LICITAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PARA A REALIZAÇÃO
DA COPA DO MUNDO DE 2014 E DA OLIMPÍADA DE 2016 NO BRASIL
Airton Gustavo Kielek*
Gabriel Placha**
RESUMO
A pretensão do projeto proposto é analisar e avaliar quais as possibilidades jurídicas
do desenvolvimento das medidas necessárias para viabilizar a realização da Copa do
Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Brasil, diante das propostas dos governos
federal, estaduais e municipais envolvidos, cujos compromissos assumidos devem
considerar as exigências e procedimentos para a aplicação de recursos públicos
em eventos dessa natureza. A pesquisa foi realizada a partir da análise das normas
jurídicas, da legislação, da doutrina e jurisprudência do tema proposto.
Palavras-Chave: Licitação; Princípios; Copa do Mundo de 2014; Olimpíadas de
2016; Dispensa de Licitação; Regime de Contratação Diferenciado.
* Aluno do 9º período do curso de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de
Apoio à Iniciação Científica (PAIC 2010 - 2011) da FAE Centro Universitário. E-mail: airtonkielek@
hotmail.com.
** Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR). Professor da Graduação e Pós-Graduação da FAE
Centro Universitário. E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
519
INTRODUÇÃO
É muito comum no Brasil, até mesmo por ser um dado cultural, que toda oportunidade vislumbrada por seus governantes para o desenvolvimento socioeconômico
seja encarada como uma forma de autopromoção daquele que ocupa o cargo eletivo,
e não com o objetivo de produzir benefícios para a coletividade. Porém, a utilização de
recursos públicos deve observar as regras jurídicas e procedimentos legais, sem o qual
não se pode conferir legitimidade ao desenvolvimento das atividades estatais.
Dessa forma, a realização de eventos esportivos com tamanha magnitude e que
exigiram substancial investimento público, merece atenção especial, não só dos órgãos
de controle e fiscalização, mas como de toda a sociedade. Especialmente em virtude do
volumoso número de irregularidades ocorrido na realização dos jogos Pan-Americanos
de 2007, no Rio de Janeiro, que, segundo relatório final do TCU referente ao programa
“Rumo ao Pan” datado de 24/09/2008, 35 processos específicos de irregularidades foram
apurados3. Isso foi o que motivou o desenvolvimento da pesquisa proposta, com o intuito
de produzir um texto significativo sobre o procedimento administrativo denominado
licitação, e para fomentar a reflexão da sociedade diante da situação apresentada.
1 CONCEITO E FINALIDADE DA LICITAÇÃO
O Poder Público, de modo diverso dos particulares que possuem total liberdade
em adquirir, alienar, locar bens ou contratar a execução de obras ou serviços, necessita,
para que possa praticar os mesmos atos, de um procedimento prévio denominado
licitação, com suas etapas rigorosamente determinadas e preestabelecidas por Lei
(MELLO, 2010, p. 524).
Pode-se sintetizar o conceito de licitação em um certame promovido pela
Administração Pública, abrindo disputa entre os interessados que queiram, com ela,
celebrar negócios de cunho patrimonial, em que a Administração Pública irá selecionar a
proposta que lhe seja mais vantajosa (MELLO, 2010). “Estriba-se na idéia de competição,
a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários
ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir” (MELLO, 2010, p. 524).
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos de acompanhamento da execução do Programa “Rumo ao
Pan 2007”, conjunto de ações desenvolvidas pelo Governo Federal para a implantação da infraestrutura
necessária à realização dos Jogos Pan-Americanos, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em julho de 2007.
TC-014.800/2007-3, acórdão nº 2101/2008 – TCU – Plenário. Data da Sessão: 24/9/2008 – Ordinária.
Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2101-38/08-P, p. 114.
1
520
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua licitação da seguinte maneira:
é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo
alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões,
permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições
por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas,
a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros
antecipadamente estabelecidos e divulgados (MELLO, 2010, p. 526).
A licitação possui tripla finalidade: possibilidade de a Administração Pública
realizar o negócio mais vantajoso a partir da competição entre os ofertantes, proporcionar
igualdade de oportunidades, isonomicamente, aos administrados interessados em
participar de seus negócios, e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável2.
A maior vantajosidade do negócio celebrado pela Administração Pública
configura-se quando assume ter de suceder a realização da prestação de forma menos
onerosa ao seu erário, e o administrado obriga-se, da melhor e mais completa forma,
a efetuar a prestação, consubstanciando, portanto, uma relação de custo-benefício,
portanto, a Administração Pública de forma menos onerosa recebe o maior benefício
(JUSTEN FILHO, 2009, p. 376).
Entretanto, a vantajosidade, enquanto finalidade da licitação, não pode levar
a Administração Pública a decisões arbitrárias ou abusivas, por isso, para proteger os
direitos dos potenciais competidores, essa busca deve ser calcada na estrita observância
dos princípios do nosso ordenamento jurídico, especialmente o da isonomia (JUSTEN
FILHO, 2009, p. 376).
A promoção do desenvolvimento nacional sustentável possibilita que a Administração Pública, paralelamente ao procedimento licitatório, implante ações sustentáveis
que busquem proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, concretizando
políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional, valorizando ainda mais o interesse público nos contratos firmados.
1.1 Os Princípios da Licitação
A Administração Pública, no intuito de desenvolver o negócio mais vantajoso
aos seus interesses, deve assegurar direitos iguais a todos que com ela queiram pactuar,
o que só é possível pela observância dos princípios norteadores da licitação. Não há
2
Nesse mesmo sentido são os objetivos que o artigo 3º da Lei Federal nº 8.666/93, estabeleceu: “a licitação
destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais
vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável [...]” (BRASIL.
1993, p. 8269).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
521
uniformidade entre os doutrinadores3 em estipular uma listagem desses princípios;
destarte, serão apresentados aqueles básicos trazidos pela Lei nº 8.666, de 21/06/19934
– que disciplina as normas gerais para licitações e contratos da Administração Pública.
A igualdade entre os licitantes é considerada o principio primordial5 da licitação,
ou ainda, seu alicerce6, tamanha sua importância está prevista na Constituição da
República Federativa do Brasil, no artigo 37, inciso XXI7.
A Administração Pública, pautando-se pelo princípio da igualdade, possibilitará
com que todos os licitantes qualificados compitam com igualdade de direitos, sem
discriminar ou dar preferência para qualquer participante em detrimento dos outros.
Nesse sentido, é importante destacar os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:
O que o princípio da igualdade entre os licitantes veda é a cláusula discriminatória ou
o julgamento faccioso que desiguala os iguais ou iguala os desiguais, favorecendo a
uns e prejudicando a outros, com exigências inúteis para o serviço público, mas com
destino certo a determinados candidatos. (MEIRELLES, 2010, p. 42).
3
Celso Antônio Bandeira de Mello considera como princípios cardeais da licitação: “a) competitividade; b)
isonomia; c) publicidade; d) respeito às condições prefixadas no edital; e e) possibilidade de o disputante
fiscalizar o atendimento dos princípios anteriores”. (MELLO, 2010, p. 536).
Para Hely Lopes Meirelles, os princípios da licitação “resumem-se, para nós, nas seguintes prescrições:
procedimento formal; publicidade de seus atos; igualdade entre os licitantes; sigilo na apresentação das
propostas; vinculação ao edital ou convite; julgamento objetivo; adjudicação compulsória ao vencedor, e
probidade administrativa” (MEIRELLES, 2010, p. 32).
Ainda, Maria Sylvia Zanella Di Pietro enumera os princípios básicos da licitação da seguinte forma:
“igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade e probidade, publicidade, vinculação ao instrumento
convocatório, adjudicação compulsória e ampla defesa.” (DI PIETRO, 2010, pp. 355-362).
O artigo 3º, da Lei Federal nº 8.666/93, traz em seu bojo normativo que a licitação deverá observar “(...)
os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que
lhes são correlatos” (BRASIL, 1993, p. 8269).
4
“A igualdade entre os licitantes é o princípio primordial da licitação – previsto na própria Constituição da
República (art. 37, XXI) –, pois não pode haver procedimento seletivo com discriminação entre particulares,
ou com cláusulas do instrumento convocatório que impeçam ou afastam eventuais proponentes qualificados
ou os desnivelem no julgamento (art. 3º, §1º)”. (MEIRELLES, 2010, p. 41).
5
“O princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa, não apenas
permitir à Administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar igualdade de direitos a
todos os interessados em contratar” (DI PIETRO, 2010, p. 355).
6
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação,
as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
7
522
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Segundo Mello (2010, p. 532), o princípio da igualdade, além de assegurar tratamento isonômico entre os participantes, deve, também, ensejar a oportunidade de
que todos os interessados possam participar da licitação.
A Administração Pública, de modo geral, deve observar o princípio da legalidade
ao desempenhar a atividade administrativa, assim, quando licitar, “[...] deve necessariamente sujeitar-se ao disposto na ordem jurídica” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 71),
pois, todo o procedimento licitatório e suas etapas foram previamente e rigorosamente
estabelecidas pela Lei nº 8.666/93, “mas a legalidade não é incompatível com a atribuição de uma margem de autonomia de escolha (discricionariedade) para a autoridade
administrativa” (JUSTEN FILHO, 2010, p. 71).
Dessa forma, a Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993, p. 8269) fez constar explicitamente
em seu corpo normativo o referido princípio, e assim está redigido seu artigo 4º:
Art. 4° Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a
que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente
procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu
desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização
dos trabalhos.
Tratando dos sujeitos capazes e as formas de impugnar a inobservância dos
procedimentos licitatórios, por violação do princípio da legalidade, Maria Sylvia Zanella
Di Pietro leciona:
Além disso, mais do que um direito público subjetivo, a observância da legalidade
foi erigida em interesse difuso, passível de ser protegido por iniciativa do próprio
cidadão. É que a Lei nº 8.666/93 previu várias formas de participação popular no
controle da legalidade do procedimento (arts. 4º, 41, § 1º, 101 e 113, § 1º), ampliou
as formas de controle interno e externo e definiu como crime vários tipos de atividades
e comportamentos que anteriormente constituíam, em regra, apenas infração
administrativa (arts. 89 a 99) ou estavam absorvidos no conceito de determinados
tipos de crimes contra a Administração (Código Penal) ou de atos de improbidade,
definidos pela Lei nº 8.429, de 2-6-92. (DI PIETRO, 2010, p. 358).
Destarte, com exatidão, são sujeitos ativos para alegar tal direito não somente
os que participam da licitação, mas todos aqueles que queiram participar e tiveram
seu direito de competir indevidamente negado, pois, quando a Administração Pública
atua dessa forma, está violando os princípios e normas que norteiam o procedimento
licitatório (MELLO, 2010, p. 532).
A observância do princípio da impessoalidade faz com que todos os licitantes
sejam tratados com absoluta neutralidade8 e igualdade de direitos e deveres, de modo
MELLO, 2010, p. 532.
8
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
523
que a Administração não pode levar em consideração quaisquer condições pessoais do
licitante, pautando-se sempre por critérios prévios e objetivos.
A despeito da Lei nº 8.666/93, em seu artigo 3º, prever tanto o princípio da
moralidade quanto o da probidade administrativa é importante destacar relevante trecho
da obra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 359):
A Lei nº 8.666/93 faz referência à moralidade e à probidade, provavelmente porque
a primeira, embora prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago,
indeterminado, que abrange uma esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo
Direito, enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já
tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição
estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, §4º).
Para Mello (2010, p. 535), o princípio da moralidade significa que a licitação
deverá pautar-se em padrões éticos prezáveis, devendo as partes envolvidas no certame
dispensar comportamento escorreito, liso e honesto, exigindo-se para a Administração
não somente a defesa de seus interesses, mas lealdade e boa-fé no trato com os licitantes.
O princípio da publicidade assume fundamental importância nos procedimentos
licitatórios9 desempenhando dupla finalidade. Em um primeiro momento, ao divulgar e
permitir acesso para todo e qualquer interessado em participar da licitação, garantindo,
assim, a universalidade da participação e, num segundo momento, propicia que a
regularidade dos atos praticados nas diversas fases da licitação seja verificada (JUSTEN
FILHO, 2009, p. 379).
A Administração e os licitantes, por meio da observância do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, estão obrigados ao cumprimento dos termos do
ato convocatório10, ou seja, previamente estabelecidas às normas da licitação, quanto
ao seu procedimento, documentação, propostas, forma de julgamento e contrato, ficam todos os participantes – licitantes e Administração, adstritos ao seu cumprimento
(MEIRELLES, 2010, p. 51).
Adilson Abreu Dallari sustenta a essencialidade do princípio da publicidade ao ensinar que “sem ele
tanto o princípio geral da isonomia quanto o princípio específico da igualdade poderiam ser fraudados”
(DALLARI, 2006, p. 44).
9
Marçal Justen Filho define de forma singular o conceito de ato convocatório ao afirmar que “é um
ato administrativo unilateral, de forma escrita que define o objeto da licitação e as cláusulas do futuro
contrato e disciplina o procedimento licitatório, inclusive com a fixação das condições de participação e
dos critérios de julgamento. Na quase-totalidade dos casos, o ato convocatório da licitação é um edital.
Na modalidade licitatória convite, o ato convocatório não é denominado edital. Nesse caso, também se
chama de convite ao ato que instaura a fase externa da licitação e fixa as suas regras” (JUSTEN FILHO,
2009, p. 384.)
10
524
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O princípio do julgamento objetivo nada mais é do que o julgamento das propostas
de acordo com os critérios antecipadamente fixados no instrumento convocatório, “em
tema de licitação, a margem de valoração subjetiva e de discricionarismo no julgamento
é reduzida e delimitada pelo estabelecido no edital” (MEIRELLES, 2010, p. 53). O
julgamento objetivo tem por finalidade “[...] impedir que a licitação seja decidida sob o
influxo do subjetivismo, de sentimentos, impressões ou propósitos pessoais dos membros
da comissão julgadora” (MELLO, 2010, p. 536).
2 PANORAMA DAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA PARA A COPA DO
MUNDO DE 2014
Estamos a aproximadamente 36 meses do início da Copa do Mundo de 2014,
e o cenário que se apresenta das obras de infraestrutura previstas é espantoso, dos,
aproximadamente, 23,7 bilhões de reais estimados para sua realização, somente 590
milhões de reais foram gastos, o que representa apenas 2,5% das obras a serem feitas11.
Os investimentos, estimados em 23,7 bilhões de reais, estão divididos nas
seguintes áreas:
TABELA 1 - ESTIMATIVA DE INVESTIMENTOS
Gastos por área de Investimento
Área de Investimento
CAIXA
Estádio/Arena
BNDES
PORTOS
3.677,60
GOV.
GOV.
ESTAD.
MUNIC.
1.614,70
Infraestrutura Aeroportuária
79.10
PRIVADO
336.00
5.152,50
Infraestrutura Portuária
6.641,20
1.190,00
Total geral
6.641,20
4.487,60
740.70
28.43%
20.84%
3.17%
VALOR
TOTAL*
5.707,40
5.152,50
740.70
Mobilidade urbana
%
INFRAERO
740.70
2.447,10
1.479,50
11.757,80
5.152,50
4.061,80
1.558,60
336.00
23.358,40
22.06%
17.39%
6.67%
1.44%
100.00%
* Valores em milhões
FONTE: TCU
As obras de reforma e construção das praças esportivas que sediarão os jogos da
Copa do Mundo, de igual forma, encontram-se atrasadas. No termo de compromisso
originalmente assinado pelas cidades-sede, junto ao Comitê Organizador Local – COL,
o prazo inicial para início das obras era 31 de janeiro de 2010, sendo posteriormente
flexibilizado, em virtude de atrasos nas obras, para 01 março de 2010, e novamente
COURA, 2011, p. 91.
11
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
525
flexibilizado, pelos mesmos motivos, para 03 de maio de 201012. Atualmente, estima-se
que somente 7,5% dos gastos previsto para construção e reformas dos estádios foram
efetivamente aplicados13.
É necessário, portanto, traçar um panorama geral das obras nas 12 cidades-sede
da Copa do Mundo de 2014. O estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, o mais famoso
do Brasil, tem o custo de obra estimado em 957 milhões de reais, entretanto, até agora,
apenas 26 milhões de reais foram investidos e, com a média mensal de 3 milhões de reais
que está sendo construído, ficaria pronto somente em março de 2038, necessitando,
portanto, elevar sua média mensal de investimentos em 907%14.
O Maracanã que será palco da final do Mundial de 2014 encontra sérios
problemas na sua obra, após a demolição de parte significativa das arquibancadas
constatou-se, pelos responsáveis da obra, que toda sua estrutura de concreto que o
recobre está comprometida em virtude do tempo e de infiltrações, necessitando ser
integralmente substituída, o trabalho apenas foi iniciado 15.
O Estádio Nacional de Brasília, com custo de obra estimado em 670 milhões
de reais investiu, até agora, 45 milhões de reais e, na forma que as obras estão sendo
feitas ficaria pronto somente em outubro de 2021, necessitando, portanto, elevar sua
média mensal de investimentos em 291%16.
O que mais chama a atenção no Estádio de Brasília é o fato, no mínimo curioso,
de que o projeto inicial do estádio, de tão mal feito, (pasmem!) não previu a instalação
do gramado, cadeiras, iluminação e telão, itens necessários para a realização dos jogos
e que provavelmente causarão elevação no valor final da obra17.
Em Belo Horizonte, o Estádio Mineirão já investiu R$ 86,6 milhões dos R$ 666
milhões previstos para sua reforma, contudo, no ritmo atual ficará pronto apenas em
abril de 2020, e, se quiser sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014, deverá elevar
seu orçamento mensal em 235%18. A quase um ano de seu fechamento para reformas,
sequer a integralidade de suas cadeiras foram retiradas.19
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos de relatório de levantamento de auditoria. TC-025.514/20090, acórdão nº 1517/2010 - TCU – Plenário. Data da Sessão: 30/6/2010 – Ordinária. Código eletrônico
para localização na página do TCU na Internet: AC-1517-23/10-P, pp. 08-09.
12
COURA, 2011, p. 90.
13
COURA, 2011, pp. 92-93.
14
Idem., p. 92-93.
15
Ibidem, p. 90.
16
Ibidem, p. 93,
17
Ibidem, p. 91.
18
Ibidem, p. 93.
19
526
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
A Arena Amazônia, em Manaus, com o custo de 499,5 milhões de reais, já efetuou
obras no importe de 30 milhões de reais, mas para estar pronto em 2014 precisará
aumentar sua média mensal de gastos em 389%, ou então, finalizará suas obrar somente
em maio de 2024. A obra ainda está na fase de escavações e terraplanagem20. O Tribunal
de Contas da União identificou superfaturamento de preços na Arena Amazônia, apurou
um sobrepreço de 71 milhões de reais em uma amostra de contratos com valor de 200
milhões de reais21.
Em Cuiabá, na Arena Pantanal, 48 dos 355 milhões de reais de custo da obra
foram investidos, no ritmo atual, o estádio ficará pronto somente em agosto de 2017,
necessitando, portanto, elevar sua média mensal de investimentos para 140%22.
A Arena Pantanal está com suas obras sete meses atrasadas e o governo pensa
em alterar o modelo da cobertura para recuperar o tempo perdido, atualmente, ocorreu
a instalação de alguns pilares, mas a terraplanagem, drenagem e fundações ainda não
terminaram23.
Na Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata, a construção do estádio tem
o custo de 532 milhões de reais e 60 milhões de reais já foram investidos, para ficar
pronto a tempo, deverá elevar sua média mensal de gastos em 72%, ou então, com a
média atual, ficará pronto em dezembro de 201524.
No estádio do Beira Rio, em Porto Alegre, já foram investidos 30 dos 290 milhões
de reais que a obra custará, no ritmo atual das obras, a reforma do estádio somente
ficará pronta em fevereiro de 2017, devendo elevar sua média mensal de gastos em
116% para terminar a tempo da Copa do Mundo de 201425.
Já no estádio da Fonte Nova, em Salvador, a disparidade entre o valor da matriz
de responsabilidade e o contrato de parceria público-privada celebrada beira ao absurdo. A previsão inicial da obra era de R$ 579,7 milhões, todavia, o contrato de parceria
público-privada prevê que o governo do estado da Bahia deverá pagar, anualmente,
R$ 107 milhões durante 15 anos, o que totalizará 1 bilhão e 605 milhões de reais aos
cofres públicos, ou seja, nesse caso, a diferença de valores é de 1 bilhão, 25 milhões e
300 mil reais26.
22
23
COURA, 2011, p. 93.
Idem, p. 93.
Ibidem, p. 94.
PORTAL 2014. Disponível em: <http://www.copa2014.org.br/andamento-obras/7/Arena+Pantanal.html.
Acesso em: 09 jun. 2011.
24
COURA, 2011, p. 95.
25
Idem, p. 96.
26
BRASIL. 2011, p. 23.
20
21
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
527
As cidades-sede de Curitiba, Natal e São Paulo não investiram um real em seus
estádios. Em Curitiba a reforma da Arena da Baixada tem o custo de 220 milhões de
reais e precisariam ser investidos, aproximadamente, 7 milhões mensais para ficar pronto
a tempo. Já em Natal, o antigo estádio Machadão sequer foi demolido para dar lugar
à Arena das Dunas, o que custará 400 milhões de reais; e, em São Paulo, o Itaquerão
estima-se que seja o estádio com os custos mais elevados hoje, próximos a 1 bilhão de
reais, e as obras sequer começaram27.
De maneira atípica aos outros 11 estádios que estão com as obras atrasadas, o
estádio do Castelão, em Fortaleza, no ritmo atual das obras, ficará pronto em agosto de
2013, já tendo investido 80 dos 519 milhões de reais do seu custo28.
Preocupados com os atrasos nas obras e com a utilização do dinheiro Público,
o TCU consignou29:
A inobservância do cronograma FIFA pode acarretar o descredenciamento da cidadesede. Para que esse descredenciamento não aconteça, é possível que surjam alegações
quanto à necessidade de contratações em regime de urgência. Tais contratações
abstêm os processos de passar pelo crivo do certame licitatório, bem como de
seus benefícios decorrentes, tais como concorrência, publicidade e transparência
nas escolhas realizadas. Historicamente, obras contratadas em regime de urgência
apresentam sobrepreços, quando comparadas a similares que obedeceram ao rito
ordinário de contratação.
Além das obras relativas às praças esportivas que sediarão os jogos da Copa do
Mundo de 2014, merecem especial atenção as obras de construção e ampliação dos
aeroportos, pois, são de fundamental importância para o sucesso do evento. Em abril de
2001, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada editou uma Norma Técnica revelando
que na realização de obras de infraestrutura, no Brasil, leva-se o prazo médio total
de 92 meses para sua finalização, ou seja, mais de 7 anos, compreendidos: 12 meses
para elaboração do projeto, 38 meses para liberação da licença ambiental, 6 meses de
licitação e mais 36 meses para a obra30.
Assim, as obras nos terminais dos aeroportos de Manaus-AM, Fortaleza-CE,
Brasília-DF, Guarulhos-SP, Salvador-BA, Campinas-SP e Cuibá-MT levariam cerca de 92
COURA, 2011, p. 95/96.
27
Idem, p. 92.
28
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Autos de relatório de levantamento de auditoria. TC-025.514/20090, acórdão nº 1517/2010 - TCU – Plenário. Data da Sessão: 30/6/2010 – Ordinária. Código eletrônico
para localização na página do TCU na Internet: AC-1517-23/10-P, p. 08.
29
CAMPOS NETO, 2011, p. 15.
30
528
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
meses para ficarem prontas, pois todas estão na etapa de elaboração dos projetos. As
obras dos aeroportos de Confins-MG e Porto Alegre-RS, ambas com projetos prontos,
levariam ainda cerca de 80 meses até o fim das obras. E a construção do novo aeroporto
de Natal-RN não tem previsão de conclusão. Ou seja, em nenhum dos dez aeroportos
citados, as obras estariam efetivamente concluídas para a realização da Copa do Mundo
de 201431.
Outro dado relevante trazido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é
que, por mais que as obras em todos os 13 aeroportos estivessem prontas a tempo para a
realização da Copa do Mundo de 2014, ainda assim, dez aeroportos teriam capacidade
de passageiros inferior à demanda estimada32:
TABELA 2 - MOVIMENTO DE PASSAGEIROS E CAPACIDADE DOS TERMINAIS
PREVISTOS PARA 2014 (EM MILHÕES DE PASSAGEIROS POR ANO)
Aeroporto
Movimento
previsto para
2014
Capacidade para
2014
Mov. 2014/
capac. 2014
Manaus
4,0
5,0
79,2%
Fortaleza
7,4
6,0
123,8%
Brasília
20,7
18,0
115,1%
Guarulhos
29,2
35,0
112,0%
Salvador
11,0
10,5
105,1%
Campinas
7,4
11,0
66,8%
Cuiabá
3,1
2,8
111,6%
Confins
10,6
8,5
125,1%
Porto Alegre
9,8
8,0
122,2%
Curitiba
8,4
8,0
105,6%
Galeão
17,9
26,0
68,9%
Natal
3,5
1,9
186,0%
Recife
8,7
8,0
108,6%
151,8
148,7
102,1%
Total
FONTE: Infraero. Elaboração: Ipea.
Idem, p. 16-17.
31
Ibidem, p. 19.
32
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
529
Desse modo, é imperioso estudar o atinente a Dispensa de Licitação, para evitar
que no presente caso, a Administração Pública, utiliza-se desse instrumento de forma
inadequada, como ocorreu com os Jogos Pan-Americanos de 2007, no qual todas as obras
atrasaram e o governo federal foi obrigado a liberar recursos para garantir a realização
do evento que, no final das contas, custou 4 bilhões de reais, dez vezes mais do que
o inicialmente previsto, e teve cerca de 70% dos gastos da União liberados seis meses
antes do início do evento33.
3 O POSSÍVEL CAMINHO DA DISPENSA DE LICITAÇÃO
Conjugando o atraso injustificado das obras e o procedimento adotado em
outros casos, como o dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, não resta
dúvida de que a “solução” a ser adotada pelos governantes será a dispensa de licitação.
A dispensa de licitação configura-se quando a Administração Pública pode deixar
de realizar a licitação, se assim lhe convier34, entretanto, a Lei nº 8.666/93 estabeleceu
taxativamente, de modo exaustivo, as hipóteses em que a licitação será dispensada35.
“É que somente a dispensa de licitação é criada por lei – logo, a ausência de previsão
legislativa impede o reconhecimento de dispensa de licitação”36.
As hipóteses de dispensa de licitação estão previstas nos 31 incisos do artigo 24, da
Lei nº 8.666/9337, contudo, estudaremos apenas o seu inciso IV, em virtude da extensão
do referido artigo e de ser provavelmente a hipótese escolhida pelos governantes para
a dispensa da licitação:
Art. 24. É dispensável a licitação:
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência
de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança
de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares,
e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou
calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no
prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados
da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos
contratos.
COURA, 2011, p. 98.
33
MEIRELLES, 2010, p. 143.
34
JUSTEN FILHO, 2009, p. 426.
35
JUSTEN FILHO, 2009, p. 426-427.
36
BRASIL, 1993, p. 8269.
37
530
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Assim, poderá ser dispensada quando da ocorrência de calamidade pública, isto
é, “[...] a situação de perigo e de anormalidade social decorrente de fatos da natureza,
tais como inundações devastadoras, vendavais destruidores, epidemias letais, secas
assoladoras e outros eventos físicos flagelantes [...]”38, que ameaçem a segurança, saúde
pública, bens particulares, transporte coletivo, habitação ou trabalho em geral39.
Fica evidente que a situação de calamidade pública não se subsume a uma
hipótese de dispensa de licitação para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo de
2014, a menos que ocorra algum dos fatos mencionados, atrapalhando o andamento
das obras e acarretando a destruição ou atraso prolongado das obras.
A Administração Pública deve planejar suas contratações, assim, os serviços,
obras e os bens contratados devem obedecer a um plano estabelecido, conforme o
princípio constitucional da obrigatoriedade de licitar; entretanto podem ocorrer situações
derivadas de caso fortuito ou de força maior que exijam providências imediatas, evitando
a ocorrência de prejuízos maiores ou comprometimento à segurança de pessoas, serviços,
equipamentos e bens em geral40.
O professor Meirelles41 explica os casos de emergência:
Exemplificando, são casos de emergência o rompimento do conduto de água que
abastece a cidade; a queda de uma ponte essencial para o transporte coletivo; a
ocorrência de um surto epidêmico; a quebra de máquinas ou equipamentos que
paralise ou retarde o serviço público, e tantos outros eventos ou acidentes que
transtornam a vida da comunidade e exigem prontas providências da Administração.
Em tais casos, a autoridade pública responsável, verificando a urgência das medidas
administrativas, pode declará-las de emergência e dispensar a licitação para as
necessárias contratações, circunscritas à debelação do perigo ou à atenuação de danos
a pessoas e bens públicos ou particulares.
Destarte, as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014, não
configuram hipóteses de dispensa de licitação, pois, desde meados de 2009, quando
foram escolhidas as 12 cidades-sede, é sabido que seriam necessárias a sua realização,
ademais, o atraso injusticado das obras não é motivo idoneo para a dispensa. Entretanto
“não é razoável desautorizar a dispensa e, com isso, prejudicar o interesse público,
MEIRELLES, 2010, p. 146.
38
MEIRELLES, 2010, p. 146.
39
TOLOSA FILHO, 2010, p. 84.
40
MEIRELLES, 2010, p. 145.
41
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
531
que, sem o objeto a ser contrato, acabaria desatendido”42, mas sobre o causador desse
atraso deverá recair severa reprimenda, prevenindo futuros acontecimentos similares43.
CONCLUSÃO
O panorama do andamento das obras para a realização da Copa do Mundo de
2014 e para as Olimpíadas de 2016 é preocupante. Se, por um lado, a Administração
Pública muitas vezes é acusada não ter agilidade para realizar o que é necessário, em
outros casos é questionada sobre a rapidez pela qual algumas obras são realizadas.
As justificativas são muitas: ora de que a demora se deve aos procedimentos
burocráticos e pela necessidade de licitação para contratar, ora de que se adotou a
contratação direta por conta da urgência. Esse é o dilema que sofre o administrador
público. Porém, essa encruzilhada decorre da própria incapacidade que no Brasil se
tem de administrar os próprios problemas, com a recorrente desculpa de que algo não
foi possível por culpa de terceiros.
O que deve ocorrer nesses casos é uma mudança de paradigma que a realização
de eventos esportivo do porte da Copa do Mundo e Olimpíadas pode oferecer, até como
oportunidade de mudança cultural no país, não só para o poder público, mas também
para a iniciativa privada, para as pessoas e a sociedade como um todo.
Exercer a cidadania nesse momento é fundamental para que o legado a ser
deixado pelos eventos e suas consequências seja duradouro, e não apenas passageiro. As
possibilidades de que benefícios perenes sejam resultados dos investimentos necessários
em infraestrutura para o país são inúmeras. Contudo, verifica-se que os interesses
econômicos, políticos e pessoais estão prevalecendo sobre o real sentido de sediar os
maiores eventos esportivos do planeta.
Tudo isso culminou com a instituição do denominada Regime Diferenciado de
Contratações Públicas (RDC), aprovado por meio de Medida Provisória44, que criou
novas regras para as licitações voltadas à realização da Copa das Confederações de 2013,
NIEBUHR, 2008, pp. 447-448.
42
Joel de Menezes Niebuhr assinala: “tanto mais, para evitar tais situações, é imperioso que sobre os ombros
do agente administrativo relapso recaía forte reprimenda, para efeito de desencorajar comportamentos
similares, desde que respeitados os princípios informadores do processo administrativo, entre os quais os
do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, previstos nos incisos LIV e LV do artigo 5º
da Constituição Federal.” (NIEBUHR, 2008, p. 448).
43
O que já é questionável em razão do princípio da legalidade, pois a licitação é regulada por lei (Lei nº
8.666/1993).
44
532
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, sob a justificativa de
proporcionar maior celeridade das obras necessárias aos eventos.
São inúmeras as alterações no regime das licitações, como a possibilidade da
adoção de tabelas locais para estimar os custos das obras, inversão de etapas, redução
de recursos, dentre outras modificações.
Segundo o governo federal, o RDC tem como objetivos conferir maior eficiência
nas contratações públicas, aperfeiçoar a relação entre custo e benefícios para utilização
de recursos públicos, e fomentar o avanço tecnológico.
No que se refere especificamente aos eventos esportivos em questão, as
justificativas para a adoção do RDC seria do aumento de investimento externo no país,
bem como maior visibilidade política no cenário mundial. Além disso, o governo federal
entende que o modelo do RDC é mais rigoroso no aspecto da fiscalização.
Mesmo que a Lei de Licitações tenha quase 20 anos, devendo ser aperfeiçoada
em alguns aspectos para se tornar mais eficaz e alcançar seus objetivos, a adoção do RDC
teve ser recebida com cautela. As propostas de concentrar os recursos em uma única
fase, cadastramento prévio com prestação de garantias e adoção do sistema de referência
de preços, são medidas que darão maior celeridade ao procedimento licitatório.
Porém, outras modificações apresentadas, podem impedir que a licitação alcance
seus objetivos de buscar a proposta de contratação mais vantajosa para a administração
pública em termos de custo e benefício. Nesse sentido, estaria a possibilidade do RDC
dispensar a exigência do § 2º, inciso I, do artigo 7º, da Lei nº 8.666/93, que assim
estabelece:
Art. 7o (...).
§ 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para
exame dos interessados em participar do processo licitatório.
O risco que envolve a dispensa do projeto básico é a ausência de conhecimento
prévio do objeto contratado, o que, em caso de obras, é fundamental para a execução
segura do empreendimento.
O detalhamento da obra por meio dos projetos visa, justamente, planejar o
desenvolvimento da obra, em especial, para garantir que os recursos públicos estejam
sendo empregados de maneira adequada.
Outra questão que se discute é referente ao sigilo do orçamento prévio das
contratações. Pelo novo modelo instituído pelo RDC, o vencedor da licitação entregará
a obra pronta, sem ter apresentado previamente o projeto de execução, o que é exigido
pela Lei de Licitações, como já mencionado.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
533
Esta medida, de evitar a divulgação antecipada do orçamento que o poder público
da obra a ser contratada, teria como objetivo impedir que os concorrentes ajustassem os
valores de suas propostas, na tentativa de alcançar preços maiores. Porém, bastou que
o RDC fosse aprovado para que a opinião pública e diversas entidades questionassem
a legitimidade da medida.
A necessidade de transparência e publicidade são os argumentos utilizados pelos
que são contrários ao sigilo pretendido pelo RDC. A Procuradoria Geral da República
classificou o RDC como contrário aos princípios que regem a atividade administrativa,
pois os gastos públicos não podem ser sigilosos45.
Realmente, é possível que os interessados que tenham acesso ao orçamento
prévio formulado pela administração pública para a contratação, possam combinar
preços, sem observar as especificações técnicas do objeto contratado, conforme Nota
de Esclarecimento do Ministério dos Esportes46:
NOTA DE ESCLARECIMENTO: Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as
obras da Copa
1. A Medida Provisória que estabeleceu o Regime Diferenciado de Contratação
para obras da Copa do Mundo Fifa 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de
2016, aprovada na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (15.06), assegura
transparência aos processos de licitação. A MP prevê que, até o fim da primeira fase
do processo licitatório, em que são apresentadas propostas de preços, as empresas não
terão acesso ao valor orçado pelo governo para a obra. A intenção é evitar acordo ou
conluio entre participantes do processo, como possibilidade de combinação de preços.
Os concorrentes terão que elaborar proposta com base nas especificações técnicas, que
serão detalhadas e acessíveis a todos. O interesse público será preservado. Aos órgãos
de controle, os orçamentos são permanentemente franqueados. O sigilo previsto visa
evitar o vazamento de informações. A partir do encerramento do processo licitatório,
o orçamento se torna público aos órgãos de imprensa e ao conjunto da sociedade.
“O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou, [...], que a mudança no projeto que criou o
Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para obras da Copa e das Olimpíadas é absurdo ‘É pouco
dizer que seria uma coisa absurda, escandalosamente absurda. Você não pode ter despesa pública protegida
por sigilo’, destacou Gurgel. Segundo o procurador-geral, os interessados na aprovação do projeto estão
buscando meios de contornar as exigências legais, uma vez que as obras estão muito atrasadas. Gurgel
também defendeu que o argumento de que os eventos são grandiosos e que por isso merecem flexibilizações
é inválido. ‘Na verdade eu acho que um evento grande impõe que cuidados sejam redobrados’, disse.
Segundo o procurador, essa é uma oportunidade para que o Congresso aprove a lei de acordo com o que
permite a legislação brasileira. Ele acredita que as mudanças foram tantas que acabaram inviabilizando
a licitação, que é uma exigência legal. Em maio, um parecer do Ministério Público Federal classificou de
‘inconstitucional’ o texto da medida provisória. De acordo com o parecer, a proposta violava os princípios
da ‘competitividade, isonomia e da impessoalidade’. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/
OpiniaoPublica/inc/senamidia/notSenamidia.asp?ud=20110617&datNoticia=20110617&codNoticia=5
67911&nomeOrgao=&nomeJornal=Di%C3%A1rio+do+Nordeste&codOrgao=2729&tipPagina=1>.
Acesso em: 20 jun. 2011.
45
Disponivel em: <http://www.gazetaesportiva.net/noticia/2011/06/copa-2014-brasil/para-ministerio-sigilode-orcamento-evita-combinacao-de-precos.html>. Acesso em: 20 jun. 2011.
46
534
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
2. Todas as informações sobre os gastos da Copa do Mundo têm sido regularmente
repassadas ao Tribunal de Contas da União (TCU). Documento enviado pelo Ministério
ao TCU ressalta a preocupação em realizar com transparência as ações previstas
para a Copa do Mundo de 2014. Em resposta a Aviso do Tribunal, o Ministério
informa que avaliará a inclusão ou não de anexos temáticos (novas obras) à Matriz de
Responsabilidades, assinada em 2010 por União, estados e municípios, que definiu as
atribuições de cada um dos entes federados. A “conveniência do Poder Executivo”,
conforme o documento, diz respeito exclusivamente à definição, por parte da União,
sobre a obra estar de fato relacionada à Copa. O objetivo é evitar que obras sem
justificativas passem a integrar a Matriz de Responsabilidades.
3. A Fifa e o Comitê Olímpico Internacional (COI) não exercem papel de comando
na gestão das obras públicas relativas à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos. As
duas entidades internacionais podem apontar problemas técnicos na infraestrutura
esportiva, como estádios e ginásios, que exigiriam modificações nos projetos e alterações
orçamentárias. Em momento algum, no entanto, têm poder para definir gastos com obras
das competições. Fifa e COI podem apenas sugerir temas que se configurem alterações
qualitativas. Quem manda na preparação dos investimentos públicos e na contratação
das obras públicas é o Brasil, são os entes públicos responsáveis pelas suas tarefas.
Mas o sigilo não parece ser a solução mais adequada, pois a Administração Pública
deve se pautar na publicidade para proporcionar controle prévio sobre as contratações
e licitações. A publicidade necessária e inerente à atividade administrativa não ocorre
no RDC por não haver detalhamento da contratação, seja em relação ao projeto, seja
em relação ao orçamento cujos critérios de escolha passam a ser subjetivos.
Esse método adotado no RDC, denominado de regime de contratação
integrada, possibilita apenas a apresentação de anteprojeto de engenharia, mas que
prejudica a avaliação da proposta, por ser vago e genérico, pois não contém os elementos
necessários para a análise objetiva que deve ocorrer nas licitações.
Nesse sentido, confere-se o seguinte trecho de nota publicada pelo Ministério
Público Federal47:
Certamente, o regime de contratação integrada implicará maior rapidez na execução
dos serviços e obras de engenharia. Todavia, esta pretendida celeridade não pode
ser obtida com eliminação do núcleo essencial do princípio da licitação, que exige
especificação adequada do objeto, e não apenas ‘documentos destinados a possibilitar
a caracterização da obra ou serviço’, como pretende inconstitucionalmente o projeto.
A Constituição não pode ser alterada por norma jurídica de estatura hierárquica inferior.
47
Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_patrimonio-publico-esocial/portal_factory/copy_of_pdfs/NT%20GT%20COPA.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2011.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
535
De qualquer maneira, não cabe somente aos órgãos de controle questionar
as licitações e contratos administrativos para a Copa do Mundo de 2014 e para as
Olimpíadas de 2016. A sociedade organizada deve se posicionar a respeito da questão.
Não se propõe a crítica subjetiva, de cunho político, mas o debate fundamentado
e com propostas concretas, visando oferecer alternativas viáveis para solucionar os
problemas verificados.
Entende-se que a adoção de medidas de planejamento técnico seria uma possível
solução para que as obras necessárias sejam executadas. Fica evidente que não é a
Lei nº 8.666/1993 responsável pelo atraso nas obras, e, sim, a falta de planejamento
adequado para a realização dos eventos.
Se o momento econômico é favorável para propiciar investimentos em
infraestrutura para os eventos, cujos benefícios seriam perenes ao país e, como
consequência, para a população, a falta de planejamento se revela como a causa mais
evidente do atraso das obras.
No caso regional, Curitiba foi indicada como cidade-sede para a Copa do Mundo
de 2014 em 31 de maio de 2009, sendo que, atualmente, torno de 60% das obras
públicas necessárias previstas para o evento correm o risco de não ficar prontas até o
início da competição50.
Mesmo que a Lei nº 8.666/1993 deva sofrer alterações para aperfeiçoamento
do procedimento licitatório, isso não é o principal fato de atraso nas obras para a Copa
do Mundo e Olimpíadas no Brasil, mas a falta de planejamento da atuação estatal para
a execução de suas ações.
Qualquer alteração na Lei de Licitações deveria ser, nesse sentido, de priorizar
o planejamento necessário para a execução das contratações públicas, e não de criar
regras que são contrárias aos princípios que regem a administração pública. Porém,
isso decorre, necessariamente, de uma mudança cultural não só dos governantes, mas
da iniciativa privada, enquanto contratada do poder público e da própria sociedade.
A demora que ocorreu e que agora leva com que se proponha o RDC, não pode
se sobrepor às normas as quais se aplicam aos gastos públicos, apenas justificando-se
pelo aspecto temporal. Do contrário, não se poderá admitir a adoção do RDC para as
obras das Olimpíadas de 2016, já que ainda há tempo de planejar e executar o evento
sem afastar as regras da Lei nº 8.666/1993. Ou não?
“Nove das 14 obras programadas ainda não estão com os projetos executivos prontos, sendo que cinco
nem sequer começaram a ser elaborados.” (cf. Gazeta do Povo de 31 de maio de 2011. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/estrutura/conteudo.phtml?id=1131556>. Acesso em: 20
jun. 2011).
48
536
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto
constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas
Constitucionais adotadas pelas Emendas Constitucionais. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria
de Edições Técnicas, 2006
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e
dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 22 de
junho1993. p. 8269.
BRASIL. Ministério Público. Grupo de trabalho copa do mundo FIFA 2014 da 5ª coordenação
e Revisão do MPF. Nota ao Projeto de Lei de Conversão da MP 521/2010. Disponível em:
<http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_patrimonio-publico-e-social/
portal_factory/copy_of_pdfs/NT%20GT%20COPA.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2011.
BRASIL. Tribunal de Contas. Autos de acompanhamento da execução do Programa “Rumo ao
Pan 2007”, conjunto de ações desenvolvidas pelo Governo Federal para a implantação da infraestrutura necessária à realização dos Jogos Pan-americanos na cidade do Rio de Janeiro/RJ, em
julho de 2007. TC-014.800/2007-3, acórdão nº 2101/2008 - TCU – Plenário. Data da Sessão:
24/9/2008 – Ordinária. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC2101-38/08-P.
______. Autos de relatório de levantamento de auditoria. TC-025.514/2009-0, acórdão nº
1517/2010 - TCU – Plenário. Data da Sessão: 30/6/2010 – Ordinária. Código eletrônico para
localização na página do TCU na Internet: AC-1517-23/10-P.
______. O TCU e a Copa do Mundo de 2014 : relatório de situação. Brasília, 2011.
CAMPOS NETO, Carlos Alvares da Silva; SOUZA, Frederico Hartmann. Aeroportos no Brasil:
investimentos recentes, perspectivas e preocupações. Brasília: Diretoria de Estudos Setoriais, 2011.
COURA, Kalleo. Prontos Para a Copa ...de 2038. Veja, São Paulo, v. 44, n.21, p. 88-100, maio
2011.
DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários a lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed.
São Paulo: Dialética, 2010.
______. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de licitação pública. 2. ed. Belo
Hhorizonte: Forum, 2008.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2010-2011
537
PARA Ministério, sigilo de orçamento evita combinação de preços. Gazeta Esportiva, 17 jun.
2011. Brasília. Disponível em: <http://www.gazetaesportiva.net/noticia/2011/06/copa-2014brasil/para-ministerio-sigilo-de-orcamento-evita-combinacao-de-precos.html>. Acesso em: 20
jun. 2011.
PORTAL 2014. Disponível em: <http://www.copa2014.org.br/andamento-obras/7/
Arena+Pantanal.html>. Acesso em: 09 jun. 2011. SENADORES na mídia; clipping. Diário do
Nordeste. 17 jun. 2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/OpiniaoPublica/
inc/senamidia/notSenamidia.asp?ud=20110617&datNoticia=20110617&codNoticia=567911
&nomeOrgao=&nomeJornal=Di%C3%A1rio+do+Nordeste&codOrgao=2729&tipPagina=1>.
Acesso em: 20 jun. 2011.
TOLOSA FILHO, Benedicto. Contratando sem licitação: comentários teóricos e práticos:
abordando o sistema de credenciamento e referências à Lei nº 11.947, de 11 de junho de 2009.
3. ed. Rio de Janeiro: GZ Ed. 2010.
WALTRICK, Rafael. Atraso ameaça obras em Curitiba. Gazeta do Povo. 31 mai. 2011. Disponível
em: <http://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/estrutura/conteudo.phtml?id=1131556>.
Acesso em: 20 jun. 2011.
538
FAE Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Download

resumo licitação e contratos administrativos para a realização da