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ADOÇÃO-REFLEXOS DO PROCEDIMENTO 1
Raquel Valenti Gonçalves*
RESUMO: Sabe-se que, atualmente, no Brasil milhares são as crianças e adolescentes à
espera de um lar. Assim como muitos são os casais ou pessoas (solteiras, viúvas, divorciadas)
à espera de um filho para adotar. Porém, a realidade tem demonstrado que o instituto da
Adoção em vigor, mostra-se lento e burocrático, fazendo, muitas vezes com que o
procedimento demore anos para ser concluído. A burocracia do processo é capaz de gerar
nessas crianças e adolescentes conseqüências psicológicas irreversíveis, já que há um perfil
almejado pelos futuros adotantes. Dessa forma, com o objetivo de proporcionar celeridade
processual e diminuir o tempo de permanência das crianças e adolescentes nos abrigos, foi
sancionada pelo Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva em 03 de agosto de 2009
a Nova Lei Nacional da Adoção. A nova lei pretende reformular a legislação civil vigente
relacionada ao assunto e vem sendo aguardada ansiosamente por milhares de pretendentes à
adoção e pelas inúmeras crianças e adolescentes que vivem nos abrigos de nosso país. Nesse
contexto, o presente artigo científico tem como objetivo compreender e analisar o contexto do
instituto da Adoção no Direito Brasileiro.
Palavras-chave: adoção-família- poder familiar-abandono.
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente, vendo a burocracia com que ocorre todo o processo de adoção no
Brasil e as conseqüências psicológicas que o abandono é capaz de gerar em uma criança e
adolescente, é justificável que se estude como o Direito Brasileiro trata o Instituto da Adoção.
Posteriormente, passaremos a analisar a nova Lei Nacional da Adoção que visa dar celeridade
ao procedimento e conseqüentemente diminuir o tempo de permanência das crianças e
adolescentes nos abrigos.Nesse passo, o presente trabalho teve como escopo compreender e
analisar o instituto da adoção no direito brasileiro. A burocracia que envolve todo o
procedimento, bem como as conseqüências psicológicas causadas em quem espera por um lar.
Nesse passo, o presente artigo teve como escopo compreender e analisar o instituto da
adoção no direito brasileiro. A burocracia que envolve todo o procedimento, bem como as
conseqüências psicológicas causadas em quem espera por um lar.
1 Monografia apresentada como requisito para a aprovação na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II,
Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, aprovada com grau máximo pela Banca Examinadora composta pelo orientador Prof. Dr Gilberto Flávio
Aronne, Profa.Dra Marize Corrêa e Profa.Dra. Laura Antunes de Mattos, em 02/12/2009.
* Acadêmica da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Email: [email protected]
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A motivação deste trabalho surgiu, em decorrência de uma reportagem de televisão,
mais especificamente exibida por meio do Jornal Hoje. A matéria fazia parte de uma série de
cinco reportagens e retratava a burocracia enfrentada pelos pretendentes à adoção assim como
a situação das crianças e adolescentes nos abrigos. O repórter então lançou a seguinte
pergunta: “Se há tanta gente disposta a adotar e a ser adotada, o que dificulta a adoção em
nosso país?” A partir daquele momento o tema fora definido, assim como a vontade de
entender as razões do problema.
A metodologia utilizada cingiu-se, basicamente, na pesquisa de estudos na doutrina,
bem como em livros e artigos de psicologia.
2 FAMÍLIA E PODER FAMILIAR
2.1 A Família e a Legislação
A lei de um país deve estar baseada na sua realidade. Diante de tal situação é possível
observar, as principais alterações sofridas pela legislação brasileira, no tocante ao
tema.Tomamos por base o Código Civil de 1916, para enfatizar que a família era considerada
como um ente fechado, voltado para si mesmo. O status familiae era conferido apenas aos
casados. O divórcio era proibido, só era possível haver a separação judicial e o cônjuge
culpado pela separação do casal era punido severamente (perda da guarda dos filhos, perda do
nome de casado, bem como a perda dos alimentos). O casamento, que decorria da vontade de
Deus e que reforçava a influência da igreja, tinha por finalidade principal o cunho econômico
(vínculos patrimoniais, mútua assistência e sustento da prole) e a procriação. Assim, a única
forma de criar a família legítima era através do casamento (justas núpcias). Através do
código, a família era tratada como um ente de produção de riqueza, tendo um caráter
patrimonialista. Não havia um interesse em proteger a pessoa, mas os bens desta pessoa. Os
institutos da tutela e curatela, assim como os impedimentos matrimoniais defendiam o
patrimônio, não a pessoa.
As relações surgidas fora do casamento não recebiam nenhum reconhecimento
jurídico. Assim como os filhos, que eram considerados ilegítimos e não recebiam os direitos
privativos dos filhos legítimos.
Felizmente, a Constituição de 1988, bem como o novo Código Civil de 2002 vieram
alterar esse código que não mais retratava a realidade do Brasil. Antes, porém, cabe ressaltar o
3
Estatuto da Mulher Casada, de 1962 (Lei nº 4121/62) como um importante avanço no
desenvolvimento das mulheres. A partir do Estatuto, ela adquiriu a titularidade do poder
familiar, juntamente com marido, bem como se tornou colaboradora do marido na chefia da
sociedade conjugal.
A constituição representou importante marco que transformou de forma radical o
paradigma da família. Iniciaremos citando o art 1º, inciso III da Constituição Federal que faz
referência a dignidade da pessoa humana como um de seus dos fundamentos. Com isso, foi
possível a despatrimonialização do direito. A dignidade será alcançada pela pessoa por meio
de sua família. Família que passa a ser considerada a partir do afeto entre as pessoas que a
compõem. O elo de ligação passa a ser o afeto, com isso, percebe-se relacionamentos mais
abertos e mais felizes, pois é na família que a pessoa cresce e adquire suas habilidades para a
convivência familiar e social. Outro artigo constitucional que merece destaque é o de nº 227
onde se estabelece os deveres da sociedade, do estado e principalmente da família com
relação aos filhos menores, a saber: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar.
Para ilustrar a situação, citaremos a afirmação de Gustavo Tepedino:
A maior preocupação da atualidade é com a pessoa humana, o
desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da
proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas
de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de
família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no
social.”2
No tocante ao novo Código Civil, vemos que o casamento passou a ser realizado a
partir do sentimento de amor existente entre as pessoas. Os deveres do casamento passaram a
ter uma nova interpretação. O dever de coabitação, por exemplo, prima por uma convivência
harmoniosa, baseada no carinho, no respeito, assim como a fidelidade. O dever de mútua
assistência consiste no apoio não só econômico, mas principalmente moral e psicológico que
deverá haver entre os cônjuges em todos os momentos. Enfim, os deveres priorizam
basicamente a boa convivência do casal, terminando com a antiga situação do Código de
1916, que fazia com que os casais mantivessem apenas a aparência de um casamento perfeito,
enquanto que a realidade se apresentava de forma oposta.
2 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2ª ed.ver. atualizada, Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
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Ao pai é destinado um papel mais participativo na vida do filho, cabendo à ele como à
mãe a direção da sociedade conjugal no interesse do casal e dos filhos, conforme preconiza o
art.1567 do Código Civil, bem como o sustento, guarda e educação dos filhos. Os filhos,
também passaram a ter uma participação mais ativa com relação aos seus pais, pois
antigamente, só restava-lhes aceitar todas as ordens impostas pelo patriarca. Após o novo
Código, os filhos, que antes eram tidos como “ilegítimos” passaram a gozar dos mesmos
benefícios dos demais irmãos, independente de terem sido gerados na constância ou não do
casamento ou de terem ingressado na família por adoção. Situação tratada no art 1596 do
Código Civil.
Um outro aspecto importante é com relação às outras formas de constituição de
entidades familiares como a união estável e a família monoparental, que passaram a receber a
proteção jurídica. Cabe aqui destacar o art. 226, parágrafo 3º da Constituição Federal que diz:
“é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento”. Bem como o art 226, parágrafo 4º que estatuí:
“Entende-se também, como comunidade familiar a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes”.
Por fim, destacamos o Capítulo III do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8069/1990) que se refere à questão do direito à convivência familiar e comunitária, já citado
anteriormente no art nº 227 da Constituição Federal. O destaque aqui, diz respeito a inclusão
pelo Estatuto, da família substituta como alternativa para o exercício deste direito. Dessa
forma, dentro deste capítulo encontramos disposições referentes à família natural através do
art 25 com a seguinte redação: “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos
pais ou qualquer deles e seus descendentes”.Bem como, as disposições sobre a família
substituta, nos artigos 28 a 32. A inclusão em família substituta, conforme o disposto no art.
28 somente poderá ser feita mediante guarda, tutela ou adoção, levando-se em conta o grau de
parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, bem como, se possível, a opinião do
menor.
Assim, a família que antes se apresentava como um modelo fechado em si, tornou-se
uma comunidade calcada no afeto, na democracia, na ajuda mútua, tendo por membros
pessoas unidas. União esta que independe de laços consangüíneos, mas que depende dos laços
do amor.
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2.2 Poder Familiar.
Primeiramente, faz-se necessário salientar que a antiga expressão “pátrio poder” foi
alterada para “poder familiar” a partir do novo código civil de 2002, tal alteração foi
necessária como forma de acompanhar a nova constituição familiar. Família esta dirigida
conjuntamente pelo homem e pela mulher, uma vez que o anterior termo, “pátrio poder”
conferia ao homem tal responsabilidade. Dessa forma, o instituto sofreu uma significativa
modificação, deixando-se de priorizar o poder dos pais sobre os filhos, para constituir-se em
um múnus, um direito-dever que não é livre, mas necessário no interesse de outrem, onde a
cada dever do filho corresponde um direito do pai ou da mãe e a cada dever do pai ou da mãe
corresponde um direito do filho. Arthur Marque da Silva Filho elucida:
Essa modificação deriva, principalmente, da igualdade de direitos
entre o homem e a mulher. O legislador preferiu, portanto, uma
expressão mais condizente com a atual realidade, tendo em vista que a
expressão “pátrio poder” fazia referência apenas ao papel do genitor
como figura proeminente na relação parental, quando, na realidade,
ambos os genitores possuem poderes iguais.3
O termo denota o poder exercido por ambos os pais relacionados aos cuidados,
proteção, sustento, defesa, amparo que deverão ser dispensados aos filhos menores. Porém, a
mudança foi muito mais intensa, não se trata apenas do poder dos pais em relação ao filho,
trata-se sim, de uma questão de interesse, uma vez que o interesse dos pais deverá estar
condicionado ao interesse do filho, em sua realização como pessoa que ainda está em
formação. Dessa forma, se realça o dever dos pais. O exercício desse poder pressupõe o
cuidado que eles deverão ter frente aos filhos. O dever de criá-los, alimentá-los e educá-los,
conforme as condições da família. Decorre o poder familiar tanto da paternidade natural,
como da filiação legal. Tais obrigações são personalíssimas, ou seja, dos pais em relação aos
filhos. Não é possível renunciar, transferir, alienar e prescrever tal função, tal encargo.
O poder, a autoridade dos pais sobre os filhos não deve ser vista de uma forma atroz,
violenta e sim em um comportamento natural de respeito, de afeição, de boa convivência que
deve permear a realidade das famílias. Para ilustrar tal afirmação, destacamos as palavras de
Paulo Luiz Netto Lobo referente ao assunto:
3
FILHO, Arthur Marques da Silva.Adoção: regime jurídico, requisitos, efeitos, existência, anulação. 2ª ed.,
ver. atual, ampl- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
6
A evolução gradativa deu-se no sentido da transformação de um poder
sobre os outros em autoridade natural com relação aos filhos, como
pessoas dotadas de dignidade, no melhor interesse deles e da
convivência familiar. Essa é sua atual natureza. Assim, o poder
familiar, sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus,
concebido como encargo legalmente atribuído a alguém, em virtude
de certas circunstâncias, a que não se pode fugir. 4
2.2.1 Constituição e Destituição:
O novo Código estabelece que o poder familiar será exercido conjuntamente pelo pai e
pela mãe. Isso não significa dizer que os filhos são os sujeitos passivos, enquanto os pais os
sujeitos ativos. Na verdade, tal colocação evidencia que ambos, pais e filhos são titulares
recíprocos de direito. Já o Estatuto dispõe que o poder familiar será exercido pelo pai e pela
mãe, “na forma que dispuser a legislação civil”. Porém, há famílias chefiadas por tios, primos,
irmãos. Assim sendo, se não houver pai ou mãe ou ambos, caberá a esta pessoa tal função.
O exercício do poder familiar está expresso no artigo 1634 do código civil e elenca as
competências que os pais deverão dispensar aos filhos menores, tais como: educação e
criação, tê-los em sua companhia e guarda, darem consentimento para casarem, nomearem
tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou
sobrevivo não puder exercer o poder familiar, representá-los até os 17 anos nos atos da vida
civil, e assisti-los após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o
consentimento, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, exigir que lhes prestem
obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição. No Estatuto, não há
competência, mas deveres que os pais deverão obedecer, conforme preceitua o artigo 22 “aos
pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, sempre no interesse
destes, o dever de cumprir as determinações judiciais”.
Entretanto, o ordenamento prevê situações que podem ensejar a suspensão e/ou
extinção do poder familiar. O estado tem a função de fiscalizar e pode suspender ou até
excluir o poder familiar. São sanções aplicadas aos pais, mas não constituem pena. Não tem
um intuito punitivo, pois visa preservar o interesse dos filhos. Tais situações estão previstas
nos artigos 1635 a 1638 do Código Civil. Com relação à suspensão do poder familiar, que é
uma medida menos grave, três são as hipóteses previstas no art 1637 do Código Civil. São
elas: o descumprimento dos deveres a eles (pais) inerentes (tais deveres aparecem de modo
4
LOBO, Paulo L. N. Do Poder Familiar. In: Direito de Família e o novo Código Civil. Coordenação Maria
Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3. ed., rev. atual. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 179 p.
7
disperso pelo Código Civil, ECA e Constituição e já foram já citados anteriormente). A ruína
dos bens dos filhos é outro motivo de suspensão do poder familiar e ainda a condenação em
virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.A renomada Maria Berenice Dias
afirma em relação à suspensão do poder familiar:
Tanto é possível ocorrer com referência a um único filho, e não a toda
a prole, como pode abranger apenas algumas prerrogativas do poder
familiar. Em caso de má gestão dos bens dos menores, possível é
somente afastar o genitor da administração, permanecendo com os
demais encargos. 5
A extinção do poder familiar, que é sua interrupção definitiva deverá ocorrer sempre
quando houver perigo permanente a segurança e a dignidade do filho e está expressa no artigo
1635 do Código Civil. São cinco as hipóteses que podem levar a extinção de tal poder. São
elas: morte dos pais ou do filho, emancipação do filho, maioridade do filho, adoção do filho
por terceiros, e perda em virtude de decisão judicial.
Para que ocorra o previsto no inciso V do artigo 1635 do Código Civil, ou seja, a
perda por decisão judicial, é necessário que ocorra alguma das hipóteses previstas no artigo
1638 do referido Código. A saber: castigo imoderado do filho, abandono do filho, prática de
atos contrários à moral e os bons costumes e a reiteração de faltas aos deveres inerentes ao
poder familiar. As hipóteses acima citadas, sempre levarão em conta o bem estar do menor,
bem como as condutas que o direito considera ilícitas. A questão do castigo imoderado
merece destaque, uma vez que evidencia que, em princípio, os pais poderiam castigar
moderadamente seus filhos. Porém, de acordo com o artigo 227 da Constituição, os pais
deverão colocar o filho a salvo de toda a violência e como o castigo físico é uma forma de
violência, não seria permitido que tal castigo ocorresse, pois, iria ferir o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana. Conforme afirma Paulo Netto Lobo: “O poder
disciplinar, contido na autoridade parental, não inclui, portanto, a aplicação de castigos que
violem a integridade do filho”6.
O Estatuto da Criança e Adolescente em seu artigo 24 preceitua que a perda ou
suspensão do poder familiar será decretada judicialmente a partir da lei civil, ou ainda, se
5 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias .2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
6 LOBO, Paulo L. N. Do Poder Familiar. In: Direito de Família e o novo Código Civil. Coordenação Maria
Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3. ed., rev. atual. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 189 p.
8
houver o descumprimento injustificado dos deveres de sustento, guarda e educação dos filhos
menores.
Como já dito anteriormente, o Código dispõe que o poder familiar será exercido
conjuntamente, por ambos os pais, tanto na vigência do casamento ou da união estável (1631),
como após, pois o poder familiar decorre da paternidade e da filiação e não do casamento.
Sobrevindo uma separação judicial, um divórcio ou a dissolução da união estável, ainda assim
permanece o poder familiar, havendo apenas alteração no que diz respeito à convivência com
o cônjuge que saiu de casa (1632). Se houver divergência entre os pais, poderá, qualquer um
deles, recorrer ao juiz para buscar a solução do conflito. Por fim, se o pai não reconhecer o
filho, este ficará sob poder familiar exclusivo da mãe, artigo 1633 do Código Civil.
2.2.2 Procedimentos de suspensão e extinção
Os procedimentos relativos à perda ou suspensão do poder familiar estão dispostos no
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) nos artigos 155 a 163. Um aspecto que vem
gerando muita polêmica é com relação aos procedimentos de destituição e adoção. Serão
necessárias duas ações autônomas ou em uma única ação poderá se destituir a guarda e
conceder a adoção?
Está legitimado para ingressar com pedido de suspensão ou extinção do poder familiar
tanto o Ministério Público como aquele que tenha legítimo interesse (um dos genitores,
qualquer parente ou ainda o conselho tutelar). 7
Como foi anteriormente citado, tem gerado muita polêmica a questão referente à ação
de destituição do poder familiar e adoção. É possível ingressar com uma ação cumulando os
dois pedidos, ou serão necessárias duas ações com pedidos separados? Uma de destituição e
outra de adoção?
Arnaldo Marmitt em sua obra “Adoção” sustenta:
A adoção pressupõe a perda do pátrio poder. Sem este decreto prévio
ela se torna inviável. Em razão disso sustentam alguns juristas que a
demanda que objetiva a destituição do pátrio poder deve preceder
àquela que visa decretar a adoção. Só após o trânsito em julgado da
sentença que destitui do pátrio poder seria possível ingressar em juízo
com o pedido de adoção. Entrementes não parece estarem com a
melhor razão. Conforme art 292 do Código de Processo Civil,
perfeitamente viável é a cumulação, num só processo, contra o mesmo
7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
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réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. Deduzse dessa norma instrumental a admissibilidade do pedido cumulativo,
vez que a adoção apenas será concedida judicialmente após a decisão
sobre a perda do poder familiar.8
Dessa forma, defende o autor, tendo por base o CPC, que é possível em um único
pedido cumular duas ações, uma de destituição do poder familiar e outra e de adoção, o que
tornaria o processo muito mais célere. Mas a realidade, entretanto, não demonstra tal
celeridade. Pois, enquanto o processo está tramitando, o menor é deixado em abrigos ou
colocado em família substituta e lá permanece por muito tempo, em virtude da demora de
todo o procedimento.
Por fim, destacamos o artigo 41, caput do Eca que prevê: “A adoção atribui a
condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios,
desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.
Assim, é possível observar que, implicitamente, há sim a destituição do poder familiar a partir
da sentença da ação de adoção.
3.ADOÇÃO
3.1 A Nova Lei Nacional de Adoção.
Em 03/08/2009, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nova Lei
Nacional da Adoção, após tramitar por dois anos no congresso. A nova lei representa uma
total reformulação nas legislações atuais e pretende revogar alguns dispositivos do Código
Civil, das Leis Trabalhistas e acrescentar vários dispositivos ao Estatuto da Criança e do
Adolescente, bem como revogar os considerados ultrapassados.
A nova lei está baseada em três objetivos centrais: tornar mais célere o processo de
adoção, buscando com isso reduzir o tempo de permanência nos abrigos, priorizar a
permanência do menor na família de origem e ainda unificar o cadastro de adoção.
Sabe-se que o processo de adoção é muito lento e burocrático, fazendo com que os
menores passem anos nos abrigos à espera de uma família. Com a nova lei, o abrigo deverá
estar localizado próximo à residência da criança. Assim, a partir de tal projeto a justiça deverá
ser mais ágil, uma vez que haverá um limite de no máximo dois anos para uma criança
permanecer em um abrigo.
8 MARMITT, Arnaldo. Adoção. Rio de Janeiro: Aide,1993.
10
A lei inova apresentando o conceito de “família extensa”, considerada a família que
“se estende para além da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a
criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.9 Assim, os
parentes próximos (avós, tios, primos) poderão garantir a permanência do menor em sua
família natural, a partir da atuação dos mesmos através da ampla defesa e contraditório, na
fase da destituição do poder familiar (termo que ainda permanece no ECA como “pátrio
poder“ e que a partir da nova lei será finalmente alterado). Dessa forma, primeiramente se
tentará manter a criança em sua família de origem, não necessariamente com os pais
biológicos, restando infrutífera esta tentativa, então o menor será encaminhado para adoção.
A nova lei evidencia o objetivo com o verdadeiro bem-estar do menor. Assim os
menores com idade superior a 12 anos serão ouvidos e esta oitiva será considerada pelo juiz,
bem como serão ouvidos quando o adotante quiser trocar o prenome do adotando. Se buscará
manter os irmãos unidos, assim o adotante terá que adotar todos os irmãos, a separação só
ocorrerá se algum dos irmãos representar um risco para os demais.
Haverá um único cadastro de adoção, possibilitando o cruzamento de dados em todo
o país trazendo uma celeridade ao procedimento. Tal medida vai integrar as listas existentes
nas Varas da Infância e da Juventude de todo o país, permitindo a centralização e o
cruzamento de informações das crianças aptas à adoção, bem como dos candidatos a adotálas, pondo fim à situação do adotante estar inscrito em vários cadastros. Atualmente há 22 mil
pessoas inscritas no cadastro nacional de pais adotantes.
A idade para adotar será a de 18 anos, conforme estabelece o Código Civil e o
adotado, bem como seus descendentes, terão direito a informações sobre sua origem, sobre
seus pais biológicos. Um outro aspecto que merece destaque é o que diz respeito a adoção
direta, ou seja, os pais biológicos poderão indicar para a Justiça as pessoas que tem interesse
em adotar seu (s) filho (s).
A nova lei pretende ainda, estimular a adoção de crianças ou adolescentes
geralmente preteridos, ou seja, crianças maiores, negras, com deficiências físicas e/ou
mentais. As crianças indígenas e as oriundas de comunidades quilombolas deverão ser
adotadas em suas próprias comunidades, dessa forma, não perderão suas identidades culturais.
9 Projeto que estatui a nova Lei Nacional de adoção. Brasília, 2009. Disponível em
<http:mercadante.com.br/notícias/ultimas/lei-nacional-de-adocao-e-aprovada-no-senado-e-segue-para-sançaopresidencial>.Acesso em: 30 jul. 2009.
11
Com relação à adoção por estrangeiros, esta só será possível depois de esgotadas as tentativas
da adoção por brasileiros residentes no exterior e por fim, por estrangeiros. Hipótese em que
haverá um acompanhamento da situação da criança /adolescente.
Como acima foi exposto, a nova lei nacional de adoção representará verdadeira
revolução e modernização do instituto da adoção. Para assim beneficiar as milhares de
crianças que aguardam por um lar, bem como as milhares de famílias que anseiam por um
filho.
3.2 O motivo de tanta demora.
Atualmente, em todo Brasil existem 80.000 crianças e jovens em abrigos. Desse
total, apenas 10% estão em condições jurídicas de serem adotados. A burocracia faz em média
o processo durar aproximadamente uns quatro anos. Diante dessa situação espera-se que a
nova lei venha alterar essa realidade e conseqüentemente diminuir o sofrimento de quem
espera por um filho e de quem espera por uma família.
A realidade demonstra que o tempo que leva para que se efetive a adoção pode ser
bem variável, há casos em que a adoção ocorre de forma rápida, bastando apenas alguns
meses para que seja concluída. Entretanto, na maioria das vezes, ela se arrasta e leva anos,
para se concretizar.
Nesse sentido, destacamos a afirmação de Belmiro Pedro Welter citado por Maria
Berenice Dias a respeito do processo de adoção:
Sustenta Belmiro Pedro
Welter, não
sem
razão,
a
inconstitucionalidade do tortuoso, moroso e desacreditado processo de
adoção judicial. O autor preconiza a dispensabilidade do cumprimento
de todos os requisitos legais (1618 a 1629 e ECA 39 a 52), sob
fundamento de que o reconhecimento do filho afetivo é consensual e
voluntário. Argumenta ainda, ser inútil a via judicial, ou quando é
dispensável o consentimento dos pais, por se tratar de infante em
estado de vulnerabilidade social (1621§ 1º e 1624).10
Assim, pelas palavras do referido autor, torna-se evidente que tal procedimento é
totalmente inconstitucional na medida em que é muito demorado. Mesmo havendo de um lado
10 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2005.
12
uma criança em um abrigo para ser adotada e, de outro, um casal disposto a adotá-la, tal
procedimento poderá demorar anos, trazendo profundo sofrimento para ambas as partes.
Em contrapartida, o Desembargador Thiago Ribas, que coordena a Comissão de
Adoção Internacional do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro explica o motivo da demora no
processo de adoção:
O problema não é dos juízes. Fala-se em lentidão da Justiça e isso é
um bordão comum, utilizado em todos os segmentos. Mas o que se
prevê e o que tem que se cumprir é o que a lei determina. E a lei
determina expressamente, que se deve dar uma preferência para a
família biológica. Nesses abrigos, nós encontramos muitas crianças
que são deixadas especialmente pelas mães porque estas se encontram
em dificuldades. As mães deixam as crianças ali e vão freqüentando
os abrigos. E há a necessidade de um acompanhamento, que é feito
pelo Conselho Tutelar, do qual faz parte um promotor do MP, que
deve cuidar de verificar quando essas crianças já não estão sendo mais
procuradas com freqüência11 .
Justificadamente, o Desembargador diz que é preciso ter certeza que a família
biológica não quer mais a criança para que a mesma seja considerada apta para ser adotada.
Entretanto, a realidade nos mostra que as crianças são completamente esquecidas nos abrigos
e lá crescem sem amor, afeto e a proteção de uma família.
Maria Antonieta Motta, em seu artigo intitulado “Adoção” destaca como
conseqüências geradas pela morosidade: a desmotivação que a demora pode provocar no casal
adotante, fazendo-os a não se comprometerem afetivamente como deveriam. Ou seja, o casal
em um primeiro momento mostra-se motivado e em uma ótima fase no casamento. Porém,
com a demora, o próprio relacionamento pode mudar, fazendo com que diminua a vontade de
adotar. Nesse passo, afirma a autora:
É louvável o objetivo da lei em comprovar a compatibilidade entre as
partes e verificar as probabilidades de sucesso da adoção, e
compreende-se que para isto uma série de cuidados e providências
prévias à sua concretização devam ser tomados. Entretanto, o
prolongamento demasiado do processo faz com que, quando os pais
adotivos tenham finalmente a criança, muito já aconteceu na vida
deles e na vida dela em um período decisivo para a formação sadia do
psiquismo infantil.”12
11 RIBAS, Thiago. Por que adotar demora. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em < http:// rjtv.g1.com.br>.
Acesso em: 31 out. 2008.
12 Motta, M.A P. Adoção Algumas Contribuições Psicanalíticas. In: SUANNES, A . et al. Direito de Família e
Ciências Humanas. Caderno de Estudos n° 1. São Paulo: Ed. Jurídica Brasileira, 1997. 124 p.
13
É um posicionamento voltado basicamente para o aspecto psicológico, uma vez que
este “parto psicológico”, conforme denota a autora é importante para que o casal se prepare
para o novo momento que irão vivenciar, porém, tal espera não deve ser muito longa, uma vez
que o tempo pode fazer com que os sentimentos e as situações se alterem.
O aspecto psicológico envolvido no procedimento da adoção, em especial, os efeitos
nocivos do abandono, bem como a necessidade que a criança tem de ter uma família, o perfil
desejado pelas famílias e a realidade dos abrigos serão tratados de forma mais aprofundada no
capítulo a seguir.
4.CONSEQUÊNCIAS SOFRIDAS PELAS CRIANÇAS/ ADOLESCENTES QUE
AGUARDAM PELA ADOÇÃO.
4.1 A criança e a família: mais que um direito, uma necessidade.
A criança pode ser considerada como o ser mais frágil e dependente de toda a espécie
animal. Para que possa sobreviver, ela depende totalmente daqueles que a geraram, seus pais,
sua família. E mais especificamente de sua mãe, que representa seu elo de ligação com o
mundo. O pai ocupa papel igualmente importante, na medida em que oferece segurança e
proteção. Está cientificamente comprovado que, se a mãe tiver ao seu lado um companheiro
que a ame, proteja e a ampare, ela conseguirá estar mais disponível e atenta para seu bebê. Se,
entretanto, ela não receber esses cuidados de seu companheiro, possivelmente essa mãe
desenvolverá sintomas depressivos e isso refletirá nos cuidados que terá com seu filho. Assim,
as mães primeiramente precisam ser apoiadas e amparadas para que possam cuidar de seus
bebês de uma forma sadia. Uma vez que, de acordo com Maria Aparecida Domingues
Oliveira: “para a criança, a família representa proteção e, sobretudo, sobrevivência.
Sobrevivência, neste caso, abrange o orgânico e o emocional”.13
A médica psiquiatra e psicanalista Maria Lucrecia Sherer Zavaschi, em seu estudo
acerca da necessidade da família na vida da criança afirma: “para cada etapa do
13 OLIVEIRA, Maria A D. A neuro-psico-sociologia do abandono/mau trato familiar. In: AZAMBUJA, Maria
R. F.; SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D. D.Infância em família um compromisso de todos. Porto Alegre:
Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2004. 286 p.
14
desenvolvimento temos tarefas específicas que dizem respeito à criança e à família”14. Para
tanto, utiliza como referência os estudos de Erik Erikson, referente às “oito idades do
homem”, bem como, as tarefas que deverão ser desenvolvidas em cada fase.
Destacaremos, entretanto, o período compreendido entre o nascimento à adolescência.
- Do nascimento aos 18 meses - CONFIANÇA BÁSICA: Consiste na primeira
tarefa do bebê. Para que ele possa ser capaz de alcançá-la é preciso que ele tenha pais capazes
de oferecer-lhe um ambiente, nas palavras da autora, “suficientemente previsível e bom”.
Envolvendo aqui o suprimento orgânico (alimento) e emocional (afeto, compreensão e
estímulos adequados).
- Dos 18 meses aos 03 anos - AUTONOMIA: Para que a criança conquiste
autonomia, é igualmente importante a participação ativa dos pais. Nesta fase, a criança
costuma ter crises de birra e negativismo. Assim, é preciso que os pais permitam que a criança
enfrente situações novas, próprias de sua idade sem expô-la ao perigo.
-Dos 04 aos 05 anos - INICIATIVA X CULPA: Nesta fase, a criança é dona de seu
corpo, iniciando atividades motoras de vários tipos por conta própria, assim como a
linguagem e atividades imaginárias.Os pais ocupam papel fundamental nesse estágio, pois são
eles que fomentarão na criança o senso de iniciativa ou culpa. Se os pais incentivarem,
apoiarem e valorizarem as iniciativas da criança, ela terá desenvolvido o senso de autonomia.
- Dos 06 aos 12 anos - INDUSTRIOSIDADE X INFERIORIDADE: Nesta etapa do
desenvolvimento em que a criança já freqüenta o ambiente escolar é necessário que os pais
não a compare com outras crianças, que, por exemplo, atingiu um melhor desempenho no
processo de aprendizagem. Se isso ocorrer, possivelmente, a criança começará a desenvolver
sentimentos de inferioridade e incompetência, uma vez que o que ela mais almeja é a
aprovação de seus pais. A autora destaca ainda, nesta fase, que a escola representa uma
segunda chance para a criança, cabendo ao professor estimulá-la e elogiá-la sempre que
possível.
-Adolescência - IDENTIDADE X CONFUSÃO: A adolescência é uma das fases
mais difíceis do desenvolvimento humano. Uma vez que o adolescente busca um maior
conhecimento sobre si, sobre sua identidade e pelo seu papel no mundo e na sociedade. Por
este motivo, os pais deverão ser muito atentos e ter muita paciência para conseguirem orientar
seu filho.
14 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Sherer. A criança necessita de uma família. In: AZAMBUJA, Maria R. F.;
SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D. D.Infância em família um compromisso de todos. Porto Alegre: Instituto
Brasileiro de Direito de Família, 2004. 59 p.
15
De acordo com as etapas do desenvolvimento humano baseadas em Erik Erickson é
possível observar que a criança NECESSITA de uma família desde o início, para que possa
tornar-se um adulto independente, produtivo, realizado e feliz. Para isso ocorrer, o casal, ou
seja, os pais precisam estar pré-dispostos para criar este ambiente agradável para seu filho.
Infelizmente, por diversas razões tais como: abandono, negligência, abuso, maustratos, a criança acaba sendo privada de conviver com sua família. Essa privação, conforme
estudaremos a seguir deixará profundas cicatrizes que perdurarão por toda a vida dessa
criança.
4.2 O abandono como fator de risco para o desenvolvimento psicológico.
Antes de iniciarmos o ponto referente ao objeto deste tópico, acreditamos que se faz
necessário tecer algumas considerações acerca da prática do abandono.
Quando se fala em abandono de crianças ou recém nascidos, nos vem à mente a
imagem de uma família pobre, que vê nesta possibilidade a alternativa para que seu filho
possa ter uma vida digna. Entretanto, é possível observar que tal prática está presente em
todas as camadas da nossa atual sociedade. Embora seja verdade que é na camada mais baixa
que vemos tais situações ocorrerem com maior freqüência.
Geralmente, o ato de abandonar um filho, não é uma decisão tomada repentinamente,
mas é uma questão que está relacionada com a história de vida de cada pessoa.
Nesse passo, destacamos a pertinente afirmação de Telma Sirlei Favaretto:
O abandono de uma criança é a concretização da violência social,
familiar e afetiva, e reproduz as relações de opressão de uma
sociedade, seja esse abandono produzido por uma decisão individual
ou oriunda de pressões externas. É uma violência resultante do
acúmulo de “pequenas” violências sofridas pela mulher em seu
cotidiano, que impulsionam a prática de tal ato como que justificando
o próprio abandono pelo Estado, sociedade e família (...). A mulher
que abandona o filho, de alguma maneira, foi rejeitada pela família e,
sentindo-se desamparada, com medo, insegura, com relação ao futuro,
encontra como solução o abandono do filho. 15
15 FAVARETTO, Telma S. F. A mulher e o abandono de recém-nascido: uma análise transdiciplinar. In:
CASTRO, A. et al. Pessoa, gênero e família: uma visão integrada do direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002. 139- 141 p.
16
A autora coloca que o ato de abandonar pode estar baseado em “questões externas”,
como por exemplo: dificuldade financeira, representada como uma forma de violência
invisível, onde o abandono seria uma forma de “proteger” a criança de situações de fome,
frio, miséria. Diferentemente da violência visível, que pode ser representada pela agressão
física, pelo abuso sexual sofrido pela mãe que vê no seu filho a lembrança constante do fato.
A autora ainda apresenta a violência emocional sofrida pela mulher em sua família de
origem, onde através de pronunciamentos e gestos, a mulher acaba por ter sua auto-estima
ferida, fazendo-a abandonar seu filho, por sentir-se desamparada e incapaz de criar uma
criança. A gravidez fora do casamento, bem como a mulher que engravida e é abandonada
pelo companheiro, são outros fatores apontados pela autora que podem levar uma mãe a
abandonar seu filho. Enfim, essas mães são mulheres, que na sua maioria não têm esperança
de terem uma vida melhor, não enxergam nenhuma perspectiva de mudança em suas próprias
vidas.
Entretanto, não podemos atribuir apenas à mulher o ônus de abandonar o filho, uma
vez que as hipóteses acima citadas referiram-se às situações onde a mulher estava só, sem a
presença de um companheiro. Porém, é imperioso frisar que há sim muitas famílias, onde há
um pai e uma mãe que acabam praticando atos de negligência, abuso e maus-tratos, para com
seus filhos, fazendo com que os mesmos sejam privados de sua convivência. Um exemplo,
que pode ser utilizado para ilustrar tal situação é o do casal dependente de drogas ou álcool
que deixa o filho “abandonado” dentro da sua própria casa. Nessas situações, a separação com
a família, (no caso, os pais) torna-se necessária, como uma forma de garantir a sobrevivência
da criança.
Conforme já falado no tópico anterior, quando um bebê nasce, ele não reconhece a
diferença entre o mundo externo e ele próprio. Porém, ele consegue a partir de competências
que já possui ao nascer, relacionar-se com o seu mundo. Mundo que será representado pelas
pessoas que cuidam dele, que estão à sua volta, ou seja, seus pais. Assim, a família,
representada pelos pais é muito importante, nesse estágio inicial da vida da criança, uma vez
que é ela que vai dar ao filho o caráter de humanidade, é ela que vai moldar o ser humano.
Com base, nessa primeira consideração, destacamos novamente as sábias palavras de
Maria Lucrécia Sherer Zavaschi:
As primeiras percepções do bebê devem ser prazerosas, à medida que
suas necessidades são percebidas, e satisfeitas. Nesta idade (primeiros
meses), a criança não tem condições de suportar muitas ou
prolongadas privações. A criança saudável, portadora de privilegiada
carga genética, de ambiente suficientemente bom e que recebe os
17
cuidados e o leite materno terá a sensação prazerosa de bem estar e
verá o mundo inicialmente com o olhar do prazer, da segurança e da
confiança. Nesse início, as sensações boas são identificadas com a
mãe boa, primeiro objeto de seu amor, fonte de alimento e bem estar,
representante assim do mundo. Levando a criança a uma sensação de
CONFIANÇA. Para que o bebê tenha a sensação de confiança, precisa
desenvolver uma experiência subjetiva descrita por Bowlby como
APEGO “é um apaixonar-se, manter um vínculo como amar alguém.
(...) A ameaça de uma perda real causa ansiedade, tristeza e, enquanto
ambas as sensações despertam raiva. Finalmente a manutenção de um
vínculo, sem ameaças, é vivida como uma fonte de segurança e seu
prolongamento como uma fonte de alegria. 16
Assim, a autora evidencia a importância e a necessidade que o bebê tem de sua
família. Entretanto, se o bebê for privado de tal convivência, certamente ele terá profundas
lacunas em sua personalidade, lacunas que se expressarão através de falhas em seu
desenvolvimento. Tais falhas serão representadas através de sensações desagradáveis, como,
por exemplo, a de desintegrar-se, de cair em um abismo, de ter em sua mente a constante
sensação de ansiedade como experiência constante, ao invés de segurança e tranqüilidade.
Essas sensações desagradáveis ficam “gravadas” em sua mente, em seu sistema. Neuro
endócrino e deixarão marcas que se renovarão a cada nova sensação de insegurança. Pode
ocorrer que um bebê que tenha sofrido tal experiência, em sua vida adulta seja uma pessoa
com tendência a sofrer de depressão, por exemplo.
De acordo com Maria Aparecida Domingues de Oliveira, do nascimento, até
aproximadamente os cinco anos de idade a criança está vivendo o período denominado de
anos formativos. Ou seja, “é a fase da formação da estrutura nervosa que servirá de base
para toda a vida do indivíduo. 17
Dos cinco aos sete e dos sete aos dezoito haverá uma formação em grau decrescente
de intensidade. Isso, porém, não significa que o indivíduo não aprende após os dezoito anos,
mas que tais processos, são mais marcantes e fortes nas primeiras fases da vida. Pois é a fase
16 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Sherer. A criança necessita de uma família. In: AZAMBUJA, Maria R. F.;
SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D. D.Infância em família um compromisso de todos. Porto Alegre: Instituto
Brasileiro de Direito de Família, 2004. 63- 64. p
17 OLIVEIRA, Maria A D. A neuro-psico-sociologia do abandono/mau trato familiar. In: AZAMBUJA, Maria
R. F.; SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D. D.Infância em família um compromisso de todos. Porto Alegre:
Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2004. 286 p.
18
em se forma a memória, que nunca será apagada, também denominada pela autora de
engramas.
Dessa forma, é nos anos formativos (do nascimento aos 5 anos) que a criança vai
absorver os estímulos externos, principalmente os dolorosos, provenientes de situações de
rejeição, maus tratos ou abandono. O cérebro da criança captará esses estímulos como:
“ninguém gosta de mim”, “ninguém me quer”, “não tenho como sobreviver sem ninguém”,
“vou morrer”. Esses pensamentos, sentimentos e sensações ocorrerão de forma subjetiva na
mente da criança, uma vez que, devido sua tenra idade ela ainda não terá uma real consciência
da situação. Porém, mesmo sem essa real consciência, seus instintos de sobrevivência
desencadearão na tentativa de evitar esses estímulos dolorosos, várias reações hormonais,
elétricas e químicas, formando um engrama (memória) de defesa que perdurará por toda sua
vida. Assim, o estímulo doloroso, é capaz de alterar as estruturas do cérebro e tal modificação
uma vez processada, ocorre de forma permanente.
Nesse sentido, ensina a autora:
A psicologia já demonstrou que o abandono, a rejeição e os maus
tratos causam depressão e que esta, dependendo do grau de
intensidade que acomete o indivíduo, pode levar a trágicas
conseqüências [...]. As alterações no funcionamento cerebral
decorrentes da ação punitiva do meio social- lembremos que o
principal meio social da criança é a família- estão na raiz de muitos
tipos de condutas inadaptadas, como a conduta violenta, e de
patologias, como a depressão, a mania, o pânico, as fobias, as
psicopatias, entre outras.189
Nessa mesma linha de pensamento, Paul D. Steinhauer, em seu estudo denominado
“Adoção”, tece algumas considerações a respeito da situação de privação pela qual passa a
criança, bem como dos problemas que tal fato pode acarretar posteriormente, quando essa
criança for adotada:
18 OLIVEIRA, Maria A D. A neuro-psico-sociologia do abandono/mau trato familiar. In: AZAMBUJA, Maria
R. F.; SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D. D.Infância em família um compromisso de todos. Porto Alegre:
Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2004. 286 287 p.
19
Crianças com uma história de privação severa e múltiplos lares,
especialmente dentro dos primeiros dois anos de vida, correm maior
risco de colapso de adoção. Essas crianças são passíveis de terem
problemas mais freqüentes na escola, em seu comportamento social
fora de casa e em suas relações sociais. Considerados em conjunto,
estes inevitavelmente impõem tensão adicional sobre suas relações
com seus pais adotivos, por mais compreensivos que esses possam
ser.[...] A confusão de identidade durante a adolescência é exagerada
para muitos adotados devido à freqüência de problemas de vinculação
que arruínam gradualmente o senso de pertencer da criança dentro da
família adotiva e a presença contínua (na fantasia ou na vida real) dos
pais de nascimento. [...] Crianças adotadas são mais hostis, inseguras e
carentes de atenção do que crianças não adotadas.[...] Fatores
temperamentais herdados, especialmente quando agravados pelas
seqüelas de longo prazo de privação e descontinuidade, deixam muitos
adotados mais velhos com dificuldade de convivência sozinhos sem
amor.19
O autor em seu estudo ultrapassa a situação inicial do abandono, para demonstrar as
conseqüências que esta criança terá anos mais tarde. Conseqüências que poderão
comprometer não só seu desenvolvimento emocional, como sua relação pessoal com sua
própria família adotiva.
Dessa forma, fica evidente que quando uma criança é separada de sua família, ocorrerá
uma severa RUPTURA em seu desenvolvimento, pois, ela crescerá em condições
desfavoráveis, será mais vulnerável e apresentará maior ansiedade frente a situações novas.
Uma vez que ela terá por base modelos e padrões distorcidos, doentios, com os quais se
identificará quando atingir a idade adulta fazendo com que o ciclo, que a ruptura se repita em
relação ao seu filho e assim sucessivamente.
No tópico seguinte veremos que existem milhares de famílias dispostas a adotar uma
criança e tentar minimizar o sofrimento causado pela separação com sua família de origem.
Entretanto, estudos demonstram que não é qualquer criança que se busca adotar, que há um
perfil perseguido pela maioria dos futuros pais adotivos.
19 STEINHAUER, Paul. .Adoção. In: GARFINKEL, B. CARLSON, G; WELLER, E.Transtornos
Psiquiátricos na Infância e Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 367 – 370 p.
20
4.3 O perfil desejado pelas famílias
Quando se fala em adoção nos vêm à mente, a imagem de um casal ávido para dar
amor, dar um lar para uma criança, para exercer a maternidade/paternidade. Porém, a
realidade demonstra que esse casal já tem em mente a figura idealizada de uma linda criança,
gordinha, saudável, de preferência recém nascida, ou com poucos meses de vida, do sexo
feminino e que tenha alguma característica física parecida com a sua: a cor da pele, dos
cabelos, dos olhos. Entretanto, quando esse mesmo casal visita um abrigo, em busca de seu
filho perfeito acaba desenvolvendo um sentimento de frustração, pois, geralmente ao invés da
criança dos sonhos, ele encontrará crianças reais.
O tópico em análise tem por base um estudo científico desenvolvido por Lídia Levy e
Eva G. Jonathan denominado: “A criança adotada no imaginário social”. Merece destaque
a parte referente às características (físicas e mentais) que se busca ao adotar uma criança
O estudo comprovou que entre as características almejadas por um casal quando busca
adotar uma criança está o fato de que a mesma seja recém nascida.
As autoras comprovaram que um dos preconceitos relacionados ao ato de adotar é o
fator genético, ou seja, a herança genética trazida pela criança, poderia ser capaz de fazer da
adoção um projeto de risco. Por este motivo, o futuro adotante acredita que, se a criança for
recém-nascida, ele poderá fazer com que seu desenvolvimento ocorra a partir de suas crenças
e convicções fazendo com que o fator genético não se manifeste com muita intensidade.
Os candidatos a pais adotivos, também buscam uma criança saudável. Tal afirmação
decorre do fato de que eles temem enfrentar uma situação para o qual não estejam preparados
ou disponíveis.
Um outro aspecto valorizado pelos pais adotivos refere-se à semelhança. Assim, eles
buscarão uma criança com suas características físicas e raciais, para que a mesma possa ser
identificada como pertencente àquele núcleo familiar.
Os brasileiros evidenciaram uma preferência por crianças brancas e do sexo
feminino. Isso se reflete no temor que eles tem que quando essa criança chegar à adolescência
apresente “problemas” oriundos de sua carga genética, como por exemplo, uma tendência ao
alcoolismo, ou ainda que o adolescente se revolte e prefira seus pais biológicos. Sendo uma
menina, eles teriam a sensação de que seria mais “fácil controlar” do que se fosse um menino.
Na realidade o casal quando chega ao abrigo acaba se deparando com crianças reais.
Ou seja, crianças, feias, malcriadas, crescidas, uma vez que as mais novas vão embora,
21
enquanto as mais velhas acabam ficando. Crianças com problemas de saúde, (desnutridas,
com doenças cardio-respiratórias, cegas, surdas, mudas). Crianças com problemas físicos
(paraplegia, tetraplegia, falta de alguma parte do corpo, como um braço, por exemplo).
Crianças com problemas mentais (síndromes, retardo, paralisia cerebral, neuróticas,
psicóticas, deprimidas, esquizofrênicas). Enfim, tais crianças acabam sendo consideradas
crianças inadotáveis, pois, apresentam algum tipo de “defeito” que faz com que ninguém as
queira, com que sejam duplamente rejeitadas. Primeiro por seus pais biológicos, segundo
pelos candidatos a pais adotantes. Tal rejeição faz com que elas sejam condenadas a
permanecerem nos abrigos, a continuarem excluídas da sociedade e do direito de terem uma
família e uma vida digna.
Assim, muito se fala na demora da adoção, nas enormes filas, na imensa quantidade de
crianças nos abrigos. O que, no entanto, não se fala, é que muitas pessoas ficam aguardando a
criança “perfeita” e acabam desistindo de adotar a criança feia, doente, deficiente que lá está,
esperando ansiosamente pela oportunidade de receber amor, carinho, proteção. De ter a
chance de ter uma família, de ter uma vida digna, alegre e feliz, conforme garante nossa
Constituição.
4.4 A realidade das instituições de abrigo
O termo abrigar, a partir de acepções atuais pode ter os seguintes significados: refúgio,
moradia, ninho, recanto, esconderijo, acolhida. É possível deduzir a partir dos termos citados
uma noção de recolhimento e isolamento social. Analisando a história de nosso país é possível
constatar que tais instituições existem desde o período colonial. Inicialmente, como uma
forma de afastar dos olhos da sociedade questões que feriam a ordem social e a dignidade
humana, ou seja, a situação de abandono de crianças e os maus-tratos na família.
Atualmente, o abrigo é tido a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, como
uma medida de proteção, porém tal medida deve ser aplicada a partir de situações
excepcionais, quando a convivência familiar representar um risco para a criança ou
adolescente.
Diante dessa afirmação Rizzini & Rizzini lecionam, “o abrigo representa uma medida
de proteção à criança que experimenta situações cotidianas de grave risco à sua integridade
física, psicológica e sexual”.20
20 RIZZINI, I & RIZZINI, I. A institucionalização de crianças no Brasil: Percurso histórico e desafios
presentes. Rio de Janeiro: Puc. 2004.
22
Assim sendo, o abrigo muitas vezes significa a chance que uma criança tem de
continuar sobrevivendo, uma vez que oferece todos os cuidados básicos necessários para o
seu desenvolvimento: moradia, alimentação, vestuário, cuidados diários. Contudo, o abrigo
também acaba por expor esta criança ou adolescente a situações de risco, como, por exemplo,
o risco de aumentar a ruptura de vínculos familiares e a segregação social, pois os abrigados
não têm uma convivência social, como as demais pessoas, já que estão confinados, “presos”.
O ECA também confere ao abrigo caráter de provisoriedade, devendo ser utilizado
como uma forma de transição para colocação de criança ou adolescente O ECA também
confere ao abrigo caráter de provisoriedade, devendo ser utilizado como uma forma de
transição para colocação de criança ou adolescente em família substituta, não implicando em
privação de liberdade. O abrigo deveria ser um local de moradia temporária, mas a realidade
tem demonstrado que há crianças que passam a infância inteira no abrigo e quando atingem a
maioridade são obrigadas a irem embora. Esses jovens saem dos abrigos sem nenhuma
perspectiva de futuro e acabam muitas vezes, ingressando no mundo do crime, para voltarem
novamente para uma “instituição”, já que não sabem sobreviver sozinhos.
Nesse passo, afirma Dani Laura Peruzzolo:
Mas não havendo a possibilidade de armar vínculos familiares, as
crianças vão crescendo dentro da Instituição até alcançar a idade de 18
anos. Neste período, já adolescentes, são desligados da Instituição
mesmo não estando preparados para iniciar um novo momento de suas
vidas sozinhos, isto é, sem a tutela, o carinho, e muitas vezes, sem
nenhuma referência externa ao abrigo que possa acolhê-lo nos
momentos futuros. 21
A autora apresenta como alternativa para minimizar o problema, o desenvolvimento
de propostas educacionais visando uma compreensão da realidade a partir de práticas de
solidariedade, comunicação e diálogo.
A nova Lei Nacional de Adoção como anteriormente foi falado está preocupada com
as questões expostas no presente tópico, para tanto, regula um tempo mínimo de permanência
da criança/adolescente nos abrigos, que é o de dois anos. Bem como um prazo para que ocorra
a destituição do poder familiar. O que se busca com isso, é fazer com que a criança ou
21PERUZZOLO, Dani L. O desafio da educação para o desligamento de adolescentes institucionalizados em
abrigos de proteção especial. In: AZAMBUJA, Maria R. F.; SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D. D.Infância em
família um compromisso de todos. Porto Alegre: Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2004. 286 – 287 p.
23
adolescente passe o menor tempo possível no abrigo. Para que futuramente, possa lembrar-se
dele como um local de acolhida, de refúgio, que serviu de moradia temporária. E não como o
local onde passou grande parte de sua infância, ou até mesmo toda ela.
5. CASUÍSTICA
O último tópico do presente trabalho visa demonstrar a partir de um levantamento
estatístico realizado por iniciativa de Procuradores e Promotores de Justiça das áreas da
Família, Infância e Juventude, sob a coordenação da Procuradora de Justiça do Rio Grande do
Sul Maria Ignez Franco Santos a realidade da situação das crianças e adolescentes que vivem
em um abrigo.
Para tanto, utilizou-se como base para pesquisa o “Núcleo de Abrigos Residenciais de
Belém Novo” em Porto Alegre, que à época contava com 91 crianças e adolescentes. Esse
número representava apenas 10% da população abrigada em Porto Alegre. O levantamento
ocorreu no ano de 2001, precisamente em junho e teve a duração de um ano. Buscaremos a
seguir destacar os dados estatísticos referentes aos aspectos que julgamos mais importantes da
pesquisa realizada no abrigo. Dados que vêm de encontro com o que até o momento foi
abordado em temos teóricos.
•
Sexo dos abrigados:
•
45-meninos;
•
46- meninas.
•
Cor dos abrigados:
•
Branca-45 crianças/adolescentes;
•
Negra-29 crianças/adolescentes;
•
Mista-17 crianças/adolescentes.
•
Saúde dos abrigados:
•
Portadores de deficiência mental-10 crianças/adolescentes;
•
Portadores de deficiência física-03 crianças/adolescentes;
•
Portadores de necessidades especiais-05 crianças/adolescentes;
•
Normais-73 crianças/adolescentes.
•
Grupos de Irmãos:
•
Número de grupos-22;
24
•
Total de crianças/adolescentes-51;
•
Cadastrados para adoção-07 crianças/adolescentes.
•
Motivos do abrigamento:
•
Negligência-71 crianças/adolescentes;
•
Orfandade-03 crianças/adolescentes;
•
Abuso sexual-10 crianças/adolescentes;
•
Outros-07 crianças/adolescentes.
•
Idade da criança/adolescente à época do abrigamento:
•
Até 1 ano-09 crianças;
•
1-4 anos-23 crianças;
•
4-7 anos-28 crianças;
•
7-10 anos-13 crianças;
•
10-14 anos-07 crianças;
•
14-17 anos-02 adolescentes;
•
Sem infgormação-09.
•
Idade atual:
•
Até 1 ano-01 criança;
•
1-5 anos-12 crianças;
•
6-9 anos-14 crianças;
•
10-14 anos-29 crianças;
•
15-18 anos-28 adolescentes;
•
19-20 anos-05 adolescentes;
•
Sem informação-02 crianças/adolescentes.
•
Tempo de abrigamento:
•
Até 1 ano-18 crianças/adolescentes;
•
1-2 anos-15 crianças/adolescentes;
•
2-3-anos-09 crianças/adolescentes;
•
3-4 anos-01 criança/adolescente;
•
4-5 anos-03 crianças/adolescentes;
•
5-6 anos-07 crianças/adolescentes;
•
6-7 anos-04 crianças/adolescentes;
•
7-8 anos-04crianças/adolescentes;
25
•
8-9 anos-01 criança/adolescente;
•
9-10 anos-06 crianças/adolescentes;
•
10-11 anos-05 crianças/adolescentes;
•
11-12 anos-07 crianças/adolescentes;
•
12-13 anos-02 crianças/adolescentes;
•
13-14 anos-02 crianças/adolescentes;
•
Sem informação-07 crianças/adolescentes.
•
Situação Jurídica das crianças/adolescentes abrigados:
•
Indefinido-43 crianças/adolescentes;
•
Destituídos-36 crianças/adolescentes;
•
Suspensos-12 crianças/adolescentes.
•
Situação das crianças/adolescentes destituídas do poder familiar que recebem
e/ou visitam seus familiares:
•
Visitam-11 crianças/adolescentes;
•
Não visitam-25 crianças/adolescentes.
•
Cadastrados para adoção (destituídos do poder familiar):
•
Sim-14 crianças e adolescentes;
•
Não-77 crianças/adolescentes.
Com base no levantamento apresentado, o grupo de voluntários coordenado pela
Procuradora de Justiça identificou que:
-O procedimento de suspensão ou destituição do poder familiar leva em média
três anos para ocorrer. Quando o ideal seria que levasse aproximadamente 06 meses;
-As suspensões do poder familiar, de modo geral, não são revistas juridicamente,
eternizando-se. O levantamento revelou que nenhum dos casos de suspensão (ou seja, 12
crianças/adolescentes) havia sequer sido apreciado;
-Descompasso entre os abrigados e os cadastrados para adoção. Em um universo
de 91 abrigados, apenas 36 estavam destituídos do poder familiar mas somente 14 estavam
cadastrados para a adoção. Enquanto que 77 abrigados nem constavam do rol de disponíveis
para a adoção.
Os dados acima elencados vêm comprovar a difícil realidade de quem vive em um
abrigo aguardando por um lar.
26
6 CONCLUSÃO
Vimos ao longo do trabalho que a adoção visa colocar a criança ou adolescente ou até
mesmo o adulto em uma família substituta, para que os mesmos tenham condições de se
desenvolverem em um ambiente cercado de amor, cuidado e proteção. Essa família pode ser
composta não somente por um casal, mas por pessoas solteiras, divorciadas, viúvas,
estrangeiras, bem como pelos tutores ou curadores.
A adoção atribui ao adotado os mesmos direitos de filho natural, inclusive os
sucessórios, bem como rompe os laços com a família biológica. Assim, o ato de adotar deverá
ser profundamente analisado pelo(s) futuro(s) adotante(s), uma vez que é irrevogável. Não há
como se arrepender, pois, a responsabilidade assumida é para toda a vida.
Através da pesquisa, foi possível observar que há um grande número de crianças nos
abrigos. O abrigo tem por objetivo ser um local de passagem, onde provisoriamente a criança
ou adolescente ficará até que possa voltar para sua casa, ao convívio de algum familiar ou
ainda, até encontrar uma família substituta. Porém, a realidade infelizmente demonstra, que
muitas crianças passam toda a infância no abrigo e quando saem já adultos não sabem como
sobreviver no mundo “externo”, uma vez que somente conhecem a realidade do abrigo.
Nessas situações, o ideal seria haver programas educacionais e de profissionalização para
esses jovens.
Percebemos também que a demora se deve principalmente a dois fatores: ao descaso
das autoridades judiciárias em regulamentar a destituição do poder familiar, e ao perfil
desejado pelas famílias.
De acordo com os dados estatísticos apresentados pela Promotora de Justiça Maria
Ignez Franco ficou evidente o distanciamento entre o que foi previsto no Estatuto da Criança e
Adolescente e o que de fato ocorre. O direito da criança a uma família não é assegurado como
deveria. Prova disso é o grande número de crianças que estão com seus processos de
suspensão do poder familiar totalmente parados. Essa inércia faz com que o tempo de estadia
nos abrigos aumente e quanto maior o tempo no abrigo, mais difícil será encontrar um lar.
Assim, é possível observar que em muitos abrigos há muitas crianças ou adolescentes, que
não estão aptas para adoção, ficando condenadas a crescerem sem uma família.
Um outro aspecto importante consiste no fato de que os futuros adotantes têm em
mente um perfil de criança e muitas vezes frustram-se quando se deparam com a realidade dos
abrigos (crianças de mais idade, feias, com deficiências físicas e mentais, doentes). Os bebês
são os mais desejados, seguidos de meninas brancas, assim tendem a não permanecerem por
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muito tempo no abrigo. Aqueles que não correspondem ao padrão de “filho ideal” acabam
rejeitados e excluídos do direito ao convívio familiar.
As conseqüências sofridas por quem espera por uma família podem ser irreversíveis.
Diversos estudos na área da psicologia evidenciam a necessidade vital que a família
representa para uma criança. As crianças precisam de cuidado, de carinho, de amor e proteção
vindos principalmente de seus pais. O bebê depende de sua mãe para sobreviver, pois é ela
quem provê alimento para seu corpo e para sua mente. A partir do toque, do carinho da
presença constante o bebê sentirá segurança e se desenvolverá de forma sadia. Crescer sem
esse “alimento” certamente trará problemas psicológicos que se refletirão em sua vida adulta.
A necessidade de uma família é indispensável não somente para os bebês, mas para
todos, sejam crianças, adolescentes ou adultos. É na família que está a base do ser humano,
sua fortaleza, de onde se adquire valores que futuramente serão transmitidos. A família, o lar
deve representar segurança e proteção e deve ser repleta de respeito e de amor entre seus
entes. Privar crianças ou adolescentes da convivência em família é o mesmo que deixá-las
abandonadas “à própria sorte”.
De acordo com o que foi acima exposto espera-se que a Nova Lei Nacional de adoção
consiga diminuir essa triste realidade. Fazendo com que o abrigo possa cumprir seu real
objetivo de ser um lugar de passagem, para que as crianças possam se lembrar da infância que
tiveram com saudade e não com tristeza. Que a sociedade também se conscientize,
principalmente, os governantes e autoridades judiciárias fazendo com que os direitos sejam
realmente defendidos e respeitados.
A partir da realização do trabalho pude perceber que realmente há burocracia no
procedimento da adoção por parte das autoridades, há descaso por parte do Estado, mas
também há muito preconceito em nossa sociedade. Descartar uma criança porque ela não tem
a cor, a idade ou a saúde desejada é perder uma oportunidade de mudar a vida de alguém. É
desperdiçar a chance, talvez única, de ser muito mais realizado, muito mais completo, muito
mais feliz.
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1 ADOÇÃO-REFLEXOS DO PROCEDIMENTO Raquel