CADASTRO NACIONAL DE AÇÕES COLETIVAS E DE TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA: PERSPECTIVAS ATUAIS E SUGESTÕES PARA SUA IMPLEMENTAÇÃO LARISSA CLARE POCHMANN DA SILVA i* Doutoranda em Direito – UNESA bolsista CAPES/PROSUP. Professora da UCAM RESUMO. O presente trabalho objetiva analisar o Cadastro Nacional de Ações Coletivas e de Termos de Ajustamento de Conduta, destacando a relevância de sua efetiva implementação. Para isso, inicia destacando o papel do Cadastro de Processos Coletivos e, em seguida, passa a analisar algumas perspectivas do direito estrangeiro. Por fim, destaca seu histórico no Brasil e traz sugestões, de lege ferenda, para sua implementação. PALAVRAS-CHAVE. Ações Coletivas; Cadastro Nacional de Processos Coletivos; Brasil. ABSTRACT. This work aims to analyze the National Register of Class Actions and Terms for the Adjustment of the Conduct, trying to show the relevance of its effectively implementation. In order to do this, it starts highlighting the role of the Register of Collective Procedures and, then, it analyzes some perspectives of the foreign law to finally mention the history of the National Register in Brazil. In the end, it brings some suggestions for the implementation of the National Register in the country. KEYWORDS. Class Actions; National register for Collective Procedures; Brazil. SUMÁRIO: Introdução. 1. A Relevância de um Cadastro Nacional para as Ações Coletivas e Termos de Ajustamento de Condutas. 2. A Perspectiva do Direito Estrangeiro. 3. A Perspectiva Brasileira: Propostas para a Implementação. Conclusão. Referências Bibliográficas. Introdução O presente trabalho pretende, a partir de uma análise doutrinária e de cadastros de processos já existentes no direito estrangeiro, demonstrar a relevância da efetiva implementação de um Cadastro de Processos Coletivos no Brasil. Para isso, inicia apontando a relevância de se criar um Cadastro de Processos Coletivos, contendo tanto as ações coletivas como os registros dos termos de ajustamento de conduta. Em seguida, traça um panorama do tema no direito estrangeiro, verificando a experiência do cadastro em outros países do continente americano e do continente europeu e, por fim, a partir do registro do histórico do Cadastro no Brasil, delineia algumas perspectivas para a sua implementação, para que estejam efetivamente disponíveis de forma pública e gratuita as informações sobre a tutela coletiva. 1. A Relevância de um Cadastro Nacional para as Ações Coletivas e Termos de Ajustamento de Condutas As ações podem ser caracterizadas como coletivas por dois prismas: o objeto de tutela e a legitimidade. No direito brasileiro, a ação coletiva é o direito apto a ser legítima e autonomamente exercido por pessoas naturais, jurídicas ou formais, conforme previsão legal, de modo extraordinário, a fim de exigir a prestação jurisdicional, com o objetivo de tutelar interesses coletivos, assim entendidos os difusos, coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos (MENDES, 2014, p. 32). Porém, considerando os diferentes modelos de ações coletivas existentes hoje, pode-se afirmar que o objeto das ações coletivas é a exigência da prestação jurisdicional com o objetivo de tutelar interesses coletivos, assim entendidos os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos. A proteção de direitos difusos e coletivos 2 é admitida em diversos países, seja por meio de leis – esparsas ou não –, seja pela relevância da atuação dos tribunais, tanto para efetivação dos direitos coletivos, como para, diante da omissão legislativa, realizar a regulamentação do procedimento (SILVA, 2013, p. 7-41). Todavia, a proteção de direitos individuais homogêneos não foi pacificamente admitida ao longo da história do processo coletivo de diversos países, sendo algumas vezes incentivada, outras rechaçadas, ao fundamento de que seria necessário aferir a indenização individual de cada vítima de um dano de origem comum. Atualmente, prevalece sua admissão, sem a imposição de empecilhos para que haja a análise da questão comum no processo coletivo, sendo prolatada, quando necessário, uma sentença genérica (MENDES, 2014, p. 287-288), e, posteriormente, haja a quantificação dos danos individuais. Em relação à legitimidade, não há um único modelo de atribuição de legitimidade no processo coletivo (HENSLER, 2009, p. 14), podendo atuar no processo coletivo, dependendo do modelo adotado, o indivíduo, o setor público e as associações, sendo que, em geral, os modelos admitem mais de um legitimado ou distinguem os legitimados por setores de atuação, trazendo, por exemplo, legitimados para a defesa do 66 meio ambiente e a previsão de outros legi1timados para a tutela dos direitos do consumidor e da concorrência (SILVA, 2013, p. 83-195). Também não há um único modelo em relação aos efeitos à vinculação na ação coletiva e aos efeitos da coisa julgada. No primeiro caso, há sistemas de opt in, de opt out e sistemas mistos (HENSLER, 2009, p. 15), e, no segundo caso, embora prevaleça o sistema pro et contra para os efeitos das ações coletivas na maioria dos países, ainda há a divergência, nos diversos modelos adotados, se a ação coletiva pode servir apenas para beneficiar os que estejam nela vinculados ou se seu julgamento também pode impedir o ajuizamento de ações individuais caso seja contrário. Diante da pluralidade de modelos e da difusão desse mecanismo para a tutela dos direitos coletivos em sentido amplo, com o aumento do número de processos coletivos em tramitação, é essencial a ampla publicidade das ações coletivas e dos termos de ajustamento de conduta em andamento. Exclui-se apenas o inquérito civil da referência porque, nesse caso, em determinadas hipóteses, o sigilo pode ser fundamental para a conclusão se ocorre ou não a violação a um direito coletivo. Por exemplo, ao ter conhecimento de que está sendo investigado, um réu poderá cessar a violação e ocultar as provas da provável lesão aos direitos coletivos que pode ter ocasionado. O cadastro permitirá, em primeiro lugar, evitar que novas ações coletivas sejam propostas se já houver uma em tramitação, evitando-se a proliferação de ações idênticas, ou, caso seja proposta, que seja identificada a litispendência (MENDES, 2014, p. 272273), para a reunião de processos, a fim de que se previnam decisões contraditórias. Essa redução das demandas coletivas tem sua expectativa de ocorrência na medida em que, cientes de uma ação coletiva proposta, os demais legitimados poderão ingressar como litisconsortes ou assistentes litisconsorciais, dependendo do momento processual, em vez de ingressarem com novas demandas por desconhecimento de que a questão já é discutida. Além disso, aqueles que não possuem o seu day in court (NAGAREDA, 2007, p. 7) no processo coletivo, em vez de ingressarem com ações individuais, muitas vezes por desconhecerem que a questão já é debatida na esfera coletiva, poderão já acessar e consultar o que é objeto de tutela coletiva naquele momento. Ainda, a existência de um cadastro permitirá a aferição da representatividade adequada do legitimado, uma preocupação da tutela coletiva em diversos países. Em 68 que pese alguns modelos permitirem a análise, pelos juízes e tribunais, da representatividade adequada3 - alguns permitindo até mesmo que o Poder Judiciário destitua o legitimado, caso não considere adequado, e que outro legitimado assuma o polo ativo da demanda4 -, há países, como o Brasil, que adotam uma presunção de legitimidade adequada. A existência do cadastro, em que conste a informação do procedimento e das partes, bem como da tramitação processual, permitirá identificar se o legitimado atua representando adequadamente os interesses da classe. Por fim, o cadastro poderá, ainda, facilitar o acesso dos interessados ao resultado daquele procedimento, de forma a assegurar maior efetividade ao seu cumprimento. Por exemplo, a publicidade permitirá que qualquer interessado possa aferir o cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado e que possa denunciar eventual descumprimento, bem como que as execuções de ações coletivas se iniciem em um intervalo menor de tempo após o trânsito em julgado da sentença – ou até mesmo de forma provisória5 -, assegurando a efetividade dos instrumentos para a proteção de direitos coletivos lato sensu, através da efetivação do que restou firmado ou julgado em âmbito coletivo. 2. A Perspectiva do Direito Estrangeiro No direito estrangeiro, o cadastro de ações coletivas não é estranho a alguns países. No Canadá, por exemplo, considerando que quase todas as províncias possuem uma legislação sobre ações coletivas6, além do país ter uma legislação federal, em 2007 foi implementado um projeto piloto, inicialmente em teste durante dois anos, para a criação de um cadastro nacional de processos coletivos, vinculado à Ordem dos Advogados Canadenses, para o acesso às informações sobre as ações coletivas e sua tramitação, sem custo. O cadastro se fortaleceu e, atualmente, em caráter permanente e constante aperfeiçoamento, é monitorado e atualizado por seus funcionários, através de um mecanismo de busca no endereço eletrônico dos diversos tribunais, mas os advogados que atuam nas ações coletivas também fornecem as informações atualizadas, através de um formulário, remetido por e-mail, sendo que os funcionários do cadastro verificam a veracidade da informação transmitida e se está atualizada. Foi constituído, ainda, um 69 grupo de trabalho para acompanhar o funcionamento do cadastro e verificação de possíveis melhorias para seu aperfeiçoamento. A existência do referido cadastro, a nível nacional, pode ser consultada por qualquer interessado através da Base de Dados sobre Ações Coletivas, disponibilizada pela Associação dos Advogados Canadenses na internet7. Não obstante um cadastro nacional, as províncias podem, ainda, manter o seu próprio cadastro, com informações detalhadas a nível local. A província de Quebec8, por exemplo, mantém seu próprio cadastro, criado em 10 de setembro de 2010 - portanto, posteriormente ao cadastro nacional -, que permite consultar as partes envolvidas, seus advogados e os provimentos do tribunal, além da especificação dos documentos disponibilizados nos autos. Nos Estados Unidos, não há um cadastro a nível nacional para as ações coletivas, restando o registro de ações coletivas feito pelos advogados ou por acadêmicos e disponibilizados na internet para acompanhamento em determinadas áreas, como na defesa do consumidor9 e na defesa dos valores mobiliários10. Existe no país apenas um registro oficial para os casos do Multidistric Litigation (MDL), sendo que há uma informação pública dos casos admitidos, dos que já foram julgados e dos que ainda estão pendentes de julgamento11, mas a visualização mais detalhada de cada procedimento está acessível apenas aos advogados, que necessitam fazer previamente um cadastro no endereço do procedimento12. Na Argentina, o cadastro de processos coletivos está em criação. O cadastro já tinha previsão no art. 21 da Lei do Mando de Segurança Coletivo, denominado amparo no país. Foi com essa inspiração que sua criação, na província de Buenos Aires, ocorreu por determinação da Suprema Corte de Justiça da Província, através da Acordada 3660/2013. A criação do cadastro foi considerada um imperativo, diante do aumento do número de ações coletivas na província13. O registro criado pelo tribunal, porém, foi mais amplo do que o previsto em lei, já que a determinação abrange todos os processos que discutam interesses de incidência coletiva – incluindo os mandados de segurança coletivos -, salvo os habeas corpus, indicando sua tramitação e as decisões. As informações para alimentação do cadastro na província devem ser enviadas pelo tribunal por e-mail, criado para essa finalidade (arts. 5 e 7 da Acordada) e seu conteúdo será livre e gratuito (art. 9). Juízes, tribunais e indivíduos poderão exigir relatórios das informações contidas no cadastro (art. 10). O registro é criado com o 70 objetivo de facilitar a reunião de processos coletivos em um mesmo juízo, prevenindo decisões contraditórias. Em agosto de 2014, através do Acuerdo nº 3721 foi regulamentado o Cadastro de Processos Coletivos no âmbito da província de Buenos Aires, constando que, se já houver ação coletiva registrada, a autoridade responsável pelo registro deverá comunicar ao solicitante do registro do novo processo e determinando a elaboração de um formulário padrão para a comunicação da ação coletiva. Posteriormente, através da Acordada 39/2014, em outubro de 2014, a Suprema Corte Argentina, considerando um aumento do número de processos coletivos em todo o país, ampliando o risco de decisões contraditórias, propôs, com base no art. 43 da Constituição Argentina, que trata da publicidade, a criação de um Cadastro de Processos Coletivos em âmbito nacional, de caráter público e gratuito, hospedado no endereço eletrônico da própria Suprema Corte, abrangendo todas as ações de caráter coletivo, incluindo o habeas corpus e o habeas data, mediante o fornecimento de dados pelos tribunais de cada província, através de convênios, indicando todas as etapas de tramitação do processo. No Reino Unido, não havia, até o momento de conclusão deste artigo, um cadastro de ações coletivas - que devem ter um significativo avanço significativo com Código do Consumidor aprovado -, mas o cadastro que existe e que possui perspectiva de ser mantido é em relação ao mecanismo de solução coletiva de litígios Group Litigation Order14. O GLO pode ser instaurado a requerimento das partes ou de ofício pelo tribunal. Para o pedido de instauração, o advogado deve consultar o Law Society’s Multi-Party Action Information Service, verificando se há outros casos com questões de fato ou de direito comuns ao mérito da demanda (ANDREWS, 2001, p. 258). O pedido deve incluir uma síntese do litígio, a natureza da reclamação, as partes envolvidas, as questões comuns de fato ou de direito esse existem reivindicações distintas dentro do grupo. Na Alemanha, o registro se refere, na esfera coletiva, a uma lista nacional, sob a incumbência do Ministério da Administração Pública, ou a uma lista internacional, editada internacionalmente pela Comissão da Comunidade Europeia, a partir das informações fornecidas pelos Estados Membros, para que as associações possam atuar como legitimadas na tutela coletiva para a defesa do consumidor, mas não há um cadastro para as ações coletivas em tramitação. Na referida lista serão registradas, com 71 fulcro na alínea (2) do §4 da UKlaG, mediante requerimento, as associações devidamente constituídas há pelo menos um ano, cujos estatutos prevejam a defesa dos consumidores, quando possuírem, como seus integrantes no mínimo 75 pessoas naturais (MENDES, 2014, p. 118-122). Há, ainda, no país, um registro para as demandas repetitivas, no mecanismo de solução de conflitos coletivos, o procedimento-padrão Mustervarfahren. O requerimento do procedimento-padrão admitido deve ser registrado no órgão oficial (Bundesanzeiger), com a indicação dos principais dados e será, ainda, objeto de inscrição em um registro eletrônico e gratuito. A comunicação deve conter a descrição das partes litigantes e dos seus representantes legais, dos investidores e acionistas interessados no procedimento-padrão, o órgão judicial, o número do processo e a data de inserção no registro (Klageregister). Os requerimentos que tiverem fundamento comum deverão ser registrados na mesma sequência, não havendo necessidade de repetição da comunicação ao órgão oficial. O Ministério da Justiça alemão possui a incumbência de regulamentar e controlar o cadastro (registro) dos procedimentospadrão, cabendo zelar pelo cumprimento das normas referente ao tratamento de dados e banco de informação, bem como da segurança do sistema, com responsabilidade pela correção e veracidade dos dados do cadastro. Os dados serão excluídos do cadastro após a inadmissibilidade ou a conclusão do julgamento-padrão (MENDES, 2014, p. 126128). Nessa perspectiva, o cadastro no direito estrangeiro se refere tanto às ações coletivas, como aos procedimentos-padrão, bem como aos legitimados, mas todos os registros são de acesso público, gratuito e atualizados eletronicamente. 3. A Perspectiva Brasileira: Propostas para a Implementação No Brasil, a tentativa de implementação de um Cadastro de Processos Coletivos ocorreu mediante previsão no Código Brasileiro de Processos Coletivos (MENDES, 2007, p. 16-32), para o aprimoramento de normas pertinentes à tutela coletiva, inspirado no Código de Processo Civil Inglês que, a partir do ano de 2000, previu a criação de um cadastro para os GLOs (Group Litigation Orders). Foram elaboradas duas versões, a partir dos anos de 2004 e 2005, de Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, respectivamente nos âmbitos dos Programas de Pós72 Graduação da Universidade de São Paulo, sob a coordenação de Ada Pellegrini Grinover, e das Universidades do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Estácio de Sá (UNESA), sob a coordenação de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, encaminhadas ao Ministério da Justiça (MENDES, 2008, p. 89-132). Posteriormente, em 2009, o Projeto de uma nova Lei da Ação Civil Pública, com a proposta de transformá-la, na verdade, em uma Lei Geral dos Processos Coletivos, incorporou a previsão já existente no Código Brasileiro de Processo Coletivo, de criação dos Cadastros Nacionais de Processos Coletivos, sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça, e de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (MENDES, 2014, p. 209-210). O projeto de uma nova Lei da Ação Civil Pública recebeu, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, parecer favorável quanto à constitucionalidade, mas votação em contrário em relação ao mérito. Foi, então, apresentado e admitido recurso para que o mérito fosse reapreciado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, estando o projeto pendente de apreciação. No entanto, a proposta de criação de um cadastro não se esgotou nos projetos. No dia 07 de junho de 2011, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução para instituir um cadastro nacional de ações coletivas, inquéritos e termos de ajustamento de conduta, medida que foi aprovada pelo Conselho Nacional do Ministério Público uma semana depois. A ideia era a implementação de um cadastro alimentado de forma eletrônica, por meio das informações colhidas na tabela de numeração única já implantada em quase todos os tribunais, reunindo informações sobre processos coletivos em tramitação no país, como ações civis públicas e ações populares, bem como os termos de ajustamento de conduta firmados pelo Ministério Público e os inquéritos civis em tramitação em todo o território nacional15. Em 21 de junho de 2011 foi, então, editada a Resolução Conjunta nº 2/2011, do CNJ e CNMP16, com previsão de implementação do cadastro até 31 de janeiro de 2011. Alguns anos aos, atualmente, o Cadastro de Ações Coletivas ainda não foi efetivamente implementado, restando a consulta às ações coletivas em tramitação através do sítio de cada tribunal, que apresentam diversos e, muitas vezes, até mesmo difíceis, critérios de busca. 73 Em 2012, em uma perspectiva de reforma do Código de Defesa do Consumidor, foram elaborados três projetos, com enfoques distintos: o PLS 281/2012, versando sobre Comércio Eletrônico; o PLS 282/2012, versando sobre ações coletivas e o PLS 283/2012, sobre superendividamento do consumidor. Dentre outros enfoques, o PLS 282 reproduziu, em seu art. 90-A, a previsão de um cadastro de ações coletivas. O referido projeto, porém, acabou arquivado ao final da legislatura. Em 13 de março de 2013, foi implementado o Portal de Direitos Coletivos pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O endereço eletrônico17 permite a pesquisa de dados relativos a inquéritos civis e TACs em tramitação nos estados da federação, no Distrito Federal, além dos Ministérios Públicos Federal, Militar e do Trabalho. Apesar do grande avanço a sua implementação, o referido cadastro não apresenta todas as informações sobre os procedimentos relevantes para a tutela coletiva nos âmbitos da federação e, mais ainda, não é alimentado em tempo real. Sua alimentação extemporânea pode gerar informações que não estejam de acordo com a real tramitação quanto ao momento da consulta. Apesar de não implementado o Cadastro para Ações Coletivas, o Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 2015, que entrará em vigor a partir de março de 2016, prevê um Banco de Registro dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas. A intenção é a de que as demandas submetidas ao mecanismo de solução coletiva de conflitos possuam a mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, com o registro não apenas da instauração do incidente, como também o registro das teses jurídicas fixadas no julgamento. É inegável a relevância do cadastro de processos para as demandas repetitivas. O Banco de Registro dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas permitirá a identificação dos processos submetidos ao incidente de resolução de demandas repetitivas, através do registro de sua instauração, bem como a tese fixada no julgamento. Contudo, ainda é necessário avançar em relação ao Cadastro de Ações Coletivas e Termos de Ajustamento de Conduta. Urge sua efetiva implementação, que não pode ser suprida e é independente da também necessária implementação do registro de processos submetidos ao incidente de resolução de demandas repetitivas, quando esse instituto estiver em vigor no ordenamento jurídico brasileiro. Não basta o cadastro 74 disponibilizado pelo Portal de Direitos Coletivos, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, porque, apesar da brilhante iniciativa, esse não abrange as ações coletivas, além de não ter, até o momento da consulta para o presente trabalho, a inclusão de todos os Compromissos de Ajustamento de Conduta firmados no país e possuir uma alimentação extemporânea. É preciso aperfeiçoar a iniciativa do Portal de Direitos Coletivos, de forma que o cadastro possa abranger também as ações civis públicas e inclua todas as informações em âmbito nacional, abrangendo a esfera federal e as estaduais, além de se implementar um sistema com alimentação direta, através da internet, dos dados de cada legitimado, de forma que as informações estejam disponíveis em tempo real. Para esta implementação, pode-se utilizar de algumas lições do direito estrangeiro. Tal como foi determinado na Argentina, o Cadastro poderia figurar através de um espaço hospedado na página dos Tribunais, reunindo todos os registros, e, tal como implementado no Canadá, a sociedade civil pode e deve colaborar para a sua implementação, até mesmo porque, uma vez implementado, devido a seu relevante papel já destacado, beneficiará a todos, permitindo a ampla divulgação dos feitos em tramitação. Nessa perspectiva, pode-se cogitar da própria advocacia – pública e privada - , das promotorias e das defensorias já colaborarem com o envio, através de e-mail, das informações que atualizadas que possuírem, de modo que essas sejam conferidas com as coletadas diretamente de forma virtual, construindo um cadastro atualizado e confiável. Conclusão Urge a implementação de um Cadastro, de âmbito nacional, de Ações Coletivas e Compromissos de Ajustamento de Conduta, com informações atualizadas, sem prejuízo do Cadastro do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas previsto pelo novo Código de Processo Civil. O referido cadastro permitirá evitar que novas ações coletivas sejam propostas se já houver uma em tramitação, evitando-se a proliferação de ações idênticas, ou, caso seja proposta, que seja identificada a litispendência; que os indivíduos possam ter ciência das ações coletivas em tramitação; permitirá a atuação do legitimado, para aferição de sua representatividade adequada e que seja possível acompanhar o cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta firmado - ou denunciar 75 eventual descumprimento- , bem como que as execuções de ações coletivas se iniciem em um intervalo menor de tempo após o trânsito em julgado da sentença – ou até mesmo de forma provisória -, assegurando a efetividade dos instrumentos para a proteção de direitos coletivos lato sensu. Apesar de, no continente europeu, os cadastros existentes versarem sobre legitimados ou sobre as demandas submetidas aos mecanismos de solução coletiva de conflitos, o próprio continente americano pode trazer boas lições para a implementação no Brasil, que, há algum tempo, tem um histórico de tentativa de implementação do registro, sem que isso tenha efetivamente ocorrido. É necessário aperfeiçoar a excelente iniciativa do Cadastro de Termos de Ajustamento de Conduta, de forma que haja um registro capaz de abranger as ações coletivas, realizando, em tempo real, através da internet, sua alimentação. Tal como a lição argentina, não precisa se deixar ao Conselho Nacional de Justiça o ônus de sua hospedagem, podendo essa ocorrer no site de um tribunal, reunindo todos os registros, nem mesmo ao Conselho Nacional do Ministério Público e ao Conselho Nacional de Justiça a tarefa de, sozinhos, implementarem o sistema. É preciso um trabalho cooperativo, a exemplo do que ocorre no Canadá, com a participação de toda a sociedade civil, de forma que cada um que atue na tutela coletiva – partes, advogados públicos ou privados, defensores públicos e membros do Ministério Público – possam transmitir suas informações, assim como os tribunais seus acórdãos, de forma que seja possível conferir com as informações coletadas virtualmente, criando um cadastro completo e confiável, para que seja possível organizar o trabalho e aprimorar os papéis da tutela coletiva. Referências Bibliográficas ANDREWS, Neil. Multi-Party Proceedings in England: Representative and Group Actions. Duke Journal of Comparative & International Law. Carolina do Norte: Duke Law School, 2001, vol. 11, n. 2, p. 249-268. CAPACCIO, Jeremías; VERBIC, Francisco. La Suprema Corte de Justicia de la provincia de Buenos Aires innova con la creación y reglamentación de un Registro de Procesos de Incidencia Colectiva. 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DJ: 12/03/2013. 6 Na atualidade, apenas uma província canadense (Prince Edward Island) e três territórios (Nunavut, Yukon e Northwest Territories) não possuem uma legislação sobre ações coletivas. 7 A referida base de dados pode ser acessada em http://www.cba.org/classactions/main/gate/index/. Acesso em 6 out. 2014. 8 O referido cadastro pode ser acessado em http://www.barreau.qc.ca/en/public/acces-justice/recourscollectifs/. Acesso em 20 out. 2014. 9 Disponível em http://www.consumer-action.org/lawsuits/. Acesso em 20 out. 2014. 10 Disponível em https://www.law.stanford.edu/organizations/programs-and-centers/securities-classaction-clearinghouse-scac. Acesso em 20 out. 2014. 11 Disponível em http://www.jpml.uscourts.gov/panel-orders. Acesso em 20 out. 2014. 78 12 Disponível em http://www.jpml.uscourts.gov/panel-orders. Acesso em 20 out. 2014. CAPACCIO, Jeremías; VERBIC, Francisco. La Suprema Corte de Justicia de la provincia de Buenos Aires innova con la creación y reglamentación de un Registro de Procesos de Incidencia Colectiva. Disponível em https://www.academia.edu/6129379/La_Suprema_Corte_de_Justicia_de_la_provincia_de_Buenos_Aires _innova_con_la_creacion_y_reglamentacion_de_un_Registro_de_Procesos_de_Incidencia_Colectiva. Acesso em 20 out. 2014. 14 O referido cadastro está disponível em https://www.justice.gov.uk/courts/rcj-rolls-building/queensbench/group-litigation-orders. Acesso em 23 out. 2014. 15 A referida informação pode ser obtida em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14715-cadastro-unicodara-agilidade-as-acoes-coletivas. Acesso em 15 out. 014. 16 A referida resolução pode ser encontrada em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-dapresidencia/567-resolucoes-conjuntas/14836-resolucao-conjunta-n-2-de-21-de-junho-de-2011>. Acesso em 15 out. 2014. 17 O endereço eletrônico é http://www.cnmp.mp.br/direitoscoletivos/. 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