Sessão 8 A Explicação Indutiva e Estatística 1 8ª Sessão • Não só em Biologia mas também em Física, a aplicação do modelo D-N de explicação científica não é sempre possível. • Nestas ciências a cláusula H2 (a lei geral usada na dedução do explanandum a partir do explanans) é muitas vezes substituída por evidência probabilístico-estatística. • Torna-se por isso necessário analisar o estatuto lógico e epistemológico desta forma de evidência. 2 8ª Sessão - Cont. • Vamos orientar a discussão através de um exemplo em ciências sociais. • No contexto de uma análise do comportamento de voto dos eleitores de um dado círculo eleitoral pode fazer sentido querer saber, por exemplo: “Por que razão votou a Sr.ª Maria Malmequer na última eleição no candidato da extrema-direita?”. • A explicação proposta e a avaliar é: “porque a mãe de M. M. votou no candidato de extremadireita e, neste círculo eleitoral, 80% dos eleitores votam como o progenitor do seu sexo”. 3 8ª Sessão - Cont. • Uma análise desta explicação revela: i) uma condição inicial: a mãe de M.M. votou na extrema-direita. ii) uma regularidade estatística: 80% dos eleitores votam como o progenitor do seu sexo. • É esta explicação D-N-conforme? 4 8ª Sessão - Cont. • 1. Temos duas premissas e uma conclusão, o que satisfaz H1. • 2. ii) desempenha o papel da lei geral, o que satisfaz H2. • 3. A cláusula H3 é obviamente satisfeita, visto que a regularidade estatística é por definição testável. • 4. H4 é satisfeita visto que ambas as premissas são verdadeiras. • Logo são satisfeitas todas as cláusulas de D-N. 5 8ª Sessão - Cont. • A explicação posta agora em formato D-N: • Explanans: • 1. 80% dos eleitores votam como o progenitor do seu sexo. • 2. A mãe de M.M. votou na última eleição no candidato de extrema-direita. • Explanandum: • Logo, existe uma probabilidade de 0,8 de que M.M. votou no candidato de extrema-direita. 6 • • • • • • 8ª Sessão - Cont. Para criticar esta construção é preciso começar por perguntar em que sentido é que a explicação satisfaz o critério da deducibilidade,H1. Uma análise da dedução proposta mostra que a conclusão não se segue das premissas necessariamente, como na implicação usual. Apenas existe um valor de probabilidade para a conclusão tirada. Com as mesmas premissas podia ter sucedido que M. M. tivesse votado no candidato da extrema-esquerda. Ela seria nesse caso um dos 20% de eleitores que não estão cobertos pela regularidade estatística. Assim a cláusula H1 não é de facto satisfeita. 7 8ª Sessão - Cont. • Logo, a explicação proposta não satisfaz H1 pelo que a explicação estatística tem que ser considerada análoga a um argumento indutivo e não dedutivo. • Num argumento por indução são dadas razões fortes para que a conclusão seja permitida, mas estas razões não garantem a conclusão. • Como uma grande parte do raciocínio científico é indutivo, i.e., parte de um fragmento finito de evidência para chegar a uma teoria geral, tem que se definir uma alternativa a D-N de modo a cobrir a explicação estatística. 8 8ª Sessão - Cont. • O Modelo I-S de Explicação: • Fórmula geral : Explanans → ٭Explanandum. • A diferença entre → ٭e → exprime a diferença entre a dedução (→) e a probabilidade (→)٭. • Vamos procurar para o Modelo I-S um conjunto de cláusulas análogas às cláusulas H1-H4 de modo a definir uma estrutura básica para I-S. • Para isso vamos primeiro alargar o vocabulário e o âmbito do exemplo anterior. 9 8ª Sessão - Cont. • Vamos supor que também sabemos acerca da Sr.ª M. M. que ela é uma pianista autodidacta da Margem Sul. • Se se dispõe de uma regularidade estatística segundo a qual 90 % dos pianistas autodidactas da Margem Sul votam extrema-esquerda, então tem que se rever a conclusão inicial de um valor de probabilidade de 0,8 para o voto extrema-direita da Sr.ª M.M. • Pareceria agora mais plausível que o valor se situasse nos 0,9. 10 8ª Sessão - Cont. • Suponha-se agora que a evidência estatística registada sobre a menor classe de eleitores testada inclui a classe dos pianistas autodidactas da Margem Sul. • Esta subclasse de eleitores vota extrema-direita com uma regularidade estatística de 75%. • Então está-se em condições de explicar porque votou a Sr.ª M. extrema-direita através da inferência estatística e do facto de ela ser uma pianista autodidacta da Margem Sul. 11 8ª Sessão - Cont. • A menor classe de eleitores que contém a classe dos pianistas autodidactas da margem sul é convenientemente designada por “a menor classe de relevância estatística”. • As cláusulas do Modelo I-S são as seguintes: • I-S 1: A relação entre o explanandum e o explanans é a de uma inferência probabilística da forma Explanans → ٭Explanandum 12 8ª Sessão - Cont. • I-S 2: O valor de probabilidade do explanandum é menor ou igual ao valor de probabilidade encontrado para a menor classe de relevância estatística à qual o explanandum pertence. • I-S 3 = H3 (É a cláusula da testabilidade.) • I-S 4 = H4 (Substituindo “verdade” por “probabilidade” onde for necessário.) • [Fim do Modelo I-S.] 13 8ª Sessão - Cont. • O PROBLEMA DA EXISTENCIA DE CLAUSULAS CETERIS PARIBUS • A melhor tradução para a expressão latina ceteris paribus é, neste contexto, se a variação de outros factores for excluída. • O interesse em cláusulas ceteris paribus torna-se premente quando se colocam questões como: Qual é a relação entre a inferência estatística e a atribuição de causalidade? 14 8ª Sessão - Cont. • Um grande número de explicações causais, por exemplo em Epidemiologia, são apenas formuladas em termos estatísticos, embora sejam interpretadas como relações causais. • Esta relação causal pode ser formulada através de uma cláusula ceteris paribus com a seguinte forma: A é a causa de B se e somente se a ocorrência de A aumenta, ceteris paribus, a probabilidade da ocorrência de B. 15 8ª Sessão - Cont. • Uma cláusula ceteris paribus é, numa lei, uma parte inexpressa do explanans A “A → ٭B” onde além de A implicitamente se exige a constância de um conjunto de condições Ci para se obter B. • Exemplo: A lei de Newton: (A força de atracção entre dois corpos é directamente proporcional às massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância). • Que cláusulas ceteris paribus são implicitamente exigidas? 16 8ª Sessão - Cont. – Cláusula ceteris paribus 1: é excluída a força electrostática; – Cláusula ceteris paribus 2: é excluída a força magnética; – Cláusula ceteris paribus 3: …; etc. • Quando o número de cláusulas ceteris paribus aumenta, aumenta também a dificuldade da sua verificação e assim diminui a fiabilidade da lei de que fazem parte. 17 8ª Sessão - Cont. • Cláusulas ceteris paribus constituem um caso típico de mixed blessing: enquanto que por um lado proporcionam a formulação de regularidades, por outro diminuem a fiabilidade da lei em que estão inseridas. • A questão crucial é: Existe um número crítico a partir do qual o uso de cláusulas ceteris paribus é inadmissível? • A definição deste número é particularmente relevante para a atribuição de causalidade estatística. 18 8ª Sessão - Cont. • Exemplo: “Fumar aumenta, ceteris paribus, o valor da probabilidade de sofrer de cancro do pulmão em 0,4. Logo fumar é a causa do cancro do pulmão.” • Esta causalidade depende tipicamente das cláusulas ceteris paribus a ter em consideração. • Um problema a ser enfrentado por leis com cláusulas ceteris paribus é o problema da sua falsificação à Popper. 19 8ª Sessão - Cont. • Para se ver como cláusulas ceteris paribus tornam uma proposição imune à falsificação considere-se por exemplo a proposição: “Ceteris paribus todos os italianos são glutões”. • Esta proposição não é falsificada pela apresentação de um italiano anoréctico se houver uma cláusula ceteris paribus que acomode o contra-exemplo. 20