Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP
Fernanda Pereira Penedo
ESTRATÉGIAS E MARCADORES CONVERSACIONAIS NA
CONSTRUÇÃO DO DIÁLOGO EM OS NOVOS, DE LUIZ VILELA.
Mestrado em Língua Portuguesa
São Paulo
2013
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP
Fernanda Pereira Penedo
ESTRATÉGIAS E MARCADORES CONVERSACIONAIS NA
CONSTRUÇÃO DO DIÁLOGO EM OS NOVOS, DE LUIZ VILELA.
Dissertação a ser apresentada à Banca
examinadora
da
Pontifícia
Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
da obtenção do título de mestre, sob a
orientação do Prof. Dr. Dino Preti.
Mestrado em Língua Portuguesa
São Paulo
2013
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
__________________________________
__________________________
Aos meus pais Alberto Penedo e Angelúcia Sereni Pereira Penedo e ao meu irmão
Marcelo por todo amor e apoio recebido durante minha formação.
Agradecimento
Agradeço, primeiramente à Deus pela força e fé que se mantiveram forte até o final
deste trabalho.
Com muito carinho agradeço:
aos meus pais que sempre estiveram ao meu lado, acreditaram e me incentivaram;
ao meu irmão, melhor amigo em todos os momentos difíceis;
ao meu orientador, meu mestre, professor do qual sinto muito orgulho pela orientação:
Dr. Dino Preti. Sou grata por todo conhecimento recebido;
a querida professora Ana Rosa pelo incentivo e credibilidade;
a professora Dr. Wilma pelas valiosas sugestões e considerações;
aos colegas de curso e de trabalho pela paciência durante este período importante
para mim.
A literatura não é outra coisa além de um sonho dirigido.
Jorge Luis Borges
Literatura é a imortalidade da fala.
August Schlegel
Resumo
Este estudo tem por finalidade identificar marcadores e estratégias conversacionais
utilizadas pelas personagens no diálogo de ficção. Utilizamos trechos retirados do
corpus selecionado para análise do diálogo construído, do romance Os novos, do
contista mineiro Luiz Vilella. Na obra, podemos destacar os esquemas utilizados pelas
personagens em diferentes situações de comunicação e observar o rico exemplário
de variações típicas da linguagem oral. O corpus não representa uma transcrição,
mas substitui as gravações de conversações em situações naturais. As construções
das falas das personagens criadas por Vilela, muitas vezes se aproximam da
realidade linguística falada do leitor. Vilela transmite informações inerentes ao
processo interacional para a construção de seus diálogos, transformando seus textos
em excelente fonte de estudo da conversação por meio de textos escritos.
Palavras-chave: Análise da conversação, estratégias e marcadores conversacionais.
Abstract
This study aims to identify markers and conversational strategies used by the
characters in the dialogue of fiction. We use excerpts taken from the corpus selected
for analysis of dialogue built, the novel The new, the storyteller mining Luiz Vilella. In
the work, we highlight the schemes used by the characters in different communicative
situations and observe the rich set of examples of typical variations of oral language.
The corpus is not a transcript, but replaces the recordings of conversations in natural
situations. Constructions of lines of characters created by Vilela, often approaching the
reality spoken language of the reader. Vilela transmits information regarding the
interaction process for the construction of his dialogues, transforming its texts into
excellent source of study of conversation through written texts.
Keywords: Conversations Analysis, markers and conversational strategies.
Sumário
Considerações iniciais…………………………………………………………...............13
Capítulo I……………………………………………………………………………..…...…16
Corpus
1.1. Os novos, de Luiz Viela………………………..……………………..…...16
1.2. O autor: Luiz Vilela ………………………………………….……........….16
1.3. Contexto histórico – Ditadura militar……………………………..….....19
1.3.1. Fatores que antecederam o golpe de 64………………………....…..19
1.3.2. A República de 46 a 64 …………………………………...……….....…20
1.3.3. Governo Dutra ……………………………………………………....…....21
1.3.4. O segundo governo de Vargas ………………………………..……....22
1.3.5. Governo de Juscelino Kubitschek …………………….……….……..22
1.3.6. Jânio quadros ………………………………….…………………….…...23
1.3.7. O golpe de 1964 ………………………………………….…………..…...25
1.3.8. Cronologia do período da Ditadura …………………………….….…28
1.4.
Sobre a obra ………………………………………………….….……..…35
Capítulo II ………………………………………………………………..…………..…39
2.1. A Fala e a escrita …………………………………………………….………....39
2.2. Análise da conversação ………………………………………………….......50
2.3.
Características
organizacionais
da
conversação:
turnos
conversacionais…………………………………………………………….................…..52
2.4. Reparações e correções na conversação ................................................57
2.5. Organização de sequências: Pergunta e resposta ……….…………..….58
2.6. Estratégias conversacionais………………………….……………….….…..61
2.6.1. As gírias e a linguagem obscena ……………………………………..…...62
2.6.2. Ironia na fala ………………………………………………………………….66
2.6.3. Preservação da face.................................................................................67
2.7. Marcadores conversacionais interativos ……………………..…….….…..68
2.7.1. Formas de tratamento na conversação ……………..……………….…..73
2.7.2. O contexto ou situação de comunicação ………….…….…………...….75
2.8. Tratamento dos dados orais …………………………………………..…….76
2.9. A conversação literária …………………………………………….......…..…79
Capítulo III ………………………………………………………………………...…..…83
A oralidade em Os novos, de Luiz Vilela.............................................................83
3.1 Estratégias conversacionais observada no corpus ………….…………..….84
3.1.1. Discurso irônico……………………………………….………………….……...85
3.1.2. Gírias e linguagem obscena...………………….……….……..……….…..….89
3.2. Marcadores conversacionais como estratégia de interação observados no
corpus..........................................................................................................................93
3.2.1. Sinais conversacionais verbais …………………….……………….....….…..93
3.2.2. Duplicação na fala ………………………………………………………..…….96
3.2.3. Formas de tratamento a gente ……………………………………………..….97
3.2.4 Registro oral culto observado no corpus ……………………………………98
3.3. Organização conversacional ……………………….…………….………….....101
Considerações Finais……………………………………………………………..…….103
Referências bibliográficas………………………………………………………..….....105
Anexos………………………………………………………………………………..……108
Considerações iniciais
Temos, hoje, muito mais conhecimento sobre a oralidade e a escrita.
Porém esse conhecimento não se apresenta satisfatoriamente em nossas
práticas. Pretendemos com este trabalho divulgar e ampliar discussões acerca
da oralidade para melhor compreensão dos usos da língua. Partiremos do
princípio de que o uso da língua depende da intenção de comunicação, ou
seja, não se produz um diálogo ou um texto, pensando somente na forma, na
gramática e na morfologia a ser utilizada. A produção de sentidos depende, e
muito, da intenção comunicativa, para dessa forma chegar a um discurso
significativo adequado às práticas e às situações sociais.
Não faremos uma distinção rígida entre a fala e a escrita, mas trataremos
das duas modalidades da língua conforme suas características relativas ao
uso, à situação de comunicação, conforme propõe Marcuschi:
Em certos casos, as proximidades entre fala e escrita são tão estreitas que parece
haver uma mescla, quase uma fusão de ambas, numa sobreposição bastante
grande tanto nas estratégias textuais como nos contextos de realização. Em
outros, a distância é mais marcada, mas não a ponto de se ter dois sistemas
linguísticos ou duas línguas, como se disse por muito tempo. Uma vez concebidas
dentro de um quadro de inter-relações, sobreposições, gradações e mesclas, as
relações entre fala e escrita recebem um tratamento mais adequado, permitindo
aos usuários da língua maior conforto em suas atividades discursivas (2007:9).
Este trabalho, desenvolvido e orientado pelo professor Dino Preti, tenta
mostrar caminhos para que seja possível descobrirmos, no diálogo construído,
marcadores conversacionais que se revelam na produção de textos ficcionais,
levando em consideração o contexto histórico-cultural, ou seja, o retrato de
uma sociedade conforme sua época e seus costumes. Contudo admitir que as
variantes da oralidade sejam inclusas na escrita literária.
13
O interesse pela escolha do tema proposto justifica-se pela escassez de
pesquisas realizadas sobre a questão da oralidade e o processo (organização)
de interação por meio de sua utilização.
De acordo com (Tannen apud Siqueira, 2006): “o diálogo artificial pode
representar um modelo ou esquema internalizado para produção da
conversação, um modelo de competência que os falantes têm acesso”. Por
isso não trataremos o diálogo literário como representação de uma
conversação natural, mas como um recurso de substituição das gravações.
Optamos por um diálogo construído, isto é, um diálogo elaborado e criado
por um autor,
por mostrar na língua literária marcadores da oralidade,
marcadores esses que tanto na fala quanto na escrita servem para melhorar a
comunicação, a interação e a relação afetiva ou não, entre interlocutores.
Diante do exposto até aqui, definimos que para tal estudo seria oportuna a
seleção do romance Os novos, de Vilela, obra publicada na dácada de 80 do
século passado. A selecionamos porque apresenta um diálogo construído por
meio de estratégias e marcadores conversacionais muito semelhantes e
próximos da fala.
Ao longo do romance o autor nos apresenta por meio de diferentes
situações comunicativas, fatos históricos referentes ao povo brasileiro durante
o período da ditadura militar. É possível percebermos na obra, situações que
parecem ser relatos do período em que as pessoas eram proibidas de
manifestarem suas opiniões contra o governo durante a ditadura por causa da
pressão sofrida, e para que nenhum comentário de oposição ao governo fosse
proferido. Vilela (1984) seleciona como palco o período de mais censura e
repreensão da sociedade brasileira, a ditadura militar, ou seja, um regime
comandado por militares. Todo o poder político centrava-se nesse regime
autoritário que começou em 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985.
De origem mineira, Luiz Vilela retrata as consequências do golpe de 1964.
Fatos que também ocorreram em seu Estado de origem.
Outra razão pela escolha está no comportamento linguístico e no emprego de
variantes na linguagem das personagens.
Visando facilitar a compreensão do leitor, optou-se por dividir este estudo
em três capítulos.
14
No primeiro capítulo a análise centra-se no contexto da obra, informando ao
leitor as situações de produção do corpus selecionado.
Após breve apresentação de dados do contexto histórico da obra
selecionada, no segundo capítulo, seguimos com uma questão crucial para a
pesquisa: a relação existente entre a fala e a escrita dentro de um continnum
tipológico que defende a importância da fala e suas características.
Analisaremos, portanto, cada uma das modalidades de usos da língua dentro
da situação de comunicação, seja ela falada ou escrita, sem que haja rígidas
distinções, e observando as relações entre elas para sustentar nossa análise.
Servimo-nos das duas modalidades da língua para que haja comunicação.
Por isso consideramos a fala e a escrita duas práticas sociais.
Com a intenção de analisarmos as marcas da oralidade no diálogo
construído, faremos menção à teoria da Análise da Conversação, ciência
responsável pela análise das ocorrências de interação em situações cotidianas
que procura descrever aa formas de interações formais e informais.
Por fim, no terceiro e último capítulo deste trabalho, apresentaremos a
análise das estratégias e marcadores conversacionais utilizadas por Luiz Vilela
(1984) na construção do diálogo das personagens do romance, mas também
mostrar ao leitor como as pessoas interagem e sustentam uma interação por
meio do diálogo. As personagens são jovens estudantes e professores
universitários. A linguagem apresentada no diálogo contruído mostra uma
linguagem obscena, com palavrões e gírias, com repetições, com o intuito de
representar no texto literário o modo como as pessoas interagem por meio da
conversação natural, aquela aprendida por meio da inserção social do indivíduo
em uma comunidade.
Nas considerações finais, verificaremos se os objetivos em relação à
proposta foram atingidos. Assim como garantir que este estudo contribua para
outras pesquisas linguísticas centradas na oralidade.
15
Capítulo I
Corpus
1.1.
Os novos, de Luiz Viela.
Para que o objetivo desta pesquisa seja atingido, faz-se necessária a
escolha cuidadosa do corpus. Com o intuito de exemplificarmos como a
oralidade é representada em textos literários, selecionamos dentre as muitas
opções, aquela apresentada pelo escritor Luiz Vilela (1984). Trata-se de um
autor que representa um papel fundamental para a literatura brasileira,
utilizando como recurso na produção de suas obras, determinados diálogos
cujas principais características se aproximam da realidade linguística. De modo
que, ao fazermos a leitura, torna-se possível identificar as muitas semelhanças
existentes.
Analisaremos nesse corpus, conforme a situação de comunicação,
algumas estratégias e alguns marcadores conversacionais comuns na fala. A
análise ocorrerá sob o enfoque da teoria da Análise da Conversação. Por haver
diversas situações de comunicação nesse romance, torna-se fácil as
exemplificações que faremos no decorrer da pesquisa, de acordo com as
estratégias e os marcadores conversacionais escolhidos por Vilela.
1.2. O autor: Luiz Vilela
Luiz Vilela nasceu em Ituiutaba, Minas Gerais, aos trinta e um dias de
dezembro de 1942. Iniciou sua carreira como escritor ainda adolescente, aos
treze anos, influenciado por leituras de diversos tipos de textos, como conta o
próprio autor.
16
Cresceu numa família que lia muito, sendo que na casa onde morava
havia livros por toda parte. Pode-se inferir que seja este o motivo de tanto
interesse pelos livros manifestado pelo autor, desde pequeno.
Ainda adolescente, já com 15 anos de idade, em Belo Horizonte, fez o
curso clássico. Dando continuidade aos estudos, entrou para faculdade e
formou-se em Filosofia. Não deixou de escrever durante sua formação e
tornou-se conhecido por suas participações em concursos de contos na
imprensa mineira.
Com 21 anos apenas, já teve outra importante participação: criou uma
revista só de contos. Foi auxiliado, para a criação da revista, por outros jovens
escritores. Foram os próprios autores que pagaram para que a revista fosse
publicada, porque não conseguiram apoio financeiro. Marcaram época devido a
grande repercussão da revista.
Em 1967, aos vinte e quatro anos, Vilela publicou seu livro de contos
Tremor de terra, obra recusada por vários editores. Com este livro participou de
um concurso em Brasília. Dentre os 250 escritores, Vilela ganhou o Prêmio
Nacional de Ficção. Devido ao prêmio, Tremor de terra foi reeditado por uma
grande editora do Rio, tornando Vilela conhecido por todo o Brasil e
reconhecido como a revelação literária do ano.
Foi elogiado por Nelson Werneck, um historiador, pelo biógrafo
Raimundo Magalhães Junior e pelo humorista Stanislaw Ponte Preta.
Foi
escolhido como o escritor representativo de sua geração e logo inserido na
galeria dos grandes prosadores brasileiros.
Vilela mudou-se para São Paulo, em 1968, para trabalhar como repórter e
redator no Jornal da Tarde. Publicou, mais tarde, em 1979, o livro O inferno é
aqui mesmo, uma obra baseada em suas experiências e na realidade que
conhecia, nesse caso, o Jornal da tarde.
Em 1968, ainda, recebeu convite para participar de um programa
internacional de escritores, o International Writing Program, permanecendo por
nove meses nos Estados Unidos. Lá conclui mais um romance, Os novos.
Nesse romance, retrata o período após a Revolução de 64. O país ainda vivia
sob a pressão da ditadura e muitos editores temiam represálias. Por esta razão
Vilela teve dificuldades para publicar Os novos, que mais tarde foi chamado por
17
um crítico mineiro de “fogos de artifício”. Prova disso foi a opinião de
Temístocles Linhares, em O Estado de S. Paulo: “ se não todos, quase todos
os problemas das gerações, não só em relação à arte e à cultura, como
também em relação à conduta e à vida, estão postos neste livro”. Fausto
Cunha, em Jornal do Brasil, também teceu comentários sobre a obra: “sua
geração não produziu ainda nenhuma obra como essa, na ficção.” (Vilela,
1989:222)
Luiz Viela percorreu vários países, mas fixou sua residência em sua
cidade natal. Inspirado pelas grandes transformações da cidade escreveu seu
terceiro romance, Entre amigos. Obteve mais um sucesso. Edilberto Coutinho,
em O Globo também comentou: “uma literatura, realmente, de valor universal,
na medida que retrata uma realidade bem nossa, dos nossos dias e de
sempre”.
Recebeu prêmios nacionais de ficção, porém foi em 1968, no I e II
Concurso Nacional de Contos do Paraná que recebeu importante observação
de Antonio Candido, que fazia parte da comissão julgadora, afirmando o que
para nós neste trabalho é fundamental: “a sua força está no diálogo e, também,
na absoluta pureza de sua linguagem.”
Em 1973, com o livro O fim de tudo, ganhou o Prêmio Jabuti. O livro
foi publicado pela editora que Vilela, em companhia de um amigo, fundou em
Belo Horizonte, a Editora Liberdade (Cf. Vilela, 1989).
Em um depoimento num encontro nacional de escritores, em Brasília,
disse:
Escrevo ficção por uma necessidade de contar histórias, não importa a quem
nem para quê. Uma necessidade que surgiu na adolescência e que com o tempo
se tornou tão vital quanto comer e dormir, e, em certas circunstâncias, até mais.
Hoje, não consigo me imaginar vivendo sem escrever. Parar de escrever seria
uma espécie de morte – seria realmente morrer. (Vilela, 1989:224)
18
Algumas estratégias utilizadas por Vilela na elaboração de seus diálogos,
criam no leitor a expectativa de uma conversação natural.
1.3. Contexto histórico – Ditadura militar
1.3.1. Fatores que antecederam o golpe de 64
Por meio de registros históricos elaborados pelo homem, podemos
tomar ciência de fatos ou eventos que não presenciamos ou vivenciamos. Com
esses registros passamos a conhecer a trajetória humana, ou seja, o caminho
trilhado pelo homem até os dias atuais, bem como seus feitos, seu
desenvolvimento ao longo do tempo. Entendemos os registros históricos como
documentos que descrevem por meio da escrita, da música, da arte, o passado
da humanidade, que por diversas vezes substituem a memória humana.
Muitos consideram uma arte escrever história. Uma arte em contar fatos
reais ocorridos em diferentes contextos históricos e socioculturais.
Em alguns períodos da nossa história tivemos que enfrentar a falta de
liberdade de expressão e um regime político militar influenciado pelo
autoritarismo comandado por ditadores. Principalmente os que comandaram no
período de 1964 a 1985.
A opressão teve seu início no período de 1937 a 1945, no governo de
Getúlio Vargas, que permaneceu no poder por 15 anos, transformando-se num
ditador durante seu mandato. Desde então, a população brasileira passou a
reivindicar do governo melhorias e até mesmo cobrar os próprios direitos.
Essas pessoas passaram a ser consideradas da oposição e restritas a
qualquer tentativa de reivindicação devido às ameaças recebidas pelo governo.
Após a Revolução Constitucionalista de 1932, intensificou-se o clima de
tensão. Vargas, querendo manter-se no poder, aumentou a perseguição policial
aos comunistas. Sentindo-se ameaçado por eles, Getúlio, com o apoio de Góis
Monteiro (chefe do Estado Maior do Exército) e de Eurico Gaspar Dutra
(ministro da Guerra), preparou um golpe de Estado, ou seja, criou um novo
19
regime conhecido como Estado Novo, para que pudesse governar com poder
absoluto. Em 10 de novembro de 1937, mesmo ano em que a União Nacional
dos Estudantes (UNE) foi criada, assinou uma nova Constituição, a Carta de
1937, com características bem parecidas com a Constituição da Alemanha, no
governo de Hitler, da Itália, do governo de Mussolini e de Portugal, no comando
de Salazar.
Quando ocorrido o golpe de Estado, não houve resistência nenhuma do
povo ou de grupos da oposição. Porém Vargas não cumpriu com algumas
promessas, como a de criar um único partido político no país. Em
consequência disso, até mesmo seus aliados voltaram-se contra o governante.
Após uma tentativa da tomada de poder, o governo reagiu com medidas
muito severas como a instituição da pena de morte, a prisão e o exílio de seus
adversários políticos. Foi nesse período que o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) passou a controlar a publicação artística de revistas, livros e
jornais.
Em 1945 aconteceu o 1º Congresso Brasileiro de Escritores em que
autores como Jorge Amado, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, pediam
liberdade de expressão e demonstravam repúdio ao regime criado por Getúlio
Vargas. Em seguida a esse acontecimento, um antigo colaborador de Vargas,
em uma entrevista para o jornal Correio da manhã criticou o Estado Novo.
Ná época, conhecidos escritores faziam pedidos e se manifestavam
publicamente. Dessa forma, era praticamente impossível impedir e controlar as
manifestações públicas contrárias ao regime. Um novo golpe foi preparado pela
força política conservadora e militar (Pedro, 2005:490-498).
1.3.2. A República de 46 a 64
Com a deposição de Getúlio Vargas presenciamos outro período da
República brasileira que durou até 1964, ano em que os militares tomaram o
poder. Tivemos como presidentes nesse período, conforme Santos (1992:158):
20
Eurico Gaspar Dutra
1946 a 1951
Getúlio Vargas
1951 a 1954
João Café Filho (vice-presidente exercendo a presidência)
1954 a 1955
Carlos Luz (presidente da Câmara dos Deputados, exercendo a
1955
presidência de 9 a 11 de novembro por motivo de doença do presidente)
Nereu Ramos (exercendo a presidência por deposição de Carlos Luz)
1955 a 1956
Juscelino kubitschek
1956 a 1961
Jânio Quadros (de 31 de janeiro a 25 de agosto)
1961
Ranieri Mazzili (presidente da Câmara dos Deputados, exercendo a
1961
presidência por alguns dias)
João Goulart
1961 a 1964
1.3.3. Governo Dutra
Eurico Gaspar Dutra foi presidente, e assinou uma nova Constituição em
1946. Nela o Brasil se mantinha como República Federativa e respeitava os
direitos adquiridos pelos trabalhadores após a Revolução de 1930. Embora
quisesse manter uma constituição democrática, o governo Dutra se distanciava
de seus princípios e novamente os sindicatos, além dos jovens que o
criticavam, foram perseguidos. Por esta razão o governo de Eurico Gaspar
Dutra tornou-se repressivo e antipopular.
Com o fim do Estado Novo, cresceu o movimento operário que
reivindicava liberdade sindical e o direito de greve. A repressão aos
21
movimentos foi mais dura que no período do Estado Novo. Mesmo assim,
Dutra permaneceu no comando até 1951 com a eleição de Getúlio Vargas
novamente na presidência.
1.3.4. O segundo governo de Vargas
No segundo governo de Vargas tivemos a nacionalização das fontes de
energia e combustíveis, além da exploração do petróleo com a criação da
Petrobrás.
A política de melhoria das condições de vida do trabalhador, levou as
classes conservadoras, contra essa política, a se oporem ao governo de
Getúlio. Muitos militares também demonstraram descontentamento com o
governo.
Em agosto de 1954 a situação política piorou muito. Militares consideravam
a política desse período perigosa por atender e priorizar reivindicações de
trabalhadores, operários e dar oportunidade de ação para o Partido Comunista.
Só aumentava a revolta da oposição(Pedro, 2005). O suicídio de Getúlio foi
decorrência dessa disputa política.
Devido aos fatos ocorridos, para terminar o mandato de Vargas,
assumiram a presidência: Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos.
1.3.5 Governo de Juscelino Kubitschek
Uma nova eleição colocou no poder Juscelino Kubitschek, que só pode ser
empossado com a intervenção do ministro da Guerra.
Conservadores e militares tentaram anular o resultado da eleição que deu a
vitória a Kubitschek.
Juscelino elaborou um plano de metas contendo pelo menos trinta objetivos
a serem alcançados em seu governo. Por isso criou o lema “Cinquenta anos de
22
desenvolvimento em cinco de governo”. Para que seus planos fossem
atingidos, o mais importante era investir no desenvolvimento de dois setores:
das indústrias de base e as de bem de consumo duráveis.
Apesar dos investimentos, a política econômica vigente trouxe problemas
como o aumento das diferenças econômicas entre a população do campo e a
da cidade, em paralelo com a concentração do desenvolvimento na região
sudeste maior que em outras áreas do país.
1.3.6. Jânio quadros
Jânio foi eleito presidente do Brasil para o período de 1961 a 1965 com
uma grande vitória justificada pela sua popularidade. Teve o apoio dos
trabalhadores, de grupos mais conservadores da sociedade juntamente com a
União Democrática Nacional (UDN), liderada por Carlos Lacerda.
Janio Quadros prometeu acabar com a corrupção e por esta razão usou em
sua campanha uma vassoura como símbolo com o intuito de “limpar” o Brasil
da desonestidade.
Após sua posse não tivemos o que foi prometido por Janio, que não
apresentou o mesmo dinamismo da época de campanha e dessa forma perdia
a simpatia popular (Santos, 1992:163).
Assim, o historiador Pedro (2005:486) nos confirma:
Sem um programa claro, Jânio confundia governar com punir, e
administrar com proibir. Pautado por questões menores, não voltou a sua
atenção para os grandes problemas nacionais. Estava mais preocupado em
proibir corridas de cavalos nos dias de semana, biquínis nas praias e o uso do
tradicional lança-perfume. Por outro lado, tomou medidas de caráter punitivo e
vingativo contra getulistas e partidários de Juscelino, provavelmente atendendo
à vontade dos políticos conservadores e reacionários da UDN.
23
O descontentamento contra o governo aumenta a cada dia. Mesmo assim,
Janio apostava em sua política antipopular, que mais tarde resultou em uma
crise política.
A situação piorou muito, quando Janio fez do Brasil uma nação líder entre
os países subdesenvolvidos e estabeleceu relações comerciais e diplomáticas
com países socialistas.
Até mesmo a UDN passou a criticar essas relações diplomáticas, e a
comando de Carlos Lacerda iniciou uma intensa e forte campanha contra o
governo. Em consequência Janio perdeu o apoio do congresso sentindo-se
obrigado a renunciar seu cargo, de residente da República, após sete meses
de mandato em 25 de agosto de 1961.
Sem que houvesse qualquer movimento popular pedindo sua volta, o
presidente da câmara, Ranieri Mazilli, assumiu a presidência da República até
que João Goulart, vice-presidente de Janio assumisse o governo.
Goulart já foi ministro do trabalho no governo de Getúlio Vargas e também
vice-presidente de Juscelino Kubitschek.
Em seu governo defendia uma política favorável à classe trabalhadora.
Mais uma vez militares e conservadores também tentaram impedir sua posse,
porém a tentativa foi em vão, nada conseguiram e Goulart tomou posse do
governo, dando prosseguimento aos principais objetivos de diminuir a inflação,
impedir que empresas estrangeiras enviassem para o exterior o lucro que
ganhavam no Brasil, nacionalizar algumas empresas estrangeiras e por fim
fazer uma reforma agrária. Intencionou por em prática as Reformas de Base,
ou seja, um plano de desenvolvimento nacionalista. Embora houvesse intenção
de aplicar seu plano, não foi possível sua realização. O governo não conseguiu
controlar a desvalorização do dinheiro, alta inflação e as reivindicações dos
operários para o aumento do salário.
Descontentes com a situação, empresários, proprietários de terra, setores
da classe média em parceria com militares, organizaram-se para a derrubada
do presidente.
Goulart podia contar com o apoio dos sindicatos dos trabalhadores, da
União dos Estudantes (UNE), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do
24
Partido Socialista Brasileiro (PSB) e de comunistas, desde que executasse as
reformas de base.
A intensidade da agitação social e política nesse período era muito forte.
Greves e manifestações nas ruas, tanto para apoiar, quanto para protestar
contras as medidas do governo, tornavam-se frequentes.
O Brasil tornou-se um país dividido em grupos de interesses opostos. Por
causa dessa rivalidade houve a queda de João Goulart em 1964.
1.3.7. O golpe de 1964
No início de 1964, em 13 de março, Goulart anunciou algumas medidas
importantes, como a nacionalização de algumas refinarias e a reforma agrária,
em um comício no Rio de Janeiro. Dias depois, em São Paulo, seus opositores
realizaram uma manifestação, a “Marcha da família com Deus pela Liberdade”.
Esse evento aumentou o clima para uma intervenção militar. (Santos,
1992:165)
A manifestação aconteceu no dia 31 de março de 1964, dando início a
um novo período da história do Brasil. Militares assumiram o comando político
do país (Santos, 1992:169);
Humberto de Alencar Castelo Branco
1964 a 1967
Artur da Costa e Silva
1967 a 1969
Junta militar (exercendo a presidência de 31 de agosto 1969
a 30 de novembro por doença do presidente)
Emílio Garrastazu Médici
1969 a 1974
25
Ernesto Geisel
1974 a 1979
João Baptista Figueiredo
1979 a 1985
As indicações justificavam-se pela necessidade de se combater o
comunismo e a corrupção.
Uma das características mais importante, valendo-se do ponto de vista
político, foi o fortalecimento do governo federal.
No novo regime os presidentes militares governavam por meio de Atos
Institucionais (AI), ou seja, leis elaboradas pelo poder Executivo.
Outra característica, tão importante, quanto marcante, foi o uso da força, da
tortura e da repressão, marcadas pelas perseguições às pessoas que se
opunham ao novo regime e aos que apoiaram as Reformas de Base e o
governo de João Goulart, como aqueles que faziam parte da UNE, da Central
Geral dos trabalhadores e outras organizações que tiveram seus líderes presos
ou exilados pela ditadura.
Marechal Castelo Branco, como primeiro governante adotou medidas como
o AI-1.
Foi eleito, em 1967, para substituir Castelo Branco, o Marechal Artur da
Costa e Silva apresentando um governo com amplos poderes para: cassar
mandatos, suspender direitos políticos, interferir na política dos Estados e
municípios, além de suspender o direito de habeas corpus.
Uma junta militar formada em 1969 por ministros do exército da Marinha e
da Aeronáutica, assumiu o mandato de Costa e Silva que havia adoecido
gravemente. Foi nessa época que ocorreram muitos protestos, manifestações
estudantis e greves operárias contra toda ação do governo.
Preocupados com essas manifestações da oposição, militares criaram uma
nova constituição, instituindo o fim das imunidades parlamentares, prisão
perpétua e pena de morte para os crimes políticos praticados pelos opositores
do regime militar.
Quem assumiu o governo após a junta militar foi o General Emílio
Garrastazu Médici no período de 1969 a 1974. Durante esse período o
26
progresso
extraordinário
do
governo
ficou
conhecido
como
“milagre
econômico”. No entanto, esse milagre favoreceu apenas os industriais e parte
da classe média.
No governo Médici, a censura aos meios de comunicação impedia que se
publicassem livros, jornais e revistas. Era uma forma de inibir as pessoas que
tinham intenção de expressar suas opiniões contra o governo.
Para dar continuidade ao trabalho de Médici, o General Ernesto Geisel
assume em 1974 a presidência e não demorou para enfrentar dificuldades para
dar continuidade no plano econômico, ou seja, o “milagre econômico”.
Concomitantemente a esse fato, houve um forte movimento pela volta das
liberdades democráticas, com a participação do Movimento Democrático
Brasileiro, da igreja, dos sindicatos, dos estudantes, intelectuais, da imprensa e
até mesmo políticos que apoiaram o movimento pondo em risco o governo
Médici.
Geisel assumiu o cargo da presidência até 1979, quando o General João
Baptista Figueiredo foi empossado como novo presidente da República,
enfrentando graves problemas econômicos e grande aumento da inflação.
Em oposição a esses fatores negativos ao seu governo, o retorno gradativo
à vida democrática foi um dos aspectos positivos de Figueiredo.
Logo o país começou a viver uma nova república, uma nova constituição
elaborada mais tarde em 1988 para garantir ao Brasil que se mantivesse num
regime presidencialista e que o governante fosse eleito pelo povo.
As reivindicações muitas vezes negadas pelos governos, nesta nova fase,
foram atendidas, para o contentamento da população brasileira. Como
relembra Mesquita a respeito desse período:
O certo é que naquela noite calorenta de 04 de setembro de 1961, em Porto
Alegre, a decisão de Goulart de aceitar tomar posse sob o parlamentarismo
envolveu muito mais que seu futuro político, envolveu o destino do Brasil por
muitas décadas. A construção do seu caminho à presidência, ainda que com
poderes mutilados, exigiu muita habilidade. Mas, para chegar a essa conclusão
conciliatória, Goulart estava levando as sementes da conspiração e do golpe
para dentro de seu governo. Disse na ocasião: “Viajo para capital sem marcar
27
com o sangue generoso das famílias brasileiras as escadas que conduzem à
Brasília (Mesquita, 2009:19).
De acordo com Mesquita (2009:22):
É certo que a maioria da oficialidade preferira, ao longo dos anos, não quebrar
a ordem constitucional, mas havia outros princípios mais importantes para a
instituição militar: a manutenção da ordem social, o respeito à hierarquia, o
controle do comunismo. Quebrados esses princípios, a ordem se transformava
em desordem, e a desordem justificava a intervenção.
Para manter a ordem social e garantir melhorias para o país, houve a
necessidade de um golpe de estado comandado por militares, dando início ao
regime militar como forma de governo.
1.3.8. Cronologia do período da Ditadura
Diante do contexto histórico exposto até aqui, é possível fazermos
inúmeras analogias entre a realidade e a ficção. Podemos resumir os fatos
históricos que tiveram destaque em “Os novos”, no seguinte cronograma:
1961
25/08 Renúncia de Jânio Quadros
30/08 Ministros militares declaram-se contrários à posse de João
Goulart
02/09 Instituído o sistema parlamentar de governo como resultado do
acordo que possibilitaria a posse do vice-presidente João Goulart
07/09 Posse de João Goulart
28
1964
17/01 Regulamentação da lei de remessa de lucros.
13/03 Comício da Central do Brasil ou “das reformas”.
19/03 Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade em São Paulo
(SP), espécie de resposta ao Comício da central.
20/03 O chefe do Estado-Maior do Exército, general Castelo Branco,
divulga circular reservada entre seus subordinados contra João
Goulart.
21 a 29/03 9 “Marchas” da família, com Deus, pela Liberdade, em
diversas cidades de São Paulo.
31/03 Inicia-se o movimento militar em Minas Gerais com
deslocamento de tropas comandadas pelo general Mourão filho.
01/04 a 08/06 42 “Marchas” da Família, com Deus, pela Liberdade em
São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Piauí , Paraná e Goiás.
02/04 João Goulart segue de Brasília pra Porto Alegre. De lá, sairia do
Brasil.
02/04 General Costa e Silva autonomeia-se comandante-em-chefe do
Exército nacional e organiza o “Comando Supremo da Revolução”.
04/04 O nome do general Castelo Branco é indicado para a
Presidência da república pelos líderes do Golpe.
09/04 Decretado o Ato Institucional que confere ao presidente da
República poderes para cassar mandatos eletivos e suspender direitos
políticos até 15 de junho de 1964, entre outros poderes discricionários.
10/04 A sede da UNE é incendiada por participantes do movimento
político militar.
13/04 O Diário Oficial publica decreto que extingue o mandato de todos
os membros do conselho diretor da Universidade de Brasília.
Ocorre uma invasão policial e a intervenção na UnB.
Abril GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial – foi o
primeiro de uma série de instrumentos gerados para adptar o poderio
bélico das Forças Armadas à nova doutrina de segurança.
13/06 Criado o Serviço Nacional de Investigações (SNI).
27/10 Declarada a extinção da União nacional dos Estudantes (UNE).
09/11 Sancionada a Lei n. 4.464 (Lei Suplicy) proibindo atividades
políticas estudantis. A Lei Suplicy de Lacerda coloca na ilegalidade a
UNE e as UEEs, que passam a atuar na clandestinidade. Todas as
instâncias da representação estudantil ficam submetidas ao MEC.
29
1965
Ato Institucional N.2 extingue os partidos existentes, atribui à Justiça
Militar o julgamento de civis acusados de crimes contra a segurança
nacional e confere ao presidente da república poderes para cassar
mandatos eletivos e suspender direitos políticos até 15 de março de
1967, entre outros dispositivos.
Início A UNE convoca um conselho para eleger, com mandato-tampão,
o presidente que a chefiará até o 27o Congresso, em julho. Alberto
Abissâmara, de tendências progressistas, é escolhido.
05/02 Ato Institucional N.3 estabelece eleição indireta para
governadores.
01/04 No dia 1o, o Conselho Universitário, presidido pelo reitor Pedro
Calmon, dissolve a diretoria do CACO – Centro Acadêmico de Direito
UFRJ.
12/04 No dia 12, agentes do Dops e a Polícia Militar impedem com
violência uma reunião do CACO – Centro Acadêmico de Direito UFRJ.
As aulas são suspensas.Agosto Surgem os Diretórios Acadêmicos
Livres.
23/09 São feitas manifestações contra a Lei Suplicy, no Rio de Janeiro.
03/10 O general Costa e Silva é eleito presidente da república pelo
Congresso Nacional.
20/10 O general Castelo Branco decreta o recesso do Congresso
Nacional até 22 de novembro em função da não aceitação de
cassações.
1966
1966 a 1973 É o período da ilegalidade da UNE.
Março Uma passeata em Belo Horizonte contra o regime militar é
brutalmente reprimida. A violência desencadeia passeatas estudantis
em outros estados.
28/07 a 02/08 Mesmo na ilegalidade, é realizado o XXVIII Congresso
da UNE, em Belo Horizonte, que marca a oposição da entidade ao
Acordo MEC-Usaid. O congresso acontece no porão da Igreja de São
Francisco de Assis. O mineiro José Luís Moreira Guedes é eleito
presidente da UNE.
Setembro As aulas na Faculdade Nacional de Direito são suspensas e
178 estudantes paulistas são presos durante um congresso realizado
pela UNE-UEE, em São Bernardo do Campo.
O General Castelo Branco cria o Movimento Universitário para o
30
Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes).
14/09 Alunos da Faculdade Nacional de Odontologia entram em greve
de protesto e colocam cartazes nas imediações da faculdade. Há
choque entre os estudantes e policiais do Dops.
18/09 A UNE decreta greve geral.
22/09 A UNE elege o dia 22 como o Dia Nacional de Luta contra a
Ditadura.
23/09 A polícia invade a Faculdade de Medicina da UFRJ e expulsa
estudantes com violência. O episódio ficou conhecido como o
Massacre da Praia Vermelha.
1967
24/01 Promulgada a nova Constituição do Brasil.
11/03 O general Castelo Branco edita nova Lei de Segurança
Nacional.
15/03 O general Costa e Silva é empossado na Presidência da
República.
Agosto É realizado o XXIX Congresso da UNE, em Valinhos (SP), na
clandestinidade. Luís Travassos é eleito presidente da entidade.
1968
28/03 O estudante Edson Luís de Lima Souto é morto durante conflito
com a PM no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro (RJ).
29/03 Marcha de 50 mil pessoas repudia o assassinato de Edson Luis
de Lima Souto.
29/03 A UNE decreta greve geral dos estudantes.
30/03 O ministro da Justiça, Gama e Silva, determina a repressão das
passeatas estudantis.
01/04 Inúmeras passeatas estudantis irrompem em várias capitais
brasileiras.
22/05 Lei N. 5.439 estabelece responsabilidade criminal para menores
de 18 anos envolvidos em ações contra a segurança nacional.
04/06 Sessenta e oito cidades são declaradas áreas de segurança
nacional e, por isso, seus eleitores ficam impedidos de escolher pelo
voto direto, os respectivos prefeitos.
21/06 Prisão de trezentas pessoas na Universidade federal do Rio de
Janeiro. As aulas são suspensas.
25/06 O ministro da Justiça, Gama e Silva, proíbe passeatas e
comícios - relâmpago.
31
26/06 Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro.
16/07 Greve de Osasco (SP) inicia-se com a ocupação da Cobrasma.
29/08 Invasão do campus da Universidade Federal de Minas Gerais
por tropas federais.
30/08 Invasão do campus da Universidade de Brasília por tropas
policiais resulta em violência.
02/10 Invasão do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (USP) pelo Comando de
Caça aos Comunistas e outros grupos.
Outubro É realizado clandestinamente o XXX Congresso da UNE, em
Ibiúna (SP).
12/10 Prisão de estudantes em Ibiúna durante congresso da UNE. São
presas mais de 700 pessoas, entre elas as principais lideranças do
movimento estudantil: Luís Travassos (presidente eleito), Vladimir
Palmeira, José Dirceu, Franklin Martins e Jean Marc Von Der Weid.
13/12 Ato Institucional N. 5 torna perenes os poderes discricionários
que atribui ao presidente da República. O Congresso Nacional é posto
em recesso.
Com o decretado AI-5. Centros cívicos substituem os grêmios
estudantis.
1969
Inicio A UNE tenta manter uma direção com a eleição de Jean Marc
Von Der Weid através dos Congressinhos Regionais.
26/02 Decreto-Lei N.477 dispõe sobre infrações disciplinares
praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de
estabelecimentos de ensino. Que penaliza professores, alunos e
funcionários de estabelecimentos de ensino público (até 1973, esse
decreto atingiria 263 pessoas, a maioria estudantes).
16/05 O Ato Institucional N. 10 , dentre outros efeitos, levaria centenas
de professores universitários à aposentadoria.
01/07 Criação da Operação bandeirantes (Oban), embrião da polícia
política conhecida como “sistema Codi-Doi” que seria implantada em
todo o país nos moldes da Oban.
31/08 Junta Militar, formada pelos ministros militares, assume o poder
em função da doença de Costa e Silva, impedindo a posse do vicepresidente da República, que não concordara com o Ato Institucional
N.5.
Setembro O presidente da UNE, Jean Marc Von Der Weid, é preso.
32
05/09 O Ato Institucional N. 14 estabele a pena de morte.
30/10 Posse do general Emílio Garrastazu Médice na presidência da
República, já que fora caracterizada a incapacitação definitiva do
general Costa e Silva.
1970
Inicio Com quase todas as lideranças presas ou exiladas, o movimento
estudantil realiza atos isolados, dentre eles uma missa pelo segundo
aniversário da morte de Edson Luís.
10/02 Estabelecimento da censura prévia de livros e revistas pelo
decreto-lei N. 1.077.
20/05 Início das operações oficiais do CIE.
20/05 Decreto N.66.608 cria o centro de Informações de Segurança da
Aeronáutica (Cisa).
1971
30/03 Decreto N.68.447 reorganiza o Centro de Informações da
Marinha (Cenimar).
07/09 Morte de Carlos Lamarca
Novembro O governo passa a editar “decretos reservados”.
1972
Inicio A AP passa a denominar-se Ação Popular Marxista-Leninista
(APML).
O presidente da UNE, Honestino Guimarães, desaparece.
1973
30/03 Alexandre Vannucchi Leme, aluno da Universidade de São
Paulo (USP), é preso e morto pelos militares. A missa em sua
memória, realizada em 30 de março na Catedral da Sé, em São Paulo,
é o primeiro grande movimento de massa desde 1968.
14/09 A Arena homologa o nome do general Ernesto Geisel como
candidato à presidência da república.
1974 - Inicio O Colégio Eleitoral homologa o nome do general Ernesto
Geisel para a presidência da República.
É criado o Comitê de Defesa dos Presos Políticos na Universidade de
São Paulo (USP).
1975
30/01 O ministro da justiça anuncia que continuam as atividades de
33
repressão ao comunismo e à subversão.
26/10 Anunciada a morte do Jornalista Vladimir Herzog em
dependências do II Exército (SP).
1979
01/01 Extinção do AI-5.
15/03 Posse do general João Baptista de Oliveira Figueiredo como
presidente.
28/08 Decretada a anistia pelo governo Figueiredo.
29/11 Fim do bipartidarismo
1980
27/08 Carta-bomba explode na sede da OAB e mata a secretária Lydia
Monteiro. Desde janeiro diversas bombas explodiram ou foram
encontradas no país.
1981
30/04 Integrantes do DOI do I Exército explodem acidentalmente uma
bomba que planejam usar num atentado durante show de música no
Rio Centro (RJ).
1983
Inicia-se uma campanha pelas eleições diretas para a Presidência da
República.
1984
25/04 - A emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas
para presidente da República é derrotada no Congresso Nacional.
1985
15/01
Tancredo Neves e José Sarney vencem no Colégio Eleitoral a
disputa com Paulo Maluf pela Presidência da República.
15/03 Posse do vice-presidente José Sarney na presidência da
república em função de doença de Tancredo Neves.
21/04 Morte de Tancredo Neves.
1988
05/10 Promulgada nova Constituição da República definida pelo
Congresso Nacional, mantendo no Título V e Capítulo I o estado de
Defesa e do estado de Sítio, com restrições aos direitos de reunião,
sigilo de correspondência e de comunicação, além de manter a
proibição de sindicalização e greve aos militares.
34
2005
04/07 Criado pelo Departamento de Sociologia e Ciência Política da
UFSC o Memorial dos Direitos Humanos.
Fonte: (http://www.sohistoria.com.br/ef2/ditadura/p3.php. Acesso em
13/08/12)
1.4. Sobre a obra
A edição lida para análise é de 1984, cuja primeira edição foi publicada
em 1971. A obra foi escrita em um momento em que a política do país passava
por um período conturbado, influenciando muito a literatura da época. O
período era de crise econômica, mas de tentativas de colocar em prática o
milagre brasileiro, uma economia justa sem inflações e também de muita
censura. Qualquer manifestação artística tinha de passar por órgãos
responsáveis em analisar o conteúdo e informações apresentadas. Caso
houvesse trechos ou mensagens que apresentassem conteúdo considerado
subversivo, automaticamente eram proibidas as publicações.
Luiz Vilela busca retratar temas cotidianos e de suma importância para
análise e reflexão sobre o comportamento do homem em sociedade.
Os novos, apresenta uma realidade sociopolítica e um período da história
em que a expressão de liberdade artística necessitava de autorização para
divulgação, muitas vezes proibida:
“ .. . Ag u in a l do S i l va a c us o u o a u tor de “ pe rti n a z pr is ão de ve n tr e
m enta l” .
P ouc o
d e p o is ,
no
J or na l
de
Le tr as ,
H er al d o
L is b oa
obs er v a v a: “ Um s oc o em m uit a c o is a (c o nc e it os e p rec o nc e i tos ) , o
l i vr o s e im põ e q u as e em f úri a. ( É p or is s o q ue o t em em ?)”... ”
A lg u ns an os de p o is , Fa us t o C u nh a , n o J o rna l d o Br as i l , em um
núm er o
es p ec i al
do
s u p lem en t o
Liv r o ,
d ed ic a do
a os
n o v os
es c r it or es br as i le ir os , c om ent o u s o br e O s nov os : “É um rom anc e
qu e , m ais di a m enos d ia , s er á d es c o b ert o e a prec i a do em to da a
35
s ua f or ç a. Su a g er aç ão ai n da nã o pr o du zi u n en h um a o br a c om o
es s a , n a f ic ç ã o.” ( http://gpluizvilela.blogspot.com.br/p/noticias.html, 13/08/12)
Os comentários feitos sobre Vilela, sobretudo em relação a sua ousadia,
contribui para compreensão da relação entre a obra e nossa realidade.
Por ser inspirado na revolução de 1964, não há como não fazer a
comparação do romance com fatos históricos registrados. O Estado de Minas
Gerais, onde nasceu Vilela, foi palco da revolução. Foi o estado em que muitas
manifestações contra o regime militar aconteceram. Muitos estudantes foram
presos pelos protestos contra o governo e pela imposição da ditadura militar.
Assembleias foram realizadas pela população e por estudantes para que
houvesse acordo de soltarem seus colegas universitários. Universidades
ficaram fechadas ou foram invadidas por policiais para controlar as
manifestações estudantis.
Esta realidade é a mesma relatada por Vilela em sua ficção. Durante a
leitura, não há como não nos imaginarmos no período em que ocorreu a
ditadura militar. Esta obra pode ser considerada um dos registros históricos de
uma triste realidade da nossa história recente.
O romance apresenta o retrato de um grupo, que tem de tomar decisões
sem que suas esperanças e sonhos sejam sufocados. Este grupo é composto
por jovens escritores que viam na literatura a oportunidade para expressar seus
anseios e sentimentos diante da situação social em que se encontravam.
Porém enfrentavam com medo as represálias do governo da época.
Economicamente, o grupo de jovens escritores apresentado na obra
não pertence a uma classe social desfavorecida. Apresentam formação
acadêmica ou ainda são universitários, além de outros cargos como o de
bancário e professor universitário.
É possível notarmos que o tempo da narrativa ocorre num período de
doze meses, ou seja, os fatos são narrados mês a mês, destacando sempre as
quatro estações. A narrativa começa com o encontro entre os amigos numa
festa de Ano novo e termina novamente numa festa de Fim de ano. Muitos
acontecimentos marcam o decorrer desse novo ano. Promessas são
36
cumpridas, apesar das dificuldades enfrentadas devido a um golpe militar, que
parecia controlar até mesmo os pensamentos dos jovens.
Cada uma das personagens apresenta sua rotina, mas todos têm algo em
comum: a literatura. Essa amizade é mantida pela mesma razão, a intenção de
escrever e poder publicar suas obras.
O grupo de amigos já é conhecido devido a uma pequena publicação de
uma revista intitulada Literatura. Por esta razão, tornaram-se conhecidos pelos
contos e poesias publicados nessa revista.
O intuito era tornarem-se grandes escritores. Embora houvesse essa
vontade, perceberam que escrever não é uma tarefa fácil. As ideias eram
muitas, mas sem dedicação. Seria praticamente impossível produzir algum
texto.
Cada um a sua maneira tentava dedicar-se às suas produções. Cada um
com sua dificuldade em concluir sua obra. Dessa forma, Vilela retrata mês a
mês como os jovens escritores encaminham e organizam-se em suas
produções. Alguns insistindo na produção de contos, outros de poesia.
No decorrer do novo ano, cada amigo tenta cumprir sua promessa:
terminar sua obra.
O choque de gerações é bem notável por meio do diálogo construído por
Luiz Vilela, mas são os conselhos dos amigos mais velhos, supostamente mais
experientes também, que servem de apoio aos jovens em suas caminhadas
como escritor.
Outro problema enfrentado pelos jovens escritores era a dificuldade
encontrada para divulgar os textos escritos. Por causa da revolução de 64,
muitos textos foram proibidos de serem divulgados por causa da censura. Os
jovens enfrentaram muitas dificuldades até para discutir suas ideias.
Publicamente temiam serem repreendidos.
Encontravam-se com frequência em uma universidade Nei, Vitor, Dalva,
Zé, os jovens escritores.
Para que pudessem conversar livremente e pensar juntos na obra que
queriam publicar, a casa de Vitor, um dos jovens, tornou-se a sede do grupo.
Sempre que precisavam discutir algo que causasse medo, pela pressão da
ditadura, reuniam-se nessa casa. Por horas conversavam, discutiam, mas
37
quase nada era resolvido pela dificuldade em entrar em comum acordo.
Durante toda a obra são narrados os diversos encontros entre os amigos e o
modo como transcorria essa interação.
No diálogo construído por Vilela podemos perceber que a conversação é
construída, conforme a situação de comunicação, que apresenta as
características da linguagem de cada personagem. A construção do diálogo,
nesse sentido, mostra-se como uma representação de nossa realidade
linguística, como apresentaremos no terceiro capítulo desta pesquisa.
38
Capítulo II
2.1. A fala e a escrita
A oralidade é a forma natural e também muito antiga da linguagem
humana. Embora, “apesar da longevidade da língua falada diante da
puerilidade da escrita, esta última tem-se constituído o principal centro de
interesse
dos
estudos
linguísticos
ao
longo
de
muitas
décadas”.
(Silva,2009:151)
Não se sabe exatamente quando, com as contribuições a Análise da
Conversação e da Sociolinguística, a oralidade passou a receber mais atenção
por parte dos estudiosos. Mesmo assim, há insuficiência para uma distinção
rígida entre pontos extremos que caracterizam a fala e a escrita.(Hilgert apud
Silva,2009: 152)
Não há como estabelecer critérios e chegar à conclusão de que a
superioridade está relacionada a uma das modalidades da língua. A oralidade
não é superior à escrita, tampouco a escrita superior a oralidade. Entretanto,
definimos o homem como ser que fala e não um ser que escreve. Nem por isso
consideramos a escrita uma representação da fala. Até mesmo porque a
escrita não reproduz muitos fenômenos da fala como os gestos, os movimentos
do corpo, dos olhos, etc.
A fala e a escrita, como práticas sociais, possuem características
próprias, mas não podem ser consideradas dois sistemas linguísticos. Diferem,
por exemplo, no modo de realização: som (na fala) de um lado e grafia (na
escrita) de outro, entre outras características.
Considerada como uma manifestação da prática oral, a fala é aprendida
naturalmente em situações informais, nas relações dialógicas e sociais do diaa-dia: “Mais do que uma decorrência de uma disposição biogenética, o
aprendizado e o uso de uma língua natural é uma forma de inserção cultural e
de socialização” (Marcuschi, 2007:18). Já a escrita é uma manifestação formal
do letramento, ou seja, é adquirida institucionalmente em contextos formais,
como por exemplo a escola. Por isso, a escrita mantém seu caráter de prestígio
e um bem cultural muito desejado. O uso da escrita tornou-se tradição para
39
muitas sociedades. Por esta razão foi considerada por muito tempo superior à
fala, o que não passa de um equívoco.
Tanto a fala quanto a escrita são utilizadas em diferentes contextos
sociais do cotidiano. São eles: o trabalho, a escola, a família, a vida burocrática
e a atividade intelectual. Este fato, é enfatizado por Marcuschi: “fala e escrita
são atividades comunicativas e práticas sociais situadas; em ambos os casos
temos um uso real da língua” (Marcuschi, 2007:19).
Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias,
mas não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos
nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e
coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições
formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante
(idem,17).
Fávero (2005: 34-35), por seu turno tece as seguintes considerações:
O texto conversacional é coerente: o problema é que como ele obedece a
processos de ordem cognitiva, muitas vezes, se torna difícil detectar marcas
linguísticas e discursivas dessa coerência, pois ela geralmente não se dá com
base nessas marcas, mas na relação entre os referentes; daí a importância da
noção de controle referencial estabelecida com base na organização tópica, e é
por isso que o estudo do desenvolvimento dos tópicos vem adquirindo cada vez
mais ênfase, possibilitando análises discursivas que envolvem um maior número
de fatores.
Muitos linguistas dedicaram-se a analisar as relações entre as duas
modalidades de uso da língua sob a perspectiva da dicotomia, ou seja, a fala
versus escrita:
40
De um lado, temos teóricos como Bernstein (1971), Labov (1972), Halliday
(1985, uma primeira fase), Ochs (1979), representantes das dicotomias mais
polarizadas e visão restrita. De outro lado temos outros autores como Chafe
(1982, 1984, 1985), Tannen (1982,1985), Benveniste (1990), Halliday/Hasan
(1989) que percebem as relações entre fala e escrita dentro de um continuum,
seja tipológico ou da realidade cognitiva e social ( Marcuschi,2007: 27).
O primeiro grupo defende basicamente o código. Tal dicotomia foi
precursora das normas gramaticais ou prescritivismo de uma única norma
linguística, considerada como padrão, isto é, a que originou hoje o que
chamamos de norma culta.
Já o segundo grupo afirma que a fala e a escrita são diferentes, embora
a diferenças não sejam polares, mas graduais e contínuas. Vejamos as
comparações e conclusões apresentadas por Marcuschi (2007: 45-46):
 as semelhanças são maiores dos que as diferenças tanto nos aspectos
estritamente linguísticos quanto nos aspectos sociocomunicativos (as diferenças
estão mais na ordem das preferências e condicionamentos);
 as relações de semelhanças e diferenças não são estanques nem dicotômicas,
mas contínuas ou pelo menos graduais (considerando-se que o controle funcional
do contínuo acha-se no plano discursivo);
 as relações podem ser mais bem compreendidas quando observadas no
contínuo (ou na grade) dos gêneros textuais (que em boa medida se dão em
relações de contrapartes, ocorrendo, em grau significativo, gêneros similares nas
duas modalidades);
 muitas das características diferenciais atribuídas a uma das modalidades são
propriedades da língua (por exemplo, contextualização/ descontextualização;
envolvimento/ distanciamento);
41
 não há qualquer diferença linguística notável que perpasse o contínuo de toda
a produção falada ou de toda produção escrita, caracterizando uma das duas
modalidades (pois as características não são categóricas nem exclusivas);
 tanto a fala como a escrita, em todas as suas formas de manifestação textual,
são normatizadas (não se pode dizer que a fala não segue normas por ter
enunciados incompletos ou por apresentar muitas hesitações, repetições e
marcadores não lexicalizados);
 tanto a fala como a escrita não operam nem se constituem numa única
dimensão expressiva mas são multissistêmicas (por exemplo, a fala serve-se da
gestualidade, mímica, prosódia etc.; e a escrita seve-se da cor, tamanho, forma
das letras e dos símbolos, como também de elementos logográficos, icônicos e
pictóricos, entre outros, para fins expressivos);
 uma das características mais notáveis da escrita está na ordem ideológica da
avaliação sociopolítica em sua relação com a fala e na maneira como nos
apropriamos dela para estabelecer, manter e reproduzir relações de poder, não
devendo ser tomada como intrinsecamente “libertária”.
E vale destacar que a conversa se apresenta em níveis, mais formais
ou menos formais, por isso presenciamos em diferentes situações linguagens
diferentes, como a conversa do dia-a-dia de um lado e palestras e conferências
de outro. Mas como objeto de estudo da análise da conversação temos as
conversas informais, ou em outros termos, a conversação natural, sem
artifícios, menos formal. Nessas condições fica fácil perceber as diferenças
entre fala e escrita. Essas diferenças ocorrem dentro de um continuum
tipológico, conceito de Marcuschi. É ele que nos aponta variação estrutural,
lexical e sintáticas, variações essas que diferenciam a fala da escrita.
Mesmo havendo correlações entre fala e escrita, o ato de escrever é
muito diferente do ato de falar. E a grande diferença reside essencialmente no
fato de o interlocutor estar presente na hora da fala e ausente no momento em
que escrevemos. Como localizar para quem escrevemos? Quem nos lerá? De
42
que modo seremos interpretados? Será mesmo que nossa mensagem poderá
ser decodificada? Essas questões representam nossas intenções no momento
em que estamos redigindo um texto ou até mesmo depois de escrevê-lo.
Quando falamos, qualquer problema na interpretação ou compreensão
pode ser imediatamente retomado e solucionado por meio de uma interrupção
de quem nos ouça; além do mais, quando conversamos ou somos ouvidos,
outros componentes da "fala" formam um ambiente propício: gestos,
expressões faciais, tons de voz que completam, modificam, reforçam o que
dizemos.
Silva (2009:153), fundamentado em Marcuschi, nos mostra com mais
clareza, as relações entre a língua falada e língua escrita como um continnum.
Apresenta os extremos da oralidade de um lado, e extremos da escrita de
outro, embora ocorra a alternância entre as modalidades, conforme a situação
de comunicação.
Koch, 2006, (Cf. Negreiro, 2010:64), adota a mesma posição de Silva.
Postula que fala e escrita pertencem ao mesmo sistema linguístico e
constituem duas modalidades de uso da língua, cada qual com suas
características específicas, sem que se possa pensar que a escrita seja mera
transcrição da fala. Dessa forma acrescenta:
O que se verifica, na verdade, é que existem textos escritos que se situam no
contínuo, mais próximos ao polo da fala conversacional (bilhetes, cartas
familiares, textos de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados
que mais se aproximam do polo da escrita formal (conferências, entrevistas
profissionais para altos cargos administrativos e outros), existindo, ainda, tipos
mistos, além de muitos outros intermediários. (Cf.
Negreiro, 2010:64)
Em uma visão oposta à dicotomia e sob o ponto de vista sóciointeracional, Marcuschi (2007: 41) apresenta-nos:
43
Conforme o gráfico apresentado, entendemos o continnum como a
relação estabelecida entre o prototípico da fala e o prototípico da escrita,
segundo a situação de comunicação. Em consonância a essa posição,
consideramos as palavras de Silva (2009:157):
A “língua falada prototípica”, a língua falada propriamente dita, seria então uma
atividade social verbal de produção de texto. É exercida oralmente, graças a um
44
sistema de sons articuláveis, no tempo real, em contextos naturais de produção,
incluídos outros elementos de natureza corporal, que preenchem, em teoria, “todas as
condições linguístico-textual-discursivas” concebidas para um texto falado. Em outras
palavras, possui, do ponto de vista medial, caráter fônico, e do ponto de vista
concepcional, as condições de comunicação, que vão permitir as “estratégias de
formulação” e imprimir as “marcas de verbalização”
ideais
de um texto
essencialmente falado.
Por outro lado, a “língua escrita prototípica‟, a língua escrita propriamente dita, seria
uma atividade social verbal de produção de texto. É executada graficamente, graças
basicamente, a um sistema de letras articuláveis, chamado alfabeto, complementado
por sinais de pontuação, de acentuação, numéricos, etc., que preenchem, em teoria,
“todas as condições linguístico-textual-discursivas” concebidas para um texto gráfico
e do ponto de vista concepcional, as condições de comunicação, que vão permitir as
“estratégias de formulação” e imprimir as “marcas de verbalização” ideais de um texto
essencialmente escrito.
Neves
(2009:21),
porém,
salienta
que
a
realização
das
duas
modalidades da língua, falada e escrita, diferenciam em quatro campos: “o
campo do envolvimento interpessoal; o grau e a localização temporal do
planejamento; a natureza dos procedimentos de formulação; as características
da organização do texto”.
Para a autora, a língua falada pode ser confundida com a conversação,
já que a interação face a face é o veículo de comunicação mais usado na
interação social em situações naturais.
De acordo com a ideia de Neves, se considerarmos as funções da
linguagem, veremos que a fala privilegia a função interpessoal, enquanto a
escrita ativa privilegiadamente a ideia. A fala é motivada para orientar o ouvinte
e a escrita para orientar a mensagem. Se passarmos, agora, a considerar a
condição de produção, também encontraremos distinções entre a língua falada
e a língua escrita. Há a presença do interlocutor para a realização de produção
da fala, e a ausência de participação do ouvinte no ato de produção escrita.
A produção da fala acontece em tempo real. Seu planejamento é
simultâneo e conta para sua criação com recursos como os gestos, hesitações,
45
interrupções, inserções, correções, superposições, etc. Esses fenômenos são
típicos da emissão oral. No entanto, a escrita pode ser elaborada e reparada
com privacidade quando houver necessidade de correção do texto. Por este
motivo, consideramos a escrita um produto planejado previamente com ênfase
em como “dizer para bem dizer”.
Para elucidar a relação entre a fala e a escrita, evitando distorções, é
preciso considerar, portanto, a condição de produção, porque é ela que
possibilita a realização de um evento comunicativo e distingue-se em cada uma
das modalidades da língua, conforme Fávero (2005: 74), nos mostra no
seguinte esquema:
Fala
Escrita
─ Interação face a face
─
interação
à
distância
(espaço-
temporal)
─ planejamento simultâneo ou quase à
─ planejamento anterior à produção.
produção
─criação coletiva: administrada passo
─ criação individual
a passo
─impossibilidade de apagamento
─possibilidade de revisar o texto
─ sem condições de consulta
─ consulta livre
─ a reformulação pode ser promovida
─ a reformulação é promovida apenas
tanto
pelo escritor
pelo
falante
como
pelo
interlocutor
─ acesso imediato às reações do
─
sem
possibilidade
de
acesso
interlocutor
imediato
─ o falante pode processar o texto,
─ o escritor pode processar o texto a
redirecionando-o a partir das reações
partir das possíveis reações do leitor
do interlocutor
46
─ o texto mostra todo o seu processo
─ o texto tende a esconder o seu
processo
de
criação,
mostrando
apenas o resultado
Fávero (2005: 72-73), apresenta-nos por meio de um esquema, os
componentes necessários para que aconteça uma situação comunicativa,
falada ou escrita:
I – Papéis e características dos participantes
A – Papéis comunicativos dos participantes
1- falante/ escritor
2- ouvinte/ leitor
3- audiência (facultativa)
B – Características pessoais
1- estáveis: personalidade, interesses, crenças etc.
2- temporários: modos, emoções etc.
C – Características do grupo: classe social, grupo étnico, sexo, idade, ocupação,
educação etc.
II – Relações entre os participantes
A – No papel social: poder, status etc.
B- Pessoais: preferências, respeito etc.
C – Extensão do conhecimento partilhado: conhecimento de mundo e específico
III - Contexto
A – Físico
B – Temporal
C – Extensão espaço-temporal compartilhada pelos participantes
IV – Propósito (finalidade do evento)
A – Convencional
B - Pessoal
V – Tópico discursivo (assunto ou tema)
47
VI – Avaliação social
A – Avaliação do evento comunicativo
1 – valores partilhados por toda a cultura
2 – valores retidos por subculturas ou indivíduos
B – Atitudes do locutor em relação ao conteúdo
1- sentimentos, julgamentos, atitudes
2- tom ou modo
3- grau de comprometimento em relação ao conteúdo
VII – Relação dos participantes com o texto: nível de envolvimento
VII – Aspectos linguísticos e paralinguísticos
A – Fala:
1- léxico-sintático
2- prosódico
3- paralinguístico
B – Escrita
1- léxico-sintático
Para findarmos as comparações realizadas até aqui entre as duas
modalidades da língua, devemos considerar a natureza da concretização da
produção. Na fala observamos marcas de não acabamento, enquanto na língua
escrita, mesmo que provisoriamente, o texto apresenta-se, acabado. (Neves,
2009:77).
A língua falada não é desorganizada como estamos habituados a ouvir.
Ela possui uma gramática própria, utilizada pelos falantes que a aprendem por
meio do uso diário. Por esta razão, essa organização textual e interacional,
presente na fala costuma apresentar marcadores conversacionais. Em seu
vocabulário pode ocorrer o aparecimento de algumas gírias, termos pejorativos,
depreciativos, frases prontas e às vezes linguagem afetiva do falante (Preti,
2004:125).
A distinção entre a fala e a escrita, como já mencionamos neste
trabalho, está na “situação de comunicação”, e também, na relação
estabelecida entre falante/ouvinte de um lado e escritor/ leitor de outro,
48
marcadas pela presença/ ausência dos recursos de produção face a face. Por
isso, não podemos compreender a escrita como uma reprodução fidedigna da
fala.
Com base em estudos nas teorias de comunicação de Charaudeau
(2010:72), todo ato de comunicação possui duas instâncias, a de recepção e a
de produção. A instância de produção, responsável por fornecer informações,
passa a assumir duas funções: a de fazer saber e de aumentar o interesse no
consumo de informações. Já a instância de recepção está ligada diretamente a
aceitação da informação, segundo seus consumidores.
Todo ato de comunicação depende de uma situação de troca entre
produção e recepção. Esta situação de comunicação compõe, assim, o quadro
de referência comunicativo composto pelas restrições de espaço, de tempo, de
palavras, ou seja, tudo que constitui valores simbólicos, mas de suma
importância num contrato de comunicação, no qual qualquer indivíduo que
queira se comunicar leve em consideração as restrições estabelecidas. Este
contrato
representa
o
acordo
ou
troca
linguageira,
perceptível
nas
características externas e internas dessa situação de troca, estabelecida numa
espécie de “acordo prévio”.
O processo de comunicação, antes considerado linear, somente
emissão e recepção, passou a ser visto como um modelo circular, ou seja, o
receptor não só compreende o emissor, mas também colabora na produção da
mensagem. A comunicação pressupõe a interação e o saber ouvir.
E por este motivo consideramos a conversação cotidiana, a
conversação face a face um exemplo de interação. É o que podemos confirmar
com as palavras de Bange (1983 apud Koch, 1995: 66):
Se é exato que „falamos através de textos‟, isto é, se os discursos constituem
de fato o objeto adequado da linguística; se, de outro lado, admitimos que a
língua é um meio de resolver os problemas que se apresentam constantemente
na vida social, então a conversação pode ser considerada a forma de base de
organização da atividade de linguagem, já que ela é a forma da vida cotidiana,
uma forma interativa, inseparável da situação.
49
Em amplo sentido, a conversação deve abranger não apenas os
eventos cotidianos de comunicação, mas também as interações ocasionadas
por motivos profissionais, como uma consulta médica, palestras, negócios,
incluindo as que ocorrem no interior de instituições como a escola, o hospital,
etc.
2.2. Análise da conversação
A Análise da Conversação passou a ter destaque na década de 1960.
Era baseada na linha da Etnometodologia, estudos relacionados às práticas do
cotidiano e na Antropologia Cognitiva. Está centralizada no aspecto da ação e
interação, pelo caráter dinâmico pelo qual a realidade é construída pelos
próprios atores em diferentes interações sociais. Teve origem no interior da
Sociologia Interacionista americana.
Para
a
Etnometodologia
é
fundamental
observar
os
fenômenos
interacionais, bem como as conexões estruturais do processo interativo.
Dessa maneira, segundo os princípios da Etnometodologia, os estudiosos
da Análise da Conversação, buscam investigar a organização do texto
conversacional.
Hilgert (apud Mussalim, 2004:70), apresenta três níveis de estrutura
conversacional:
a) Macronível: estuda as fases conversacionais, que são abertura,
fechamento e parte central e o tema central e subtemas da
conversação;
b) Nível médio: investiga o turno conversacional, a tomada de
turnos, a sequência conversacional, os atos de fala e os
marcadores conversacionais;
50
c) Micronível: analisa os elementos internos do ato de fala, que
constituem
sua
estrutura
sintática,
lexical,
fonológica
e
prosódica.
O estudo da conversação é justificado pelas seguintes razões: a
conversação é considerada a prática social mais comum do ser humano, tem
papel importante na construção de identidades sociais e nas relações
interpessoais, permite que se discuta sobre questões relacionadas à
sistematicidade da língua em seu uso.
Os primeiros a se dedicarem aos estudos ligados à Analise da
Conversação foram os americanos Sachs, Schegloff, Jefferson entre outros.
Dedicaram-se a explicar a estrutura da conversação em atividades sociais e o
envolvimento entre os interlocutores. Por exemplo, as tomadas de turnos, o
início, a manutenção e o encerramento da conversação (Koch,1995:67).
Podemos entender como conversação toda e qualquer forma de
interação verbal. Conversar é uma ação que realizamos desde o momento em
que começamos falar e ocorre no dia-a-dia. Sempre estamos conversando
com alguém. E por ser uma prática social em que o ser humano desenvolve
identidades sociais, a preocupação em estudar a conversação recai sobre
aspectos envolvidos na atividade conversacional, como conhecimento
linguístico, paralinguístico e sociocultural.
A Análise da Conversação tenta responder algumas questões
relacionadas à conversa: como os falantes se entendem?, se compreendem?,
como interagem utilizando seus conhecimentos linguísticos? Os estudos da
Análise da Conversação somente são realizados com base em materiais
empíricos, ou seja, a própria conversa como experiência. A conversação,
segundo Levinson, (apud Marcuschi, 2007:7), base da aquisição da linguagem,
é a qual somos expostos em nosso meio e a que não deixamos de utilizar
depois de aprendida.
Uma característica importante da conversação é a linguagem dialógica.
Quando
conversamos
há
momentos
em
que
fazemos
perguntas
e
respondemos a outras.
51
A conversação apresenta cinco características básicas em sua
constituição: interação entre duas pessoas ou mais; ocorrência de pelo menos
uma troca de falantes; sequência de ações coordenadas; execução em uma
identidade temporal; interação centrada quando há envolvimento.
Assim tece seus comentários (Dionísio apud Mussalim, 2004:70):
é sugestivo, portanto, conceber a conversação como algo mais do que um
simples fenômeno de uso da linguagem em que ativa o código. Ela é o
exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas
relações interpessoais, tornando-se assim um dos melhores testes para
organização e funcionamento da cognição da complexa atividade da
comunicação humana. Neste contexto a língua é um dos tantos investimentos,
mas não o único, o que permite uma análise de múltiplos fenômenos em seu
entrecruzamento. (Dionísio apud Mussalim, 2004:70).
A conversação pode ser observada como uma prática da evolução do
homem, e por meio dela auxiliar nas relações sociais, embora apresente
diferentes características de acordo com a situação em que ocorre: uma
entrevista, uma conversa informal entre amigos, uma consulta, uma palestra,
etc. Não é fácil explicar como aprendemos a falar, mas é curiosa a forma como
aprendemos com facilidade o uso da língua na modalidade falada e a
linguagem adequada à situação de comunicação.
2.3.
Características
organizacionais
da
conversação:
turnos
conversacionais
A linguagem pode ser considerada “dialógica”, e é por este motivo que
quando conversamos, frequentemente elaboramos perguntas e respostas ou
então asserções e réplicas.
52
Observando atentamente a interação entre mãe e filho, vemos que
desde cedo a mãe se dirige à criança atribuindo-lhe turnos, ou seja, a interação
acontece dialogicamente.
Aprendemos desde pequenos esse processo comunicativo em que
turnos nos são atribuídos inerentes à atribuição de outros significados como o
silêncio, que pode ocorrer num diálogo, mas não deixa de ser compreendido.
Desde o nascer, convivemos com as regras básicas da conversação.
Aprendemos com os mais velhos que devemos falar um de cada vez. Isso
significa que devemos saber esperar o momento adequado para falar ou
esperar por pausas, hesitações, entonações, uso de marcadores para a
transição de um turno para outro. Este aprendizado é sistemático e cultural.
O falante marca o fim de seu turno conversacional por meio de sinais
conversacionais que indicam o término de sua fala. Somente dessa maneira o
interlocutor compreende que pode dar início à sua fala (seu turno) e assume o
papel de falante. Numa conversação há a alternância de papeis entre falante e
ouvinte, para que não falem ao mesmo tempo e ocorra incompreensão entre as
duas partes.
Segundo a proposta de Marcuschi (2007:16), há dois tipos de
organização de diálogo, mas apenas um deles apresenta propriamente o real
sentido da conversação: o diálogo assimétrico e o simétrico. O primeiro é o
diálogo pelo qual um dos participantes inicia, orienta, dirige a conversa e
conclui a interação, exercendo pressão sobre o outro participante. O segundo é
o diálogo simétrico, apresentando como característica o envolvimento entre
interlocutores que possuem o mesmo direito de escolha e elaboração de seu
turno.
Para haver conversação, é importante que haja a circunstância ou
contexto, e nela participantes envolvidos. A conversação também apresenta
uma organização. Existe uma universalidade empírica da regra “fala um de
cada vez”. Essa é a regra básica: falar um de cada vez e, assim, um espera o
outro concluir e as falas são produzidas alternadamente.
A produção do diálogo se dá na alternância de papeis entre falantes e
ouvintes. Dessa maneira podemos caracterizar a conversação como uma série
de turnos.
53
A noção de turno proposta por Sacks, Schegloff & Jefferson (apud
Dionísio, 2004:79) abrange dois sentidos: de que todo locutor pode ter o direito
de tomar a palavra e o sentido de unidade construcional, ou seja, no momento
em que o indivíduo se torna o falante é ele quem tem de elaborar a fala.
Baseando-se nesses sentidos propostos temos o turno conversacional.
Marcuschi (2007:20) conceitua turno como “a produção de um falante
enquanto ele está com a palavra, incluindo a possibilidade de silêncio”, e
acrescenta que não considera como turno “a produção do ouvinte durante a
fala de alguém, embora isto tenha repercussão sobre o que fala”.
A tomada de turno é vista como um mecanismo-chave, ou seja, colabora
muito na organização estrutural da conversação. Marcuschi evidencia que é
comum uma conversação em que os interlocutores alternam-se em falante A e
falante B. Assim temos: A-B-A-B. O falante A fala e para. B toma a palavra, fala
e para. A retoma a palavra, fala e para. B volta a falar e para. Essa regra não
pode ser considerada constante, pois existem outros momentos da
conversação, como pausas, hesitações, lacunas e breves interrupções que
alteram essa sequência. Embora sequências como A-B-A-B aconteçam com
mais frequência. Por isso é comum ouvirmos pedidos para que respeitem a fala
do outro, para que todos possam se entender.
O turno é uma unidade central de organização conversacional. A tomada
de turno não ocorre de modo caótico. A conversação é planejada localmente.
Isto quer dizer que a interação é planejada e replanejada como um jogo de
linguagem. É uma interação co-produtiva. A conversação inicia-se com um
tópico de motivação para o encontro entre os interlocutores. No planejamento
discursivo, ocorre, primeiro, o planejamento do tema, depois, a manutenção ou
não da conversa. Por isso a conversa gira em torno de temas e assuntos como
produtos de interação.
Duas técnicas propostas por Schegloff
& Jefferson (apud Marcuschi,
2007:20) evidenciam que essa organização tem caráter contextual. São elas:
I- o falante corrente escolhe um falante próximo que toma a palavra
e inicia um novo turno.
54
II- o falante corrente para, por isso o próximo falante, pela
autoescolha, passa a obter ou não o turno.
Não é demais repetir que as características de um texto conversacional
diferem do texto escrito. O texto conversacional apresenta os seguintes
elementos: o turno, o tópico discursivo, os marcadores conversacionais e os
pares adjacentes (Siqueira, 2006:12).
Compreendido por Fávero (2005:35-36), na conversação o turno é
tomado como unidade básica, mas explicita que as falas dos interlocutores
ocorrem por meio de mecanismos de tomada de turno, acompanhadas por
propriedades provavelmente encontráveis em qualquer conversação. São elas:
a) a troca de falantes recorre ou apenas ocorre;
b) em qualquer turno, fala um de cada vez;
c) ocorrências com mais de um falante por vez são comuns, as breves;
d) transições de um turno a outro, sem intervalo e sobreposições, são comuns;
longas pausas e sobreposições extensas são minoria;
e) a ordem de turnos não é fixa, mas variável;
f)
o tamanho do turno não é fixo, mas variável;
g) a extensão da conversação não é fixa nem previamente especificada;
h) o que cada falante dirá não é fixo nem previamente especificado;
i)
a distribuição de turnos não é fixa;
j)
o número de participantes é variável;
k) a fala pode ser contínua ou descontínua;
l)
são usadas técnicas de atribuição de turnos;
m) são empregadas diversas unidades para construir turnos: lexema,
sintagmas, sentenças, etc;
n) certos mecanismos de reparação resolvem falhas ou violações nas
tomadas.
Na visão de Marcuschi, uma interação por meio da conversação, implica
uma interação real, face a face ou não. As expectativas tendem a ser mútuas,
55
com objetivos bem definidos em relação ao tema. Por isso, todo evento de fala
é criado conforme contexto situacional. É nesse evento de fala, após o início
da interação, que os falantes devem agir com atenção para os fatos linguísticos
(verbalizados) que se combinam com os sinais paralinguísticos: gestos,
movimentos corporais, olhares. Com esses recursos, é possível manter e
sustentar a conversação, conforme a participação do outro. Além da
compreensão, os falantes compartilham conhecimentos comuns, aptidões
cognitivas, como também o domínio da língua.
Os marcadores metalinguísticos auxiliam e demonstram para os
interlocutores o momento em que os falantes querem introduzir suas falas. São
comuns para essas introduções frases como essas: “espera aí”, “deixa eu
falar”, “é a minha vez”, “licença”, “um momento minha gente”... entre outras.
A coerência conversacional é organizada por estratégias de formação e
coordenação. Por isso as frases, ou seja, os turnos não são aleatórios. Os
turnos representam uma sequência conversacional mantida por meio de
tópicos.
Citado por Galembeck (2003:67), tópico é tudo aquilo acerca de que
se fala ou se discute. Os tópicos durante a conversação podem apresentar-se
de forma simétrica ou assimétrica. Quando os interlocutores participam e
contribuem para o desenvolvimento do tópico conversacional, a conversação
ocorre seguindo uma simetria, ou seja, é como se os falantes tivessem o
mesmo direito à fala e a manutenção dos tópicos. Porém, na conversação
assimétrica, um dos interlocutores “ocupa a cena” e faz com que o outro
participante apenas contribua com intervenções secundárias e demonstre com
mais frequência que está seguindo e acompanhando as palavras do seu
interlocutor. Expressões como estas: certo, uhn uhn, ahn ahn, são exemplos e
demonstrações de que o ouvinte não participa do tópico, mas está atento à
conversa.
Tanto quanto os turnos, as pausas, os silêncios e as hesitações são
importantes organizadores conversacionais, relevantes à transição de um turno
a outro.
Geralmente as hesitações ou pausas preenchidas ocorrem como
momentos de planejamento e organização interno do turno e servem para dar
tempo ao falante para se preparar.
56
As formas de manifestações das hesitações variam muito, mas é comum
manifestarem-se como reduplicações de sons lexicalizados como os artigos e
conjunções ou de sons não lexicalizados: ah,ah, eh, eh...
2.4. Reparaçoes e correções na conversação
Em uma produção escrita, dispomos de mais tempo que na conversação.
Ao ocorrer um equívoco é possível voltar atrás e fazer as correções
necessárias, exluir os excessos e melhorar a qualidade do texto. Essas
correções não são mostradas ao leitor no texto final.
Na conversação, casos de reparações e correções são comuns. Por ser
uma característica da fala, ocorrem em tempo real. O falante faz a
autocorreção no mesmo turno em que ocorre a falha. Assim, evita que o erro
não seja corrigido. Corrigimos a nós mesmos ou aos outros falantes com
reparos sintáticos, lexicais, fonéticos, semânticos ou pragmáticos. Na escrita,
isso não ocorre, pois o produto final tende a ser o resultado de revisões e
correções. A esse processo damos o nome de mecanismo de correção
(Marcuschi, 2007:29).
Conforme Marcuschi (2007:29) há a seguinte tipologia para o mecanismo
de correção:
(a) autocorreção auto-iniciada: é a correção feita pelo próprio
falante lofo após a falha;
(b) autocorreção iniciada pelo outro: é a correção feita pelo falante,
mas estimulada pelo seu parceiro ou por outro;
(c) correção pelo outro e auto-iniciada: o falante inicia a correção,
mas quem a faz é o parceiro;
(d) correção pelo outro e iniciada pelo outro: o falante comete a
falha e quem as corrige é o parceiro.
As autocorreções auto-iniciadas são comuns ocorrem no mesmo turno em
que surgem as falhas. As que são iniciadas pelo outro costumam aparecer
57
geralmente no terceiro turno quando o falante retoma a palavra para fazer a
correção. Já nas correções pelo outro e iniciadas pelo outro costumam realizarse no turno subsequente ao turno em que ocorreu a falha.
2.5. Organização de sequências: pergunta e resposta
Quando pensamos na conversação, logo imaginamos seus interlocutores
alternando-se em turnos de fala em uma sequência para que fale um de cada
vez e não haja sobreposições de vozes.
Há
na
conversação
uma
organização
dessas
sequências
que
apresentam-se na maioria das vezes na interações entre os interlocutores
como pergunta e resposta.
Para falar da sequência pergunta-resposta, citaremos Silva( 2006: 261):
É muito difícil imaginar uma conversação que não comece ou termine nem
contenha perguntas e respostas. Em nosso dia-a-dia, utilizamos, ainda que
inconscientemente, desse recurso conversacional inúmeras vezes. É tal a
importância desse par dialógico que, quando utilizado à exaustão, leva o locutor
a dizer (muitas vezes, com certo tom de aborrecimento) que está sendo alvo de
algum inquérito e, quando não utilizado, leva o locutor a dizer que seu
interlocutor não se interessa por ele ou pelo tópico desenvolvido.
Diante das palavras de Silva, não causa estranheza afirmarmos que a
conversação consiste numa série de turnos alternados que compõem
sequências em movimentos coordenados e cooperativos. (Marcuschi, 2003:34)
Algumas sequências apresentam estruturação padronizada, chamadas
por Schegloff (1972 apud Marcuschi, 2007:35) de par adjacente ou par
conversacional. Segundo o autor, há as seguintes combinações:

pergunta- resposta;
58

ordem- execução;

convite- aceitação/ recusa;

cumprimento- cumprimento;

xingamento- defesa/ revide;

acusação- defesa/ justificativa;

pedido de desculpa- perdão.
O par pergunta- resposta (P- R) é uma das sequências conversacionais
mais comum. É o que podemos confirmar com as palavras de Silva (2006:263):
A sequência P- R não tem somente a função de coordenar os turnos, mas
também apresenta propósitos e funções específicos. Quando uma pessoa faz
uma indagação referencial, por exemplo, busca uma informação e pede ao
interlocutor que coopere; este ao responder, mesmo que não saiba a
informação pedida, demonstra seu desejo de cooperar e estabelecer a
interação. Dessa forma, o par P-R ajuda a coordenar a fala por meio de uma
série de obrigações recíprocas e pode apresentar variados propósitos na
conversação: servir como abertura de uma conversação; iniciar, manter ou
mudar o tópico; fechar a conversação.
Uma pergunta pode ocorrer na forma comum: interrogativa direta, ou
alternar-se para a forma indireta (Marcuschi, 2007:37):
─ quem sabe você me diz onde ele está.
A resposta pode ser apresentada na forma interrogativa (Marcuschi,
2007:37):
A: ficou satisfeita?
B: que acha? (( num largo sorriso))
59
Nem sempre uma pergunta tem intenção interrogativa (Marcuschi,
2007:37):
─ não comeu que chega hoje? ((equivalendo a uma ordem: pare de comer))
─ vamos almoçar juntos? ((equivalendo a um convite))
─ ainda não percebeu a cara dele? ((equivalendo a uma exortação))
Geralmente o par pergunta- resposta apresenta-se em dois tipos de
perguntas:
a) tipo sim- não
b) sobre algo
Referimo-nos a elas como perguntas abertas (sobre algo) versus
perguntas fechadas (sim-não).
As perguntas abertas ou informativas realizam-se com o uso de algum
marcador: quem?, qual?,como?, onde?,quando?, etc. Já as perguntas do tipo
sim-não restringem-se as essas alternativas como respostas. Embora
percebamos notáveis variações, a preferência não é pelo sim como resposta,
mas pela repetição do verbo ou algum elemento central da pergunta
(Marcuschi, 2007:38):
A: vai ao cinema?
B: vou
Em respostas afirmativas, é muito comum a preferência pela forma
ecoica, principalmente com o uso do verbo (Marcuschi, 2003:37).
Observe que além do uso do verbo para resposta, a forma elíptica, isto é, a
supressão de sílabas ou letra, é frequente na oralidade.
Também é muito comum na conversação os convites e propostas
seguidos de aceitações. Porém em alguns casos os convites são realizados
objetivando a negação. Nesse caso uma aceitação, por questões culturais,
pode ser visto como falta de polidez.
60
A: você não quer mais um pedaço?
A formulação de perguntas com negação, pode representar na
conversação traços de polidez (Marcuschi, 2007:38):
A: você não teria uma nota menor/ talvez cinco mil?
B: não
Casos de ofertas e convites em que a expectativa seja a resposta negativa, é
comum a utilização da negação (Marcuschi, 2007:38):
A: você não quer mais um pedaço?
2.6. Estratégias conversacionais
Um corpus literário pode ser estudado de dois modos distintos: no plano
estético, analisando as relações das personagens, tempo, espaço, narrador,
período literário e por meio de uma análise linguística em que verificamos quais
recursos foram utilizados pelo escritor na construção dos diálogos.
Mesmo sendo um diálogo construído, ou para usar um termo proposto por
Preti (2004:166), uma conversação literária, podemos verificar um modelo de
um esquema conversacional natural, já internalizado por seu autor. Deste
modo,
podemos
encontrar
exemplos
significativos
de
estratégias
conversacionais, sendo que há, por parte do autor, um planejamento prévio
para aproximar o texto escrito de um diálogo natural (Marinho, 2006:58).
61
Sendo assim, o texto literário pode nos servir como corpus para análise
linguística e substituir as gravações feitas de interações face a face. Embora:
não raro, recorremos à nossa memória para reproduzir estratégias discursivas
ou a documentos escritos da mídia ou da literatura, para exemplificar nossas
teorias. Assim, se fizermos um levantamento dos textos lingüísticos que tratam
de problemas interacionais na língua falada, vamos encontrar um grande
número de diálogos escritos publicados pela imprensa, transcrições de
entrevistas, crônicas etc., bem como muitos textos literários, notadamente da
prosa de ficção. (...)
Quer dizer, podemos entender cada uma dessas fontes como repositórios de
modelos falados, de esquemas de diálogos reais, guardados na memória de
quem escreve com indicação, não raro, do que podemos chamar de estratégias
conversacionais. (Marinho,2006:59).
Com intenção de analisarmos as estratégias selecionadas por Luiz Vilela
(1989), apresentaremos brevemente o levantamento teórico de algumas
estratégias para justificar nossa análise no capítulo 3. Dessa forma, de modo
claro, mostrar ao leitor como as estratégias conversacionais constituem táticas
que os falantes desenvolvem para atingir determinadas necessidades na
interação.
2.6.1. As gírias e a linguagem obscena
Por meio do léxico é possível observarmos o dinamismo da língua, sua
renovação e o modo como atende as necessidades da comunicação (Preti,
2010:79).
Constituído por um conjunto de vocábulos memorizados por uma
comunidade, o léxico passa a expressar a história dessa comunidade, sua
estrutura e normas sociais que a regem. Por este motivo os vocábulos
adquirem novos sentidos ao longo do tempo.
62
As palavras sofrem a influência das pressões sociais que ora mantém a
tradição de uma “boa linguagem”, ora se rendem a aceitação de novos
vocábulos. Conforme Preti (2010:81):
Sob a perspectiva moral,por exemplo, as frágeis linhas que marcam os
limites dos “bons costumes”, cujos conceitos continuamente se renovam
dentro de uma comunidade, são transportadas para o campo do léxico.
Formas vulgares se incorporam à fala culta ou vice-versa. A vida das palavras
torna-se um reflexo da vida social e, em nome de uma ética vigente, proibemse ou liberam-se palavras, processam-se julgamentos de “bons” ou “maus”
termos, apropriados ou inadequados aos amis variados contextos. E tabus
linguísticos aparecem como decorrência de tabus sociais.
A respeito disso, podemos analisar os vocábulos sob enfoques
diversificados: oobsceno e o gírio.
Os termos obcenos não são exclusividade de uma classe social menos
culta como estávamos acostumados a imaginar, nobres e cultos também os
utilizam quando querem acreditam necessário para ofender ou agredir
verbalmente o interlocutor em determinada situação.
É a situação (condições extraverbais que cercam o ato de fala) que
nos permitirá distinguir o que vulgarmente costuma chamar-se de “palavrão”,
utilizado como blasfêmea ou injúria. E, nesse caso, podemos falar de uma
linguagem obscena propriamente dita, com um rol de vocábulos mais ou
menos fixos através dos tempos e que, por constituírem tabus linguísticos, se
vêm mantendo quase sem alteração. Boa parte deles já não evoca no falante
ou no ouvinte o sentido original e primitivo dos termos, permanecendo apenas
a consciência do valor injurioso ou blasfematório, a função depreciativa do
significado (Preti, 2010:86).
63
Em nosso cotidiano, na linguagem falada, a gíria tornou-se um recurso de
aproximação entre os interlocutores como uma forma de quebrar a formalidade
e forçar uma interação mais próxima das pessoas que dialogam.
As gírias, características frequentes na conversação, podem ser
encontradas com facilidade em diferentes meios comunicativos, até mesmo na
imprensa falada ou escrita.
Seu uso estendeu-se à várias camadas da população, mas acreditava-se
que a linguagem gíria era específica de deternimadas comunidades, porém
tornou-se comum em diferentes grupos sociais e utilizada conforme o estilo do
falante.
Classificamos as gírias como um “fenômeno tipicamente sociolinguístico”,
ou seja, é possível compreendermos os usos gírios como um acontecimento
relacionado as situações sociais presentes na vida dos falantes.
As gírias podem ser estudadas sob duas perspectivas: a primeira como
gíria de grupo, isto é, que pertencem a um vocabulário de grupos sociais
restritos cujos usos se afastam ou causam estranheza da maioria pelo “conflito
que estabelecem com a sociedade” (Preti, 2004: 66).
A segunda perspectiva é a da gíria comum, que se preocupa em estudar a
“vulgarização do fenômeno”. A gíria torna-se conhecida e passa a fazer parte
do vocabulário popular, perdendo sua identificação inicial, pois deixa de ser
restrita e é usada por toda a sociedade.
Quando considerada como linguagem de grupo, as gírias podem
representar características da
personalidade
dos falantes, e acabam
demonstrando pelo vocabulário usado, a que grupo pertence. Para muitos, a
forma como usam a linguagem gíria, é tão importante quanto a roupa que
vestem, representam seu estilo.
Não seria adequado proibir a linguagem gíria, mas seu uso pode ser
restrito ao contexto, à situação de interação. Não é em qualquer interação, com
qualquer interlocutor que podemos usar o vocabulário gírio. Há momentos que
essa linguagem poderá ser substituída por outra menos popular, mais informal,
conforme estipulado pelo contexto interacional.
Com o objetivo de compreensão por meio da comunicação, faz-se
necessário que a linguagem seja acessível a todos. Por esta razão, a gíria de
64
grupo faz com que haja mais dificuldade de entendimento entre os falantes, o
que aconteceria com menor frequência com a gíria comum.
O uso de gírias não está relacionado à escolaridade do falante. Em todos
os níveis sociais, há a presença de vocábulos gírios. Eles estão presentes nas
interações entre interlocutores, independente classe da social, mas nas muitas
situações em que se envolvem. (Preti, 2004: 66).
Frequentemente nos perguntamos sobre as razões do uso das gírias, mais
presentes na fala do que na escrita. Em Preti encontramos em uma citação a
resposta para a seguinte questão: “Por que se usa gíria, hoje, na
conversação?” (Preti, 2004: 70):
A maior abertura democrática da sociedade moderna, particularmente na
América (e portanto, no Brasil), fortaleceu os meios de expressão populares,
como a gíria. O choque que ela nos provocava algumas décadas atrás foi
substituído por uma convivência pacífica com a linguagem culta (porque,
também, os falantes cultos usam gíria na sua conversação natural).
Vocabulário ágil, não raro agressivo, a gíria passou a refletir, na sua
efemeridade, na alteração constante de seus significados, a própria instabilidade
e dinâmica do mundo contemporâneo, marcado pela mudança veloz de seus
valores, pela competição e agressividade.
O vocabulário gírio, com seu humor, sua ironia, seu poder agressivo (quando
não injurioso), cumpre, também, o papel de um verdadeiro processo de catarse,
de purgação para o homem moderno, que nele encontra uma das formas de
defender-se das injustiças sociais, atacando-as no conservadorismo de sua
linguagem, para compensar sua revolta e frustração.
Hoje, simplesmente não é possível ignorar a gíria e sua ligação direta com a
vida, particularmente na cidade grande. Muito menos atribuir, inocentemente,
sua presença na conversação a deficiências de leitura e escolarização, porque a
gíria passou a constituir uma opção a mais em nosso repertório linguístico, um
recurso muito expressivo para a representação de nossos sentimentos e de uma
visão crítica do mundo em que vivemos.
65
Podemos entender as gírias como uma opção de uso para tornar a
relação entre os interlocutores mais agradável. A conversação se torna mais
íntima, mais próxima e menos tensa, garantindo a compreensão e a interação
entre eles.
2.6.2. Ironia na fala
É impossível confirmarmos a existência de uma regra ou definição de
ironia que explique todos os fenômenos irônicos. São diversas as situações
observadas em que a ironia se faz presente. Por exemplo, é o que ocorre em
situações em que o destinatário tem a necessidade de distinguir no discurso do
enunciador o que é explicitamente dito e o que é entendido por detrás do
discurso.
Não existe apenas uma única definição de ironia que explique todos os
fenômenos irônicos, embora seja comum situações em que se coloca o
destinatário numa posição em que precisa distinguir o que é explicitamente dito
e qual era a real intenção por detrás do discurso.
Alguns estudiosos apresentam algumas características básicas para
explicar a enunciação irônica. Uma delas consiste na dissociação entre o que é
dito e o que é entendido, podendo ocorrer às vezes uma certa contradição.
Outra característica, apesar da contradição, consiste na relação entre o que é
dito e o que se pensa. O interlocutor intérprete busca entender o que o locutor
realmente pensa, mas dito de forma contrária. Por fim, a última característica
encontrada sobre este tema expressa geralmente uma apreciação positiva,
mascarando uma apreciação negativa (Silva,2009:91).
“Decidir o que é ironia implica, na realidade uma certa concepção de sentido,
da atividade de fala ou da subjetividade” (Viana, 2011:69-70).
66
2.6.3. Presevação da face
Em uma interação, cada um dos interlocutores buscam manter sua autoimagem pública e cooperam um com o outro para que a interação ocorra de
modo eficaz. Como tece Marinho (2006:66):
Em uma conversação, é comum os interactantes cooperarem para a
manutenção da face do outro, havendo uma espécie de acordo tácito entre
eles. Assim, normalmente, a face de uma pessoa é mantida quando a face da
outra que interage é mantida.
Cada participante, em uma interação, pode ameaçar ou não a face um do
outro na tentativa de preservar cada um a sua imagem social, na perspectiva
da existência de um “eu” e de um “tu”.
O modo como cada interlocutor se apresenta é o que Goffman define como
face. O conceito proposto por ele consiste na visão que o falante tem de si no
momento do “embate comunicativo” (Santos, 2007:50).
Tal conceito pode ser definido como o valor que o falante cobra de si. “ A
face é algo em que há investimento emocional e que pode ser perdida, mantida
ou intensificada e tem que ser constantemente cuidada numa interação (Reis,
2011:99)
Para Goffman (apud Marinho, 2006:66-67) “a face é definida por meio de
atributos sociais aprovados, podendo ser compartilhada por outras pessoas,
como por exemplo, quando uma pessoa enaltece sua profissão, religião ou
seus próprios méritos.
A esse respeito Goffman (apud Santos, 2007:50) criou o conceito de face
positiva, representada pela imagem que o “eu” pretende passar aos outros, e a
face negativa, representada pela intimidade, aquela face que se deseja ter
preservada.
Brown & Levinson (1978:6, apud Marinho, 2006:69) assim elucidam as
faces negativa e positiva:
67
1. face negativa: a reivindicação básica a territórios, proteções pessoais,
direitos a não-distração, isto é, liberdade de ação e liberdade para imposição;
2. face positiva: a auto-imagem positiva consistente ou “personalidade”
(crucialmente incluindo o desejo de que essa auto-imagem seja apreciada e
aprovada) reivindicada pelos interactantes.
Por meio do uso de algumas estratégias conversacionais os falantes
mantém a preservação da face, seja ela positiva ou negativa.
Diante do exposto até aqui, é que observaremos no corpus selecionado
“Os novos”, no capítulo III o conceito de face apresentado na intenção de
comunicação criada por Luiz Vilela.
2.7. Marcadores conversacionais interativos
Convém lembrarmos que não podemos utilizar as mesmas unidades
sintáticas da conversação para a língua escrita. Na conversação obedecemos
a princípios comunicativos, não somente a princípios sintáticos.
Observando a conversação transcrita abaixo, é possível perceber a
ocorrência de alguns recursos característicos da fala (Dionísio, 2004:88)
10 Inf.M
11
eu acho que tem ...não apenas a a mulher normalmente
é mais: mais delicada [tem sentimento
12 Doc.
[uhrum
13 Inf.M
essa coisa...não é?
14 Doc.
é exato
15 Inf.M
no todo...não é?
16 Doc.
sim de forma genérica
17 Inf.M
a a a mulher tem mais sensibilidade ...não é?
18 Doc.
uhrum
68
19 Inf.M
tem mais: a educação mais apurada... não é?
20 Doc.
certo
21 Inf.M
e: tem mais sensibilidade pra coisas be:las en en entendeu?
O emprego de não é? , entendeu?, no final dos turnos da informante, é
uma forma do falante interagir com sua interlocutora, que por sua vez,
demonstra participar da conversação utilizando expressões não-lexicalizadas
“uhrum” , ou expressões estereotipadas, sinalizando convergência, “é exato”,
“sim”,
“certo”.
Esses
recursos
são
conhecidos
como
marcadores
conversacionais. São esses elementos, muito típicos da fala, que não integram
conteúdo cognitivo,
mas exercem significação discursivo- interacional.
(Dionísio, 2004: 88)
Marcador conversacional é uma expressão que serve para nomear não
só os elementos verbais, mas também os prosódicos e não-linguísticos. Todos
estes elementos exercem função interacional. Por isso podem ser produzidos
ora pelo falante, ora pelo ouvinte.
Said Ali, em 1930, deu início a uma visão pioneira desses elementos,
antes denominados de “expressões de situação”, afirmando sobre os
marcadores (Urbano, 2003: 99):
─ se trata de palavras, expressões ou frases, típicas da língua falada, e em
particular da conversação espontânea;
─ parecem, mas não são, descartáveis, discursivamente falando;
─ são alheias, talvez, à parte informativa;
─ entretanto funcionam como expressões das intenções conversacionais do
falante;
─ são determinadas pela situação faca a face dos interlocutores.
Os
marcadores
do
texto
conversacional
apresentam
funções
conversacionais e sintáticas, conforme Urbano nos apresenta:
69
São, na realidade, elementos que ajudam a construir e a dar coesão e
coerência ao texto falado, especialmente dentro do enfoque conversacional.
Nesse sentido, funcionam como articuladores não só das unidades cognitivoinformativas do texto como também dos seus interlocutores, revelando e
marcando, de uma forma ou de outra, as condições de produção do texto,
naquilo que ela, a produção, representa de interacional e pragmático. Em outras
palavras, são elementos que amarram o texto não só como estrutura verbal
cognitiva, mas também como estrutura de interação interpessoal. Por marcarem
sempre alguma função interacional na conversação, são denominados
marcadores conversacionais (2003: 98).
As classes dos marcadores podem ser subdivididas em três tipos:
verbais, não-verbais (ou paralinguísticos) e supra -segmentais (ou prosódicos).
Todos exercem a função de “elo de ligação entre unidades comunicativas e de
orientadores dos falantes entre si” (Marcuschi, 2007: 61).
Os marcadores conversacionais verbais constituem uma classe de
palavras ou expressões estereotipadas apresentando grande ocorrência e
recorrência.
Porém
não
acrescentam
novas
informações
para
o
desenvolvimento do tópico.
Temos uma subdivisão em quatro grupos. Fávero (2005:45) é quem nos
apresenta essa sistematização de marcadores verbais elaborada por
Marcuschi:

marcador simples: Ex. agora, então, aí, entende, claro,
exatamente. São realizados com uma só palavra. Pode ser
interjeição, advérbio, verbo, adjetivo, conjunção, pronome etc.

marcador composto: Ex. então daí, aí depois, quer dizer, sim
mas ,bom mas aí, tudo bem mas, digamos assim. Apresenta
tendência a cristalização e caráter sintagmático.

Marcador oracional: são aquelas pequenas orações que
aparecem em diferentes tempos e formas verbais (assertivo,
indagativo, exclamativo). Como exemplo citamos: eu acho que,
quer dizer, então eu acho, não mais sabe, porque eu acho que.
70

Marcador prosódico: são aqueles realizados por meio de
recursos prosódicos: a entonação, pausa, hesitação, o tom de
voz etc.
Dando sequência à classe dos marcadores, temos os recursos nãoverbais. São essenciais em uma interação face a face para manter ou regular o
contato entre os falantes e ocorrem por meio da gesticulação, de risos, olhares
etc. São os movimentos realizados no momento da interação.
Por fim, finalizamos a classe dos marcadores, os recursos suprasegmentais. São de natureza linguística, porém não apresentam caráter verbal,
mas
abrangem
contornos
entonacionais
ascendentes,
descendentes,
constantes ou por meio de ritmos, da velocidade, de alongamento de vogais,
de pausas e tom de voz. Geralmente podem surgir no início das unidades
comunicativas, mas são frequentes as ocorrências no final das unidades.
Na oralidade, os textos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo,
isto significar dizer, que sua produção é local e coproduzida no momento da
interação.
Deste modo, é comum por parte dos interlocutores, usarem
marcadores conversacionais em qualquer momento da interação, marcadores
empregados, “desempenhando funções conversacionais e sintáticas”, podendo
aparecer em diferentes posições: no começo, no meio ou no fim de um turno
ou uma unidade comunicativa (Mussalim, 2004: 88).
Entende-se aqui a unidade comunicativa “como substituto conversacional
para frase, ou seja, é a expressão de um conteúdo que pode dar-se, mas não
necessariamente, numa unidade sintática tipo frase” (Marcuschi, 2007:62).
Sintaticamente os marcadores são responsáveis pela sintaxe da
interação, pela segmentação e encadeamento de estruturas linguísticas. O
poder comunicativo desses sinais é tão grande, que um ouvinte, mesmo que
entenda mal uma língua ou o assunto, consegue sustentar a conversação
emitindo adequadamente os sinais do ouvinte.
Os sinais verbais podem ser divididos, em relação às funções
conversacionais, em dois grupos: sinais do falante e sinais do ouvinte:
a) Sinais produzidos pelo falante, que servem para sustentar o turno, preencher
pausas, dar tempo à organização do pensamento, monitorar o ouvinte,
explicitar intenções, nomear e referir ações, marcar comunicativamente
71
unidades temáticas, indicar o início e o final de uma asserção, dúvida ou
indagação, avisar, antecipar ou anunciar o que será dito, eliminar posições
anteriores, corrigir-se, auto-interpretar-se, reorganizar e reorientar o discurso
etc;
b) Sinais produzidos pelo ouvinte durante o turno do interlocutor e geralmente
em sobreposição, que servem para orientar o falante e monitorá-lo quanto à
recepção. Aos sinais de concordância como ahã, sim, claro, o falante pode
animar-se; aos sinais de discordância como não, impossível, o falante pode
reformular-se ou acrescentar algo mais; sinais como diga, diga promovem
uma exploração adicional do tópico, e assim por diante. Marcam a posição
pessoal
do
ouvinte
localmente,
encorajam,
desencorajam,
solicitam
esclarecimento e não têm apenas uma função fática ou algo semelhante
(Dionísio,2004:89).
Como sabemos, os sinais conversacionais verbais orientam numa
interação o falante e o ouvinte, conforme podem ser observados no quadro
apresentado por Marcuschi (2007:68) a seguir:
72
Com base nas informações apresentadas no quadro dos sinais
conversacionais verbais, podemos compreender mais facilmente formas,
funções e posições dos marcadores conversacionais. Deste modo, temos os
sinais de tomada de turno, representados pelas expressões típicas, para cada
situação, como iniciar uma resposta: olhe, certo, entendi,boa ideia, indicar uma
disjunção ou desalinhamento: bem; introduzir uma opinião ou marcar um
endosso: é isso, boa Idea, retomar um tópico: em relação a isso, voltando ao
tema, marcar uma digressão: a propósito, adiar um tópico:depois a gente volta
a isso e por fim os marcadores de deslocamento: antes que me esqueça.
Temos sinais de sustentação de turno. Geralmente aparecem em final de
unidades comunicativas na forma indagativa, como viu? entende? sabe?
correto?, para que o falante possa manter a palavra.
Comumente em finais de turno, temos os sinais de saída ou entrega de
turno, marcadas preferencialmente expressões indagativas como né? viu?
Entendeu?, é isso aí, o que você acha?
2.7.1. Formas de tratamento na conversação
Segundo Cunha e Lindley Cintra (1985: 282) os pronomes de tratamento
podem ser definidos como “certas palavras e locuções que valem por
verdadeiros pronomes pessoais, como: você, o senhor, Vossa Excelência”. Em
consonância com os autores, Silva (2003:169) acrescenta mais: “trata-se de
pronomes com os quais se estabelece uma relação direta entre falantes e
ouvintes expressando distanciamento ou não entre eles”.
Entendemos que
as formas de tratamento englobam expressões disponíveis aos usuários da
língua para referir-se ao seu interlocutor. Fazem parte dessas formas de
tratamento os pronomes pessoais e as formas nominais, que aparecem como
sintagmas nominais empregados em função de vocativo.
73
Temos uma divisão em três níveis do sistema de tratamento:
Em português, o sistema de tratamento pode ser representado: 1) por formas
pronominais, ou seja, pelos pronomes pessoais (tu, vós); 2) por formas
pronominalizadas, isto é, com valor de pronomes pessoais (você, o senhor,
Vossa Excelência e suas variações); 3) por formas nominais, constituídas por
nomes próprios, prenomes, nomes de parentesco ou equivalentes, antecedidos
de artigo, uso praticamente restrito ao português de Portugal ou, ainda, por
uma grande variedade de nomes empregados como vocativos ou formas de
chamamento (Silva, 2003:170).
Nesta pesquisa, pretendemos fazer o levantamento de formas de
tratamento que o usuário da língua emprega para se dirigir ou se referir à outra
pessoa. Neste trabalho, portanto, nosso foco será para a forma de tratamento
utilizada com frequência pelas personagens da obra, de acordo com o grau de
intimidade demonstrado na relação entre os jovens amigos.
Dessa forma estabelecemos em quatro níveis as formas de tratamento
(Silva, 2003:171):
1. Formas pronominalizadas no sentido que Cunha e Lindley Cintra (1985)
dão aos pronomes de tratamento, isto é, palavras e expressões que
equivalem a verdadeiros pronomes de tratamento. Neves (2000: 449)
não se refere propriamente a pronomes de tratamento, mas a
pronomes pessoais e enfatiza suas funções básicas (expressões
referenciais que representam, na estrutura formal dos enunciados, os
interlocutores que se alternam na enunciação):
a) primeira pessoa: aquela de quem parte o discurso, e que só
aparece no enunciado quando o locutor faz referência a si mesmo
(auto-referência);,
b) segunda pessoa: aquela a quem se dirige o discurso, e que só
aparece no enunciado quando o locutor se dirige a ela;
c) terceira pessoa: aquela sobre a qual é o discurso. Isso implica que
há dois eixos envolvidos:
74
 um eixo subjetivo, que abriga as pessoas implicadas na interação
verbal, isto é, as pessoas que têm papel discursivo, e que são locutor
(a primeira pessoa) e o alocutário, ou receptor (a segunda pessoa).
Incluímos as formas você, o senhor, a senhora no âmbito subjetivo;
 um eixo não-subjetivo, que abriga as pessoas ou coisas não
implicadas na interação verbal, que são as entidades a que se faz
referência na fala ( a terceira pessoa, também chamada de nãopessoa).
2. Formas nominais, constituídas por nomes próprios, nomes de
parentesco, nomes de funções sempre empregados no eixo subjetivo,
indicando a pessoa com quem se fala. Nesses casos, a forma nominal
pode ser substituída por você/ o senhor.
3. Formas vocativas, isto é, palavras desligadas da estrutura argumental
do enunciado e usadas para designar ou chamar a pessoa com quem
se fala. Normalmente, essas formas são acompanhadas por pronomes
pessoais explícitos ou implícitos.
4. Outras formas referenciais, isto é, palavras usadas como referência à
pessoa de quem se fala, portanto engloba o eixo não-subjetivo.
2.7.2. Situação de comunicação
De acordo com teorias interacionistas, os enunciados não podem ser
analisados independentes do contexto, pois estão relacionados à interação
ligada a situação de comunicação dos falantes.
Conforme o contexto, em que se interage por meio do diálogo, os
interlocutores reagem de modo diferente e utilizam diversas estratégias
conversacionais para o momento.
Para que a situação comunicativa seja realizada com sucesso, faz-se
necessária a compreensão de alguns elementos: o lugar, o objetivo e os
participantes.
O local, conhecido também como o quadro espacial, pode ser
considerado o espaço físico onde ocorrem as interações.
75
Os objetivos para que haja uma interação são diversificados, embora
tenhamos objetivos mais globais, uma consulta por exemplo. São comuns
encontros casuais com interações gratuitas, nas quais as interações são de
natureza mais relacional, em que se fala por falar (Orecchioni, 2006:25-26).
2.8. Tratamento dos dados orais
O corpus da Análise da Conversação é constituído pelas conversações
produzidas em situações naturais. Para que sejam analisadas fazem-se
necessárias gravações ou filmagens para que uma transcrição possa ser
realizada com maior proximidade da realidade linguística.
“Não existe a melhor transcrição. Todas são mais ou menos boas. O
essencial é que o analista saiba quais os seus objetivos e não deixe de
assinalar o que lhe convém. De modo geral, a transcrição deve ser limpa e
legível.” (Marcuschi,2007:9)
Nestes textos, seguem as normas e orientações do Projeto de Estudos
Coordenados da Norma Urbana Linguística Culta (Projeto NURC):
Quadro de normas para transcrição (Preti, 2003:13-14)
Ocorrências
Incompreensão de palavras
Sinais
Exemplificações
( )
ou segmentos
Hipóteses do que se ouviu
do nível de renda...( )
nível de renda nominal...
(hipótese)
(estou) meio preocupado (com o
gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
/
e comé/ e reinicia
indicativo da tônica e/ou
timbre)
Entonação enfática
porque as pessoas reTÊM
Maiúscula
Prolongamento de vogal e
moeda
ao emprestarem os... éh ::: ...o
76
consoante (como s,r)
:: podendo aumentar para
dinheiro
:::: ou para mais
Silabação
por motivo tran-sa-ção
_
Interrogação
e o Banco...Central...certo?
?
Qualquer pausa
são três os motivos...ou três
...
razões ...que fazem com que se
retenha moeda...existe
uma...retenção
Comentários descritivos do
transcritor
((minúscula))
Comentários que quebram a
sequência temática da
((tossiu))
...a demanda de moeda - - vamos
--
--
dar essa notação - - demanda de
exposição; desvio temático
moeda por motivo
Superposição e
A. na [ casa da sua irmã
simultaneidade de vozes
[ ligando as linhas
B.
sexta-feira?
A. fizeram [ lá...
B.
cozinharam lá?
Indicação de que a fala foi
tomada ou interrompida em
(...)
(...) nós vimos que existem...
determinado ponto. Não no
seu início, por exemplo.
Citações literais ou leituras de
textos, durante a gravação
Pedro Lima ...ah escreve na
“ ”
ocasião... “O cinema falado em
língua estrangeira não precisa de
nenhuma barreira entre nós”...
Na conversação, alguns fenômenos como os gestos, expressões faciais,
entonações, risos e olhares, colaboram com a construção do sentido do
enunciado linguístico durante o processo de interação face a face. Uma
gravação em vídeo seria interessante para observação e análise desses
fenômenos muito comuns na fala. As conversações espontâneas, aquelas
cotidianas, são constituídas dessa mistura de material verbal e não-verbal.
Os materiais não-verbais são empregados por falantes em uma conversa
pelas seguintes formas apresentadas por Dionísio (2004:77)
77
a) paralinguagem: sons emitidos pelo aparelho fonador, mas que não fazem parte
do sistema sonoro da língua usada;
b) cinésica: movimentos do corpo como gestos, postura, expressão facial, olhar e
riso;
c) proxêmica: a distância mantida entre os interlocutores;
d) tacêsica: o uso de toques durante a interação;
e) silêncio:
a
ausência
de
construções
linguísticas
e
de
recursos
da
paralinguagem.
A paralinguagem é “uma espécie de modificação do aparelho fonador,
ou mesmo a ausência de atividades desse aparelho”. Incluem-se nessas
características todos os sons e ruídos que não são linguísticos, como os
assobios, as onomatopeias, altura exagerada, etc. Quanto à cinésica, alguns
gestos, os audíveis, encontram-se no campo da paralinguagem. Já os visuais
podem ser observados no próprio campo da cinésica (2004:77).
Dito por Dionísio (apud Mussalim, 2004:77), a paralinguagem e a
cinésica alteram suas funções e desempenham variados papéis durante uma
interação. Com essas alterações de funções e papéis, alguns atos
paralinguísticos e cinésicos podem ser classificados como atos lexicais, ou
seja, atos não-verbais, mas que adquirem um significado próprio, como o
exemplo citado pelo próprio autor: “hhh”, utilizado para remeter à ideia de
silêncio. Quando ouvido, é porque há uma pedido para ficar quieto.
Diante dessas informações, podemos concluir que falamos com a voz e
com o corpo. Nesse caso uma boa transcrição para ser realizada e analisada,
pode abranger informações que garantam o registro de todos esses aspectos
da linguagem, a paralinguagem e a cinésica.
Por meio de uma transcrição, obtemos uma noção de um diálogo real.
Todavia, na construção do diálogo literário, há a possibilidade do texto ser
elaborado a partir de estratégias conversacionais, e dessa forma representar a
conversação natural face a face.
78
2.9. A conversação literária
“Quando pretendemos analisar diálogos construídos, devemos ter
sempre em mente que não se trata de diálogos naturais, mas sim de textos
que, criados no campo da ficção, têm objetivos estéticos e buscam recriar a
realidade oral (Negreiro, 2010: 42).
Muitos autores registraram, e ainda registram, por meio da linguagem,
as variações sociais ou psicológicas de suas personagens, por representarem
características de determinadas épocas e grupos sociais. Por isso a oralidade
começou a ser usada em textos literários como recurso de caracterização de
personagem.
A opção em utilizar a língua oral para caracterizar personagens atribui à
obra um tom mais realista, mais verossímil, por lembrar muito a interação
espontânea face a face entre os interlocutores.
A manifestação escrita de um texto literário, sem julgarmos neste
momento o que qualifica ou não um texto como literário, constitui um processo
de elaboração, reflexão e planejamento com cuidado especial a estética da
obra.
Em suma, [...], adotamos a posição segundo a qual a língua literária possui,
antes de tudo, um caráter estético. Isso não impede, contudo, que se considere
que a língua literária – ou, nas palavras de Granger, o uso literário – seja
composta por “outras línguas”. É possível afirmar, assim, que a artificialidade
estética da língua literária pode ser composta pela naturalidade da língua
comum. (Negreiros, 2010:43)
Muitas pesquisas linguísticas foram realizadas em corpus literários. Eles
suprem a falta de documentações gravadas que servem como registro de
variantes da modalidade oral da língua nas mais diversificadas situações de
interação.
79
Por meio de narradores e personagens que tomam o lugar de falantes
reais, podemos ver reproduzidas as intenções, e até mesmo a naturalidade de
uma realidade linguística.
Entretanto, seria temerário afirmar que em toda produção literária, em
diferentes momentos da literatura, temos a visão real do que foi a língua falada
em determinado período, embora em todos os momentos facilmente
encontramos autores que se influenciaram pela língua falada e levaram para a
escrita variantes que poderiam ter sido comuns em sua época.
“Se pensarmos nos diálogos literários, a reprodução da fala, em muitos
escritores, certamente, aproxima-se do uso linguístico de sua época, não só na
literatura atual, mas também em outros tempos” (Preti,2004:126).
Houve aceitação da contribuição da língua falada na escrita por ter como
característica atribuir mais naturalidade às falas das personagens, incluindo-se
o narrador de primeira pessoa.
Em alguns textos literários,a linguagem popular faz com que possamos
lembrar de uma situação de interação natural face a face. Esta é uma das
possibilidades almejadas pelo autor.
Pensamos em um texto literário como num processo de reflexão e
planejamento,o que afastaria qualquer hipótese da presença da língua oral.
Mas quando um escritor tem por objetivo a estética, há livre escolha das
variantes linguísticas para que suas expectativas sejam alcançadas. Por esta
razão entendemos que o emprego de recursos da língua falada, provavelmente
seja uma estratégia intencional do autor para atribuir um tom mais realista, por
se fazer valer das características da linguagem espontânea da fala do dia a dia.
Como Preti (2004:126) mesmo diz, há a possibilidade de fazer chegar ao
leitor a ilusão de uma situação natural (real) de fala, porque o texto literário
decorre do processo reflexão, planejamento e elaboração. É nesse sentido que
muitos escritores empregam na escrita “marcas da oralidade”, conhecidas pelo
leitor que se reconhece no texto por meio do diálogo criado a partir de uma
realidade linguística que se habituou a ouvir.
Na ótica de Preti,
80
...os objetivos do escritor são de natureza estética e não há limites na escolha
das variantes linguísticas para atingi-los. Por isso, o emprego de recursos da
oralidade pode ser uma estratégia intencional do escritor para dar a seu diálogo
de ficção uma proximidade maior com a realidade. Dificilmente se poderia aceitar
a ideia de uma “língua literária”, no sentido de uma “língua exemplar”, isto é, um
modelo padrão de língua culta. O que há são estilos literários diversificados, que
se
valem
das
características
da
linguagem
culta
ou,
às
vezes,
da
espontaneidade da fala do dia a dia, para melhor atingir seus objetivos
(2004:120).
Para realizarmos o estudo de um diálogo de ficção, é importante
observarmos dois aspectos: a análise do contexto histórico em que é realizado
o diálogo e a análise da situação de interação.
Sobre isso, afirma Marinho (2006:55):
Da mesma forma que, quando analisamos uma conversação natural,
devemos estar de posse certas informações a propósito do tema, do
contexto, do local, da natureza dos falantes, da situação de comunicação em
que estão envolvidos, assim também na análise de um diálogo de ficção é
preciso que tenhamos essas informações, que nos são fornecidas pelo
narrador (no caso do diálogo literário) ou pela imagem (no caso do teatro, do
cinema e da TV) ou menos comumente na mídia, por um narrador “off” em
certos tipos de peças, de filmes ou de textos narrativos de TV. Mas
principalmente pelas próprias falas das personagens, que aludem a fotos,
características das personagens, que nos ajudam a entender o diálogo que
está ocorrendo, por constituírem elementos pragmáticos importantes para o
significado.
Quando informamos dados referentes ao contexto histórico, geográfico,
fatores extralinguísticos, e dados relevantes como idade, sexo do falante,
grau de escolaridade, profissão, realizamos o que Preti (2004:139), intitula de
81
macroanálise da “conversação literária”. Quando analisamos a situação
interacional juntamente com os elementos que acompanham as falas, por
exemplo,
as
estratégias
conversacionais,
colocamos
em
prática
a
microanálise da “conversação literária”, também nomeada por Preti
(2004:139).
Não discutiremos sobre movimentos literários ou determinado momento
histórico, mas o plano estético, principalmente a relação entre arte e
realidade, tratando apenas da verossimilhança entre os fatos reais e o texto
criado.
É inviável afirmarmos que os diálogos de ficção representam fielmente uma
conversação
natural.
Marcas
como
hesitações,
frases
incompletas,
repetições, sobreposições de vozes, nem sempre aparecem nos textos
escritos. Uma transcrição da fala poderia inclusive romper com as
expectativas do leitor, que espera que as personagens literárias, em seu
diálogo, revelem estratégias comunicativas ideais pela forma como se
expressam, demonstram ou escondem intenções, além de mostrar como
marcam uma aproximação ou distanciamento entre os interlocutores, como
fingem camaradagem ou hostilidade e como se tornam claros ou obscuros no
que querem comunicar.
Os diálogos construídos podem muitas vezes esclarecer-nos com mais
precisão estados psicológicos das personagens e suas expressões verbais,
comparadas às gravações de uma conversação natural, que às vezes podem
apresentar uma aparente falta de naturalidade do falante durante a gravação.
O conhecimento interiorizado pelos escritores e expressos por meio da
linguagem de suas personagens, nos conduz ao modo como as estratégias
conversacionais podem aproximar-se ou, até mesmo, figurar como modelos
de uma interação real.
82
Capítulo III
3. A oralidade em Os novos, de Luiz Vilela.
Ao analisar uma conversação natural, podemos notar algumas
características relacionadas aos interlocutores durante a interação:
Pode-se fazer a análise das variações de comportamento linguístico dos
falantes, tomando-se como base as variáveis sociais, considerando-se, nos
falantes, a sua faixa etária, sexo, (gênero), profissão, escolaridade,origem
geográfica, bem como suas variáveis psicológicas, seu tipo de pessoa que
explicaria muitos aspectos de sua linguagem, como, por exemplo, seu ritmo
de voz. Essas variações associadas à situação de comunicação, isto é, às
condições em que se desenvolve a conversação (local, grau de intimidade
entre os falantes, tema etc.) poderiam fornecer pistas para uma análise
próxima da realidade do comportamento linguístico de um falante, permitindo
classificar sua linguagem como culta, comum, vulgar etc. (Preti,2004:154)
Em nossa pesquisa, para examinar um diálogo construído, observamos
os seguintes aspectos:
a) contexto histórico em que acontece o diálogo;
b) fatores extralinguísticos, que podem revelar variações da linguagem;
c) situação de comunicação;
d) estratégias conversacionais utilizadas pelos interlocutores.
Os novos apresenta a história de alguns jovens que cursavam a faculdade
no período da ditadura militar. A rotina apresentada é a de jovens que estudam
e revezam seu tempo com diferentes formas de lazer. Mas em meio a essa
rotina, um grupo ao qual Vilela dá maior destaque, frequenta uma universidade
e encontra-se com frequência para discutir diversos assuntos, porém, o mais
discutido é sobre literatura. Podemos destacar quatro personagens desse
grupo: Nei, Vitor, Dalva e Zé. Todos residentes no Estado de Minas.
83
Esses jovens tinham muito em comum: são escritores. Alguns com obras
já publicadas, outros em fase de produção enfrentando obstáculos para
escrever.
O período em que ocorre a história também não era favorável à literatura.
Os jovens escritores tiveram de enfrentar a censura da ditadura militar. Muitos
textos foram proibidos de serem publicados. Isso causava mais revolta nos
jovens amigos. Não podiam encontrar-se publicamente, por este motivo,
encontravam-se na casa de Vitor. Lá não temiam represálias e não corriam o
risco de serem interrompidos.
No corpus analisado, observamos as interações entre os amigos e a
maneira como mantinham uma relação de amizade por meio do diálogo.
Demos destaque às estratégias conversacionais utilizadas pelas personagens
criadas por Vilela.
3.1. Estratégias conversacionais observadas no corpus.
Podemos observar no romance de Vilela certos exemplos que evidenciam
o uso de marcas de uma linguagem falada, tema central desta pesquisa. Os
diálogos, aqui apresentados, substituirão as gravações de uma conversação.
Analisaremos, portanto, a oralidade no diálogo construído por Vilela.
As estratégias presentes no corpus são exemplos de uma linguagem
coloquial. Temos o uso de expressões gírias, obscenas, até mesmo de baixo
calão. Observamos também em certos momentos um discurso irônico
apresentadas em turnos de fala de alguns personagens.
Esses exemplos, utilizados por Luiz Vilela, recriam no texto escrito a
aproximação, a liberdade de fala e certa intimidade entre os interlocutores.
Situações muito comuns em interações face a face.
84
3.1.1. Discurso irônico.
As estratégias conversacionais, face a face ou na escrita correspondem à
forma como os interlocutores interagem entre si.
De acordo com Preti
(2004:151), “elas podem resultar das intenções que precedem o ato
conversacional ou de alterações ocorridas durante o seu andamento”.
A propósito do uso das estratégias no romance Os novos, de Luiz Vilela,
percebemos, pelo contexto da conversação, que o diálogo é sustentado pela
intenção coletiva de criar e concretizar mais uma publicação da revista
Literatura.
Selecionamos do romance uma situação de interação entre os amigos
escritores, no apartamento de Ricardo, reunidos para discussão da nova
produção da revista Literatura (Vilela,1984:19-25):
Texto 1
─ Eu escrevo umas merdinhas aí e vou dizer que sou escritor? ─
Escritor é um sujeito como Balzac, como Dostoievski, como
Faulkner; eles escrevem uma obra.
─ Bom, mas nós ainda estamos no começo (lembrou Ricardo) ─
No começo eles também não eram nada. Ainda escreveremos uma
obra. Ainda seremos futuros Balzacs, Dostoievskis, Faulkners.
─ O dia em que formos, eu direi que somos escritores.
─ Você é louco, Zé.
─ Louco por quê?
─ Gente, e a Dalva, será que ela vai dar o cano hoje? Ela sempre
chega atrasada, aquela mulher.
─ Falando mal de mim, né? Peguei no flagra.
─ Olha ela aí. Sua irresponsável; isso são horas? Oito e meia já,
senhorita Dalva.
─ Tudo certinho, gente? E o Vitor, não chegou ainda não?
85
─ O Vitor deve estar por aí, em algum bar, bebendo. Vamos
esperar mais um pouco. Puxa uma cadeira e senta. Estamos em altas
discussões; uma tertúlia literária.
─ Que bicho é esse?
─ O nosso nobre colega Ricardo estava fazendo de público
uma declaração sobre a grandeza e a miséria das cortesãs, digo
dos escritores...
─ Não há muita diferença.
─ ... a cuja insigne grei pertencemos, quando o nobre colega Zé,
aqui presente, solicitou um aparte para dizer com certa ironia, como sói
acontecer nesses ilustres debates, que tal apodo de “escritor” soa
um tanto quanto excessivo para nossa humilde condição de
meros aprendizes da grande arte dos Homeros e Dantes e Balzacs
e Dostoievskis.
─ Agora traduza, que não entendi nada.
─ Escritor ─ insistiu Zé, ─ a gente escreve umas coisinhas aí e vai
dizer que é escritor?
─ E quê que nós somos então? (perguntou Ricardo)
─ Nós escrevemos simplesmente.
─ E quem escreve, quê que é?
─ Essas é que são as altas discussões literárias em que vocês
estavam? ...(gozou Dalva). ─ Pensei que vocês estivessem discutindo
sobre o “nouveau roman”, ou sobre Beckett, ou sobre...
─ O Vitor está chegando...
─ Senhores membros do conselho de sentença (parando na porta)
─ por acaso é aqui uma reunião de gênios para tratar de assuntos
referentes a uma genial revista chamada Literatura?
─ Pinguço não entra.
─ Ainda bem que eu não bebo... Já conversaram alguma coisa?
─ Tem uma cadeira lá no quarto ─ disse Ricardo, ─ vai lá pegar.
Vitor foi; voltou com a cadeira.
─ Bom, vamos começar ─ disse Ricardo; ─ declaro aberta a
sessão; a palavra está franca, podem começar a falar besteira.
86
─ Primeiro de tudo que nós temos que ver ─ disse Nei: ─ quem
vai entrar nesse número?
Quem, quais os trabalhos, quanto ficaria para cada um ─ bom, isso
só poderiam saber depois de levar o material na gráfica.
─ Então fica assim: até terça todo mundo com o material pronto;
quarta nós levamos na gráfica para fazer o orçamento, e sexta que
vem nós tornamos a nos reunir aqui para decidir o resto. Mais alguma
coisa? Alguém tem alguma sugestão a dar?
─ Eu tenho ─ disse Vitor: ─ a gente tomar um chope.
Ricardo não podia ir, tinha de acabar um trabalho para entregar no
dia seguinte na Faculdade. Foram os quatro.
Nota-se na fala de algumas personagens o discurso irônico. Não há na
interação nenhuma disputa de poder da palavra ou da razão, mas a
demonstração de dúvidas e incertezas relacionadas às intenções de cada
jovem como escritor.
Notamos que Zé, dando início à interação, faz uma autocrítica e quer
convencer seus amigos de que ainda não podem receber o título de escritor:
“Eu escrevo umas merdinhas aí e vou dizer que sou escritor? ─ Escritor é um
sujeito como Balzac, como Dostoievski, como Faulkner; eles escrevem uma
obra”. Nesse exemplo percebemos que Zé
critica os amigos que se
consideram escritores. Ele não aceita a ideia de se compararem com autores
renomados e insiste em afirmar que todos presentes são apenas amadores co
campo literário.
Durante a discussão Marta chega atrasada para a reunião: “Olha ela aí.
Sua irresponsável; isso são horas? Oito e meia já, senhorita Dalva”. Fala um
dos jovens. Nesse exemplo, a ironia relacionada ao atraso de Dalva, foi
apresentada de modo que o interlocutor compreendesse o pensamento do
locutor.
A fala irônica começa quando Dalva é apresentada ao grupo da seguinte
forma: “Olha ela aí”. Percebemos que a situação antes de sua chegada era de
espera, uma possível longa espera. Outra fala que comprova que Dalva
87
chegou atrasada, é quando dizem exatamente o horário em que chegou:
“…isso são horas? Oito e meia já”. Por fim, a ironia com Dalva termina com o
uso do tratamento “senhorita”.
Dalva percebe que não é a única do grupo que estava atrasada, e logo
questiona aos colegas sobre o atraso de Vitor. Pergunta sobre ele e recebe
como resposta outra ironia: “O Vitor deve estar por aí, em algum bar, bebendo
Vamos esperar mais um pouco. Puxa uma cadeira e senta. Estamos em altas
discussões;
uma
tertúlia
literária”.
Vitor
possui
o
hábito
de
beber
demasiadamante. Esta pode ser a razão da desconfiança de que ele estaria
certamente em algum bar e tenha se esquecido do encontro, motivo da fala
irônica.
Na mesma fala, observamos, outro exemplo de ironia: “Estamos em altas
discussões; uma tertúlia literária”. A ironia retoma a dúvida do início do diálogo
sobre o papel de todos que ali estavam reunidos.
A pergunta de Dalva, querendo saber do amigo, nos serve como mais um
exemplo de ironia. Para ela a discussão realizada até o momento em que
chegou, não havia sido nada produtiva e insinua até perda de tempo, como
observamos nesse exemplo: “Essas é que são as altas discussões literárias
em que vocês estavam? ...(gozou Dalva). ─ Pensei que vocês estivessem
discutindo sobre o “nouveau roman”, ou sobre Beckett, ou sobre...”.
A
interrogação nos serve como mais um exemplo de ironia presente nesse ato de
fala.
Em seguida, um colega tenta explicar para Dalva o que seria exatamente
a expressão tertúlia literária não compreendida por ela: “O nosso nobre colega
Ricardo estava fazendo de público uma declaração sobre a grandeza e a
miséria das cortesãs, digo dos escritores...”. A ironia tem destaque com o
tratamento nobre atribuído a Ricardo.
Neste outro exemplo: “... a cuja insigne grei pertencemos, quando o nobre
colega Zé, aqui presente, solicitou um aparte para dizer com certa ironia, como
sói acontecer nesses ilustres debates, que tal apodo de “escritor” soa um tanto
quanto excessivo para nossa humilde condição de meros aprendizes da grande
arte dos Homeros e Dantes e Balzacs e Dostoievskis” apenas confirmamos
ironia que põem em dúvida o ser ou não escritor.
88
Mais atrasado que Dalva, sem saber de nada, Vitor chega e também faz
uso da ironia: “por acaso é aqui uma reunião de gênios para tratar de assuntos
referentes a uma genial revista chamada Literatura?”. Vitor também se
considera um escritor, mas ao chegar atrasado também, utiliza o termo genial
ironicamente porque sabe que na realidade essa afirmação está distante de
ser verdadeira, embora não critique a intenção e a capacidade de cada dos
seus amigos. Faz apenas uma brincadeira, já que é o brincalhão do grupo.
Embora, haja variações de exemplos de um discurso irônico, este não é o
único recurso utilizado no romance como estratégia conversacional no
romance. Lendo atentamente percebemos que algumas palavras aparecem no
diminutivo: “Merdinhas e coisinhas” como uma forma de demonstrar uma
depreciação ao que os jovens autores escrevem. Nas duas situações
Merdinhas e coisinhas são comuns na oralidade e no diálogo face a face. As
duas formas depreciam os escritores, mas na forma como foram expostas,
amenizaram o impacto da crítica realizada.
3.1.2. Gírias e linguagem obscena
A linguagem gíria e obscena são características de uma linguagem
popular, coloquial. O uso dessa linguagem não é proibido, mas apresenta
em algumas situações constrangimentos e rejeição, e em outras uma
intimidade, liberdade e aproximação entre os interlocutores.
Analisando Os novos observamos a presença da gíria e de palavras
obscenas. Não nos causou estranheza tais usos pelo fato de estarmos
diante
de
um
romance
com a presença
do
diálogo
construído
representando uma situação de interação e uma conversação natural.
Vilela nos mostra a presença de estratégias discursivas da oralidade em
um texto que representa a linguagem literária.
No texto 2, abaixo, temos uma interação entre três personagens: Nei,
Zé e Vitor. Após saírem de uma reunião em que discutiam sobre literatura e
a publicação de um novo volume de uma revista foram a um bar.
89
Texto 2
─ A gente tem que resistir ─ disse Nei; ─ há um desalento aqui que vai
roendo a gente por dentro como um câncer; quando menos esperar, estamos
aí mortos como uma porção de gente. Essas montanhas são os muros de um
cemitério.
─ Ou então de um hospício ─ disse Zé. ─ A quantidade de loucos que
existe em Minas é uma coisa incrível.
─ O famoso equilíbrio mineiro...
─ É, mas também quando desequilibra... é cada neurose...
─ Esborracha no chão...
─ Minas dos tarados e das beatas...
─ E das bichas: segundo me disse um psiquiatra meu amigo, está
provado que Belo Horizonte é atualmente, em proporção, a capital do país
com o maior índice de homossexuais.
─ A cidade que mais bebe no Brasil: provado também estatisticamente.
─ Que se pode fazer aqui senão beber, encher a cara até arrebentar?
Ou a gente faz isso ou então some daqui; não há outra alternativa.
─ É... ─ disse Zé; e apesar de tudo, eu gosto daqui. Parece incrível, mas
gosto. Gosto da montanhas, gosto das noites tranquilas e frescas de Belo
Horizonte. Acho que tenho vocação para monge. Para monge e para
vagabundo, as duas coisas. Pode ser que eu também vá embora daqui
um dia; mas atualmente não penso nisso. Meu problema concreto hoje é
sair do banco. É isso o que eu preciso fazer. O resto pensarei depois,
dependerá disso.
Zé pegou o copo de chope e tomou um gole demorado. Nei fez o mesmo.
Ficaram observando as outras mesas ao ar livre, sob barracas, na
penumbra da noite.
─ O Manjolo está virando puteiro... ─ disse Nei.
─ E daí? Você tem alguma coisa contra as putas?
─ De modo algum, antes pelo contrário. Tem duas boas ali naquela
mesa; estão dando uma bola...
Zé olhou.
90
─ Não posso nem pensar nisso. Tou mais duro que não sei o quê. Só dá
pra tomar mais uns chopes.
─ Putas do mundo inteiro, uni-vos.
─ Como dizia Marx.
Nei pegou o cigarro, ofereceu a Zé. Acendeu os dois. Jogou o fósforo no
cinzeiro de louça, com propaganda da Cinzano.
─ O Vitor disse que ia dar um pulo aqui, será que ele vem? Ele ficou de ir
lá na gráfica hoje pegar as provas da revista.
─ Faz muitos dias que não encontro com ele ─ disse Zé. ─ Não tenho ido
à Faculdade. Quê que ele tem feito? Além de beber, evidentemente.
─ Não sei. Ele está esperando a resposta da editora; disse que, enquanto
não tiver a resposta, não poderá escrever mais nada.
─ Quê que o cu tem a ver com a calça? (Vilela, 1984:38-39)
As expressões: “...encher a cara até arrebentar...”, “esborracha no
chão…”, bichas, vagabundo, puteiro, putas, estão dando uma bola, ─ Quê que
o cu tem a ver com a calça? exemplificam uma típica linguagem gíria.
Nos exemplos “...encher a cara até arrebentar...” e esborracha no chão…
nota-se que a intenção é beber demasiadamente e correr o risco de cair e se
machucar todo. Essa ideia foi transmita de modo diferente do qual estamos
habituados a ouvir em situações formais, que exigem do falante o uso da
linguagem formal, embora o uso gírio não seja considerado inaceitável, é
apenas outra forma de expressão que se adequa ao contexto.
Assim como outros exemplos apresentados, também aparecem com
frequência: “bichas, para referir-se ao homossexual; vagabundo ao invés de
não trabalha; putas, termo gírio usado para se referir às garotas que fazem
programas; boas, com a intenção de elogiar a beleza da mulher; “Tem duas
boas ali naquela mesa; estão dando uma bola...”, dar bola, é o mesmo que
estar te paquerando - Quê que o cu tem a ver com a calça?”. Por fim este
exemplo, uma interrogação que tem como sentido real querer saber o que uma
coisa tem a ver com a outra, apenas substituído pelas expressões obscenas.
91
Retiramos outro exemplo do romance, o texto 3. Nele a situação que
motivou a interação era para Nei contar com detalhes como foi a conferência
em que se apresentou:
Texto 3
─ Sábado fui lá no Colégio Estadual fazer aquela conferência sobre a poesia
brasileira contemporânea.
─ Hum.
─ Rapaz ─ vitor segurou-lhe o braço: ─ eu saquei tanto que até eu mesmo
depois fiquei com vergonha de mim. Puta merda, acho que nunca saquei tanto
assim na minha vida; foi um troço… Esses dias te contei que folheei a Obra
Aberta, do Umberto Eco, né? Ler mesmo, acho que só li umas dez páginas.
─ o que não é nehuma novidade com você…
─ Pois sabe que eu falei o tempo todo lá em Obra Aberta? Já pensou?...
Nei ria.
─ Imagina agora se eu tivesse lido o livro todo, se só com algumas páginas já
deu pra sacar tanto… foi um negócio a conferência, você precisava ver. Falei
uma porrada de coisa lá; falei em mecânica combinatória baseada na lei das
permutações, porra, nem sei quê que é isso, mas lembrei que tinha lido
nalgum lugar; falei no poema como um campo de possibilidades: bacana,
hem? Campo de possibilidades, isso fica bonito pra burro… (Vilela, 1984:7778)
A linguagem gíria deste texto aparece com estas palavras: saquei, puta
merda, troço, porrada, porra, bacana. Nei utiliza o termo sacar para explicar ao
colega que entendeu mais do que esperava sobre o assunto apresentado.
Quando diz: puta merda, demonstra uma admiração, surpresa com a
capacidade dele mesmo.
Troço é uma gíria muito usada para passar a ideia de algo, alguma coisa.
No caso do nosso exemplo é como se Nei quisesse dizer que foi muito
importante para ele o fato ocorrido na tal conferência.
Porra, aparece com sentido de entusiasmo de Nei, já em porrada,
observamos esta palavra com o sentido de uma porção de coisas.
92
Bacana é uma palavra bem conhecida no vocabulário gírio, muito utilizada
popularmente na fala.
O efeito de humor causado pelo uso das gírias demonstra uma
descontração durante uma interação entre amigos. Aparentam ter certa
liberdade para falar o que querem e como querem, sem se importar com
constrangimento. Parece que tais usos representam até certa intimidade entre
os interlocutores que não se queixam dos termos utilizados pelos amigos.
3.2. Marcadores
conversacionais
como
estratégia
de
interação
observados no corpus.
3.2.1. Sinais conversacionais verbais
No próximo exemplo, temos a apresentação de Nei como novo professor
da Faculdade. Em seguida temos o encontro entre os amigos no início de um
período letivo e aos poucos chegam novos colegas para contar as novidades.
Destacam-se alguns marcadores em exemplos de falas (turnos):
Texto 4
─ Bom, apenas como apresentação: formei-me há pouco tempo, e, sem
demagogia, é mais como colega de curso do que como professor que
aceitei de dar essas aulas. Não vou dar aulas: vamos estudar juntos.
Dizia kierkegaard que ninguém pode ensinar nada a ninguém; é assim
que...
Pronto, tinha começado. Mais fácil do que pensara. Criara o clima, abrira
o diálogo, agora .era só entrar com a matéria que a coisa iria correndo por
si mesma.
Ao sair do elevador, deu de cara com Vitor no saguão cheio de gente:
93
─ Mestre Nei, agora a gente tem de tirar o chapéu... Os dois se
abraçaram
─ Arranjou essa boca, hem?...
─ Pois é...Mas e você, como foi lá a praia? Muita mulher boa? Você disse
que me escreveria, seu sacana...
─ Disse mesmo, mas sou muito preguiçoso, eu ...olha aí quem vem
chegando...
Ricardo abriu os braços:
─ Ê lá em casa, hem! ... Tudo bom, gente?...
─ Você engordou, bicha...
─ Sabia que o Nei agora é um dos ilustres e digníssimos mestres dessa
ilustre e digníssima casa de saber?
─ Você, Nei? Não sabia não, a última vez que encontramos você estava
querendo ir pro Rio.
─ Ó! ─ exclamou Vitor: ─ Cesse tudo o que a antiga musa canta!
Era Martinha. Pouco a pouco a turma toda ia aparecendo. O saguão
estava movimentado e barulhento.
─ Todo mundo tomar cafezinho! ─ gritou Vitor.
No pátio o mesmo movimento, grupinhos de alunos conversando, gente
indo para a cantina ou voltando, brincadeiras, correrias, gritos.
─ Ê vida boa... Essa vida é muito boa; é ou não é, hem Joyce?
─ Fala Maiakovski.
─ Quantas obras –primas você escreveu nessas férias?
─ Nenhuma, prima. Estou agora é me preparando para começar meu
romance.
─ E seu livro, Vitor?
─ Só falta embrulhar e mandar pra editora.
─ Ouvi dizer que você ia publicar por conta própria.
─ Eu? Quem disse isso? Só tenho dinheiro para tratar da minha mulher,
meus filhos e meus chopes.
─ Principalmente meus chopes, mas não espalha.
─ Mas então pessoal ─ disse Queiroz ─ quê que vocês contam, quais
são as novidades...
94
─ Uai, Queiroz ─ Vitor chegou perto dele: ─ parece que tem mais dois
fios de cabelo branco aqui em cima...
─ Esses já tinha ano passado... ─ e Queiroz riu, com a complacência dos
seus quarenta anos: ─ Pensei que vocês fossem consertar um pouco
nessas férias, mas pelo que vejo...
─ E o Zé, hem? ─ estranhou Martinha. (Vilela, 1984:13-15)
No
corpus
em
análise,
Os
novos,
marcadores
conversacionais
desempenham papéis tanto textuais quanto interacionais. “No diálogo
construído o emprego dos marcadores conversacionais é um recurso
apropriado na busca da aproximação com o oral. Esses marcadores, além de
serem marcas de atenção dos falantes, demonstram que há interesses
partilhados entre os dois falantes” (Negreiros, 2010:54).
Os marcadores, observados, que se destacam pela frequência e
recorrência no texto:
1. Marcadores de participação ou de busca de apoio, exemplos:
bom,aí, é, olha aí, Uai, hem?
2. Repetições negativas e interrogativas: Quê que ele tem
feito?,...não chegou ainda não?, E quê que nós somos então?,
Não sabia não.
3. Formas de tratamento (a gente): Gente... (vocativo), Tudo
certinho, gente?, A gente tem que resistir...(nós),
Diante dos exemplos apresentados podemos assim definir os marcadores:
Os marcadores conversacionais são elementos linguísticos que estruturam
o texto, considerado não só como uma construção verbal cognitiva, mas
também como uma organização interacional interpessoal. Ou seja, são
recursos que sinalizam orientação ou alinhamento recíproco dos interlocutores
ou destes em relação ao discurso (Urbano,2003: 114).
95
Vilela ao fazer uso dos marcadores
bom,aí, é, olha aí, Uai, hem, mostra
para o leitor que há motivação e interação na conversação entre as
personagens e a interação acontece com certa intimidade, liberdade para a
escolha do léxico e aproximação entre os interlocutores como aconteceria
numa conversação natural. São termos que na oralidade representam a
atenção do interlocutor. Servem muitas vezes para emitir ao ouvinte sinais que
indiquem a transição de fala. São sinais que ora atrem o ouvinte, ora pedem
para que ele continue a conversação numa sequência de turnos.
No texto, para dar início a interação e criar um elo comunicativo, Nei utiliza
o marcador bom, que serviu para ele se descontrair no começo da
conversação.
No exemplo olha aí, temos uma expressão que aparece como uma maneira
de chamar a atenção do ouvinte ao que está sendo dito.
“Uai” , também utilizada para atrair o interlocutor, representa uma expressão
típica regional mineira. No caso do hem, podemos dizer que é o modo que o
falante tem para passar seu turno e deixar que o interlocutor continue a
conversação.
Em síntese, os marcadores apresentados no trecho acima podem ser
apresentados conforme orienta Marcuschi (2007:68) da seguinte forma:
Sinais do falante (orientam o ouvinte): Bom, olha aí, Uai (apresentados no
início do turno);
Sinais do ouvinte (orientam o falante): é, hem (sinais indagativos)
3.2.2. Duplicação na fala
Casos de repetições ocorreram e ilustram essa característica da oralidade,
ou seja, é uma construção que se aproxima da conversação natural do dia-adia.
Observadas em estudos recentes a importância da repetição na língua oral
no processo de produção e compreensão dos interlocutores, notamos que a
96
repetição auxilia o ouvinte no entendimento e dessa forma contribui para que
haja envolvimento entre interlocutores:
Estudando-se diálogos espontâneos, já se chegou à conclusão de que a
repetição pode ser um dos fatores responsáveis pelo ritmo que os
interlocutores imprimem à sua participação conversacional, característica que
aproximaria a fala do texto literário escrito (Preti, 2004:128)
Uma ocorrência comum no diálogo analisado, é a repetição, exposta aqui
nas formas interrogativa e negativa. Essas duplicações justificam-se por serem
falas produzidas no local e serem momentânea, isto é, a produção da fala
acontece no momento da interação. Dessa forma dão margem ao falante para
que repetições apareçam com frequência na conversação, servindo também
como uma maneira de aproximar-se do interlocutor ao fazer uso dessa
linguagem mais popular. Como vimos no texto que nos serviu de apoio, nos
exemplos: “─ Você, Nei? Não sabia não, a última vez que encontramos você
estava querendo ir pro Rio”, “─ quê que vocês contam, quais são as
novidades...”, repetições comuns na fala e apresentadas no texto literário.
Estes são apenas alguns exemplos retirados do corpus, mas geralmente
quando aparecem, seguem a mesma estrutura: repetição nas interrogações ou
nas frases negativas como vimos nos exemplos citados.
3.2.3. Forma de tratamento a gente
Observamos que em certos exemplos “a gente” apresenta diferentes
significados, mas todos indicam uma forma de tratamento em relação aos
interlocutores. Ora a gente aparece com sentido utilizado pelo pronome “nós”,
ora indicando um chamamento que poderia ser substituído por pessoal (outra
expressão comum na oralidade).
97
Alguns exemplos podem ser observados nos textos apresentados
anteriormente, mas daremos destaque a outros no texto 5 a seguir:
Texto 5
─ É por isso que as coisas não saem: um esquece, outro dá o cano,
outro enrola.
─ Poxa, também um dia a mais um dia a menos que diferença faz? Não
é por causa disso que o mundo vai vir abaixo.
─ Se a gente pensa assim, a gente acaba não fazendo nada. (Vilela,
1989: 42)
Texto 6
─ Fico pensando ─ disse Nei ─ quê que tem esse pessoal todo aí a ver
com o que a gente escreveu...
─ São o nosso público ─ disse Zé.
─ “Nosso público”... Até que é bacana dizer assim. A gente se sente
importante, necessário. Nosso público... (Vilela, 1989:66)
3.2.4. Registro oral culto observado no corpus
Embora Vilela tenha utilizado na construção do diálogo formas
representativas de uma conversação distensa, mais natural e popular,
encontramos em algumas situações expressões construídas de acordo com o
padrão da escrita, percebidas nos exemplos dos usos dos verbos no futuro do
98
presente do indicativo: “Ainda escreveremos uma obra”, “Ainda seremos
futuros Balzacs, Dostoievskis, Faulkne”. Mas em outros trechos do romance há
outros exemplos: gritarei, escreverei, direi, desintegrarei e moverão.
No exemplo abaixo temos o diálogo entre os jovens amigos que estavam
em mais uma reunião para discussão literária. Além do tema relacionado à
literatura, discutiram sobre o que estavam vivenciando: a falta de liberdade de
expressão, problema esse, que resultou na prisão de um de seus amigos por
ter declarado algumas opiniões em uma situação em que era proibida.
Texto 7
─ Não podem me impedir de falar, ninguém pode; se me prenderem,
eu falarei no cárcere, se me torturarem, eu gritarei para as paredes, se
cortarem minha voz, eu escreverei nem que seja com meu sangue!
─ Se você continuar assim, você vai ter esse sangue agora mesmo
─ disse Zé.
─ Porra, me larguem, será que não posso falar? Não sou livre?
Quem pode tirar minha liberdade?
─ Vamos lá pra fora ─ sussurrou Nei. ─ Deixa esse pessoal, você
acha que adianta falar pra eles? Olhe pra cara deles...
Vitor olhou: seu corpo oscilava. De repente virou-se e começou a
andar.
─ Tem razão, não adianta mesmo não. Vou pregar para as pedras.
Se os homens não escutam, as pedras hão de escutar. Eu direi palavras
tão fortes que as pedras moverão!
Parou no meio da rua e ergueu os braços para o céu estrelado:
─ Meu Deus! Eu desintegrarei esse mundo podre com a bomba
atômica do meu verso, nem que eu tenha de explodir com ele! ... (Vilela,
1984:49-50)
99
.
A linguagem utilizada com mais frequência na obra é a popular, e a mais
utilizada no cotidiano das pessoas, embora haja situações comunicaticas em
que o contexto exige que a linguagem popular seja substituída por uma
linguagem formal. A escolha da linguagem a ser utilizada depende do contexto
pelo qual o falante está inserido. Um ambiente entre amigos, rodas de batepapo, etc, são situações em que a descontração tem predominância, dessa
forma a linguagem deixa de ser a preocupação. O falante fica mais a vontade.
É o que não ocorre quando o falante percebe-se num ambiente como consultas
médicas, reuniões de trabalho, entrevistas, palestras. A preocupação com o
uso da linguagem recai sobre o uso mais adequado para o momento, nesse
caso a linguagem formal.
Por isso, casos como o uso do futuro podem ser justificados de acordo
com o estudo de Leite (2005: 102):
Os futuros, embora poucos, são outra característica conservadora do discurso
oral culto, já que, segundo dizem os gramáticos e filólogos, são relativamente
raros na língua falada.
Com base no diálogo apresentado acima, observarmos que Vilela conduz
sua narrativa com características nítidas da oralidade na fala das personagens.
Mas é possível concluirmos os usos dos verbos no futuro do indicativo, casos
pouco comuns na fala, podem ser justificados de acordo com o conceito de
face apresentado nesta pesquisa. Tais usos podem representar a imagem
social das personagens na tentativa da preservação da face positiva, dando
pistas ao leitor e indicando traços da personalidade, a profissão, seus próprios
méritos e até mesmo se enaltecer por meio da linguagem formal utilizada
conforme padrões sociais já aprovados.
100
3.3. Organização conversacional
Analisando as estratégias apresentadas no diálogo construído por Vilela,
conforme abordado anteriormente, os turnos seguem, segundo Marcuschi
(2007), a sequência “fala um de cada vez”, por ser uma das características da
oralidade, mas não necessariamente uma regra.
Conforme expusemos no primeiro capítulo desta pesquisa, a conversação
geralmente organiza-se em turnos e sem sobreposições de vozes que
dificultam o entendimento entre os interlocutores.
Vilela, tomando por base a conversação espontânea, ou seja, interações
que costumam ser face a face, constrói em sua ficção diálogos que se
aproximem dessa realidade linguística. Há alternância quanto ao número de
participantes (falantes) durante a interação. Por tratar-se de um romance,
temos a presença de inúmeras personagens.
A forma mais utilizada na construção dos diálogos é a simetria entre
turnos, ou seja, a alternância de falantes, com respeito às trocas e ao direito de
fala. Tomemos novamente como exemplo trechos já analisados acima, mas
com foco na simetria das falas (turnos).
No romance predomina a sequência simétrica para que
cada falante
tenha a possibilidade de tomar a palavra quando for solicitado ou se fizer
necessário. Podemos notar que os turnos organizam-se em pares adjacentes
numa sequência de pergunta-resposta:
Texto 8
─ Tudo certinho, gente? E o Vitor, não chegou ainda não?
─ O Vitor deve estar por aí, em algum bar, bebendo. Vamos esperar
mais um pouco. Puxa uma cadeira e senta. Estamos em altas
discussões; uma tertúlia literária.
─ Que bicho é esse?
101
─ O nosso nobre colega Ricardo estava fazendo de público uma
declaração sobre a grandeza e a miséria das cortesãs, digo dos
escritores...
─ Não há muita diferença... (Vilela, 1989:20)
A simetria na construção do diálogo é comum em interações do dia-adia. O exemplo acima é um diálogo construído, mas não deixa de apresentar
essa característica da oralidade de “falar um de cada vez”. Essa estratégia é
comum na conversação. É com essa organização que compreendemos e
somos
compreendidos,
sem
que
a
interação
seja
prejudicada
pela
simultaneidade de turnos elaborados ao mesmo tempo.
Vilela em seu romance faz uso dessa característica da oralidade e
mantém com frequência a simetria das falas das personagens. Não
percebemos durante a leitura nenhuma indicação por meio da construção do
diálogo, trechos em que o diálogo não seguisse essa regra “fala um de cada
vez”, da conversação, ou seja, não houve a representação de sobreposição de
vozes na tentativa de tomada ou disputa pelo turno conversacional.
Pudemos observar outra ocorrência da oralidade no diálogo construído: as
correções de falhas na fala. Exemplo:
─ O nosso nobre colega Ricardo
estava fazendo de público uma declaração sobre a grandeza e a miséria das
cortesãs, digo dos escritores...
As correções ocorrem porque a fala é produzida no momento em que
ocorre a interação, e se houver falhas, a correção costuma ser momentânea.
No caso exposto a correção é feita pelo próprio falante que logo percebe a
falha. Vejamos outro exemplo retirado do corpus:
─ ... Afinal tenho cinquenta anos e posso ensinar alguma coisa a quem
tem vinte e cinco.
─ Vinte e três ─ ele corrigiu.
No último exemplo a correção é feita pelo interlocutor logo que percebe a
falha na fala do falante. (Vilela, 1989:127)
102
Considerações finais
Durante nossas pesquisas apresentamos o estudo das duas modalidades
de uso da língua: a língua falada e a escrita, ambas com o mesmo objetivo:
comunicação e compreensão entre texto/leitor e falante/ouvinte.
Vimos que, para haver boa comunicação, entre interlocutores, precisamos
de falantes motivados, comprometidos com a conversação.
Por esta razão essa pesquisa nos possibilitou entender como é possível,
na literatura, um diálogo construído nos servir de modelo de competência
comunicativa numa situação de interação.
Diante do que foi exposto nos três capítulos, pudemos compreender e
afirmar com mais profundidade que a oralidade pode ser utilizada como recurso
na construção do diálogo literário, quando o autor tem por objetivo tornar a obra
mais próxima do leitor.
O diálogo construído, utilizando-se da oralidade no texto escrito, diminui a
distância entre texto e leitor, criando dessa maneira uma verossimilhança entre
realidade e ficção quando apresenta personagens com características de fala
idênticas às de nossa realidade linguística.
As personagens retratadas por Luiz Vilela estão diretamente ligadas à
nossa realidade. São jovens universitários que uitlizam suas variantes
características da juventude da década de 80, no meio universitário. Vilela nos
apresenta um diálogo marcado pelo discurso irônico, gírio, às vezes tornandose até mesmo ofensivo pelo aparecimento de termos obcenos. Mas em
momento algum a conversação literária deixa de mostrar que há entre as
personagens falta de envolvimento nos assuntos discutidos. Pelo contrário,
Vilela ao utilizar em sua obra a linguagem coloquial na fala das personagens,
mostra no texto literário o uso dos marcadores orais e das estratégias típicas
da fala, utlizadas para demonstrar que tais recursos são comuns na oralidade
porque
aproximam,
criam
intimidade,
melhoram
a
comunicação
e
principalmente a interação entre os interlocutores.
É por meio das marcas da oralidade que podemos então perceber alguns
sinais apresentados, tanto pelo falante, quanto pelo ouvinte, de que há
interação entre eles durante uma conversação.
103
Com base nos estudos realizados sobre marcas da oralidade e estratégias
discursivas, foi possível compreender a força, o domínio de Vilela de captar o
cotidiano e reproduzir em seus textos os efeitos de sentido característicos da
oralidade em textos literários na construção do diálogo.
104
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107
Anexos
Figura 1
Capa da segunda edição publicada pela Nova Fronteira em 1984.
108
Figura 2
Foto do período da ditadura utilizada por Vilela para ilustrar a capa de seu
livro.
109
Download

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo