Distritos de Inovação: Contemplando a Classe Criativa em Parques Tecnológicos Cesar Augusto Vieira de Mello1 Patricia Alencar Silva Mello2 RESUMO Uma nova espécie de ambiente inovativo, denominado distrito de inovação, vem se consolidando. Trata-se de um arranjo imobiliário pensado para atender aos anseios da nova classe criativa, a mesma que vem pressionado a adaptação dos parques tecnológicos situados nos Estados Unidos para se transformarem em ambientes sustentáveis onde os usuários work, live and play. Inspirado em casos como o The Research Triangle Park, o presente artigo argumenta ser preciso repensar os parques tecnológicos brasileiros para que se estruturem como distritos de inovação, a exemplo do que vem ocorrendo na atual fase de expansão do Parque Tecnológico de São José dos Campos. PALAVRAS CHAVES: parque tecnológico; distrito de inovação; classe criativa. ABSTRACT A new kind of innovative environment called innovation district has been consolidated. It is a real estate arrangement designed to meet the needs of the new creative class of the United States science parks that demand a sustainable environment in which their users work, live and play. Inspired by The Research Triangle Park, this article argues that it’s essential to rethink the Brazilian Science Parks in order to transform them in innovation districts, according to what has ben done in the expansion project of the Technology Park of São José dos Campos. KEYWORDS: Science park; innovation district; creative class. 1 2 Empreendedor imobiliário, Imobiliária Mello, São Paulo. [email protected] Doutoranda em Administração Pública e Governo da FGV/SP. [email protected] 1. Introdução Frequentemente a mídia de diferentes países anuncia feitos alcançados por parques tecnológicos ou o lançamento de projetos para implantá-los. Especialmente após a crise financeira global vivenciada em 2008, tornou-se lugar-comum a aposta de diferentes países, principalmente os Estados Unidos, na inovação e em ambientes inovativos para o incremento da economia e do índice de empregabilidade nas regiões em que se situam. É também nos Estados Unidos que uma nova forma de pensar parques tecnológicos vem se consolidando, os distritos de inovação. Estes constituem-se como arranjos imobiliários que além de contar com os elementos da chamada tríplice hélice - academia, setor privado e governo - e almejar a transformação do conhecimento em desenvolvimento, por meio de atividades fundadas em ciência, tecnologia e inovação, pretendem a formação de ambientes sustentáveis em que seus usuários, a chamada classe criativa, work, live and play. O presente artigo pretende explorar esse novo movimento partindo da literatura que explica o fenômeno da formação de um novo estilo de vida eleito pela chamada classe criativa que privilegiam esses distritos de inovação. 2. A transformação espacial da classe criativa e os distritos de inovação FLORIDA (2011) investiga o fenômeno sociedade do conhecimento, enfatizando não o caráter determinante desse processo, mas o que estaria por detrás dele. “A força motriz é a ascensão da criatividade humana como agente central da economia e da vida em sociedade.” Segundo ele, não vivemos em uma economia da inovação ou da informação, mas em um economia movida pela “criatividade humana”. As “transformações” atuais “não são impostas pela tecnologia, elas são consequência de mudanças graduais no comportamento humano”, que requerem uma nova “geografia social e econômica”, “uma nova solução espacial, uma nova geografia para trabalhar e viver” e que seja capaz de “atrair e reter” indivíduos criativos (FLORIDA, 2010). Esta percepção tem consonância com os denominados “terceiros espaços” da sociedade moderna, que engloba espaço de convívio social e em que ocorrem os chamados “laços fracos” que impulsionam a “disseminação da inovação”, funcionando como “pontes pelas quais circulam as ideias e o conhecimento”. Essas redes proporcionam a conexão de variados grupos, “rompendo o isolamento de clusters sociais” e criando condições necessárias e favoráveis para “fluir novas ideias” (FLORIDA, 2011). Os distritos de inovação representam a expressão geográfica desta transformação espacial. Eles também são “fisicamente compactos, acessíveis e oferece um uso misto de habitação, escritórios, comércio e lazer” (BROOKINGS, 2014). Estão reconfigurando antigos parques tecnológicos que se estabeleceram distantes dos centros urbanos e que ignoraram, quando projetados, o aspecto humano e a diversidade urbana pensada por JACOBS (2011). Nesse sentido, argumenta-se que parques tecnológicos para serem bem sucedidos precisam estruturar-se já em sua concepção como distritos de inovação, em que além de contar com academia de primeira linha, sistema de inovação e comunidade envolvida, precisa pensar na característica multiuso para que a classe criativa nele situada se sinta atraída a ali permanecer. 2. O caso The Research Triangle Park (RTP) Considerado referência para outros parques tecnológicos no mundo, este ambiente nasceu da iniciativa pública em parceria com a privada em 1959. Conta com 28.000.000 m2, com 2.140.000 m2 de área construída, 170 empresas e 38.000 trabalhadores. O projeto é dividido em grandes lotes com amplas áreas verdes que causam isolamento natural entre as empresas. Nada obstante haver o entorno de seu perímetro se estruturado de modo a oferecer serviços, residências e comércio, estas comodidades estão dispersas dada a enorme área que o parque ocupa. Tem ficado evidente para seus dirigentes que a inexistência dentro do perímetro do RTP dos elementos que criam a atmosfera humana, vem provocando a perda de interessados nesse parque, já que há um movimento de atração desses para outros ambientes vizinhos que oferecem esta concentração de comodidades como Durham e o Cenntennial Campus. Em razão disso, após 50 anos de existência, está sendo promovida a primeira remodelação direcionada a um distrito de inovação. Para tanto foi recomprada, em 2012, uma área de 450.000m2. Esse projeto, denominado “Park Center”, consiste em criar um núcleo policêntrico, concentrado na vida. Apostam na criação de um distrito de inovação com projetos comerciais, empresariais, lojas, lazer e serviços e a construção de até 1.400 unidades habitacionais. 3. O caso Parque Tecnológico São José dos Campos (PqTec) O PqTec foi fundado em 2006 encontra-se em áreas que foram sendo adquiridas pelo poder público municipal entre os anos de 2006 e 2008, totalizando atualmente 1.547.000m2. 87% já foram destinadas para o funcionamento do núcleo, instalação de empresas, instituições âncoras e formação dos campi universitários. O PqTec ingressou na terceira e última fase das três estruturadas por STEINER et Al. (2008), sendo a primeira fase concluída com a instalação da entidade gestora, implantação inicial do projeto viário, implantação de três dos seis Centros de Desenvolvimento de Tecnologias (CDTs) hoje existentes, do Centro Empresarial I e a unidade da FATEC. A etapa de consolidação, a segunda, foi caracterizada pela ampliação do sistema viário, intensificação da instalação de empresas, implantação de mais três CDTs e concretização dos campi universitários da FATEC e da UNIFESP, além da consolidação da presença de inúmeros outros players. A terceira, a expansão, “incluirá ações de desenvolvimento urbano da ZEPTEC”. Os 25 milhões de m² de seu entorno serão estruturados até as “décadas de 2030 e 2040” para receber uma população de 30.000/40.000 pessoas, criando o que vem sendo chamando de “tecnópolis do futuro”. O objetivo é estruturar ali um distrito de inovação em conformidade com o atual projeto de expansão que está sendo desenvolvido pela iniciativa privada com apoio do PqTec. Em uma área de 310.000m2, que contará com um parque ambiental e áreas de lazer com 90.000m2, será criado um ambiente sedutor para a interação das pessoas. Esse projeto abarca residências, áreas comerciais, empresariais e industriais para manufatura de alta tecnologia. 4. Conclusão Apesar de a característica imobiliária ser crucial na concepção de parques tecnológicos, não se tem enfatizado, no Brasil, a importância de seu planejamento urbano enquanto “atmosfera humana”. É preciso olhar para além dos atores da tríplice hélice e encontrar as saídas para contemplar as exigências da classe criativa, principal usuária desses parques. Se essa não for atraída e retida em seu interior, a sobrevivência dos parques tecnológicos pode ser ameaçada, a exemplo do que vem ocorrendo nos Estados Unidos. Observou-se que mesmo os parques tecnológicos, em cujo entorno implantaram-se algumas facilidades, não mais estão satisfazendo as expectativas de seus ocupantes. Isso porque esses esperam encontrar, dentro de seu perímetro de ação direta, os elementos de forma concentrada que o caracterizam como um “distrito de inovação”, com meios capazes de estimular a intensa proximidade entre seus ocupantes de forma sustentável. Em suma: os parques tecnológicos para servirem de instrumentos indutores do desenvolvimento socioeconômico e inovativo de uma sociedade, devem ser preconcebidos como promotores da “atmosfera humana” proposta por FLORIDA (2011), de todos os “terceiros espaços” de Oldenburg, em que se fortalecerão os “laços”, fracos e fortes, de Granovetter (FLORIDA, 2011), formando, portanto, verdadeiros distritos de inovação. BIBLIOGRAFIA FLORIDA Ascenção da classe criativa. Trad. Ana Luiza Lopes. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011. FLORIDA, Richard L. O grande recomeço: as mudanças no estilo de vida e de trabalhos que podem levar à prosperidade pós-crise. RJ: Elsevier, 2010. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Tradução Carlos S. Mendes Rosa. 3a. Edição. Editora Martins Fontes, São Paulo, 2011. KATZ, Bruce; WAGNER, Julie. The Rise of Innovation Districts: A New Geography of Innovation in America. The Brookings Institute, 2014. STEINER, João E.; CASSIM, Marisa Barbar; ROBAZZI, Antonio Carlos. Parques Tecnológicos: ambiente de inovação. IEA Universidade de São Paulo, 2008.