D A N O MORAL DECO RRENTE D O TRABALHO EM C O N D IÇ Ã O ANÁLOGA À D E ESCRAVO: Â M BITO INDIVIDUAL E COLETIVO F rancisco M ilton A raújo Jú n ior* “ Se v ó s perm anecerdes na m inh a palavra, verdadeiram ente, sereis m eu s d iscíp u lo s e con h ecereis a verdade, e a verdade v o s libertará.” (João C apítulo 8, v. 3 1 /3 2 ) S U M A R I O : I O s u r g im e n to d o tr a b a l h o e s c r a v o e a c o n c e p ç ã o d e d ig n id a d e d a p e s s o a h u m a n a ; 2 O r d e n a m e n to j u r í d i c o v ig e n te e o tr a b a lh o e m c o n d iç ã o a n á l o g a à d e e s c ra v o ; 3 T r a b a lh o e m c o n d iç ã o à d e e s c r a v o n a s o c ie d a d e b r a s ile ir a a tu a l; 4 D a n o m o r a l d e c o r r e n te d o tr a b a l h o e m c o n d iç ã o a n á l o g a à d e e s c r a v o ; R e f e r ê n c ia s b ib lio g rá fic a s . 1 O SU R G IM E N T O D O T R A B A L H O ESC R A V O E A C O N C E PÇ Ã O D E D IG N ID A D E D A P E S S O A H U M A N A A n a lisa n d o o asp ecto h istó rico , v e r ifica -se que o trabalho surgiu com o necessidade do hom em para garantir a sua subsistência, sendo a m ão-de-obra escrava o sustentáculo do m eio de produção u tiliza d o na Idade A ntiga. A m ão-de-obra escrava surgiu com o recom p en sa das guerras entre os povos. O s p ovos ven ced ores das guerras, in icialm en te, m atavam o s p ovos v en cid os, porém , com o transcorrer das lutas, co m eço u -se a d esen volver a con cep ção de que seria m ais v iá v el econ om icam en te aprisionar os rivais e escravizar, u tilizan d o-os com o m ão-de-obra, com o m oeda de troca e com o m ercadoria. A partir d essa con cep ção n a scia o m odo de produção escravagista que fo i de fundam ental im portância para o d esen volvim en to dos im périos grego, rom ano e egíp cio. N e ss a ép o ca , ju stific a v a -se a escr a v id ã o co m o im p lem en ta çã o ju sta e n ecessá ria para o d esen v o lv im en to da so cied a d e e do co n h ecim en to , in clu siv e Segadas V ian a com enta que A ristóteles, u m dos pensadores m ais ex p ressivos da G récia A ntiga, afirm ava “que para se con segu ir cultura, era n ecessário ser rico e *J u i z F e d e r a l d o T r a b a lh o T itu la r d a V a ra d o T r a b a lh o d e P a r a u a p e b a s . M e s t r e e m D ir e it o d o T r a b a lh o p e l a U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o P a r á . Rev. T S T , Brasília, vol. n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 87 D O U T R IN A o cio so e que isso não seria p o ssív el sem a escravidão. É cu rioso anotar que o grande estagirita, com u m dom p rofético, soube prever que a escravidão desapareceria quando a lançadeira do tear se m ovim entar sozin h a” 1. D o m en ico de M asi descreve m uito b em a realidade da A n tigü idad e clássica: “A m aioria dos g regos liv res desprezava o trabalho dep en dente e qualquer ativid ade que com p ortasse fa d ig a físic a ou, de algu m m odo, a execu ção de u m a tarefa. O próprio term o ‘ex ecu tiv o ’, de que hoje se ornam m uitos fu n cion ários, teria feito arrepiar-se o m ais h u m ild e a ten ien se da ép oca de P éricles. H eródoto a ssin a la o d esp rezo p elo trabalho que reinava em m uitas cidad es gregas orien tais, à exceção de C orinto e p oucas outras. A ristóteles e P latão são d rásticos a esse respeito: qualquer produção de objetos m ateriais - ainda que obras de arte com o as estátuas de P rexíteles - representava para e le s u m a ativid ad e de segun da ordem com parada à produção de id éias. Platão ch egaria a dizer: ‘N ã o v a is querer dar tua filh a com o esp osa a um m ecân ico ou en g en h eiro !’ [ ...] R esum idam ente, na G récia dos sécu los de ouro apenas u m a exígu a m in oria com p osta de cid ad ãos com p len o s d ireitos, que se d ed icavam à p olítica, à filo so fia , à gin á stica e à p oesia, v iv en d o m aterialm ente nas costas da m a io ria - escra v o s, m u lh eres e m eteco s - a q uem cab iam tod as as atividades de ordem m aterial e de serviço.” 2 N essa p erspectiva de ju stifica çã o do trabalho escravo, a civ iliza çã o grega fo i a prim eira a realizar a n á lises sobre os atributos particulares do h om em na escala dos seres. O s gregos, na A ntigü idad e, acreditavam que os h om en s se d iferenciavam dos an im ais p elo uso da razão ou do lo g o s, ou seja, p ela capacidade de elaborar o pensam ento ló g ic o e transform ar o m undo a partir da transform ação da natureza e da elaboração de produtos m anufaturados. Sendo, portanto, esse o fundam ento da d ignidad e. R e g istra -se que o u so da razão não era próprio de todo ser hum ano, m as apenas e tão-som en te do h om em livre. D esse m odo, os gregos firm aram entendim ento de que a socied ade é form ada por d ois pólos: o prim eiro, p elo s h om en s livres que deliberavam acerca do b em com u m (cid adãos gregos) e o segundo, p ela s p essoas que eram apenas instrum entos de trabalho para realização do b em com um (escravos e m ulheres). Eduardo R am alho R abenhorst com enta a ju stifica çã o da civ iliza çã o grega p ela u tilização da m ão-de-obra escrava a partir do p en sam ento de A ristóteles: 1 S E G A D A S , V ia n a e t a l. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito d o tr a b a lh o . 17. ed. S ã o P a u lo : LTr, v. I, 1 9 9 7 . p. 30. 2 D E M A S I , D o m e n ic o . O f u t u r o d o tr a b a lh o : f a d i g a e ó c io n a s o c ie d a d e p ó s - in d u s tr ia l. 6. ed. R io de J a n e ir o : J o s é O ly m p io , 2 0 0 1 . p. 7 5 - 8 0 . 88 R ev. T S T , Brasília , vol. 7 2 , nº 3,, s e t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A “A ristóteles não v ê, p o is, qualquer contradição n essa repartição de p ap éis e d ignidade. C om efeito, d iz-n o s S olan ge V ergnières, o que d efin e o hom em , para A ristóteles não é a liberdade, m as o logos. Isso não sig n ifica , ob viam ente, que a con cep ção aristotélica da d iv isã o de p apéis so cia is esteja ao abrigo de certas am bigüidades. M uito p elo contrário. Identificar a natureza sin gular das m ulh eres não oferece grandes d ificu ld ad es ao filó so fo grego. A d iferença entre os sexos, m arcada no corpo, sim p lifica em m uito a tarefa. A p a ssa g em d essa d istin çã o b io ló g ic a a u m a d istin ção quanto à d ignidad e p o lítica é que parece ser fa la cio sa (aos n o sso s olh o s, é claro): ain da que sejam livres, as m ulh eres, acredita A ristóteles, não p odem participar da v id a pública, por serem con d uzidas, em suas deliberações, não p ela razão, m as p ela s em oções. A situação dos escravos é m ais com plicada e im põe certas dificuldades para o próprio estatuto acordado por A ristóteles aos estrangeiros (m eteco s). N ã o há nada de corporal que p ossa d istin gu ir os escravos dos cidadãos livres (n em m esm o n os seus trajes ou p enteados, com o acon tecia em R om a). A d iferença só pode se dar em u m plano interior. A ssim , para A ristóteles, a n a tu reza serv il d e u m h o m em o r ig in a -se de u m a d efic iê n c ia quan to à m anifestação do lo g o s. C om o d iz V ergnières, o escravo participa do logos, m as só participa de m aneira indireta: percebe-o em outro, sem p o ssu í-lo ele próprio. O escravo se m anifesta, p ois, prim eiro por d eficiên cia in telectu a l.”3 Eduardo R am alho R abenhorst afirm a tam bém que as socied ades antigas, de m odo geral, são baseadas na hierarquia, sendo que “a razão d essa hierarquia é quase sem pre, transcendente. A socied ade islâm ica, por exem plo, fundam enta a sua estratificação so cia l na von tad e de Alá: N ó s criam os algu n s acim a dos outros, para que a q ueles façam d estes servos, d iz o Corão. O m esm o acon tece com o sistem a de castas na ín dia, na qual os brâm anes, por razão religiosa, ocupam o topo da hierarquia”4 . C oube ao p en sam en to cristão, ten do com o b ase o m on oteísm o ju d a ico e a fraternidade, provocar a m udança de m entalidade em direção à igualdade dos seres hum anos. A partir da B íblia, con stata-se que o h om em fo i criado por u m D eu s à sua im agem e sem elhan ça, com o coroa da criação, para ter d om ín io “sobre os p eix es do mar, sobre as aves dos céus, sobre os an im ais d om ésticos, sobre toda a Terra e sobre todos os répteis que rastejam sobre a Terra” (G ên esis - C apítulo I, versícu lo 26). A ssim , conform e o p en sam ento cristão, os h om ens, com o criaturas de D eu s, foram feito s à sua im agem e sem elhan ça, com p ostos de u m corpo e de u m a alm a, 3 R A B E N H O R S T , E d u a r d o R a m a lh o . D i g n id a d e h u m a n a e m o r a lid a d e d e m o c r á tic a . B ra sília : B ra s ília J u r íd ic a , 2 0 0 1 . p. 1 8 -1 9 . 4 O p . c it., p . 21 . Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , nº 3,, se t/d e z 2 0 0 6 89 D O U T R IN A sendo, portanto, livres e igu ais, de m odo que as eventu ais d esigu ald ades entre os h om en s são apenas aparentes. C om o cristian ism o, p assou -se a considerar que todo ser hum ano p ossu i a m esm a d ignidad e frente aos d em ais em razão da id ên tica estrutura espiritual (todo h o m em p o ssu i corp o e esp ír ito ), su p era n d o -se a id éia d e q ue ap en as a lg u n s in d ivíd u os (cidadãos livres) poderiam ter um a v id a digna. P o d e-se constatar, tam bém , que o cristia n ism o não lim ito u a d ign id ad e hum ana com o valor m oral ou apenas no plano m oral, um a v e z que ressalta tam bém a m aterialização da d ignidad e hum ana (“Todos os que criam jun tos e tinh am tudo em com um . V endiam suas propriedades e fazend as e repartiam com todos, segundo cada u m tin h a n ecessid ad e. E, perseverando u nân im es todos os d ias no tem plo e partindo o pão em casa, com iam ju n tos com alegria e sin g eleza de coração” - A tos, C apítulo 2, versícu lo s 4 4 /4 6 ). Cabe lem brar que a religião cristã, apesar de ter desem penhado um papel fundam ental na construção da dignidade hum ana, legitim ou , por m eio da Igreja C atólica, todo o sistem a de estratificação so cia l que vig o ro u durante o período feudal (C astas hierarquizadas: os m em bros do clero rezavam , os nobres lutavam , e os servos trabalhavam ). A partir da R evolu ção F rancesa (1 7 8 9 ), a estratificação social do sistem a feudal com eçou a perder espaço na com u nid ade européia, e a Igreja C atólica, com as tr a n sfo r m a ç õ e s s o c io e c o n ô m ic a s p ro p o rcio n a d a s co m o n a sc im e n to e o d ese n v o lv im e n to do m odo de p rod ução ca p ita lista , p a sso u a adotar u m n o v o p osicion am en to sobre a dignidad e hum ana, m aterializan do-se com a E n cíclica do Papa L eão X X III, cham ada de R e ru m N o v a ru m , em 1891. A E n cíclica R e ru m N o v a ru m , conform e citação de Segadas V iana, questiona o v a lo r so c ia l d os m eio s de produção, v a lo r iza a d ig n id a d e h um ana, critica a concentração de renda e atribui ao E stado o dever de zelar p ela harm onia social, ou seja, n a s p ró p ria s p a la v ra s do P ap a L eã o X X III, “n a p ro teçã o d o s d ireito s particulares, o E stado deve preocupar-se, de u m a m aneira esp ecial, dos fracos e dos in d igen tes. A cla sse rica fa z das suas riquezas um a esp écie de baluarte, e tem m en os n ecessid ad e da tutela pública. A cla sse in d igen te, ao contrário, sem riquezas que a p onh am a coberto das injustiças, conta p rin cip alm en te com a proteção do E stad o” 5. O direito natural, que teve suas prim eiras form ulações na Grécia, tam bém realiza estudos sobre a d ignidad e hum ana, porém , esses estudos, num prim eiro m o m en to , en co n tra m -se p reju d icad os, u m a v e z que a p róp ria escra v id ã o era ju stificad a p elo direito natural. F oi com as teorias jusnaturalistas m odernas que o direito natural p assou a com preender a dignidade hum ana a partir da igualdade entre os hom ens. 5 A p u d S E G A D A S , V ia n a e t a l. I n s titu iç õ e s d e d ir e ito d o t r a b a lh o . 17. ed. S ã o P a u lo : LTr, v. I, 1 9 9 7 . p. 9 9 - 1 0 0 . 90 Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 s e t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A O filo so fo in g lês John L ock, partindo do p rin cíp io que ex iste u m elo entre o direito natural e a igualdade, entende que a d ignidad e hum ana alicerça-se na razão hum ana, sendo “o h om em d ign o n ão porque fo i criado a im agem e sem elhan ça de D eu s, m as p elo fato de E ste ter-lh e conferido a razão e autonom ia”6. O in te le c tu a l a le m ã o Im m a n u el K an t, d en tro da ó tic a da co n ce p ç ã o jusnaturalista, entende que a d ignidad e hum ana se alicerça na p osição em que o h om em ocupa na esca la dos seres. “D iferen tem en te das outras criaturas v iv a s, nós, hum anos, p odem os ultrapassar o estágio da sim p les a n im a lid a d e e identificar, tanto em n ós m esm os com o n o s n o sso s sem elhan tes, um a m esm a essên cia livre e racional, isto é, u m a id ên tica h u m an id ad e. E é p rec isa m en te o reco n h ecim en to d essa hum anidade aquilo que K ant cham a de respeito, ou seja, u m a m áxim a de restrição que n o s obriga a não rebaixar o s n o sso s sem elh an tes ao estado de m ero instrum ento para a con secu ção de um a fin alid ad e qualquer”7. Cabe destacar, ainda, que K ant entende que “a liberdade concebida com in depend ên cia do arbítrio de outrem e na m edida em que pode com p aginar-se com a liberdade de todos, de acordo com u m a le i u niversal, é a form ula do im perativo categórico e o p rin cíp io da m oralidade. É o direito ú n ico, p rim itivo e original, próprio de cada hom em , só p elo fato de sê -lo ”8. C on fron tan d o o p en sa m e n to cr istã o e o p en sa m en to d e K a n t sobre a con cep ção de d ignidad e, o filó so fo fran cês Jean-M arc Ferry observa que “há um a diferença notável entre a v isã o cristã da dignidade hum ana que vim o s anteriorm ente e a con cep ção d esen volvid a por K ant. A m bas atribuem um a dignidad e intrínseca ao h om em em fun ção da p osição que este ocupa no m undo. C ontudo, na perspectiva cristã, ta l d ig n id a d e en con tra sua ju stifica ç ã o em u m a certa represen tação da n a tu reza d iv in a do h o m em , isto é, n o fa to de este rep resen tar u m a u n id a d e substancial entre m atéria e espírito, criada conform e a im agem e sem elhan ça de D eu s. Já para K ant, a d ignidad e se alicerça na própria autonom ia do sujeito, isto é, na capacidade hum ana de se subm eter às le is oriundas de sua própria p otência legislad ora e de form ular u m projeto de v id a de form a co n scien te e deliberada. É essa au ton om ia, escreve Ferry, o m o tiv o do resp eito e o co n ceito fundador da hum anid ad e”9. A partir da a n á lise da d ig n id a d e da p ersp ectiv a do cr istia n ism o e na p erspectiva kantiana, d estaca-se que d ignidad e da p essoa hum ana é m uito b em con ceituad a por Ingo W olfgang Sarlet, que estab elece com o: “a qualidade intrínseca e d istintiva de cada ser h um ano que faz m erecedor do m esm o respeito e consideração por parte do E stado e da com unidade, im plican do, n este sentido, u m com p lexo de direitos e deveres fundam entais que assegurem a p essoa tanto contra todo e qualquer 6 A p u d R A B E N H O R S T , E d u a r d o R a m a lh o . O p . c it., p. 32. 7 A p u d R A B E N H O R S T , E d u a r d o R a m a lh o . O p . c it., p. 34. 8 O L E A , M a n o e l A lo n s o . D a e s c r a v id ã o a o c o n tr a t o d e tr a b a lh o . C u r itib a : J u r u á , 1 9 9 0 . p. 9 9 -1 0 0 . 9 A p u d R A B E N H O R S T , E d u a r d o R a m a lh o . O p . c it., p . 34. Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 91 D O U T R IN A ato de cunho degradante e desum ano, com o ven h am a lh e garantir as con d ições ex isten cia is m ín im as para a v id a saudável, a lém de prom over sua participação ativa e co-resp on sável n os d estin os da própria ex istên cia e da v id a em com unhão com os d em ais seres hum anos” 10. O co n ceito esta b elecid o por In go W olfgan g Sarlet é b astan te d id ático e estab elece os p rin cip ais asp ectos con cern en tes à d ignidad e hum ana, que podem ser enum erados da seguin te forma: prim eiro, estab elece que a d ignidad e é inerente e própria da esp écie hum ana; segundo, retornando aos estudos de K ant, reconhece que a dignidade decorre do respeito, que é a essên cia da identidade hum ana; terceiro, a d ignidad e é fruto do E stado de D ireito estab elecid o p ela com unidade; quarto, estab elece que a d ignidad e deve ser m aterializad a a partir da garantia das con d ições m ín im a s de v id a sau dável ao hom em , send o essa m aterialização da d ign id ad e hum ana de responsabilidade do E stado e da sociedade. D e u m a m aneira sim p les, entendo que a dignidade hum ana é u m direito p erson alíssim o in eren te à natureza hum ana, podendo ser d efin id a p ela frase de Jesus Cristo: “ten h am v id a e a ten h am em ab undância” (E van gelh o de João C apítulo 19, v ersícu lo 10). A d ignidad e hum ana, portanto, v in cu la -se à qualidade de vid a, ou seja, à v id a abundante de amor, saúde, educação, lazer, alim ento, liberdade, m oradia digna, rem uneração justa, dentre outros b en efícios. 2 O R D E N A M E N T O JU R ÍDICO V IG E N T E E O T R A B A L H O E M C O N D IÇ Ã O A N Á L O G A À D E ESC R A V O A u tilização do trabalho forçado ou em condição análoga à de escravo, vedada no B rasil em 13 de m aio de 1888, por m eio da ed ição de L ei n° 3 .353 (L ei Áurea), é u niversalm ente con d en ável, conform e dem onstram as norm as internacionais. A n a lisa n d o o ord en am en to in tern a cio n a l, v e r ific a -se que a D ecla ra çã o U n iversal dos D ireito s do H om em 11, nos arts. I, III, IV, V, e X X III, assegura com o direitos m ín im os aos trabalhadores: “A rtigo I. Todas as p essoas n ascem livres em d ignidad e e direitos. São dotadas de razão e co n sciên cia e d evem agir em relação u m as às outras com espírito de fraternidade. [ ...] A rtigo III. Toda p essoa tem direito à vid a, à liberdade e à segurança p essoal. 10 S A R L E T , I n g o W o lfg a n g . D i g n i d a d e d a p e s s o a h u m a n a e d ir e ito s f u n d a m e n t a i s n a C o n s titu iç ã o F e d e r a l d e 1 9 8 8 . P o r to A le g re : L i v r a r i a d o A d v o g a d o , 2 0 0 1 . p. 60 . 11 A d o ta d a e p r o c la m a d a p e la R e s o lu ç ã o n 0 2 1 7 A ( I I I ) d a A s s e m b lé ia G e r a l d a s N a ç õ e s U n id a s , e m 10 de dezem b ro de 1948. D is p o n ív e l em : < w w w .m j . g o v . b r / s e d h / c t / l e g i s _ i n t e r n / d d h _ b ib _ in te r _ u n iv e r s a l.h tm > . A c e s s o e m : 21 ju n . 2 0 0 6 . 92 Rev. T S T , Brasília, v o l. 7 2 , n º 3 , s e t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A A rtig o IV. N in g u é m será m an tid o em escravid ão ou servid ão, a escravidão e o tráfico de escravos serão p roibidos em todas as suas form as. A rtigo V. N in g u ém será subm etido à tortura, n em a tratam ento ou castigo cruel, desum ano ou degradante. [•••] A rtigo X X III. Todo h om em tem direito ao trabalho, à livre escolh a de em prego, a co n d içõ es ju sta s e favoráveis de trabalho e à p roteção contra o d esem p rego.” A n alisan d o o conteúdo dos arts. I, III, IV, V e X X III, da D eclaração dos D ireitos do H om em , v erifica-se que, em bora não en glob e todas as garantias m ínim as in d isp o n ív eis para m anutenção do eq u ilíb rio das relações laborais, esp ecialm en te por reconhecer apenas de form a indireta com o direitos in d isp o n ív eis do trabalhador a proteção da saúde, h ig ien e e segurança no m eio am biente laboral, fix a os princípios b á sico s para o alcance da harm onia na relação entre o capital e o trabalho. R estrin gin d o ao con texto da proteção do obreiro contra a u tiliza çã o do trabalho forçado, con stata-se que a prática do trabalho em con d ição an áloga à de escravo v io la de form a in cisiv a a D eclaração dos D ireitos do H om em , especialm ente no que se refere à dignidad e do h om em (art. I), à liberdade e segurança p essoal (arts. III, IV e V ) e às co n d içõ e s ju sta s e fa v o rá v eis de trabalho (art. X X III), con figurand o-se, portanto, em ato que d eve ser d efin itivam en te b anid o das relações sociais, haja v ista que afronta flagran tem en te os direitos in trín secos do ser hum ano. Cabe destacar que a O rganização Internacional do Trabalho (O IT), através das C on ven ções n° 29 (1 9 3 0 ) e n° 105 (1 9 5 7 )12, obteve o com p rom isso dos p a íses- m em bros, m ediante a ratificação dos respectivos instrum entos norm ativos, de abolir a u tiliza çã o do trabalho forçado. G uilh erm e A ugu sto Caputo B astos com en ta que a ed ição das C onvenções n° 2 9 e 105 da OIT foram pactuadas em m om entos h istóricos distintos, ou seja, a prim eira “fo i firm ada num m om ento em que o trabalho forçado era um a prática am plam ente ap licad a nas grandes p otên cias co lo n ia is” 13 e a segun da fo i firm ada num a ép oca em que “fo i caracterizada por u m a im p osição do trabalho forçado por razões id eo ló g ica s, p o lítica s e de outras ín d oles, em particular durante a Segunda Guerra M u n dial” 14. N a órbita ju ríd ico-con stitu cion al brasileira, con stata-se que a Carta M agna de 1988 ved a perem ptoriam ente a u tiliza çã o do trabalho forçado ou em condição an áloga à de escravo, esp ecialm en te quando se verifica que o Texto C onstitucion al 12 A C o n v e n ç ã o n 0 2 9 f o i r a tif ic a d a p e lo B r a s il e m 2 5 d e a b r il d e 1 9 5 7 e p r o m u l g a d a p e lo D e c r e to n 0 4 1 .7 2 1 , d e 2 5 d e j u n h o d e 1 9 5 7 , e a C o n v e n ç ã o n º 105 f o i r a tif ic a d a p e lo B r a s il e m 18 d e j u n h o de 1 9 6 5 e p r o m u l g a d a p e lo D e c r e to n º 5 8 .8 2 2 , d e 14 d e j u l h o d e 1 9 6 6 . 13 B A S T O S , G u ilh e r m e A u g u s to C a p u to . T r a b a lh o e sc ra v o : u m a c h a g a h u m a n a . R e v i s t a L T r, S ã o P a u 14 B A S T O S , G u ilh e r m e A u g u s t o C a p u to . O p . c it., p. 3 6 8 . lo: LTr, a. 7 0 , p. 3 6 8 , m a r. 2 0 0 6 . Rev. T S T , Brasília, v o l. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 93 D O U T R IN A estab elece com o p rin cíp ios fundam entais a d ignidad e da p essoa hum ana (art. Io. in ciso III) e os valores so cia is do trabalho (art. P , in ciso IV ), b em com o reconhece, dentre os seus “valores suprem os” , a garantia da segurança e do b em -estar de todos os m em bros da so cied a d e (P reâm b ulo) e, ain da, assegu ra d ireito s e garan tias fundam entais o direito à vid a, à liberdade e à igualdade (art. 5 º, caput). N a esfera in fracon stitu cion al, v er ifica -se que a L ei nº 1 0 .8 0 3 , de 11 de dezem bro de 2 0 0 3 , ao alterar o art. 149 do C ódigo P en al (D ecreto-L ei nº 2 .8 4 8 , de 7 de dezem bro de 1 940), estab eleceu o tipo p en al “redução a con d ição a n áloga à de escravo” , que p assou a p ossuir a segu in te redação: “Art. 149. R eduzir algu ém a con d ição an áloga à de escravo, quer subm etendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exau stiva, quer sujeitando- o a con d ições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer m eio, sua locom oção em razão de d ívida contratada com o em pregador ou preposto. P en a - r e c lu sã o , d e d o is a o ito a n o s, e m u lta , a lé m da p en a correspondente à vio lên cia . § 1º N a s m esm as pen as incorre quem: I - c erc eia o u so d e q u alq u er m eio d e tran sp orte por p arte do trabalhador, com o fim de retê-lo no lo ca l de trabalho; II - m antém v ig ilâ n c ia osten siva n o lo ca l de trabalho ou se apodera de d ocu m entos ou objetos p esso a is do trabalhador, com o fim de retê-lo no lo ca l de trabalho. § 2 º A pen a é aum entada de m etade, se o crim e é com etido: I - contra criança ou adolescente; II - por m otivo de p reconceito de raça, cor, etnia, religião ou o rigem .” C om base na redação do art. 149 do C ódigo P enal, con stata-se que a norm a leg a l estabeleceu o trabalho em condição an áloga à de escravo com o gênero, podendo ocorrer em d uas esp écies: trabalhos forçados ou con d ições degradantes de trabalho. A norm a p en al, ao consagrar que o trabalho em con d ição a n áloga à de escravo caracteriza-se p ela ocorrên cia do trabalho forçado ou p ela s co n d içõ es degradantes de trabalho, dem onstra que a d efin ição ju ríd ica m oderna de trabalho escravo não se lim ita apenas à restrição da liberdade de lo com oção e da liberdade de u tilização das p o ten cialid ad es do obreiro (física s e m en tais), podendo ocorrer tam b ém quan do o ob reiro é su b m etid o a c o n d içõ e s lab orais d egrad an tes que p o ssib ilitem a afetação da d ignidad e do ser hum ano. N esse asp ecto, José C laudio M onteiro de B rito F ilh o com enta que “n ão é som en te a falta d e lib erd ad e d e ir e vir, o trabalho forçado, en tão, que agora caracteriza o trabalho em con d ições an álogas à de escravo, m as tam bém o trabalho sem as m ín im a s co n d içõ e s de d ig n id a d e” 15, p assan d o a d efin ir o trabalho em 15 B R I T O F I L H O , J o s é C la u d io M o n te iro . T r a b a lh o d e c e n te . A n á lis e j u r í d i c a d a e x p lo r a ç ã o d o t r a b a lh o - tr a b a lh o f o r ç a d o e o u tr a s f o r m a s d e tr a b a lh o in d ig n o . S ã o P a u lo : LT r, 2 0 0 4 . p. 72. 94 Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A con d ições an álogas à de escravo com o “o ex ercício do trabalho hum ano em que há restrição, em qualquer form a, à liberdade do trabalhador, e/o u quando não são respeitados os direitos m ín im os para o resguardado da d ignidad e do trabalhador” 16. A n a lisa n d o as esp é cie s de trabalho em co n d içã o a n á lo g a à de escravo, v erifica -se que a caracterização do trabalho forçado é bastante sim p les, haja v ista que a sua essên cia co n siste na restrição da liberdade de locom oção e da liberdade de u tilização das p oten cialid ad es do obreiro (física s e m en tais), porém , quanto à seg u n d a esp é cie , o b serv a -se que o term o “c o n d içõ e s d eg ra d a n tes” é b astan te gen érico, o que d ificu lta sua d efinição. C onform e esp ecifico u José C laudio de B rito F ilh o ao con ceituar trabalho em co n d içã o a n á lo g a à de escra v o , v e r ific a -se que as co n d içõ e s d egrad an tes co n sistem na v io la çã o da dignidad e hum ana, ou seja, con figu ra-se na v io la çã o das con d ições m ín im as de v id a saudável do hom em . N e ss e sen tid o, v er ifica -se que as co n d içõ es degradantes de trabalho, na prática, ocorrem quando o em p regador não cum pre com as norm as de saúde, segurança e h ig ien e do trabalho, subm etendo o trabalhador ao exercício de suas atividades sem a prévia realização de exam es m éd icos ad m issionais, sem a u tilização d e eq u ip am en tos de p roteção in d iv id u a l, sem o fo rn ecim en to de ab rigos para p roteção das in tem p éries, u tiliza çã o de alojam entos sem as m ín im as con d ições sanitárias, forn ecim ento de alim entação fora dos padrões m ín im os de qualidade, dentre outros aspectos. A ssim , com b ase n os parâm etros leg a is fix a d o s no art. 149 do C ódigo Penal. p od e-se d efin ir trabalho em con d ição a n áloga à de escravo com o o d esem p en ho de atividade p rofission al m ed iante restrição da liberdade de locom oção e da liberdade de u tiliza çã o das p oten cialid ad es do obreiro (física s e m en tais), e/ou m ediante a su bm issão do obreiro a con d ições inadequadas de h ig ien e, saúde e segurança que afetem a dignidad e do trabalhador. 3 T R A B A L H O E M C O N D IÇ Ã O A N Á L O G A À D E ESC R A V O N A S O C IE D A D E B R A SIL E IR A A TU A L A s circu n stân cias que en v o lv em o trabalho em co n d içõ es an álogas à de escravo no B rasil dem onstram que ex iste um a rede organizada de exploração de trabalhadores com posta, b asicam en te, p elo s aliciad ores de m ão-de-obra (“gatos”), p elo s que d isp o n ib iliza m os lo ca is para p erm an ên cia tem porária dos trabalhadores no seu lo ca l de captação até o seu d eslocam en to ao lo ca l de trabalho (“p en sõ es”), p elo s que u tiliza m a m ão-de-obra escrava (“d onos” ou “grileiros” da terra) e m antêm lo ca is on de são co m ercia liza d o s b en s de con su m o com v a lo res superfaturados (“can tinas”), proporcionando a retenção ilícita do em pregado no lo ca l de trabalho 16 B R I T O F I L H O , J o s é C la u d io M o n te iro . O p . c it., p. 86. Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 se t/d e z 2 0 0 6 95 D O U T R IN A em decorrência de d ívid as ile g a is e in term in áveis em d ecorrência das supostas desp esas com os “g a tos” , “p en sõ es” e “can tinas” . N esse círculo v ic io so , o obreiro tenta pagar as “d ív id a s” contraídas com a sua contratação por m eio do trabalho em co n d içõ es subum anas, porém , com o passar do tem po, não obtém êx ito em razão do crescen te aum ento de seus débitos, haja v ista que não apenas tem que arcar com as despesas ile g a is decorrentes da sua contratação, com o tam bém é obrigado a arcar com as d esp esas do con su m o de produtos para sua su b sistência em v alores exorbitantes, cobrados na “can tina” , e co m o s cu sto s q ue e n v o lv e m a sua a tiv id a d e p r o fissio n a l, in c lu siv e co m os instrum entos de trabalho. Cabe destacar que a atuação d essas organ izações crim in osas in felizm en te é favorecida p ela in efic iên cia do E stado, que, alicerçad o na d esigu ald ad e so cia l e m á distribuição de renda do P aís, não com bate o prin cip al problem a social, qual seja, a m iséria da população. D e qualquer form a, ressalta-se que o M inistério do Trabalho e do Em prego, ju n tam en te com o M in istério P úb lico e a P o líc ia Federal, com p ou cos recursos orçam entários d estinados ao com bate do trabalho em condições análogas à de escravo, v em prom ovendo a libertação e a regularização desses trabalhadores por m eio da ação do Grupo de F iscalização M óvel, conform e dem onstra o quadro a seguir: Q u a d ro R e s u m o d o s R e su lta d o s d a F isc a liz aç ão de C o m b a te ao T rab a lh o E s c r a v o 17 A no N ú m e r o de N ú m e ro T rab alh ad o res O p e raç õ e s de Fazendas R e g istra d o s T rab alh ad o res L ib e rtad o s P a g a m e n to d e In d e n iz aç ã o F iscalizad as 17 2006* 23 44 1.2 8 9 922 1 .9 0 6 .3 4 0 ,5 8 2005 84 188 4 .2 1 8 4 .3 1 0 7 .5 8 4 .4 2 0 ,6 6 2004 72 275 3 .6 4 3 2 .8 8 7 4 .9 0 5 .6 1 3 ,1 3 2003 66 187 5 .9 8 5 5 .0 9 0 6 .0 8 5 .9 1 8 ,4 9 2002 30 85 2 .8 0 5 2 .2 8 5 2 .0 8 4 .4 0 6 ,4 1 2001 26 149 2 .1 6 4 1.3 0 5 9 5 7 .9 3 6 ,4 6 2000 25 88 1.1 3 0 516 4 7 2 .8 4 9 ,6 9 1999 19 56 725 D is p o n ív e l e m : < w w w .m te .g o v .b r /i n f o r m a tiv o s /s it/s i t_ in f o r m a _ a b o lic a o l.h tm >. A c e s s o e m : 2 1 j u n . 2006. 96 R e v T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , s e t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A Ano N ú m e r o de N ú m e ro T rab alh ad o res O p e raç õ e s de Fazendas R e g istra d o s T rab alh ad o res L ib e rtad o s P a g a m e n to de In d e n iz aç ã o F iscalizad as 1998 18 47 159 1997 20 9S 394 1996 26 219 425 199S 11 77 84 Total 420 1.5 1 0 2 1 .2 3 4 1 9 .1 0 2 2 3 .9 9 7 .4 8 5 ,4 2 * A tu a liz a d o e m 1 7 .0 5 .2 0 0 6 . A Justiça do Trabalho tam bém v em assu m ind o im portante papel no com bate à u tilização do trabalho em con d ição an áloga à de escravo por m eio da fixação, em ações civ is p ú b licas ou co letiv a s ajuizadas p elo M in istério P úb lico do Trabalho, de severas con d en ações de ordem p ecu n iária (m u ltas e de in d en iza çõ es p elo s danos causados ao trabalhador e a sociedade). N e s s e a sp e c to , J orge A n tô n io R a m o s V ieira co m e n ta q u e “ a sa n çã o p ecu n iária assu m e relevo fu n d am en tal para errad icação do trabalho escravo, p o is q u eb ra a lu c r a tiv id a d e d e s s e tip o d e e m p r e e n d im e n to c r im in o so e im p õ e ob servân cia da le g isla ç ã o trabalhista, im p ed in d o que o trabalhador con tin u e a ser en ten d id o co m o m eio de g a n h o fá cil, n a m ão d a q u eles que p en sa m estar acim a das leis. Im põe ain da aos d on os da terra resp on sab ilid ad e so cia l para com seu s em p regados, eis que, por força de m ed id as ju d icia is, in clu siv e lim in ares, são ob rigad os a resp eitar os d ireitos d os trab alhad ores, com fisca liza ç ã o efetiv a do cu m prim ento das d ecisõ es do E stad o-Ju iz, co m a p a rticip ação do M in istério P ú b lico do Trabalho, E q u ip e d e F isc a liza çã o M ó v el do M in istério do Trabalho e do E m p rego e P o líc ia F ederal, que acom p anh am e atuam nas ch am adas varas m ó v eis da Ju stiça do T rabalho” 18. V erifica -se, p ortanto, que n este m o m en to d e rep ressão das p ráticas de exp loração do trabalho em con d ição an áloga à de escravo, é im portante a ação fisca liza tó ria do M in istério P úb lico do Trabalho, do M in istério do Trabalho e do E m prego e da P o lícia Federal, com o tam bém é im portante a p restação ju risd icion al rápida e efica z da Justiça do Trabalho. Entretanto, para efetiva solu ção d essa chaga social, torna-se f undam ental a ação conjunta da socied ade e do E stado em b usca da concreta solu ção do problem a, que con siste na d im inu ição das desigu ald ades sociais a partir da equânim e distribuição das riquezas produzidas em n osso País. 18 V I E I R A , J o r g e A n tôn io R a m o s . T r a b a lh o e s c ra v o : q u e m é o e s c ra v o , q u e m e s c r a v iz a e q u e m lib e rta . D is p o n ív e l e m : < w w w .o it.o r g .b r/tra b a lh o _ fo r c a d o /b ra s il/d o c u m e n to s /a m b _ e s c ra v o s .p d f b . A c e s s o em : 22 ju n . 2 006. Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 97 D O U T R IN A 4 D A N O M O R A L D E C O R R E N T E D O T R A B A L H O E M C O N D IÇ Ã O A N Á L O G A À D E ESC RA V O A o lado das condutas que provocam lesõ es ao p atrim ônio m aterial, existem ações que apenas v io la m valores, sentim en tos ou direitos p erson alíssim os que não p ossu em eq u ivalên cia econ ôm ica, d esencadeand o o dano de natureza m oral na vítim a. O dano m oral é con ceituad o por W alm ir O liveira da C osta com o “aquele que atin ge o ser hum ano em seus valores m ais ín tim os, cau san d o-lh es lesõ es em seu patrim ônio im aterial, com o a honra, a boa fam a, a d ignidade, o n om e etc., bens esses que, em sua essên cia , isto é, con sid erados em si m esm os (do p onto de v ista o n to ló g ico ), não são su scetív eis de aferição econ ôm ica, m as, sim , seus efeito s ou reflexos na esfera lesad a” 19. A n ton io Jeová Santos d efin e dano m oral com o a “alteração no bem -estar p sico físico do in divídu o. Se do ato de outra p esso a resultar alteração desfavorável, aquela dor profunda que cau sa m od ificações no estado a n ím ico ”20. O dano m oral, portanto, é a lesão sofrida p ela v ítim a de natureza extrapa trim onial, afetando o s valores, os sentim entos e os direitos p erson alíssim os inerentes ao h om em , com o a liberdade, a igualdade, a segurança, o bem -estar, a cidadania, a dignidade hum ana, a vid a, a intim idade, a honra, a im agem , dentre outros que, em bora não p ossuam eq u ivalên cia econ ôm ica, são objetos da tutela jurídica. O sentido abstrato da d efinição do dano m oral p ode erroneam ente dem onstrar que qualquer incôm odo de caráter p essoal ou o sim p les m al-estar p ossam caracterizar a ocorrência da lesão de natureza m oral. O bserva-se que no co n v ív io so cia l, in clu siv e no d esem p en ho das relações trab alhistas, é com u m su rgirem p eq uenas d iscu ssõ es ou cob ran ças que apenas caracterizam — se co m o sim p les d esco n fo rto e, por co n seg u in te, n ão ch eg a m a dem onstrar a ex istên cia do dano m oral. N e ss e sen tid o, A n to n io Jeová S antos com en ta que, “con q uan to ex ista m p essoas cuja suscetibilidade aflore na epiderm e, não se pode considerar que qualquer m al-estar seja apto para afetar o âm ago, causando dor espiritual. Q uando alguém d iz ter sofrido prejuízo espiritual, m as este é con seq ü ên cia de u m a sensibilidad e exagerada ou de um a su scetibilidad e extrem a, não ex iste reparação. Para que exista dano m oral é n ecessário que a ofen sa ten ha algu m a grandeza e esteja revestida de certa im portância e gravidade”21. M arcus V in íciu s Lobregat tam bém com enta que “não é qualquer alegação de dor ín tim a e/o u de suposta o fen sa sofrida que caracteriza a ex istên cia de dano 19 20 21 98 C O S T A , W a lm ir O liv e ir a da. D a n o m o r a l n a s r e la ç õ e s la b o r a is . C u r itib a : J u r u á , 1 9 9 9 . p. 33. S A N T O S , A n to n io J e o v á . D a n o m o r a l in d e n iz á v e l. 3. ed. S ã o P a u lo : M é to d o , 2 0 0 1 . p. 100. Op. cit., p. 120. Rev. T S T , Brasília, v o l. 7 2 , n º 3 , s e t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A m oral, ou a ocorrência de efetivo p rejuízo extrapatrim onial. Para tanto, entendem os que é n ecessário que a ofen sa ao patrim ônio m oral do in divídu o v en h a acarretar- lh e u m a perturbação p sico ló g ica geradora de an gústia e de alteração com portam en ta l”22. D e sse m odo, v erifica -se que o dano m oral, com o prejuízo de ordem extrapa trim onial, caracteriza-se p ela efetiva repercussão no p sico ló g ico e no com portam ento da vítim a, que p assa a sentir sen sações de dor, angústia, in felicid ad e, im potência, m enosprezo, com o tam bém passa a agir de form a desordenada, insegura, apática, de m odo a dem onstrar que a lesã o efetivam en te afetou os valores, os sen tim en tos e os direitos p erson alíssim os inerentes ao hom em . O bserva-se que o dano m oral pode afetar o in d ivíd u o e, con com itantem ente, a coletivid ad e, haja v ista que os va lo res éticos do in d ivíd u o p odem ser a m plificados para a órbita coletiva. X isto T iago de M ed eiro s N e to co m en ta q ue “n ão a p en as o in d iv íd u o , isoladam en te, é dotado de determ inado padrão ético, m as tam bém o são os grupos sociais, ou seja, as coletivid ad es, titulares de direitos tran sin dividu ais. A sim p les observação da orbe so cia l dem onstra, com clareza, que determ inadas coletivid ad es com u ngam de in teresses id eais, cuja tradução se con cretiza em valores afetos à d ignidad e ed ificada e com partilhada no seu âm bito, por todos os in tegran tes”23. N essa perspectiva, v erifica -se que o trabalho em co n d içõ es an álogas à de escravo afeta individualm ente o s valores do obreiro e propicia negativas repercussões p sico ló g ica s em cada u m a das v ítim as, com o tam bém , con com itantem ente, afeta valores difu sos, a teor do art. 81, parágrafo ú n ico, in ciso I, da L ei n° 8 .0 7 8 /1 9 9 0 , haja v ista que o trabalho em con d ição an áloga à de escravo atin g e objeto in d iv isív el e sujeitos indeterm inados, na m ed ida em v io la os preceitos con stitu cion ais, com o os p rin cíp ios fundam entais da d ignidad e da p essoa hum ana (art. 1°, in ciso III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1°, in ciso IV ), de m odo que não se pode d eclinar ou quantificar o núm ero de p essoas que sentirá o abalo p sico ló g ico , a sen sação de angústia, desprezo, in felicid ad e ou im p otên cia em razão da v io la çã o das garantias con stitu cion ais causada p ela barbárie do trabalho escravo. A n alisan d o casos concretos, v erifica -se, por exem p lo, que a ação realizada p elo Grupo de F isca liza çã o M ó v el com p osto p elo M in istério P úb lico do Trabalho, do M in istério do Trabalho e do E m prego e da P o lícia Federal, no interior da B ahia, con statou que os trabalhadores su bm etid os a co n d içõ es a n á lo g a s à d e escravo receb iam p ou ca a lim en ta çã o e, ain da, de p éssim a q ualid ad e, cau san d o várias enferm idades nos trabalhadores, conform e consta n o relatório do m éd ico do trabalho integrante da equipe de fiscalização: “In ú m ero s em p re g a d o s e stã o a p resen ta n d o q uad ro d e d ia rréia san guin olenta, vô m ito s e não con segu em se alim entar. R essaltam os que a 22 L O B R E G A T , M a r c u s V in íc iu s . D a n o m o r a l n a s r e la ç õ e s d e tr a b a lh o . S ã o P a u lo : LTr, 2 0 0 1 . p. 4 4 . 23 M E D E I R O S N E T O , X is to T ia g o de. D a n o m o r a l c o le tiv o . S ã o P a u lo : LTr, 2 0 0 4 . p. 137. Rev. T S T , Brasília, v o l. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 99 D O U T R IN A qualidade da com id a servida, quando de n o ssa p rim eira vistoria, era de p é s s im a q u a lid a d e e e m q u a n tid a d e in s u fic ie n te p ara s a tis fa z e r as n ecessid ad es dos em pregados. A alim entação servida era con feccion ad a sem qualquer con trole ou h ig ie n e e os em p regad os tin h a m os seu s pratos e m arm itas com com id as exp ostas à ação de poeira, fum aça e m oscas. E ste conjunto de fatores nos levou a tem er por u m a ep id em ia.”24 E m outra ação, realizada p elo Grupo de F isca liza çã o M óvel no sul do Pará, tam bém se constatou que os trabalhadores subm etidos a co n d içõ es an álogas à de escra v o eram cerc ea d o s d e d iv e r so s d ire ito s fu n d a m en ta is fix a d o s n o T ex to C onstitucion al, con form e con sta no relatório do M in istério P úb lico do Trabalho: “F om os verificar as co n d içõ es colocad as à d isp osição dos trabalha dores contratados para o desm atam ento florestal. L á ch egan d o, pudem os constatar que os trabalhadores contratados não tinh am direito: a) a consum irem à água encanada, p ois eram im p in gid os a consum ir água, tom ar banho, lavar roupas e lou ça n um igarapé situado m uito próxim o ao barraco onde dorm iam ; b) a dorm ir em alojam entos com paredes construídas de alvenaria de tijolo com um , em con creto ou m adeira, p o is ficavam alojados num barraco rústico, ed ificad o com troncos de m adeiras fin cad os no chão, sem proteção lateral e coberto de p lástico preto, adquirido p elo s próprios trabalhadores; c) à in tim id a d e, u m a v e z q u e co m p a rtilh a v a m o b arraco o n d e dorm iam com tod os os trabalhadores, in clu siv e, com u m a fa m ília com posta por um casal e m ais cin co crianças (m oradia coletiva); d) à in stalação sanitária, sendo obrigados a realizar suas n ecessid ad es fisio ló g ica s no ‘m a to ’ a céu aberto, sem as m ín im as con d ições de h igien e; e) a u m a co zin h a equipada para preparem o alim ento, p ois o fogão era de pedra feito no chão; f) a u m refeitório, p ois con su m iam os alim entos produzidos n o próprio barraco no chão ou em tronco de árvores.”25 C om b a se n a a n á lise d os rela tó rio s d os G rupos de F isc a liz a çã o M ó v el supram encionados, verifica -se que as con d ições degradantes e subum anas a que são subm etidos o s trabalhadores, com o a precariedade da alim entação, das con d ições san itárias e d os alojam en tos, efetiv a m en te v io la m a d ig n id a d e e as garan tias con stitu cion ais conferidas ao trabalhador no âm bito in d ivid u al e coletivo, d esen cadeando, por v ia de con seqü ên cia, dano m oral in d ividu alm en te no trabalhador e co letivam en te na sociedade. 24 D is p o n ív e l e m : < w w w .o it.o r g .b r /tr a b a lh o _ f o r c a d o /b r a s il/d o c u m e n to s /i n ic ia l_ a n to n io _ in a c ia .p d f > . 25 O r e la tó r io é p a r te in te g r a n te d o P r o c e s s o no 1 6 9 3 /2 0 0 3 q u e t r a m i t a n a M M a V a ra d o T r a b a lh o de A c e s s o e m : 21 j u n . 2 0 0 6 . P a ra u a p e b a s /P A . 10 0 Rev. T S T , Brasília, v o l. 7 2 , n º 3 , s e t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A D e sse m odo, resta dem onstrado que o trabalho em con d ição an áloga à de escravo propicia, concom itantem ente, dano m oral de natureza individual, que p ossui com o titular o próprio obreiro v ítim a das con d ições subum anas de trabalho, e dano m oral de natureza co letiv a de titularidade da sociedade. Cabe destacar que o dano m oral, com o v io la çã o dos sentim en tos, va lo res e d ireitos p erso n a líssim o s do h om em e da socied ade, não p ossib ilita a recom p osição da v ítim a ao estado anterior ao da lesão, o que torna extrem am ente d ifícil a u tilização de m eca n ism o s de com p en sação p ela afetação dos b en s im ateriais. A in d en ização do dano m oral surge com o instrum ento capaz de abrandar o sofrim ento da vítim a, por m eio de com p en sação p ecu n iária e/ou do recon hecim ento em p úb lico p elo agressor da in o cên cia do ofen did o, com o tam bém se caracteriza p ela natureza p ed agógica, na m ed ida em que a fix a çã o da in d en ização por dano m oral tam bém objetiva in ib ir n ovas práticas ofen sivas. C aio M ário da S ilva Pereira com enta que a função da in d en ização do dano m oral con verge para “duas forças: caráter p un itivo, para que o causador do dano, p elo fato da con d en ação, se veja castigad o p ela ofen sa que praticou, e o caráter com pensatório para a v ítim a, que receberá u m a som a que lh e proporcione prazeres com o contrapartida do m al sofrido”26. A reparação do dano m oral, con soan te A n ton io Jeová Santos, pode ocorrer in n a tu ra , no prim eiro caso de danos contra a honra ou erros com etid os por órgãos de com u nicação, em que a v ítim a p ode entender com o su ficien te a p ub licação da retratação, ou in p e c u n ia , em que a reparação do dano m oral ocorre por m eio do pagam ento em dinheiro27. N a prática, verifica-se que a elaboração de notas de desagravo ou de retratação p úb lica apenas é u tilizad a quando o dano m oral decorre de injúria, d ifam ação ou ca lú n ia , e p o ssu i p o u ca ou n en h u m a e fic á c ia n a restauração do d an o, o que im p u lsio n a a u tiliz a ç ã o da rep aração p ecu n iá ria co m o o m elh o r m e io para efetivam en te com pensar a v ítim a p elo dano m oral. A C onstituição Federal de 1988, com o form a de m elh or garantir a reparação da v ítim a de dano m oral, recon h eceu a p o ssib ilid a d e da adoção cu m ulativa da reparação in2na tu ra , por m eio do direito de resposta, e da reparação in 2 p e cu n ia , por m eio da in d en ização pecuniária (art. 5o, in ciso V 28). Sobre a m aior viab ilid ad e da reparação in p e c u n ia do dano m oral, M aria H elen a D in iz com enta que “a reparação do dano m oral é, em regra, pecuniária, ante a im p ossib ilid ad e do ex ercício do j u s v in d ic a ta e , v isto que ele ofen deria os p rin cíp io s da c o e x istê n c ia e da p a z so cia is. A reparação em d in h eiro v ir ia a n eu tra liza r o s se n tim en to s n e g a tiv o s d e m á g o a , dor, tristeza , a n g ú stia , p ela 26 P E R E I R A , C a i o M a r io d a S ilv a . R e s p o n s a b il id a d e c iv il. 2. ed. R io d e J a n e ir o : F o r e n s e , 1 9 9 0 . p. 62 . 27 O p . c it., p. 1 7 1 -1 7 4 . 28 “ A rt. 5 o [...]. V - E a s s e g u r a d o o d ir e ito d e r e s p o s ta p r o p o r c io n a l a o a g r a v o , a lé m d a in d e n iz a ç ã o p o r d a n o m a te r ia l, m o r a l o u à i m a g e m .” Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 101 D O U T R IN A su p erven iên cia de sen sações p ositivas, de alegrias, satisfação, p o is p ossib ilitaria ao ofendido algu m prazer, que, em certa m edida, poderia atenuar seu sofrim ento. Ter-se-ia, então, com o já d issem os, um a reparação do dano m oral p ela com pensação da dor p ela alegria. O d inh eiro seria tão-som en te u m len itiv o , que facilitaria a aquisição de tudo aquilo que p ossa concorrer para trazer ao lesado um a com pensação por seus sofrim entos”29. N o B rasil, ad ota-se, com o regra geral, o sistem a aberto para fix a çã o da in d en ização por dano m oral. O critério aberto ou por arbitram ento para q uantificação econ ôm ica do dano m oral con siste na in d ivid u alização da reparação da ofen sa por m eio da ap licação de elem en to s subjetivos estab elecid os prudentem ente p elo m agistrado. O critério por arbitramento encontra-se expressam ente reconhecido p elo novo C ódigo C ivil, que estabelece de form a clara que “se o ofendido não puder provar prejuízo m aterial, caberá ao ju iz fixar, eqüitativam ente, o valor da indenização, na conform idade das circunstâncias do caso” (art. 953, parágrafo único). O C ódigo de Processo C ivil tam bém estabelece que a quantificação econôm ica da lesão im aterial, com o é o caso do dano m oral, deve ser realizada por arbitram ento em razão da própria natureza do objeto da liq u idação (art. 6 0 6 , in ciso II). A n alisan d o esp ecificam en te a ap licação da liq u idação da lesã o m oral por arbitram ento, v erifica -se que o ju iz d eve u tiliza r-se de toda a sua sensibilidad e com o ser hum ano e com o m agistrado para externalizar o ju sto valor da reparação pecuniária, ou seja, d eve sopesar elem en tos com o a d im ensão da repercussão do dano, os p reju ízos cau sad os p elo abalo m oral nas relações fam iliares e so cia is, o alcance econ ôm ico do valor da condenação na v id a da v ítim a e do ofensor, a situação que en sejou o dano (conduta culposa, d olosa ou a cidental), dentre outros elem en tos próprios do caso concreto. O arbitram ento da in d en ização do dano m oral ex ig e do m agistrado, portanto, a fixação de estim ativa prudente e equânim e, de m odo que o q u a n tu m da indenização d eve conjuntam ente com pensar o abalo (p sico ló g ico e com portam ental) da vítim a se m se tran sform ar em fo n te d e e n riq u ecim en to ilíc ito , co m o ta m b ém d eve d esestim u lar a prática de n ovas condutas d anosas sem causar a ruína do ofen sor ou a frustração do ofendido. N e ss e sen tid o , R u i Stoco co m en ta q ue, “n a h ip ó tese em que a le i não estab elece os critérios de reparação, im p õ e-se ob ed iên cia ao que p od em os cham ar de ‘b in ôm io do eq u ilíb rio ’, de sorte que a com p en sação p ela o fen sa irrogada não deve ser fonte de enriquecim ento para quem recebe, n em cau sa de ruína para quem dá. M as tam bém não p ode ser tão in sig n ifica n te que não com p en se e satisfaça o ofen did o, n em co n so le e contribua para a superação do agravo recebido” 30. 29 D I N I Z , M a r ia H e le n a . C u r s o d e d ir e ito c iv il. R e s p o n s a b il id a d e c iv il. 9. ed. S ã o P a u lo : S a r a iv a , v. 7, 30 S T O C O , R ui. T r a ta d o d e r e s p o n sa b ilid a d e civil. 6. ed. S ã o P a u lo : R e v is ta dos T rib u n a is, 2 0 0 4 . p. 1709. 1 9 9 5 . p. 75. 10 2 Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 D O U T R IN A O s c rité rio s b ásico s d e o rie n ta ç ã o do ju iz p a ra fix aç ão do v a lo r d a re p a ra ção p o r a rb itra m e n to , d e ac o rd o co m d o u trin a d o re s co m o X isto T iag o d e M e d eiro s N e to 31 e M a rc u s V in íc iu s L o b re g a t32, asse n ta m -se , d e m o d o g e ra l, n a observação d o s se g u in te s fato res: 1) a in te n sid a d e d a d o r so frid a p elo o fen d id o , le v an d o em c o n sid eraç ão a p esso a q ue re c la m a a in d e n iz a ç ã o , su a p o siç ão social, seu g ra u de ed u c aç ão e te m p e ra m e n to , seus p rin c íp io s m o ra is e relig io so s, o m e io am b ie n te em q u e se d eu a o fe n sa e no q u e e la rep e rc u tiu , b e m com o a in flu ê n c ia q ue te ria a o fen sa se p ro d u z id a n u m a p esso a d e p a d rã o m é d io (n o rm a lid a d e); 2) a g rav id ad e, a n a tu re z a e a rep e rc u ssão d a o fen sa, se su rtiu efeito s so m e n te n o âm b ito do d ireito c iv il o u se ta m b é m g e ro u c o n seq ü ê n cia s n a esfe ra c rim in a l, d ev en d o se r d e m a io r v a lo r a p a rc e la in d e n iz a tó ria n esse ú ltim o caso; 3) a in te n sid a d e do dolo o u o g rau d e c u lp a re sp o n sá v e l p e la lesão ; 4) a situ aç ão e c o n ô m ic a do ofensor, d e ta l fo rm a q u e o v a lo r d a in d e n iz a ç ã o n ão c o n s titu a fa to r d e e m p o b re cim en to in d ev id o ; 5) a e x istê n c ia d e re tra ta ç ã o ou d e sm en tim en to , com o m e io d e m in o ra r a lesão ca u sa d a ao ofen d id o . N o caso esp ecífico d a le são m o ra l p ro v e n ie n te d e su b m issão do tra b a lh a d o r a co n d içã o a n á lo g a à d e escravo, seja essa d e n a tu re z a in d iv id u a l o u d e n a tu re z a co letiv a, en te n d o q u e o m a g istra d o , p a ra a rb itra r o v a lo r d a in d e n iz a ç ã o , deve, b a s ic a m e n te , a n a lis a r a g ra v id a d e d a lesão (as co n d içõ es su b u m a n a s a q ue são su b m e tid o s tra b a lh a d o re s, a e x istê n c ia d e e n fe rm id a d e s e n tre os o b reiro s e suas p o ssív eis seq ü elas n a in te g rid a d e físic a); a d im e n sã o do ab a lo p síq u ic o (v erific a r a m a n ife sta ç ã o e n tre os tra b a lh a d o re s d e d istú rb io s p sic o ló g ic o s co m o d ep ressão , sín d ro m e do p ân ico , d e n tre o u tras); os asp ecto s p esso ais d a v ítim a (id ad e, sexo, situ aç ão fam iliar, g ra u de in stru ç ã o etc.); as c irc u n stâ n c ia s do ev en to d an o so (form a d e a lic ia m e n to d a m ão -d e -o b ra, m a n u te n ç ã o d e lo c ais o n d e são c o m ercia liz ad o s b e n s de co n su m o co m v a lo re s su p e rfa tu ra d o s), e a situ aç ão e c o n ô m ic a do o fen so r (e stru tu ra fin a n c e ira do e m p re e n d im e n to eco n ô m ico c a u sa d o r do dano). A ssim , a re p a ra ç ã o p e c u n iá ria do d a n o m o ra l in d iv id u a l re v e rte p a r a o p ró p rio tra b a lh a d o r v ítim a d a su b m issão às co n d içõ es a n á lo g a s d e escrav o , e a re p a ra ç ã o do d a n o m o ra l coletivo, e m ra z ã o d e p o ssu ir objeto in d iv isív e l e sujeitos in d e te rm in a d o s, rev e rte -se e m b en e fício d e to d a a so cied ad e p o r m e io do d ep ó sito d a co n d e n aç ão p e c u n iá ria n o F u n d o de A m p a ro ao T ra b a lh a d o r (FAT). R E F E R Ê N C IA S B IB L IO G R Á F IC A S B Í B L I A S A G R A D A . 2. ed. T ra d u z id a e m p o r tu g u ê s p o r Jo ã o F e rre ira d e A lm eid a . S ão P a u lo : S o c ied a d e B íb lic a d o B ra sil, 1 9 9 3 . B A S T O S , G u ilh e rm e A u g u s to C a p u to . T rab a lh o escrav o : u m a c h a g a h u m a n a . R e v is ta L T r, S ão P a u lo : LTr, a. 7 0 , m ar. 2 0 0 6 . 31 M E D E I R O S N E T O , X is to T ia g o de. D a n o m o r a l c o le tiv o . S ã o P a u lo : LT r, 2 0 0 4 . p. 81. 32 O p . cit., p. 122. Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6 10 3 D O U T R IN A B R I T O F IL H O , Jo s é C la u d io M o n te iro . T r a b a lh o d e ce n te . A n á lis e j u r íd i c a d a e x p lo r a ç ã o d o tra b a lh o - tra b a lh o fo rç a d o e o u tra s fo rm a s d e tra b a lh o in d ig n o . S ão P a u lo : LTr, 2 0 0 4 . C O S T A , W a lm ir O liv e ira da. D a n o m o r a l n a s re la ç õ e s la b o ra is. C u ritib a: J u ru á , 1999. D IN IZ , M a r ia H e le n a . C u rs o d e d ire ito civil. R e s p o n s a b ilid a d e civil. 9. ed. S ão P a u lo : S araiv a, v. 7 , 19 9 5 . L O B R E G A T , M a r c u s V in íciu s. D a n o m o r a l n a s r e la ç õ e s d e tr a b a lh o . S ão P a u lo : LTr, 2 0 0 1 . M E D E I R O S N E T O , X is to T iag o de. D a n o m o r a l c o le tiv o . S ão P a u lo : LTr, 2 0 0 4 . O L E A , M a n o e l A lo n s o . D a e s c r a v id ã o a o c o n tr a to d e tra b a lh o . C u ritib a: J u ru á , 1990. P E R E I R A , C a io M a rio d a Silva. R e s p o n s a b ilid a d e civil. 2 . ed. R io d e Jan eiro : F o re n se , 1990. R A B E N H O R S T , E d u a r d o R a m a lh o . D ig n id a d e h u m a n a e m o r a lid a d e d e m o crá tic a . B rasília: B ra sília Ju ríd ica , 2 0 0 1 . S A N T O S , A n to n io Je o v á . D a n o m o r a l in d e n izá v e l. 3. ed. S ão P a u lo : M é to d o , 2 0 0 1 . S A R L E T , I n g o W o lf g a n g . D ig n id a d e d a p e s s o a h u m a n a e d ire ito s fu n d a m e n ta is n a C o n stitu i ç ã o F e d e r a l d e 1 9 8 8 . P o r to A leg re: L iv ra ria d o A d v o g a d o , 2 0 0 1 . S E G A D A S , V ia n a e t al. I n s titu iç õ e s d e d ire ito d o tr a b a lh o . 17. ed. S ão P a u lo : LTr, v. I, 19 9 7 . S T O C O , R u i. T r a ta d o d e r e sp o n s a b ilid a d e civil. 6. ed. S ão P au lo : R e v is ta d o s T rib u n ais, 2 0 0 4 . V IE IR A , Jo rg e A n t ô n io R a m o s . T ra b a lh o e sc ra v o : q u e m é o e s c ra v o , q u e m e s c ra v iz a e q u e m liberta. D isp o n ív el em: < w w w .o it.o rg .b r/trab alh o _ fo rcad o /b rasil/d o cu m en to s/am b _ escrav o s.p d f.> S ite s consultados: < w w w .m j.g o v .b r> < w w w .m te.g o v .b r> < w w w . o it.o rg .b r> 1 04 Rev. T S T , Brasília, vol. 7 2 , n º 3 , se t/d e z 2 0 0 6