LICITAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PARA A REALIZAÇÃO DA COPA DO MUNDO DE 2014 E DA OLIMPÍADA DE 2016 NO BRASIL Airton Gustavo Kielek* Gabriel Placha** RESUMO A pretensão do projeto proposto é analisar e avaliar quais as possibilidades jurídicas do desenvolvimento das medidas necessárias para viabilizar a realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Brasil, diante das propostas dos governos federal, estaduais e municipais envolvidos, cujos compromissos assumidos devem considerar as exigências e procedimentos para a aplicação de recursos públicos em eventos dessa natureza. A pesquisa foi realizada a partir da análise das normas jurídicas, da legislação, da doutrina e jurisprudência do tema proposto. Palavras-Chave: Licitação; Princípios; Copa do Mundo de 2014; Olimpíadas de 2016; Dispensa de Licitação; Regime de Contratação Diferenciado. * Aluno do 9º período do curso de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação Científica (PAIC 2010 - 2011) da FAE Centro Universitário. E-mail: airtonkielek@ hotmail.com. ** Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR). Professor da Graduação e Pós-Graduação da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]. Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 519 INTRODUÇÃO É muito comum no Brasil, até mesmo por ser um dado cultural, que toda oportunidade vislumbrada por seus governantes para o desenvolvimento socioeconômico seja encarada como uma forma de autopromoção daquele que ocupa o cargo eletivo, e não com o objetivo de produzir benefícios para a coletividade. Porém, a utilização de recursos públicos deve observar as regras jurídicas e procedimentos legais, sem o qual não se pode conferir legitimidade ao desenvolvimento das atividades estatais. Dessa forma, a realização de eventos esportivos com tamanha magnitude e que exigiram substancial investimento público, merece atenção especial, não só dos órgãos de controle e fiscalização, mas como de toda a sociedade. Especialmente em virtude do volumoso número de irregularidades ocorrido na realização dos jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, que, segundo relatório final do TCU referente ao programa “Rumo ao Pan” datado de 24/09/2008, 35 processos específicos de irregularidades foram apurados3. Isso foi o que motivou o desenvolvimento da pesquisa proposta, com o intuito de produzir um texto significativo sobre o procedimento administrativo denominado licitação, e para fomentar a reflexão da sociedade diante da situação apresentada. 1 CONCEITO E FINALIDADE DA LICITAÇÃO O Poder Público, de modo diverso dos particulares que possuem total liberdade em adquirir, alienar, locar bens ou contratar a execução de obras ou serviços, necessita, para que possa praticar os mesmos atos, de um procedimento prévio denominado licitação, com suas etapas rigorosamente determinadas e preestabelecidas por Lei (MELLO, 2010, p. 524). Pode-se sintetizar o conceito de licitação em um certame promovido pela Administração Pública, abrindo disputa entre os interessados que queiram, com ela, celebrar negócios de cunho patrimonial, em que a Administração Pública irá selecionar a proposta que lhe seja mais vantajosa (MELLO, 2010). “Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir” (MELLO, 2010, p. 524). BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos de acompanhamento da execução do Programa “Rumo ao Pan 2007”, conjunto de ações desenvolvidas pelo Governo Federal para a implantação da infraestrutura necessária à realização dos Jogos Pan-Americanos, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em julho de 2007. TC-014.800/2007-3, acórdão nº 2101/2008 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 24/9/2008 – Ordinária. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2101-38/08-P, p. 114. 1 520 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua licitação da seguinte maneira: é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados (MELLO, 2010, p. 526). A licitação possui tripla finalidade: possibilidade de a Administração Pública realizar o negócio mais vantajoso a partir da competição entre os ofertantes, proporcionar igualdade de oportunidades, isonomicamente, aos administrados interessados em participar de seus negócios, e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável2. A maior vantajosidade do negócio celebrado pela Administração Pública configura-se quando assume ter de suceder a realização da prestação de forma menos onerosa ao seu erário, e o administrado obriga-se, da melhor e mais completa forma, a efetuar a prestação, consubstanciando, portanto, uma relação de custo-benefício, portanto, a Administração Pública de forma menos onerosa recebe o maior benefício (JUSTEN FILHO, 2009, p. 376). Entretanto, a vantajosidade, enquanto finalidade da licitação, não pode levar a Administração Pública a decisões arbitrárias ou abusivas, por isso, para proteger os direitos dos potenciais competidores, essa busca deve ser calcada na estrita observância dos princípios do nosso ordenamento jurídico, especialmente o da isonomia (JUSTEN FILHO, 2009, p. 376). A promoção do desenvolvimento nacional sustentável possibilita que a Administração Pública, paralelamente ao procedimento licitatório, implante ações sustentáveis que busquem proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, concretizando políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional, valorizando ainda mais o interesse público nos contratos firmados. 1.1 Os Princípios da Licitação A Administração Pública, no intuito de desenvolver o negócio mais vantajoso aos seus interesses, deve assegurar direitos iguais a todos que com ela queiram pactuar, o que só é possível pela observância dos princípios norteadores da licitação. Não há 2 Nesse mesmo sentido são os objetivos que o artigo 3º da Lei Federal nº 8.666/93, estabeleceu: “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável [...]” (BRASIL. 1993, p. 8269). Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 521 uniformidade entre os doutrinadores3 em estipular uma listagem desses princípios; destarte, serão apresentados aqueles básicos trazidos pela Lei nº 8.666, de 21/06/19934 – que disciplina as normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública. A igualdade entre os licitantes é considerada o principio primordial5 da licitação, ou ainda, seu alicerce6, tamanha sua importância está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 37, inciso XXI7. A Administração Pública, pautando-se pelo princípio da igualdade, possibilitará com que todos os licitantes qualificados compitam com igualdade de direitos, sem discriminar ou dar preferência para qualquer participante em detrimento dos outros. Nesse sentido, é importante destacar os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: O que o princípio da igualdade entre os licitantes veda é a cláusula discriminatória ou o julgamento faccioso que desiguala os iguais ou iguala os desiguais, favorecendo a uns e prejudicando a outros, com exigências inúteis para o serviço público, mas com destino certo a determinados candidatos. (MEIRELLES, 2010, p. 42). 3 Celso Antônio Bandeira de Mello considera como princípios cardeais da licitação: “a) competitividade; b) isonomia; c) publicidade; d) respeito às condições prefixadas no edital; e e) possibilidade de o disputante fiscalizar o atendimento dos princípios anteriores”. (MELLO, 2010, p. 536). Para Hely Lopes Meirelles, os princípios da licitação “resumem-se, para nós, nas seguintes prescrições: procedimento formal; publicidade de seus atos; igualdade entre os licitantes; sigilo na apresentação das propostas; vinculação ao edital ou convite; julgamento objetivo; adjudicação compulsória ao vencedor, e probidade administrativa” (MEIRELLES, 2010, p. 32). Ainda, Maria Sylvia Zanella Di Pietro enumera os princípios básicos da licitação da seguinte forma: “igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade e probidade, publicidade, vinculação ao instrumento convocatório, adjudicação compulsória e ampla defesa.” (DI PIETRO, 2010, pp. 355-362). O artigo 3º, da Lei Federal nº 8.666/93, traz em seu bojo normativo que a licitação deverá observar “(...) os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (BRASIL, 1993, p. 8269). 4 “A igualdade entre os licitantes é o princípio primordial da licitação – previsto na própria Constituição da República (art. 37, XXI) –, pois não pode haver procedimento seletivo com discriminação entre particulares, ou com cláusulas do instrumento convocatório que impeçam ou afastam eventuais proponentes qualificados ou os desnivelem no julgamento (art. 3º, §1º)”. (MEIRELLES, 2010, p. 41). 5 “O princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa, não apenas permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em contratar” (DI PIETRO, 2010, p. 355). 6 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). 7 522 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA Segundo Mello (2010, p. 532), o princípio da igualdade, além de assegurar tratamento isonômico entre os participantes, deve, também, ensejar a oportunidade de que todos os interessados possam participar da licitação. A Administração Pública, de modo geral, deve observar o princípio da legalidade ao desempenhar a atividade administrativa, assim, quando licitar, “[...] deve necessariamente sujeitar-se ao disposto na ordem jurídica” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 71), pois, todo o procedimento licitatório e suas etapas foram previamente e rigorosamente estabelecidas pela Lei nº 8.666/93, “mas a legalidade não é incompatível com a atribuição de uma margem de autonomia de escolha (discricionariedade) para a autoridade administrativa” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 71). Dessa forma, a Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993, p. 8269) fez constar explicitamente em seu corpo normativo o referido princípio, e assim está redigido seu artigo 4º: Art. 4° Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos. Tratando dos sujeitos capazes e as formas de impugnar a inobservância dos procedimentos licitatórios, por violação do princípio da legalidade, Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona: Além disso, mais do que um direito público subjetivo, a observância da legalidade foi erigida em interesse difuso, passível de ser protegido por iniciativa do próprio cidadão. É que a Lei nº 8.666/93 previu várias formas de participação popular no controle da legalidade do procedimento (arts. 4º, 41, § 1º, 101 e 113, § 1º), ampliou as formas de controle interno e externo e definiu como crime vários tipos de atividades e comportamentos que anteriormente constituíam, em regra, apenas infração administrativa (arts. 89 a 99) ou estavam absorvidos no conceito de determinados tipos de crimes contra a Administração (Código Penal) ou de atos de improbidade, definidos pela Lei nº 8.429, de 2-6-92. (DI PIETRO, 2010, p. 358). Destarte, com exatidão, são sujeitos ativos para alegar tal direito não somente os que participam da licitação, mas todos aqueles que queiram participar e tiveram seu direito de competir indevidamente negado, pois, quando a Administração Pública atua dessa forma, está violando os princípios e normas que norteiam o procedimento licitatório (MELLO, 2010, p. 532). A observância do princípio da impessoalidade faz com que todos os licitantes sejam tratados com absoluta neutralidade8 e igualdade de direitos e deveres, de modo MELLO, 2010, p. 532. 8 Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 523 que a Administração não pode levar em consideração quaisquer condições pessoais do licitante, pautando-se sempre por critérios prévios e objetivos. A despeito da Lei nº 8.666/93, em seu artigo 3º, prever tanto o princípio da moralidade quanto o da probidade administrativa é importante destacar relevante trecho da obra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 359): A Lei nº 8.666/93 faz referência à moralidade e à probidade, provavelmente porque a primeira, embora prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange uma esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo Direito, enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, §4º). Para Mello (2010, p. 535), o princípio da moralidade significa que a licitação deverá pautar-se em padrões éticos prezáveis, devendo as partes envolvidas no certame dispensar comportamento escorreito, liso e honesto, exigindo-se para a Administração não somente a defesa de seus interesses, mas lealdade e boa-fé no trato com os licitantes. O princípio da publicidade assume fundamental importância nos procedimentos licitatórios9 desempenhando dupla finalidade. Em um primeiro momento, ao divulgar e permitir acesso para todo e qualquer interessado em participar da licitação, garantindo, assim, a universalidade da participação e, num segundo momento, propicia que a regularidade dos atos praticados nas diversas fases da licitação seja verificada (JUSTEN FILHO, 2009, p. 379). A Administração e os licitantes, por meio da observância do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, estão obrigados ao cumprimento dos termos do ato convocatório10, ou seja, previamente estabelecidas às normas da licitação, quanto ao seu procedimento, documentação, propostas, forma de julgamento e contrato, ficam todos os participantes – licitantes e Administração, adstritos ao seu cumprimento (MEIRELLES, 2010, p. 51). Adilson Abreu Dallari sustenta a essencialidade do princípio da publicidade ao ensinar que “sem ele tanto o princípio geral da isonomia quanto o princípio específico da igualdade poderiam ser fraudados” (DALLARI, 2006, p. 44). 9 Marçal Justen Filho define de forma singular o conceito de ato convocatório ao afirmar que “é um ato administrativo unilateral, de forma escrita que define o objeto da licitação e as cláusulas do futuro contrato e disciplina o procedimento licitatório, inclusive com a fixação das condições de participação e dos critérios de julgamento. Na quase-totalidade dos casos, o ato convocatório da licitação é um edital. Na modalidade licitatória convite, o ato convocatório não é denominado edital. Nesse caso, também se chama de convite ao ato que instaura a fase externa da licitação e fixa as suas regras” (JUSTEN FILHO, 2009, p. 384.) 10 524 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA O princípio do julgamento objetivo nada mais é do que o julgamento das propostas de acordo com os critérios antecipadamente fixados no instrumento convocatório, “em tema de licitação, a margem de valoração subjetiva e de discricionarismo no julgamento é reduzida e delimitada pelo estabelecido no edital” (MEIRELLES, 2010, p. 53). O julgamento objetivo tem por finalidade “[...] impedir que a licitação seja decidida sob o influxo do subjetivismo, de sentimentos, impressões ou propósitos pessoais dos membros da comissão julgadora” (MELLO, 2010, p. 536). 2 PANORAMA DAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA PARA A COPA DO MUNDO DE 2014 Estamos a aproximadamente 36 meses do início da Copa do Mundo de 2014, e o cenário que se apresenta das obras de infraestrutura previstas é espantoso, dos, aproximadamente, 23,7 bilhões de reais estimados para sua realização, somente 590 milhões de reais foram gastos, o que representa apenas 2,5% das obras a serem feitas11. Os investimentos, estimados em 23,7 bilhões de reais, estão divididos nas seguintes áreas: TABELA 1 - ESTIMATIVA DE INVESTIMENTOS Gastos por área de Investimento Área de Investimento CAIXA Estádio/Arena BNDES PORTOS 3.677,60 GOV. GOV. ESTAD. MUNIC. 1.614,70 Infraestrutura Aeroportuária 79.10 PRIVADO 336.00 5.152,50 Infraestrutura Portuária 6.641,20 1.190,00 Total geral 6.641,20 4.487,60 740.70 28.43% 20.84% 3.17% VALOR TOTAL* 5.707,40 5.152,50 740.70 Mobilidade urbana % INFRAERO 740.70 2.447,10 1.479,50 11.757,80 5.152,50 4.061,80 1.558,60 336.00 23.358,40 22.06% 17.39% 6.67% 1.44% 100.00% * Valores em milhões FONTE: TCU As obras de reforma e construção das praças esportivas que sediarão os jogos da Copa do Mundo, de igual forma, encontram-se atrasadas. No termo de compromisso originalmente assinado pelas cidades-sede, junto ao Comitê Organizador Local – COL, o prazo inicial para início das obras era 31 de janeiro de 2010, sendo posteriormente flexibilizado, em virtude de atrasos nas obras, para 01 março de 2010, e novamente COURA, 2011, p. 91. 11 Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 525 flexibilizado, pelos mesmos motivos, para 03 de maio de 201012. Atualmente, estima-se que somente 7,5% dos gastos previsto para construção e reformas dos estádios foram efetivamente aplicados13. É necessário, portanto, traçar um panorama geral das obras nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014. O estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, o mais famoso do Brasil, tem o custo de obra estimado em 957 milhões de reais, entretanto, até agora, apenas 26 milhões de reais foram investidos e, com a média mensal de 3 milhões de reais que está sendo construído, ficaria pronto somente em março de 2038, necessitando, portanto, elevar sua média mensal de investimentos em 907%14. O Maracanã que será palco da final do Mundial de 2014 encontra sérios problemas na sua obra, após a demolição de parte significativa das arquibancadas constatou-se, pelos responsáveis da obra, que toda sua estrutura de concreto que o recobre está comprometida em virtude do tempo e de infiltrações, necessitando ser integralmente substituída, o trabalho apenas foi iniciado 15. O Estádio Nacional de Brasília, com custo de obra estimado em 670 milhões de reais investiu, até agora, 45 milhões de reais e, na forma que as obras estão sendo feitas ficaria pronto somente em outubro de 2021, necessitando, portanto, elevar sua média mensal de investimentos em 291%16. O que mais chama a atenção no Estádio de Brasília é o fato, no mínimo curioso, de que o projeto inicial do estádio, de tão mal feito, (pasmem!) não previu a instalação do gramado, cadeiras, iluminação e telão, itens necessários para a realização dos jogos e que provavelmente causarão elevação no valor final da obra17. Em Belo Horizonte, o Estádio Mineirão já investiu R$ 86,6 milhões dos R$ 666 milhões previstos para sua reforma, contudo, no ritmo atual ficará pronto apenas em abril de 2020, e, se quiser sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014, deverá elevar seu orçamento mensal em 235%18. A quase um ano de seu fechamento para reformas, sequer a integralidade de suas cadeiras foram retiradas.19 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos de relatório de levantamento de auditoria. TC-025.514/20090, acórdão nº 1517/2010 - TCU – Plenário. Data da Sessão: 30/6/2010 – Ordinária. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1517-23/10-P, pp. 08-09. 12 COURA, 2011, p. 90. 13 COURA, 2011, pp. 92-93. 14 Idem., p. 92-93. 15 Ibidem, p. 90. 16 Ibidem, p. 93, 17 Ibidem, p. 91. 18 Ibidem, p. 93. 19 526 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA A Arena Amazônia, em Manaus, com o custo de 499,5 milhões de reais, já efetuou obras no importe de 30 milhões de reais, mas para estar pronto em 2014 precisará aumentar sua média mensal de gastos em 389%, ou então, finalizará suas obrar somente em maio de 2024. A obra ainda está na fase de escavações e terraplanagem20. O Tribunal de Contas da União identificou superfaturamento de preços na Arena Amazônia, apurou um sobrepreço de 71 milhões de reais em uma amostra de contratos com valor de 200 milhões de reais21. Em Cuiabá, na Arena Pantanal, 48 dos 355 milhões de reais de custo da obra foram investidos, no ritmo atual, o estádio ficará pronto somente em agosto de 2017, necessitando, portanto, elevar sua média mensal de investimentos para 140%22. A Arena Pantanal está com suas obras sete meses atrasadas e o governo pensa em alterar o modelo da cobertura para recuperar o tempo perdido, atualmente, ocorreu a instalação de alguns pilares, mas a terraplanagem, drenagem e fundações ainda não terminaram23. Na Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata, a construção do estádio tem o custo de 532 milhões de reais e 60 milhões de reais já foram investidos, para ficar pronto a tempo, deverá elevar sua média mensal de gastos em 72%, ou então, com a média atual, ficará pronto em dezembro de 201524. No estádio do Beira Rio, em Porto Alegre, já foram investidos 30 dos 290 milhões de reais que a obra custará, no ritmo atual das obras, a reforma do estádio somente ficará pronta em fevereiro de 2017, devendo elevar sua média mensal de gastos em 116% para terminar a tempo da Copa do Mundo de 201425. Já no estádio da Fonte Nova, em Salvador, a disparidade entre o valor da matriz de responsabilidade e o contrato de parceria público-privada celebrada beira ao absurdo. A previsão inicial da obra era de R$ 579,7 milhões, todavia, o contrato de parceria público-privada prevê que o governo do estado da Bahia deverá pagar, anualmente, R$ 107 milhões durante 15 anos, o que totalizará 1 bilhão e 605 milhões de reais aos cofres públicos, ou seja, nesse caso, a diferença de valores é de 1 bilhão, 25 milhões e 300 mil reais26. 22 23 COURA, 2011, p. 93. Idem, p. 93. Ibidem, p. 94. PORTAL 2014. Disponível em: <http://www.copa2014.org.br/andamento-obras/7/Arena+Pantanal.html. Acesso em: 09 jun. 2011. 24 COURA, 2011, p. 95. 25 Idem, p. 96. 26 BRASIL. 2011, p. 23. 20 21 Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 527 As cidades-sede de Curitiba, Natal e São Paulo não investiram um real em seus estádios. Em Curitiba a reforma da Arena da Baixada tem o custo de 220 milhões de reais e precisariam ser investidos, aproximadamente, 7 milhões mensais para ficar pronto a tempo. Já em Natal, o antigo estádio Machadão sequer foi demolido para dar lugar à Arena das Dunas, o que custará 400 milhões de reais; e, em São Paulo, o Itaquerão estima-se que seja o estádio com os custos mais elevados hoje, próximos a 1 bilhão de reais, e as obras sequer começaram27. De maneira atípica aos outros 11 estádios que estão com as obras atrasadas, o estádio do Castelão, em Fortaleza, no ritmo atual das obras, ficará pronto em agosto de 2013, já tendo investido 80 dos 519 milhões de reais do seu custo28. Preocupados com os atrasos nas obras e com a utilização do dinheiro Público, o TCU consignou29: A inobservância do cronograma FIFA pode acarretar o descredenciamento da cidadesede. Para que esse descredenciamento não aconteça, é possível que surjam alegações quanto à necessidade de contratações em regime de urgência. Tais contratações abstêm os processos de passar pelo crivo do certame licitatório, bem como de seus benefícios decorrentes, tais como concorrência, publicidade e transparência nas escolhas realizadas. Historicamente, obras contratadas em regime de urgência apresentam sobrepreços, quando comparadas a similares que obedeceram ao rito ordinário de contratação. Além das obras relativas às praças esportivas que sediarão os jogos da Copa do Mundo de 2014, merecem especial atenção as obras de construção e ampliação dos aeroportos, pois, são de fundamental importância para o sucesso do evento. Em abril de 2001, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada editou uma Norma Técnica revelando que na realização de obras de infraestrutura, no Brasil, leva-se o prazo médio total de 92 meses para sua finalização, ou seja, mais de 7 anos, compreendidos: 12 meses para elaboração do projeto, 38 meses para liberação da licença ambiental, 6 meses de licitação e mais 36 meses para a obra30. Assim, as obras nos terminais dos aeroportos de Manaus-AM, Fortaleza-CE, Brasília-DF, Guarulhos-SP, Salvador-BA, Campinas-SP e Cuibá-MT levariam cerca de 92 COURA, 2011, p. 95/96. 27 Idem, p. 92. 28 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos de relatório de levantamento de auditoria. TC-025.514/20090, acórdão nº 1517/2010 - TCU – Plenário. Data da Sessão: 30/6/2010 – Ordinária. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1517-23/10-P, p. 08. 29 CAMPOS NETO, 2011, p. 15. 30 528 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA meses para ficarem prontas, pois todas estão na etapa de elaboração dos projetos. As obras dos aeroportos de Confins-MG e Porto Alegre-RS, ambas com projetos prontos, levariam ainda cerca de 80 meses até o fim das obras. E a construção do novo aeroporto de Natal-RN não tem previsão de conclusão. Ou seja, em nenhum dos dez aeroportos citados, as obras estariam efetivamente concluídas para a realização da Copa do Mundo de 201431. Outro dado relevante trazido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é que, por mais que as obras em todos os 13 aeroportos estivessem prontas a tempo para a realização da Copa do Mundo de 2014, ainda assim, dez aeroportos teriam capacidade de passageiros inferior à demanda estimada32: TABELA 2 - MOVIMENTO DE PASSAGEIROS E CAPACIDADE DOS TERMINAIS PREVISTOS PARA 2014 (EM MILHÕES DE PASSAGEIROS POR ANO) Aeroporto Movimento previsto para 2014 Capacidade para 2014 Mov. 2014/ capac. 2014 Manaus 4,0 5,0 79,2% Fortaleza 7,4 6,0 123,8% Brasília 20,7 18,0 115,1% Guarulhos 29,2 35,0 112,0% Salvador 11,0 10,5 105,1% Campinas 7,4 11,0 66,8% Cuiabá 3,1 2,8 111,6% Confins 10,6 8,5 125,1% Porto Alegre 9,8 8,0 122,2% Curitiba 8,4 8,0 105,6% Galeão 17,9 26,0 68,9% Natal 3,5 1,9 186,0% Recife 8,7 8,0 108,6% 151,8 148,7 102,1% Total FONTE: Infraero. Elaboração: Ipea. Idem, p. 16-17. 31 Ibidem, p. 19. 32 Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 529 Desse modo, é imperioso estudar o atinente a Dispensa de Licitação, para evitar que no presente caso, a Administração Pública, utiliza-se desse instrumento de forma inadequada, como ocorreu com os Jogos Pan-Americanos de 2007, no qual todas as obras atrasaram e o governo federal foi obrigado a liberar recursos para garantir a realização do evento que, no final das contas, custou 4 bilhões de reais, dez vezes mais do que o inicialmente previsto, e teve cerca de 70% dos gastos da União liberados seis meses antes do início do evento33. 3 O POSSÍVEL CAMINHO DA DISPENSA DE LICITAÇÃO Conjugando o atraso injustificado das obras e o procedimento adotado em outros casos, como o dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, não resta dúvida de que a “solução” a ser adotada pelos governantes será a dispensa de licitação. A dispensa de licitação configura-se quando a Administração Pública pode deixar de realizar a licitação, se assim lhe convier34, entretanto, a Lei nº 8.666/93 estabeleceu taxativamente, de modo exaustivo, as hipóteses em que a licitação será dispensada35. “É que somente a dispensa de licitação é criada por lei – logo, a ausência de previsão legislativa impede o reconhecimento de dispensa de licitação”36. As hipóteses de dispensa de licitação estão previstas nos 31 incisos do artigo 24, da Lei nº 8.666/9337, contudo, estudaremos apenas o seu inciso IV, em virtude da extensão do referido artigo e de ser provavelmente a hipótese escolhida pelos governantes para a dispensa da licitação: Art. 24. É dispensável a licitação: IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos. COURA, 2011, p. 98. 33 MEIRELLES, 2010, p. 143. 34 JUSTEN FILHO, 2009, p. 426. 35 JUSTEN FILHO, 2009, p. 426-427. 36 BRASIL, 1993, p. 8269. 37 530 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA Assim, poderá ser dispensada quando da ocorrência de calamidade pública, isto é, “[...] a situação de perigo e de anormalidade social decorrente de fatos da natureza, tais como inundações devastadoras, vendavais destruidores, epidemias letais, secas assoladoras e outros eventos físicos flagelantes [...]”38, que ameaçem a segurança, saúde pública, bens particulares, transporte coletivo, habitação ou trabalho em geral39. Fica evidente que a situação de calamidade pública não se subsume a uma hipótese de dispensa de licitação para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014, a menos que ocorra algum dos fatos mencionados, atrapalhando o andamento das obras e acarretando a destruição ou atraso prolongado das obras. A Administração Pública deve planejar suas contratações, assim, os serviços, obras e os bens contratados devem obedecer a um plano estabelecido, conforme o princípio constitucional da obrigatoriedade de licitar; entretanto podem ocorrer situações derivadas de caso fortuito ou de força maior que exijam providências imediatas, evitando a ocorrência de prejuízos maiores ou comprometimento à segurança de pessoas, serviços, equipamentos e bens em geral40. O professor Meirelles41 explica os casos de emergência: Exemplificando, são casos de emergência o rompimento do conduto de água que abastece a cidade; a queda de uma ponte essencial para o transporte coletivo; a ocorrência de um surto epidêmico; a quebra de máquinas ou equipamentos que paralise ou retarde o serviço público, e tantos outros eventos ou acidentes que transtornam a vida da comunidade e exigem prontas providências da Administração. Em tais casos, a autoridade pública responsável, verificando a urgência das medidas administrativas, pode declará-las de emergência e dispensar a licitação para as necessárias contratações, circunscritas à debelação do perigo ou à atenuação de danos a pessoas e bens públicos ou particulares. Destarte, as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014, não configuram hipóteses de dispensa de licitação, pois, desde meados de 2009, quando foram escolhidas as 12 cidades-sede, é sabido que seriam necessárias a sua realização, ademais, o atraso injusticado das obras não é motivo idoneo para a dispensa. Entretanto “não é razoável desautorizar a dispensa e, com isso, prejudicar o interesse público, MEIRELLES, 2010, p. 146. 38 MEIRELLES, 2010, p. 146. 39 TOLOSA FILHO, 2010, p. 84. 40 MEIRELLES, 2010, p. 145. 41 Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 531 que, sem o objeto a ser contrato, acabaria desatendido”42, mas sobre o causador desse atraso deverá recair severa reprimenda, prevenindo futuros acontecimentos similares43. CONCLUSÃO O panorama do andamento das obras para a realização da Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016 é preocupante. Se, por um lado, a Administração Pública muitas vezes é acusada não ter agilidade para realizar o que é necessário, em outros casos é questionada sobre a rapidez pela qual algumas obras são realizadas. As justificativas são muitas: ora de que a demora se deve aos procedimentos burocráticos e pela necessidade de licitação para contratar, ora de que se adotou a contratação direta por conta da urgência. Esse é o dilema que sofre o administrador público. Porém, essa encruzilhada decorre da própria incapacidade que no Brasil se tem de administrar os próprios problemas, com a recorrente desculpa de que algo não foi possível por culpa de terceiros. O que deve ocorrer nesses casos é uma mudança de paradigma que a realização de eventos esportivo do porte da Copa do Mundo e Olimpíadas pode oferecer, até como oportunidade de mudança cultural no país, não só para o poder público, mas também para a iniciativa privada, para as pessoas e a sociedade como um todo. Exercer a cidadania nesse momento é fundamental para que o legado a ser deixado pelos eventos e suas consequências seja duradouro, e não apenas passageiro. As possibilidades de que benefícios perenes sejam resultados dos investimentos necessários em infraestrutura para o país são inúmeras. Contudo, verifica-se que os interesses econômicos, políticos e pessoais estão prevalecendo sobre o real sentido de sediar os maiores eventos esportivos do planeta. Tudo isso culminou com a instituição do denominada Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aprovado por meio de Medida Provisória44, que criou novas regras para as licitações voltadas à realização da Copa das Confederações de 2013, NIEBUHR, 2008, pp. 447-448. 42 Joel de Menezes Niebuhr assinala: “tanto mais, para evitar tais situações, é imperioso que sobre os ombros do agente administrativo relapso recaía forte reprimenda, para efeito de desencorajar comportamentos similares, desde que respeitados os princípios informadores do processo administrativo, entre os quais os do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, previstos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal.” (NIEBUHR, 2008, p. 448). 43 O que já é questionável em razão do princípio da legalidade, pois a licitação é regulada por lei (Lei nº 8.666/1993). 44 532 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, sob a justificativa de proporcionar maior celeridade das obras necessárias aos eventos. São inúmeras as alterações no regime das licitações, como a possibilidade da adoção de tabelas locais para estimar os custos das obras, inversão de etapas, redução de recursos, dentre outras modificações. Segundo o governo federal, o RDC tem como objetivos conferir maior eficiência nas contratações públicas, aperfeiçoar a relação entre custo e benefícios para utilização de recursos públicos, e fomentar o avanço tecnológico. No que se refere especificamente aos eventos esportivos em questão, as justificativas para a adoção do RDC seria do aumento de investimento externo no país, bem como maior visibilidade política no cenário mundial. Além disso, o governo federal entende que o modelo do RDC é mais rigoroso no aspecto da fiscalização. Mesmo que a Lei de Licitações tenha quase 20 anos, devendo ser aperfeiçoada em alguns aspectos para se tornar mais eficaz e alcançar seus objetivos, a adoção do RDC teve ser recebida com cautela. As propostas de concentrar os recursos em uma única fase, cadastramento prévio com prestação de garantias e adoção do sistema de referência de preços, são medidas que darão maior celeridade ao procedimento licitatório. Porém, outras modificações apresentadas, podem impedir que a licitação alcance seus objetivos de buscar a proposta de contratação mais vantajosa para a administração pública em termos de custo e benefício. Nesse sentido, estaria a possibilidade do RDC dispensar a exigência do § 2º, inciso I, do artigo 7º, da Lei nº 8.666/93, que assim estabelece: Art. 7o (...). § 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório. O risco que envolve a dispensa do projeto básico é a ausência de conhecimento prévio do objeto contratado, o que, em caso de obras, é fundamental para a execução segura do empreendimento. O detalhamento da obra por meio dos projetos visa, justamente, planejar o desenvolvimento da obra, em especial, para garantir que os recursos públicos estejam sendo empregados de maneira adequada. Outra questão que se discute é referente ao sigilo do orçamento prévio das contratações. Pelo novo modelo instituído pelo RDC, o vencedor da licitação entregará a obra pronta, sem ter apresentado previamente o projeto de execução, o que é exigido pela Lei de Licitações, como já mencionado. Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 533 Esta medida, de evitar a divulgação antecipada do orçamento que o poder público da obra a ser contratada, teria como objetivo impedir que os concorrentes ajustassem os valores de suas propostas, na tentativa de alcançar preços maiores. Porém, bastou que o RDC fosse aprovado para que a opinião pública e diversas entidades questionassem a legitimidade da medida. A necessidade de transparência e publicidade são os argumentos utilizados pelos que são contrários ao sigilo pretendido pelo RDC. A Procuradoria Geral da República classificou o RDC como contrário aos princípios que regem a atividade administrativa, pois os gastos públicos não podem ser sigilosos45. Realmente, é possível que os interessados que tenham acesso ao orçamento prévio formulado pela administração pública para a contratação, possam combinar preços, sem observar as especificações técnicas do objeto contratado, conforme Nota de Esclarecimento do Ministério dos Esportes46: NOTA DE ESCLARECIMENTO: Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as obras da Copa 1. A Medida Provisória que estabeleceu o Regime Diferenciado de Contratação para obras da Copa do Mundo Fifa 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, aprovada na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (15.06), assegura transparência aos processos de licitação. A MP prevê que, até o fim da primeira fase do processo licitatório, em que são apresentadas propostas de preços, as empresas não terão acesso ao valor orçado pelo governo para a obra. A intenção é evitar acordo ou conluio entre participantes do processo, como possibilidade de combinação de preços. Os concorrentes terão que elaborar proposta com base nas especificações técnicas, que serão detalhadas e acessíveis a todos. O interesse público será preservado. Aos órgãos de controle, os orçamentos são permanentemente franqueados. O sigilo previsto visa evitar o vazamento de informações. A partir do encerramento do processo licitatório, o orçamento se torna público aos órgãos de imprensa e ao conjunto da sociedade. “O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou, [...], que a mudança no projeto que criou o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para obras da Copa e das Olimpíadas é absurdo ‘É pouco dizer que seria uma coisa absurda, escandalosamente absurda. Você não pode ter despesa pública protegida por sigilo’, destacou Gurgel. Segundo o procurador-geral, os interessados na aprovação do projeto estão buscando meios de contornar as exigências legais, uma vez que as obras estão muito atrasadas. Gurgel também defendeu que o argumento de que os eventos são grandiosos e que por isso merecem flexibilizações é inválido. ‘Na verdade eu acho que um evento grande impõe que cuidados sejam redobrados’, disse. Segundo o procurador, essa é uma oportunidade para que o Congresso aprove a lei de acordo com o que permite a legislação brasileira. Ele acredita que as mudanças foram tantas que acabaram inviabilizando a licitação, que é uma exigência legal. Em maio, um parecer do Ministério Público Federal classificou de ‘inconstitucional’ o texto da medida provisória. De acordo com o parecer, a proposta violava os princípios da ‘competitividade, isonomia e da impessoalidade’. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/ OpiniaoPublica/inc/senamidia/notSenamidia.asp?ud=20110617&datNoticia=20110617&codNoticia=5 67911&nomeOrgao=&nomeJornal=Di%C3%A1rio+do+Nordeste&codOrgao=2729&tipPagina=1>. Acesso em: 20 jun. 2011. 45 Disponivel em: <http://www.gazetaesportiva.net/noticia/2011/06/copa-2014-brasil/para-ministerio-sigilode-orcamento-evita-combinacao-de-precos.html>. Acesso em: 20 jun. 2011. 46 534 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA 2. Todas as informações sobre os gastos da Copa do Mundo têm sido regularmente repassadas ao Tribunal de Contas da União (TCU). Documento enviado pelo Ministério ao TCU ressalta a preocupação em realizar com transparência as ações previstas para a Copa do Mundo de 2014. Em resposta a Aviso do Tribunal, o Ministério informa que avaliará a inclusão ou não de anexos temáticos (novas obras) à Matriz de Responsabilidades, assinada em 2010 por União, estados e municípios, que definiu as atribuições de cada um dos entes federados. A “conveniência do Poder Executivo”, conforme o documento, diz respeito exclusivamente à definição, por parte da União, sobre a obra estar de fato relacionada à Copa. O objetivo é evitar que obras sem justificativas passem a integrar a Matriz de Responsabilidades. 3. A Fifa e o Comitê Olímpico Internacional (COI) não exercem papel de comando na gestão das obras públicas relativas à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos. As duas entidades internacionais podem apontar problemas técnicos na infraestrutura esportiva, como estádios e ginásios, que exigiriam modificações nos projetos e alterações orçamentárias. Em momento algum, no entanto, têm poder para definir gastos com obras das competições. Fifa e COI podem apenas sugerir temas que se configurem alterações qualitativas. Quem manda na preparação dos investimentos públicos e na contratação das obras públicas é o Brasil, são os entes públicos responsáveis pelas suas tarefas. Mas o sigilo não parece ser a solução mais adequada, pois a Administração Pública deve se pautar na publicidade para proporcionar controle prévio sobre as contratações e licitações. A publicidade necessária e inerente à atividade administrativa não ocorre no RDC por não haver detalhamento da contratação, seja em relação ao projeto, seja em relação ao orçamento cujos critérios de escolha passam a ser subjetivos. Esse método adotado no RDC, denominado de regime de contratação integrada, possibilita apenas a apresentação de anteprojeto de engenharia, mas que prejudica a avaliação da proposta, por ser vago e genérico, pois não contém os elementos necessários para a análise objetiva que deve ocorrer nas licitações. Nesse sentido, confere-se o seguinte trecho de nota publicada pelo Ministério Público Federal47: Certamente, o regime de contratação integrada implicará maior rapidez na execução dos serviços e obras de engenharia. Todavia, esta pretendida celeridade não pode ser obtida com eliminação do núcleo essencial do princípio da licitação, que exige especificação adequada do objeto, e não apenas ‘documentos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço’, como pretende inconstitucionalmente o projeto. A Constituição não pode ser alterada por norma jurídica de estatura hierárquica inferior. 47 Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_patrimonio-publico-esocial/portal_factory/copy_of_pdfs/NT%20GT%20COPA.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2011. Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011 535 De qualquer maneira, não cabe somente aos órgãos de controle questionar as licitações e contratos administrativos para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. A sociedade organizada deve se posicionar a respeito da questão. Não se propõe a crítica subjetiva, de cunho político, mas o debate fundamentado e com propostas concretas, visando oferecer alternativas viáveis para solucionar os problemas verificados. Entende-se que a adoção de medidas de planejamento técnico seria uma possível solução para que as obras necessárias sejam executadas. Fica evidente que não é a Lei nº 8.666/1993 responsável pelo atraso nas obras, e, sim, a falta de planejamento adequado para a realização dos eventos. Se o momento econômico é favorável para propiciar investimentos em infraestrutura para os eventos, cujos benefícios seriam perenes ao país e, como consequência, para a população, a falta de planejamento se revela como a causa mais evidente do atraso das obras. No caso regional, Curitiba foi indicada como cidade-sede para a Copa do Mundo de 2014 em 31 de maio de 2009, sendo que, atualmente, torno de 60% das obras públicas necessárias previstas para o evento correm o risco de não ficar prontas até o início da competição50. Mesmo que a Lei nº 8.666/1993 deva sofrer alterações para aperfeiçoamento do procedimento licitatório, isso não é o principal fato de atraso nas obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil, mas a falta de planejamento da atuação estatal para a execução de suas ações. Qualquer alteração na Lei de Licitações deveria ser, nesse sentido, de priorizar o planejamento necessário para a execução das contratações públicas, e não de criar regras que são contrárias aos princípios que regem a administração pública. Porém, isso decorre, necessariamente, de uma mudança cultural não só dos governantes, mas da iniciativa privada, enquanto contratada do poder público e da própria sociedade. A demora que ocorreu e que agora leva com que se proponha o RDC, não pode se sobrepor às normas as quais se aplicam aos gastos públicos, apenas justificando-se pelo aspecto temporal. Do contrário, não se poderá admitir a adoção do RDC para as obras das Olimpíadas de 2016, já que ainda há tempo de planejar e executar o evento sem afastar as regras da Lei nº 8.666/1993. Ou não? “Nove das 14 obras programadas ainda não estão com os projetos executivos prontos, sendo que cinco nem sequer começaram a ser elaborados.” (cf. Gazeta do Povo de 31 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/estrutura/conteudo.phtml?id=1131556>. Acesso em: 20 jun. 2011). 48 536 FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais adotadas pelas Emendas Constitucionais. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2006 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 22 de junho1993. p. 8269. BRASIL. Ministério Público. Grupo de trabalho copa do mundo FIFA 2014 da 5ª coordenação e Revisão do MPF. Nota ao Projeto de Lei de Conversão da MP 521/2010. 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