o do art. 40 desta Lei;
VII – deixar de tomar as providências necessárias para garantir a
observância do disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;
VIII – adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos
arts. 25 a 27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for,
comprovadamente, superior ao de mercado. (BRASIL, 2011)
Tal dispositivo legal serve para deixar ainda mais claro que a responsabilidade pela
aplicação das disposições contidas no Estatuto da Cidade não pertencem apenas à União e aos Estados,
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Breves Considerações a Respeito do Estatuto da Cidade e a Responsabilidade pela sua Aplicação
mas, e principalmente, pertence aos Municípios e seus gestores, tanto que os agentes políticos podem
responder por improbidade administrativa, caso não apliquem o Estatuto da Cidade.
Como bem observa José dos Santos Carvalho Filho (2009 p.285), o inc. VI, do
art. 52 do Estatuto da Cidade, dispõe que o prefeito incorrerá em improbidade administrativa caso
impeça ou deixe “de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4º do art. 40 desta Lei,”
(BRASIL, 2011) sem prejuízo da aplicação de sanções de outras naturezas.
Por fim, ressalta-se que os prefeitos não podem deixar de tomar as providências
necessárias para garantir a observância do § 3º do art. 40 do Estatuto da Cidade, o qual determina
que o plano diretor seja revisto, pelo menos, a cada dez anos, ou então deixar de elaborar a
referida lei até o prazo estabelecido no art. 50 do Estatuto. Caso essas iniciativas não sejam
tomadas pelo Executivo, o Prefeito pode ser responsabilizado por improbidade administrativa,
conforme prevê o art. 52 da Lei 10.257/01, ficando sujeito às sanções da Lei 8.429/92, como a
perda da função pública, a obrigação de ressarcimento de dano, suspensão de direitos políticos,
pagamento de multa, indisponibilidade de bens, por exemplo,45 mediante ação apropriada a ser
intentada pelo Ministério Público.
5 CONCLUSÃO
100
O Estatuto da Cidade é a lei federal que estabelece as diretrizes gerais da
política urbana brasileira e representa um avanço importante em matéria urbanística, haja vista
que institucionalizou diversos instrumentos que possibilitam uma atuação mais eficaz do Poder
Público na busca pela concretização da cidade sustentável.
Hoje, há a consciência de que a qualidade do meio ambiente é um bem, um
patrimônio, e sua preservação, recuperação e revitalização são um imperativo do Poder Público,
de forma a assegurar a saúde, bem-estar e condições de desenvolvimento do homem. E a forma
que o Poder Público possui para alcançar tais objetivos é através da aplicação dos instrumentos
previstos no Estatuto da Cidade, tanto que a responsabilidade pela aplicação das regras contidas
no referido Estatuto pertence principalmente aos Municípios, podendo o administrador municipal
responder por improbidade administrativa caso deixe de aplicá-lo, ficando sujeitos às sanções
previstas na Lei 8.429/92.
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L10257.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011.
45BRASIL. Lei n. 8.429 de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L8429.htm>. Acesso em 10 jun. 2011.
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Marília Barros Breda
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102
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Patrícia Carraro Rossetto
A INFILTRAÇÃO DE AGENTES NO COMBATE À CORRUPÇÃO PÚBLICA E À
CRIMINALIDADE ORGANIZADA
Patrícia Carraro Rossetto46*
RESUMO
No presente trabalho pretende-se traçar os aspectos essenciais dos fenômenos sociais da corrupção
pública e da criminalidade organizada, com vistas à análise da legitimidade e eficácia de alguns
dos instrumentos legais de investigação previstos na Lei 9.034, de 03 de maio de 1995. A questão
nodal (e polêmica) da utilização desses mecanismos de persecução criminal repousa, sem dúvida, na
ideia de como o Direito Processual Penal pode consubstanciar um instrumento repressivo eficiente,
consonante com os princípios constitucionais penais e processuais penais, sem que esses âmbitos de
liberdade historicamente reconhecidos pelo Estado sirvam como amparo a práticas delitivas.
PALAVRAS-CHAVE: Corrupção. Agentes públicos. Crime organizado. Infiltração de agentes e
ação controlada.
THE INFILTRATION OF AGENTS IN FIGHTING public CORRUPTION AND
ORGANIZED CRIME
ABSTRACT
The purpose has the present work the essential aspects of public corruption and organized crime,
with a view to examining the legitimacy and effectiveness of some of the legal instruments referred
to in the 9.034 Act of May 3, 1995. The nodal point of the use of such mechanisms prosecution
rests in the idea of how the Criminal Procedure Act could be an effective instrument of repression,
in accordance with the constitutional principles of criminal law and criminal procedure, without
these areas of freedom historically recognized by the State to serve as support to criminal behavior.
103
KEYWORDS: Organized criminality. Organized crime. Special investigation method. Agents
infiltration and controlled action.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTOS ELEMENTARES DA CORRUPÇÃO PÚBLICA. 3
A CORRUPÇÃO PÚBLICA E A CRIMINALIDADE ORGANIZADA. 4 OS MEIOS
PROCESSUAIS PRÓPRIOS DE INVESTIGAÇÃO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA:
A INFILTRAÇÃO DE AGENTES. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Nesse início de Século XXI, intensifica-se o debate doutrinário e político
acerca da evolução da criminalidade organizada e da corrupção pública, cuja tônica principal seria
a construção de um sistema repressivo eficiente voltado a garantir o regular funcionamento do
46* Mestre em Direito (UEM). Professora (UEL, Pitágoras). Advogada.
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A Infiltração de Agentes no Combate à Corrupção Pública e à Criminalidade Organizada
Estado democrático e social de direito, a fomentar a probidade administrativa e a tutelar liberdade
individual do cidadão.
Em face da insuficiência dos meios de investigação tradicionais frente à
expansão da delinquência organizada e da sistêmica e generalizada corrupção pública, a doutrina
especializada e as convenções internacionais que tratam do tema propugnam a utilização de
medidas de natureza processual, dentre as quais sobreleva a utilização de técnicas especiais de
investigação, notadamente a infiltração de agentes, estando esta prevista na ordem normativa
brasileira no art. 2º, inciso V e parágrafo único, da Lei 9.034, de 03 de maio de 1995.
A questão nodal (e polêmica) da utilização desse mecanismo de persecução
criminal repousa, sem dúvida, na ideia de como o Direito Processual Penal pode consubstanciar
um instrumento repressivo eficiente, consonante com os princípios constitucionais penais e
processuais penais, sem que os âmbitos de liberdade historicamente reconhecidos pelo Estado
sirvam como amparo a práticas delitivas.
Nesse sentido, nas linhas que se seguem, proceder-se-á à análise crítica e
racional acerca da corrupção pública e sua intima relação com a criminalidade organizada e, após,
sobre a infiltração de agentes, com a finalidade de contribuir para a que tutela da Administração
Pública possa se dar de forma efetiva.
2 ASPECTOS ELEMENTARES DA CORRUPÇÃO PÚBLICA
104
O vocábulo corrupção encontra sua origem no termo latino corrumpere,
que, por sua vez, desenvolveu-se a partir da partícula cum e outra forma verbal latina: o verbo
rumpo, rumpis, rupsi, ruptum, que literalmente significa ‘romper’. Em uma tradução literal rígida
corrumpere significaria ‘romper com’; ‘romper com a união de’, no sentido de servir-se de um
acompanhante na ação (SIMONETTI, 1995, p. 176). Entrementes, com o desenvolvimento semântico
do vocábulo, atribuiu-se ao mesmo o sentido de apodrecimento, deterioração, degradação ou
menosprezo, seja natural ou valorativo (PRADO, 2006, p. 371), tendo havido, portanto, um
afastamento de sua origem etimológica.
O fenômeno “corrupção” assume inúmeras roupagens, entremeando-se nos
mais diversos setores da vida social. Trilha seus caminhos tanto na esfera privada, notadamente
na ordem econômica, quanto na esfera pública, em especial a ordem política, transformando-se
numa patologia do sistema social, cujos efeitos transcendem os limites territoriais dos Estados de
forma a atingir a comunidade internacional. Inserida no contexto político, a corrupção pública
age como uma forma de aniquilamento das estruturas democráticas, na medida em que frustra o
exercício do direito subjetivo dos cidadãos, verdadeiros detentores da soberania, de participação
no processo político e nos órgãos governamentais. Essa degradação atinge o direito de sufrágio
em seu aspecto ativo, com especial relevância ao direito de ser reconhecido a cada cidadão o
mesmo peso político e a mesma influência, qualquer que seja sua idade, suas qualidades, sua
instrução e seu papel na sociedade; bem como, atinge sua vertente passiva, impossibilitando que
o cidadão comum possa competir em pé de igualdade no processo eleitoral com os candidatos já
corrompidos pelo sistema de corrupção.47
47Sobre o tema, aduz Carlos Castresana Fernandes (2004, p. 214-215) que a incidência do financiamento ilegal dos partidos políticos
nos países mais desenvolvidos teria alcançado níveis que permitem por em dúvida a igualdade de oportunidades no acesso à função
pública e a efetividade do sufrágio eleitoral. Em boa medida, ter-se-ia produzido um deslocamento do centro das decisões das
instituições democráticas para o mercado, de forma que as decisões políticas estão cada vez mais condicionadas e predeterminadas
pelo financiamento privado das campanhas eleitorais, que se distancia muito da teórica transparência consagrada pelos diferentes
ordenamentos.
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Patrícia Carraro Rossetto
A corrupção pública reverte-se em altíssimos custos sociais, políticos e
econômicos para a sociedade em geral (CUESTA ARZAMENDI, 2003, p. 11). É um fator de
desagregação do sistema que, agindo como uma força de influência privilegiada reservada
àqueles que possuem meios de exercê-la, muitas vezes exclusivamente financeiros, conduz ao
desgaste do mais importante recurso do sistema: sua legitimidade (PRADO, 2002, p. 442).48
Além disso, a corrupção pública encontra-se estreitamente ligada ao crime organizado, à
criminalidade econômica, ao narcotráfico e à lavagem de dinheiro, práticas estas que representam
um salto qualitativo na evolução da própria criminalidade, pois detentoras de uma ofensividade
particularmente pungente a bens jurídicos de transcendental importância, tais como a saúde
pública e o sistema financeiro nacional.49
Sob o aspecto exclusivamente jurídico-penal, a corrupção pública pode ser
analisada sob os ângulos restritivo e ampliativo, segundo se tome como objeto de estudo o agente
público individualmente considerado ou contextualizado em uma rede de corrupção, ou seja, no
seio de uma organização criminosa.
Em sentido restrito, a essência da corrupção pública (corruptios, bribery,
Bestechung, coecho, corruzione) é a venalidade em torno da função pública (HUNGRIA, 1958, p.
365), a cupidez do ganho, a venalidade, que é incriminada e punida independentemente da justiça
ou injustiça do próprio ato (FARIA, 1959, p. 101).50 Em que pese à dificuldade na limitação de seus
contornos conceituais, é possível concebê-la como a exigência, aceitação, oferta ou prestação,
direta ou indireta, ao agente público, de vantagens indevidas, pecuniárias ou de outro gênero,
com a finalidade de induzi-lo a praticar atos contrários aos deveres de seu cargo, ou para executar
ou omitir ato devido (CAPARRÓS, 2004, p. 228), gerando, assim, a alteração ou desnaturação da
função pública pelo desprezo ao interesse público (BARACHO, 1998, p. 37, 40).51
Trata-se de fenômeno pelo qual determinado agente público age “[...] de
modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca
de benefício ou recompensa”. Corrupto é o agente que se vale da função estatal para atender
finalidade diversa do interesse público (PRADO, 2002, p. 441). A propósito, Robert Klitgaard
(1995, p. 252) aduz que a corrupção seria o uso indevido dos âmbitos oficiais, mediante atos
comissivos ou omissivos, para a obtenção de vantagens não oficiais, geralmente pessoais, ainda
que frequentemente percebidas em favor de determinada empresa ou partido político.
Sob esse enfoque, a corrupção pública compreende uma complexa diversidade
tipológica, na medida em que remete à prática do nepotismo, a um grande número de injustos
administrativos e penais que, nesse último caso, podem estar alocados tanto no Código Penal
(RODRÍGUEZ, 1998, p. 9) quanto em leis extravagantes decorrentes da tutela de bens supra
individuais, tais como os crimes contra a administração ambiental52 e os crimes praticados no
procedimento de licitação pública.53
Esta perspectiva, no entanto, a despeito de sua precisão, não alcança o
fenômeno em toda sua plenitude (GONZÁLEZ PÉREZ, 2000, p. 21). A conduta corrupta do
agente público, em sentido figurativo, nada mais é do que a ponta de um iceberg onde as partes
submergidas correspondem a uma rede social, a uma estrutura sistematizada de corrupção,
105
48A propósito: LEITE, 1987a, p. 41.
49Sobre o tema: GORDILLO, 1997, p. 33-34; IGLESIAS RÍOS; MEDINA ARNÁIZ, 2005, p. 51; CUESTA ARZAMENDI, 2003, p.
07; ESPINA RAMOS, 2004, p. 286.
50Nesse sentido: SOARES, p. 410.
51Acrescenta o autor que “o agente público utiliza, indevidamente, de sua função, quando busca obter benefício privado, que se
constitui em valor, presente ou futuro, monetário ou não” (p. 37).
52Artigos 66 a 69-A da Lei 9.605/98
53Artigos 89, 91 a 94, 96 a 98 da Lei 8.666/93.
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detentora de regras paralelas àquelas concebidas pelo Estado. Tais regras são dotadas de forte
imperatividade para os adeptos de uma organização, corporação, grupo, partido político ou
facção, cuja representatividade desempenha no exercício da função pública. Isto porque, no seio
de tais grupos opera-se a distribuição de benefícios indevidos, bem como, a discriminação ou
marginalização dos que se negam a cooperar, o que proporciona a ampliação do círculo daqueles
que participam do esquema para se locupletarem às custas do erário ou para não serem destituídos
dos cargos que ocupam (PEGORARO, 1999, p. 20-21).
Portanto, em linhas gerais, os pontos convergentes a todos os atos abarcados
pela corrupção pública são: a violação de um dever funcional, a inexistência de vítimas, a confusão
entre o público e o privado, a finalidade de se alcançar benefícios injustificados, sejam eles
patrimoniais ou não, a bilateralidade e a obscuridade de sua realização, seu caráter sistemático e
a impunidade.
A violação de dever funcional corresponde à afronta a um determinado sistema
de regras (MALÉM SEÑA, 1996, p. 190-191) que, no caso em análise, seria o sistema jurídico, em
especial, a Constituição.54 Segundo Gianfranco Pasquino (1992, p. 292), a corrupção pública deve
ser examinada em termos de legalidade e ilegalidade e não de moralidade e imoralidade. Para
o autor, “[...] deve-se levar em consideração as diferenças que existem entre práticas sociais e
normas legais e a diversidade de avaliação dos comportamentos que se revela no setor privado e
no setor público”.
Os agentes públicos exercem um complexo de atribuições que deve estar
orientado à satisfação dos interesses públicos e à defesa dos direitos dos cidadãos, os quais surgem
como fundamentos de justificação política da existência do Estado. Dessa forma, concebida a
corrupção pública como a violação de deveres funcionais, resta evidente que sua prática vulnera
todo o arcabouço legal construído para a satisfação daqueles interesses e direitos, o que atravanca
o funcionamento da Administração Pública, visto estarem os mesmos relegados a um segundo
plano pela prática corrupta.
Outro aspecto de importante relevo se refere ao fato de que a relação
corrupto-corruptor não é diretamente lesiva ou vitimogênica, ou seja, o suborno, a fraude,
o peculato só atingem terceiros através da categoria denominada “bem-comum”. Na
realidade, o juízo de censurabilidade da corrupção pública é curiosamente arrefecido. Isto
se deve ao fato de que a assunção a cargos públicos tem sido utilizada, historicamente,
como meio para que o cidadão faça uso da coisa pública como se sua fosse. Construiu-se
no Estado brasileiro uma concepção de que a coisa pública é mera extensão do patrimônio
particular dos agentes públicos ou como algo a se incorporar ao mesmo (RIOS, 1990, p.
96) . 55 Por conseguinte, a confusão entre a esfera do público e do privado, na órbita da
Administração Pública, que gera a corrupção passiva, o peculato e a concussão, reflete-se
no vulgo, que não sente a perda da coisa pública como algo que o afete verdadeiramente
(FELICIANO, 2000, p. 76).
54Isto não significa que a ‘corrupção’ está adstrita aos agentes públicos, uma vez que se pode diferenciar uma corrupção que se
apresenta no campo das ações privadas. Sobre o tema: REÁTEGUI SÁNCHEZ, 2005, p. 296.
55Para o autor essa “[...] mentalidade patrimonialista não parece, ao longo da história luso-brasileira, uma característica da classe.
Todos os indivíduos, qualquer que seja sua origem social, dela participam. Separam-se apenas como excluídos ou incluídos nas
benesses do poder. A extensão da mordomia e seu usufruto é a linha divisória nos patamares e escalões da estrutura social”. Sobre o
tema, pontua Sérgio Habib (1994, p. xiv-xiv) que a maneira como os cidadãos encaram os bens públicos “[...] faz lembrar a relação
Metrópole-Colônia, ou seja, dominante-dominado, em que se praticava subtração ou desvio de bens ou de rendas pertencentes
ao Reino. A corrupção no Brasil apresenta, pois, essa particularidade, decorrente do longo período de dominação, fosse do
colonialismo português – durante a fase colonial -, fosse da dependência inglesa – na época do Império -, fosse do imperialismo
norte-americano, durante quase toda fase republicana.
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A corrupção pública, na realidade, funda suas raízes na própria sociedade, de
tal maneira que uma sociedade corrupta corresponde a uma Administração Pública corrupta e
um tecido empresarial corrupto. Em consequência, enquanto a sociedade segue sendo corrupta,
serão inevitáveis as práticas de corrupção, por mais que estas sejam combatidas pelo poder
público (GARCÍA, 2004, p. 457). Nesse sentido, leciona Wallace Martins Paiva (2001, p. 02) que o
fenômeno está tão arraigado na cultura popular brasileira, que acabou por produzir a imagem do
malbaratamento da coisa pública como regular alicerce do Estado, “[...] periclitando a democracia
e a existência do próprio Estado de Direito, com nocivos efeitos que amesquinharam os valores
éticos tão caros à nação, incorporando valores antiéticos, imorais e amorais ao ambiente social”.56
Da afirmação extrai-se outra peculiaridade da corrupção pública, a existência
de uma confusão atuante sobre o limite entre o público e o privado. De acordo com José Maria
Simoneti (1995, p. 182), em sentido estrito, a corrupção consiste em converter em privado o que é
público, porque existe uma apropriação do que deve ser de todos, o que geralmente ocorre como
resultado do abuso de uma prerrogativa. “Se privatiza o que, por definição, não pode ser privado;
ou se utilizam em situações públicas os procedimentos privados, o que significa simplesmente um
afastamento dos modos e comportamentos socialmente exigíveis para a situação da qual se trate.”
Outra característica irrefutável corresponde à finalidade de se alcançar
benefícios injustificados, sejam eles patrimoniais ou não. Ora, a relação que se desenvolve entre
os agentes envolvidos nas malhas da corrupção e cujos laços se fortalecem ao longo do tempo,
detém como finalidade precípua um importante fator criminógeno, qual seja: “[...] o interesse
de uma parte em propiciar dádiva à outra, visando, por sua vez, obter alguma coisa em troca”
(MORAES FILHO, 1987, p. 34).
Todavia, não se pode reduzir a finalidade dos atos de corrupção à utilidade
econômica, sendo necessário incluí-la na rede de relações sociais entretecidas com a vida política
e com a arte de governar, enfim, com a dinâmica da luta pelo poder (PEGORARO, 1999, p. 16).
Assim, o objeto da corrupção pública pode ser identificado tanto com vantagens materiais dotadas
de conteúdo econômico, como sói ocorrer nos ilícitos de corrupção passiva e concussão, quanto
com vantagens imateriais ou subjetivas, as quais corresponderiam à manipulação do processo de
tomada de decisão do agente público (DEMETRIO CRESPO, 2003, p. 115).57
A corrupção, outrossim, caracteriza-se pela bilateralidade. Em geral, o
fenômeno pressupõe a presença de pelo menos dois partícipes, dois espaços ou esferas: o corruptor
e o corrompido (ou corrupto), ou seja, a força que corrompe e aquela pessoa sobre a qual recai essa
força, e que definitivamente se deixa levar, se apodrece, se corrompe (SIMONETTI, 1995, p. 176;
REÁTEGUI-SÁNCHEZ, 2005, p. 294). Essa característica determina uma peculiar dificuldade na
persecução dessas atividades, pois ambos os agentes da relação corrupta encontram-se igualmente
implicados pela lei penal. Por isso, a decorrência imediata da bilateralidade é a obscuridade, ou
seja, o fato de que a corrupção pública se desenvolve “[...] à míngua de testemunhas, mesmo
porque o segredo atende às conveniências das partes. Esse sigilo cria condições extremamente
propícias à impunidade do crime, o que estimula sua prática” (MORAES FILHO, 1987, p. 22).
O corruptor e o corrupto agem nos bastidores, às escuras, sem que ninguém
saiba ou veja, criando fortes laços de confiabilidade, de forma que, não raras vezes, a credibilidade
107
56 Diante dessa realidade, afirma-se que o clamor público para o combate à corrupção pública não se origina da prática corrupta em
si, mas sim por sua exaltação por parte de grupos sociais determinados. (GUERRERO, 1996, p. 114).
57 Nesse sentido, assevera Cuesta Arzamendi (2003, p. 10) que a intervenção corrupta distorce os mecanismos ordinários de tomada
de decisões no plano econômico e gera atuações administrativas inadequadas e decisões públicas incorretas, inclusive no plano
político, afetando, portanto, de um modo importante, o bom governo dos países, a própria segurança a estabilidade e, obviamente,
de maneira muito decisiva, a legitimidade do discurso de legitimação do Estado a respeito de seus cidadãos.
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dos corruptores em não denunciar o corrupto é garantida a este por outros corruptores e vice-versa.
“Essa teia de relações que vai se formando, torna praticamente inacessível o alcance das leis no
caso de corrupção, tornando-os invisíveis à sociedade” (MASSUD, 2005, p. 448-449).58 Trata-se,
portanto, de uma criminalidade sofisticada e silenciosa, porém imbuída de grande perversidade
diante das consequências advindas de sua execução, “[...] afetando populações inteiras, por
intermédio do desvio de verbas públicas para finalidade particulares, envolvendo comportamento
por ação ou omissão” (LIMA, 2001, p.1299-1300).59
Por fim, a confluência das particularidades acima mencionadas resulta nas duas
últimas características da corrupção pública: seu caráter sistêmico e a consequente impunidade
dos agentes corruptos.
Sustenta Eduardo Demétrio Crespo (2003, p. 105-106), que a natureza sistêmica
do fenômeno vincula-se a elementos da organização política ou administrativa, que se consolidam
e se perpetuam no tempo mediante códigos paralelos de conduta, tramados ao amparo de uma série
de conivências direta ou indiretamente aceitas, o que obriga a situar o comportamento individual
em uma rede de cumplicidades de diversos tipos e amplitudes. O primeiro ato de corrupção pode
gerar uma cascata de atos irregulares subsequentes, dando lugar a uma cadeia de atos ilícitos, cuja
finalidade é levar até o fim o objetivo proposto
Enfim, como já suscitado alhures, a corrupção não corresponde apenas “[...] a
atos ou condutas autônomas, mas sim a condutas que respondem a uma organização verticalizada,
unida pela disciplina ou pela participação em um grupo da sociedade, partido político, a ‘facções’, a
‘príncipes dentro do reino’” (PEGORARO, 1999, p. 15, 18-19). Toda essa trama de relações acaba por
fomentar e sustentar a mais completa impunidade, a qual se lastreia na verticalidade da corrupção e que
atravessa os poderes executivo, legislativo e judiciário do Estado (OLIVEIRA, 2004, p. 424).
Tendo em vista os motivos expostos, entende-se que na construção de um
sistema penal apto a servir como aparato persecutório do Estado contra os atos de corrupção
pública, deve-se levar em consideração os pontos de vista acima examinados, ou seja, os aspectos
restritivo e ampliativo da corrupção pública. Isto porque, de um lado, a lesão ao erário público e o
desvirtuamento da função pública pela conduta individual do agente público prejudicam o sistema
de organização social, na medida em que a eficácia funcional do Estado depende da honestidade e
transparência com que tais agentes atuam em seu mister. Nesse passo, o poder punitivo do Estado
deve, com lastro na magnitude do injusto praticado, na culpabilidade do autor e em critérios de
prevenção geral e especial, coibir e reprimir de forma eficaz essas condutas desvirtuantes. Por
outro lado, na seleção do arcabouço repressivo do sistema penal, o legislador deve atentar-se para
58José
María Simonetti (1995, p. 171) preconiza que esse caráter obscuro da corrupção determina a
dificuldade das ciências sociais em assimilar e analisar o fenômeno, bem como, em formular explicações
e desenvolver o conhecimento acerca do mesmo, pois nem a busca estatística, nem sequer a aplicação de
modelos matemáticos pode ser construido a partir de uma ‘cifra negra’. Para o autor, a investigação do
fenômeno pelas ciências sociais se depararia com o problema de certas ataduras metodológicas, já que os
acadêmicos estariam habituados à cópia irreflexiva do paradigma triunfante das ciências naturais.
59Para ilustrar esta afirmação, toma-se, por exemplo, o delito de corrupção passiva. De acordo com Luiz Regis Prado (2006, p.
375), a concepção bilateral deste delito pressupõe que o agente público e o particular devem engendrar “[...] a prática de um ato
a ser executado por aquele, em razão de sua função pública, mediante a obtenção de vantagem ou promessa de obtê-la, havendo,
portanto, uma necessária convergência de vontades”. Essa peculiaridade torna a corrupção passiva um delito de elevada cifra negra,
cuja ocorrência se deu ao longo dos séculos e “[...] que se agrava nos últimos anos, com casos de grande transcendência social e
com elevados benefícios obtidos ilicitamente pelas autoridades ou funcionários públicos, pela comissão de delitos ou, ao menos, de
atos injustos no exercício de seus cargos” (SERRANO GÓMEZ, 1999, p. 739-740). Desse modo, em que pese a gravidade
da corrupção passiva, trata-se de ilícito cuja indagatória é escassa nas sedes judiciais, tendo em vista a dificuldade em se obter a
prova do ilícito máxime que a vontade maliciosa entre o particular e o agente público corrupto impede ainda mais prová-lo. Nesse
sentido: PREZA RESTUCCIA; ADRIASOLA; GALAIN PALERMO, 2004, p. 327-328.
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o caráter sistêmico da corrupção, ou seja, para a existência de uma trama de relações sociais e
políticas muito bem articulada, que se vale da inoperância do sistema legal e da impunidade para
fixar profundas raízes na estrutura institucional do Estado e cujo objetivo é angariar vantagens
econômicas, influência política e exercício de poder para seus adeptos. Em outras palavras, deve
considerar que a corrupção pública detém íntima relação com a criminalidade organizada.
Entrementes, verifica-se que a legislação penal, encarregada de sancionar a
corrupção pública, tem sido inoperante, determinando absolvições escandalosas (SOLER, 1976, p.
204-205) que, não raras vezes, se fundam na prescrição desses delitos, já que a cominação da pena
in concreto se dá com base no mínimo legal. Diante dessa realidade, defende-se que o combate à
corrupção somente poderá ser concretizado por meio de vias preventivas e repressivas, as quais
atuam numa relação de complementaridade, sendo suscetíveis a um simultâneo desenvolvimento
(NALINI, 1999, p. 443). Se de um lado, seria contraproducente ao Estado fundar sua política
persecutória exclusivamente no direito penal e processual penal, já que o mero aumento das
escalas penais ou a desconsideração de princípios constitucionais na investigação ou no processo
criminal configuraria uma receita de política simbólica inapta para alterar o quadro de forma
satisfatória e eficaz (HASSEMER, 1995, p. 151)60; por outro, o discurso do “direito penal
simbólico” não deve ser manipulado a esmo.
Tecidas essas considerações, resta traçar os pontos de intersecção entre a
corrupção pública e a criminalidade organizada.
3 A CORRUPÇÃO PÚBLICA E A CRIMINALIDADE ORGANIZADA
No Brasil são escassos os estudos criminológicos e político-criminais acerca do
fenômeno da criminalidade organizada, o que determina uma especial dificuldade em se conceber
um sistema preventivo-repressivo adequado ao quadro social brasileiro. No entanto, é possível
inferir que no país esta forma de criminalidade está intimamente relacionada com o tráfico de
drogas, lavagem de dinheiro e a corrupção pública, configurando esta última nada mais do que um
elemento do sistema, de forma que o fenômeno consistiria em um salto qualitativo na evolução
da própria criminalidade funcional.
Prefacial ao enfrentamento da problemática proposta faz-se necessário
construir, sem ambiguidades, a noção jurídico-penal das expressões criminalidade organizada,
organização criminosa, crime organizado e crime de participação em organização criminosa,
as quais, não raras vezes, e de forma equivocada, são tratadas como sinônimas pela dogmática
penal61, o que dificulta a sistematização da matéria.
A criminalidade organizada, segundo Jorge Figueiredo Dias (2008, p. 14).
constitui um fenômeno social, econômico, político, cultural, fruto da sociedade contemporânea,
tal como ocorre com demais fenômenos sociais de análoga natureza, sendo eles: a criminalidade
terrorista, a criminalidade política e econômico-financeira. Consiste, portanto, num fenômeno
sócio criminológico específico que, tendo em vista sua relevância jurídico-penal demanda
apreciação valorativa pelo legislador na construção de um efetivo sistema repressivo estatal.
Assim, pode-se dizer que as Tríades Chinesas, a Yakuza Japonesa, a Máfia italiana e, no Brasil,
109
60De acordo com Hassemer (1995, p. 151), a criminologia ensina que há tempos o puro aumento das escalas penais não detém muita
utilidade, pois o possível autor não se pergunta, através de um cálculo de risco, se vai receber dois ou três anos no caso de ser
surpreendido: pelo contrário, pondera quais as possibilidades de ser descoberto.
61Sobre o assunte vide: MAIA, 1997, p. 13; SILVA, 2003, p. 33; GOMES; CERVINI, 1995, p. 70; BARBATO JUNIOR, 2002, p. 30,
FERNANDES, 1995, p. 03; MOREIRA, 2003, p. 488; FREITAS, 2003, p. 178; DIAS, 2008, p. 12-13; PITOMBO, 2009, p. 107.
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o Cangaço, quando inseridas e valoradas no contexto social, configurariam manifestações da
criminalidade organizada (SILVA, 2003, p. 20; FERNANDES, 1995, p. 23, 25).
A organização criminosa, por sua vez, costuma ser conceituada a partir da
enumeração de suas características elementares, as quais seriam: estrutura hierárquico-piramidal e
funcionamento nos moldes de uma genuína empresa; divisão direcionada de tarefas; administração
profissional; disponibilidade de meios materiais e humanos para a execução de tarefas distintas e
escalonadas; restrição dos membros que venham a integrar o grupo; participação ou envolvimento
de agentes públicos; orientação para obtenção de dinheiro e poder; domínio territorial, persistência
das atividades ilícitas; clandestinidade; possibilidade de substituição de membros mediante
uma rede de substituição (ou recrutamento); possibilidade de desenvolvimento de um plano
delitivo de maneira independente das pessoas individuais.62 “De modo simplificado, é possível
definir organizações criminosas como verdadeiras estruturas ‘empresariais’ determinadas pelo
agrupamento de indivíduos hierarquicamente organizados e com funções claramente definidas,
cuja finalidade é a prática delituosa reiterada” (PRADO; CASTRO, 2010, p. 375).
Seguindo estes moldes, o art. 02 da Convenção de Palermo define grupo
criminoso organizado como sendo o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações
graves, voltadas à obtenção de benefícios econômicos ou outro benefício material.
A locução participação em organização criminosa corresponderia à figura delitiva
propriamente dita, ou seja, à conduta proibida pela norma penal de associar-se com outros indivíduos em
uma organização criminosa, com vistas à prática de crimes, a qual poderia ser prevista em um tipo penal
autônomo ou derivado. Vale mencionar que esta figura delitiva não encontra previsão no ordenamento
jurídico brasileiro e que sua criminalização foi sugerida pelo art. 5º da Convenção de Palermo.63
Por fim, o termo crime organizado, corresponderia aos crimes praticados pelos
agentes da organização criminosa (crimes de catálogo), os quais podem estar ou não enumerados,
exemplificativa ou exaustivamente na legislação pertinente.
62Nesse sentido: FERNANDES, 1995, p. 244; MENDRONI, 2007, p. 13-17; MACEDO, 2006, p. 93-94, MIRANDA, 2008, p. 476.
Estudo realizado pelo Instituto Andaluz Interuniversitario de Criminología – Sección de Sevilla, dentro do Projeto de Cooperação
Europeu sobre investigação policial em matéria de delinqüência organizada, concluiu que os principais elementos identificadores
do crime organizado, segundo opinião dos membros das Unidades de Droga e Crime Organizado da Andaluzia e de Madri, são:
a) a existência de uma estrutura hierarquizada (84,61%); b) a existência de duas ou mais pessoas na organização (56,41%); c) a
repartição de tarefas (41,02%); d) a intenção de lucro; e) atividade internacional ou interprovincial (25,64%); e, f) a utilização de
meios técnicos sofisticados (23,07%) (CAFFARENA, 2001, p. 24).
63Artigo 5 Criminalização da participação em um grupo criminoso organizado
1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando
praticado intencionalmente:
a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a tentativa ou a consumação da
atividade criminosa:
i) O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com uma intenção direta ou indiretamente
relacionada com a obtenção de um benefício econômico ou outro benefício material e, quando assim prescrever o direito interno,
envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um
grupo criminoso organizado;
ii) A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou
a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em: a. Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado;
b. Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima
referida;
b) O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de
um grupo criminoso organizado.
2. O conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo a que se refere o parágrafo 1 do presente Artigo poderão
inferir-se de circunstâncias factuais objetivas.
3. Os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações referidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo
1 do presente Artigo ao envolvimento de um grupo criminoso organizado diligenciarão no sentido de que o seu direito interno
abranja todas as infrações graves que envolvam a participação de grupos criminosos organizados. Estes Estados Partes, assim como
os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações definidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1
do presente Artigo à prática de um ato concertado, informarão deste fato o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, no
momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção.
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Fixadas estas considerações, mostra-se salutar a análise dos aspectos
jurídico-penais da atuação repressiva estatal no trato da criminalidade organizada, previstos na
Lei 9.034/1995, dentre os quais se destaca as técnicas especiais de investigação, sendo elas: a
infiltração de agentes e a ação controlada.
4 OS MEIOS PROCESSUAIS PRÓPRIOS DE INVESTIGAÇÃO DA CRIMINALIDADE
ORGANIZADA: A INFILTRAÇÃO DE AGENTES
A infiltração de agentes está prevista no art. 2º, inciso V, da Lei 9.034/199564,
consistindo em técnica especial de investigação criminal ou de obtenção de prova em que o agente
da polícia ou de serviço de inteligência, após devidamente autorizado pelo Poder Judiciário,
embrenha-se no seio de uma organização criminosa, com vistas a obter informações a respeito
de seus membros, em especial os mais graduados; sua estrutura; forma de funcionamento e seu
âmbito de atuação.65 Suas principais características são a dissimulação, o engano e a interação,
pois o agente não revela sua condição funcional criando “uma situação fictícia para angariar a
confiança do suspeito, como quem mantém relação direta e pessoal” (SOBRINHO, 2009, p. 4445).
Em que pese sua enunciação em lei, o legislador infraconstitucional brasileiro
não disciplinou convenientemente tal técnica investigativa, deixando de arrolar de forma clara os
requisitos para seu deferimento; os legitimados a requerê-la; seu tempo de duração e a possibilidade
de eventual prorrogação; a necessidade de intervenção ou acompanhamento da diligência pelo
Ministério Público; a indispensabilidade de um relatório circunstanciado da diligência, etc. Por
isso, parte da doutrina sugere a aplicação, por meio do argumento analógico e no que couber,
do procedimento previsto para a decretação da interceptação das comunicações telefônicas,
previsto na Lei 9.296/1996. (SILVA, 2003, p. 87-88; SOBRINHO, 2009, p. 45; FERNANDES,
1995, p. 253). Dessa forma, partindo-se do disposto naquele diploma legal, da jurisprudência
correspondente e do disposto no art. 2º, inciso IV e parágrafo único da Lei 9.034/1995, faz-se
necessário traçar algumas considerações.
A infiltração de agentes pode ser autorizada no bojo de investigação criminal,
configurando, neste caso, medida cautelar preparatória ou em instrução processual penal, cuja
natureza será de medida cautelar incidental. Como o art. 1º da Lei 9.296/199666 não faz menção
à necessidade de instauração de inquérito policial, de forma que a providência cautelar será
admitida em investigação criminal realizada antes de formalmente instaurado o inquérito policial,
bem como na instrução criminal, depois de instaurada a ação penal.
O deferimento da medida constitui cláusula de reserva de jurisdição, devendo
sua realização ser precedida de ordem de juiz competente para o julgamento da ação principal,
competência essa que será fixada conforme os critérios (ratione personae, ratione materiae,
ratione loci) previstos na Constituição Federal e legislação infraconstitucional. A regra de
111
64Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de
investigação e formação de provas: (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001) [...] V – infiltração por agentes de polícia ou de
inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização
judicial. (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001).
Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração.
(Parágrafo incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)
65Consiste na “permissão a um agente de Polícia ou de serviço de inteligência para “infiltrar-se no seio da organização criminosa,
passando a integrá-la como se criminoso fosse -, na verdade como se novo integrante fosse” (MENDRONI, 2007, p. 53-54).
66Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução
processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
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competência prevista no art. 1º da Lei 9.296/96 não suscita dúvidas quando a autorização para
a interceptação telefônica se dá no curso de processo penal, pois apenas ao juiz da ação penal
caberá deferir a medida cautelar incidente. Todavia, quando a infiltração de agentes constituir
medida cautelar preventiva, o ponto de partida para a determinação de competência deverá ser
o fato suspeitado atribuído à organização criminosa. Assim, a competência do juízo será fixada
segundo dados objetivos existentes no momento em que ordenado o meio de prova. Nesse caso, o
dado objetivo seria justamente o objeto dos procedimentos investigatórios em curso e não o fato
imputado na denúncia, o qual resultará do apurado nessas investigações.
No art. 2º, inciso I a III, da Lei 9.296/9667, interpretado contrario sensu, estão
enumerados os requisitos a serem observados para a autorização da medida acautelatória, aos
quais devem ser somados aqueles pertinentes à lei do crime organizado.
O primeiro dos requisitos arrolados pelo dispositivo refere-se à necessidade
de comprovação do fumus boni iuris, ou seja, o deferimento da infiltração policial dependerá da
existência de indícios coerentes e firmes de autoria ou participação em fato delituoso de membros
de uma organização criminosa, não bastando a mera suspeita para que a autoridade judiciária
autorize a medida. O segundo pertine ao fato de que a diligência deve ser entendida como uma
medida excepcional, que somente poderá ser autorizada frente à inexistência de outros meios
de prova. Por fim, faz-se necessário que o fato investigado constitua ilícito penal e que a pena
cominada ao mesmo seja de reclusão.68 Entrementes, este critério de seleção de infrações não
se mostra o mais acertado, havendo a necessidade de se ponderar a respeito dos bens jurídicos
envolvidos, não sendo razoável sacrificar o bem jurídico da magnitude do direito à privacidade
para a investigação ou instrução de crime em que não estejam envolvidos bens jurídicos de igual
ou superior relevância.
O art. 3º da Lei 9.296/96, por sua vez, determina que os legitimados para
requerer a infiltração de agentes são a autoridade policial e o Ministério Público, silenciando o
art. 2º, inciso IV, da Lei 9.034/1995 a respeito do tema. Assim, a medida poderá ser decretada
a pedido da autoridade policial, durante a investigação criminal, e do Ministério Público, tanto
durante a investigação criminal como no bojo da ação penal. Se a medida for requerida pela
autoridade policial não há necessidade de prévia manifestação do Ministério Público, embora seja
recomendável tal procedimento. Em qualquer caso, uma vez deferida, caberá à autoridade policial
conduzir a diligência, sendo o Ministério Público cientificado acerca dos progressos obtidos.
A lei também fala em autorização de ofício pelo juiz. Ocorre que tendo em vista a natureza
da infiltração de agentes e o princípio acusatório que permeia o processo penal brasileiro, tal
não seria possível, pois apenas aqueles que estão diretamente ligados à colheita da prova serão
capazes de aferir a viabilidade de execução da medida.
O pedido de infiltração deve demonstrar sua necessidade e a existência
dos pressupostos autorizadores acima mencionados. Admite-se que seja feito por escrito e,
excepcionalmente, na forma verbal, desde que reduzido a termo. Em seu bojo deverá haver
67Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação
e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
68Da mesma forma como ocorre com a interceptação telefônica, defende-se que uma vez realizada legalmente a infiltração de agentes,
as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção,
desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L.
9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade da medida para investigar crimes apenados com reclusão quando
forem estes conexos com crimes punidos com detenção.
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a descrição clara do objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos
investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Além disso, deverão ser
arrolados os agentes públicos envolvidos na diligência, sendo eles, obrigatoriamente agentes da
polícia federal ou das polícias estaduais, ou ainda, agentes de serviço de inteligência, tais como os
vinculados à receita federal e às secretarias da fazenda estaduais, ABIN, etc., sempre que o objeto
da investigação tenha pertinência temática com as atividades desenvolvidas por estes órgãos.
Ato contínuo, de acordo com o art. 5º, da Lei 9.296/199669, o juiz deverá
decidir sobre o pedido no prazo de 24 horas, em despacho devidamente fundamentado em dados
concretos que indiquem os pressupostos autorizadores da medida, sob pena de nulidade. A decisão
deverá, ainda, determinar a forma de execução da diligência e as cautelas a serem observadas
pelos agentes infiltrados, a qual não excederá 15 dias, prorrogáveis por igual período.70
A propósito, faz-se necessária a reflexão sobre uma das questões mais
nebulosas e delicadas que envolvem o deferimento da infiltração de agentes, e que não pode ser
negligenciada pelo juiz quando de sua decisão: prática de crimes pelo agente infiltrado.
Uma vez engendrado no seio de uma organização criminosa, o papel do agente
estatal se limita à busca de provas capazes de comprovar as atividades delituosas desenvolvidas
pelos membros da agremiação e a descoberta de seus membros, mormente os que desenvolvem
atividades de liderança, sendo vedada, a priori, a provocação da prática de crimes (SOBRINHO,
2009, p. 46). Ocorre que, como aspirante a membro ou uma vez já inserido no grupo, suas
atividades serão constantemente monitoradas pelos demais integrantes e, inarredavelmente, tal
agente ver-se-á frente a circunstâncias que o impelem à prática de uma série de delitos.71
Quanto ao crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288, do Código
Penal brasileiro, não haverá maiores perquirições, visto que defensáveis duas teses distintas: a
que a conduta do agente não pode ser qualificada como típica uma vez inexistente o elemento
subjetivo do injusto para o fim de cometer crimes, já que a finalidade perseguida pelo agente será
a colheita de provas; ou ainda, como prefere Marcelo Mendroni, a de que autorização judicial
afasta a ilicitude da conduta.72 No presente trabalho, privilegia-se o primeiro entendimento, pois
concebida a tipicidade e a ilicitude como estruturas dogmáticas estruturadas axiologicamente
em uma relação lógica, excluída a primeira (tipicidade), em virtude da inexistência do elemento
subjetivo do injusto, inviabiliza-se à averiguação dos elementos da segunda categoria (ilicitude).73
113
69Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá
exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
70“Esse prazo, embora obtido por analogia, parece insuficiente para atingir a finalidade do emprego desse meio de prova perante
a gravidade do crime que o justificou, podendo invocar-se a proporcionalidade para ampliá-lo por tempo suficiente, desde que
motivadamente” (SOBRINHO, 2009, p. 45).
71“O agente infiltrado realiza atividade de grande risco e, por isso, atua de forma oculta para que não seja descoberto. Ingressando
na organização, pode ser levado ao cometimento de infrações a fim de ser por ela acolhido, adquirir prestígio e chegar aos seus
líderes. Por outro lado, participará da vida de outras pessoas, nem sempre ligadas à atividade delituosa, como parentes do membro
da organização. Importante, por isso tudo, que a sua atuação seja regulada, especificando-se o que pode ou não fazer o agente
infiltrado, como preveem outras legislações” (FERNANDES, 1995, p. 252).
72 Para Marcelo Mendroni (2007, p. 55) seria evidente e inafastável a exclusão da antijuridicidade “[...] pois, havendo autorização
para a infiltração do agente, que significa integrar o bando, mas para fins de investigação criminal, que serve aos fins dos órgãos de
persecução, ele não estaria na verdade integrando a organização criminosa, mas sim dissimulando a sua integração com a finalidade
de coletar informações e melhor viabilizar o seu combate”. Por outro lado, de acordo com Eduardo Araújo Silva (2003, p. 89), não
haverá na conduta do policial infiltrado tipicidade em relação às condutas de quadrilha ou bando e de associação criminosa, em
razão da falta de vontade livre e consciente para a prática desses crimes. Tal tese, no entanto, não seria defensável visto que o autor
equivoca-se ao definir o dolo, tido como vontade e consciência de realização dos elementos do tipo objetivo. A questão da liberdade
na manifestação da vontade se perquire apenas na apreciação da culpabilidade, não afastando, dessa forma, este elemento subjetivo
do tipo. Portanto, excluídos os casos de erro, o agente infiltrado, ao cometer um crime em nome da organização criminosa, agirá
com plena consciência e vontade de realização dos elementos do tipo objetivo, ficando excluída a tipicidade da sua conduta, no caso
do art. 288, CP, em virtude da inexistência do elemento subjetivo diverso do dolo, qual seja: o fim de cometer crimes.
73Vale ressaltar que a redação original do art. 2º, inciso I, da Lei 9.034/1998, a qual fora vetada pelo Presidente da República, trazia
expressamente a hipótese de exclusão da antijuridicidade da conduta do agente policial infiltrado no que respeita ao crime de
quadrilha ou bando, ao passo em que impedia expressamente sua participação em outras formas delitivas.
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Todavia, quanto à prática de outros crimes, como tráfico de drogas, extorsão
mediante sequestro, falsificação, ou até mesmo homicídio a questão demanda análise mais detida,
sendo possível no presente momento, traçar apenas algumas singelas considerações.
Para Marcelo Mendroni (2007, p. 57), a solução deste impasse demandaria
aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual dispõe que numa situação real de conflito
entre dois princípios ou bens jurídicos tutelados pelo ordenamento (por ex.: vida e privacidade),
deve-se decidir pela tutela daquele que detiver maior peso. Para o autor, o afastamento da
ilicitude da conduta típica praticada pelo agente infiltrado depende da magnitude do bem jurídico
salvaguardado, ou seja, se for de maior relevância quando comparado ao bem jurídico sacrificado,
afasta-se a ilicitude. No caso de dúvida sobre a hierarquia dos valores atribuíveis a cada um dos
bens jurídicos, a interpretação deve caberá “ao Juiz ou, acreditamos, na medida do possível e
conforme a urgência ao Promotor de Justiça, ou na situação urgentíssima ao Delegado de Policia
ou mesmo ao próprio agente infiltrado, seguindo-se essa ordem de preferência”.
Não obstante, a circunstância mencionada pelo autor pode enquadrar-se, desde
que presentes todos os requisitos, na hipótese de aplicação da excludente de ilicitude denominada
estado de necessidade, cuja característica central é, justamente, a situação de conflito entre bens
jurídicos frente à situação de perigo não provocada pelo agente. Não configurado o estado de
necessidade, restaria ainda a possibilidade de afirmação da inexigibilidade de conduta diversa,
a qual teria por consequência a exclusão da culpabilidade do agente infiltrado. Ocorre que a
aplicação de ambas as excludentes somente pode ser aferível post factum, no contexto da ação
penal condenatória respectiva, consideradas todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto.
Além disso, a interpretação quanto à escala de valores de bens jurídicos
constitucionais frente a determinadas circunstâncias concretas caberá, exclusivamente, ao Poder
Judiciário, e não a qualquer membro do Poder Executivo, de forma que, havendo tempo, caberá
ao juiz competente apreciar e decidir (ainda que em regime de urgência), a pedido da autoridade
policial ou do representante do Ministério Público, qual a melhor postura a ser adotada pelo
agente infiltrado. De outro giro, não sendo viável a manifestação judiciária, e encontrando-se o
agente impelido a conformar sua conduta em qualquer das espécies delitivas, tal circunstância
deverá ser devidamente considerada em ação penal correspondente. A partir dessa construção,
afasta-se a possibilidade de se assegurar aos agentes infiltrados a mais completa impunidade pelos
atos praticados em nome do “sucesso nas investigações”.
O que provoca maiores indagações e perplexidades, no entanto, é justamente
o fato de se o juiz pode autorizar a prática de crimes pelo agente estatal infiltrado. Para
solucionar tal impasse, sugere Eduardo Araújo da Silva (2003, p. 90) que se proceda à “análise
da proporcionalidade entre a conduta do policial infiltrado e o fim buscado pela investigação”,
pois não seria razoável que, por meio de um discurso de repressão eficiente à criminalidade
organizada, estivesse o Estado-polícia autorizado a praticar “quaisquer infrações penais, que até
eventualmente podem ser mais gravosas que as cometidas pela organização criminosa”.
Feitas as ponderações necessárias, o juiz deverá estabelecer os limites claros
da atuação policial, sendo possível a autorização para a prática de atos delitivos vinculados ao
cotidiano da organização criminosa investigada que sejam extremamente necessários ao êxito das
investigações (ex: transporte de substâncias entorpecentes), e desde que tais atos não coloquem
em risco a vida ou integridade física do agente infiltrado, integrantes do grupo ou de terceiros,
nem imponham aos mesmos graves sofrimentos físico ou moral (VILARDI; GÍDARO, 2009, p.
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80).74 Isto não significa, contudo, alçar o agente público a uma situação de completa impunidade,
visto que o mesmo deverá agir conforme os ditames legais nos casos não abrangidos pela decisão
judicial, mesmo que tal conduta coloque em risco a continuidade das investigações. Além disso,
estaria terminantemente vedada a autorização para o cometimento de crimes onde o bem jurídico
tutelado seria a vida, a incolumidade física ou a liberdade individual, etc., seja comissiva ou
omissivamente. Em casos como estes, será necessária uma avaliação a posteriori da conduta
praticada, em correspondente ação penal, por meio da qual se avaliará se no momento da pratica
delitiva estava o agente acobertado por qualquer das causas justificantes ou dirimentes admitidas
pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Finalmente, de acordo com o parágrafo único do art. 2º da Lei 9.034/1995,
a autorização judicial, assim como toda a diligência deverá ser mantida no mais estrito sigilo,
permanecendo nesta condição “enquanto perdurar a infiltração, devendo ter acesso aos autos
apenas o juiz e o representante do Ministério Público, para o qual o elemento de prova é produzido
(SILVA, 2003, p. 89).75
5 CONCLUSÃO
O presente trabalho pretendeu abordar de forma racional alguns aspectos
dogmáticos penais e processuais penais relacionados ao fenômeno da corrupção pública e
criminalidade organizada.
Ao longo do texto, buscou-se construir a noção jurídico-penal das expressões
criminalidade organizada, organização criminosa, crime organizado e crime de participação
em organização criminosa, as quais, não raras vezes, e de forma equivocada, são tratadas como
sinônimas pela dogmática penal, o que dificulta a sistematização da matéria.
Assim, a criminalidade organizada, constituiria um fenômeno sócio
criminológico específico que, tendo em vista sua relevância jurídico-penal demanda apreciação
valorativa pelo legislador na construção de um efetivo sistema repressivo estatal.
A organização criminosa, por sua vez, corresponderia à empresa criminosa,
a qual costuma ser conceituada a partir da enumeração de suas características elementares, tais
como: estrutura hierárquico-piramidal e funcionamento nos moldes de uma genuína empresa;
divisão direcionada de tarefas; administração profissional; etc. Como visto, o legislador pátrio
optou por não estabelecer o conceito de organização criminosa, o que tem gerado inúmeras
discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Diante do lapso legislativo, concluiu-se que tendo em
vista as implicações legais relacionadas com este conceito, que vão desde a afirmação de condutas
delitivas até a mitigação ou negação de certas garantias processuais e de execução penal, seria
mais condizente com os princípios e garantias penais consubstanciados na ordem normativa que
o legislador pátrio enfrentasse a problemática, de forma a dar uma definição legal que refletisse a
realidade social brasileira.
115
74De acordo com os autores, a infiltração de agentes foi regulamentada na Argentina pelos artigos 31 bis a 31 sexies da Lei 23.373/1988,
os quais foram introduzidos pela Lei 24.424/1995, sendo aplicável apenas ao crime de tráfico de tráfico de entorpecentes. Interessante
para o presente estudo é que este diploma legal prevê a possibilidade de o juiz “autorizar que agentes das forças de segurança em
atividade, atuando de forma encoberta, introduzam-se como integrantes das organizações delitivas e/ou participem da realização
de alguns crimes” (p. 78), desde que preenchidos determinados requisitos. Ademais, esclarecem os autores que “no que se refere à
execução propriamente dita da medida, a lei prevê a imediata comunicação ao Poder Judiciário e o afastamento da responsabilidade
penal do agente em eventual cometimento de crimes”.
75De acordo com o autor, “a justificativa para tanto é a necessidade de não apenas assegurar o sucesso das investigações em curso,
mas sobretudo preservar a vida do agente que atua de forma infiltrada, pois, se sua condição for descoberta pelos integrantes da
organização criminosa, sua vida estará em risco” (p. 89). “O sigilo do procedimento autorizativo da infiltração policial é exigível
para permitir o sucesso da investigação e, sobretudo, preservar a vida do agente. Manter absoluto sigilo do expediente cujo acesso
é permitido ao juiz e ao Ministério Público não afronta a garantia da publicidade” (SOBRINHO, 2009, p. 46).
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A locução participação em organização criminosa corresponderia à figura
delitiva propriamente dita, ou seja, à conduta proibida pela norma penal de associar-se com outros
indivíduos em uma organização criminosa, com vistas à prática de crimes, a qual poderia ser
prevista em um tipo penal autônomo ou derivado. A este respeito, entende-se que, na eventual
criminalização da figura na ordem jurídica pátria, deve-se considerar que o fato de o agente
vincular-se a uma organização criminosa somente poderia ser valorado após a prática do crime,
de forma que tal circunstância deveria consistir em uma causa especial de aumento de pena, cuja
majoração dar-se-ia em virtude de um maior desvalor da ação, influindo assim na magnitude do
injusto, a qual seria aplicável a certo um número de infrações penais selecionadas a partir de
determinados critérios.
Por fim, o termo crime organizado, corresponderia aos crimes praticados pelos
agentes da organização criminosa (crimes de catálogo), os quais podem estar ou não enumerados,
exemplificativa ou exaustivamente na legislação pertinente.
Fixadas estas considerações, abordou-se a legitimidade e as características
de duas técnicas especiais de investigação previstas na Lei 9.034/1995: a ação controlada e a
infiltração de agentes. Após a análise da constitucionalidade da restrição de garantias fundamentais
impostas pela utilização desses métodos investigativos pelo Estado, concluiu-se que o combate
eficaz da criminalidade organizada depende do manejo de tais métodos, sem os quais resultaria
praticamente ineficaz a atuação desenvolvida pelos órgãos estatais. Para tanto, defende-se a
necessidade de se regulamentar de forma mais coerente os pressupostos e requisitos para seu
deferimento pelo Poder Judiciário, sob pena de tornar ilegítima a persecutio criminis.
Por fim, defendeu-se que a defesa de meios eficientes de repressão estatal
da criminalidade organizada não significa a priori a propagação de um discurso antigarantista,
pautado em preceitos próprios do discurso do direito penal (ou processual penal) do inimigo,
dado que a premissa essencial para a legitimidade da implementação dos meios especiais de
investigação atrela-se à necessária ponderação dos valores colidentes e à racional construção de
diplomas normativos, onde estejam asseguradas aos órgãos da persecução penal formas de fazer
atuar o direito punitivo estatal e aos indiciados e acusados as garantias de um processo penal justo
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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama
A ADVOCACIA E A PROPAGANDA PELO ADVOGADO
Rodrigo Brum Silva76*
Juliana Kiyosen Nakayama77*
RESUMO
O presente artigo analisa a possibilidade de realização de propaganda pelo advogado ou pela
sociedade de advogados, assim como as permissões e proibições, quanto ao conteúdo e o meio a
ser utilizado, existentes no ordenamento jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: advocacia, advogado, propaganda.
THE ADVOCACY AND THE ADVERTISEMENT BY THE LAWYER
ABSTRACT
This article analizes the possible realization of an advocacy advertisement by an individual
lawyer or a law firm, so as the permission or prohibitions on the content and the mean to be used,
existents in the legal system.
KEYWORDS: advocacy, lawyer, advertising.
SUMÁRIO
123
1 INTRODUÇÃO. 2 A PROPAGANDA E SUA ADOÇÃO PELO ADVOGADO. 3
FUNDAMENTOS DA PROPAGANDA NA ADVOCACIA. 4 A PROPAGANDA PELO
ADVOGADO. 4.1 A propaganda permitida. 4.2 Proibições: a) quanto ao conteúdo; b)
quanto ao meio. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Uma das dúvidas mais frequentes, entre os profissionais da área jurídica é
sobre a possibilidade ou não de se realizar propaganda, divulgando seus serviços, seja para o
público em geral, seja para a clientela já existente.
Por um lado, face ao crescimento do número de profissionais habilitados e
qualificados, lutando por um lugar no mercado, há o desejo de se anunciar, de se apresentar, de se
mostrar presente. Por outro, há o fundado temor de que confundam sua profissão com um mero
negócio comercial, ou uma atividade vulgar, ordinária, sem qualquer compromisso com a Justiça,
com a sociedade e a Democracia.
Não bastasse isso, ainda há o receio de punição, tanto pela Ordem dos
Advogados do Brasil, quanto pelo Poder Judiciário, visto que certas práticas, ao menos em tese,
podem constituir ofensa aos deveres inerentes à profissão, bem como crimes, contra economia
popular, concorrência desleal, e contra as relações de consumo.
76* Mestre em Direito (UEL). Professor (UNIFIL). Advogado
77* Mestre em Direito (UEL) Especialista em Educação à distância (SENAC). Professora (UEL). Advogada.
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A Advocacia e a Propaganda Pelo Advogado
Desse modo, o presente estudo tem por objetivo apenas esclarecer e informar,
de forma breve, o modo ou a forma como o assunto é tratado pelo Código de Ética e Disciplina
da OAB (Lei nº 8.904/96), e pelo Provimento nº 94/2000, do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, que regulamentam a propaganda na advocacia, sugerindo formas de se
realizar propaganda, mas sem incorrer nos desvios a ética, da probidade, e com total respeito à
concorrência.
2 A PROPAGANDA E SUA ADOÇÃO PELO ADVOGADO
124
A propaganda é um modo específico de apresentar a informação sobre um
produto, serviço, marca, empresa ou política, que visa influenciar ou direcionar a atitude de uma
audiência para uma causa, posição ou atuação. (PROPAGANDA, 2011)
No Brasil existe uma certa confusão entre os termos “propaganda” e
“publicidade”, por um problema de tradução, visto que estas expressões provêm originalmente
da língua inglesa. De modo geral, as traduções, dentro da área de negócios, administração e
marketing utilizam a palavra propaganda para o termo em inglês advertising. (PUBLICIDADE,
2011) E a palavra publicidade para o termo em inglês publicity. O termo “publicidade” referese exclusivamente à propaganda estritamente empresarial, ou seja, é uma comunicação de
caráter persuasivo, que visa defender os interesses econômicos de uma indústria ou empresa. Já
“propaganda”, tem um significado mais amplo, pois se refere a qualquer tipo de comunicação
tendenciosa (as campanhas eleitorais são um exemplo, no campo dos interesses políticos).
(PROPAGANDA, 2011)
Verifica-se, na prática, que as designações “agência de propaganda” e “agência
de publicidade” são usadas indistintamente, o mesmo acontecendo, no Brasil, com os termos
propaganda e publicidade. (PUBLICIDADE, 2011)
Não obstante, como se observa, a propaganda constitui um meio, ou
instrumento, pelo qual as empresas e empresários divulgam seus produtos e serviços, sendo
considerada indispensável às suas atividades econômicas.
Nesse sentido, é uma ferramenta do marketing78, o que significa dizer, de
maneira ampla, que a propaganda tem vinculação direta com as operações realizadas por
empresários, envolvendo todo o processo de introdução de um produto ou serviço no mercado,
até a aquisição pelo consumidor. (LIMEIRA, 2011)
Muito embora a propaganda constitua uma prática típica da atividade comercial,
agora dita empresarial, o fato é que está sendo absorvida, dia-a-dia, cada vez mais, na atividade
profissional do advogado, pessoa física ou jurídica.
Apesar do advogado (ou do escritório), não ser comerciante ou empresário,
mas prestador de imprescindível serviço civil, essencial à administração da Justiça, conforme
consignado, inclusive, no art. 133, da Constituição Federal, o profissional sente a necessidade,
78Marketing é uma palavra em inglês derivada de market, que significa mercado. É utilizada para expressar
a ação voltada para o mercado. Assim, entende-se que a empresa que pratica o marketing tem o mercado
como a razão e o foco de suas ações. O conceito moderno de marketing surgiu no pós-guerra, na década
de 1950, quando o avanço da industrialização mundial acirrou a competição entre as empresas, e a disputa
pelos mercados trouxe novos desafios. Já não bastava desenvolver e produzir produtos e serviços com
qualidade e a custo competitivo para que as receitas e lucros fossem alcançados. O cliente passou a contar
com o poder de escolha, selecionando a alternativa que lhe proporcionasse a melhor relação entre custo
e benefício. (LIMEIRA, 2011)
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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama
cada vez maior, de realizar a propaganda de seus serviços, seja para entrar, permanecer ou se
estabelecer, neste ramo de atividade.
Dúvidas não permanecem, e é de conhecimento público, de que o ingresso
na profissão é árduo, e a permanência e estabelecimento, no mercado profissional, são mais
árduos ainda, fatos que vêm levando, cada vez mais, os advogados a adotarem medidas e atitudes
tipicamente realizadas no meio empresarial, seja em administração, economia, gestão e logística.
(FRANCESCHINI, 2011)
Mesmo sem levar em consideração a difícil e problemática discussão sobre
a validade ou não dessa absorção, ou o seu alcance e influência, é preciso constatar que em um
mercado extremamente competitivo (BERTOZZI, 2007, p.25), concorrencial e dinâmico, como
o é, invariavelmente, o da advocacia na atualidade, é absolutamente natural que o advogado e
o escritório se profissionalizem, utilizando, inclusive, assim como ocorre nas outras áreas, das
ferramentas disponíveis para a correta divulgação de suas atividades.
Daí, a necessidade do estudo sobre o tema, de forma a tentar revelar a
possibilidade ou não do advogado ou do escritório, de realizarem propaganda, como fazer,
como implementar, de que maneira, de que forma, tudo a fim de não se incorrer em qualquer
quebra dos deveres inerentes à profissão, de não realizar concorrência desleal, de não faltar
com a ética, probidade, boa-fé, indispensáveis e indissociáveis do exercício da atividade
advocatícia.
3 FUNDAMENTOS DA PROPAGANDA NA ADVOCACIA
Ao contrário do que ocorre normalmente no mercado, no qual as empresas e
profissionais buscam, de todas as formas possíveis, persuadir o consumidor para que adquira seus
produtos e serviços, a propaganda na advocacia não tem esta natureza persuasiva, ou seja, não é,
apenas e tão-somente, um meio para convencer, influenciar e direcionar o público, buscando uma
futura contratação, ou a consolidação de uma marca, negócio etc. (KOTLER, 1996, p.30)
Muito mais do que isso, mesmo buscando atingir, de certa forma, o
mercado, a propaganda na advocacia é puramente informativa (MAMEDE, 2003, p.332),
tendo por objetivo levar ao conhecimento da sociedade em geral, ou da clientela já existente,
em particular, dados e informações, objetivos e verdadeiros, acerca da atividade realizada
pelo advogado ou sociedade de advogados, suas características, qualificações, objetivos,
áreas de atuação etc. (v. art. 1º e 2º, do Provimento OAB nº 94/2000, bem como arts. 5º e 28,
do Código de Ética e Disciplina).
Assim, o que se objetiva não é apenas proporcionar o contato do advogado
com o mercado consumidor, a fim de promover e divulgar seus serviços, mas a necessidade de
que este contato com o público ocorra em um ambiente negocial estritamente honesto e ético, em
pleno respeito ao consumidor, à concorrência, e à dignidade da profissão, objetivo que se liga a
ideia de imprescindibilidade do advogado para a administração da Justiça. (art. 133, CF).
Como se observa pelo Código de Ética, e pelo Provimento OAB nº 94/2000,
não há qualquer proibição absoluta de propaganda pelo advogado ou pela sociedade de advogados,
muito contrário, há uma permissão explícita, desde que este princípio informativo, que deve ser o
objetivo da divulgação, seja integralmente seguido (LOBO, 2008, p.195), em respeito à profissão,
que não é empresarial, aos consumidores, que necessitam de informações para defesa e proteção
de seus direitos e de seus interesses, e em respeito a todos os demais advogados, cujo acesso ao
mercado, em igualdade de condições, é livremente franqueado.
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A Advocacia e a Propaganda Pelo Advogado
126
O respeito à profissão é imprescindível, isto porque o advogado não pratica
mercancia79, mas uma atividade singular no seio social, como defesa não só de seus clientes,
mas de toda a sociedade, da justiça e da democracia (NALINI, 2008, p.256), sendo-lhe
atribuídos deveres essenciais que não são oponíveis, por expressa definição legal, a qualquer
outra atividade profissional (art. 2º, do Código de Ética e Disciplina).
De outro lado, o respeito ao mercado consumidor é absolutamente
indispensável, não só em razão dos deveres inerentes à profissão, mas porque o consumidor,
por expressa disposição legal, tem o direito de ser correta e completamente informado de
todos os aspectos, características, natureza, riscos etc., do serviço que pretende contratar,
responsabilidade que até antecede a contratação, e é oponível em todos os planos da atividade,
conforme art. 6º, inc. III, todos da Lei nº 8.078/90.
A defesa da concorrência é algo indissociável também, pelos mesmos
propósitos, de qualquer propaganda a ser realizada pelo profissional, isto porque não se
poderia permitir qualquer manifestação pública, de qualquer natureza, que permitisse
o estabelecimento de uma vantagem, seja qual for, em detrimento de todos os outros
protagonistas do mercado (FRANCESCHINI, 2011).
É justamente buscando a consolidação desses fundamentos, que a Ordem
dos Advogados do Brasil, através do o Código de Ética e do Provimento OAB nº 94/2000,
possibilita que o advogado ou sociedade de advogados realizem propaganda, mas fixando
conteúdos mínimos de informação ao público, observadas certas regras e proibições, e as
peculiaridades da profissão.
É digno de nota, nesta ordem de ideias, que a observância ou inobservância
destes fundamentos, quando da realização da propaganda, pode ocasionar efeitos benéficos
ou deletérios ao advogado, ou à sociedade de advogados, do ponto de vista da sociedade, da
carreira e da profissão.
Os efeitos positivos são até bem óbvios, pois além de informar corretamente
o público, granjeando credibilidade, respeito e consideração no seio social, também redundam
na solidificação de uma imagem profissional de honestidade, honra, competência e ética, que
são bens imateriais de valor absoluto, impossíveis de aferição econômica, e imprescindíveis
para qualquer profissional (BIZZATO, 2000, p.115).
Por outro lado, a propaganda realizada de forma incorreta, superficial ou
apressada, em má ou boa-fé, pode ocasionar diversos efeitos prejudiciais, valendo destacar
não apenas a punição disciplinar pela OAB, o que é algo de gravíssimo em uma carreira
jurídica (v. art. 33, 34 e segs., Lei nº 8.906/94, Estatuto da OAB), mas também a possibilidade
de condenação criminal, visto que certos comportamentos podem constituir crime contra
ordem econômica e concorrência desleal, nos termos dos arts. 20, 21 e 23, da Lei nº 8.884/94,
além de crime contra as relações de consumo, conforme art. 66, da Lei nº 8.078/90 (Código
do Consumidor).
Por último, é preciso dizer que talvez a pior das punições seja o descrédito
do profissional junto da própria clientela, ou do mercado, por assim dizer, que enxerga
naquele advogado, um mero corretor de interesses econômicos próprios, tendo no lucro fácil,
ou na captação indiscriminada de clientes, a razão de sua atividade.
79Art. 5º. O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização. (Código
de Ética e Disciplina).
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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama
4 A PROPAGANDA PELO ADVOGADO
Tecidas as considerações básicas sobre o tema, indispensável a análise das
permissões e proibições sobre propaganda na advocacia, à luz das normas que regulamentam a
matéria, especialmente o Código de Ética e Disciplina da OAB (Lei nº 8.904/96), e o Provimento
nº 94/2000, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
4.1 A Propaganda Permitida
A propaganda deve realizar a identificação pessoal do advogado ou da sociedade
de advogados, que deve ser em português, e com a citação dos profissionais a ela vinculados
ou integrados, caso existentes. Essa informação deverá ser acompanhada, obrigatoriamente, do
número da inscrição ou registro na OAB (alíneas “a” e “b”, art. 2º, Provimento OAB nº 94/2000,
e art. 29, §6º, do Código de Ética e Disciplina).
A identificação do advogado ou da sociedade, e em português, acompanhada
com o número de ordem ou registro, é indispensável, pois serve para fixar a vinculação da
propaganda a determinado titular, que por ela se obriga, sob pena de responsabilidade, sobre tudo
que fizer divulgar.
Dessa forma, não é admitida a publicidade vazia, vinculada apenas a uma
marca, logotipo ou ideia.
Entretanto, a utilização de logotipos, marcas, desenhos ou algo do gênero, não
é proibida na advocacia, mas deve estar vinculada, quando da propaganda, ou seja, na atuação de
junto ao público, ou à clientela, com a identificação pessoal correta do advogado ou da sociedade
de advogados a que pertence.
Respeitada esta diretriz, poderá o advogado realizar também a sua identificação
curricular, completa ou não, desde que mencione dados verdadeiros e corretos sobre sua titulação
acadêmica ou qualificações profissionais, mas que devem ter sido necessariamente obtidas em
estabelecimentos de ensino reconhecidos pela autoridade educacional brasileira.
O anúncio poderá ainda conter dados sobre associações culturais ou científicas
de que faça parte o advogado ou a sociedade (alíneas “a”, “e” e “f”, art. 2º, Provimento OAB nº
94/2000, art. 29, §1º, do Código de Ética e Disciplina);
É interessante notar que no referido regramento, infelizmente, não existe
qualquer disposição sobre a indispensabilidade de identificação geográfica da atuação na
advocatícia. Contudo, nada impede que se faça a inserção do endereço do escritório e de suas
filiais, assim como telefones, fax, localização na internet, e-mail, blogs, bem como os horários de
atendimento, além dos idiomas utilizados para isto (alíneas “c”, “f”, “h” e “i”, art. 2º, Provimento
OAB nº 94/2000);
A propaganda poderá conter, ainda, dados sobre as áreas de atuação profissional
do advogado ou sociedade. Em verdade, apesar de a especialização ser uma tendência moderna,
não existe norma determinando, como acontece em outras profissões, que só especialistas possam
advogar sobre determinadas matérias ou disciplinas jurídicas.
Assim, poderá o profissional divulgar, em sua propaganda, tantas áreas de
atuação quantas deseje laborar, desde que versem sobre disciplinas reconhecidas pela doutrina
ou pela norma jurídica, constituindo verdadeiros ramos do direito (alínea “d”, art. 2º, Provimento
OAB nº 94/2000, art. 29, §2º, do Código de Ética e Disciplina, e art. 29, §2º, do Código de Ética
e Disciplina).
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A Advocacia e a Propaganda Pelo Advogado
Interessa verificar que não há qualquer proibição de que o advogado realize
manifestações públicas, seja através de rádio, televisão, jornais ou outros meios de comunicação,
sobre assuntos jurídicos, desde que para fins exclusivamente educacionais, instrutivos, pedagógicos,
de informação ao público, sobre seus direitos e deveres, mas tudo sem fim de autopromoção, ou
de mensagem publicitária (RAMOS, 2003, p.44).
De outro lado, o advogado deve se abster de comentar, nos meios de
comunicação, sobre situações jurídicas específicas, casos concretos, limitando-se a responder
sobre hipóteses fáticas ou legais, ou quando esteja envolvido diretamente como advogado
constituído, resguardado o sigilo profissional, a fim de realizar a defesa pública de seu cliente.
4.2 Proibições
128
a) quanto ao conteúdo
Em síntese, os conteúdos acima mencionados são os principais, e únicos
admitidos dentro da publicidade na advocacia, existindo diversas proibições expressas contra
outros conteúdos, que podem levar o cliente a contratar de modo equivocado, e ainda realizar
concorrência desleal, captação de clientela, e até configurar crime.
Nesse aspecto, são as seguintes as proibições existentes, no que pertine ao
conteúdo da mensagem vinculada:
1) usar ou utilizar o nome, direta ou indiretamente, de clientes já atendidos
em sua atividade profissional, seja individualmente, seja através de listas (alínea “a”, art. 4º,
Provimento OAB nº 94/2000);
2) mencionar publicamente assuntos profissionais ou demandas sobre seu
patrocínio (alínea “a”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);80
3) fazer referência, direta ou indireta, a qualquer cargo, função pública ou relação de
emprego e patrocínio que tenha exercido (alínea “b”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);
4) utilizar expressões de comparação a outras atuações profissionais, ou
expressões de auto engrandecimento e persuasão, ou outras que possam iludir ou confundir o
público, a fim de fazer captação de causa ou de clientes (alínea “c”, art. 4º, Provimento OAB nº
94/2000, e arts. 31, §1º, e 32, do Código de Ética e Disciplina);
5) divulgar valor de honorários, formas de pagamento ou gratuidade no
atendimento (alínea “d”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, art. 31, §1º, do Código de Ética e
Disciplina);81
6) oferecer serviços para casos concretos, ou seja, para determinadas demandas, ou
para postular em defesa de determinados interesses (alínea “e”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);
80Ementa 052/2001/SCA. Advogado acusado de angariar e captar causas, mediante propaganda escrita que confessa haver distribuído
a terceiros. Fato que, por si, configura o ilícito previsto no inc. 4º do art. 34 do Estatuto da OAB. Infração de natureza formal, que
independe da ocorrência do resultado para a sua consumação. (Recurso nº 2299/2001/SCA- SP. Relator: Conselheiro Evandro
Paes Barbosa (MS), julgamento: 07.05.2001, por unanimidade, DJ 01.06.2001, p. 628, S1e). ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em
17/12/2009.
81 RECURSO Nº 0291/2004/SCA. Recorrente: J.C.C. (Advogado: José Carlos Capuano OAB/SP 88749). Recorridos: Conselho
Seccional da OAB/São Paulo e A.J.S. (Advogado: Alfredo José Salviano OAB/SP 52997). Relator: Conselheiro Federal Marcelino
Leal Barroso de Carvalho (PI). EMENTA Nº 130/2004/SCA. Divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade. Vedação.
Comete infração advogado que permite ou não impede que cliente veicule propaganda com garantia de seus serviços advocatícios.
Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO: Acordam os membros da 2ª Câmara em conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe
provimento, na conformidade do relatório e voto do relator. Brasília, 13 de setembro de 2004. Sergio Ferraz, Presidente “ad hoc”
da Segunda Câmara. Marcelino Leal Barroso de Carvalho, Relator. DJ, 18.10.2004, p. 561, S1 ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em
17/12/2009.
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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama
7) realizar promoção pessoal ou profissional, ao se posicionar, nos meios de
comunicação, sobre questão jurídica, com fins de autopromoção (art. 32, Parágrafo Único, do
Código de Ética e Disciplina);
8) oferecer serviços de advocacia em conjunto com qualquer outra atividade
econômica (alínea “f”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e art. 28, do Código de Ética e Disciplina);82
9) prestar informações sobre a estrutura física do escritório, seja através de
fotos, escritos, etc. (alínea “g”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e art. 31, §1º, parte final, do
Código de Ética e Disciplina);
10) prometer resultados, de forma direta ou indireta, com ou sem contraprestação
, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);83
11) utilizar imagens, fotografias, logotipos, marcas ou símbolos, que sejam
incompatíveis com a sobriedade da advocacia (alínea “k”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e
arts. 31, do Código de Ética e Disciplina);
82RECURSO Nº 0419/2004/SCA - 02 volumes. Recorrente: E.F.S. (Advogados: Osvaldo Peruffo OAB/RS 2920, Sâmia El Hawat
Dalla´ Agnol OAB/RS 30768 e Daciano Accorsi Peruffo OAB/RS 30762). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande
do Sul. Relator: Conselheiro Federal Newton Cleyde Alves Peixoto (BA). EMENTA Nº 026/2005/SCA. Publicidade - anúncios
em jornal - omissão do nome e inscrição na OAB - mala direta - promessa de resultados - referência a valores de serviços e
consultas, ou gratuidade destes - informações de serviços jurídicos susceptíveis de captação de causa ou de clientes - infringência
dos arts. 29, caput, 31 §§ 1º e 2º e 32 do Código de Ética. Incorre em violação a preceito do Código de Ética e Disciplina o
advogado responsável por anúncio publicado em jornal, ofertando serviços advocatícios, fazendo ainda constar no anúncio o
valor dos serviços ou a gratuidade destes. A publicidade dos serviços profissionais nos meios de comunicação deve ser feita com
absoluta discrição e moderação com finalidade apenas informativa da especialização. A remessa de correspondência sob forma
de propaganda a uma determinada coletividade considera-se anúncio imoderado porque visa a captação de causa ou de cliente.
O anúncio, nos meios de comunicação, vedada a sua veiculação advogado e o número de inscrição na OAB, não bastando as
suas iniciais. A propaganda deverá ser restrita às qualificações profissionais, especializações técnico-científicas em determinados
ramos do direito, mencionando o endereço e horário de expediente, nunca prometendo resultados favoráveis. ACÓRDÃO: Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Conselheiros integrantes da Segunda Câmara do Conselho Federal da
OAB, por maioria rejeitar as preliminares de nulidade e no mérito, também, por maioria, conhecer e dar provimento ao recurso, na
conformidade do relatório e voto do relator para converter a pena de censura em advertência. Brasília, 15 de março de 2005. Ercílio
Bezerra de Castro Filho, Presidente da Segunda Câmara. Newton Cleyde Alves Peixoto, Relator.
DJ, 06.04.2005, p. 552, S1 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em
http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.
83RECURSO Nº 2007.08.03748-05 - 04 volumes/SCA - 3ª Turma. Recorrentes: N.W.F.R. e A.O.J. (Advogados: Fábio da Costa Vilar
OAB/SP 167.078, José Antônio Carvalho OAB/SP 53.981, Adirson de Oliveira Júnior OAB/PR 30.915-A e Outros). Recorridos:
Conselho Seccional da OAB/Paraná e IDTL, F.M.T., N.T.L.M., E.R.F., B.S.S., A.R.A, W.C.G., S.B.J., M.D.R.F., J.C.M.P., R.M.S.,
J.C.O.J., M.A.S. e M.L.C.D. (Advogados: Frederico de Moura Theophilo OAB/PR 8719, Neilar Terezinha Lourençon Martins
OAB/PR 9.597, Enrico Rodrigues de Freitas OAB/PR 21.486-B, Bruno Sacani Sobrinho OAB/PR 5.141, Adriano Rodrigues
Arriero OAB/PR 29.160, Waldomiro Carvalho Grade OAB/PR 3338, Salvador Biazzono Júnior OAB/PR 3373, Márcia Débora
Rodrigues de Freitas OAB/PR 17.382, José Carlos Martins Pereira OAB/PR 12.599, Roberto de Mello Severo OAB/PR 23.046,
João Carlos Oliveira Júnior OAB/PR 16.833, Marcelo Augusto da Silva OAB/PR 21.648 e Marcelo de Lima Castro Diniz OAB/
PR 19.886.) Relator: Conselheiro Federal Pedro Origa Neto (RO). EMENTA Nº 054/2009/SCA - 3ª T. Representação Disciplinar Publicidade Imoderada - Sociedade não registrada na Seccional à época dos fatos - Utilização de cores, ilustrações, figuras, marcas
e símbolos incompatíveis com a sobriedade da Advocacia - Anúncios de serviços profissionais através de jornais, folders e revistas
com promessas de resultados - Conduta reiterada e continuada mesmo depois de condenados em processo anterior sobre o mesmo
fato - Reincidência caracterizada para fins de dosimetria da pena - possibilidade de instauração de novo processo e aplicação de
nova pena atingindo os advogados não inscritos na Seccional - Infração prevista no artigo 34, incisos I, II e IV do EAOAB e artigos
28, 29 e 31 do CED - Condenação mantida, atendida as circunstâncias agravantes e atenuantes que envolvem individualmente cada
um dos representados - Recursos desprovidos. 1 - A publicidade imoderada pelos meios de comunicação, seja em jornais, folders,
revistas ou similares, com atrativos e promessa de resultados, caracteriza evidente conotação mercantil e captação de clientela
proibidas pelo Estatuto (Lei 8.906/94) e pelo Código de Ética e Disciplina da OAB. 2 - É vedado ao profissional participar de
sociedade de advogados que não se enquadre no modelo estabelecido pelo Estatuto, sem inscrição na entidade à época dos fatos
noticiados na representação disciplinar, devendo todos os profissionais, integrantes ou não, que se beneficiaram com a propaganda
irregular, serem responsabilizados pela infração cometida, vez que não se admite limitação, a teor do artigo 17 do Estatuto. 3 - O
fato do advogado já ter sido julgado em razão do mesmo fato praticado em outra localidade, não impede, em caso de conduta
reiterada, a instauração de novo processo com aplicação de nova pena agravada, pois havendo informação de condenação anterior,
não o julgador deixar de aplicar a regra do artigo 37, II do Estatuto, diante da flagrante reincidência na prática da infração ética,
independentemente que a decisão pretérita ainda não tenha trânsito em julgado. Precedentes do Conselho Federal. 4 - Advogados
não inscritos na seccional por onde respondem processo disciplinar não ficam isentos de responsabilidade, conforme previsão
extensiva do artigo 34, II do Estatuto. 5 - Comprovada a infração ética, a punição dos responsáveis é conseqüência natural,
atendendo a individualização da pena, diante de circunstâncias agravantes e atenuantes que envolvem particularmente cada um
dos representados na falta cometida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e examinados estes autos, acordam aos Membros da 3ª Turma
da Segunda Câmara do Conselho Federal, por unanimidade, no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento nos termos
do voto do relator. Brasília, 15 de setembro de 2008. Alberto Zacharias Toron, Presidente da 3ª Turma da Segunda Câmara. Pedro
Origa Neto, Relator. (DJ. 22/04/2009, pág. 349) ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários
propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.
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A Advocacia e a Propaganda Pelo Advogado
12) utilizar símbolos, logotipos e marcas oficiais, ou utilizadas privativamente
pela OAB (arts. 31, do Código de Ética e Disciplina);
13) mencionar informações errôneas ou enganosas, assim como mencionar
título acadêmico não reconhecido pela autoridade brasileira (alíneas “h” e “j”, art. 4º, Provimento
OAB nº 94/2000).
O que se percebe, pelas proibições, acima transcritas, é não só evitar a
vinculação de uma imagem profissional equivocada ou errônea ao cliente, levando-o a contratar,
mas também manter a dignidade da profissão, o respeito que deve gozar no meio social, e ainda
fazer com que a competição mercadológica, dentro da advocacia, seja pautada pela ética e pelo
equilíbrio entre os agentes.
b) Quanto ao meio
130
Para a realização de propaganda, poderão ser utilizados todos os meios e formas
de comunicação existentes, ou que venham a existir, tais como cartões de visita, jornais, revistas,
cartas a clientes, listas telefônicas, catálogos, folhetos, placas de identificação de escritório,
materiais de escritório (papéis, pastas, adesivos, envelopes etc.), inclusive internet, através de
site, blog ou e-mail, desde que seja respeitado o princípio informativo da propaganda advocatícia
(art. 5º, Provimento OAB nº 94/2000).
No entanto, é proibida a propaganda em rádio, televisão, painéis, outdoors,
faixas, anúncios em via pública84, assim como plotagem de veículos, uso de cartas circulares
e panfletos ao público, bem como a utilização de intermediação ou corretagem advocatícia
(conhecidos como paqueiros) (art. 6º, Provimento OAB nº 94/2000).
De qualquer forma, ressalvadas as proibições, e realizada de forma discreta e
moderada, a propaganda pelo advogado poderá seguir pelos mais diversos meios de comunicação,
desde que não se equipare ou se confunda, por sua forma ou modo de realização, com práticas
tipicamente comerciais, que são proibidas pelo Código de Ética, e pelo próprio Provimento.
Uma das questões difíceis de ser enfrentada é sobre qual tipo de propaganda
seria mais compatível com a sobriedade da advocacia.
Por óbvio, deve-se usar o bom senso ou o senso comum do significado dessas
expressões.
Assim, os meios de comunicação devem ser usados com moderação,
comedimento, temperança e parcimônia, a fim de mesmo seguindo as ordenações normativas,
não haja descumprimento dos princípios e objetivos da norma, não de forma qualitativa, mas em
razão da quantidade e frequência da propaganda junto ao público.
5 CONCLUSÃO
Na advocacia, a propaganda é permitida, desde que puramente informativa,
tendo por objetivo levar ao conhecimento do público ou da clientela, dados e informações,
84 RECURSO Nº 0281/2006/SCA - 3ª Turma. Recorrente: L.A.R. (Advogado: Margareth Zanardini OAB/PR 9604). Recorrido:
Conselho Seccional da OAB/Santa Catarina. Relatora: Conselheira Federal Maria Avelina Imbiriba Hesketh (PA). EMENTA
N° 102/2007/3ªT-SCA. Advogado que se utiliza de empresa agenciadora de causas, com propaganda irregular nos meios de
comunicação e distribuição de panfletos à população, mercantiliza a advocacia, além de facilitar o exercício profissional a não
inscritos nos quadros da OAB, caracterizando assim infração Ética prevista no inciso III, do artigo 34, do Estatuto da Advocacia
e da OAB. Mantida a pena de censura. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da 3ª Turma
da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto
da Relatora. Brasília, 18 de junho de 2007. Pedro Origa Neto, Presidente “ad hoc” da 3ª Turma da Segunda Câmara. Maria
Avelina Imbiriba Hesketh, Relatora. (DJ, 24.10.2007 p. 489, S1) ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal.
Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.
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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama
objetivas e verdadeiras, sobre a atividade profissional realizada pelo advogado ou pela sociedade
de advogados.
A propaganda, além de veicular dados objetivos e verdadeiros, deve ser
realizada com moderação e comedimento, a fim de se respeitar a dignidade da profissão, que não
pode se vincular ou se aproximar da atividade empresarial, através de conteúdos ou meios de
exposição típicos da mercancia, tudo em total respeito à sociedade e aos demais advogados, cujo
acesso ao mercado, em igualdade de condições, é materialmente incentivado.
A propaganda irregular pode trazer punição disciplinar pela OAB, além da
possibilidade de condenação criminal do profissional, visto que certas atitudes podem constituir crime
contra ordem econômica e concorrência desleal, além de crime contra as relações de consumo.
No entanto, a pior das punições para a propaganda ilegal, é o descrédito do
profissional junto de sua classe, da clientela e da sociedade, que percebe aquele advogado ou
sociedade como meros corretores de interesses econômicos próprios, tendo no lucro, e não na
prestação de um serviço seguro e responsável, em conformidade e em defesa da Justiça, a razão
do exercício da advocacia.
REFERÊNCIAS
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BIZZATO, José Ildefonso. Deontologia jurídica e ética profissional. 2ª. Ed. São Paulo:
Direito. 2000..
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em http://www.fm-advogados.com.br/images/fm_artigos/55.pdf, acesso em 01/02/2011.
131
KOTLER, Philip. Trad. H. De Barros. 4ª. Ed. São Paulo: Atlas, 1996.
LIMEIRA, Tânia M. V. Fundamentos de marketing. Apud: Gestão de marketing/
Coordenação Sergio Roberto Dias. São Paulo: Saraiva, 2004, disponível: http://
temdetudonanet.com.br/estacio022010/JoseCarlosCorrea%20_%20FundamentosdeMarketing.doc,
acesso em 01/02/2011.
LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4ª Ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.
MAMEDE, Gladson. A advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. 2ª Ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
MUNIZ, Eloá. Publicidade e propaganda origens históricas. Disponível em http://www.
eloamuniz.com.br/arquivos/1188171156.pdf, acesso em 01/02/2011.
NALINI, José Renato. Filosofia e ética jurídica. São Paulo: RT, 2008.
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A Advocacia e a Propaganda Pelo Advogado
PUBLICIDADE. In. Wikipédia. Disponível em, http://pt.wikipedia.org/wiki/Publicidade, acesso
em 01/02/2011.
RAMOS, Gisele Gondin. Estatuto da Advocacia. 4ª ed. Florianópolis: OAB/SC, 2003.
SANTANNA, Armando. et alli. Propaganda. 8 ed. São Paulo: Cengage Lerning, 2009.
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Romulo de Aguiar Araújo, Douglas Bonaldi Maranhão
MEDIDAS DE SEGURANÇA
Romulo de Aguiar Araújo85
Douglas Bonaldi Maranhão86
RESUMO
Este trabalho consiste na análise das medidas de segurança dispostas no ordenamento jurídicopenal brasileiro. As duas espécies de medida de segurança existentes são o internamento em
hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico e o tratamento ambulatorial. Ambas destinadas
ao indivíduo inimputável ou semi-imputável que cometa um ilícito penal. Ao contrário da pena,
a medida de segurança não visa punir o criminoso em caráter fundado sob uma perspectiva
retributiva permeada por aspectos de prevenção geral ou especial, mas sim tem caráter de
combate ao indivíduo considerado perigoso pela sociedade, buscando o seu tratamento. O intuito
da aplicação da medida de segurança é de que o delinquente-doente tenha constatada a cessação
da sua periculosidade através de uma perícia médica especializada e volte ao convívio social.
PALAVRAS-CHAVE: Medida de Segurança. Periculosidade. Tratamento.
ABSTRACT
This work is an analysis of the security measures laid out in the legal-criminal justice. The two
species of existing security measures are in hospital inpatient psychiatric treatment and custody
or outpatient treatment. Both for the individual or semi-untouchable attributable who commits a
criminal offense. Unlike the penalty, the security measure is not intended to punish the criminal
in character based on a retributive perspective permeated by aspects of general and special
prevention, but has the character of the individual combat considered dangerous by society,
seeking the treatment. The purpose of the measure of security is that the offender-patient has
found the end of his danger by a medical specialist and return to social life.
133
KEYWORDS: Security Measure. Hazard. Treatment.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS. 3 SISTEMAS. 4 ESPÉCIES. 4.1
Internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. 4.2 Tratamento Ambulatorial. 5
ESTABELECIMENTOS PRÓPRIOS. 6 CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE. 7 INCIDENTES
DA EXECUÇÃO. 8 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa abordar as peculiaridades acerca da aplicação das
Medidas de Segurança, tendo em vista os diversos entendimentos doutrinários que pairam
sobre o tema. Construindo uma breve consideração histórica, explanando como era trazida no
85Especialista em Direito e Processo Penal (UEL). Advogado
86Mestre em Direitos Difusos e Coletivos (UEM). Especialista em Direito e Processo Penal e em Filosofia Política e Jurídica (UEL).
Professor (UNIFIL e PUC PR Londrina). Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Paraná (Suplente). Advogado.
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Medidas de Segurança
início pelo Direito Romano e como surgiu e se desenvolveu no Código Penal Brasileiro, até seu
desenvolvimento a partir de 1984.
Ainda nesta senda, tendo como fator principal para aplicação da medida de
segurança, cumpre ressaltar a condição do agente a que ela é direcionada, tendo este que praticar
um fato considerado como típico e ilícito, e que não tenha a plena capacidade para entender o
caráter ilícito do seu feito. Deve ser aplicada como forma de prevenção-assistencial vislumbrando
o não cometimento de um novo delito, entendendo-se assim cessada a periculosidade do agente.
134
2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
A aplicação das medidas de segurança tiveram o seu início no Direito Romano
e eram aplicáveis aos menores e aos doentes mentais. Esses indivíduos eram segregados,
abandonados ou então internados em casas de custódia, com o intuito de serem afastados da
sociedade (RIBEIRO, 1998, p. 10). Bruno de Morais Ribeiro relata como consequência disso que
“se os loucos não pudessem ser contidos por seus parentes, seriam encarcerados” (1998, p. 10).
Identificada também como medida aplicada não só aos menores e loucos,
tem-se que a medida de segurança era direcionada aos ébrios habituais, aos vagabundos e aos
mendigos, como meio preventivo de defesa da sociedade contra aqueles indivíduos indesejados,
não havendo, muitas vezes, nenhuma prática delitiva, somente o perigo do mau exemplo que o
indivíduo representava à sociedade (FERRARI, 2001, p. 16).
Foi na Inglaterra que surgiu o primeiro manicômio judiciário, em 1800, quando
o rei Jorge III foi vítima de uma tentativa de homicídio praticada por um doente mental, que
foi absolvido e depois internado por tempo indeterminado. Também foi este país o primeiro a
aplicar aos criminosos doentes mentais um tratamento psiquiátrico, a partir do Criminal Lunatic
Asylum Act, de 1860 – que determina o recolhimento a um asilo de internados os indivíduos que
delinqüissem, desde que penalmente irresponsáveis – e do Trial of Lunatic Act, 1883. (PRADO,
2008, p.621) Posteriormente, as providências contra os ébrios habituais eram tomadas pela
Inebriate Act, em 1898 e não deixando de lado os menores, em 1908, com a criação do Children
Act (RIBEIRO, 1998, p. 11). Em seguida, o Prevent of Crime Act traz o tratamento curativo e o
Preventive Detention o tratamento aplicável aos reincidentes perigosos, após a aplicação da pena
(D’URSO, 1993, p. 116).
Seguidamente à Inglaterra, o Código Penal francês, em 1810, também trazia
dispositivo de segregação indefinida aos insanos e menores da época e a partir de 1832, incluíram
os mendigos e vagabundos, submetendo-os à vigilância especial da polícia, que também passou
a fazer parte de alguns códigos surgidos a partir deste momento, tais como o sardo, o toscano e o
código penal italiano de 1889, conhecido como Código Zunardeli (PRADO, 2008, p. 621). Este
código exerceu forte influência sobre a Europa e América Latina em países como Brasil, Uruguai
e Venezuela, pois trazia medidas relativas a menores, ébrios e reincidentes (RIBEIRO, 1998, p.
11).
No final do século XIX, já percebendo que a pena não impedia a reincidência,
torna-se duvidosa a eficácia de tal sanção, surgindo assim o clamor de uma resposta jurídica.
Devido a esse fracasso da pena e a necessidade da defesa social eficaz, surgiram duas novas
correntes de pensamento. A primeira defendia que o homem não precisava de punição e sim
de tratamento, determinando penas acessórias para os reincidentes e aumento das penas ao
delinquente por hábito, revertendo o caráter da pena de retributivo em preventivo, visando baixar
o índice de criminalidade. Enquanto a segunda corrente defendia a tese de criação de uma nova
espécie de sanção de cunho preventivo, mas paralelamente continuando a pena de feito retributivo.
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Romulo de Aguiar Araújo, Douglas Bonaldi Maranhão
Ponto pacífico das duas correntes era a não suficiência do fim retributivista da pena, e que seria
necessário um estudo mais específico sobre o criminoso, não somente a aplicação do castigo
limitando-se com base no simples ilícito cometido (FERRARI, 2001, p. 17).
Após o declínio da pena e a necessidade da manutenção da tranquilidade social,
formou-se a chamada medida de segurança criminal e, legitimada tal sanção, era fundamental que
uma escola de pensamento jurídico-penal adotasse a nova modalidade de sanção. Em oposição
à visão clássica dos fins retributivistas e intimidação da sanção, os ocupantes da então escola
positivista italiana Ferri, Garófalo e Lombroso deram o apoio ideológico necessário ao novo
instrumento do direito penal (FERRARI, 2001, p. 19). Assim, tem-se que foi “a Escola Positiva
responsável pelo desenvolvimento das medidas de segurança, além de ter dispensado especial
atenção ao estudo do delinquente e da vítima e pregado uma melhor individualização das penas”
(PRADO, 2008, p. 622).
Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 20) indica a adoção das ideologias de tratamento
de caráter preventivista, “selecionando na Defesa Social, no Determinismo, na Perigosidade e no
utilitarismo para princípios permanentes a categoria de resposta sancionatória”.
Após a introdução dos positivistas italianos na defesa dos substitutivos penais
do século XIX, a partir do século XX a doutrina da Defesa Social surgiu com novas ideias
preventivistas que contribuíram para a evolução da medida de segurança. Tal doutrina se dividiu
em três correntes: a) Corrente Extrema ou de Gênova, em que o indivíduo era responsabilizado
pelo fato antissocial subjetivo e não pelo delito, existia uma medida para cada pessoa e não uma
pena para cada delito e pregava a substituição da pena por medida de segurança; b) Corrente
Moderada ou de Paris apareceu com uma teoria mais garantista e estruturada preocupada
com o livre arbítrio do delinquente, em combater ao delito visando a não produção do dano e
proporcionando variedades de medidas de luta contra o delito em face dos delinquentes anormais
e aos reincidentes, integrando a pena e a medida de segurança por um sistema unitário de defesa
social, sociológico e reduzido e; c) Corrente Conservadora que buscava a unificação da pena e da
medida de segurança, mais próxima do direito penal clássico, no qual a pena exigia a prática de
um crime e a medida de segurança necessitava apenas de um ilícito típico (FERRARI, 2001, p.
25-28).
Posteriormente à análise das escolas da defesa social e do positivismo italiano
e suas influências perante as medidas de segurança, são de suma importância a participação de
dois pensadores na evolução das medidas de segurança: Von Listz e Karl Stooss. A punição, na
visão de Listz, tinha que se justificar ora pela retribuição pelo mal praticado, ora pela prevenção
perante o perigo de reincidência, “legitimando a medida de tratamento com fulcro na recuperação,
na intimidação e ou na inocuização” (FERRARI, 2001, p. 29). Mesmo sua teoria tendo sido
considerada ampla e vaga, seu maior mérito foi traçar diretrizes político-criminais para futuras
ideias de tratamento. Com isso uma ação conjunta entre o direito penal, a antropologia, a psicologia
e a estatística criminal permitiu a criação de novas modalidades de sanção.
Trilhando os caminhos de Von Listz, em 1893, Karl Stooss (D’URSO, 1993,
p. 114) sistematizou, pela primeira vez, a medida de segurança juridicamente. Anteriormente os
instrumentos de prevenção ainda eram conhecidos como pena, concretizando a ideia de pena-fim,
constituída por Listz em seu Anteprojeto do Código Penal Suíço:
135
a) Atribuir-se prioritariamente ao juiz; b) pronunciar-se sob a forma
de sentença relativamente indeterminada, com duração condicionada
à cessação da periculosidade; c) basear-se na periculosidade do
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Medidas de Segurança
136
delinquente; d) executar-se em estabelecimentos especializados e
adequados ao tratamento do periculoso; e) constituir-se em medida
complementar, algumas vezes substitutiva à pena, aplicando-se
àqueles delinquentes incorrigíveis cuja execução da pena seria ineficaz
(FERRARI, 2001, p. 30).
No Brasil, as disposições semelhantes às medidas de segurança apareceram
antes até do anteprojeto de Stooss, em 1893. Foi no Código do Império que apareceu pela
primeira vez a medida sancionatória, disposta no artigo 12. Os loucos que cometessem crimes
seriam recolhidos às casas destinadas a eles ou então entregues às suas famílias. Luiz Regis Prado
(2008, p. 622) assevera que o código imperial estabelecia que “os loucos não seriam julgados
criminosos, salvo se tivessem praticado o fato durante um intervalo de lucidez”. No artigo 10 §2º
e também no artigo 64 estabelecia-se que “os delinquentes que, sendo condenados, se acharem
no estado de loucura, não serão punidos enquanto nesse estado se conservarem”. E também no
artigo 13, segundo o qual os menores de 14 anos seriam encaminhados à casa de correção, caso
cometessem algum crime (RIBEIRO, 1998, p. 12).
O Código Penal de 1890 trazia disposições semelhantes às anteriores. Nele os
indivíduos seriam isentos de culpabilidade de acordo com a sua “affecção mental”, segundo o
artigo 29 e, caso isso ocorresse, seriam internados em hospitais para alienados ou então entregues
as suas famílias (RIBEIRO, 1998, p. 12). A respeito dos menores, estipulou-se um critério de
idade um pouco diferenciado, elencando expressamente, no artigo 30, que os delinquentes
maiores de nove anos e menores de 14 anos que cometessem algum crime seriam recolhidos a
estabelecimento disciplinar industrial. (RIBEIRO, 1998, p. 12)
Bruno de Morais Ribeiro (1998, p. 12) lembra que o Código Penal de 1890 tinha
previsão legal para os indivíduos considerados “vadios” e os “capoeiras”, que se condenados e
reincidentes nessas condutas, seriam internados em colônias penais, segundo os artigos 400 e 403.
Os toxicômanos e intoxicados habituais seriam internados em entidades de tratamento curativo
e os ébrios habituais, que fossem nocivos ou perigoso para si para outrem ou para a sociedade,
seriam internados em estabelecimento correcional de acordo com as suas necessidades, conforme
artigo 398 da Consolidação das Leis Penais.
Vários projetos e anteprojetos surgiram ao longo dos anos seguintes no Brasil.
Em 1893, Vieira de Araújo (PRADO, 2008, p. 623), O Projeto de Galdino Siqueira, de 1913,
influenciado pelos estudos de Karl Stooss e Von Listz (FERARRI, 2001, p. 33; PRADO, 2008, p.
623). As medidas de tratamento, como eram conhecidas ainda em 1927, ano da criação do projeto
de Virgílio de Sá Pereira, influenciado pelos textos do Código Penal Suíço e pelo Projeto Rocco
(FERRARI, 2001, p. 33-34).
Pouco antes da instituição do Código Penal de 1940, o projeto de Alcântara
Machado “estabeleceu o princípio da legalidade para as medidas de segurança e dividiu-as em
medidas de natureza detentiva e não-detentiva” (PRADO, 2008, p. 623).
Divididas em detentivas ou não detentivas, as medidas de segurança pessoais, do
artigo 88, eram aplicadas de acordo com a gravidade do crime ou a periculosidade do agente. As
detentivas eram aplicadas ao delinqüente, encaminhando-os ao internamento em manicômio judiciário,
casa de custódia, colônia agrícola, instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, e as
não detentivas eram aplicadas como liberdade vigiada e proibição de frequentar determinados lugares.
As medidas de cunho patrimonial puniam o indivíduo pela sua periculosidade social e eram constituídas
em confisco, interdição de estabelecimento e interdição de sede de sociedade ou associação, conforme
artigo 100 (FERRARI, 2001, p. 35; PRADO, 2008, p. 623).
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A ausência de tempo máximo para o cumprimento da medida de segurança
obrigava a manutenção do tratamento do delinquente tendo como desiderato o alcance da
proteção social, e o limite mínimo era considerado como o lapso temporal de defesa contra uma
postura precipitada que almejasse a colocação do indivíduo novamente junto ao convívio social,
demonstrando a preocupação com a periculosidade social do indivíduo e não com a criminalidade
do delinquente, sempre sob uma perspectiva de tratamento desse indivíduo. (FERRARI, 2001, p.
37).
O anteprojeto do Código Penal de 1969, de Nelson Hungria, era semelhante ao
de 1940, pois permitia a internação em manicômio judiciário ou hospital psiquiátrico, sendo que
se o condenado se curasse, cumpriria o restante da pena, caso não se curasse, após o cumprimento
do prazo determinado na medida de segurança, o internamento seria por tempo indeterminado
(FERRARI, 2001, p. 38). Porém, sofrendo “influência dos problemas políticos internos decorrentes
da época, o Código de 1969, apesar de ser promulgado quanto à data de sua vigência, alterado seu
texto com a Lei 6.016, de 31.12.1973, e posteriormente revogado em 1975, sem nunca ter entrado
em vigência, mantendo-se na íntegra a legislação penal de 1940”. (FERRARI, 2001, p. 39)
Seguindo a premissa do Código de 1969, a legislação de 1984 decidiu
revitalizar o sistema vicariante suprimindo o sistema duplo-binário, e também decretou de forma
absoluta o uso do princípio da legalidade e da periculosidade criminal a prática de um ilícitotípico. Sendo assim, surgiram duas espécies de medida de segurança: uma de caráter privativo
e outra de caráter restritivo, denominadas de internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico e tratamento ambulatorial (FERRARI, 2001, p. 40).
Imprescindível se faz a referência à Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984,
que deu nova redação à parte geral do Código Penal Brasileiro, e a Lei da Execução Penal, nº
7.210, de mesma data, devido à alta relevância para evolução legislativa do instituto medida de
segurança, ambas a serem abordadas em capítulo posterior.
137
3 SISTEMAS
Foram três os principais sistemas propostos quanto à aplicação da medida de
segurança ao longo da sua evolução histórica, de maneira a melhor adequar às perspectivas finais de
sua aplicação: o sistema dualista, sistema monista e o sistema vicariante (PRADO, 2008, p. 625).
O sistema dualista, também denominado duplo-binário, surge com a concepção
clássica da pena retributiva e de suas manifestas insuficiências. Apesar de as penas estarem fundadas
na culpabilidade do agente como medida aflitiva, aplicável somente ao imputável, as medidas de
segurança amparam-se na periculosidade do indivíduo como medida de tratamento, aplicável
tanto aos imputáveis quanto aos semi-imputáveis, visando à prevenção especial. Deste modo,
caberia a imposição dos dois institutos sancionatórios a um mesmo indivíduo, sucessivamente
(PRADO, 2008, p. 625).
Já o sistema monista conjuga três tendências, a saber:
a) absorção da pena pela medida de segurança; b) absorção da medida
de segurança pela pena e; c) unificação das penas e das medidas de
segurança em outra sanção distinta, com duração mínima proporcional
à gravidade do delito e máxima indeterminada, sendo a execução
ajustada à personalidade do delinquente e fins de readaptação social.
(PRADO, 2008, p. 625)
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Medidas de Segurança
Por último, o sistema vicariante, utilizado no Brasil desde que adotado pela
atualização do Código Penal em 1984. Neste sistema não se admite a imposição da pena e medida
de segurança, sendo possível tão somente a aplicação de um instituto. Como por exemplo, ao
semi-imputável, conforme artigo 26, parágrafo único do Código Penal, há a possibilidade de
aplicação da pena de forma reduzida de um a dois terços ao indivíduo que tenha perturbação de
saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ao momento do cometimento
do ilícito penal, ou então de acordo com o artigo 98 do mesmo ordenamento, ocorrendo a hipótese
do artigo acima, poderá ser aplicada a substituição da pena privativa de liberdade por internação
ou tratamento ambulatorial, caso o condenado necessite de tratamento especial curativo (PRADO,
2008, p. 625).
Esses sistemas representam as principais formas de aplicação da medida de
segurança identificada ao longo dos tempos, sendo que é de bom alvitre firmar que o ordenamento
jurídico penal brasileiro adota o sistema vicariante, de acordo com a sistemática disposta no
Código Penal.
4 ESPÉCIES
138
A medida de segurança tem, atualmente, uma natureza jurídica penal. “A medida
de segurança é uma reação criminal, detentiva ou restritiva, que se liga à prática, pelo agente, de
um ilícito típico e tem como pressuposto a periculosidade” (DOTTI, 2010, p. 710), sendo que
estas reações do ordenamento jurídico são destinadas ao inimputável e ao semi-imputável.
De acordo com o disposto do artigo 96 do Código Penal Brasileiro, são
duas as espécies de medida de segurança: “I – internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição a tratamento
ambulatorial”.
4.1 Internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem caráter
eminentemente detentivo. Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 80) perante essa realidade denomina
a medida de segurança constante na internação como “privativa de liberdade” devido à
impossibilidade de o internado exercer o seu direito de ir e vir.
Tal espécie destina-se obrigatoriamente ao inimputável que tenha cometido
ilícito-típico punível com reclusão, e será facultativo quando a pena vier a ser de detenção (art.
97, CP). Porém, pode ser destinada ao semi-imputável, quando da substituição de pena privativa
de liberdade por medida de segurança, (art. 98, CP), inclusive a internação, em se tratando de
necessidade de especial tratamento curativo (PRADO, 2008, p. 627).
Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 83) ensina que na aplicação da internação em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico há que ser identificados dois pressupostos: “a) que o
indivíduo se revele inteira ou relativamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato; e b) que
o ilícito-típico seja grave, tanto que apenado com reclusão”.
Em contrapartida, Luiz Regis Prado (2008, p. 627-628) menciona ser oportuno destacar:
O Direito Penal deve organizar um sistema de medidas de segurança
desvinculado e independente da culpabilidade e não limitado pelas
exigências do princípio da culpabilidade. O fundamento das medidas
de segurança é exclusivamente a periculosidade criminal do autor, ou
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seja, a probabilidade de que volte a delinqüir futuramente. Desse modo,
sua duração deve ser estipulada em razão dessa periculosidade.
Diante disso, nota-se que as medidas de segurança não devem ser
necessariamente proporcionais à gravidade do delito, mas sim à periculosidade do agente, ao
contrário das penas. Sendo assim, a gravidade do delito praticado deve ser apenas um quesito a
ser analisado para calcular a periculosidade do indivíduo, como pressuposto na formulação do
princípio da proporcionalidade. Pois o injusto penal pode não ser de grande gravidade, mas a
possibilidade de que ocorra um delito mais grave é ponto que deve ser levado em consideração
quando da aplicação da medida (CEREZO MIR apud PRADO, 2008, p. 628).
4.2 Tratamento Ambulatorial
O tratamento ambulatorial tem caráter restritivo, denominado por Eduardo
Reale Ferrari (2001, p. 84) como uma medida de segurança “restritiva de direitos”, na qual não há
cerceamento de liberdade do indivíduo, ou seja, restringindo-se direito diverso da liberdade. Foi
introduzido como inovação com a reforma do Código Penal em 1984, e utilizado para delinquentes
com menor grau de periculosidade criminal, visando tornar o indivíduo não-perigoso e buscando
alcançar sua cura e a reintegração social (FERRARI, 2001, p. 85).
Disposto no inciso II do artigo 96 do Código Penal, o tratamento ambulatorial
é imposto ao inimputável que tenha cometido crime apenado com pena de detenção e também
ao semi-imputável (artigo 97 e 98). É visto como uma possibilidade de imposição, a medida que
a regra geral é a de internação (PRADO, 2008, p. 628). Não obstante essa diretiva, tem-se que a
internação somente poderá ser aplicada quando se mostre necessária para fins curativos. “Sendo
o crime punível com detenção e restando provada a compatibilidade das condições pessoais do
agente – inimputável ou semi-imputável – com o tratamento ambulatorial, impõe-se a opção por
essa medida” (PRADO, 2008, p. 628).
Assim, tal medida restritiva constitui um instrumento alternativo ao
internamento, de resultados terapêuticos efetivos, sem tanta aflição e mais em conta, destinada
aos delinquentes-doentes menos perigosos, condizente às perspectivas de um Estado Democrático
de Direito (FERRARI, 2001, p. 88).
139
5 ESTABELECIMENTOS PRÓPRIOS
O hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem as sua diretivas dispostas
na Lei de Execuções Penais, nos artigos 99 a 101, que asseveram que o referido estabelecimento
se destina aos inimputáveis e semi-imputáveis, devendo respeitar as condições básicas de
salubridade e fatores de insolação, aeração, e condicionamento térmico adequado à condição
humana (artigo 88, LEP). É também obrigatório o exame psiquiátrico, criminológico e de
personalidade, conforme dispõem os artigos 100 e 174, bem como os artigos 8º e 9º, todos da Lei
de Execuções Penais (PRADO, 2008, p. 627).
Luiz Regis Prado (2008, p. 628) e Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 747)
pactuam a opinião referente aos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Eles se referem a
tal estabelecimento como local em que devam ser feitas as internações e, a respeito da boa intenção
do legislador, que em 1984 tentou definir novo ambiente para a internação daquele submetido à
internação, o que restou foi a utilização dos antigos manicômios judiciários, corroborado também
pela deficiência dos estados em construir os novos estabelecimentos.
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Medidas de Segurança
A Exposição de Motivos da Lei de Execuções Penais, em seu item número 99,
faz referência ao hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, bem como quais devem ser as
características hospitalares adequadas ao fim terapêutico, da seguinte forma:
140
Art. 99. Relativamente ao Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico não existe a previsão da cela individual, já que a estrutura
e as divisões de tal unidade estão na dependência de planificação
especializada, dirigida segundo os padrões da medicina psiquiátrica.
Estabelecem-se, entretanto, as garantias mínimas de salubridade do
ambiente e área física de cada aposento.
Não só a internação, mas também o tratamento ambulatorial, conforme artigo
99 do Código Penal e 101 da Lei de Execuções Penais, deverá ser realizado em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico, ou então em outro local com dependência médica adequada.
Observa a Lei que havendo falta de aparelhos adequados para prover
assistência psiquiátrica no caso de internação, conforme artigo 14, parágrafo 2º e artigo 42 da Lei
de Execuções Penais, poderá ser prestado o atendimento em local diverso mediante autorização
da direção do estabelecimento. Ainda o artigo 43, da mesma lei, garante a liberdade de escolha
dos familiares ou dependentes de contratar um médico de confiança pessoal, tanto nos casos de
internação quanto nos de tratamento ambulatorial, para acompanhar o tratamento, cabendo ao juiz
da execução resolver, caso haja opinião diversa entre os médicos oficial e particular (artigo 43,
parágrafo único da Lei de Execuções Penais).
Vale destacar, conforme ensina René Ariel Dotti, que “O STF, em sessão
plenária, já decidiu que constitui constrangimento ilegal a execução de medida de segurança
detentiva em estabelecimento inadequado (RF 164/318). Sob outro aspecto, a falta de vaga em
local de tratamento psiquiátrico, pela desorganização ou imprevidência do Estado, não justifica o
recolhimento na Cadeia Pública, sob pena de grave violação ao devido procedimento da execução
e intolerável coação ilegal” (2010, p. 721-722).
6 CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE
Como exposto anteriormente, a internação ou tratamento ambulatorial são
executados por tempo indeterminado, ou seja, não têm um prazo máximo estipulado, fazendo-se
necessária a imposição até o momento em que, mediante perícia médica, for constatada a cessação
de periculosidade. Tal perícia deverá realizar-se após o transcurso do prazo mínimo estipulado
(MARANHÃO, 2009, p. 131), conforme reza os parágrafos do artigo 97:
§ 1 A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo
indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante
perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá
ser de um a três anos.
§ 2 A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e
deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar
o juiz da execução.
Desta feita, o prazo mínimo estipulado, fixado pelo juiz entre um e três anos,
varia conforme a gravidade do crime e o grau de periculosidade do agente. O prazo também deve
ser fixado quando houver a conversão de pena e medida de segurança diante da superveniência
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da doença mental ou perturbação do condenado no curso da execução, artigo 183 da Lei de
Execuções Penais. Já na conversão de tratamento ambulatorial em internação, o prazo mínimo
será de um ano estipulado por força de lei, artigo 184, parágrafo único da Lei de Execuções Penais
(MIRABETE, 2007, p. 756).
Terminado o prazo mínimo de duração da internação ou do submetimento a
tratamento ambulatorial, será executada a verificação do estado de periculosidade do indivíduo
através da perícia médica, a fim de saber se deve ocorrer o desinternação ou a liberação do
tratamento. Tal procedimento pode ser direcionado de ofício pela autoridade administrativa da
execução, não sendo necessária determinação judicial (MARANHÃO, 2009, p. 131).
O artigo 175 da Lei de Execuções penais reza o que deve ser observado no
exame de cessação de periculosidade:
Art. 175. A cessação da periculosidade será averiguada no fim do prazo
mínimo
de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais
do agente, observando-se o seguinte:
I – a autoridade administrativa, até um mês antes de expirar o prazo de
duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório que o
habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida;
II – o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico;
III – juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão
ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor,
no prazo de três dias para cada um;
IV – o juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o tiver;
V – o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá
determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração
mínima da medida de segurança;
VI – ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o
inciso anterior, o juiz proferirá a sua decisão, no prazo de cinco dias.
Lembra bem Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 756) que o prazo mínimo fixado
na lei para as medidas de segurança não são fatais nem improrrogáveis, ou seja, não permite ao
submetido à medida de segurança detentiva o retorno ao convívio social enquanto não realizada
perícia para averiguação da cessação da periculosidade. “A superação do prazo não gera ao
internado o direito de ser solto e muito menos a presunção de que cessou a sua periculosidade”.
O inciso I do artigo 175 determina que a autoridade administrativa da execução,
que proceda até um mês antes de expirar o prazo da duração mínima da medida, remeta ao juiz
minucioso relatório que habilite resolver a revogação ou permanência da medida. Tal relatório
deve transmitir informações sobre o paciente, relativas à conduta do paciente, relacionamento
com os colegas e amigos, funcionários, reação ao tratamento imposto e às influências do mundo
externo, bem como demonstrar o grau de ajustabilidade social, com sua família, dentre outros
(SILVA apud MIRABETE, 2007, p. 759).
O procedimento após o recebimento do relatório instruído com o laudo
psiquiátrico é serem ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o Curador ou Defensor,
no prazo de 3 dias para cada um, podendo requerer diligências ou, se for o caso, o juiz poderá
também de ofício determinar outras medidas que entenda necessárias à decisão (MIRABETE,
2007, p. 760).
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Ao semi-imputável se não possuir Defensor, o Juiz nomeará um dativo
que deverá exercer o mandato praticando todos os atos inerentes à defesa do internado. Ao
inimputável será nomeado curador que terá por função assistir quem está em condições
inferiores em relação aos órgãos técnicos da acusação. Porém, ambos devem zelar pelos
interesses do delinquente-doente e sua presença e atuação representam a garantia do princípio
da igualdade das partes e observância do contraditório (SILVA apud MIRABETE, 2007, p.
760).
Após o cumprimento de tais diligências o juiz, de ofício ou a requerimento
das partes, e ouvidos o Ministério Público e o Defensor ou Curador, irá proferir a decisão no
prazo de cinco dias, concluindo, mediante laudo, relatório e demais provas, sobre a cessação
da periculosidade e a desinternação ou a liberação do agente. Caso seja negada, a medida de
segurança continuará a ser executada, com renovação obrigatória de exame decorrido prazo de
um ano (MIRABETE, 2007, p. 760).
A desinternação ou liberação são condicionais, ficando sujeita a extinção
da medida de segurança a uma condição resolutiva pelo prazo de um ano. Caso ocorra a
prática de ilícito penal ou fato indicativo de persistência de periculosidade será determinada
nova internação ou submissão a tratamento, restabelecendo a situação anterior. (MIRABETE,
2007, p. 763)
O artigo 179 da Lei de Execuções Penais remete a desinternação da medida
de segurança detentiva e a liberação do submetido a tratamento ambulatorial ao trânsito
em julgado da sentença, constatando a cessação da periculosidade do agente. Transitada
em julgado a decisão, o juiz expedirá a carta de ordem de desinternação ou de liberação
(MARANHÃO, 2009, p. 132).
7 INCIDENTES DA EXECUÇÃO
O título VII da Lei de Execução Penal trata, juridicamente, os incidentes da
execução, sendo que nas palavras de Renato Marcão (2009, p. 272):
O incidente é uma questão superveniente à sentença condenatória ou
absolutória imprópria, que atingem o processo de execução da pena ou
medida de segurança, impondo ao juiz da execução o dever e resolvêlas dentro do processo executivo.
O incidente da execução ocorre no curso da execução da pena, por atividade
jurisdicional acarretando a sua alteração, redução ou extinção. Nele o juiz, diante das situações
jurídicas ocorridas durante a execução, é quem determina sua alteração ou extinção. As
conversões, o excesso ou desvio, a anistia e o indulto, são os incidentes da execução dispostas na
lei (MIRABETE, 2007, p. 765).
A conversão é a substituição de uma sanção penal por outra, sendo pena
ou medida de segurança, alterando sua execução, podendo ser favorável ou prejudicial
ao condenado, podendo ter caráter liberativo ou detentivo ou constituir-se na conversãointernamento. Será favorável a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de
direito, artigo 180, ou em medida de segurança, artigo 183, e desfavorável quando houver
a conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade, artigos 181 e 182, e da
medida de segurança de tratamento ambulatorial em internação, artigo 184 (MIRABETE,
2007, p. 766).
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Romulo de Aguiar Araújo, Douglas Bonaldi Maranhão
O capítulo I do título VII da Lei de Execução Penal em seus artigos 180 a 184
trata das conversões das medidas de segurança, estando dispostas nos artigos 183 e 184:
Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade,
sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz,
de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade
administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida
de segurança.
Art. 184. O tratamento ambulatorial poderá ser convertido em internação
se o agente revelar incompatibilidade com a medida.
Parágrafo único. Nesta hipótese, o prazo mínimo de internação será de
um ano.
Para a aplicação da medida de segurança proveniente da conversão serão
utilizadas as normas gerais sobre a imposição da medida de segurança e sua execução, sendo
também imprescindível a perícia médica. Em princípio, a conversão da pena privativa de
liberdade em medida de segurança deve ser a de internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico, conforme o artigo 183 da Lei de Execuções Penais, porém se o crime for apenado
com detenção, será permitida a conversão em tratamento ambulatorial, artigo 97, caput, e artigo
98 do Código Penal.
A conversão só poderá ocorrer durante o prazo da pena. Terminado este prazo,
será inadmissível, pois a conversão e a internação passam a constituir constrangimento ilegal. O
prazo mínimo da internação deverá ser fixado entre um e três anos, conforme disposto no artigo
97, parágrafo 2º do Código Penal. Uma vez convertida a pena, não poderá ocorrer a reversão
(MIRABETE, 2007, p. 775).
Tratando da conversão do tratamento ambulatorial em internação em hospital
de custódia e tratamento psiquiátrico, disposto no artigo 184 da Lei de Execuções Penais, esta
se dá quando o agente é incompatível com o tratamento não cumprindo as determinações,
não comparecendo ao local fixado pelos médicos, demonstrando periculosidade acentuada,
constituindo risco para si e para outrem. Como não há órgão fiscalizador para o tratamento, cabe
aos médicos encarregados de tal medida comunicar ao Ministério Público ou ao juiz da execução
para que proceda, caso ache necessário, a conversão (MIRABETE, 2007, p. 778).
O prazo mínimo da internação está disposto no parágrafo único do artigo 184
da Lei de Execuções Penais, estabelecido em um ano, devendo ser contato a partir do momento
da internação, submetendo o agente ao exame de verificação da cessação de periculosidade no
início e no fim da medida.
143
8 CONCLUSÃO
Tem-se que a medida de segurança, no decorrer dos tempos, desde o início
de sua aplicação, foi destinada aos indivíduos com desvio de personalidade, quais sejam, os
ébrios habituais, os menores, os vagabundos dentre outros tratamentos adotados para tais pessoas
no decorrer da história. No Brasil foi primeiramente adotada no período imperial e destinada
aos loucos e aos menores de idade. Tais indivíduos deveriam ser encaminhados às casas de
tratamento ou então entregues às suas famílias, ao passo que, nos dias de hoje, a legislação define
como inimputáveis e semi-imputáveis os indivíduos que poderão ser submetidos às medidas de
segurança.
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Medidas de Segurança
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Com a passar do tempo, com as inovações no estudo das medidas de
segurança e as modificações na sua aplicação, foram utilizados três sistemas de aplicação
desta sanção a saber, o sistema dualista, onde havia a possibilidade de aplicação de pena e de
medida de segurança sucessivamente; o sistema monista que tinha em seu escopo a absorção
da pena pela medida de segurança ou a absorção da medida de segurança pela pena, ou então,
em outro caso, a unificação das duas sanções penais levando ao surgimento de uma sanção
diferente ajustada à personalidade do agente, e por fim, o sistema vicariante que é o utilizado
no Brasil a partir de 1984 no qual só é possível a aplicação de um dos institutos, ou seja, a
pena ou a medida de segurança.
Traz ainda a legislação pátria duas espécies de medida de segurança. A
primeira, de caráter detentivo, que consiste em internação em hospital de custódia ou tratamento
psiquiátrico, destinada aos inimputáveis ou excepcionalmente aos semi-imputáveis, e a segunda,
de caráter restritivo, que consiste em tratamento ambulatorial, onde não há privação da liberdade
do indivíduo classificado como menos perigoso.
Entretanto, após muitos estudos e relativas melhoras na legislação para
delimitar sua aplicação, as medidas de segurança se viram ineficazes ao passo que o Estado não
conseguiu disponibilizar estabelecimentos adequados e direcionados para sua efetiva aplicação,
impedindo desiderato maior calcado no tratamento e cessação da periculosidade, requisito
obrigatório para liberação ou desinternação do delinquente submetido a medida de segurança. Os
estabelecimentos destinados, hoje, para tal fim não suprem tais expectativas e dificultam, e muito,
que o internado possa alcançar melhoras com o tratamento de maneira a retornar ao convívio
social com a periculosidade cessada.
Importante ressaltar a divergência doutrinária acerca da falta de estipulação
de prazo máximo na aplicação da medida de segurança, que tem estipulado somente o prazo
mínimo de duração entre um e três anos. A doutrina majoritária alega não haver prazo máximo
de duração, porém a doutrina minoritária e a Sexta Turma do STJ entendem que seu período
não pode ultrapassar a pena prevista para a infração e o Supremo Tribunal Federal, utilizando
analogicamente o artigo 75 do Código Penal, que estipula que o prazo máximo não pode ser
superior a trinta anos.
Portanto, em se tratando de medidas de segurança, duas providências devem ser
tomadas para sua imprescindível aplicação: uma de cunho essencial acerca dos estabelecimentos
adequados para que estes tenham condições de individualizar sua aplicação visando a recuperar
o delinquente, e outra, de cunho jurídico, acerca da discussão sobre o tempo máximo que o
indivíduo submetido a medida de segurança tenha que se submeter para cessar sua periculosidade
e demonstrar sua recuperação e distância da seara delitiva.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009.
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
D’URSO, Luiz Flávio Borges. Medidas de segurança no direito comparado, IBCCRIM. São Paulo, ano 1,
nº 3, jul.-set. 1993.
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Revista Jurídica da Unifil - 08.indb 144
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Romulo de Aguiar Araújo, Douglas Bonaldi Maranhão
FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático
de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
HAMMERSCHMIDT, Denise; MARANHÃO, Douglas Bonaldi; COIMBRA, Mário.
Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. São Paulo: Saraiva, 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. São Paulo: Atlas, 2007.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008.
_____. Direito penal contemporâneo: estudo em homenagem ao Professor José Cerezo
Mir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de segurança. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1998.
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Medidas de Segurança
COMENTARIOS DE JURISPRUDÊNCIAS
A Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) enuncia um princípio geral: “Art.
5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum.”
As decisões escolhidas para comentários neste 8º Volume dizem respeito ao
princípio geral retro, tendo em vista a importância de decisões que atendem aos fins sociais em
referência às repercussões e às consequências que podem alcançar.
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Osmar Vieira da Silva
COMENTÁRIO À DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NOS AUTOS DE Nº
035.11.100108-5 DA COMARCA DE IGUATEMI –MS
Osmar Vieira da Silva87
A Requerente, indústria do ramo de alimentos, propôs Ação Cominatória
de Obrigações de Fazer e de Não Fazer contra a Requerida alegando que esta, embora tivesse
efetuado a ligação de energia elétrica da Requerente em cumprimento de ordem judicial, emitia as
faturas, não as enviava para pagamento, não oportunizou a contratação de demanda de consumo,
não celebrou o respectivo contrato de fornecimento de energia, ainda que obrigatório, segundo
a ANEEL e, por último, a notificou para imediato pagamento sob pena de corte de fornecimento
de energia.
Pediu a procedência dos pedidos e, em antecipação de tutela, pediu a cominação
de não fazer, consistente na determinação judicial para que a Requerida se abstivesse de promover
o desligamento do fornecimento da energia e, com a natureza cominatória de fazer, requereu a
determinação para que a Requerida procedesse à definição de demanda de consumo e conseqüente
celebração de contrato, apresentação das faturas vencidas com a exclusão dos excedentes não
pactuados, mas já faturados,
Na decisão, o juiz tece algumas considerações sobre a importância social das
atividades econômicas e sua contribuição para a felicidade geral ao criar cerca de 250 empregos
diretos em uma pequena cidade. Ainda afirma que são 250 famílias que passaram a ter uma
existência digna na comunidade local, isso fora os empregos indiretos. Que toda a sociedade local
sentiu mudanças depois que a Autora passou a exercer suas atividades. Que a cidade ficou mais
tranqüila, diminuiu a violência, o comércio local passou a vender mais. Que a Ré deveria dar
apoio integral à atividade da Autora, pois por certo, também se beneficiaria desta atividade em
face do seu consumo de energia elétrica.
Feitas essas considerações como motivação de sua decisão, entendeu pela
concessão da tutela específica de forma liminar, em total sintonia com o disposto no art. 5º da
LICC, quando estabelece que na aplicação da lei o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum, atitude que deve ser aplaudida pela sociedade.
147
87Doutor em Direito (PUCSP). Mestre em Direito (UEL). Professor (UNIFIL). Advogado
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Comentário à Decisão Interlocutória Proferida nos Autos de Nº 035.11.100108-5 da Comarca de Iguatemi –Ms
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NOS AUTOS DE Nº
035.11.100108-5 DA COMARCA DE IGUATEMI –MS
Vistos etc,
148
AGROINDUSTRIAL IGUATEMI LTDA, devidamente qualificada nos
autos, ajuizou a presente ação cominatória de fazer e não fazer em desfavor
da EMPRESA ENERGÉTICA DE MATO GROSSO DO SUL S.A. –
ENERSUL, também qualificada, aduzindo, em síntese:
- que figura como locatária de imóvel pertencente ao Frigorífico Iguatemi
Ltda., referente à unidade consumidora nº 90002539;
- visando das inicio às suas atividades, procurou a ré para que procedesse a
ligação da referida unidade, a qual se recusou a proceder tal ligação enquanto
não fossem quitados os débitos deixados pelo antigo ocupante do imóvel;
- a fim de garantir seus direitos, propôs perante este Juízo ação cominatória
de obrigação de fazer, autos nº 035.10.100335-2, onde foi concedida liminar
determinando a ligação da energia no referido prédio, tendo em vista que a
atual locatária não é responsável pelos débitos anteriores, conforme disposto
no artigo 4º, §2º, da Resolução da ANEEL 456/200, a qual, naquela época,
estava em vigência. A requerida cumpriu a determinação judicial e passou a
fornecer energia a autora.
- ocorre que, desde o início do fornecimento de energia, a ré não enviou as
faturas mensais à autora e também não providenciou a assinatura do contrato
obrigatório entre as partes, e, ainda, não oportunizou a autora (consumidor) a
contratação da demanda necessária, o que seria obrigatório;
- entrou em contato com a ré por várias vezes a fim de regularizar a situação,
porém, somente através do telefone 0800 é que conseguiu informações acerca
do valor da fatura, mas nunca teve acesso ao conteúdo das respectivas faturas
para a devida e necessária conferência;
- por fim, no mês de abril de 2011, teve acesso à fatura emitida pela ré no
dia 18/04/2011, onde pode constatar que foi enquadrada como consumidora
do grupo A-3ª, bem como que referida fatura ainda consta como contratante
o “Frigorífico Iguatemi Ltda.”, que não funciona mais, e tal fatura ainda
faz referência a débitos do ano de 2008, e como se não bastassem tais
irregularidades, estão sendo cobradas multas por excesso de demanda e
demanda relativa, como já tivesse contratado uma demanda determinada para
consumo da autora e essa estivesse excedido tal consumo;
- a autora já enviou a documentação solicitada pela ré para que fosse firmado
o contrato, como provam documentos juntados aos autos, porém, a ré limitase a informar que os documentos não chegaram em suas mãos, ainda que o
envio tenha sido por AR e a pessoa que o receber seja identificada;
- as atividades da autora só tiveram início efetivo no mês de fevereiro do
corrente ano, sendo que no mês de janeiro houve apenas a revisão e reparos
no prédio e nos maquinários ali existentes. Ou seja, este mês de janeiro não
pode ser utilizado para fisn de determinação de demanda, por ter sido mês
apenas preparatório para inicio das atividades, que se deu efetivamente em
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Osmar Vieira da Silva
fevereiro de 2001. Prova disso e que o consumo de energia no mês de janeiro
de 2001 foi de apenas 11.286 Kwh e nos meses seguintes foi de 117.237
Kwh em fevereiro e 173.621 Kwh em março e 163.496 Kwh em abril. Enfim,
para a contratação da demanda é imperioso que seja desconsiderado o mês de
janeiro de 2011, devendo serem levados em conta os três meses anteriores à
data da contratação e de efetiva atividade da empresa, consoante disposto no
artigo 134 da Resolução 414 da ANEEL;
- a ré procedeu à ligação da energia conforme foi determinado nos autos
035.10.100335-2, porém, até a presente data, não firmou o contrato obrigatório,
conforme previsto no artigo 27, I, letra “d”, da Resolução 414/2010 da
ANEEL; não enviou as três primeiras faturas à autora e, agora, envia fatura
dirigida ao “Frigorífico Iguatemi Ltda.” cobrando multas por excesso de
demanda que sequer foi contratada, e, ainda, cobrando débitos anteriores ao
período em que ocupa o imóvel;
- assim, tendo em vista que não conseguiu efetuar o pagamento das faturas
anteriores, está na iminência de sofrer corte do fornecimento de energia, o que
causaria enormes e irreparáveis prejuízos à ela.
- sustenta, ainda, que, segundo o artigo 27 da Resolução da ANEEL, é
obrigatório a celebração do contrato de consumo tão logo seja efetivada a
solicitação de fornecimento de energia elétrica, o que não foi cumprido até o
presente momento pela ré, e que na celebração deste contrato deve ser levado
em conta, para fins de fixação da demanda, o período de três meses anteriores
à contratação, consoante determina o artigo 134 da Resolução 414 da ANEEL.
- Pede a procedência dos pedidos para o fim de determinar à ré a confecção
e assinatura do contrato de fornecimento de energia elétrica referente à UC
90002539, e que na confecção deste contrato seja utilizado como parâmetro
para a fixação da demanda os três meses anteriores à data de contratação
de demanda para consumo futuro, pois como já dito, o mês de janeiro de
2011 não pode ser utilizado para este fim pois destinou-se apenas à revisão
de maquinários e reforma do imóvel, ou seja, neste mês de janeiro não houve
atividade efetiva da autora, e por fim, que sejam apresentados os valores
devidos por ela (autora), já excluídos aqueles cobrados indevidamente a título
de multa por excessos.
Pede como tutela antecipada a determinação para que a ré se abstenha
(obrigação de não fazer) de promover o desligamento do fornecimento de
energia elétrica referente à UC 90002539, até a celebração do contrato com
definição de demanda, bem como a regularização e apresentação das faturas
vencidas, com a exclusão de quaisquer excedentes não pactuados, a fim de
possibilitar que ela, autora, efetue os respectivos pagamentos.
É o relatório no essencial. Passo a decidir.
Inicialmente cabe dizer que a autora iniciou recentemente atividade empresarial
nesta pequena cidade, mas já desempenha função social, gerando muitos
empregos, recolhendo tributos e dinamizando a economia local. É sabido por
todos que a empresa (como atividade econômica voltada à produção de bens
e serviços) tem uma óbvia e nítida função social, nela sendo interessados os
empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado,
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Comentário à Decisão Interlocutória Proferida nos Autos de Nº 035.11.100108-5 da Comarca de Iguatemi –Ms
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que dela retira os impostos necessários ao seu funcionamento. O respeito
à função social da empresa resulta que toda a sociedade deve zelar pela
sobrevivência e bom funcionamento da empresa, dado a sua importância social.
Em todas as sociedades desenvolvidas, a atividade empresarial extremamente
protegida e apoiada. Nesta sociedade, zela-se pela vida das empresas, pois
se sabe que elas geram empregos, garantem uma existência digna à pessoas,
seus empregados, geram tributos, dinamizam a economia e contribuem para
a felicidade geral. A empresa (atividade econômica) deve ser vista como um
agente da sociedade criado com a finalidade de satisfazer necessidades sociais.
Deve ser valorizada pela sociedade a criação e funcionamento de empresas,
porque estas são consideradas benéficas à sociedade como um todo, uma vez
que têm como missão produzir e distribuir bens e serviços, gerando empregos.
Dito isso, sinto-me compelido a externar meu sentimento de que a ré não
está agindo de forma adequada com a autora, empresária que tem importante
função social na comunidade local. Ao invés de apoiar verdadeiramente a
atividade empresarial da autora, facilitando o exercício de seu mister, a ré
vem, ao que me parece, dificultando a vida da autora. Tanto tem sido assim
que foi necessário um provimento judicial (autos nº 035.10.100335-2) para
que a ré providenciasse a ligação da energia elétrica para que a autora pudesse
iniciar suas atividades. Ora, a autora já emprega quase 250 trabalhadores
diretos. São 250 famílias que passaram a ter existência digna na comunidade
local. Isso fora os empregos indiretos. Toda a sociedade local sentiu mudanças
depois que a autora passou a exercer suas atividades. A cidade ficou mais
tranqüila, diminuiu a violência, o comercio local passou a vender mais. Em
países desenvolvidos, a autora estaria sendo protegida pelo Estado e pelos
prestadores de serviços. Só aqui no Brasil é que uma empresa tão importante
para a economia local de uma pequena cidade fica a mercê da pouca vontade
de uma prestadora de serviços. A ré deveria dar apoio integral à atividade
da autora, pois por certo, também se beneficiará desta atividade, com o
recebimento das faturas de energia elétrica que será consumida.
Feitas estas necessárias considerações, fundamentando a decisão que passo
a tomar. Consoante o §3º do art. 461 do CPC, sendo relevante o fundamento
da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final,
o juiz está autorizado a conceder a tutela específica (obrigação de fazer ou
obrigação de não-fazer) liminarmente.
Discorrendo sobre o tema, NELSON NERY JÚNIOR & ROSA MARIA DE
ANDRADE NERY ensinam que “para o adiantamento da tutela de mérito,
na ação condenatória em obrigação de fazer e não fazer, a lei exige menos
do que para a mesma providencia na ação de conhecimento tout court (CPC
273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da
demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não
fazer, ao passo que o CPC 273 exige, para as demais antecipações de mérito:a)
a prova inequívoca; b) o convencimento do juiz acerca da verossimilhança da
alegação; c) o periculum in mora (CPC 273 I) ou abuso do direito de defesa
do réu (CPC 273 II)” (Código de Processo Civil Comentado e Legislação
Extravagante, 9ª Ed. RT, pág. 587).
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Osmar Vieira da Silva
No que tange à relevância do fundamento da demanda, a concessão da liminar
exige um juízo de probabilidade, respaldado em elementos de prova trazidos
com a inicial.
Analisando os documentos na inicial, tem-se que esse requisito está preenchido.
Há nos autos o contrato social da parte autora, que data de 14.09.2010 (f. 1619) e toda a documentação referente ao pedido de contratação dos serviços de
energia elétrica e envio da documentação solicitada pela ré (fls. 21-31), em
especial o AR recebido pela ré (fls. 28), que comprova o envio da documentação
necessária a contratação obrigatória entre as partes, bem como a única fatura
emitida em desfavor da autora, emitida em nome de “Frigorífico Iguatemi
Ltda” (fls. 33), com vencimento em 29/04/2011, ou seja, em data em que já
estava em funcionamento a Agroindustrial Iguatemi Ltda. Na referida fatura
está clara a cobrança de uma série de excedentes, em valores muito elevados,
sem que tenha sido ainda entabulado o contrato obrigatório entre as partes,
com definição de demanda. Repito, na fatura de fls. 33 estão sendo cobradas
multas por excesso de demanda e demanda reativa, como já tivesse contratado
uma demanda determinada para consumo da autora e essa estivesse excedido
tal consumo. Ora, o contrato obrigatório não foi ainda disponibilizado pela ré!
Como pode ela estar cobrado por excesso de demanda e demanda reativa, sem
que tal demanda ainda não tenha sido definida em contrato?!
O fundamento da demanda é, prima facie, plausível porque o artigo 27, I, “d”,
da Resolução da ANEEL nº 414/2010 é expresso ao dispor que é obrigatória
a celebração prévia de contrato tão logo seja efetivada a solicitação de
fornecimento de energia elétrica. Como dito pela autora, a ré não disponibilizou
ainda referido contrato obrigatório e enviou uma única fatura para cobrança
em nome de outra usuária, de maneira arbitrária e unilateral, o que por certo,
torna impossível a conferência dos valores cobrados.
Cobrar todos os meses as faturas de energia elétrica, inclusive com multas
por excesso de consumo, sem que tenha sido firmado contrato entre as
parte, consoante dispõe o artigo 27 da Resolução 414/2010 da ANEEL é
ato arbitrário e ilegal. É através deste contrato que a autora ficará ciente das
condições técnicas e econômicas do fornecimento da energia elétrica. Até o
presente momento, a autora está privada deste direito.
No que tange ao receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora),
imperioso acolher os argumentos da parte autora, porquanto o aguardo de
decisão final da presente demanda para, caso procedente: “ determinar a
celebração do contrato de fornecimento de energia elétrica, com a definição
da demanda, utilizando-se como parâmetro os três meses anteriores a data da
celebração, com a apresentação das faturas em nome da autora, com exclusão
das multas por excesso”, porém sujeitando a autora a suportar já, agora, um
iminente corte no fornecimento de energia elétrica, implicará inevitavelmente
em prejuízos graves a autora, que se verá muito provavelmente obrigada a
suspender suas atividades, dispensar trabalhadores e suspender o pagamento
de seus compromissos comerciais, o que gerará problemas não só para a
autora, mas também para toda a sociedade local.
ANTE O EXPOSTO, com fundamento no §3º do art. 461 do CPC, concedo
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Comentário à Decisão Interlocutória Proferida nos Autos de Nº 035.11.100108-5 da Comarca de Iguatemi –Ms
a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pleiteada na inicial, para o
fim de determinar à parte ré que se abstenha de promover o desligamento
do fornecimento de energia elétrica referente à unidade consumidora-UC nº
90002539, localizada no endereço sede da autora, até a celebração do contrato
entre as partes, com definição de demanda, bem como a regularização e
apresentação das faturas vencidas, a fim de permitir que a autora efetive os
pagamentos.
Para que não ocorra descumprimento da ordem aqui imposta, que se traduz em
obrigação de não-fazer, e objetivando implementar a efetividade da atividade
jurisdicional, com fundamento no art. 461, §4º, do Código de Processo Civil,
fixo multa diária de R$15.000,00 (quinze mil reais), em favor da autora, para
o caso da ré descumprir a presente decisão.
Cite-se a ré para que ofereça resposta em petição escrita, no prazo de 15
(quinze) dias, com a advertência de que não sendo contestada a ação, presumirse-ão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pelo autor (art. 285 c/c
art. 319, CPC), bem como se proceda a intimação da ré quanto à obrigação de
não fazer constantes nesta decisão.
Com a resposta, caso haja necessidade, abra-se vista à parte autora para réplica.
Após, especifiquem as partes, em 05 dias, quais as provas que efetivamente desejam produzir,
justificando sua pertinência, sob pena de indeferimento.
Cite-se. Intime-se. Cumpra-se.
Iguatemi (MS), 13 de maio de 2011.
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Eduardo Lacerda Trevisan
Juiz de Direito
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Ana Paula Sefrin Saladini
COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO TRT-PR PROFERIDO NOS AUTOS DE N°
00772.2009.655.09.00-6
Ana Paula Sefrin Saladini88
O Ministério Público do Trabalho propôs Ação Civil Pública em face pessoa
jurídica que estaria fraudando o direito dos empregados à percepção de horas in itinere. As
chamadas horas in itinere estão previstas no art. 58, §2º, da CLT, que estabelece que o tempo
despendido pelo empregado até o local de trabalho e para seu retorno será computável na
jornada de trabalho quando o local for de difícil acesso ou não servido por transporte público e o
empregador fornecer o transporte. Assim, nesses moldes, o empregador deve pagar como horas
de trabalho também o tempo de transporte.
A empregadora dos autos está localizada na zona urbana de cidade da região
Oeste do Paraná (Palotina), município que não conta com mão-de-obra suficiente para atender à
indústria, que é de grande porte. Assim, diversos empregados contratados residem nas cidades
vizinhas, inclusive em outro Estado (Mato Grosso do Sul). Ocorre que não existe transporte
público intermunicipal regular em horário e quantidade compatível com o trabalho.
No caso em estudo a empregadora não contratava transporte para seus
empregados, mas adquiria de entidades diversas (sindicatos, municípios e associações de
trabalhadores) “vales-transporte” para seus empregados, sendo que essas pessoas providenciavam
o transporte dos trabalhadores. Como não era a empregadora quem fornecia o transporte
diretamente, não computava o tempo de transporte como jornada de trabalho, e procedia ao
desconto do valor de custeio do vale-transporte de seus empregados, no percentual permitido por
lei (6%), arcando com o restante do custo. Para o Ministério Público do Trabalho, essa contratação
por entidades interpostas seria ilegal e visava fraudar direitos dos trabalhadores.
O acórdão reconhece que há interesse privado da empregadora em angariar
nas outras cidades a mão-de-obra que não lhe é suficientemente disponível em Palotina; mas
argumenta também que ao seu proveito privado da empregadora sobrepõe-se o interesse público
de toda uma região, de várias centenas de trabalhadores, na busca pelo pleno emprego.
Com base nisso, a decisão reconhece como válida a alternativa utilizada pela
empregadora diante da falta de transporte público intermunicipal regular, fazendo a leitura de
questão sob a ótica do disposto no art. 5º da LICC, quando estabelece que na aplicação da lei o juiz
deve atentar aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. A argumentação
utilizada foi que impedir que as entidades mencionadas fornecessem o transporte implicaria em
retrocesso econômico e prejuízo imensurável aos municípios vizinhos e aos próprios trabalhadores,
até porque não existe lei que obrigue o empregador a fornecer o transporte. Trata-se, assim, de
típico caso de sobreposição dos fins sociais da lei e das exigências do bem comum (busca do
pleno emprego) aos interesses individuais homogêneos de cada trabalhador (percebimento de
horas in itinere).
153
88Mestranda em Ciências Jurídica (UENP – Jacarezinho PR), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL). Professora
(UNIFIL), Juíza do Trabalho (Jacarezinho PR)
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Comentário ao Acórdão Trt-Pr Proferido nos Autos de N° 00772.2009.655.09.00-6
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO
TRT-PR-00772-2009-655-09-00-6 (RO)
154
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
C. VALE COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL. TRANSPORTE
COLETIVO CONTRATADO POR SINDICATOS, MUNICÍPIOS E
ASSOCIAÇÕES NO INTERESSE PÚBLICO DE TODA UMA REGIÃO,
DE VÁRIAS CENTENAS DE TRABALHADORES, E CUSTEADO PELA
EMPREGADORA. LICITUDE
Não há dúvidas de que efetiva forma de oposição aos atos contrários ao
direito se faz através do instituto da tutela inibitória, exercitado com o intuito
de imputar ao
demandado obrigações de fazer e não-fazer que impeçam condutas futuras
írritas ao direito, ao invés de aguardar eventual dano para postular a tutela
reparatória. “In casu”, inegável que é interesse dos Municípios e, sobretudo,
dos trabalhadores residentes em cada um deles, propiciar o pleno emprego e
todos os benefícios que o acompanham, agregados ao crescimento econômico
e social de cada localidade.
Evidente, ainda, que é interesse da C. Vale angariar a mão-de-obra que não
lhe é suficientemente disponível em Palotina; mas, ao seu proveito privado
sobrepõe-se o
interesse público de toda uma região, de várias centenas de trabalhadores.
A LICC enuncia um princípio geral: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
A CLT é expressa: “Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do
Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme
o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e
normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de
acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira
que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse
público.”
O provimento da pretensão importaria autorizar, a pretexto de uma
pseudoproteção, um retrocesso econômico e social de prejuízo imensurável aos
municípios e, em última análise, aos próprios trabalhadores. Primordialmente,
porque não há base legal para impor à C. Vale que faça, diretamente e por
conta própria, o transporte de seus empregados (art. 5.º, II, da Constituição
Federal). A ausência desta obrigação legal autoriza reconhecer que ela não
fornece a condução - tampouco tenta simular este fornecimento.
São as entidades que, licitamente e por interesse social, contratam o
transporte, sem se observar ofensa ao art. 9º da CLT. Se o empregador custeia
o transporte coletivo público que está disponível ao empregado, lícito à C.
Vale custear o transporte coletivo fretado que os municípios, associações,
agências e sindicatos, por inegável interesse próprio, disponibilizam aos seus
munícipes, sendo autorizado o desconto, a teor dos arts. 4º e 8º da Lei n.º
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Ana Paula Sefrin Saladini
7.418/85. Recurso do Ministério Público
a que se nega provimento.
V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO,
provenientes da MM. VARADO TRABALHO DEASSIS CHATEAUBRIAND
- PR, sendo Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e
Recorrido C. VALE COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL.
I. RELATÓRIO
Inconformado com a r. sentença de fls. 170/187, que rejeitou os pedidos,
recorre o Autor. Através do recurso ordinário de fls. 193/211, postula a
reforma da r. sentença quanto aos seguintes itens: a) litigância de má-fé; e b)
horas “in itinere”.
Custas dispensadas.
Contrarrazões apresentadas pela Ré às fls. 221/240.
Sendo parte autora o próprio Ministério Público do Trabalho, não lhe foram
enviados os autos para intervenção como fiscal da lei.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO do recurso
ordinário interposto, assim como das respectivas contrarrazões.
155
2. MÉRITO
HORAS “IN ITINERE”. TUTELA INIBITÓRIA. DANO MORAL
COLETIVO
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho
em face de C. Vale Cooperativa Agroindustrial com base em procedimento
investigatório que se originou do procedimento judicial autuado sob o n.º
00714-2008-655-09-00-1, instaurado pelo Juízo da Vara do Trabalho de Assis
Chateaubriand, por meio da Portaria n.º 1 de 2008, para “uniformização de
meios de provas documentais sobre a integração do tempo de percurso entre as
residências e os locais de trabalho e vice-versa nas jornadas dos empregados
da empresa C. Vale Cooperativa Agroindustrial, dentro dos requisitos legais
do art. 58, § 2º, da CLT e das Súmulas 90 e 320 do C. TST”. (fl. 09 - volume
de documentos)
Considerando que a Ré não aceitou proposta de assinatura de Termo de Ajuste
de Conduta, o Ministério Público do Trabalho buscou a tutela jurisdicional,
pleiteando, em suma, que a empresa: 1 - contrate diretamente os serviços de
transporte de seus empregados, por meio de empresas regularmente registradas
e licenciadas pelo órgão competente, abstendo-se, por conseguinte, de: a)
utilizar instituições públicas ou privadas interpostas para implementar tal
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contratação; b) permitir a condução de empregados por empresas de transporte
sem licença válida pelo DER; c) inserir em notas fiscais a rubrica “aquisição
de vale-transporte”, porquanto contrata efetivo fretamento de veículo; d)
exigir que seus empregados firmem termos de adesão ao sistema de valetransporte; e) realizar descontos nos salários a título de vale-transporte; e 2
- compute na jornada de trabalho de seus empregados as horas de trajeto
entre suas residências e o local de trabalho; devendo, em consequência: a)
remunerar como extras as horas excedentes da oitava diária e quadragésima
quarta semanal, com os consectários legais e convencionais, computando-se
as horas “in itinere”; e b) pagar as diferenças salariais, ante tal realidade.
Pugnou, por derradeiro, pela fixação de multa diária ao caso de descumprimento,
além da condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo.
Em defesa, a Ré arguiu preliminarmente ilegitimidade ativa do MPT,
ilegitimidade passiva e inépcia da inicial. No mérito requereu pronunciamento
da prescrição (quinquenal e bienal) e a improcedência dos pedidos, alegando,
em suma, ser incontroverso que somente os municípios de Brasilândia do
Sul, Jesuítas, Altônia, Formosa do Oeste, Maria Helena, São Jorge do
Patrocínio, Xambrê e Esperança Nova, não são abrangidos pelo transporte
público regular. Asseverou que, mesmo para esses municípios, não se cogita
de horas “in itinere”, pois ausentes os requisitos legais e jurisprudenciais
atinentes à sua configuração, mormente o fornecimento de transporte pelo
empregador, responsável apenas pela compra de vale-transporte, junto às
empresas contratadas por sindicatos, municípios e associações, e repassados
a seus empregados.
Aduziu que o direito postulado não é irrenunciável, mas passível de negociação
coletiva, pelo que válida a cláusula convencional pactuando a respeito.
Invocou, ainda, o princípio da igualdade e o art. 8º da Lei n.º 7.418/85.
Sobre o tema, assim decidiu o Juízo primeiro (fls. 180/187):
“HORAS IN ITINERE/ TRANSPORTE PÚBLICO/ TRANSPORTE
COLETIVO/ CONTRATAÇÃO/ VALE-TRANSPORTE/ ADESÃO/
INTEGRAÇÃO À JORNADA DO TEMPO DE DESLOCAMENTO/
OBRIGAÇÃO DE FAZER/ PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS E
REFLEXOS/ DANO MORAL COLETIVO
Aduz o autor a ré, em prejuízo de seus empregados, tem desrespeitado a
legislação de proteção ao trabalho fornecendo transporte coletivo particular
sob a indevida aparência de transporte coletivo público, de forma intermediada,
com o indevido desconto a título de vale-transporte, sonegando o cômputo
das horas de deslocamento casa-trabalho-casa em favor dos trabalhadores e
o conseqüente pagamento de horas extras pela extrapolação de suas jornadas
normais. Aduz que, segundo o DER/PR, não há transporte público entre
Palotina (cidade em que está instalado o complexo industrial da ré) e todas
as cidades de origem dos empregados no frigorífico de aves, sendo ilegais os
descontos a título de vale-transporte e devida a incidência da regra disposta
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Ana Paula Sefrin Saladini
no art. 58, par. 2º, CLT (contagem do tempo de itinerário). Entende ilegal a
cláusula de convenção coletiva de trabalho que dispõe a exclusão do direito
às horas in itinere.
Pretende a imposição à ré das obrigações de contratar diretamente os serviços
de transporte oferecidos a seus empregados, abstendo-se de contratação por
ente interposto (como Municípios, Sindicatos, Associações, etc), somente
com empresas regularmente registradas no DER/PR ou no Ministério dos
Transportes; de se abster de inserir nas notas fiscais das empresas contratadas
a descrição como `aquisição de vales-transportes’; de se abster de exigir de
seus empregados a adesão ao sistema de vale-transporte e de descontar valores
a esse dos salários respectivos quando não configurada a hipótese legal; de
computar na jornada de trabalho as horas de itinerário dos trabalhadores
residentes em cidades não servidas por transporte público regular; de
remunerar as eventuais horas extras decorrentes do cômputo desse tempo
de deslocamento, inclusive com os reflexos legais; de pagar indenização por
dano moral coletivo; de pagar multa diária pelo eventual descumprimento de
obrigação de fazer; e publicar edital no Diário da Justiça nos termos do art.
94 da lei 8.078/1990.
A ré impugna os pedidos sustentando a existência de transporte público
regular, que não contrata fretamento para o transporte de seus empregados, a
validade da norma coletiva que exclui o direito a horas in itinere, a inexistência
de horas in itinere na concepção legal.
Inicialmente, de notar que o próprio órgão ministerial reconhece a existência
de transporte coletivo público regular entre as cidades de Palotina (em que
está instalada a planta industrial da ré) e Assis Chateaubriand, Iporã, Francisco
Alves, Cafezal do Sul, Umuarama, Perobal, Tupãssi, Terra Roxa, Guaíra,
Toledo e Maripá, razão pela qual os empregados da ré com residência em tais
localidades não têm
direito ao cômputo das horas de itinerário (horas in itinere) em suas jornadas.
A demanda, então, a teor do entendimento ministerial, estaria circunscrita
ao direito dos trabalhadores da ré originários de Mundo Novo/MS, Japorã/
MS, Brasilândia do Sul/PR, Jesuítas/PR, Altônia/PR, Formosa do Oeste/PR,
Maria Helena, São Jorge do Patrocínio/PR, Xambrê/PR e Esperança Nova.
Pois bem. Nada obstante as ponderosas argumentações exaradas pelo autor
e a demonstração de sua preocupação com os direitos dos trabalhadores,
aí incluída a própria saúde, não há modo de acolher os pedidos, pois não
configuradas as alegadas ilegalidades. Senão Vejamos.
O instituto das `horas in itinere’, ou tempo de deslocamento em condução
fornecida pelo empregador entre a residência do empregado e o local de
trabalho de difícil acesso ou não servido por transporte público, originou-se
de construção jurisprudencial assentada nos tribunais a partir da constatação
da transferência dos ônus do empreendimento econômico da empresa para os
trabalhadores e do alargamento do conceito de tempo à disposição do art. 4º
da CLT.
Verificou-se que em determinados casos o trabalhador estava sendo penalizado,
com a disponibilização de parte significativa de seu tempo no transporte
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para o labor, com a opção da empregadora de instalar-se em local distante
e de difícil acesso. Assim, a jurisprudência construiu o entendimento de que
esse tempo de deslocamento, em veículo da empresa e quando verificada a
hipótese de acesso difícil ao trabalho, por exceção, deveria compor a jornada
do trabalhador e, por decorrência, se ao final excedesse a duração normal,
ensejar o pagamento destacado do excesso como tempo suplementar.
Assim, em primeiro lugar, a jornada in itinere trata-se de exceção, pois a regra
é a desconsideração do tempo de deslocamento na contagem da jornada de
trabalho. Logo, como regra benéfica de exceção, está a merecer a interpretação
restritiva que será dispensada pelo Juízo.
Em segundo lugar, o abatedouro da ré não se situa em local de difícil acesso,
mas, ao contrário, está em local de fácil acesso, localizada na zona urbana
de Palotina/PR, na Av. Ariosvaldo Bitencourt, 2000, Distrito Industrial.
Convém observar, a respeito, o ensinamento do Ministro Maurício Godinho
Delgado, tratando das horas in itinere, de que “... a prática jurisprudencial tem
formulado duas presunções concorrentes, que afetam, é claro, a distribuição
do ônus da prova entre as partes processuais: presume-se de fácil acesso local
de trabalho situado em espaço urbano; em contrapartida, presume-se de difícil
acesso local de trabalho situado em regiões rurais (presunção juris tantum, é
claro)” (in Curso de Direito do Trabalho, 4ª ed., São Paulo: LTr, 2005, pág.
841, terceiro parágrafo). Não há nenhuma prova produzida pelo autor de que
o local seja de difícil acesso.
158
Em terceiro lugar, partindo, então, da presunção de que o frigorífico/
abatedouro da ré encontra-se em local de fácil acesso, é preciso apontar para
o fato de que o instituto das horas in itinere não foi construído para situações
como aquelas vivenciadas pelos trabalhadores da C. Vale: veja, a ré não está
em local de difícil acesso, ela está em cidade “diversa” daquelas de alguns de
seus empregados. A C. Vale não optou por se estabelecer em local longínquo
do aglomerado populacional, mas são os trabalhadores de outras cidades que
vêm em busca de emprego no citado frigorífico e optam por não transferir
suas residências para Palotina/PR. Aqui está o principal motivo pelo qual não
configura a jornada de itinerário de que tratam o art. 58, par. 2º, da CLT e a
Súmula 90 do TST para os trabalhadores da ré que residem em outras cidades:
é a mão-de-obra que está em local de difícil acesso para a empregadora.
Preferem tais trabalhadores continuar residindo em suas cidades de origem
e a C. Vale apenas lhes provê o meio (transporte) para tanto (mediante a
concessão de vales para o transporte). O caminho natural, o lógico seria o
trabalhador residir na cidade em que trabalha, de modo que, optando por não
o fazê-lo, deve arcar com os ônus daí decorrentes.
Assim, não pode a empregadora ser penalizada por algo que não deu causa,
nem assumiu os riscos.
Diante dessa constatação, então, poderia se aventar de um ônus que a C. Vale
teria assumido ao se instalar em uma cidade de pequeno porte como é Palotina/
PR, com mão-de-obra insuficiente para a sua demanda e natural necessidade
de angariar a complementação dessa mão-de-obra nas cidades da região: ora,
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poder-se-ia raciocinar que, se não pretendia o ônus de pagar horas in itinere,
tivesse se instalado em um grande centro. Entretanto, semelhante raciocínio
não se sustém diante do notório e atual interesse público da sociedade
brasileira: a distribuição da riqueza numa sociedade capitalista como a nossa
somente é possível em larga escala com a industrialização, sendo que o
desafogamento dos grandes centros somente é viável com a industrialização
do interior do país. Assim, o crescimento da indústria em regiões agrícolas,
como a região Oeste do Paraná (em que está situada a C. Vale) atende a dois
interesses públicos diversos, mas convergentes: obsta a evasão populacional
do interior para os grandes centros (no mínimo, assegura o não aumento dos
problemas sociais desses grandes centros) e distribui a riqueza às camadas
mais carentes no interior do país.
Por seu lado, a manutenção dos trabalhadores em suas cidades de origem,
ainda que não por intenção da ré (que não é responsável por políticas
públicas, como moradia), atende interesse específico de tais municípios: gera
riquezas mediante o consumo e circulação dos salários desses trabalhadores
no comércio local, como se pode inferir, aliás, dos depoimentos testemunhais
colhidos em audiência (ata de fls. 165/166).
Em quarto lugar, é de notar que a ré não mantém contrato de fretamento
com as empresas de transporte coletiva apontadas na exordial, sendo que tais
contratos são firmados pelos Municípios, Sindicatos, ou mesmo Associações,
das localidades de origem dos trabalhadores e que têm interesse nos frutos
que o trabalho junto à C. Vale tem gerado para os respectivos Municípios.
Nem se argumente que haveria intermediação ilegal da C. Vale junto a tais
entes, pois, como visto, a viabilização do transporte dos trabalhadores não
atende somente interesse das partes contratuais empregado e empregador: o
interesse é muito mais amplo, pois envolve os Municípios (que asseguram
o incremento do comércio local e suas conseqüências, tais como o aumento
da arrecadação), os Sindicatos (que ampliam sua base de atuação e a própria
arrecadação, bem assim fortalecem o sindicalismo), as empresas de transporte
(que auferem lucros e empregam outros trabalhadores), as demais cidades
dos Estado (que não sofrem com o aumento da população desempregada em
busca de trabalho), os entes da Federação (que não desembolsam recursos
com programas sociais de amparo aos desempregados), a saúde pública
(porquanto o trabalho é fator de dignidade da pessoa humana e o emprego
é antídoto para vários dos malefícios do homem, como a depressão), os
comerciantes da região (que vendem mais, lucram mais, empregam mais,
investem mais), etc. Não há ilegalidade, portanto, em tais contratações. Aliás,
é bom observar, mas pende severas dúvidas acerca da competência desta
Justiça do Trabalho para tratar de contratos de natureza civil/comercial que
envolvem a relação da C. Vale com as empresas de transporte coletivos e
os alegados Municípios, Associações e Sindicatos, quanto mais para analisar
a regularidade de registros administrativos de tais empresas perante órgãos
responsáveis pela concessão de licenças para trafegar em vias terrestres.
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Em quinto lugar, ainda que se conclua que o transporte entre as cidades não é
público e que a empregadora é quem fornece essa condução, não procede a tese
da autoria de ilegalidade dos descontos realizados a título de vale-transporte
dos salários dos empregados que se utilizam do propalado transporte coletivo,
notadamente porque a lei expressamente autoriza atribui ao trabalhador o
ônus de arcar com até 6% (seis por cento) dos custos com o benefício em
questão (art. 8º c/c art. 4º, par. único, lei 7.418/1985), in verbis:
“(...) Art. 4º - A concessão do benefício ora instituído implica a aquisição
pelo empregador dos Vales-Transporte necessários aos deslocamentos do
trabalhador no percurso residência-trabalho e vice-versa, no serviço de
transporte que melhor se adequar.
Parágrafo único - O empregador participará dos gastos de deslocamento do
trabalhador com a ajuda de custo equivalente à parcela que exceder a 6% (seis
por cento) de seu salário básico.
(...) Art. 8º - Asseguram-se os benefícios desta Lei ao empregador que
proporcionar, por meios próprios ou contratados, em veículos adequados ao
transporte coletivo, o deslocamento integral de seus trabalhadores”.
Como se depreende da literalidade da lei, até mesmo o empregador que
fornecer a condução por seus próprios meios, ou mediante fretamento, tem
o direito de descontar do empregado o valor equivalente até 6% dos custos
respectivos. Por consequência dessa legalidade, também não se pode aventar
de ilegal o termo de adesão ao benefício firmado pelos empregados da ré e por
conta do transporte entre cidades em questão.
Em sexto lugar, e por fim, não fosse todo o expendido acima, é preciso notar
que há expressa negociação a respeito das horas in itinere no caso, dispondo
a cláusula 24 da CCT 2008/2010, firmada pelos sindicatos representantes da
categoria econômica da ré e profissional de seus empregados que:
“(...) 24 - TRANSPORTE
O transporte fornecido pela Cooperativa, ou qualquer subsídio a este
título, como vale-transporte, passagem, cartão eletrônico, pagamento de
quilometragem em veículo próprio do empregado, não será considerado para
fins salariais, nem gerarão quaisquer outros efeitos trabalhistas, fiscais ou
previdenciários.
24.1 - Visando preservar as condições oferecidas pela Cooperativa, que
subsidia ou venha a subsidiar, total ou parcialmente, o transporte de seus
empregados, mesmo que a localidade seja servida por linhas regulares de
transporte coletivo, nenhuma outra contraprestação poderá ser exigida pelo
empregado, nos termos da legislação que institui o vale-transporte, (Leis
7418/85 e 7619/87 e Dec. 95247/87), inclusive horas in itinere” (fls. 525 do
volume de documentos em apartado). grifei
Observe, a própria convenção coletiva de trabalho exclui o direito dos
trabalhadores ao cômputo das horas de itinerário na jornada de trabalho nos
casos em que a Cooperativa/empregadora subsidie o respectivo transporte.
E a cláusula convencional em tela há de ser mantida ao menos à luz de dois
princípios distintos do Direito do Trabalho: aqueles do reconhecimento da
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Ana Paula Sefrin Saladini
negociação coletiva (art. 7º, XXVI, CRF) e da adequação setorial negociada
(em se tratando de exceção - contagem do tempo de deslocamento - a limitação,
ou mesmo exclusão condicionada ao subsídio do transporte, não compõe o rol
de direitos indisponíveis dos trabalhadores). Com efeito, entendo que essa
normatização coletiva é plenamente legal, mormente porque não se presta
apenas para a supressão de direito dos trabalhadores, mas, ao reverso, desde
logo já estabelece a contrapartida aos empregadores, qual seja, o subsídio do
transporte que beneficia os empregados.
Dessarte, como é possível concluir, por qualquer ângulo que se contemple o
quadro desenhado não é possível atribuir razão ao autor, pelo que, em face de
todo o exposto, rejeito todos os pedidos deduzidos na inicial.
Em consequência, rejeito o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela
de mérito.”
O Ministério Público do Trabalho, em suas razões recursais, inicialmente,
apresenta ponderações, de cunho econômico, a respeito da origem e/ou
razões da expansão do número de estabelecimentos ligados à industria de
transformação, notadamente no sentido de produção de alimentos, como é
o caso da Ré, no Oeste do Estado, sobretudo nos municípios de Palotina,
Marechal Cândido Rondon e Toledo. Assevera, em sequência, que a
exploração do trabalho alheio, não obstante juridicamente permitida, encontra
limites (garantias trabalhistas e sociais) que devem ser observados, ainda que
se reconheça a importância econômica social do empregador.
Aduz que, ao instalar-se, por vontade própria, na cidade de Palotina, por lá
encontrar o que classifica de condições favoráveis para a lógica evidentemente
capitalista de acumulação de capital, a Ré tinha conhecimento de que “ não
havia na cidade mão-de-obra suficiente para desenvolver suas atividades “,
não se empresariais podendo, admitir, “por óbvio, um sacrifício econômico
aos trabalhadores com a justificativa na importância da C. Vale para a região
(de Palotina), pois senão o mesmo argumento poderá ser utilizado para não
pagar 13º, férias etc.”
Sustenta exaustivamente comprovado nos autos OUTR00714-2008-655-09-001, de procedimento coletivo de uniformização de meios de prova, que a Ré se
utiliza da contratação intermediada de transporte coletivo, por meio de empresas
que não operam linhas de transporte público, mas circulam exclusivamente
em fretamento contínuo, realidade a retratar, segundo aduz, que o transporte
era fornecido pelo empregador e descaracterizar o sistema de vale-transporte
apresentado pela Ré. Acrescenta revelada, por este panorama, a “ilegalidade
dos descontos efetuados nos salários dos trabalhadores” a tal título.
Alega contraditória a r. sentença, pois, inicialmente, reconheceu que o
transporte dos empregados não era realizado pela Ré, mas aplicou o art. 8º da
Lei nº 7.418/85, disposição legal específica para transporte proporcionado,
por meios próprios ou contratados, pelo empregador, defende. Afirma que,
mesmo na hipótese de empregados residentes em cidade assistidas por
transporte público regular, cabível a condenação, porquanto a Ré não logrou
demonstrar a compatibilidade entre os horários de início e término do labor
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dos empregados, ônus probatório que lhe recaía para afastar a condenação.
Diz que para a configuração de horas “in itinere” independe o local da
residência dos empregados da Ré, circunstância relevante apenas para se
averiguar a existência de transporte público regular. Entende que as cláusulas
convencionais, das normas
coletivas firmadas pela Ré, a respeito do tema, suprimem o direito invocado e,
também, a seu ver, não estabelecem uma contraprestação, pois repisam mera
obrigação legal, restando nula de pleno direito. Acrescenta que a remuneração
das horas “in itinere” alcançou hierarquia legal de garantia mínima, que não
pode ser suprimida por norma coletiva, sob pena, ainda, de ofensa ao princípio
da intangibilidade salarial e ao art. 7º, VI, da CF que autoriza somente a
redução excepcional do direito e não sua supressão.
Em contrarrazões a Ré repisa fundamentação lançada no mérito da contestação,
à exceção da prescrição.
No caso em exame, vislumbra-se, além de pretensão condenatória, provimento
jurisdicional específico, alcunhado pela doutrina de tutela inibitória, com
vistas a inibir futura prática de ilícito. É próprio desta tutela a coerção através
de provimento jurisdicional para que o demandado cumpra os ditames legais,
evitando ou cessando a lesão a direitos.
Registre-se que a tutela inibitória tem fundamento constitucional, estando
assentada na cláusula que impõe ao Poder Judiciário a tutela não apenas de
lesão a direito, mas também da simples “ameaça”, voltada a impedir conduta
contrária ao direito, nos moldes preconizados no inciso XXXV do art. 5º da
“Magna Carta”:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV - a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito.” (grifos acrescidos).
É do escólio de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart a distinção
entre ato contrário ao direito e dano, necessária à intelecção da tutela inibitória,
voltada ao combate do primeiro, sem pressupor existência de lesão concreta
ao direito, “in verbis” (Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT,
2003, p. 475):
“A falta de distinção entre ato contrário ao direito e dano levou a doutrina a
unificar as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, supondo que a
tutela contra o ilícito já praticado sempre seria a tutela da reparação do dano,
enquanto que a tutela preventiva sempre configuraria uma tutela que apenas
poderia ser concedida quando demonstrada a probabilidade do dano, pouco
importando a evidência do ato contrário ao direito. Por outro lado, a alusão à
categoria do ilícito contratual acabou por obscurecer a distinção entre tutela
contra o ilícito (compreendido como ato contrário ao direito) e a tutela que
pressupõe o inadimplemento contratual.
É fundamental, entretanto, a distinção entre tais tutelas, uma vez que cada
uma delas tem seus próprios pressupostos. O estabelecimento do perfil de
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cada uma dessas tutelas é imprescindível não só para a compreensão da
repercussão da tutela final sobre o plano do direito material, mas também
para que fiquem dissipadas as dúvidas em torno das diferentes relações da
tutela sumária com o direito substancial (a diferença evidente entre a tutela
antecipatória e a tutela cautelar).”.
A consagração da chamada tutela inibitória, como corolário da efetividade
da prestação jurisdicional (art. 5º , XXXV, da Constituição Federal), põe em
relevo o ato contrário ao direito, sem se limitar à existência ou probabilidade
de dano.
Prosseguem os renomados autores, sustentando a imperatividade da tutela
inibitória para efetivo resguardo dos novos direitos decorrentes da sociedade
contemporânea (Id. Ibidem, p. 476/477):
“Se é imprescindível uma tutela dirigida unicamente contra a probabilidade
da prática do ato contrário ao direito, é também necessária a construção de
um procedimento autônomo e bastante para a prestação dessa modalidade
de tutela. É preciso que se tenha, em outras palavras, um procedimento que
culmine em uma sentença que ordene sob pena da multa e que admita uma
tutela antecipatória da mesma natureza. Tal procedimento, como será melhor
explicado adiante, está delineado pelos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Além
disso, como é necessário isolar uma tutela contra o ilícito (compreendido
como ato contrário ao direito), requer-se a reconstrução do conceito de ilícito,
que não pode mais ser compreendido como sinônimo de fato danoso. A tutela
inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro,
destinando-se a impedir a prática de um
ilícito, sua repetição ou continuação. Trata-se de uma forma de tutela
jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que
se multiplicam os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente
tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória,
em outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados
novos direitos. [...]
A tutela inibitória não tem o dano entre seus pressupostos. O seu alvo, como
já foi dito, é o ilícito. É preciso deixar claro que o dano é uma conseqüência
meramente eventual do ato contrário ao direito. O dano é requisito indispensável
para a configuração da obrigação ressarcitória, mas não para a constituição do
ilícito. Se o ilícito independe do dano, deve haver uma tutela contra o ilícito
em si, e assim uma tutela preventiva que tenha como pressuposto apenas
a probabilidade de ilícito, compreendido como ato contrário ao direito.
A doutrina mais moderna entende que a inibitória prescinde dos possíveis
efeitos concretos do ilícito ou, mais precisamente, que tal espécie de tutela
deve tomar em consideração apenas a probabilidade do ilícito.”.
Destarte, não constitui requisito para concessão da tutela inibitória o efetivo
dano. Basta para demonstração do interesse processual a existência de
circunstâncias fáticas que ponham em relevo a probabilidade de ato contrário
ao direito a ser tutelado.
No caso em tela, inconteste que a Ré conta com empregados residentes tanto
em sua cidade sede (Palotina), como de municípios a ela vizinhos: Assis
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Chateaubriand, Iporã, Francisco Alves, Cafezal do Sul, Umuarama, Perobal,
Tupãssi, Terra Roxa, Guaíra, Toledo, Maripá, Brasilândia do Sul, Jesuítas,
Altônia, Formosa do Oeste, Maria Helena, São Jorge do Patrocínio, Xambrê
e Esperança Nova, Mundo Novo/MS e Japorã/MS.
Inegável que é interesse dos Municípios e, sobretudo, dos trabalhadores
residentes em cada um deles, propiciar o pleno emprego e todos os benefícios
que o acompanham, agregados ao crescimento econômico e social de cada
localidade. Os depoimentos dos prefeitos de Palotina e de Francisco Alves à fl.
165/166 expressam, de forma contundente, as vantagens da empregabilidade
e o empenho em mantê-la. Relatam, inclusive, que a própria procura por
tratamento público de saúde diminuiu no âmbito municipal, com significativa
redução de custos (públicos, repise-se), por conta dos planos de saúde privados
fornecidos pela C. Vale. “Vejamos”:
- O prefeito de Palotina disse:
164
“1. o município de Palotina não fornece mão de obra para a parte ré;
2. sei que há em torno de 700/800 empregados da C. Vale, no setor de produção
da planta industrial, que residem neste município;
3. a parte ré é a maior empregadora neste município de Palotina, sendo que após
a instalação do abatedouro pela parte ré, por volta de 1996/1997, o índice de
desemprego neste município foi reduzido substancialmente; 4. como a parte
ré oferece plano de saúde a seus empregados, houve significativa diminuição
da procura pelo fornecimento de tratamento de saúde pelo município, com
proporcional redução de custos nessa área;
5. igualmente, em face dos empregos gerados, houve também uma diminuição
na procura de benefícios sociais oferecidos pela Secretaria de Ação Social do
município, notadamente, porque as pessoas estão empregadas;
6. também, há um convênio entre o município de Palotina e a parte ré em que
aquele fornece creche para os filhos dos empregados no abatedouro da C.
Vale;
7. a instalação do complexo industrial da parte ré neste município ainda teve,
como consequência, o aumento da arrecadação do município, muito por conta
do ICMS gerado, sendo que o município passou a ser visto como um polo
regional, com o aumento inclusive da população, instalação de outros órgãos
públicos como da Previdência Social, Agência de Rendas, Fórum Eleitoral e
a construção de um novo
prédio da Justiça Estadual ;
8. em decorrência da geração de novos empregos, também para a população
deste município, houve um aumento do consumo local e consequente
aquecimento do comércio de Palotina, culminando no crescimento do próprio
comércio;
9. tenho conhecimento, até porque já me foi apresentado um estudo a respeito,
de que é possível a mecanização do processo de abate na linha de produção da
C. Vale, sendo que isso, se viesse a ocorrer, causaria consideráveis prejuízos
sociais, obrigando o município a arcar com parcela das consequências que o
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desemprego geraria, notadamente com ações de cunho social;
10. os municípios da região oeste do Estado do Paraná têm discutido, e é uma
preocupação desses entes públicos, um plano diretor de expansão da agro
industrialização, que envolveria a região de Cascavel, Toledo, Palotina e até
Guaíra, para fomentar e dar suporte a essa área da atividade econômica, com
previsão, hidrovias, ferrovias e aeroporto de cargas pesadas;
11. a preocupação e a discussão referida na resposta 10 acima tem se dado,
inclusive, no âmbito da associação dos municípios do oeste do Paraná-AMOP;
12. esse setor da agro industria instalado no oeste do Paraná é referencia na
região sul do Brasil;
13. não somente a C. Vale tem sido considerada nas discussões referidas acima,
mas outras importantes cooperativas e empresas também compõem o objeto
de preocupação dos municípios da região, como a cooperativa Coopavel e a
empresa Globoaves instaladas em Cascavel, a empresa Sadia instalada em
Toledo, a cooperativa Lar de Medianeira e a Coopacol de Cafelândia;
14. tenho conhecimento que a empresas de transportes públicos Viação
Umuarama e Expresso Princesa dos Campos têm concessão de linhas para
o transporte público coletivo na região, desde Cascavel, Toledo, Palotina,
Francisco Alves, Terra Roxa e Guaíra, inclusive com as chamadas linhas
metropolitanas;
15. tenho certeza da concessão das linhas de transportes públicos às empresas
referidas na resposta 14. Nada mais.;” (grifos acrescidos)
- O prefeito de Francisco Alves declarou:
165
“1. tenho conhecimento de que há empregados da C. Vale que residem no
município de Francisco Alves;
2. ao que sei gira em torno de 150/200 empregados da parte ré que residem
em Francisco Alves;
3. o município de Francisco Alves conta com algo em torno de 230 servidores,
sendo que a C. Vale é a empresa privada que tem mais empregados residentes
em Francisco Alves;
4. entre os benefícios dos empregos gerados pela C. Vale resultam posso
elencar a diminuição da procura dos benefícios da assistência social junto
á prefeitura, o acréscimo de recursos financeiros no comércio local, com
pagamento das contas pessoais e circulação do dinheiro no município;
5. algo que também merece relevância é o fato de que até alguns anos
Francisco Alves não contava com agência do Banco do Brasil, instituição
pela, qual a C. Vale paga seus empregados. Desse modo os empregados
residentes em Francisco Alves vinham até Palotina receber seus salários e,
por vezes, já consumiam parcela desses salários neste município de Palotina,
o que acarretava uma significativa perda para Francisco Alves. Para a solução
desse problema, buscamos junto ao Banco do Brasil a instalação de um posto
de atendimento em Francisco Alves, o que foi conseguido, resultando no
incremento do comércio local;
6. tenho conhecimento de outros municípios do porte de Francisco Alves que
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também fornecem mão de obra para a C. Vale, tais como Cafezal, Iporã, São
Jorge do Patrocínio, Icaraíma, Perobal;
7. a empresa de transporte público coletivo Viação Umuarama tem concessão
de linhas para tanto ligando Francisco Alves e Palotina;
8. não sei se é possível a mecanização da linha de produção da parte ré,
mas posso afirmar que se isso chegasse a ocorrer ocasionaria prejuízos ao
município de Francisco Alves, seja porque com o desemprego diminuiria
o aporte de recursos financeiros na economia do município, sobrestando o
desenvolvimento econômico, seja pelo acréscimo das ações sociais que
seriam exigidos do município de Francisco Alves;
9. muitos dos empregados da C.Vale tem conseguido, inclusive, financiamento
para aquisição/construção da casa própria;
10. tenho conversado com prefeitos das cidades da região, como aquelas
referidas na resposta 6 acima, acerca dos aspectos envolvendo a contratação
de empregados de até municípios pela C. Vale, sendo preocupação presente
nessas discussões a manutenção da politica de contratações pela C. Vale. O
prefeito que me é mais próximo e que tenho mais conversado a respeito é o
Sr. Cássio Murilo Trovo do município de Iporã;
11. o município de Francisco Alves mantém creches para os filhos dos
munícipes, mas não mantém convênio diretamente com a C. Vale para o
atendimento dos filhos dos empregados da C. Vale;
12. a C. Vale já fez doações de brinquedos, material, inclusive pedagógico
para as creches do município de Francisco Alves;
13. desconheco a razão pela qual a C. vale contrata empregados em outras
cidades, que não somente em Palotina, nem se isso representaria diminuição
dos custos da Cooperativa com a aquisição de vales-transportes.
Nada mais.”
Evidente, é interesse da C. Vale angariar a mão-de-obra que não lhe é
suficientemente disponível em Palotina; mas, ao seu proveito privado
sobrepõe-se o interesse público de toda uma região, de várias centenas de
trabalhadores.
Veja-se, ainda: a defesa reconhece que os Municípios de Brasilândia do Sul,
Jesuítas, Altônia, Formosa do Oeste, Maria Helena, São Jorge do Patrocínio,
Xambrê e Esperança Nova, não são atendidas diretamente por nenhuma
empresa de transporte coletivo intermunicipal de passageiros (fl. 106). Até
que ponto pode-se retirar destes Municípios a iniciativa de, por meio de
associações, sindicatos e afins, promover a busca do pleno emprego aos seus
munícipes e beneficiar-se do crescimento que ele propicia?
A LICC enuncia um princípio geral: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
A CLT é expressa: “Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do
Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme
o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e
normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de
acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira
que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse
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público.”
O provimento da pretensão importaria autorizar, a pretexto de uma
pseudoproteção, um retrocesso econômico e social de prejuízo imensurável aos
municípios e, em última análise, aos próprios trabalhadores. Primordialmente,
porque não há base legal para impor à C. Vale que faça, diretamente e por
conta própria, o transporte de seus empregados (art. 5.º, II, da Constituição
Federal).
É justamente a ausência desta obrigação legal que autoriza reconhecer que ela
não fornece a condução - tampouco tenta simular este fornecimento.
São as entidades que, licitamente e por interesse social, contratam o transporte.
Portanto, o contexto trazido aos autos, não permite dizer que a legislação
trabalhista, no aspecto, foi desvirtuada, impedida ou fraudada, a teor do art.
9º da CLT.
III. CONCLUSÃO
Pelo que, os Desembargadores da 1ACORDAM ª Turma do Tribunal Regional
do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DO
RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO,
assim como das respectivas contrarrazões e, no mérito, por igual votação,
NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do fundamentado.
Custas inalteradas.
167
Intimem-se.
Curitiba, 23 de novembro de 2010.
UBIRAJARA CARLOS MENDES
DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRABALHO
RELATOR
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Normas para publicação de artigos e de resenhas na Revista Jurídica da UniFil
A Revista Jurídica da UniFil é uma publicação anual do Curso de Direito
da UniFil. É definida como um espaço de divulgação da produção científica dos docentes da
Instituição, bem como de docentes e profissionais de outras Instituições, desde que o teor do
trabalho esteja relacionado com as linhas de pesquisa do Curso de Direito, com vistas a fornecer, à
comunidade local e regional, diagnósticos de problemas sócio-jurídicos que possam contribuir, de
alguma maneira, para as políticas jurídicas nas esferas administrativas mais amplas. Os originais,
encaminhados para publicação, devem obedecer às seguintes normas:
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1.- Estar consoantes com as linhas de pesquisa do Curso de Direito da UniFil,
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Jurídica, desenvolvimento e responsabilidade social.
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uma carta em anexo contendo a autorização para publicação, na qual o autor
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se responsabilize inteiramente pelo teor do seu trabalho e pelas ideias ali
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11. - Os trabalhos que não se adequarem às normas aqui explicitadas serão
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efetuadas as modificações necessárias.
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