Sessão 6 A Explicação Dedutiva-Nomológica 1 6ª Sessão • A relação de relevância explicativa entre explanandum e explanans pode ser testada com a especificação das razões pelas quais se deve esperar que o explanandum ocorra. • Para isso é preciso dispor da informação (ou dos dados) que permitem prever a ocorrência do explanandum. • Esta informação está no explanans, exactamente nas condições iniciais e/ou nas leis. 2 6ª Sessão - Cont. • A relação objectiva que tem que existir entre os dois termos da explicação é a relação de implicação lógica: explanans → explanandum • A relação de implicação lógica de B por A é a relação que só é falsa quando A é verdadeira e B é falsa; de resto é sempre verdadeira. 3 6ª Sessão - Cont. • Um algoritmo simples permite calcular sempre o valor de verdade de uma implicação entre A e B se são conhecidos os valores de verdade das variáveis A e B: 1 = Verdadeiro A → B A B 0 = Falso 0 1 1 0 0 1 0 1 1 1 0 1 4 6ª Sessão - Cont. • Carl Gustav Hempel foi membro do Círculo de Viena e concebeu um modelo de explicação destinado a conciliar a experiência com a lógica. • Para Hempel existe uma analogia óbvia entre a explicação e a dedução: a analogia consiste em que a explicação de Hempel pode ser concebida como uma dedução, em que o explanans é a(s) premissa(s) e o explanandum a conclusão. 5 6ª Sessão - Cont. • Assim verifica-se que a relação de relevância explicativa, com a qual começámos a aula (ver slide 2), é na verdade uma relação dedutiva. • Na verdade a única relevância explicativa que existe é a dedução do explanandum a partir do explanans. • A análise da explicação científica como dedução foi pela 1ª vez proposta por C.G. Hempel e é conhecida pelo nome de Modelo D–N. • [D provém de “dedutivo” e N de “nomológico” (da palavra grega nómos, que quer dizer lei)]. 6 6ª Sessão - Cont. • I. • Critério Geral de Adequação de Hempel: • O explanans tem que especificar as razões que compelem à aceitação do explanandum. • II. • A Definição nuclear de Hempel: • Uma explicação é D-N-conforme se e somente se satisfaz as condições seguintes: 7 6ª Sessão - Cont. • H1: A explicação tem que ser uma instanciação da estrutura de argumento dedutivo válido, representável pela implicação explanans → explanandum. • H2: Na posição de explanans tem que existir pelo menos uma ocorrência de uma lei geral usada durante a dedução. • H3: As proposições na posição de explanans têm que ser empiricamente testáveis. • H4: As proposições na posição de explanans têm que ser verdadeiras. 8 6ª Sessão - Cont. • Para que uma sucessão de proposições constitua uma explicação científica estas 4 condições têm que ser: i) uma a uma, condições necessárias; ii) conjuntamente, condições suficientes. • Assim logo que uma condição não é satisfeita não há explicação científica e tudo o que satisfaz as 4 condições é uma explicação científica. • Logo o Modelo D-N de Hempel constitui uma análise do termo “explicação” feita pelo molde que foi usado para “quadrado” na aula anterior. 9 6ª Sessão - Cont. • Se uma explicação é D-N conforme então oferece informação para prever a ocorrência do explanandum, dadas as condições iniciais. • Análise das Condições de Hempel em detalhe: • H1: tem por fim assegurar a relação de relevância explicativa do explanans para o explanandum. • H2: a formulação de H2 foi escolhida de modo a bloquear situações como a que se encontra no diálogo seguinte: • Por que razão morreu Galileu em Itália? • Porque a aceleração de um corpo em queda é constante e Galileu morreu em Roma. 10 6ª Sessão - Cont. • Esta explicação viola H2 embora satisfaça as outras condições. Vamos ver uma a uma. • H1 é satisfeita, porque a resposta tem a forma de uma dedução válida. • H3 e H4: as premissas são empiricamente testáveis e são verdadeiras. • H2 não é satisfeita: a lei da constância da aceleração é irrelevante e não é usada para deduzir que Galileu morreu em Itália. 11 6ª Sessão - Cont. • Notar que H2 pode ser violada de uma outra maneira. • Exemplo: Se se sabe que os poldros de uma cria têm uma pinta amarela na garupa e se Zeus é o nome de um poldro desta cria, então sabe-se que o poldro Zeus tem uma pinta amarela na garupa. • Logo à pergunta: “por que razão tem o poldro Zeus uma pinta amarela na garupa?” a resposta: “porque os poldros desta cria têm uma pinta amarela na garupa” não é uma explicação D-N conforme, porque a primeira premissa (“os poldros de uma cria têm uma pinta amarela na garupa”) não é uma lei geral da Biologia. 12 6ª Sessão - Cont. • H3 é formulada de modo a excluir do explanans teorias que não podem ser testadas empiricamente, quer sob a forma de confirmação quer sob a forma de falsificação. • Exemplo: as explicações da astrologia violam tipicamente H3. • Para a pergunta: “Por que razão sofre o doente X de asma bronquial?” a resposta “O doente X sofre de asma bronquial porque nasceu quando o sol entrou no Touro” faz uso da teoria pré-coperniciana do sistema solar e é por isso incompatível com a ciência actual. • H3 representa o compromisso de D-N com a epistemologia do empirismo. 13 6ª Sessão - Cont. • H4: i) O requisito de todas as proposições do explanans serem verdadeiras assegura a verdade do explanandum, visto que o explanandum se infere do explanans e a inferência conserva o valor de verdade. ii) Representa ainda o compromisso de D-N com a posição epistemológica do realismo científico. Esta é a concepção segundo a qual é possível à ciência atingir a objectividade e a verdade. • Quais são as vulnerabilidades do Modelo D-N? 14 6ª Sessão - Cont. • Há essencialmente duas: i) testabilidade e ii) a indução sobre casos passados. • i) A principal dificuldade com a testabilidade: • Em sentido realista, i.e., segundo H4, uma lei é válida universalmente, é válida em todos os pontos do espaço e do tempo (inclui também o futuro). • Mas nós não temos de facto acesso a todos os pontos do contínuo espaço-tempo. Assim o teste de validade, como é exigido em H3, não pode ser de facto executado em todos os pontos do espaço e do tempo, mas apenas em alguns. • Logo não se pode estabelecer com certeza conclusiva e definitiva a verdade de todas as leis que ocorrem no explanans. 15 6ª Sessão - Cont. • ii) O argumento por indução sobre casos passados: • É um facto da história da ciência que algumas leis científicas de uma época são substituídas por leis científicas de épocas subsequentes. • Assim algumas das leis científicas da nossa época vão ser substituídas por leis científicas de épocas futuras. • Assim as leis da nossa época têm apenas uma verdade provisória. • Logo a cláusula H4 só pode ser provisoriamente satisfeita. • Conclusão: não é possível testar com certeza se uma explicação satisfaz todas as condições H1-H4. 16 6ª Sessão - Cont. • Como defender D-N contra este ataque? • Uma defesa possível é relativizar a ocorrência de “verdade” em H4. • Se se rejeita o ideal de H3 (como testabilidade de facto) e se fica apenas com uma testabilidade em princípio, então em vez de se ter em H4 uma lei temse apenas “a hipótese com os melhores testes”. • Uma reformulação de H4 seria então: • H4*: “Todas as proposições do explanans têm que ser ou verdadeiras ou ser a melhor hipótese disponível” . 17 6ª Sessão - Cont. • Mas como definir e seleccionar a melhor hipótese disponível? Como compatibilizar a definição com o objectivo estratégico (de longo prazo) de produzir uma análise rigorosa do conceito de explicação? • Hempel encontrou essa compatibilização no seu trabalho “Aspects of Scientific Explanation” onde são definidos os métodos para a selecção da melhor hipótese. • Esses métodos são probabilísticos e estatísticos. Torna-se por isso essencial ter uma teoria dedutiva da probabilidade, de outro modo D-N deixa de ser um modelo dedutivo. 18 6ª Sessão - Cont. • Para analisar H2 (a ocorrência de pelo menos 1 lei) é útil recorrer à discussão já começada sobre leis. • A propriedade formal recorrente de uma lei é ser uma proposição de âmbito universal como “Todos os x tem a propriedade P”, (“Qualquer peça de ferro conduz a electricidade”). • Mas embora todas as leis tenham uma formal universal, nem todas as proposições em forma universal são leis. 19 6ª Sessão - Cont. • Exemplo: Para o ver vamos contrastar duas proposições universais: • 1. Qualquer esfera de plutónio pesa menos do que 1010 kg. • 2. Qualquer bola de queijo flamengo pesa menos do que 1010. • Ambas são verdadeiras: • 1. porque se sabe que o plutónio explode muito antes de atingir o valor mencionado; • 2. porque não parece praticável produzir uma bola de queijo com aquela massa. 20 6ª Sessão - Cont. • Mas 1. e 2. não são verdade da mesma maneira. • A verdade de 1. depende de uma lei física, a verdade de 2. depende de um facto contingente. Em princípio a natureza podia permitir a produção de bolas de queijo com aquela massa. • Assim a universalidade da forma não é condição suficiente para tornar uma proposição universal numa lei. • Temos assim que distinguir entre uma generalização que tem força de lei e uma simples generalização ocasional. 21 6ª Sessão - Cont. • A forma universal de uma lei como “todos as esferas de plutónio pesam menos do que 1010 kg” pode ser reformulada numa implicação como: “se x é uma esfera de plutónio então x pesa menos do que 1010 Kg” em que “x é uma esfera de plutónio” é o antecedente e “x pesa menos do que 1010 kg” o consequente. • Numa lei existe uma conexão verificavelmente real entre o antecedente e o consequente. • Na generalização ocasional não existe uma tal conexão. 22 6ª Sessão - Cont. • Assim, no exemplo acima, existe algo numa esfera de plutónio que torna necessário que ela não chegue a ter 1010 kg de peso. • Nada parece existir numa bola de queijo flamengo que torne aquele peso impossível. • Qual é a conexão verificavelmente real que torna o consequente da lei necessário? • Precisamos para isso de reformular a definição já dada de necessidade lógica, o que se pode fazer com um teste simples de necessidade. 23 6ª Sessão - Cont. • Diz-se que uma proposição é logicamente necessária se e somente se a sua negação for a contraditória da primeira. • Exemplo: a proposição já usada “qualquer quadrado tem 4 lados”. • A sua negação é “existe um quadrado que não tem 4 lados”, a qual é uma contradição relativamente à proposição usada na definição. • Assim para testar se uma proposição é logicamente necessária: i) forma-se a sua negação e ii) se a proposição resultante é a contraditória da primeira então temos um teste positivo de necessidade. 24 6ª Sessão - Cont. • Exemplo: Queremos testar se a lei da gravitação de Newton é uma proposição necessária. • Suponha-se para isso que a força da gravidade varia com o cubo da distância, em vez do quadrado da distância. • A nova proposição não é a contraditória da primeira, uma vez que o cubo não é a negação do quadrado (da distância). • Assim a necessidade das leis da natureza não é a necessidade lógica, expressa pelo teste da negação. 25 6ª Sessão - Cont. • À nova forma de necessidade pode-se chamar necessidade nomológica. • A necessidade nomológica é o elo de ligação entre a causa no explanans e o efeito no explanandum. • É esta necessidade que distingue as sucessões causais das sucessões aleatórias. 26 6ª Sessão - Cont. • Em que é que consiste a necessidade entre um primeiro e um segundo evento numa sucessão causal? • Entre os dois eventos não existe uma conexão necessária observável. Observável é apenas a sucessão temporal. • Assim pode-se concluir que a diferença entre leis e generalizações ocasionais ou entre sucessões causais e simples coincidências consiste numa forma nova de necessidade, diferente da necessidade lógica, a necessidade nomológica. 27