UM NOVO EDUCADOR PARA UMA NOVA RELAÇÃO PROFESSORALUNOS NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA
João Luiz Gasparin, UEM, [email protected].
Robson Borges Maia, CESUMAR, [email protected]
Introdução
Este trabalho foi elaborado com base nos resultados da pesquisa sobre os
fundamentos da relação professor-alunos na escola contemporânea 1 . Um dos objetivos
desta pesquisa foi compreender a nova ordem social como determinante/condicionante
das novas configurações familiares. O trabalho consistiu em pesquisar e analisar os
desafios que essa realidade social impõe aos educadores, exigindo deles uma prática
docente que as agências formadoras não estão mais preparadas para oferecer. Para
conhecermos esse fenômeno formulamos o seguinte problema de investigação: como as
relações estabelecidas na atualidade entre a família e a escola influenciam ou
determinam a relação professor-alunos exigindo dos educadores o desempenho de
novos papéis?
O presente trabalho, de caráter teórico, foi realizado numa perspectiva sóciohistórica, a partir da teoria de Vygotsky. Para esse autor, uma pesquisa deve explicar a
concretude do fenômeno estudado, sem perder a riqueza da descrição. Significa dizer
que, na análise das fontes, levou-se em consideração a dialogicidade e a historicidade
das transformações sociais (Freitas, 2002). A opção por este método respalda-se
também no fato dele oferecer a possibilidade de compreender os fenômenos da
realidade em uma atmosfera abrangente, mutável e, conseqüentemente, passível de
transformação (Japiassu, 1981; Saviani, 2005).
Por esta abordagem, os fenômenos são compreendidos a partir de seu acontecer
histórico, onde o particular é considerado uma parte da totalidade social. Assim, a
pesquisa é vista como uma relação entre os sujeitos considerados em sua historicidade,
seres marcados por uma cultura como criadores de idéias e consciência e que, ao
1
Trata-se da Dissertação de Mestrado “Os fundamentos da relação professor-alunos na educação
escolar contemporânea”, defendida pelo primeiro autor sob a orientação do segundo, no Programa de PósGraduação em Educação da UEM, Universidade Estadual de Maringá-PR, em 23 de março de 2007.
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produzirem e reproduzirem a realidade social são, ao mesmo tempo, produzidos e
reproduzidos por ela (Freitas, 2002).
A partir deste estudo, identificamos algumas conseqüências da atual relação
família-escola no processo de socialização secundária das novas gerações. Essas
conseqüências serão discutidas ao longo do trabalho. Antes, porém, julgamos
indispensável analisar e discutir alguns conceitos e fenômenos imprescindíveis para a
compreensão do nosso objeto de pesquisa.
A relação Família e Escola ontem e hoje
Vivemos tempos delicados e complexos quando tratamos de relações sociais.
Mais do que nunca, na atualidade, os relacionamentos se constituem no aspecto mais
decisivo para o êxito ou o fracasso de qualquer atividade humana.
O acelerado desenvolvimento tecnológico e científico das últimas décadas
trouxe vários benefícios e facilidades para a vida em sociedade. No entanto, esse avanço
provocou profundas transformações nas relações que estabelecemos com os nossos
semelhantes.
Se adotarmos como parâmetro de análise a vida na sociedade agrária, na qual
cada família se constituía em um núcleo básico de subsistência, podemos afirmar que na
atualidade o individualismo cresce na mesma proporção da dependência entre as
pessoas. Somos, paradoxalmente, individualistas e, ao mesmo tempo, dependentes uns
dos outros. Interagimos com mais freqüência e intensidade; estamos mais expostos a
diferentes referenciais e modos de vida; sentimos muito mais dificuldades para realizar
nossas escolhas, e os parâmetros de felicidade impostos pela sociedade tornam-se cada
vez mais inatingíveis. Paralelamente, surgem as novas formas de relacionamentos
virtuais, onde o sujeito pode ser o que a sua imaginação permitir e manter relações com
aquilo que conseguir imaginar.
Segundo Ackerman (1986, p. 17), o momento histórico em que nos
encontramos,
tem alterado a configuração da vida familiar e tem abalado os
padrões estabelecidos de Indivíduo, Família e Sociedade. [...] Seres
humanos e relações humanas foram lançados em um estado de
turbulência, enquanto a máquina cresce muito, à frente da sabedoria
do homem sobre si mesmo. A redução do espaço e a intimidade
forçada entre as pessoas vivendo em culturas em conflito, exigem um
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novo entendimento, uma nova visão das relações do homem com o
homem e do homem com a sociedade.
Sabemos que o homem só se faz em relação com um outro social, numa
construção que se dá nas relações cotidianas, em um determinado tempo histórico e um
delimitado espaço físico. Como diz Freitas (2003, p. 148): “é uma construção
psicossocial compartilhada que vai fornecendo referências para a vida e para as relações
com o mundo”.
Diversos estudos (Tedesco, 2002; Teixeira, 1975; Esteve, 2004) revelam que até
a primeira metade do século XX, a família e a escola desempenhavam papéis bem
definidos socialmente. Essa distinção de funções facilitava o trabalho de socialização
desempenhado por ambas as instituições. A família se ocupava com as relações sociais
primárias, com características marcadamente coloquiais, pessoais, com um forte apelo
à afetividade e à intimidade entre pais e filhos, com vistas à transmissão de valores. A
escola, por seu turno, era a responsável pelas relações sociais secundárias, que se
caracterizavam pela formalidade, pela racionalidade e pela impessoalidade na relação
que professor e alunos estabeleciam com fins pedagógicos. Na escola, predominava o
compromisso com a transmissão do legado cultural acumulado pela humanidade ao
longo da história (Berger & Luckmann, 1973).
O mesmo não podemos dizer da relação família-escola na atualidade. Como
todas as instituições de nossa sociedade, a escola e a família estão passando por
transformações tão profundas que se torna cada vez mais difícil identificarmos os papéis
e as responsabilidades específicas de cada uma delas.
Essas transformações tiveram seu início na segunda metade do século XX, e a
partir da década de 1980, as nossas instituições passaram a experimentar uma sensação
de desorientação imposta pela velocidade das mudanças na nossa organização social e
nas relações sociais dela advindas.
No interior de nossa própria cultura, sem sair de nossa própria cidade
nem de nosso próprio bairro, um belo dia observamos nosso ambiente
e nos damos conta de que tudo mudou tanto que mal somos capazes
de saber como as coisas funcionam. Sentimo-nos, então,
desorientados, tão desorientados como se tivéssemos viajado para uma
sociedade estranha e distante, mas sem esperança de voltar a recuperar
aquele ambiente conhecido no qual sabíamos nos arranjar sem
problemas (Esteve, 2004, p. 24).
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Dados estatísticos publicados recentemente pelo Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística [IBGE] (2010) confirmam as mudanças provocadas pela nova
ordem social na família brasileira. Segundo o IBGE (2010, p. 99):
As mudanças verificadas nos países industrializados quanto ao padrão
de organização das famílias vêm se refletindo também no Brasil. Nas
últimas décadas, as tendências mais proeminentes são, sem dúvida: as
reduções do tamanho da família e do número de casais com filhos, e o
crescimento do tipo de família formado por casais sem filhos,
resultados dos processos de declínio da fecundidade e do aumento da
esperança de vida ao nascer.
Dentre as inúmeras mudanças na composição e no funcionamento da família,
provocadas pela nova ordem social nas últimas décadas, podemos destacar também a
incorporação da mulher no mercado de trabalho e as configurações familiares na qual os
filhos vivem com apenas um dos pais, com parentes ou até mesmo sozinhos em novas
formas de aglomerados humanos, revelados pelos dados do IBGE (2010, p. 98):
Os padrões de formação, dissolução e reconstituição da família
tornam-se cada vez mais heterogêneos e seus limites mais ambíguos.
Segundo os estudiosos da UNECE (United Nations Economic
Commission for Europe), o casamento tornou-se menos central na
conformação da vida das pessoas, diferentemente do que ocorria em
um passado recente, por vezes caracterizado pelo preconceito em
relação às pessoas que não se casavam. As uniões consensuais
aumentaram e, em alguns países, já existe o reconhecimento legal dos
casais homossexuais. Os aumentos das separações conjugais e dos
divórcios levaram à formação de novos arranjos familiares. Quando
os indivíduos separados ou divorciados iniciam uma nova união,
formam um novo arranjo denominado “famílias reconstituídas”,
especialmente no caso da presença de crianças.
Essas mudanças não se deram ao acaso e trouxeram duras conseqüências para
uma sociedade habituada ao padrão convencional da família mononuclear (composta
por pai, mãe e filhos). Uma das conseqüências mais prejudiciais à ordem social
advindas das novas configurações familiares foi a diminuição do tempo real que os
adultos passam com os filhos, tempo que atualmente é ocupado por outras instituições
(creches, escolas, instituições beneficentes, clubes, ONGs) ou pela exposição
prolongada aos meios de comunicação, especialmente a televisão e a internet.
Os meios de comunicação, convertidos em novos e poderosos agentes de
socialização, passaram a concorrer com a família na tarefa de oferecer às novas
gerações modelos de identificação e quadros de referência, visto que se tornaram
importantes fontes de transmissão de informação e cultura.
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O problema é que os meios de comunicação não foram criados como instituição
responsável pela formação moral e cultural das pessoas, e não obstante vem
desempenhando essa função com uma força e uma penetração social nunca antes vista
na história dos homens (Tedesco, 2002).
Um dos efeitos imediatos desta concorrência imposta por esses novos “agentes
de socialização” foi o sensível enfraquecimento da capacidade socializadora da família.
Ao se reconhecer enfraquecida naquilo que tinha de mais específico, qual seja, a
socialização primária de seus filhos, a família buscou amparo na escola, exigindo que
esta assumisse a responsabilidade por alguns aspectos da formação humana
considerados até então como de responsabilidade exclusiva da família.
A escola, por seu turno, não acompanhou o ritmo das transformações sociais que
deram origem às novas configurações familiares. Com isso, ela não se mostrou em
condições de assumir as funções que durante os últimos séculos fora de
responsabilidade exclusiva da família. Nessa nova realidade social, duas das mais
importantes agências socializadoras foram profundamente transformadas, uma por
acompanhar as imposições dos novos modos de produção capitalista e a outra por não
ter a mesma capacidade de mudança.
Quando afirmamos que a escola não teve a mesma capacidade da família para se
adequar à nova ordem social, utilizamos como critério de análise as razões que fizeram
da escola a instituição social com a maior responsabilidade pela socialização das novas
gerações, atrás em importância apenas da família.
A escola pública, segundo Alves (2001), surgiu no século XIX em resposta à
construção de uma sociedade democrática. A educação escolar tinha a função de atender
as demandas da sociedade que surgia. É por essa razão que a escola, instituição
responsável pela socialização ao lado da família, teve importância capital na
consolidação da sociedade democrática.
A escola pública obrigatória foi projetada e expandiu-se como instituição que
concorria e ocupava espaços que tradicionalmente pertenciam à família e à igreja. A
escola pública representava os valores e os saberes universais, aspectos que se
colocavam acima das normas culturais particulares dos diferentes grupos que compõem
a sociedade. Tedesco (2002) sustenta que a confiança depositada pela sociedade na
educação escolar foi um elemento fundamental do êxito na construção das democracias
durante os dois últimos séculos.
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Esteve (1999) assinala que a escola e as demais instituições responsáveis pela
socialização das crianças coincidiam nos valores fundamentais e nos modelos que
deveriam ser transmitidos, o que produzia uma socialização fortemente convergente. A
escola era uma extensão da família no que dizia respeito à socialização e estilos de vida.
A criança passava de uma instituição (família) à outra (escola) e era, assim, formada nos
aspectos que mais fortaleciam a coesão social.
A sociedade, satisfeita com o trabalho de socialização realizado pela escola,
garantia o reconhecimento pessoal e o prestígio do professor, já que este, em sua prática
pedagógica, mantinha-se dentro dos valores claramente definidos e aceitos socialmente.
No entanto, ao longo do século XX, mais precisamente a partir da sua segunda
metade, diversos conceitos relacionados à formação do cidadão foram revistos. O
mercado, sem o peso e o controle da democracia e da nação, revelou-se incapaz de gerar
uma nova proposta educacional. A idéia de cidadania associada à nação começou a
perder significado. Desta feita, a função de homogeneização cultural da nação, que
durante o último século foi aclamada como a função que melhor identificava a
instituição escolar, entrou num processo de redefinição (Tedesco, 2002).
Uma das conseqüências dessa revisão de significados foi a perda da capacidade
socializadora das instituições historicamente responsáveis por essa função, quais sejam,
a escola e a família. Para Tedesco (2002), um dos problemas mais sérios enfrentados
pela sociedade atual é o que podemos definir como déficit de socialização. Vivemos um
momento em que a família e a escola estão perdendo a capacidade de transmitir com
eficácia valores e normas culturais de coesão social.
Esteve (1999) sustenta que a família renunciou às responsabilidades que
anteriormente desempenhava no âmbito educativo e passou a exigir da escola que
ajudasse a ocupar o vazio que nem sempre tinha capacidade de preencher. Deste modo,
na atualidade, as crianças chegam à escola e desenvolvem sua escolaridade sem o apoio
familiar tradicional.
Essa erosão do apoio familiar não se expressa só na falta de tempo
para ajudar as crianças nos trabalhos escolares ou para acompanhar
sua trajetória escolar. Num sentido mais geral e mais profundo,
produziu-se uma nova dissolução entre família e escola, pela qual as
crianças chegam à escola com um núcleo básico de desenvolvimento
da personalidade caracterizado seja pela debilidade dos quadros de
referência, seja por quadros de referência que diferem dos que a
escola supõe e para os quais se preparou (Tedesco, 2002, p.36).
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Seguindo o raciocínio do autor, podemos afirmar que as crianças chegam à
escola com um núcleo básico de socialização insuficiente para encarar com êxito a
tarefa de aprender. Mesmo nos casos em que a família consegue desenvolver
satisfatoriamente o seu papel no processo de socialização primária, cria quadros de
referências diferentes daqueles que a escola supõe como ideal ou que se encontra
preparada para desenvolver.
Como bem diz Tedesco (2002, p. 37), “entre a família de hoje e a do final do
século passado há uma distância enorme, enquanto entre a escola de hoje e a escola do
final do século passado as mudanças são muito menos significativas.”
Essa realidade nos autoriza a afirmar que, quando a família socializava, a escola
se ocupava em ensinar. O problema é que, na atualidade, a escola insiste em ensinar a
quem não desenvolveu a capacidade social para a aprendizagem. Assim, nem a família
educa e nem a escola ensina, deixando ambas de cumprir satisfatoriamente as suas
funções primordiais.
Estudos realizados por Tedesco (2002), Cunha (1999), Esteve (1999, 2004),
Castro (2003), Libâneo (2004), dentre outros, destacam os principais fatores
considerados responsáveis pela relativa perda da capacidade socializadora da família e
da escola, a saber: 1. a massificação do modelo escolar; 2. A perda de prestígio dos
docentes; 3. A rigidez dos sistemas educacionais; 4. O advento dos meios de
comunicação de massa; 5. o avanço do conhecimento científico.
Vale frisar que os fatores mencionados, no nosso entendimento, refletem as
transformações ocorridas nos modos de produção na última metade do século XX. A
cada época corresponde uma forma de organização e funcionamento. Disso resulta que
as instituições que representam o conjunto de idéias de uma determinada sociedade são
compatíveis com a fase do desenvolvimento atingido por essa sociedade.
Igreja, justiça, família, escola, dentre outras instituições, existem para atender os
indivíduos que compõem uma determinada sociedade num determinado momento
histórico. À medida que essa sociedade se transforma, todas essas instituições se
esforçam para acompanhar essas transformações que, invariavelmente, se originam na
superação dos modos de produção vigentes. No caso em tela, a revolução provocada
pelos modos de produção flexível foi decisiva para o processo de desmantelamento da
família nuclear tradicional, composta por pai, mãe e filhos, dificultando a tarefa de
colocar em compartimentos estanques os papéis sociais da família e os papéis sociais da
escola.
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Na atualidade, portanto, nos encontramos diante desse déficit de socialização
vivenciado por duas das mais importantes agências socializadoras. Tal fato histórico é
apontado como um dos responsáveis pelas profundas mudanças observadas nas relações
educacionais nas últimas décadas. É o que Freitas (2003, p. 144) sustenta no seguinte
excerto:
Na prática concreta, expressada nas relações educacionais, verificouse que, [...] a escola passou a ter [...] a função de se constituir em uma
espécie de prolongamento dos cuidados da família, de proteger os
mais fracos e desvalidos, de ocupar o tempo ocioso das ruas, de
atender as necessidades básicas (através da alimentação, das
merendas, bolsa-família), e, eventualmente, a de provedora de
conhecimentos e formação profissional. Com isto pode-se dizer que
alguns aspectos cruciais na relação educacional e docente mudaram.
A escola passou a atender com maior intensidade o cuidado das dimensões
afetivas, emotivas e ideológicas do indivíduo em formação, enquanto a família, pela
influência dos meios audiovisuais, tornou-se plataforma de aprendizagem de
informações instrumentais, científicas e culturais, fato que, de certo modo, vem
dificultando o processo de transmissão dos saberes escolares.
Diante dessa questão, destacamos duas correntes de pensamento que discutem as
finalidades da educação escolar e os rumos que ela deve seguir. Uma entende a escola
como uma instituição total (Araújo, 2002; Tedesco, 2002; Alves, 2001; Carvalho, 1999;
Rodrigues, 2001), responsável pela instrução e pela formação da personalidade. A outra,
no entanto, insiste na especificidade do ensino (Saviani, 2005; Kuenzer, 2002; Rego,
1996; Aquino, 2002) e alerta para o risco de transformarmos a escola em agência de
assistência social, destinada tão somente a atenuar as contradições da sociedade
capitalista em que vivemos. As citações a seguir aparecem como contraponto dessas
duas vertentes.
Rego (1996, p. 99) argumenta que o papel da escola:
não é o de compensar carências (culturais, afetivas, sociais etc.) do
aluno e sim o de oferecer a oportunidade de ele ter acesso a
informações e experiências novas e desafiadoras (que incidem na sua
zona de desenvolvimento proximal), capazes de provocar
transformações e de desencadear novos processos de
desenvolvimento e comportamento.
Alves (2001, p. 279), no entanto, contesta:
Alimentação escolar, tratamento médico-odontológico, atividades
desportivas e culturais fora do currículo, o lazer, o cuidado exercido
sobre a criança enquanto os pais trabalham, são concebidos como
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funções que descaracterizam a escola e, até mesmo, como uma
injustificada concessão da instituição ao assistencialismo. Esse
julgamento é incorreto. Essas novas funções não são expressão da
sem-razão. Elas são novas, simplesmente, e não há qualquer outra
instituição que possa exercê-las melhor do que escola. O novo tempo
e as suas demandas têm atribuído ao estabelecimento de ensino essas
novas funções. Mesmo não as tendo exercido no passado, a escola
deve exercê-las no presente, pois a sociedade em movimento as
impõe. Não tem sentido contrapô-las à função especificamente
pedagógica, pois não são excludentes ou inconciliáveis. A escola
deve exercê-las todas e bem, na medida das possibilidades colocadas
pelos seus recursos.
Esse debate, por certo, não terminará tão cedo. É necessário que nas próximas
décadas os estudiosos da educação continuem a refletir sobre o processo de
institucionalização do modelo escolar e o legítimo papel da escola na sociedade. É
função das ciências sociais buscarem respostas para os fenômenos que surgem nas
relações sociais.
No entanto, entendemos que uma instituição só existe em função das demandas
sociais e, como vimos no decorrer deste trabalho, a família exige da escola não somente
a transmissão do conhecimento historicamente acumulado, mas a formação da
personalidade das futuras gerações, a construção de valores universais, a moldura do
caráter, a aquisição dos hábitos de higiene, dentre outras exigências.
A relação professor-alunos na escola contemporânea
No meio desse fogo cruzado entre as demandas das famílias e a preocupação da
escola com a transmissão do conhecimento encontra-se o educador, cada vez mais
exigido e cada vez menos reconhecido, a não ser em campanhas publicitárias que
enaltecem o seu papel social, mas que não mudam em nada a sua dura realidade de
trabalho.
De fato, quando a família começou a transferir suas responsabilidades
primordiais à escola, a relação professor-alunos passou a ocorrer sob outras bases,
exigindo dos professores um envolvimento com os alunos que não mais se restringe à
transmissão do conhecimento. Acreditamos que essa seja a principal razão para o fato
da relação professor-alunos ter-se transformado numa das relações mais complexas e
desafiadoras do processo pedagógico, uma vez que se espera do professor uma prática
docente compensatória.
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Essa expectativa social que recai sobre o educador traz uma série de
conseqüências indesejáveis à relação professor-alunos na escola contemporânea, dentre
a quais destacamos: a perda do significado do conteúdo escolar, o desinteresse dos
alunos pela escola, o declínio da autoridade docente e o conseqüente esgotamento
emocional desses profissionais, revelado por índices alarmantes de licença médica por
transtornos mentais.
Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo (2010), um levantamento
realizado pelo Departamento de Saúde do Servidor (DSS) da Secretaria Municipal de
Gestão e Desburocratização do Município de São Paulo, revelou que os transtornos
mentais e comportamentais foram as principais causas de afastamento por doença dos
professores da rede municipal de São Paulo no ano de 2009. Foram quase cinco mil
afastamentos para uma categoria com 55 mil profissionais, o que equivale a quase 10%
dos trabalhadores.
A referida matéria apontou também o crescimento de problemas psiquiátricos
entre os professores. Em 1999, esses transtornos eram responsáveis por cerca de 16%
dos afastamentos. Dez anos depois, a porcentagem subiu para 30% de um universo
aproximado de 16 mil afastados.
Comentando essa reportagem, o psicólogo Roberto Heloani, professor titular da
Unicamp e da Fundação Getúlio Vargas, especialista em saúde nas relações de trabalho,
fez as seguintes observações:
As famílias, que deveriam fazer o papel de educar suas crianças,
cobram isso do professor. Por outro lado, os alunos querem um
professor que também seja um animador em sala de aula e, quando se
sentem frustrados, passam a agredi-lo. (...) Com todos esses
afastamentos, quem substituiu esses profissionais? O ensino fica
comprometido.
Heloani ainda cita alguns estudos que apontam que um professor de ensino
fundamental fica, em média, seis anos na profissão até encontrar outra ocupação. Tais
estudos revelam uma triste realidade: a carreira docente, que durante muito tempo foi
um objetivo de vida para muitos profissionais, transformou-se em um “bico”, um
trampolim para outras profissões mais rentáveis e menos exigentes.
Não faltam notícias para ilustrar o drama vivido pelos profissionais da educação.
O jornal Folha de São Paulo (2010) indica que, do dia 01 de janeiro até o dia 21 de maio
de 2010, 194 docentes (mais de um por dia) da rede paulista foram readaptados.
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Significa que, a cada dia, pelo menos um professor se afasta dos trabalhos em sala de
aula por dois anos.
As razões para tanto adoecimento são conhecidas por todos os estudiosos do
tema e estão intimamente ligadas à relação professor-alunos. Não por acaso, essa
relação é facilmente associada à indisciplina, violência, desrespeito, desinteresse,
desobediência, desconfiança, desmotivação, dentre tantas outras características
depreciativas.
Rudá Ricci, sociólogo que faz pesquisas com educadores de redes públicas de
todo o país, fez os seguintes comentários à referida matéria (Folha de São Paulo, 2010),
destacando as razões para esse fenômeno:
A primeira razão é a concepção da escola, que requer para as aulas
estudantes quietos e enfileirados. Isso não existe mais. Esta geração é
muito ativa. O professor se vê frustrado dia a dia por não conseguir a
atenção deles. A outra razão são as condições de trabalho. Em geral,
os professores dão aulas em classes com mais de 35 alunos, possuem
muitas turmas e poucos recursos (não há, por exemplo, microfone).
Notícia publicada no site Portal Educação (2008) revela que, de acordo com
levantamento feito pelo Núcleo Regional de Educação de Campo Mourão-PR, onde
trabalham cerca de 1.600 professores, só no mês de setembro de 2008, cerca de 60
professores da rede pública estadual de Campo Mourão se licenciaram para tratamento
de saúde. De janeiro a julho de 2008, 266 professores se afastaram das salas de aula, a
maioria vítimas de doenças psicossomáticas, ligadas ao estresse, número que equivale a
mais de 15% do total dos professores deste Núcleo.
Para o chefe do Núcleo, as principais causas dessa elevada quantidade de
licenças médicas são as salas de aula lotadas, o número excessivo de aulas por professor
e principalmente a indisciplina dos alunos, que resulta da falta de maior
comprometimento da família. “Tem pai que vai na escola matricular o filho e só volta
no fim do ano para reclamar porque o filho não passou. Ou então quando o filho sofre
algum tipo de punição aí ele vai na escola e sabe muito bem reclamar seus direitos”
(Portal Educação, 2008).
O mais intrigante disso tudo são as saídas apontadas pelo chefe do Núcleo para
tentar conter o alto índice de licenças médicas:
A Secretaria Estadual de Educação estuda premiar o professor por
assiduidade. Outra medida mais drástica seria fazer com que o tempo
de afastamento por licença seja cumprido no fim da carreira do
professor. Sabemos que ele tem direito a licença médica, mas não
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podemos esquecer o direito do aluno, que não pode ser prejudicado
(Portal Educação, 2008)
Diante do quadro apresentado podemos pensar em duas situações: a primeira é
que uma considerável parcela dos responsáveis pela educação escolar em nosso país não
sabem como enfrentar as causas das dificuldades que se manifestam na relação
professor-aluno no processo de ensino e aprendizagem, tais como os elevados índices de
licenças médicas. A segunda, e infelizmente a mais plausível, é que os nossos
governantes não estão dispostos a resolver esse problema. De fato, professores e alunos
estão entregues à própria sorte, perdidos no interior de uma instituição que vem
perdendo gradativamente o brilho, que outrora tinha, de instituição salvadora,
incontestável em suas práticas educacionais.
Uma charge que circula na internet, de autoria do cartunista francês Chaunu
(2009), veiculada pelo jornal francês Oueste-France, resume com maestria as mudanças
ocorridas na relação professor-aluno nas últimas quadro décadas. No primeiro quadro,
que se passa no ano de 1969, aparece uma professora sentada em sua mesa de trabalho,
elegante e altiva, tendo do lado oposto um aluno acuada por seus pais que estão com o
seu boletim nas mãos e que o questionam diretamente sobre o seu péssimo desempenho
escolar: “Que notas são estas?”. No quadro seguinte, que se passa no ano de 2009,
vemos uma professora sentada em sua mesa, apreensiva e indefesa, tendo do lado
oposto um aluno sorridente e confiante ao lado de seus pais que, com o boletim do filho
nas mãos, interrogam rispidamente a professora: “Que notas são estas?”. Duas imagens
que escancaram o jogo de empurra que tem caracterizado a relação professor-aluno nas
últimas décadas.
Como se não bastasse, no dia 07 de abril de 2011, a escola brasileira sofreu o seu
mais profundo golpe, quando um sujeito invadiu uma escola pública no subúrbio do Rio
de Janeiro armado com dois revólveres e disparou contra os alunos presentes, matando
doze deles, com idade entre 12 e 14 anos, e ferindo vários outros. O incidente deixou a
nação estarrecida. A escola, até então, era a instituição mais segura para as famílias
confiarem a guarda dos filhos, enquanto lutam pela sobrevivência no mercado de
trabalho. A partir desse episódio passou a ser questionada até mesmo em relação a essa
função social.
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Conclusão
O que vivemos em nossa atual realidade educacional é, na verdade, uma crise
paradigmática, onde os diversos modelos teóricos que nos forneciam distintas visões da
educação escolar se cruzam e se chocam, dificultando e até mesmo inviabilizando o
trabalho docente.
Exatamente na medida em que não mais podemos identificar um
paradigma dominante em nosso contexto de pensamento – referência
básica para nossos projetos científicos, políticos, éticos, pedagógicos
e mesmo estéticos – é que nos caracterizamos como vivendo uma
crise de paradigmas, e até mesmo uma crise da própria necessidade e
possibilidade de um paradigma hegemônico (Marcondes, 1996, p. 28,
grifo nosso).
Os períodos de crise são, no entanto, extremamente férteis, eis que abrem novas
possibilidades ao pensamento e novas formas de enfrentamento da realidade
(Marcondes,1996). Neste sentido, eles proporcionam a invenção de alternativas aos
modos de pensar anteriores, a partir das quais podemos transformar a atual realidade da
educação escolar e das relações estabelecidas no interior da escola com vistas à
transmissão do conhecimento.
Inegavelmente, família e escola são instituições em crise que gravitam em torno
de um mesmo centro, o educando, esse ser que nasce na segurança do lar, mas que para
se tornar um ser autônomo deve deixá-lo. A nosso ver, apesar de tudo, ainda não há em
nossa sociedade uma relação mais apropriada para essa ruptura do que a relação
presencial e ativa que professores e alunos estabelecem com fins pedagógicos e que só a
escola pode oferecer.
Temos consciência de que a instituição família dificilmente recuperará a
capacidade de socializar que possuía até meados do século XX. A realidade social
demanda novas formas de socialização, onde a família não mais possui a importância de
outrora na formação dos sujeitos. Por outro lado, essa questão não será resolvida,
simplesmente, transferindo mais essa responsabilidade para a escola e para o professor,
sem que seja realizada uma profunda e efetiva transformação em todas as dimensões da
educação escolar, do currículo ao corpo docente, passando pelas relações pedagógicas,
infra-estrutura, métodos de ensino e avaliação, formação, capacitação e valorização dos
docentes, dentre outras.
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Mais que superar obstáculos para transformar a relação professor-alunos numa
relação construtora de subjetividades autônomas, o desafio atual é o de quebrar
paradigmas. A cultura do “facilismo”, a expansão cada vez mais acelerada das
indústrias do entretenimento e do lazer, os meios de comunicação de massa, com a sua
peculiar forma irresistível e acrítica de “educar”, a perda do significado do conteúdo
escolar, o desinteresse dos alunos pela escola e a indisciplina daí decorrente, a perda de
prestígio do professor, a sobrecarga de trabalho docente, a remuneração incompatível
com as responsabilidades pedagógicas são alguns dos males que precisam ser
combatidos no desafio de quebrar paradigmas.
É dever de todos nós a reflexão e o posicionamento para o enfrentamento eficaz
dos problemas da educação escolar contemporânea. O discurso sobre as mazelas da
educação brasileira é o mesmo a mais de meio século e de concreto pouco avançamos
na construção de uma escola capaz de atender as necessidades educacionais das famílias
brasileiras. Como adverte Cunha (2000, p. 466), “se a escola não for o espaço de
preparação das novas gerações, as crianças e os jovens serão educados nos inúmeros
desvãos do mundo globalizado, que distribui a todos, igualmente, as sobras do banquete
das grandes nações”.
A nossa sociedade, apesar de tudo, ainda confia na escola e no professor. Há
uma grande esperança social de que a escola assuma de vez o papel de uma instituição
total, de modo a tornar-se um espaço apto a atender satisfatoriamente as necessidades de
desenvolvimento integral das futuras gerações, pois a única instituição que ainda
mantém uma presença universal na sociedade, e para a qual se dirigem todas as novas
gerações, desde seu nascimento, é a escola.
Dentro dessa instituição total necessitaremos de um novo educador, que por
certo não surgirá das inúmeras campanhas publicitárias veiculadas na atualidade que
leviana e cinicamente mostram a importância do professor para a sociedade. Um
profissional da educação formado para atender essas novas demandas sociais só existirá
quando a educação escolar se tornar, de fato e de direito, o centro das atenções de nossa
sociedade e, principalmente, dos nossos governantes.
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Anexo
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