CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL ALDA MARIA SILVA FRANCISCO AS PRÁTICAS DE GESTÃO E DE DOCÊNCIA NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, ESPÍRITO SANTO, A PARTIR DA LEI 10.639/03 Belo Horizonte 2012 ALDA MARIA SILVA FRANCISCO AS PRÁTICAS DE GESTÃO E DE DOCÊNCIA NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, ESPÍRITO SANTO, A PARTIR DA LEI 10.639/03 Dissertação apresentada à Banca de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local Linha de Pesquisa: Processos Educacionais: Tecnologias Sociais e Gestão do Desenvolvimento Local Orientadora: Profa. Gonçalves Quaresma Belo Horizonte 2012 Dra. Adilene F818p Francisco, Alda Maria Silva As práticas de gestão e de docência na rede municipal de educação de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, a partir da Lei 10.639/03. / Alda Maria Silva Francisco. – 2012. 201f.: il. Orientadora: Profa. Dra. Adilene Gonçalves Quaresma. Dissertação (Mestrado) - Centro Universitário UNA, 2012. Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Bibliografia f. 102-105. Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras “A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é [...] de todo e qualquer educador, independente do teu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política.” (Relatório do Conselho Nacional de Educação, 2004). Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom de viver, por todas as oportunidades em minha vida e pelas bênçãos concedidas. Ao meu esposo, Gilberto da Silva Francisco, por construir e partilhar as trilhas desta empreitada com compreensão da minha ausência e doação do seu tempo, me ajudando em tudo que podia, além da generosidade, paciência e sabedoria dedicadas a mim e ao meu trabalho. Ao incentivo de todos os colegas de trabalho do Centro Universitário São Camilo (ES), especialmente ao apoio incondicional do Reitor, Padre João Batista Gomes de Lima. Aos companheiros de luta pela educação da EMEB “São Luiz Gonzaga”, por acreditar em mim e pela compreensão. Às Escolas da Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim e seus gestores, pedagogos e professores em geral, que contribuíram e se dispuseram a me situar na pesquisa com uma participação ativa. À Professora Dra. Rosalina Batista Braga, que iniciou toda uma caminhada de orientação afetuosa, ao mesmo tempo exigente e valiosa, a qual gerou o Projeto de Pesquisa desta Dissertação. À minha Orientadora Profa. Dra. Adilene Gonçalves Quaresma, pelo imenso apoio, incentivo e grandes contribuições para o encaminhamento desta pesquisa, além de se fazer sempre presente e estimuladora, o que muito elevou a minha autoestima. Agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. A todos, muito obrigada! Dedicatória Dedico primeiramente aos meus pais, Alvino Bello da Silva e Analia da Conceição Silva (in memoriam), pelo testemunho de vida, de dignidade, humildade e doação, ensinando valores éticos, morais e espirituais. Com muita garra e determinação, eles possibilitaram minha formação e a dos meus 13 irmãos. Ao meu esposo, Gilberto da Silva Francisco, pela renúncia, valorização, luta, apoio e histórias vividas cheias de compreensão, sabedoria e amor. Aos meus filhos Gilmar, Anderson e Letícia da Silva Francisco, frutos do amor, os quais me ensinaram o encantamento pelo ser humano. Aos meus netos Marianna e Gabriel, na esperança de construção de um mundo melhor e aos quais quero deixar como herança os exemplos de vida. Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam em uma educação de qualidade, sem distinção de nenhuma natureza, a fim de construirmos, desta maneira, uma nação mais inclusiva, humana e solidária. Resumo Com a aprovação da Lei 10.639/03, tornou-se obrigatório que as escolas de Educação Básica pública e privada trabalhem a História e a Cultura Afro-Brasileira. Essa lei é resultado também de antigas reivindicações e negociações entre o Movimento Negro e os órgãos do Estado, com destaque àqueles ligados à Educação. Sabe-se que o negro enfrenta no país barreiras raciais e sociais no seu cotidiano, uma vez que as desigualdades sociais estão presentes em nossa sociedade como reflexo de uma estrutura construída ao longo de uma história de escravização. Há séculos o negro enfrenta no país desigualdades provenientes do regime escravocrata do Período Colonial, porém vem lutando pela construção de espaços de liberdade e de direitos para maior bem-estar de seus descendentes. Assim, o presente trabalho teve como objetivo principal analisar e compreender as práticas no âmbito da gestão e da docência na realização e operacionalização da Lei 10.639/03 com vistas à superação do racismo nas escolas de Educação Básica do município de Cachoeiro de Itapemirim. A História nos mostra que, a partir da vinda dos negros para o Brasil, iniciou-se toda uma trajetória de luta de resistência, desde os cativeiros, com a formação de quilombos e dos movimentos MNU e MN, de lutas em prol da causa dos negros. Tudo isso visando à busca de humanização do seu povo e prosseguindo com a formação de diversas entidades locais, regionais e nacionais, numa trajetória de luta contra o racismo, discriminação e preconceito, resultantes da predominância da cultura europeia no Brasil. É necessário reconhecer, aceitar e conviver com essa diversidade, respeitando-se alguns aspectos e desconstruindo outros. Os estudos teóricos foram baseados numa série de fontes, desde textos clássicos sobre a temática, como o livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, até textos de trabalhos mais recentes de diversos autores, dentre eles Gomes (2007) e Munanga (1996, 2003, 2005 e 2006), dentre outros. Esta pesquisa se fundamentou dentro de um contexto da teoria crítica da educação, numa associação entre a pesquisa qualitativa e quantitativa de caráter exploratório em que foram aplicados questionários, seguidos de entrevistas semiestruturadas, onde se percebeu a importância de empenhar-se na construção de uma prática pedagógica que destaque o negro como sujeito ativo na construção de nossa sociedade. Este é um dos grandes desafios que se tem enfrentado na Rede Municipal de Educação. Nesta perspectiva, foi elaborado um Produto da Dissertação para proporcionar aos gestores, pedagogos e professores o desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada para a questão do racismo de forma processual e inclusiva. Palavras-chave: Lei 10.639/03. Educação. Racismo. Prática pedagógica. Resumen Con la aprobación de la Ley 10.639/03, se tornó obligatorio que las escuelas de Educación Básica públicas y privadas trabajen la História y la Cultura Afro Brasilera. Esa ley es resultado también de antiguas reivindicaciones y negociaciones entre el Movimiento Negro y los órganos del Estado, con énfasis en aquellos ligados a la Educación. Se sabe que el negro enfrenta en el país barreras raciales y sociales en lo cotidiano, una vez que las desigualdades sociales están presentes en nuestra sociedad como reflejo de una estructura construída a lo largo de una historia de esclavización. Hace siglos el negro enfrenta en el país desigualdades provenientes del régimen esclavista del Período Colonial, sin embargo viene luchando por la construcción de espacios de libertad y de derechos para mayor bienestar de sus descendientes. Así, el presente trabajo tuvo como objetivo principal analizar y comprender las prácticas en el ámbito de la gestión y de la docencia en la realización de operatividad de la Ley 10.639/03 con vistas a la superación del racismo en las escuelas de Educación Básica del municipio de Cachoeiro de Itapemirim. La Historia nos muestra que, a partir de la llegada de los negros a Brasil, se inició toda una trayectoria de lucha de resistencia, desde los cautiverios, con la formación de quilombos y de los movimientos MNU y MN, de luchas en pro de la causa de los negros. Todo eso con el objetivo de buscar la humanización de su pueblo y prosiguiendo con la formación de diversas entidades locales, regionales y nacionales, en una trayectoria de lucha contra el racismo, la discriminación y el prejuicio, resultantes del predominio de la cultura europea en Brasil. Es necesario reconocer, aceptar y convivir con esa diversidad, respetándose algunos aspectos y desarticulando otros. Los estudios teóricos fueron basados en una serie de fuentes, desde textos clásicos sobre la temática, como el libro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, hasta textos de trabajos más recientes de diversos autores, entre ellos Gomes (2007) y Munanga (1996, 2003, 2005 y 2006) entre otros. Esta investigación se fundamentó dentro de un contexto de la teoría crítica de la educación, en una asociación entre la pesquisa cualitativa y cuantitativa de carácter exploratorio en que fueran aplicados cuestionarios, seguidos de entrevistas semiestructuradas, donde se percibió la importancia de empeñarse en la construcción de una práctica pedagógica que destaque al negro como sujeto activo en la construcción de nuestra sociedad. Este es uno de los grandes desafíos que se han enfrentado en la Red Municipal de Educación. Desde esta perspectiva, fue elaborado un Producto de la Disertación para proporcionar a los gestores, pedagogos y profesores el desenvolvimiento de una práctica pedagógica dirigida a la cuestión del racismo de manera procesal e inclusiva. Palabras llave: Ley 10.639/03. Educación. Racismo. Práctica pedagógica. Abstract With the approval of Law 10.639/03 it became mandatory for the basic education at public and private schools work with the Afro-Brazilian, History and Culture. This law is also the result of old claims and negotiations among the Black Movement and the State sectors, especially those related to education. It is known that the black faces in the country racial and social barriers in their daily lives, as are social inequalities in our society, as a reflection of a structure built over a history of enslavement. For centuries, the black face inequalities in the country from the slavery regime of the Colonial Period, but are fighting for the construction of spaces of freedom and greater rights for the welfare of their descendants. Thus, this study has as main objective analyze and understand the practices in the management and teaching in the implementation and operation of Law 10.639/03 aimed to overcoming racism in the schools of basic education in the city of Itapemirim. History shows that from the arrival of blacks in Brazil, started a whole trend of resistance struggle, from captivity, with the formation of “quilombos” (runaways) or MNU and MN movements fighting for the cause of blacks. All this in order to seek a humanization for these people, and continuing with the formation of several local, regional and national entities, a record of struggle against racism, discrimination and prejudice resulting from the dominance of European culture in Brazil. It is necessary to recognize, accept and cope with this diversity, respecting some aspects and deconstructing others. The theoretical studies were based on a sort of sources, from classic texts about the subject, as the book “Casa Grande e Senzala” by Gilberto Freyre to texts of more recent works of several authors, like Gomes (2007), Munanga (1996, 2003, 2005 and 2006) among others. This research was based within the context of a critical theory of education, an association between the qualitative and quantitative research and exploratory questionnaires that were applied, followed by interviews, where it was noted the important endeavor in the construction of a pedagogical practice that highlights the black as an active subject in the construction of our society. This is one of the biggest challenges faced in the Municipal Education. With this in mind it was designed a Dissertation's Product to provide administrators, teachers and educators a teaching practice's development focused on the issue of racism in a procedural and inclusive way. Keywords - Law 10.639/03, education, racism, pedagogical practice LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CEAFRO Comissão de Estudos Afro-Brasileiros CONAE Conferência Nacional de Educação ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EEEF Escola Estadual de Ensino Fundamental EMEBs Escolas Municipais de Educação Básica DT Designação Temporária FNB Frente Negra Brasileira IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério de Educação e Cultura MN Movimento Negro MNU Movimento Negro Unificado OEA Organização dos Estados Americanos OIT Organização Internacional do Trabalho ONU Organização das Nações Unidas PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional de Educação PPP Projeto Político Pedagógico Prof. Professor Q Questionário SEME Secretaria Municipal de Educação SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial TEN Teatro Experimental do Negro LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Dados do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação...... 58 Quadro 2 - Quantitativos por Área de atuação dos Professores do 6º ao 9º ano 58 Quadro 3 - Categoria organizada para análise do Questionário........................... 66 Quadro 4 - Categoria organizada para análise das Entrevistas............................ 78 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Situação Funcional......................................................................... 67 Gráfico 2 – Atuação.......................................................................................... 67 Gráfico 3 – Função na Atuação....................................................................... 67 Gráfico 4 – Instituição de Formação................................................................ 68 Gráfico 5 Habilitação Profissional................................................................. 68 Gráfico 6 Ano de Conclusão......................................................................... 69 Gráfico 7 Planejamento/Participação em Atividades Afro.............................. 69 Gráfico 8 Caracterização na participação nas Atividades.............................. 70 Gráfico 9 Vivência sobre a Questão do Racismo na Escola......................... 71 Gráfico 10 Conhecimento sobre a Lei 10.639/03............................................. 73 Gráfico 11 Propostas/ Atividades Étnico Racial recebidas.............................. 74 Gráfico 12 Trabalhar a cultura Afro-Brasileira na sala de aula........................ 75 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 13 2 O RACISMO NO BRASIL E OS MOVIMENTOS DE LUTA ANTIRRACISMO..... 21 2.1 Racismo: sua trajetória de luta, resistência e mudanças...................................... 22 2.2 Discussões sobre raça e racismo......................................................................... 23 2.3 O racismo e as normativas internacionais e nacionais......................................... 28 2.4 O movimento negro (MN) ...................................................................................... 36 3 A DISCUSSÃO SOBRE A QUESTÃO RACIAL: NA LEI E NA EDUCAÇÃO 41 3.1 As mudanças na questão racial na lei e na educação.......................................... 44 4 4 A LEI E SUAS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA EDUCATIVA DAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM........................... 53 4.1 O município de Cachoeiro de Itapemirim: breve histórico e a questão afro......... 53 5 METODOLOGIA................................................................................................... 62 5.1 Os caminhos da pesquisa..................................................................................... 62 6 AS PRÁTICAS DE GESTÃO E DOCÊNCIA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM A PARTIR DA LEI 10.630/03: APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS DA PESQUISA.... 65 6.1 O cenário, os sujeitos e percepções iniciais sobre o tema: os questionários....... 65 6.2 O contexto do racismo e as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas a 7 partir da lei 10.639/03: os dados das entrevistas.................................................. 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 96 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 102 APÊNDICE A: Questionário................................................................................. 105 APÊNDICE B: Entrevista...................................................................................... 108 APÊNDICE C: - Quadro das escolas da rede municipal de educação de Cachoeiro de Itapemirim....................................................................................... 110 APÊNDICE D: Produto de Dissertação............................................................... 111 ANEXO A: Sou negro .......................................................................................... 159 ANEXO B: Majestade África ................................................................................ 160 ANEXO C: Kizomba, festa da raça....................................................................... 161 ANEXO D: Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós! ................................ 162 ANEXO E: Lei 10.639/03.................................................................................... 163 ANEXO F: Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004 - Institui Diretrizes.............. 164 ANEXO G: Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004 – Parecer homologado....... 168 ANEXO H: Aprovação do Comitê de Ética............................................................ 199 13 1 INTRODUÇÃO “Na luta contra o racismo, o silêncio é omissão”. (Jacques d´Adesky) Atualmente é de fundamental importância a implementação da Lei 10.639/03 nas Escolas de Educação Básica, pois trabalhar essa questão é uma grande possibilidade de superação do racismo, uma vez que oportuniza o conhecimento da trajetória histórica, costumes e práticas cotidianas, além de gestores, pedagogos e professores fazerem uso de estratégias que possam desconstruir a visão negativa dos africanos e dos afrodescendentes. O presente estudo é fruto inicialmente de reflexões da minha vivência, pois a escolha do tema perpassa o pessoal e se encontra entremeado com o desejo de resgate de uma história coletiva que possa contribuir com a visibilidade dos negros pelo viés da escola onde os gestores, pedagogos e docentes exercem suas práticas educativas, e os discentes se constroem como sujeitos do processo ensino-aprendizagem. Iniciei minha carreira profissional em 1975 como professora do Ensino Fundamental, em 1976 ingressei no Ensino Superior no Curso de Ciências – Habilitação Matemática – e no mesmo ano comecei a atuar na área de Exatas nas redes públicas e privadas. Fui enriquecendo minha prática pedagógica, pois de 1983 a 1995 passei a atuar como Diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Oswaldo Machado em Cachoeiro de Itapemirim, sendo reeleita várias vezes. No período de 1996 a 2003 permaneci como professora de Matemática no Ensino Fundamental e Médio nas redes públicas e privadas, sendo que em 2004 fui convidada a atuar como diretora escolar da EEEF Prof. Elísio Cortes Imperial. A partir de 2005, com a municipalização das escolas de ensino fundamental estaduais, fui convidada a assumir a Gestão da Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) São Luiz Gonzaga, uma escola localizada no bairro considerado o segundo em número de negros do município. Depois de 14 um ano, passei pelo processo de eleição, obtendo 100% dos votos, e lá permaneço até hoje. Prosseguindo minha caminhada profissional e buscando novas perspectivas de atuação, em 1997 iniciei minha atuação como Professora de Matemática no Ensino Superior Privado nos cursos de Matemática e Pedagogia e, a partir de 2002, assumi a Coordenação do Curso de Matemática, estando nela até a presente data. Estes estudos são resultados das condições objetivas e subjetivas que norteiam minha trajetória de vida, pois, desde primeiros anos de escola, necessitava estudar muito, lutar para me destacar e provar que “apesar de negra”, inferiorizada no ambiente escolar, não era pior que ninguém. Nessa trajetória, tive bons e maus professores no que tange à discriminação racial. Em minha infância, a grande maioria não percebia que nós, alunos negros, éramos insultados e sofríamos agressões físicas, e que havia a recusa de punir os responsáveis, achava-se melhor considerar “coisas de crianças”. Muitos professores me tratavam de forma diferente e discriminatória; nas aulas, explanavam sobre o negro e a escravidão nas formas mais desumanas e se mantinham omissos à questão racial. Não tive nenhum professor ou professora negra. Hoje percebo que muitos deles agiam por desconhecimento – por não saber como lidar com as situações constrangedoras enfrentadas pelas crianças negras –, e outros, por omissão, pois compartilhavam o imaginário racista que existia e ainda existe na nossa sociedade. Porém, isso tudo me impulsionou a estudar sobre a temática e foram fundamentais em minha caminhada. A partir da minha maternidade, se deu o momento em que intensifiquei minhas reflexões sobre a relação entre o negro e a educação. Estas foram ganhando corpo a partir das discriminações que os meus filhos sofriam na escola, como se fosse normal acreditar que, porque se tem a pele mais clara, também se é privilegiado, se tem o direito insultar, constranger a criança negra. Vale 15 destacar os desafios enfrentados durante toda minha caminhada profissional – por ser mulher negra – que deixaram grandes marcas. Agora, sendo avó, cresce em mim uma necessidade muito grande de intervir de alguma forma, contribuindo com estudos e discussões para que a minha história não se repita e que possa contribuir para ações que facultem reverter o quadro do racismo, discriminação e preconceitos de nossa sociedade. Por ter minhas vivências marcadas por discriminações (e as ver novamente reeditadas na condição de mãe e avó), passei a realizar leituras e discussões para um olhar mais crítico sobre a minha própria experiência como mulher, negra, mãe e avó; buscando reescrever a minha história para que sirva de incentivo, pois o negro, a partir da luta pela liberdade de ser e viver, tem uma herança histórica a ser conhecida e enriquecida. Hoje, como professora, gestora escolar e como coordenadora de curso, acredito no papel do educador como mediador entre um saber culturalmente acumulado pela humanidade, transformado em conteúdos escolares, e os saberes construídos pelos alunos, transformados em suas vivências cotidianas, tendo em vista a formação de seres humanos justos e comprometidos com o bem coletivo. Passei a ser militante das questões afro, participei das Etapas Municipais da Conferência Nacional de Educação - CONAE, onde fui eleita delegada para a O QUÊ Estadual e depois eleita também para a Nacional, sempre no Eixo VI, em que se discutiu sobre Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade. Nesse processo ficou mais forte a percepção do caminho de lutas e resistências do povo africano e sua repercussão nos afrodescendentes. Isso me motivou a buscar um aprofundamento nessa temática que poderá contribuir para a superação do racismo nas escolas e na sociedade, pois uma pessoa que vivenciou situações de preconceito e racismo pode contribuir a partir da densidade de sua experiência, com estudos voltados para a transformação das relações étnico-raciais. 16 Portanto, com toda uma trajetória de vida motivada e norteada pelas condições objetivas e subjetivas deste estudo, já que, em meu caminhar, tive de enfrentar vários desafios como mulher, negra e pobre, isto pesou na minha construção pessoal e profissional, deixando grandes marcas. Vale, porém, ressaltar que essas dificuldades, por outro lado, me motivaram a desenvolver a cada dia uma postura de luta e resistência, agora expressa na apresentação deste trabalho. Depois de ingressar no Mestrado, percebi a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento das questões raciais no meu município e passei a fazer parte da Comissão de Estudos Afro-Brasileiros - CEAFRO, do Município de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Passando assim, a participar de estudos, discussão e reflexão sobre os papéis diferenciados que os grupos sociais afro-brasileiros têm na definição das questões econômicas e políticas do país e os significados das ações do passado, repensando sobre os efeitos de ações realizadas ou deixadas de realizar para uma sociedade verdadeiramente justa, solidária, fraterna e igualitária. Assim, vivemos em sociedades heterogêneas compostas por diferentes grupos humanos com interesses, classes e identidades em conflito. Essas diferenças vão desde características físicas até às psicológicas, sociais e culturais. A diversidade humana sempre existiu e a humanidade expressava variadas reações a esse respeito, porém o esforço pelo reconhecimento da diferença sempre esteve presente na história, mas se destacou na década de 1990 pelos movimentos e lutas de grupos, dentre eles o Movimento Negro. Diversificar não significa formar grupos homogêneos com as mesmas dificuldades e características, mas grupos heterogêneos, de forma a aproveitar a diversidade existente para a troca de experiência e o crescimento de cada um. Apesar de a questão da diversidade humana estar ganhando mais espaço na nossa sociedade, enfrentar o desafio de trabalhar a inclusão e diversidade na 17 sala de aula para a mobilização das potencialidades não é tarefa fácil. Há alguns desafios que favorecem o trabalho diversificado com o currículo, com a interdisciplinaridade e a mobilização das potencialidades dos gestores, pedagogos e professores. Foi uma grande conquista para se alcançar uma mudança expressiva para se trabalhar a inclusão e diversidade, a aprovação da Lei 10.639/03, pois ela tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas de educação básica. Nesta perspectiva, a questão do trabalho com inclusão racial precisa ser adequada à escola, que é a realidade local. Essa lei é resultado também de antigas reivindicações e negociações entre o Movimento Negro e os órgãos do Estado, com destaque àqueles ligados à Educação. Esta dissertação apresenta resultado da pesquisa sobre “As Práticas de Gestão e Docência nas Escolas Públicas Municipais do Ensino Fundamental do Município de Cachoeiro de Itapemirim a partir da Lei 10.639/03”, cujo tema é o racismo nas escolas, pois ainda existem nos ambientes escolares várias situações em que sua presença se manifesta. Tivemos como problema de pesquisa levantado: Quais as implicações nas práticas pedagógicas dos gestores, pedagogos e docentes para o enfrentamento do racismo a Lei 10.639/03? Essa questão central de investigação foi focalizada nas práticas de gestão e docência voltadas para superação do racismo no processo formativo da escola básica do município de Cachoeiro de Itapemirim. Para tanto, foram investigados práticas, projetos ou propostas de superação do racismo a partir da gestão e da docência na perspectiva da Lei 10.639/03. O objetivo geral foi analisar e compreender as práticas pedagógicas executadas a partir da Lei 10.639/03, com vistas à superação do racismo nas escolas pesquisadas. 18 Como objetivos específicos, a partir de uma análise da Lei 10.639/03, buscou-se: • levantar quais projetos e/ou atividades práticas já foram desenvolvidos nas escolas do município de 2003 até o momento, na perspectiva de problematizar e superar o racismo; • identificar as dificuldades e/ou resistências para se desenvolverem, por partes dos docentes e/ou gestores, as práticas na concepção da Lei 10.639/03. O resultado é a elaboração, a partir dos resultados da pesquisa, de uma proposta de Gestão Municipal que inclua um programa de formação específica de gestores, pedagogos, professores e demais funcionários da educação para trabalhar a superação do racismo com base na Lei 10.639/03. A motivação para se refletir sobre este tema originou-se da constatação da necessidade da mobilização dos educadores, participando e contribuindo na construção de um novo modelo de educação para soluções das demandas sociais, favorecendo um processo de inclusão, respeito às diversidades raciais e aprendizado que produzam saberes em diferentes níveis de aprendizagens para a formação de uma sociedade mais igualitária. No decorrer deste trabalho, utilizamos uma série de fontes, desde textos de diversos autores, dentre eles Gomes (2007), Munanga (1996, 2003,2005 e 2006) dentre outros. A estrutura da dissertação compreende 5 capítulos: no Capítulo I, como primeiro elemento norteador, destaca-se o entendimento e a abordagem sobre o racismo: sua trajetória de luta, resistência e mudanças, enfocando discussões sobre raça e racismo, sobre o racismo e as normativas internacionais e nacionais e sobre o Movimento Negro (MN), que conseguiram dar visibilidade aos graves problemas dessa população. No Capítulo II atemo-nos à discussão sobre a questão racial na Lei e na Educação a fim de se avançar na sua compreensão, pois esse é um dos 19 grandes desafios a serem superados pela população negra que, em sua maioria, vive em condições precárias devido à distribuição injusta da riqueza e a uma política econômica proveniente da classe dominante. No Capítulo III ressaltamos a preocupação com a Lei e suas implicações na prática educativa, destacando um breve histórico do Município de Cachoeiro de Itapemirim e a questão afro, pois, quando se adquire consciência dos direitos humanos e da cidadania, é possível reconhecer que eles ainda são desrespeitados e muitas vezes ignorados. No Capítulo IV nos dedicamos à metodologia desta pesquisa, onde enfocamos toda sua trajetória: a escolha do tema, os sujeitos e as opções aplicadas durante a coleta de dados. No decorrer do capítulo V, apresentamos as Práticas de Gestão e Docência nas escolas municipais de Cachoeiro de Itapemirim a partir da Lei 10.639/03, por meio da Análise e discussão dos dados à luz dos questionários aplicados e das entrevistas realizadas. Percebe-se que a Lei 10.639/ 03, que altera a Lei 9394/96 garante, no sentido legal, a inserção do “Ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira” nos currículos escolares. Porém, ao observar as práticas de gestão e docência, constatamos que há necessidade de um trabalho mais de perto com esses profissionais. Nas considerações finais, apresentamos algumas sínteses do trabalho realizado e, ao mesmo tempo, fazemos uma reflexão sobre as possibilidades do desenvolvimento de práticas pedagógicas para se trabalhar a questão do racismo dentro da ótica da transformação social. Podemos afirmar que o desafio desta pesquisa é, a partir da análise das práticas pedagógicas no âmbito da gestão e da docência na realização e operacionalização da Lei 10.639/03, com vistas à superação do racismo nas escolas da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, dos mecanismos gerais de organização da sociedade atual – que são produtores de várias formas de desigualdades –, refletir sobre as possíveis contradições presentes 20 no debate da implementação de práticas pedagógicas efetivas sobre o negro brasileiro. Assim, o estudo lança um olhar sobre o Produto da Dissertação, que visa proporcionar aos gestores, pedagogos e professores formação continuada para a promoção do desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada para a questão do racismo de forma processual e inclusiva. Tudo isso na perspectiva da Lei 10.639/03, visando contribuir para os processos de gestão pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SEME), de forma que inclua formação de gestores, pedagogos, professores e demais funcionários da educação, com vistas à melhoria da educação das relações étnico-raciais e ao ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas da rede municipal de ensino de Cachoeiro de Itapemirim. Este estudo é relevante para o tema no eixo de formação do curso, pois, por ser um Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, amplia as formulações teóricas sobre a temática de inclusão do negro na sociedade brasileira pelo desenvolvimento de um trabalho na educação, fundamentado na Lei 10.639/03. Também contribui para impactar uma ressignificação na prática pedagógica das escolas do país, primando por uma educação de novas relações raciais que contribua para o respeito às diferenças existentes entre os sujeitos, valorizando-os em toda a sua diversidade e na construção de práticas educativas emancipatórias. A relevância desta dissertação na área do conhecimento se dá por ser um espaço de abertura para estudos, discussões, reflexões e avanços sobre diversidade efetivando no cotidiano escolar a inclusão do negro como agente histórico da sociedade brasileira. A relevância social desta pesquisa está também, no fato de que ela poderá contribuir para uma prática pedagógica inclusiva, rica e democrática dentro da grande heterogeneidade cultural do povo brasileiro, além de tornar possível desenvolver nos afrodescendentes um sentimento de elevação de autoestima e, de forma particular, estar contribuindo para a mudança na melhoria de um ensino voltado para diversidade na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo. 21 2 O RACISMO NO BRASIL E OS MOVIMENTOS DE LUTA ANTIRRACISMO O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois, ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas (Munanga). Neste capítulo, busca-se enfocar a relação da teoria que embasa esta pesquisa, que é voltada para educação, mediante a Lei 10.639/06 e as práticas de gestão e docência, pois a nossa sociedade possui uma diversidade cultural com o povo indígena, imigrantes asiáticos e negros. Além disso, o nosso sistema educacional brasileiro possui sua estrutura fundamentada na história europeia, não contemplando a pluralidade étnica e nem as características regionais que fazem parte dessa realidade educacional. Assim, é nesse contexto histórico, político, social, educacional e cultural que a população negra construiu e constrói ainda no Brasil a sua identidade. Percebe-se hoje que o enfoque nas relações étnico-raciais com estudos, discussões e pesquisa tem contribuído influenciando para a formação de uma identidade negra mais positiva. Daí a importância de se conhecer a história que une o Brasil e a África, o que é essencial para entender toda a trajetória dos negros desde sua vinda aprisionados e trazidos nos porões de navios para as Américas por mais de três séculos. Em 1888 foi assinada pela princesa Isabel a Lei Áurea, que visava à libertação dos escravos e à definição de seus direitos, o tempo passou, o negro ainda continua a sofrer racismo, discriminação e preconceito no Brasil, pois a História nos mostra que em 13 de maio foi abolida a escravidão, porém sem nenhum projeto de beneficio social para os negros e afrodescendentes. Sabe-se que a diversidade étnico-cultural está presente de uma forma muito forte na realidade brasileira por meio de diversas manifestações culturais, dentre elas a música, dança, penteados, roupas, culinária, mas precisamos 22 tratar essas questões étnico-raciais reconhecendo seus valores e valorizando identidades. Nessa perspectiva, temos a Lei 10.639/03, promulgada pelo Presidente da República em 9 de fevereiro de 2003 e regulamentada pelo Parecer homologado em 19 de maio de 2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais, trazendo direcionamentos de sua implementação. Essa lei hoje é um desafio para uma ação pedagógica centrada em um aporte teórico que ajude a pensar em políticas e práticas que busquem reverter o racismo, discriminações e preconceitos raciais e sociais construídos ao longo da história em nosso país. Esta legislação abre uma nova demanda no campo educacional brasileiro. Mais do que propor um reconhecimento da história da África, da releitura da história do Brasil, das relações raciais e do seu ensino, ela mobiliza uma dimensão delicada, ou seja, o reconhecimento da diferença afrodescendente e indígena com o claro propósito de reinterpretar e ressignificar a história e as relações étnico-raciais no Brasil por meio dos currículos da educação básica (LIMA et al, 2009, p. 13). 2. 1 Racismo: sua trajetória de luta, resistência e mudanças Estudar o processo de implantação de projetos no Ensino Fundamental que visam à superação do racismo requer a análise de alguns conceitos básicos, dentre eles raça, racismo, etnia, discriminação e preconceito. Para isso, focalizam-se autores como Gomes, Munanga e Souza, que oferecem contribuições mais próximas para o problema de investigação. A nossa sociedade é produto de um processo histórico que reuniu os povos portugueses, índios e negros onde cada um teve sua seu papel na formação do povo brasileiro. A história conta a importância dos negros, o regime de escravidão vivido por eles, o que constituiu um estigma que deixaram grandes marcas e raízes profundas do racismo com origem no regime escravocrata. Nessa perspectiva, podemos afirmar que existem os termos preconceito, discriminação e racismo. Os termos preconceito e discriminação, apesar de possuírem significados diferentes, convergem, porque o preconceito representa 23 um sentimento de julgamento de valor provisório ao que parece inferior ou diferente, portanto pode ser mudado. A discriminação já é a concretização do preconceito, a sua consequência; pressupõe uma impossibilidade de convivência entre os considerados diferentes, significa, na prática, a efetivação do preconceito ou racismo. 2.2 Discussões sobre raça e racismo Etnia, no interior das sociedades humanas, tem sido um termo usado para designar qualquer agregado de pessoas que possuem os mesmos ancestrais, crenças, valores, linguagem e que são identificadas como pertencentes a um grupo que compartilha traços sociais e culturais. Os autores Munanga e Gomes (2006) ressaltam a importância do tema quando se trata das concepções de raça e racismo. Eles afirmam que O racismo é um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo, formato de olhos, etc. Ele é resultado da crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira. Exemplo disso são as teorias raciais que serviram para justificar a escravidão no século XIX, a exclusão dos negros e a discriminação racial (MUNANGA & GOMES, 2006, p. 179). Entretanto, os cientistas afirmam que não existem claras subdivisões na única espécie humana, homo sapiens. Eles alegam que não existe raça humana, pois as diferenças da cor de pele entre os seres humanos são determinadas por fenótipos e não por genótipos. Somente estes caracterizariam raças diferentes entre os homo sapiens. Josué Laguardia afirma no seu texto que “As expectativas de que os achados do sequenciamento do genoma humano dariam fundamentação científica às classificações raciais não se confirmaram e os dados divulgados tornaram popular a idéia 24 de que a espécie humana é geneticamente homogênea quando comparada à maioria das outras espécies (LAGUARDIA, 2005, p. 14). Munanga (2003) afirma que o conceito de raça hoje não tem nada de biológico, pois está carregado de ideologia, escondendo a relação de poder e dominação. Assim, alguns biólogos sugeriram que o conceito de raça fosse banido dos dicionários e dos textos científicos, porém, ele persiste tanto no uso popular como em trabalhos e estudos produzidos na área das ciências sociais. Francisco Mauro Salzano, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em seu texto aborda que Grupos dominantes tendem a relacionar a sua posição social com a sua constituição biológica, podendo atribuir qualidades inferiores aos grupos dominados e biologicamente diversos. Não há nenhuma justificativa biológica para tal atitude. Ninguém provou, cientificamente que grupos como os asiáticos seriam superiores de maneira absoluta aos europeus ou africanos, por exemplo (SALZANO, 2007, p. 1). De acordo com a interpretação do Movimento Negro (MN) e de vários estudiosos do campo das relações raciais no Brasil, como Nilma Lino Gomes, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Kabengele Munanga, raça é entendida como uma construção social histórica, compreendida no seu sentido político como uma ressignificação do termo construído na luta política pela superação do racismo no Brasil, referindo-se ao reconhecimento de uma diferença, nos remetendo à ancestralidade negra e africana. Trata-se, portanto, de uma forma de classificação social construída nas relações sociais, culturais e políticas brasileiras. Tanto na sociologia como na antropologia não há mais espaço entre os seres humanos para a consideração de raça superior ou inferior, mas não se pode negar a existência do racismo em nossa sociedade. Segundo Azevedo (2004) [...] o racismo brasileiro é mais ou menos perverso do que aquele praticado em países nos quais as práticas racistas são abertas, visíveis e reguladas por lei. Centenas de estudos acadêmicos, denúncias e artigos na imprensa, escritos da militância negra e depoimentos de vítimas do racismo, não deixam dúvida sobre a perversidade do racismo praticado institucionalmente no Brasil. 25 Quanto a isso não haveria o que discutir entre aqueles que se pretendem parte das fileiras anti-racistas. (AZEVEDO, 2004, p.215) Munanga (2003) afirma que, de outro modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado grupo são consequências diretas de suas características físicas e biológicas. Com isso, quando se utiliza esse conceito no cotidiano, não se lhe atribuem os mesmos conteúdos e significados; daí a falta do consenso até na busca de soluções contra o racismo. Azevedo (2004) afirma que: [...] o racismo não deriva da raça, ou melhor, da existência objetiva da raça, seja em termos biológicos ou culturais. O racismo constituiu- se historicamente em diferentes contextos sociais do mundo moderno, sistematizando-se como uma prática discursiva, à medida que as teorias raciais científicas impuseram a noção de raça como verdade. É o racismo que cria a raça; ou dito de outro modo, é o racismo que opera o processo social e cultural de racialização. Esse processo de racialização das pessoas que compõem uma dada sociedade alcança pleno sucesso sobretudo quando conta com o apoio formal do Estado na construção de uma ordem racial explícita. (AZEVEDO, 2004, P.220) Considerando a amplitude e a profundidade de sua produção sobre o tema, o autor sugere que a partir dos anos 70 começa-se a mudança da concepção de racismo, devido aos avanços nas Ciências Biológicas. “[...] Temos nesse caso o uso popular do conceito de racismo, qualificando de racismo qualquer atitude ou comportamento de rejeição e de injustiça social” (MUNANGA, 2003, p. 10). Gomes (2005) apud Lopes (2008) afirma que “O racismo é uma ação motivada pela aversão às pessoas por suas características físicas ou culturais consideradas inferiores. Neste caso, pode ser individual ou institucional.” (LOPES, 2008, p.23) Com isso, raça em si, como conceito biológico, não é objeto de estudo das ciências sociais, mas estas, ao estudar as relações raciais, não podem prescindir do conceito de raça no científico ou no popular. O termo étnico, na 26 expressão étnico-racial, serve para marcar relações tensas das diferenças da cor da pele, traços físicos, raízes culturais, valores e princípios de um povo. Um desses embates teóricos se encontra na pertinência do conceito de raça ou etnia entre as diferentes descendências populacionais no país. Assim, afirmase que O conceito de raça é morfobiológico e o de etnia é sociocultural, histórico e psicológico. Um conjunto populacional dito raça “branca”, “negra” e “amarela”, pode conter no seu seio diversas etnias. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão, uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território (MUNANGA, 2003, p. 12). . Podemos afirmar que o próprio conceito de raça é uma construção social e histórica, produzida no interior das relações sociais e de poder, ao longo do processo histórico. Já o racismo, entre os seres humanos, foi surgindo e se consolidando aos poucos, caracterizando-se pelo tratamento diferenciado que alguns grupos manifestariam em relação aos outros pelo fato de atribuir uma relação determinista entre um grupo e suas supostas propriedades. Assim, O racismo é visto como um problema cultural, moral, de mentalidades, logo seu combate passa a ser caracterizado como uma intervenção educativa, pedagógica e, consequentemente, dar ênfase em intervenções no sistema escolar, visto como um dos espaços educativos por excelência, como um espaço pedagógico e cultural capaz de mudar imaginários, valores, culturas e condutas (ARROYO apud GOMES, 2007, p. 113). Esta pesquisa situa-se nas escolas de Educação Básica do município de Cachoeiro de Itapemirim – Espírito Santo, no fluxo dos estudos e reflexões sobre raça, racismo, discriminação e as relações étnico-raciais a partir dos conflitos das identidades dos afrodescendentes na sociedade brasileira, visando, por meio da Lei 10.639/03, identificar as ações para superação de práticas racistas nas escolas. De acordo com Azevedo (2004): 27 [...] a raça não passa de uma invenção de elites racistas, mas ela de fato existe em termos sociais e simbólicos; se quisermos libertarmonos do racismo, precisamos afirmar a raça, porém, com fins benéficos. Há ainda uma saída temporária para um tal imbróglio: melhor empregar a palavra etnia em lugar de raça; a raça já está por demais saturada de conotações biológico-racistas, etnia é mais cultural, menos naturalizada, embora saibamos que a raciologia nunca deixou de associar biologia e cultura ao definir as características de cada grupo racial. (AZEVEDO, 2004, p.217) Temos Gomes (2005) apud Lopes (2008) que afirma: O conceito de raça possui conotação política e isso significa negar a concepção biológica que hierarquizam as “raças”. O termo etnia representa os diferentes povos e suas culturas. A autora esclarece também que o termo étnico-racial para os intelectuais e militantes se refere às representações histórico-sociais e culturais dos negros no Brasil. Deste modo, a referência à raça está absolutamente desvinculada da questão genética, mas é compreendido como uma construção cultural. (LOPES, 2008, p.23) Nesse sentido, esta pesquisa situa-se nas escolas, no contexto das discussões sobre a construção de práticas educativas que visem à superação do racismo nas escolas, a partir de Lei 10.639/03. A discriminação é muito presente na sociedade e, de acordo com a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1996, a discriminação racial refere-se a qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências das pessoas, baseadas em raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica. Antonio Olimpio de Sant’Ana apud Munanga, afirma que: Preconceito é uma opinião preestabelecida, que é imposta pelo meio, época e educação. Ele regula as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao regular, ele permeia toda a sociedade, tornando-se uma espécie de mediador de todas as relações humanas. Ele pode ser definido, também, como uma indisposição, um julgamento prévio, negativo, que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos (SANT’ ANA, 2005, p. 62). Assim, pode-se dizer que discriminação e preconceito possuem significados diferentes, mas se convergem. Preconceito significa o julgamento na 28 pessoalidade, representa um sentimento de juízo provisório frente aos argumentos racionais, que pode ser modificado, e a discriminação não é abstrata, e sim uma ação na concretização do preconceito. Lopes (2008) aborda sobre o preconceito afirmando que: Desse modo, se ele é provisório, pode então ser modificado. Esse juízo confere valor ao que parece inferior ou simplesmente diferente. Por outro lado, a discriminação não é abstrata e sim uma ação na concretização do preconceito. É quando, por exemplo, há uma interferência, por mais sutil que seja na vida do outro, e desse modo, efetiva-se o desrespeito à diferença. A discriminação então é a consequência do preconceito. [...]A atitude discriminatória pressupõe uma impossibilidade de convivência entre diferentes,[...] (LOPES, 2008, p.22) 2.3 O racismo e as normativas internacionais e nacionais Existem normativas internacionais e nacionais que abordam o racismo. Segundo Roland & Santoro (2007), tem-se uma longa história de luta contra o racismo articulada por políticos, juristas e artistas. Os autores afirmam que o termo racismo expressa o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, podendo também ser atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. A discriminação é a distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivada por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou até mesmo por convicções políticas. Preconceito já é a expressão de opinião, de sentimento, favorável ou desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda a atitude, sentimento ou parecer insensato assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância. Desde 1945 que a comunidade internacional muniu-se de vários instrumentos para combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância 29 correlata. Somente na segunda metade do século XX, que poderia ser chamada “a era dos Direitos Humanos das Nações Unidas”, surgiram avanços que hoje podem ser considerados universais, para que a comunidade internacional valorize o respeito à dignidade humana. Vários documentos, como a Constituição Federal de 1988, a III Conferência Mundial contra o Racismo de 2001 em Durban na África do Sul, o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, destacam que o combate ao racismo e à discriminação racial. Este combate é uma preocupação relativamente recente dos governos no plano internacional, pois advém do período do pós-guerra, quando se formulou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua implementação nas Nações Unidas. Vale destacar que o artigo 1o da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. O artigo 4° diz que ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos, e o artigo 5° afirma que ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. (BRASIL, 1988) aborda que de acordo com o Artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal, a prática do racismo constitui crime inafiançável imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da lei. Porém a realidade social brasileira não acompanha o avanço do quadro jurídico, pois o racismo continua nos dias atuais, sendo uma prática comum. Temos hoje, diversos documentos que enfatizam a defesa contra a discriminação, racismo e preconceito. Dentre eles, destacam-se: 30 • Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, que defende um ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações. Nesse ideal, todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade devem se esforçar pelo ensino e pela educação, desenvolvendo respeito pelos direitos e liberdades, promovendo, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e sua aplicação de forma efetiva, tanto entre as populações dos próprios Estados membros, como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição; • Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em 1968, que se baseou nos princípios de dignidade e igualdade inerentes a todos os seres humanos. Nela, todos os Estados membros se comprometeram a tomar medidas separadas e conjuntas, em cooperação com a Organização, para a consecução de um dos propósitos das Nações Unidas: o de promover e de encorajar o respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos os cidadãos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião; • Declaração dos Direitos da Criança, que foi adotada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil, em que os povos das Nações Unidas reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, buscando promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla. Vale destacar que o Princípio 10 diz que a criança gozará de proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza; Isso demonstra que é necessário conscientizar a todos de todas as raças e religiões, para os prejuízos que o racismo causa ao Brasil. Lopes afirma que: Silenciar o racismo ou manter práticas discriminatórias institucionais em suas diversas formas e dimensões interfere negativamente na 31 vida de crianças e jovens. Sendo negros ou indígenas, a proporção é bem maior, por representarem maioria nas escolas. (LOPES, 2008, p.27) • Convenção n° 111 – sobre a discriminação em matéri a de emprego e profissão. As convenções internacionais n° 100 e n° 111 foram os primeiros dispositivos internacionais adotados pela Organização Internacional do Trabalho - OIT e pela Assembleia Geral da ONU em 1965, entrando em vigor em 1969, com o objetivo específico de promover a igualdade e eliminar a discriminação. No seu Artigo 1, declara que para os fins desta Convenção, o termo "discriminação" compreende: toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de 1 oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão. • Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, aprovada pela resolução 47/135 da Assembleia Geral da ONU de 18 de dezembro de 1992. Seus artigos contemplam: Artigo 1º 1. Os Estados protegerão a existência e a identidade nacional ou étnica, cultural, religiosa e linguística das minorias dentro de seus respectivos territórios e fomentarão condições para a promoção de identidade. 2. Os Estados adotarão medidas apropriadas, legislativas e de outros tipos, a fim de alcançar esses objetivos. Artigo 2º 1. As pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas (doravante denominadas “pessoas pertencentes a minorias”) terão direito a desfrutar de sua própria cultura, a professar e praticar sua própria religião, e a utilizar seu próprio idioma, em privado e em público, sem ingerência nem discriminação alguma. 2. As pessoas pertencentes a minorias têm o direito de participar efetivamente na vida cultural, religiosa, social, econômica e pública. 1 Disponível em: www.iidh.ed.cr Acesso em 18 abr. 2011. 32 • Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais – aprovada e proclamada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Paris em sua 20a reunião, em 27 de novembro de 1978. Diz em dois dos seus artigos: Artigo 1 1. Todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e direitos e todos formam parte integrante da humanidade. 2. Todos os indivíduos e os grupos têm o direito de serem diferentes, a se considerar e serem considerados como tais. Sem embargo, a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem em nenhum caso servir de pretexto aos preconceitos raciais; não podem legitimar nem um direito nem uma ação ou prática discriminatória, ou ainda não podem fundar a política do apartheid, que constitui a mais extrema forma do racismo. Artigo 2 1. Toda teoria que invoque uma superioridade ou uma inferioridade intrínseca de grupos raciais ou étnicos que dê a uns o direito de dominar ou de eliminar aos demais, presumidamente inferiores, ou que faça juízos de valor baseados na diferença racial, carece de fundamento científico e é contrária aos princípios morais étnicos da humanidade. 2. O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas nos preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade racial, assim como a falsa ideia de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis; manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentárias e práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos antissociais; cria obstáculos ao desenvolvimento de suas vítimas, perverte a quem o põe em prática, divide as nações em seu próprio seio, constitui um obstáculo para a cooperação internacional e cria tensões políticas entre os povos; é contrário aos princípios fundamentais ao direito internacional e, por conseguinte, perturba gravemente a paz e a segurança internacionais. 3. O preconceito racial historicamente vinculado às desigualdades de poder, que tende a se fortalecer por causa das diferenças econômicas e sociais entre os indivíduos e os grupos humanos e a justificar, ainda hoje essas desigualdades, está solenemente 2 desprovido de fundamento. • Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações para a Educação, Ciência e Cultura, na sua 11ª sessão, reunida em Paris, de 14 2 Disponível em: www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/.../dec78.htm. Acesso em18 abr. 2011. 33 de novembro a 15 de dezembro de 1960. Essa convenção afirma o princípio de não discriminação, proclamando o direito de todas as pessoas à educação, além de considerar que a discriminação no campo da educação constitui uma violação de direitos enunciados na referida Declaração. Também considera que, nos termos da sua Constituição, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura propõe estabelecer a cooperação entre as nações a fim de assegurar o respeito universal dos direitos humanos e igualdade de possibilidades de educação; • Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa – realizada na cidade de Durban, África do Sul, entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro de 2001. Representou um evento de suma importância nos esforços empreendidos pela comunidade internacional para combater e erradicar o racismo, a discriminação racial e a intolerância em todo o mundo. Grande parte do documento é dedicada a medidas de prevenção, educação e proteção em nível nacional. Existem Normativas Nacionais que enfatizam a questão do racismo no Brasil. Dentre elas, destacam-se: • A Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII, dispõe: XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da Lei. O artigo 7º, inciso XXX da Constituição Federal assegura aos trabalhadores em geral a proibição de ato discriminatório por motivo de cor. (BRASIL, 1988) • O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado pelo Senado Federal em 16 de junho de 2010 estabelece diretrizes para a implementação de políticas públicas de promoção da igualdade de direitos e oportunidades para o 34 enfrentamento do preconceito e discriminação racial que atingem a população negra. Ressalta-se que O inciso VI do Art. 1º estabelece que ações afirmativas são os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. O parágrafo único do Art. 4º estabelece que os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas públicas e privadas, durante o processo de formação social do País. E os vários incisos deste artigo dizem como se dará a participação da população negra, em condições de igualdade de oportunidades, na vida econômica, social, política e cultural do País: por meio, entre outros, da adoção de programas e políticas de ação afirmativa na educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamento públicos, acesso a terra, à justiça, e outros (Inciso VII); do estímulo e fortalecimento de iniciativas da sociedade civil, inclusive com prioridades no acesso a recursos públicos (Inciso VI). O Art. 15 diz explicitamente que o poder público adotará programa das ações afirmativas e é sabido que cotas são uma das modalidades 3 de ação afirmativa na educação. • O Plano Nacional de Direitos Humanos visa contribuir para a ampliação e a participação do Brasil no sistema global – da ONU, e regional – da Organização dos Estados Americanos (OEA), para a promoção e proteção dos direitos humanos, por meio da continuidade da política de adesão a pactos e convenções internacionais e de plena inserção do País no sistema interamericano. Enfatiza nos itens 119 a 124 a garantia do Direito à Igualdade: 119. Apoiar o funcionamento e a implementação das resoluções do Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD, no âmbito do Ministério da Justiça. 120. Estimular a divulgação e a aplicação da legislação antidiscriminatória, assim como a revogação de normas discriminatórias na legislação infraconstitucional. 3 Disponível em: blog.planalto.gov.br 35 121. Estimular a criação de canais de acesso direto e regular da população a informações e documentos governamentais, especialmente a dados sobre a tramitação de investigações e processos legais relativos a casos de violação de direitos humanos. 122. Apoiar a adoção, pelo poder público e pela iniciativa privada, de políticas de ação afirmativa como forma de combater a desigualdade. 123. Promover estudos para alteração da Lei de Licitações Públicas de modo a possibilitar que, uma vez esgotados todos os procedimentos licitatórios, configurando-se empate, o critério de desempate – hoje definido por sorteio – seja substituído pelo critério de adoção, por parte dos licitantes, de políticas de ação afirmativa em favor de grupos discriminados. 124. Apoiar a inclusão nos currículos escolares de informações sobre o problema da discriminação na sociedade brasileira e sobre o direito de todos os grupos e indivíduos a um tratamento igualitário perante a 4 lei. • Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): foi criado em 13 de julho de 1990, instituiu-se como Lei Federal nº 8.069, obedecendo ao artigo 227 da Constituição Federal, adotando a chamada Doutrina da Proteção Integral. Afirma que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral. Ele possui 267 artigos, que garantem os direitos e deveres de cidadania das crianças e adolescentes, além de determinar a responsabilidade da família, do Estado e da comunidade. Dos artigos destacamos: Art. 5° - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 58 - No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o 5 acesso às fontes de cultura. Percebe-se que a Constituição demonstra reconhecer a existência do racismo, e a discriminação para com a criança e adolescente ainda persiste, pois temos muitos deles em situação de abandono nas ruas e albergues, além de sofrerem 4 5 Disponível em: http://portal.mj.gov.br. Acesso em 21 abr. 2011. Disponível em: http://www.amperj.org.br/store/legislacao/codigos/eca_L8069.pdf. Aceso em 21 abr. 2011. 36 problemas de discriminação no ambiente escolar. As políticas públicas, porém, ainda não se desdobraram em ação, em transformação da situação de desamparo social, cultural e violências a que essas crianças ainda são submetidas. A escola muitas vezes desconhece as discriminações que ocorrem em seu contexto escolar e acaba permitindo que a diversidade e a questão étnico-racial sejam motivo de preconceitos e violências. Compete à escola reconhecer, valorizar e perceber a diversidade, a pluralidade cultural existente em seu contexto para desenvolver um trabalho de formação do ser humano, baseado na sua herança cultural e nas diferentes temáticas visando garantir o acesso ao conhecimento das culturas produzidas historicamente, sendo assim espaço para discussão sobre a diversidade cultural, racial, social e econômica, local e do Brasil, buscando usufruir do enriquecimento dos grupos sociais que a constitui. 2.4 O movimento negro (MN) A história nos conta que desde o século XVI os negros, ao serem trazidos para o Brasil, são vítimas de discriminação. Segundo Freyre (2006, P.391), “O Brasil não se limitou a recolher da África a lama de gente preta que lhe fecundou os canaviais e os cafezais” com um discurso fascista de superioridade de raça. No entanto, eles já reagiam e lutavam por seus direitos de diversas maneiras, dentre elas a capoeira6 na senzala7, que servia como defesa nas lutas contra os Capitães do Mato.8 Além disso, formavam quilombos9, que eram comunidades com sua própria organização social, que mantinham redes de alianças com outros grupos da sociedade da época. O maior dos símbolos de resistência da luta negra pela liberdade foi o Quilombo dos Palmares, que resistiu por mais de sessenta anos, 6 Técnica corporal de ataque e defesa, desenvolvida no Brasil a partir de fundamentos introduzidos por escravos bantos. 7 Alojamento de escravos em engenhos e fazendas brasileiros. 8 Indivíduo empregado pelos senhores rurais com o propósito de capturar a laço ou a tiro escravos fugitivos. 9 Grupos de escravos fugitivos que se abrigavam geralmente em locais longínquos de difícil acesso e viviam segundo padrões africanos de organização social. 37 chegando a uma população de 20.000 habitantes, localizado na Serra da Barriga, divisa do estado de Alagoas com Pernambuco. Seu líder era Ganga Zumba, tio de Zumbi, que em 1678 aceitou do Governo de Pernambuco um acordo de paz que não era favorável aos quilombolas, ocorrendo assim, uma rebelião liderada por Zumbi, e este ficou governando por 15 anos o quilombo. Em 20 de novembro de 1695, os bandeirantes Domingos Jorge velho e Bernardo Vieira Melo mataram Zumbi em uma emboscada. A sua derrota não acabou com as lutas e resistências dos negros: apesar de o quilombo ter se desfeito, muitos negros conseguiram fugir pelo sertão e firmaram novas comunidades. É o quilombo mais famoso da história brasileira. Aguiar & Araujo (2010) nos mostram o espírito combativo e a luta dos negros para serem tratados com dignidade: Um dos grandes exemplos [...] é a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910 e que teve como líder João Cândido Felisberto, negro e marinheiro. As condições de trabalho dos marujos brasileiros no início do século XX traduziam a permanência da mentalidade colonial escravista junto à elite brasileira [...] Os marujos, na sua esmagadora maioria negros e mulatos [...] Os castigos corporais eram alvo das críticas dos marujos brasileiros, que também não tinham nenhuma perspectiva de progressão na carreira, já que o oficialato continuava nas mãos da elite. O movimento deflagrado por João Cândido e seus companheiros em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro, modificou a marinha brasileira. A partir daí as chibatadas foram abolidas, assim como outros castigos físicos. O salário foi melhorado e se instituiu a preparação e educação para os marinheiros [...] A organização, a mobilização e a resistência de João Cândido marcaram uma das primeiras entidades, se não a primeira, do Movimento Negro Brasileiro: a Frente Negra Brasileira [...] carrega marcas do seu tempo em sua organização e pauta de reivindicação (AGUIAR & ARAUJO, 2010, p. 3-5). A Constituição de 1988 reconheceu o direito dos remanescentes quilombolas às terras que habitam, com direito ao título de propriedade. Além disso, os artigos 215 e 216 trazem menção ao direito de preservação e manifestação cultural. O MN é um movimento de grande importância em virtude de suas lutas e conquistas relacionadas às questões raciais. Primeiramente tivemos a Frente Negra Brasileira - FNB, criada em 16 de setembro de 1931 em São Paulo, 38 cujas principais reivindicações eram educação, assistência social, saúde, aquisição de bens e inserção social. Em 1936 transformou-se em partido político e foi cassado pelo Estado Novo. De acordo com Aguiar & Araujo (2010), em 1944 surgiu no processo de democratização política pós-Estado Novo, o Teatro Experimental Negro (TEN), fundado por Solano Trindade, com atividades educacionais como escola de alfabetização e educação de jovens e adultos. Além de buscar ampliar as condições de acesso dos negros ao mercado de trabalho e às artes, buscava resgatar a cultura africana, com a fundação do jornal “Quilombo”, que envolvia intelectuais negros e brancos, nacionais e internacionais, buscando também a formação de novas lideranças. Como os outros movimentos sociais, o MN, também durante o período de ditadura militar, não pôde se organizar e não teve espaço. Na década de 70 retornou à militância de combate ao preconceito e racismo diante das desigualdades raciais e sociais enfrentadas pelos negros no Brasil e denunciava um país racista, com o objetivo de combater o mito da democracia racial. No Brasil nega-se ou redimensiona-se a importância e centralidade do racismo. Há uma crença que somos uma democracia racial, onde afirmam que o período da escravidão não foi um período tão ruim, pois os senhores de escravos eram bons, afirmavam que os negros aceitavam de forma pacífica sua situação e que reinava certa harmonia entre os senhores da casa grande e com o povo negro da senzala. Conforme Pereira (2002), o Movimento Negro Unificado (MNU) contribuiu muito na busca do desenvolvimento da identidade do negro porque possui um papel destacado no processo de uma identidade positiva do negro e da sua conscientização política na vida nacional, pois este visa unir, moral e politicamente a população afrodescendente. 39 O MNU surgiu em 07-07-78, em frente ao Teatro Municipal em São Paulo e, em dezembro de 1979, aconteceu na cidade do Rio de Janeiro o seu 1º Congresso no Brasil, que buscou trabalhar para colocar o problema da discriminação racial em todos os âmbitos sociais e políticos. Tudo isso, por meio de partidos políticos, associação de moradores, sindicatos, grupos religiosos, grupos de mulheres e jovens, o que contribuiu para reivindicação das políticas públicas de Ações Afirmativas e de lutas pela promoção da igualdade racial em nosso país. Esse movimento foi e continua sendo em vários estados a força política do atual Movimento Negro Brasileiro, trabalhando sempre pela não discriminação racial nos âmbitos políticos e sociais. Visa também fomentar um processo de constituição da identidade do negro no país, enfrentando muitas lutas junto às outras categorias sociais e à representação governamental, realizando ações que foram determinantes para as conquistas de mudanças no cenário. Destaca-se, dentre elas, o reconhecimento do racismo no Brasil pelo governo, a criação da Secretaria Especial do Negro, além da criação em muitos estados de conselhos estaduais, de coordenadoria do negro e outros órgãos. Sobre ele, nos diz Munanga: O debate demonstrou que somos uma sociedade democrática porque uma questão social, como a racial, não é fácil de obter consenso, sempre vai ter ponto de vista e opiniões diferentes, unanimemente nunca vai acontecer [...] nunca vi tantos pesquisadores brancos com argumentos tão preparados, tão fortes em defesas das mudanças e em favor das políticas de ações afirmativas. Houve época que estas questões pareciam ser apenas de responsabilidades dos negros e do Movimento Negro, dos intelectuais negros engajados [...] (MUNANGA apud RIBEIRO, 2003, p. 6). O MN promove discussões, lutas e reivindicações por meio de mobilizações que impulsionam avanços em direção à redução das desigualdades sociais e do racismo. Ele realizou, assim, muitas propostas que fizeram com que o Estado instituísse medidas de reparação aos danos que o regime escravista, 40 as políticas de branqueamento da população e as exclusões oficiais do período pós-abolição provocaram aos negros e seus descendentes. Para o MN, a educação é um dos seus mais importantes eixos de luta, pois vem através de sua longa trajetória denunciando as dificuldades educacionais pelas quais passam os negros no Brasil, destacando o problema de acesso, permanência e conteúdo ministrado nas escolas. 41 3 A DISCUSSÃO SOBRE A QUESTÃO RACIAL: NA LEI E NA EDUCAÇÃO “[...] não é um problema dos negros no Brasil, mas sim um problema do Brasil, que é dos negros, brancos e outros mais.” (Autor desconhecido). A história social do negro no Brasil inicia-se com sua vinda para servir de mão de obra barata. Ainda em sua terra natal, os negros foram aprisionados, marcados com ferro em brasa para serem identificados pelos seus senhores e posteriormente aportados para o Brasil, acorrentados para evitar revoltas e conflitos, como mercadoria em porões de navios. Aqui, como nos mostra Siqueira (2002), os negros, na sua maioria, não tinham oportunidades de se preparem para uma vida de liberdade e digna, pois Durante a vigência do sistema colonial escravista, os africanos no Brasil tinham proibições formais, que lhes impediam de ter liberdade e de se preparem para os sistemas nos quais deveriam viver na pósabolição. Essas proibições geravam doenças, mortes, banzos, desde os navios negreiros, e, a partir daí, já acenavam para um futuro sem liberdade e sem perspectiva de uma vida sem dignidade. Foi assim que, no final da escravidão, os africanos foram atirados a sua própria sorte – obrigados a viver livres num país onde foram escravos e que os tornou livres sem nenhuma providência para serem trabalhadores assalariados (SIQUEIRA, 2002, p. 78). Nos diversos momentos do processo histórico, eles foram instrumentos de trabalho e de renda na cultura canavieira, na extração aurífera, no cultivo de café e no desenvolvimento da pecuária para setores dominantes da sociedade brasileira, além de serem considerados seres inferiores, como nos mostra Cury (2008): Nossa Constituição Imperial de 1824, no capítulo das "Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros", reconhece, no art. 179, XXXII, como direito dos mesmos "a instrução primária gratuita". Ora, o art. 6º da mesma Constituição, ao definir o para quem dessa cidadania, tem como "cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos". Ora, os ingênuos são os que nasceram livres e filhos de pais livres. São os livres e naturais do país, são cidadãos ex generatione e ex jus soli. Já os libertos são aqueles alforriados que, libertando-se da escravidão, recuperaram a sua condição de homens livres. Assim, por oposição, a Constituição 42 Imperial não reconhece os escravos como cidadãos. Desse modo, o estatuto da escravatura, tacitamente acolhido, tem, por abjeto que seja, o outro como objeto, propriedade, mercadoria (CURY, 2008, p. 5). Percebe-se assim que os negros escravos, por não serem considerados cidadãos, não tinham acesso à instrução primária, lutavam contra as diversas dificuldades que enfrentavam, como os castigos corporais, as torturas, assenzalados entre pessoas de diversas etnias, línguas, costumes e tradições e não aceitavam as condições subumanas a que eram submetidos. No Brasil, mesmo com a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea, os negros não foram tratados com dignidade, não foram contemplados com políticas governamentais e não tiveram apoio econômico. O Brasil foi o último país a abolir formalmente o trabalho escravo, hoje é o segundo contingente de população negra do mundo, onde quase metade da população possui ascendência africana, ficando atrás somente da Nigéria. A partir da Abolição e com a Proclamação da República, o negro inicia sua luta por reconhecimento de sua cidadania, para se fazer representar e inserir-se na nova sociedade. A 15 de novembro de 1889, o negro, ex-escravizado, torna-se cidadão como os demais membros da sociedade, mas inicia-se uma maneira de manter o tratamento desigual. Se antes exercia-se a violência física explicita, esta já não poderia ser mantida, então, utiliza-se a linguagem, a mentalidade, o imaginário, a ideologia para criar palavras, imagens, formas e teorias que desprestigiam o negro, perpetuando e reforçando o discurso anterior de inferioridade (CORENZA & PEREIRA, s/d). A abolição não lhes deu uma liberdade efetiva, pois não tinham profissão nem instrução. Por muitos anos não tiveram condições de lutar pelos seus direitos, mantendo-se, na maioria das vezes, nos limites da senzala, jogados à terrível miséria em casebres. Sabemos que a grande parte da população afro-brasileira vive em péssimas condições socioeconômicas, herdadas do período da escravidão, pois a abolição não oportunizou a inserção dos negros na sociedade com direito à educação, trabalho, saúde, por exemplo. Os brancos sempre foram majoritários no total da população brasileira. O Censo Demográfico de 2010 mostrou, porém, que, naquele ano, a população negra superou a branca. Foram 43 encontrados 97 milhões de pessoas que se declararam negras, ou seja, pretas ou pardas, e 91 milhões de pessoas brancas (IPEA, 2011, p. 17). No Brasil, o negro encontra dificuldade para permanecer e ter sucesso no processo de formação que lhe possibilite ter acesso ao conhecimento historicamente produzido, com vistas a garantir-lhe condições para enfrentar a realidade e buscar meios de superar a visão preconceituosa presente na sociedade. Várias medidas foram tomadas para reprimi-los, até a proibição de manifestações culturais. Assim, mantiveram-se presos a uma sociedade branca que detinha todo o poder e ainda manifestava grande discriminação e preconceito, uma vez que ela constitui o imaginário social que valoriza o branco em todos os seus aspectos. O imaginário social brasileiro é marcado por uma forte presença da ancestralidade africana, que reelabora e se reconstrói com base na herança legada pelos primeiros descendentes da África negra, que aqui desembarcaram no âmbito do sistema colonial escravista, entre os séculos XIV e XIX (SIQUEIRA, 2002, p. 75). Além disso, havia as políticas eugenistas de branqueamento no currículo escolar, que era formulada enaltecendo as características dos povos europeus, não considerando as contribuições dos demais povos, inclusive dos africanos, na formação da história e de cultura. Os europeus chegaram ao Brasil com as leis pós-abolição, atuando no trabalho assalariado e para tornar o país branco. Como mostra Siqueira, “[...] previsto na Teoria de Branqueamento, que se complementava com o mito da democracia racial” (SIQUEIRA, 2002, p. 79). Fundamentando-se em Silva Jr. (2002), pode-se dizer que discriminação é um comportamento em que o indivíduo despreza um grupo, tratando-o mal, julgando-o como um ser menor que os outros, excluindo-o. O preconceito, por sua vez, é uma atitude composta por ideias criadas sem fundamentos, num leque de emoções, levando a comportamentos hostis. De modo geral, o atual povo brasileiro é proveniente de quatro continentes: América, Europa, África e Ásia. Eles trouxeram em suas bagagens e memórias coletivas elementos representativos dessas culturas. É por isso que o Brasil, como país e como povo, oferece o melhor exemplo de encontro de cultura e civilizações. Por essa razão, 44 aprender a conhecer o Brasil é aprender a conhecer a história e cultura de cada um desses componentes (MUNANGA & GOMES, 2006, contracapa). Daí, a necessidade de reconhecer, valorizar e perceber a diversidade, a pluralidade cultural existente, o que nos permite compreender melhor o contexto de formação do ser humano na sua herança cultural e nas diferentes temáticas que devem ser incorporadas pela prática pedagógica da escola. 3.1 As mudanças na questão racial na lei e na educação Com todas as dificuldades enfrentadas, negros e brancos, conscientes e solidários em diminuir as desigualdades raciais, buscaram lutar desde a escravidão por seus direitos e por sua dignidade. As mudanças começaram ocorrer de forma muito lenta. De 3 de julho de1951 até 1988, a lei antidiscriminatória, Lei nº 1.390, denominada “Lei Afonso Arinos”, considerava as manifestações de racismo contravenção penal. Hoje, é crime inafiançável. Nessa perspectiva, Gomes (2007) ressalta que É nesse contexto histórico, político, social e cultural que os negros e os negros brasileiros constroem suas identidades e, dentre elas, a identidade negra. Como toda identidade, a identidade negra é uma construção pessoal e social e é elaborada individual e socialmente de forma diversa. No caso brasileiro, essa tarefa torna-se ainda mais complexa, pois se realiza na articulação entre classe, gênero e raça no contexto da ambiguidade do racismo brasileiro e da crescente desigualdade social. É importante lembrar que a identidade construída pelos negros brasileiros (pretos e pardos) se dá não apenas por oposição ao branco, mas também pela negociação, pelo conflito e pelo diálogo com este e outros grupos étnico-raciais (GOMES, 2007, p. 98). Pode-se afirmar que o mito da democracia racial vem sendo difundido e até defendido por uma parcela da sociedade, falseando a ideia de que somos um país que tem assegurado os mesmos direitos a brancos e negros: perante a lei os direitos são iguais, mas no dia a dia há muitas situações de privação e negação desses direitos. 45 Após a abolição da escravidão, uma aparente integração interétnica e inter-racial sustentou por muito tempo a ideia de uma democracia racial brasileira, o que dificultou a percepção das práticas racistas no cotidiano e camuflou as condições perversas de desigualdades às quais os negros e mestiços estiveram, e ainda estão submetidos (BOTELHO, 2010, p. 5). A discriminação tem sido promovida e reforçada no sistema educacional de diversas maneiras, pois as condições pedagógicas da escola pública têm sido fatores que fazem com que o próprio educador, sem perceber, vá reproduzindo e reforçando a discriminação e o preconceito, pois, se a Lei 10.639/03 existe, o professor não possui condições pedagógicas de aplicá-la. Segundo a UNICEF (2008, p.5) Essas crianças e adolescentes ainda vivem em contextos de desigualdades. São vítimas do racismo nas escolas, nas ruas, nos hospitais ou aldeias e, às vezes, dentro de suas famílias. Deparam-se constantemente com situações de discriminação, de preconceito ou segregação. Uma simples palavra, um gesto ou um olhar menos atencioso pode gerar um sentimento de inferioridade, em que a criança tende, de forma inconsciente ou não, a desvalorizar e negar suas tradições, sua identidade e costumes (UNICEF, 2010, p. 5). Assim, falar sobre preconceito racial no Brasil, seja nas escolas ou em qualquer outro segmento da sociedade, causa constrangimento e tensões. Estudo na CONAE afirma que A produção social, cultural e histórica das diferenças não é problemática em si. A questão é que, no contexto das relações de poder, os grupos humanos não só classificam as diferenças como, também, hierarquizam-nas, colocam-nas em escalas de valor e, nesse processo, subalternizam uns em relação a outros. Quando os vínculos sociais se quebram, devidos a processos autoritários, ao uso da força e à colonização, o poder se exacerba, a ponto de um grupo (PAIS?, nação, etnia, etc.) excluir, discriminar e segregar o outro, devido a suas diferenças. Nesse processo, as diferenças são transformadas em desigualdade (CONAE, 2010, p. 128). Na escola, a discussão sobre o racismo deve ir além da denúncia e partir para estudos, pesquisas, apresentações de propostas de formação enfocando a escola, porque a questão do negro na educação é um problema social grave em nossa sociedade, na qual está presente a desigualdade social vivenciada por esse povo. 46 Sabe-se que o nosso sistema educacional possui práticas racistas que têm contribuído com o racismo, preconceito, discriminação e com atitudes discriminatórias com os alunos negros. Como por exemplo, as músicas folclóricas, piadas, lendas, dentre outras. Lopes (2008) aborda que: [...] ao pesquisar tal tema na cidade de São Paulo no século XX, identifica diversos elementos simbólicos preconceituosos presentes na tradição oral - lendas, canções, rimas. Alguns exemplos desta representação levam à compreensão da construção ideológica negativista. O tipo físico aparece como legado desta representação de inferioridade: Deus quando fez o negro Começou no calcanhar, Quando chegou ao nariz, Deu o diabo para acabar, O diabo tinha preguiça, Não queria trabalhar: Deu um soco no nariz E o acabou de esborrachar. A ideologia neste quadro de inferiorização do índio e do negro impregnou a sociedade com imagens deturpadas sobre os mesmos. Ser um país miscigenado retirava o “peso” de ser um país constituído de uma maioria de negros e índios. Em tal contexto, ser mestiço “aliviaria” tal sina. (LOPES, 2008, p.44) O MN se interessa pela situação do racismo na escola, visando atingir uma proposta mais ampla de alteração no currículo, porque o racismo causa impactos negativos do ponto de vista psicológico e social na vida de todo e qualquer ser humano. Essa é uma forma de violação de direitos, condenável em todos os países, sendo que no Brasil é considerado crime inafiançável. Em virtude da grande expressão da militância do MN junto ao governo, inúmeras vitórias foram alcançadas, dentre elas a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR e a promulgação da Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio. Além disso, a Lei estabelece ainda que se inclua no calendário escolar o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. 47 A importância de tudo isso é proporcionar a abertura de um espaço que possibilite o debate, a discussão, a formação de uma consciência antirracista, a discussão das políticas afirmativas para, a partir desse processo, abrirem-se espaços de inclusão valorizando o negro como agente histórico da sociedade e a criação de políticas públicas para beneficiar esses grupos historicamente excluídos. Nesse sentido, é importante lembrar que o MN vem, ao longo dos anos, reivindicando revisão do currículo escolar nos diversos níveis de ensino formal. A ausência da História Africana é uma das lacunas de grande importância nos sistemas educacionais brasileiros. Esta ausência tem quatro consequências sobre a população brasileira. Tomando o ambiente brasileiro como de exclusões de criação de credos sobre a inferioridade do negro, do africano e dos afrodescendentes. Desta forma a ausência de uma história Africana, em primeiro lugar, retira a oportunidade dos Afrodescendentes em construírem uma identidade positiva sobre as nossas origens. Segundo, a ausência abre espaço para hipóteses preconceituosas, desinformadas ou racistas sobre as nossas origens, criando assim terreno fértil para produção e difusão de ideias erradas e racistas sobre as origens da população negra (CUNHA JR, 2008, p. 1). Assim, a Lei 10.639/03 veio ao encontro dos anseios do MN para ressignificar a história do povo negro no Brasil, servindo de estratégia para mudança do autoconceito, devendo as escolas criar mecanismos para que essa lei seja cumprida. O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aborda: Assim, os preceitos enunciados na nova legislação trouxeram para o Ministério da Educação o desafio de constituir parceria com os sistemas de ensino, para todos os níveis, uma educação para as Relações Étnico-Raciais, orientada para divulgação e produção de conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns, que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira [...] (BRASIL, 2009, p10 -11). 48 Vale destacar que o Parecer CNE 03/2004 vem detalhando os deveres e direitos dos sistemas educacionais e das demais instituições para realizar ações de implementação da lei. Importante ressaltar que tanto o Parecer 03 quanto a resolução 01 avançaram sobre os vetos sofridos pela Lei no Congresso. Diferentemente do que muitos pensam, a lei não se resume ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O Parecer estabelece a temática da Educação das Relações Étnico-Raciais, a qual deve ser adotada como constituinte do cotidiano escolar. Mais uma vez, a pauta da comunidade negra traz benefícios para toda a população brasileira quando busca combater toda forma de discriminação seja ela racial, de gênero, de opção sexual ou de deficiência física. Combater a discriminação no cotidiano escolar não é tarefa apenas dos professores de História, Educação Artística e Português, como profere a Lei, mas é obrigação de todo cidadão que faz da escola seu espaço de atuação (AGUIAR & ARAUJO, 2010, p. 12-13). Daí acredita-se ser necessário construir uma prática pedagógica que destaque o negro como sujeito ativo na construção da sociedade. Esse é um dos grandes desafios que temos enfrentado. Nota-se que tanto a escola como a mídia apresentam a África somente como berço de escravos brasileiros, continente de guerras tribais. Assim, será importante valorizar a cultura afro-brasileira como uma cultura inter-racial formada por inúmeros grupos em que se devem manter vivas suas manifestações culturais e o fortalecimento de sua identidade étnica. Para avançar na discussão, é importante compreender que a luta pelo reconhecimento e o direito à diversidade não se opõe à luta pela superação das desigualdades sociais. Pelo contrário, ela coloca em questão a forma desigual pela qual as diferenças vêm sendo historicamente tratadas na sociedade, na escola e nas polícias públicas em geral. Essa luta alerta, ainda, para o fato de que, ao desconhecer a diversidade, pode-se incorrer no erro de tratar as diferenças de forma discriminatória, aumentando ainda mais a desigualdade, que se propaga via a conjugação de relações assimétricas de classe, étnico-raciais, gênero, diversidade religiosa, idade [...] (CONAE, 2010, p. 128). Nos dias atuais, porém, a subalternização dos saberes produzidos pela comunidade negra, a presença de estereótipos raciais nos manuais didáticos, a estigmatização do negro, os apelidos pejorativos e a versão pedagógica do 49 mito da democracia social são situações que precisam ser trabalhadas nas escolas, para que possam ser superadas, devido ao fato de ser parte do compromisso social e pedagógico da escola no combate ao racismo e à discriminação racial, mas também por força da lei, pois a maioria da população negra brasileira apresenta desqualificação de sua condição humana, como baixa autoestima, condições de moradia precárias, bem como piores condições de atendimento na saúde, trabalho e educação, além de sofrer piadas e deboches. Lopes (2008) enfatiza que: Vê-se por estes poucos exemplos, o quanto o discurso ideológico atrelado à linguagem, à cultura e às tradições, acaba por legitimar o “lugar” destinado a tais grupos étnicos. Acrescenta-se a este conjunto uma canção carnavalesca de Lamartine Babo: “O seu cabelo não nega mulata, porque é mulata na cor. Mas como a cor não pega mulata, mulata eu quero o seu amor”. Os sentidos aferidos à mulher negra neste texto demonstram uma negação às diferenciações inerentes à raça/etnia. Ainda hoje é possível verificar muitos destes materiais sendo utilizados nas próprias escolas, sem uma análise dos elementos presentes nos textos. Algumas canções folclóricas como “Dança neguinha, eu não sei dançar, pega no chicote que ela dança já”. Brincadeiras como “Boca da nega” também fazem parte destas representações raciais. Além deste imaginário racial outras formas de violências são constatadas na história da infância no Brasil.(LOPES, 2008, p.45) Essa situação revela mais um aspecto da Lei 10.639/03 no que tange à ambiguidade do racismo brasileiro e sua expressão na educação. A Lei dá autonomia às escolas para planejar os projetos e trabalhos de forma que abranjam os temas a serem tratados na sala de aula, por outro lado, as escolas convivem simultaneamente com diversas culturas. Logo, o papel do ensino consiste em organizar, facilitar e, sobretudo, promover reflexões relativas a práticas pedagógicas no sistema educacional municipal, na escola, nas salas de aula e no processo ensino-aprendizagem acerca dessa temática, visando educar para uma sociedade multirracial, pois, como afirma Amâncio (2008, p. 153-154) A Lei 10.639/03 e suas respectivas diretrizes curriculares nacionais trazem em si uma concepção emancipatória de conhecimento. Nelas está contida a ideia de que conhecer e compreender a história e a cultura africana e afro-brasileira é mais um passo no processo de 50 libertação do racismo ambíguo ainda impregnado no imaginário e nas práticas sociais e pedagógicas. A ignorância tem sido ao longo da história da humanidade um campo fértil para a propagação de preconceitos. Dessa forma, a ignorância sobre a trajetória de ação, luta, resistência, efervescência cultural e política da comunidade negra brasileira têm sido empecilhos para a construção de uma educação antirracista e que caminhe na perspectiva da diversidade Assim, devem-se criar condições, promover espaços de discussão e estudos para que se efetive um trabalho comprometido com a verdadeira implementação da Lei 10.639/03 em todas as escolas. Esta pesquisa verificou como foi esse processo na Rede Municipal de Ensino no Município de Cachoeiro de Itapemirim (ES). Segundo Aguiar & Moreira (2010), a Lei 10.639/03 é um importante instrumento de valorização do negro, de sua história e cultura, porém seu cumprimento depende das três esferas: federal, estadual e municipal, de forma a implementar mudanças nos currículos escolares, bem como na capacitação de professores. Essa lei abre caminhos para os afrodescendentes, pois incentiva o estabelecimento de políticas de ações afirmativas para incluir positivamente a população negra na nossa sociedade. Mas o fato de a lei existir não garante sua implementação. Isso vai depender do comprometimento dos envolvidos no processo. De acordo com Nascimento (2003), essa lei traz a possibilidade de novos ensinos e conteúdos, de novas metodologias e de novo objeto de estudo, contemplando o papel social da desconstrução de práticas raciais e preconceituosas. Já Aguiar e Moreira (2010) nos dizem que É lutando por políticas de inclusão que o negro vem conquistando seu espaço na sociedade. No Brasil, muito já foi alcançado na conquista de espaços privilegiados de poder, onde o negro não tinha acesso ou ocupava papéis secundários, como nas altas cortes judiciais, nas 51 universidades públicas e nas telas de televisão e cinema. Uma realidade que vem mudando aos poucos, e com ela a nossa compreensão sobre democracia e sobre a variedade de instrumentos que devem ser mobilizados na construção de maior justiça social (AGUIAR & MOREIRA, 2010, p. 13-14). Nesse contexto, é muito importante a promoção de espaços de pesquisa, análise, reflexões e estudos sobre essa temática, na perspectiva de se desenvolverem estratégias pedagógicas de práticas antirracistas. Em relação às possibilidades de inclusão dos conteúdos previstos na Lei 10.639/03, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 205, define a educação como um direito social de todos, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e bases da Educação (LDBEN) 9394/96 no Art. 26 afirma que os currículos devem, além de ter uma base nacional comum, ser complementados por uma parte diversificada, exigida de acordo com as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. E no seu parágrafo 4º, afirma que o ensino da História do Brasil deverá levar em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, em especial das matrizes indígena, africana e europeia. O Plano Nacional de Educação (PNE), dentro dos seus objetivos e metas, destaca a inclusão de temas específicos da história, da cultura, dos conhecimentos, das manifestações artísticas e religiosas do segmento afrobrasileiro das sociedades na formação de professores. Temos também os Parâmetros Curriculares nacionais (PCNs), que são um documento nacional que contribui como eixo norteador da proposta curricular das escolas, para que elas formulem seu projeto educacional envolvendo toda a equipe e primando pela melhoria da qualidade da educação, com a corresponsabilidade de todos os educadores. Eles servem também para subsidiar a elaboração ou a revisão curricular da educação nos estados e municípios, mantendo diálogo com as propostas e experiências já neles existentes. Também apresentam em seu bojo os Temas Transversais, que possuem papel importante dentro do currículo. Um deles é a Pluralidade 52 Cultural, que enfatiza a importância de se abordarem nas disciplinas as diversas heranças culturais da população brasileira, oportunizando informações que podem contribuir para a formação de novas mentalidades para se trabalhar a superação de todas as formas de discriminação e exclusão, fazendo dessa característica um fator de enriquecimento cultural e de respeito às diversidades. Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada não só por diferentes etnias, como também por imigrantes de diferentes países. Além disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileiras têm características culturais bastante diversas e que a convivência entre grupos diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e pela discriminação. O grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade (BRASIL, 1998, p. 117). Nessa perspectiva, a Lei 10.639/03 se configura como uma política educacional do Estado em complementação à Constituição Federal. A Lei n. 10.639/2003, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, significou a concretização da pauta histórica de reivindicação do movimento negro para a educação brasileira. É claro que todo o racismo dos congressistas brasileiros fez com que o texto da Lei tivesse vetos que, de alguma maneira, tentavam diminuir a revolução proposta na escola brasileira. A proposta maior da Lei de Diretrizes e Base 9394/1996 (LDB) em seus artigos 26-A e 79-B, é combater o racismo na educação brasileira, oferecendo novos parâmetros científicos e culturais de interpretação da realidade nacional, propondo assim uma verdadeira escola multicultural (AGUIAR & ARAUJO, 2010, p. 10). É um trabalho que, embora complexo, dá oportunidade de se abordar de perto a realidade de vida de professores, gestores e alunos que ali ensinam e aprendem, pela grande oportunidade de conhecer as histórias de dignidade, de conquista, de criação e de culturas dos povos que constituem o nosso país, valorizando a singularidade de cada um e de todos. 53 4 A LEI E SUAS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA EDUCATIVA DAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM "Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!" Martin Luther King Jr. Após compreender a trajetória do negro no Brasil, os caminhos traçados no período da escravidão e os documentos que garantem os direitos humanos nas diversas instâncias, faz-se necessário entender a trajetória da população afrobrasileira na luta por espaços de participação na sociedade, bem como a valoração a ser dada à Lei nº 10.639/2003 nas práticas de gestão e docência no Município de Cachoeiro de Itapemirim – Espírito Santo, visando estudar, na perspectiva de analisar, resgatar e demonstrar as implicações e preocupações sobre as relações entre raça e educação, no campo de reflexões e suas exigências. Busca-se assim localizar quais são as temáticas que estabelecem relações entre as questões étnico-raciais e o universo do Município de Cachoeiro de Itapemirim, no estado do Espírito Santo, e na Educação da sua Rede municipal de educação. 4.1 O município de Cachoeiro de Itapemirim: breve histórico e a questão afro Cachoeiro de Itapemirim é um município do Estado do Espírito Santo que se encontra na microrregião da zona fisiográfica serrana do sul do estado, às margens do rio Itapemirim. Sua história, que teve início no século XVIII, está ligada ao rio Itapemirim, que deu origem ao nome do município, porque foi seguindo seu curso que os primeiros colonizadores formaram os lugarejos, ocorrendo o povoamento da região sul da Capitania do Espírito Santo, região habitada por índios Puris. 54 Francisco Alberto Rubim foi quem governou a Capitania do Espírito Santo de 1812 a 1819, iniciando a colonização das terras. Até 1850, quando Cachoeiro pertencia a Vila de Itapemirim, grandes latifundiários dominavam a região de Itapemirim. Durante o ciclo da cana de açúcar, Cachoeiro nunca passou de um povoado perdido às margens do Rio Itapemirim. De um lado do rio existiam vinte fazendas de açúcar. Estas abasteciam de aguardente e açúcar toda a província e ainda exportavam, em grande quantidade, para o Rio de Janeiro. O início do desenvolvimento da região ocorreu por volta de 1846, quando surgiram as primeiras casas comerciais. Em 1876, a navegação fluvial tornou-se uma atividade lucrativa na região. Navegável a partir da Volta do Caixão, o rio Itapemirim era a via natural para escoamento de mercadorias até o porto, na Barra de Itapemirim. Até então, utilizavam-se apenas embarcações pertencentes aos grandes comerciantes de Cachoeiro. Mas, naquele ano, foi inaugurada a navegação a vapor (NOGUEIRA, 2010, p. 3). Em 1856 foi criada a freguesia, denominada "São Pedro do Cachoeiro", com abertura de estradas e a instalação do Quartel das Barras, praças para proteger os primeiros colonizadores. A presença do povo negro veio juntamente com a história do município: O principal centro econômico da região sul capixaba, a cidade de Cachoeiro de Itapemirm, recebeu grande leva de escravos, principalmente a partir da metade do século XIX, em função do cultivo do café, o que colaborou para a sua atual formação populacional, hoje estimada em 150.740 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE) (OSÓRIO,1999, p. 32). Em 1864 foi elevada à categoria de vila; em 1867 se deu a instalação do município, e, em 26 de dezembro de 1899, Cachoeiro de Itapemirim ganhou categoria de cidade. A situação do negro no município prosseguia juntamente com a sua história, pois “Em 1871, mesmo após a extinção do tráfico negreiro, Cachoeiro contava com uma população escrava de 9.666 pessoas e, livres, 19.755, sendo que entre estes incluiam-se negros alforriados.” (OSÓRIO,1999, p. 32). Em 1887, buscou-se fazer a ligação de Cachoeiro com outras regiões da província, inaugurando-se a primeira estrada de ferro do Estado do Espírito 55 Santo. E, inaugurou-se também a primeira ponte municipal que passou a ligar os dois lados da cidade, onde a comunicação só ocorria por balsas e barcos devido ao imenso rio. Cachoeiro de Itapemirim foi a terceira cidade do país e a primeira do Estado a adquirir luz elétrica, com uma usina instalada na Ilha da Luz. Sua situação geográfica favoreceu também a implantação de indústrias devido à facilidade dos meios de transporte, além das condições naturais propícias. Inicialmente, as primeiras indústrias eram estatais e com maquinários importados, na qual algumas chegaram a funcionar e outras foram passadas para a iniciativa privada (NOGUEIRA, 2000, p. 3). As mudanças políticas ocorreram a partir de meados do século XIX, quando a freguesia de São Pedro do Cachoeiro implementou a Lei Provincial n° 1, de 16 de julho de 1856. De acordo com Nogueira (2000), Cachoeiro de Itapemirim pertencia política e administrativamente ao município de Itapemirim. Seu desligamento se deu em 25 de março de 1867, tendo assim sua câmara municipal composta do presidente, coronel Francisco Xavier Monteiro Nogueira da Gama com mais cinco vereadores. Foi, porém, pelo decreto n° 4 de 26 de dezembro de 1889 que a vila de Cachoeiro de Itapemirim foi elevada à categoria de cidade. A comarca de Cachoeiro de Itapemirim foi criada pela Lei n° 9, de 16 de novembro de 1876 e extinta em 1878 pelo Ato no 13, de 18 de novembro de 1878, que a converteu em termo judiciário pertencente a Itapemirim. Em 13 de maio de 1884, por proposta do Coronel Joaquim M. da Silva Lima, a Comarca de Cachoeiro foi definitivamente restabelecida. A questão do povo negro foi se desenvolvendo juntamente com o município, pois seus habitantes vivenciaram o regime de escravidão da população de origem africana no decorrer do regime na história do Brasil. Após a Abolição, 1888, um percentual da população negra que habitava o meio rural deslocou-se para a sede do município em busca de novas oportunidades de trabalho. Esse processo foi acelerado na década de 20 e 30, deste século, e no final dos anos 50 em diante (...) (OSÓRIO, 1999, p. 32). O município de Cachoeiro de Itapemirim ocupa uma área de 880,84 km² e está localizado na latitude 20o50’58” e longitude 41o06’46”, altitude de 21 m e 56 distante 129 km de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, a 398 km da cidade do Rio de Janeiro e 490 km de Belo Horizonte. Ocupa lugar de destaque no ranking do índice de desenvolvimento dos municípios do Espírito Santo (IDM - ES 2000), onde se encontra na 6a posição, sendo, dos municípios da região Sul do Estado, o que mais se destaca em desenvolvimento. A população na cidade é de aproximadamente 174.000 habitantes (segundo o IBGE 2001), sendo a quinta maior do Estado, com uma população economicamente ativa de mais de 60.000 pessoas. A principal atividade de Cachoeiro de Itapemirim é o beneficiamento de pedras ornamentais. Contando com aproximadamente 700 indústrias do ramo, apresenta também destaque nas atividades de comércio e serviços – principalmente na saúde. Cachoeiro de Itapemirim é hoje, sobretudo, um centro de extrativismo e beneficiamento mineral (mármores, granitos e moagem de calcário). Na indústria, sobressaem a produção de cimento, calçados e laticínios, havendo também significativa atividade pecuária e cafeicultora. Polo educacional do sul capixaba, a cidade conta com estabelecimentos de ensino superior. Além de ter filhos famosos como Roberto Carlos, Rubem Braga, Raul Sampaio, Jece Valadão, possui uma das maiores jazidas de mármore do Brasil. Cachoeiro de Itapemirim é o maior município do sul do Estado do Espírito Santo e apresenta pontos de destaques conforme mapa abaixo: Mapa10 10 http://www.cachoeiro.es.gov.br/mapaci.htm 57 Em relação à educação, o município conta com Ensino Superior, um Centro Universitário com Cursos de graduação de Bacharelados e Licenciaturas, além de cursos de pós-graduação. Cachoeiro tem também faculdades de Direito, Administração e Ciências Contábeis – umas, presenciais e outras, à distância. O muncípio atende uma demanda de Educação Infantil e Fundamental num total de 53.578 alunos, de acordo com o Censo Escolar MEC/INEP 2009, tendo na Rede Municipal 22.848 alunos; na Rede Estadual, 22.417 alunos e na Rede Privada, 7.641 alunos. Ao consultar também os documentos da Secretaria Municipal de Educação SEME de Cachoeiro de Itapemirim, descobriu-se que no ano de 2000, o município tinha 16.292 alunos em 68 escolas; em 2010 a rede municipal possui 89 unidades de ensino, com 64 na zona urbana e 25 na zona rural, tendo 42 escolas de educação infantil, 31 de Ensino Fundamental e 16 escolas que contemplam a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Dos 22.848 alunos da rede municipal, temos nas creches 3.120 alunos; na pré-escola, 4.889 alunos; no Ensino Fundamental, 14.706 alunos e, na educação de jovens e adultos (EJA), 133 alunos. 58 Para atender a toda essa demanda, a prefeitura tem um quadro formado por 1.516 professores e pedagogos, além de 1.148 servidores que atuam no quadro administrativo – são merendeiras, agentes de biblioteca, secretários escolares, entre outros 11 profissionais que garantem a segurança e o bem-estar das crianças . Hoje, a Rede Municipal de Educação possui 91 escolas ao todo, desde educação infantil ao 9º ano, atendendo 8.170 alunos da Educação Infantil e 14.574 alunos do Ensino Fundamental. Assim, temos o seguinte quadro abaixo: Quadros 1 – Dados do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação SEGMENTOS Nº DE GESTORES Nº DE Nº DE TOTAL PEDAGOGOS PROFESSORES GERAL 1º ao 5º ano 29 50 589 639 6º ao 9º ano 03: EMEBs: Anísio 80 508 588 Vieira Ramos, Anacleto Ramos e Athayr Cagnin 1º ao 9º ano 15 88 TOTAL 47 218 103 1.097 1.362 Fonte: Documento Oficial da SEME O quadro de atuação dos professores do 6º ao 9º ano atualmente na Rede Municipal de educação de Cachoeiro de Itapemirim é o seguinte: Quadro 2 – Quantitativo por área de atuação dos Professores do 6º ao 9º ano ÁREAS Português 11 Nº DE PROFESSORES 63 Disponível em: www.cachoeiro.es.gov.br Acesso em 08 abr. 2011. 59 Matemática 56 Ciências 52 História 37 Geografia 38 Artes 28 Inglês 25 Educação Física 62 Professor de Apoio 147 TOTAL 508 Fonte: Documento Oficial da SEME A escola tem a função de ensinar, transmitir conhecimentos e de dar a oportunidade à criança de aprender a conviver com outras dentro e fora do ambiente familiar, além de formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres e promover o seu desenvolvimento pessoal. As escolas são compostas de diferentes olhares culturais, pois têm sua história e preocupações, o que as faz diferentes uma das outras. Elas são o local ideal para este trabalho, pois seu ambiente é formado por uma população com diversos grupos étnicos, com seus costumes e suas crenças. Os seus currículos devem ser abertos e flexíveis para atender às peculiaridades sociais e culturais de seus alunos: a cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Não sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas (MORIN, 2001, p. 56). A escola é também, o lugar em que todos os alunos devem ter as mesmas oportunidades, mas com estratégias de aprendizagens diferentes desenvolvendo um ensino que procura atender as questões da inclusão e diversidade. 60 O aluno deve ser visto como um sujeito com aptidões e dificuldades diferenciadas. Na educação escolar devemos procurar conciliar a diferença individual, respeitando as diversidades culturais, sociais e individuais. Diante da diversidade e dentro de diversas culturas, é de competência do professor ter claros os objetivos e resultados que pretende alcançar. Além disso, deve buscar promover discussão profunda e o resgate da memória coletiva sobre as manifestações culturais dos afros e a sua história nacional, regional e local que contribuiu e contribui ainda, com a construção da identidade cultural brasileira e cachoeirense. Percebe-se que a existência significativa de afrodescendentes no município, principalmente em algumas comunidades, é muito forte: Em Cachoeiro, a ocupação do Morro do Zumbi está diretamente relacionada à chegada de ex-escravos e imigrantes italianos das famílias Passamai e Secacato, que aí regularizaram suas posses em 1924... O Morro do Zumbi é um bairro com população estimada em 9.235 moradores[..].Enquanto as lideranças comunitárias veem no nome Zumbi um símbolo de resistência e luta, muitos moradores tentam mudar esta designação, acreditando que o nome reforça a discriminação de vários setores da sociedade por ser associado à area pobre e marginalizada de Cachoeiro, de maioria negra (OSÓRIO,1999, p. 33). É necessário, então, identificar, trabalhar o preconceito e estereótipo presentes nas comunidades de Cachoeiro de Itapemirim e, consequentemente, nas escolas. Parte-se do suposto de que as mudanças decorrerão de exigências do ato de ensinar e que elas se darão na mediação do professor entre os conteúdos e os alunos, que as apreenderão para se constituírem como sujeitos histórico-sociais, tomando consciência de que o Brasil, o município e a escola são multirraciais e pluriétnicos. É necessário também, reconhecer, aceitar e conviver com esta diversidade. Respeitando alguns aspectos e desconstruindo outros, temos que: 61 O movimento negro cachoeirense Pixinguinha, através de pesquisa de uma de suas lideranças, o jornalista José Paineiras Filho, considera Cachoeiro de Itapemirim uma das cidades mais racistas do Brasil. Paineiras Filho diz que “não há um empresário do mármore que seja negro”. O setor é um dos que mais cresce na cidade. O jornalista lembra que só conseguem ascender socialmente os negros que são profissionais liberais, como professores, advogados e comerciantes (OSÓRIO, 1999, p. 33). Construir uma prática pedagógica que destaque o negro como sujeito ativo na construção dessa sociedade é um dos grandes desafios que se tem enfrentado. Daí, a necessidade de que na sala de aula ocorra a aquisição de conhecimentos sobre a História da África e Afro-Brasileira promovendo uma associação contínua entre o pensar e o agir nesta temática, ocasionando reflexões e, consequentemente, levando a mudanças na prática docente. Assim, fez-se indispensável esta pesquisa no município para que se promovam estudos, reflexões acerca dos determinantes que levam os gestores e professores a terem dificuldades de lidar na sua prática docente com a questão do racismo, buscando-se fazer uma análise crítica do trabalho realizado nas escolas sobre essa temática. De novo, aqui vem a temática, ou seja, identificar práticas educativas e dificuldades escolas a partir da lei. para o enfrentamento do racismo nas 62 5 METODOLOGIA Muitas pessoas pensam que estão a pensar quando estão apenas a re-arrumar os seus preconceitos. William James A Metodologia deste trabalho se fundamentou dentro de um contexto da teoria crítica da educação, pois, de acordo com Alves-Mazzotti & GEWANDSZNAJDER (2004), o sentido da palavra crítica diz respeito à ênfase na análise das condições de regulação social, desigualdade e poder, sendo que seus teóricos dão ênfase ao papel da ciência da sociedade. Isso implica a compreensão da realidade social e da realidade dos atores que a constroem, procura investigar o que ocorre nos grupos e instituições, relacionando as diferentes estruturas sociais e políticas, buscando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas. 5.1 Os caminhos da pesquisa Esta pesquisa foi fundamentada numa associação entre a pesquisa qualitativa e quantitativa de caráter exploratório. A qualitativa foi para estabelecer maior aproximação do universo sociocultural dos sujeitos a serem investigados, possibilitando a compreensão e o esclarecimento de sua temática. Assim, a abordagem qualitativa refere-se à interpretação e reflexão dos dados, enquanto, na quantitativa, os dados são mensuráveis e contáveis. [...] conceituamos abordagem qualitativa ou pesquisa qualitativa como sendo um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação. Esse processo implica em estudos segundo a literatura pertinente ao tema, observações, aplicação de questionários, entrevistas e análise de dados, que deve ser apresentados de forma descritiva (OLIVEIRA, 2010, p. 37). 63 Segundo Alves-Mazzotti & GEWANDSZNAJDER (2004), a pesquisa qualitativa é multimetodológica, pois usa uma grande variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados e será utilizada para apurar opiniões e atitudes explícitas, tendo seus dados usados para complementar os quantitativos. A pesquisa de caráter exploratório objetivou proporcionar um levantamento dos problemas na Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim em relação às Práticas de Gestão e de Docência, a partir da Lei 10.639/03, envolvendo levantamento documental, aplicação de questionário e entrevistas com gestores, pedagogos e professores do 1º ao 9º ano. Inicialmente foi feito levantamento bibliográfico do município, da SEME, das escolas de Ensino Fundamental do 1º ao 9º ano, dos seus gestores, pedagogos e professores buscando referências em fundamentos teóricos na perspectiva de estabelecer bases conceituais relativas à formação, experiências e práticas realizadas na temática das relações étnico-raciais. Na coleta de dados empíricos, foram aplicados 828 questionários (Apêndice A) junto aos professores, pedagogos e gestores que atuam na rede desde 2003, ano em que a Lei 10.639/03 foi sancionada. Recebeu-se a devolutiva de 210 questionários que serviram para identificar quais práticas pedagógicas foram desenvolvidas no processo de implementação da lei e para elaboração de um banco de dados sobre as práticas e/ou eventos desenvolvidos a partir da Lei 10.639/03 nas escolas e salas de aula. A partir da análise dos questionários aplicados, foram selecionados os profissionais para aprofundamento das questões étnico-raciais, tendo como critério a inserção e/ ou a predisposição da inclusão das questões relativas à população negra, em suas práticas. Esse levantamento serviu para a definição de critérios e indicadores para a seleção de escolas e de profissionais que participaram dos demais processos: foram as entrevistas semiestruturadas (Apêndice B), com 11% dos 64 questionários devolvidos. Assim, foram mapeados as escolas e os profissionais que desenvolveram atividades significativas sobre a temática. Esta foi a população amostral da pesquisa. Nas escolas selecionadas, foram analisados o Projeto Político Pedagógico (PPP), os projetos e os planos de aulas dos referidos professores, além dos possíveis documentos específicos de projetos e atividades da Secretaria Municipal de Educação (SEME). No fluxo da pesquisa, teve-se em mente ir ampliando e incorporando novas reflexões sobre as questões do tratamento sobre a igualdade racial no contexto escolar, onde se buscou estabelecer um posicionamento teórico-metodológico entre os atores da escola e a temática. Nessa perspectiva, esta pesquisa pretendeu mapear e dialogar com diferentes atores envolvidos no processo escolar. Tudo isso contribuiu para a análise dos dados, propiciando condições de interpretações, construção e elaboração de um Produto da Dissertação. Todos os dados foram computados, analisados e quantificados para qualificar e elaborar, de acordo com o resultado, uma proposta de gestão municipal que sirva de referencial para a superação de práticas racistas nas suas escolas de educação básica. 65 6 AS PRÁTICAS DE GESTÃO E DOCÊNCIA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM A PARTIR DA LEI 10.630/03: APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS DA PESQUISA "Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo." Confúcio. 6.1 O cenário, os sujeitos e percepções iniciais sobre o tema: os questionários Para a apresentação e discussão dos dados toma-se por referência a categorização proposta por Oliveira (2010): [...] a palavra categoria está relacionada à classificação ou, mais precisamente, a um agrupamento de elementos que são sistematizados pelo pesquisador (a) após a pesquisa de campo, ou durante a análise de conceitos [...] Quando falamos em Categorias teóricas estamos nos referindo às leituras convergentes ao tema central do estudo. [...] que darão sustentação à análise dos dados. [...] categorias empíricas emergem da pesquisa de campo, onde para cada questão formulada ou para cada item do roteiro de entrevista estabelecemos as categorias empíricas. [...] As informações obtidas com aplicações dos instrumentais de pesquisas (entrevistas/questionários), chamadas de dados, devem ser sistematizadas para facilitar o processo de análise. É a essa sistematização de respostas que damos o nome de unidade de análise (OLIVEIRA, 2010, p. 94-97). A fundamentação deste trabalho de pesquisa ancorou-se na aplicação de 848 questionários nas escolas de Ensino Fundamental da rede municipal, dos quais se obteve a devolutiva de 210, conforme dados do quadro das escolas com número de gestores, pedagogos e professores (Apêndice C). Com o objetivo de se levantarem dados sobre a temática, o questionário (Apêndice 1) foi aplicado aos profissionais da educação das Escolas Municipais de Educação Básica (EMEBs) do Município de Cachoeiro de Itapemirim, somente as do Ensino Fundamental. 66 Segundo Maria Marly de Oliveira: “O questionário pode ser definido como uma técnica para obtenção de informações... sobre todo e qualquer dado que o pesquisador (a) deseja registrar para atender os objetivos de seu estudo.” (2007, p.83). Os questionários foram enviados a todas as escolas em envelopes entregues aos gestores em reunião. Após serem respondidos pelos profissionais das escolas, foram deixados na recepção da SEME para a pesquisadora. Sendo assim, para a análise dos questionários, os dados foram organizados nas seguintes categorias: Quadro3- Categorias organizadas para análise do questionário Categoria 1 Situação funcional e tempo de serviço do servidor Categoria 2 Formação dos servidores Categoria 3 Participação e realização de atividades sobre racismo na escola Categoria 4 Conflitos e atitudes racistas percebidas na escola Categoria 5 Nível de conhecimento e formação sobre a Lei 10.639/03 Categoria 6 Sobre a necessidade de se trabalhar a cultura afrobrasileira na escola Categoria 1- Situação Funcional e tempo de serviço do Servidor Este questionário oportunizou mensurar vários dados, onde se percebeu que mais de 50% dos professores que o responderam é da categoria Designação Temporária (DT). Esses profissionais não permanecem todos os anos na mesma escola, o que dificulta fazer um trabalho contínuo Gráfico 1: Situação Funcional 67 Como a pesquisa se deteve a partir do ano da aprovação da Lei 10.639/03, teve-se como dado relevante, que 54,7% dos profissionais que responderam ao questionário afirmam atuar na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim a partir do ano de 2003, quando foi aprovada a Lei 10.639/03. Gráfico 2: Atuação Além disso, 50% deles formaram-se em Pedagogia, atuando como gestores, pedagogos, professores do 1º ao 5º ano e como professores de apoio aos demais 50% das outras áreas. Gráfico 3: Função de Atuação 68 Tivemos 59% dos profissionais que se formaram no Centro Universitário São Camilo Espírito Santo,que é o único Centro Universitário do Sul do estado e é uma instituição privada e 80 profissionais citaram esta instituição e 40 citaram a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras “Madre Gertrudes de São José”, que foi a que se transformou neste centro universitário. Gráfico 4: Instituição de Formação Outro dado importante é que 51% concluíram seus cursos em Pedagogia e os demais concluíram em Letras, Matemática, Ciências Biológicas, História, Ciências Sociais, Educação Física e Geografia, pois é exigido na legislação e, consequentemente, no município que os profissionais que atuam como pedagogos e professores de 1º ao 5º ano tenham o Curso de Pedagogia. Gráfico 5: Habilitação Profissional A maioria dos respondentes concluiu seu Curso Superior entre 2000 a 2010, o que corresponde a 51,4%. Tivemos 26,1 % nos anos 90; 16,6% nos anos 80 e 69 5,4% nos anos 70, o que demonstra o acesso desses profissionais nas últimas décadas ao curso superior na busca da qualificação. Gráfico 6: Ano de Conclusão Categoria 3: Participação e realização de atividades sobre racismo na escola Na questão participação e realização de atividades sobre racismo na escola, obtivemos 76,1 % de respostas que afirmam já ter planejado ou participado de alguma atividade relacionada à cultura afro-brasileira na sua trajetória profissional, enquanto 24, 9% marcaram não. Gráfico 7: Planejamento e Participação em Atividades Afro Os que responderam sim preencheram um quadro especificando a(s) atividade(s), onde foi possível destacar que estas giravam em torno de realização de sarau, Projeto Afro, Dia da Consciência Negra, visita à 70 Comunidade Quilombola e outras, envolvendo danças, bandeiras, comidas e capoeira, culminando geralmente em 20 de novembro. Percebe-se com isso, que há necessidade de se desenvolver um novo olhar para a realização das atividades, de forma que não ocorram em datas e/ou períodos pontuais. Nesse contexto, faz-se necessário uma reflexão os períodos e as fontes utilizadas por estes professores quando tentam trabalhar a História da África e cultura afro-brasileira, que não deve ser somente em 13 de maio , dia em que se comemora o dia da Luta contra o Racismo e nem só no dia 20 de novembro que é o Dia da Consciência Negra. Assim: [...] queremos provocar outros sentidos para o currículo que possam favorecer movimentos em direção à desconstrução, à rasura de conceitos enclausurados que, de tão acostumados a esse confinamento, custam a perceber a potência e a riqueza da vida direcionada para pensar-sentir o que é currículo. Tendo como motivação essa busca [...] defende a urgência de se pensar a escola contextualizada em meio à complexidade e às tensões vividas na/da sociedade contemporânea, assumindo-a em sua tessitura social e em sua força inventada de outros mundos, de outras possibilidades de vida para todos aqueles que frequentam. (FERRAÇO, 2011, P.11) Na questão sobre atividades realizadas sobre a questão afro na escola, 71% marcaram ter tido nas atividades desenvolvidas participação como assistente. Somente 14% afirmam ter participado como propositor da atividade. Outros citaram ter desenvolvido atividades com o curso de Ensino Religioso abordando assuntos afros, desenvolvimento de projeto implantado na escola e a necessidade de resgatar a inclusão de raças. Gráfico 8: Caracterização da Participação nas Atividades Ao questionar sobre as opções que retratam a vivência sobre a questão do racismo, percebeu-se, de acordo com as opções assinaladas, que 95% dos profissionais afirmaram que percebem conflitos em sala de aula, 77% 71 afirmaram perceber conflitos referentes à questão racial no recreio, 42,8% afirmaram perceber essa questão na escola de forma clara, 29,5% disseram perceber a questão racial na escola de forma sutil. Gráfico 9: A- Vivência sobre a Questão do Racismo na Escola Gráfico 9: B- Vivência sobre a Questão do Racismo na Escola Nesta perspectiva, reafirmamos que os números revelam a existência de conflitos raciais nas escolas. Sendo assim, o racismo ambíguo brasileiro sempre foi um campo fértil para a construção de ideologias e pseudoteorias raciais no passado e para a perpetuação da desigualdade entre negros e brancos que se mantém no presente... Diante do contexto das relações raciais no Brasil anteriormente citado, não à escola brasileira somente se mostrar sensível à diversidade de maneira geral e à questão racial, em específico (GOMES, 2007, p. 101-102). 72 Categoria 4: Conflitos e atitudes racistas percebidas na escola Evidencia-se também no gráfico anterior que, embora as respostas demonstrem que há conflitos nas escolas, a maioria não sabe como agir diante das situações que lá ocorrem. Outros dados percebidos neste gráfico foram que 2,9% assinalaram que têm preocupação antirracista; 24,1% afirmaram que existe preocupação antirracista por parte dos colegas de trabalho; 14% afirmaram que na escola são desenvolvidas atividades antirracistas, e 11% disseram que na escola existem propostas antirracistas não desenvolvidas. Tivemos 13% que disseram existir em seu planejamento de trabalho proposta(s) para enfrentamento dessa questão, 10% afirmaram que existe proposta de trabalho no Projeto PolíticoPedagógico (PPP) da escola para se trabalhar esse ponto. ...a escola, sobretudo, a pública deverá inserir a questão racial no seu projeto político-pedagógico, tomá-la como eixo das práticas pedagógicas e articulá-la nas discussões que permeiam o currículo escolar... A escola brasileira ao ser indagada pelo Movimento Negro pela implementação de uma educação antirracista vive uma situação de tensão entre configurar-se, de fato, como um direito social para todos e, ao mesmo tempo, respeitar e reconhecer as diferenças (GOMES, 2007, p. 102). O gráfico, porém, apresenta 34,7% que afirmaram perceber atitudes racistas em alguns alunos da escola, 40,6% disseram que percebem atitudes racistas em alguns colegas de trabalho e somente 24,7% afirmaram que não percebem preocupações e/ou atividades antirracistas na escola. Categoria 5- Nível de Conhecimento e Formação sobre a Lei 10.639/03 Ao serem indagados no questionário sobre a Lei 10.639/03, tivemos 20,4% que afirmaram não ter nenhuma informação sobre ela; 14,7% marcaram saber que ela existe, mas não conhecem o seu conteúdo, 44,7% afirmaram não conhecer seu conteúdo, mas já ter ouvido comentário sobre ela; somente 10% marcaram que conhecem o seu conteúdo e 10% marcaram que já participaram de discussões e/ou debates sobre ela. 73 Gráfico 10: Conhecimento sobre a lei 10.639/03 Isso é bastante preocupante, pois há um número significativo que afirmou não ter nenhuma informação sobre a Lei e que não conhecem seu conteúdo. Entretanto, essa nova situação encontra as escolas, os educadores e as educadoras do Brasil em uma situação de insegurança e desconhecimento diante do trato pedagógico da diversidade étnicoracial. Há na educação escolar, um imaginário pedagógico que tende a considerar que a questão racial é uma tarefa restrita aos professores e professoras que assumem publicamente uma postura política diante da mesma ou um assunto de interesse somente dos professores (as) negros (as) (GOMES, 2007, p. 103). Assim, se confirma a necessidade de um trabalho mais efetivo com os gestores e docentes das escolas da Rede Municipal de educação, de forma a adquirir fundamentação teórica para o desenvolvimento de um trabalho de melhoria de sua prática pedagógica no que tange à questão da história da África e cultura afro-brasileira. Ao perguntar: “Na sua trajetória profissional na Rede Municipal de Ensino, quantas vezes recebeu desse órgão informação e/ou proposta de atividades que tivessem caráter antirracista ou de afirmação da cultura afro-brasileira, 56,6% marcaram nenhuma, 34,2% marcaram uma e 9,2% marcaram duas. Alguns, porém, citaram de forma não significativa participação em cursos e seminários, formação continuada, formação na escola, dias de estudos na escola, com ênfase ao tema com projeto e culminância em novembro, danças e encenações referentes à questão afro. 74 Gráfico 11: Propostas/Atividades Étnico Recebidas Sobre a questão de participação a encontros, estudos ou cursos que tenham abordado a Lei 10.630/03, as respostas a questão aberta foram diversas, com números não expressivos de participantes em Curso sobre a História da África e Afro-Brasileira, realizado em parceria com a SEME e o Centro Universitário São Camilo no ano de 2007. Verifica-se que a grande maioria dos entrevistados não participou das atividades no I Seminário Regional Sul de Igualdade Racial com Palestras no Pavilhão da Ilha da Luz em 2007, Projeto no Quilombo de Monte Alegre, formações com Dia de Estudos realizados na escola e no I Fórum de Escolas Públicas e Privadas das Relações Étnico-Raciais do Município de Cachoeiro de Itapemirim em 2011. Fica claro que, embora saibam da obrigatoriedade da Lei, os respondentes conhecem pouco sobre ela por questão de falta de formação. Assim, evidenciamos outro ponto preocupante: as poucas capacitações, cursos e eventos realizados para os profissionais da educação não estão atingindo a maioria dos professores. Categoria 6: Sobre a Necessidade de se trabalhar a Cultura Afro-Brasileira na escola Em relação à pergunta sobre a necessidade de se trabalhar a cultura afrobrasileira em sala de aula, 10% considerou desnecessário; em contrapartida, 90% consideraram necessário. Isso mostra que, mesmo sem grandes conhecimentos teóricos da Lei 10.639/03 e da temática, os professores percebem a necessidade de estas serem trabalhadas. 75 Questionados se há necessidade de se problematizar o racismo em sala de aula, 27,6% marcaram que é necessário e de fácil abordagem; 62% marcaram necessários e de difícil abordagem; 5,7% assinalaram desnecessários e 4,7% assinalaram que nunca pensaram na questão. Gráfico 12: Trabalhar a Cultura Afro-Brasileira em Sala de Aula Ao finalizar o questionário, foi aberto um espaço para se colocar algum comentário, e vale destacar algumas das respostas: • Como professora de Ciências trabalho raça na genética e faço trabalhos interdisciplinares com os professores de história e geografia (Q3). • Gostaria de ter maior envolvimento com os assuntos relacionados com a cultura afro-brasileira, é do meu interesse (Q25). • Na maioria dos casos, percebo discriminação, elas estão mais ligadas às religiões de matrizes africanas (Q51). • Para mim, penso ser difícil abordar tal assunto com ênfase, pois me sinto angustiada e indignada pelo tratamento dos antepassados (Q25). • Gostaria que a rede oferecesse informações sobre o tema (Q78). • Acredito que precisamos implementar nas escolas palestras, cursos e outros envolvendo alunos, professores e comunidade, pois nem todos conhecem a Lei 10.639/93 (Q95). • Na escola EMEB “São Luiz Gonzaga” a questão afro-brasileira é trabalhada de 76 modo significativo, não só com a participação da escola, mas também da comunidade e também de autoridade convidada (Q112). • É importante que se trabalhe o preconceito racial para que a criança cresça entendendo o assunto, aceite e compreenda as diferenças (Q153). • Quanto mais conhecemos, melhor para lidarmos com a situação e repassála no nosso dia a dia (Q175). • Tema importante para ser discutido, já que estamos vivendo num momento que aceitação das diferenças é essencial para se viver numa sociedade com direitos iguais para todos (Q183). • Na maioria das vezes que ocorreu este tipo de atividade na escola, houve participação apenas dos professores de história, assim, os outros não se envolveram (Q195). • Trabalhamos os temas em datas pontuais e diluímos nos conteúdos. Porém devo assinalar que não percebo atitudes racistas nesta comunidade (Q199). • Apesar de trabalharmos esta questão pontualmente no Dia da Consciência Negra, estamos sempre atentos no cotidiano escolar a essas e outras questões. Em nossa escola, a discriminação por raça – quando acontece –, são fatos isolados, e o trabalho é realizado pontualmente (Q201). • Eu me empenho para promover sistematicamente discussões em sala de aula visando novas posturas entre alunos e comunidade. Acredito na ação das pessoas contra atitudes que marginalizem e preconceituem, independente de onde estão e da função que exercem. Chegaremos lá! (Q 219). Percebe-se nos dados apresentados que as escolas vêm, dentro das suas condições e esforços, desenvolvendo um trabalho, porém há muito para ser feito, para que se possa atender devidamente a proposta da Lei 10.639/03. Para isso serão necessárias mudanças profundas e transformações na estrutura das práticas pedagógicas das escolas e, consequentemente, na formação continuada dos professores. Sendo que cada vez mais as sociedades humanas são atravessadas por relações sociais, culturais e econômicas de uma crescente complexidade, a Educação necessita não apenas de conhecer o mundo, mas fornecer instrumentos de interpretação, inclusão e 77 participação. O diálogo conceptual e pedagógico entre diferentes experiências, conhecimentos e abordagens metodológicas amplifica, de forma significativa, os horizontes e os instrumentos educativos (CUNHA & REIS (2006) apud GOMES, 2007, p. 31). Assim, precisamos acreditar que essa mudança é possível e, para isso, urge procurar os meios, caminhos para oferecer a esses profissionais capacitações para que possam desenvolver um trabalho mais processual da Lei 10.639/03. 6.2 O contexto do racismo e as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas a partir da lei 10.639/03: os dados das entrevistas A entrevista foi utilizada para se apreender melhor a forma de como o racismo se concretiza nas escolas e quais são as práticas pedagógicas desenvolvidas, tendo em vista problematizá-lo e trabalhá-lo na perspectiva da Lei 10.639/03 nas escolas do Ensino Fundamental do Município de Cachoeiro de Itapemirim. De acordo com Oliveira: A entrevista é um excelente instrumento de pesquisa por permitir a interação entre pesquisador (a) e entrevistado (a) e a obtenção de descrições detalhadas sobre o que está se pesquisando... Em pesquisa, o termo população ou universo significa a totalidade de pessoas que habita uma determinada área geográfica, ou o conjunto de elementos que compõem o objeto de nosso estudo (OLIVEIRA, 2007, p. 86-87). Assim, para definir a composição das entrevistas a serem aplicadas e analisadas, foram selecionados 11% dos questionários devolvidos das escolas, nos quais os profissionais assinalaram ter desenvolvido e estarem abertos a desenvolver um trabalho que permitirá trazer à tona questões que desejavam investigar, a saber: a concepção dos gestores, pedagogos e docentes sobre as relações raciais na escola e na sala de aula. Nessa perspectiva, foram feitas análises do objeto de estudo dando atenção à especificidade de cada profissional entrevistado, buscando identificar pontos comuns. Por telefone, a escola e os profissionais selecionados foram comunicados e combinou-se o melhor dia e horário para as entrevistas. Os dados coletados nas entrevistas organizaram nas seguintes categorias de análise: 78 Quadro 4- Categorias organizadas para análise das Entrevistas Categoria 1 Os sujeitos entrevistados Categoria 2 Percepção sobre o racismo na sociedade e na escola Categoria 3 Sobre as possíveis causas da origem do racismo Categoria 4 Situações reais de racismo, discriminação e preconceito na escola e seu enfrentamento Categoria 5 Dificuldades encontradas para se trabalhar o racismo na escola Categoria 6 Atividades planejadas e desenvolvidas na escola sobre a História da África e Afro-Brasileira Categoria 7 Ações para se romper com o racismo na escola Categoria 8 Grau de conhecimento da Lei 10.639/03 Categoria 9 Comentários livres dos entrevistados Categoria 1: Os sujeitos Entrevistados Para o desenvolvimento desta pesquisa, tivemos a devolução de 210 questionários dos profissionais da Educação englobando gestores, pedagogos e professores de todas as áreas, sendo 33,4% tem idade acima acima de 30 anos; 16,6% acima de 40 anos e 4,1% acima de 50 anos. 45,8 % não informaram a idade, porém aparentavam em média 50 anos. Em relação ao tempo de atuação na Rede Municipal de Educação, 50% declararam ter entre 1 a 10 anos; 33,4% de 10 a 20 anos e 16, 6% mais de 20 anos. Em relação ao tempo na mesma escola, 87,9% declararam ter de 1 a 10 anos de atuação e 12,1% declararam ter de 10 a 15 anos. Percebe-se que mais de 50% dos entrevistados são maiores de 30 anos e possuem em média 10 anos de atuação na Rede Municipal de Educação, isto é, já estavam atuando quando a Lei 10.639/03 foi promulgada. Categoria 2: Percepção sobre o Racismo na Sociedade e na Escola 79 Na questão Percepção do Racismo, na qual se indagou como é vista a questão do racismo, discriminação ou preconceito na sociedade, as colocações das 24 entrevistas foram enriquecedoras, como por exemplo: É com muita tristeza até, que pelo tempo e pela contribuição dos negros a gente já era pra se ter um respeito muito grande, e na verdade assim existe hoje uma dívida muito grande para com esse povo e o que está se fazendo ainda é pouco perto do que nós devemos para eles, mas já estamos avançando (Entrevistado 4). Eu vejo como uma coisa ainda muito marcante, apesar de os tempos modernos, está cada vez mais derrubando o preconceito a discriminação a sociedade tem encarado com mais naturalidade, porém uma naturalidade disfarçada as pessoas fingem que aceitam, acho que por uma questão mesmo de controle social de querer dizer que a coisa está controlada, ah! O racismo está controlado, então isso é querer mascarar, é dizer que aceitam, mas ainda vejo que no interior mesmo não aceitam (Entrevistado 12). Lamentável que nós em pleno século XXI com todas essas formas de tecnologia, com todas essas formas de conhecimento que nos levam a conhecer mais e mais o mundo e as pessoas, ainda vemos isso presente na nossa sociedade e por incrível que pareça muitas pessoas se negam a ver isso.Mas para mim é nítido, é cristalino esse preconceito, essa discriminação apenas porque a pele é diferente, a cor da pele é diferente da sua própria, pois eu lamento que isto exista. E, nós como professor temos um papel fundamental nisso. Fico mais triste ainda quando vejo próprios colegas de profissão perpetuando ajudando a afirmar o preconceito isto é inconcebível e temos que lutar mesmo para que isso seja afastado das escolas e dos centros de ensino (Entrevistado 10). Em geral, nota-se que existe na sociedade racismo, discriminação ou preconceito de forma disfarçada e também que dentro das escolas existem profissionais que possuem atitudes racistas. Segundo Gomes ( 2007,p.101) “[...], o racismo ambíguo brasileiro sempre foi um campo fértil para a construção de ideologias e pseudoteorias raciais no passado e para a perpetuação da desigualdade entre negros e brancos que se mantém no presente.” A pergunta sobre como eles vêem a questão do racismo, da discriminação e do preconceito na escola teve as seguintes respostas: Bom é preocupante, pois se a escola não está atenta para isso nós estaremos formando cidadãos futuros, muito preconceituosos que serão altamente prejudiciais a nossa sociedade (Entrevistado 5). 80 Ainda acontece infelizmente, até por falta de conscientização até vindo dos pais mesmo porque algumas escolas tem feito um bom trabalho nesse tema (Entrevistado 8). Ao se analisarem as colocações acima, percebe-se a questão do racismo, da discriminação e do preconceito na escola, nos seus ambientes, o que demonstra a necessidade de um trabalho com a equipe escolar. Souza (2009) aponta que a temática das relações étnico-raciais, ainda que demandadas pela sociedade, ainda que possuam uma lei que enfatiza sua obrigatoriedade nos currículos e muitas pessoas reconheçam sua importância, ela ainda não faz parte de forma prática do fazer pedagógico da escola. Vale destacar que há uma intensidade na discriminação das religiões de matrizes africanas, abordadas de diversas formas nas “falas” dos entrevistados e bem declaradas nesta especificamente: Bom, como eu mais trabalhei até hoje em escola de periferia onde existe muitos alunos negros e negras então eu não consegui perceber nitidamente o preconceito a questão da cor, no entanto eu percebo muito preconceito em relação a religião, quando tem assim uma religião que tem uma origem de matrizes Africanas, isso gera muito preconceito ainda, entre os alunos muita coisa que não está esclarecida, igual ao candomblé, a macumba, enfim isso ainda está muito intranhado na mente dos alunos. (Entrevistado 2). Lopes (2008) enfoca que: A aversão declarada à religiosidade africana e afro-brasileira fere a dignidade e o direito à liberdade religiosa. A instituição escolar brasileira, em sua maioria, admite a simbologia do cristianismo em seus diferentes espaços e até mesmo apregoa seus princípios. No entanto, assumir outra religião torna-se desconfortável para muitos estudantes que preferem o silêncio frente a uma possível discriminação religiosa. Esta situação pode também desencadear formas de exclusão. (LOPES, 2008, p.26) Categoria 3: Sobre as possíveis causas da Origem do Racismo No questionamento sobre a opinião de quais seriam as origens do racismo, discriminação ou preconceito na escola, foi dito que: 81 O racismo olha, ele é um fato Histórico, se você for pegar a História, se forem analisar desde os tempos de Hitler, a gente já vai ver toda uma questão de discriminação, de caça a Judeus, de caça aos negros. Eu acho que o a racismo na escola é cultural, eu acho que o racismo ele não nasce na escola ele nasce na família, se você tem uma criança e você educa essa criança com termos tipo negão, neguinho, macaco essa criança provavelmente vai crescer sendo racista (Entrevistado 19). A origem está dentro da família começa na família, pois a família de uma forma ou outra influencia muito a criança quanto a sua formação, dependendo de como a pessoa age, ela vai influenciar esta criança que vai para a escola que de alguma forma está discriminado a outra, não só com a questão do negro, como a questão da pobreza. Também a criança quando vê alguém da família dele olhando mais de cima uma pessoa menor discriminando na forma dela ser mais humilde ou de cor ela passa a agir desta forma inconscientemente, então ela se desenvolvendo e depois se transforma em um racista (Entrevistado 21). O racismo e o preconceito no Brasil ele tem origem histórica, ele remonta obviamente a questão da própria formação povo brasileiro, a presença, por exemplo, da própria questão do negro trazido da África para o Brasil. Este foi inserido aqui no nosso país na economia no principio açucareira, depois nas outras atividades econômicas. Foi sendo construída uma estrutura institucional do racismo, que embora tenha havido umas alterações, algumas melhorias durante o tempo, ela vem melhorando alguma coisa, mas o racismo ainda permanece de maneira muito presente na nossa sociedade. Então eu acredito que o racismo tenha origem histórica e está muito relacionado ao desconhecimento e a maneira como essas pessoas tratam esta questão (Entrevistado 24). Nota-se que a origem do racismo é histórica, porém está presente nas famílias, que acabam perpetuando o racismo, discriminação ou preconceito de geração a geração. De acordo com Santos & Silva (2005), o racismo é histórico, abrangendo uma dimensão nacional, exigindo muito empenho de todos os setores, principalmente da escola – que é uma estrutura governamental –, pois toda a sociedade civil organizada deve dialogar e agir para eliminar as desigualdades sociorraciais. Categoria 4: Situações Reais de Racismo, Discriminação e Preconceito na escola e o seu enfrentamento Ao serem questionados se já presenciaram alguma situação de racismo, discriminação ou preconceito na escola envolvendo aluno ou algum profissional, as respostas foram: 82 Esta envolvendo aluno sim, até por coleguinhas falando que são beiçudo, olha o neguinho, as canelas dele está russa quer dizer que ele não toma banho, porque ele é preto, minha mãe falou que ele é preto por isso que ele fica com a canela russa todos esses tipos mesmos (Entrevistado 22). Já presenciei algumas situações, tipo o que acontece algumas vezes, a gente observa o aluno, por exemplo, chamando o coleguinha de macaco, chamando o coleguinha de urubu, quer dizer falando do cabelo, cabelo de Bombril, falando do nariz quer dizer, falando da própria cor da pele. Então a gente vê cotidianamente estas relações de racismo dentro da escola, de professores para aluno eu não vi, mas já vivenciei na pele isso como negro que sou (Entrevistado 24). Quanto à questão de religião eu vejo constantemente, até porque a questão de religião de matriz africana ficou ridicularizada no imaginário popular escutasse macumba, ou a pessoa fala ou se souber que vai a umbanda ah! Cruz credo, é então preconceito com relação a matriz a origem do momento na maioria dos lugares onde estou. Essa questão do presenciar é não vejo muito nitidamente eu vejo brincadeiras, brincadeiras de mau gosto, essas brincadeiras é que são generalizadas, eu vejo isso essas brincadeiras, com questão do homossexual, do negro, do baixinho então essas infâncias pelo menos eu vejo nos meus alunos na escola parece que dá impressão que está no mesmo nível ou pelo menos visto dentro da escola com relação aos alunos que são adolescentes (Entrevistado 2). Aluno já, principalmente em se tratando de tipo de cabelo, formato de nariz, tom de pele, cor de olhos, outro assim tem cabelo seco, outro tem cabelo liso acontece muito entre os alunos (Entrevistado 2). Pelas respostas, observa-se que nas escolas há presença de situações de racismo, discriminação ou preconceito envolvendo aluno ou algum profissional, e que estas precisam ser trabalhadas. De acordo com Souza (2009), o que importa é que temos o desafio de reunir nossas partes, nossas dimensões esquartejadas pelo racismo diante de toda a diversidade étnica que possuímos e buscar construir como educadores uma pedagogia para a real população brasileira. Ao se questionar se já enfrentaram situações constrangedoras de racismo, discriminação ou preconceito na escola e qual foi sua atitude, obtivemos como resposta: [...] presenciei sim, alunos falando que não quer sentar perto do coleguinha porque ele é isso, ele é aquilo, a cor é diferente, então a gente trabalha os valores e é por aí (Entrevistado 11). Já, já envolvendo aluno e profissional. A atitude na hora? Foi de inibir aquela ação, de agir com autoridade e mostrando num tom de igualdade num discurso de igualdade, é assim que devemos agir (Entrevistado 12). 83 Em algumas escolas que eu já trabalhei já presenciei alguns alunos rejeitando professor, precisando da intervenção por parte do Diretor, Pedagogo para se ter uma conversa com esse aluno, e realmente presenciei de aluno rejeitando professor.No primeiro momento eu tentei conversar com essa pessoa, falar desse assunto com ela,... a passar pra ele que o preconceito não leva a nada, que nós temos que conviver com as diversidades e temos que respeitar as diferenças, que nós somos iguais na aparência física, são iguais perante as leis, perante a Deus, temos os mesmos direitos é só a questão de respeito e a diversidade, isso que tentei passar para esse aluno (Entrevistado 16). Nós presenciamos a todo instante em um simples fato de um aluno falar oh! Neguinho, oh! Negão! Isso já é um racismo, é comum a gente tenta corrigir, ma é comum. Agora um racismo mais exorbitante a ponto de ofender, eu nunca presenciei. Em sala de aula, repreendi sempre neste sentido de aluno meu algumas vezes, já era habituado a agir desta maneira a chamar o colega de negão, vem cá negão, negão? O nome desse negão que ele usa é até o Wilson, e eu falei pra ele, rapaz você está fazendo um racismo indireto, sem querer você está cometendo um racismo com ele,e, o pior este cidadão que já está sofrendo com este racismo, ele já se auto titula negão, você vê que o próprio negro já se coloca em uma visão racista, eu tentei corrigir ele a não agir desta maneira (Entrevistado 19). Assim, depreende-se que o racismo é um fenômeno presente concretamente na estrutura da sociedade brasileira, e a luta por sua superação constitui um elemento importante para a construção de novas dinâmicas de relações sociais. GOMES (2007) enfatiza que essa nova situação encontra as escolas, os gestores, pedagogos e professores em situação de insegurança e desconhecimento para o tratamento pedagógico das questões étnico-raciais. Questionados se perceberam se algum profissional enfrentou situações de racismo, discriminação ou preconceito no ambiente de trabalho, alguns responderam que: Já presenciei, mas a gente fica um pouco sem graça, em ver o próprio colega exclui o outro (Entrevistado 6). Não, não em nenhuma escola que eu trabalhei eu nunca percebi com esse profissional não sempre houve muito respeito quanto a isso (Entrevistado 18). Na minha escola tem um professor negro, e os alunos ficam fazendo chacotas dele por trás, ridicularizando-o, por que ele era muito risonho, aí falava que ele faz macaquice coisas desses gêneros que estamos cansados de ver por aí (Entrevistado 23). Já percebi sim, até por parte da família do aluno falou que a professora estava ensinando coisas de Macumba, que não ia deixar a filha dançar, não ia deixar a filha nem participar daquelas aulas que 84 estavam falando daquela cultura negra, só que ela usou outros termos não falou cultura negra (Entrevistado 22). Pessoalmente não, mas já ouvi vários casos, inclusive de mães que invadiram a sala discriminando professor verbalmente por causa da cor, porque a filha não queria estudar com o professor por causa da cor, coisa deste tipo (Entrevistado 12). A maioria dos entrevistados afirmou ter percebido que algum profissional enfrentou situações de racismo, discriminação ou preconceito no ambiente de trabalho; os que não presenciaram, apontaram conhecimentos de relatos relacionados a essa situação. Porém três entrevistados (12%), afirmaram não ter percebido e não informaram nenhum relato ocorrido. Gomes (2007) pontua que há na educação escolar um imaginário pedagógico que tende a considerar que a questão racial é tarefa somente dos profissionais da educação que assumem publicamente uma postura política diante deste assunto. Categoria 5: Dificuldades encontradas para trabalhar o Racismo na Escola Todos os entrevistados são unânimes em afirmar que já enfrentaram situações constrangedoras de racismo, discriminação ou preconceito na escola e que buscaram ter alguma atitude de coibir a situação, porém dá para se notar que, apesar da boa vontade, falta conhecimento para lidarem com a situação. Perguntando-se aos entrevistados quais as dificuldades que os profissionais têm de trabalhar a questão do racismo, discriminação ou preconceito na escola, as respostas foram bem diretas: Apesar de vermos muita informação na mídia, o que se chega para a escola não é tanto quanto se deveria chegar, então, eu acho que a falta, é de profissionais capacitados para se fazer formação, fazer palestras, fazer oficinas para que instrua mais os profissionais e também os alunos para que também possamos acabar com isso (Entrevistado 23). Na questão especificamente com relação à religião de matriz africana a resistência que os próprios profissionais estão imersos a esses preconceitos é professam religião cristã como sinônima de verdade oficial, quando não reconhecem muitas às vezes as diversidades na questão religiosa (Entrevistado 2) A dificuldade maior é que o tempo do profissional às vezes é tão corrido dentro do seu planejamento, dentro daquilo que ele tem que aplicar em termo de conteúdo, que as vezes ele não consegue inserir 85 essa prática do trabalho, de orientação, de educação contra o próprio racismo, que agora está mudando um pouco, nós estamos tendo até mesmo que inserir na grade curricular alguns conteúdo para ser trabalhados nesse sentido. Então, está melhorando a situação, mas ainda tem alguns profissionais que ainda estão muito resistentes a essas questões que devem ser trabalhados todos os dias, a cada momento da disciplina ele deve ser trabalhado (Entrevistado 5). É que durante muito tempo dentro do currículo foi uma questão que não foi introduzida, teve sim, dias específicos para se trabalhar o dia do negro, a abolição e isso ficou culturalmente nas escolas e foi uma coisa que foi inserida naturalmente no cotidiano escolar para se trabalhar. Agora, com a Lei 10.639, eu tenho voltados os olhos para esse trabalho contínuo, de buscar este tema constantemente nos nossos trabalhos, sempre que vamos desenvolver um projeto, ter um olhar pra esta situação, isso é importante realmente (Entrevistado 14). Eu acho que a primeira dificuldade é a questão de conhecimento de conteúdo, é de formação. [...] eu acredito também que uma dificuldade, é que as vezes o professor quer tratar deste tema de maneira muito pontual, então em uma data específica, em um momento específico, em uma questão específica, [...] estas questões que precisam estar inseridas no currículo e que muitas vezes não estão, então o que acontece com o professor, não está no currículo eu não preciso dar, não está posto, não preciso tratar, outra problema que eu vejo também, é que as vezes o professor faz vista grossa mesmo para esta situação e não querem tratar de maneira muito efetiva, porque as vezes não acham que a sociedade brasileira é racista não tem preconceito (Entrevistado 24). A dificuldade da informação de uma coisa que já está enraizada nas pessoas nesse tempo todo, nesse período todo de não conhecerem a importância do negro e não terem o devido respeito (Entrevistado 4). Todos os entrevistados mostram que os profissionais têm dificuldades para trabalhar a questão do racismo, discriminação ou preconceito na escola e enfocam diversos fatores, que vão desde formação profissional, questão curricular da Educação Básica, falta de capacitação e falta de apoio administrativo. De acordo com Lima (2009), a contribuição da perspectiva multicultural em educação pode ser adequada e enriquecedora, pois problematiza os mecanismos que reforçam as relações de poder que constroem as diferenças através de uma prática curricular e, consequentemente, a melhoria de como trabalhar a questão do racismo, discriminação ou preconceito na escola. CATEGORIA 6- Atividades planejadas e desenvolvidas na escola sobre história da África e afro-brasileira 86 Ao questionar os entrevistados sobre quais atividades são planejadas e desenvolvidas em sua escola para se trabalhar a História da África e AfroBrasileira, eles apontaram como planejadas: dia de estudos sobre a temática – consta no PPP da maioria das escolas; participação em cursos sobre a Lei 10.639/03 e sobre a História da África e Afro-Brasileira; Visita à Comunidade Quilombola de Monte Alegre; realização de eventos, como Feira Geo-História; comemoração do Dia da Consciência Negra e Africanidade. Percebe-se, porém, que os eventos foram realizados, mas poucas escolas fizeram a Visita à Comunidade Quilombola de Monte Alegre; o Dia de estudos e cursos sobre a Lei 10.639/03 e sobre a História da África e Afro-Brasileira não ocorreram. Nós temos a feira de História que trabalhamos todo ano, então nós trabalhamos envolvendo não só a questão do negro, mas a questão do índio. Também, a gente trabalha as duas etnias e dentro desta feira, por exemplo, na minha área, que é área de exatas, nós trabalhamos com os meninos com pesquisas, vamos ao quilombo, nós buscamos verificar como que é o passado deles, como que é hoje, juntamos as realidades eles analisam, discutem e apresentam trabalhos também (Entrevistado 3). A gente aqui trabalha no 5º ano com algumas palavras que vieram de origens negras, está sempre trabalhando em artes as diferenças então a cultura negra é uma cultura muito rica e trabalha também sobre os tipos de comidas típicas e então tudo isso já está no contexto escolar (Entrevistado 22). Tem a Feira de Geo-História que trabalha muito a questão do afrodescendente e a nossa escola está localizada no Bairro Zumbi, nós precisamos de um trabalho todo voltado para essa interação, porque o nome Zumbi de onde veio isso, como que era a vida do povo que foi morar naquela localidade, fazendo um resgate da cultura afro, porque eles também se sentem menosprezados, porque a maioria dos moradores do bairro é negro. Então a gente faz oficinas, algumas palestras, para poder levar essa valorização da cultura afro, da cultura musical porque lá eles têm grupos de Maculelê, grupos de rodas de capoeira tudo isso (Entrevistado 23). Percebe-se que todas as escolas realizam atividades relacionadas à Cultura da África e Afro-Brasileira, porém de forma pontual, em datas específicas, o que precisa ser revisto, como afirma um professor: Geralmente a escola ela já tem dentro do seu calendário momentos para ser trabalhado isso, na época mesmo da consciência negra em novembro, em que se trabalha no período de comemoração ao Zumbi. Há alguns momentos culturais também que a gente tenta resgatar a cultura negra para dentro da escola, mas é pouco ainda eu acho que deveríamos criar maiores ou mais momentos para ser trabalhado e agora fica a cargo de cada professor de cada disciplina e de estar também inserindo esses conteúdos dentro de seus ensinamentos (Entrevistado 5). 87 [...] às vezes o professor quer tratar deste tema de maneira muito pontual, em uma data específica, em um momento específico, em uma questão específica, quando na verdade isso precisa ser trabalhado processualmente, a outra questão importante é a questão do currículo, a gente acredita muito que a inserção desse ensino no currículo... (Entrevistado 24). Daí a necessidade de se fazer um trabalho com os gestores, pedagogos e professores a partir da Lei 10.639/03, pois, além de levantar uma série de princípios a respeito da questão racial e educação, torna-se possível apresentar um conjunto de indicações de conteúdos a serem abrangidos pelo currículo nas diferentes áreas do conhecimento. Oliveira et al apud Lima (2009) afirmam que a Lei 10.639/03 não é fácil de se aplicar, pois a questão curricular se desdobra na necessidade de uma nova política educacional de formação para gestores, pedagogos e professores para que, assim, possa reverter positivamente às novas gerações uma nova interpretação histórica e uma nova abordagem da construção dos saberes. É importante desenvolver um trabalho contínuo sobre a história da África e da cultura afro-brasileira, fazendo-se um resgate do verdadeiro passado dos negros, da sua real história e enfatizando a resistência ao tráfico e à escravidão, bem como sua religiosidade, suas manifestações culturais, suas contribuições no multiculturalismo do nosso país, além da ampliação da consciência social, histórica e de valorização dos negros no Brasil e no mundo. Assim, os gestores, pedagogos e professores terão oportunidades de desenvolver nas escolas um trabalho processual no decorrer do ano letivo, pois, ao entrevistar os professores sobre sua prática de sala de aula, tivemos a oportunidade de obter relatos que apontaram: Olha, nós já trabalhamos com os alunos no próprio resgate desta cultura Brasileira dentro da escola de como conhecer a realidade na prática dos Quilombolas, indo a alguns assentamentos quilombola para podermos participar. O mais interessante é quando você trabalha com aluno na teoria mas quando você leva eles a vivenciar isso na prática, então a gente teve a oportunidade de estar visitando dois assentamentos e dentro desses quilombos de conhecer a cultura afro-brasileira na sua essência e os alunos aproveitaram bastante 88 onde que trouxemos essa experiência pra dentro da escola (Entrevistado 5). A feira afro-brasileira que a gente já trabalhou o costume, a culinária, as vestimentas, as músicas, as danças, religião porque na verdade tudo que nós temos está ligado ao povo afro-brasileiro (Entrevistado 4). Usamos o Laboratório de Informática pesquisamos a influência negra na nossa vida e a biblioteca também possui vários livros que tratam desses assuntos, jornais, revistas e vai nos auxiliando e fazendo com que esses assuntos sejam tratados com mais naturalidade (Entrevistado 7). Eu trabalhei aquele livro de história Menina Bonita do Laço de Fita, então fiz a construção da boneca e coloquei junto com os trabalhinhos que eles fizeram para poder eles perceber essas diferenças também (Entrevistado 11) [...] sempre trabalhamos com música afrodescendente, trabalho sobre a beleza do negro, que o negro tem, a sua dança, o manejo dele, destacando que cada sua raça tem sua beleza, mas que o negro também tem a sua beleza, sua qualidade.... (Entrevistado 17). Além disso, os entrevistados disseram que as atividades são desenvolvidas, porém em data específica e pontual, o que implica na necessidade de um trabalho mais intenso com os gestores, pedagogos e professores sobre a História da África e da Cultura Afro-Brasileira, para que possamos atender as prerrogativas da Lei 10.639/03. De acordo com Arroyo apud Gomes (2007, p. 114), “O avanços têm sido significativos e promissores, porem lentos. Ainda há muito a avançar [...] os avanços no diálogo inter-racial e intercultural no cotidiano das escolas são limitados”. Categoria 7: Ações para acabar com o racismo na escola Ao serem indagados sobre quais seriam as ações para se acabar com racismo, discriminação ou preconceito na escola e qual o papel do gestor, pedagogo e professor, os entrevistados disseram que: Primeiro muito diálogo, muito planejamento interdisciplinar com esse tema, conscientização na família trazendo a família para escola trazendo palestras com estes temas também a Secretaria de Educação envolvendo palestras que chamem as famílias para falarem deste assunto que apareça mais na mídia, porque certo tempo apareceu na mídia e depois acabou ninguém se fala mais diversidade e nem cultural (Entrevistado 8). 89 Eu acredito que o pedagogo ele poderia fazer é criar um recurso de estudos de se aprofundar mais a lei, trabalhar as atividades constantemente, não só no período onde se comemora a consciência negra no dia 20 de novembro... (Entrevistado 13). ... envolver mais a comunidade, trazer palestrante pessoas que tem embasamento teórico neste assunto tem que se conscientizar a família escola e família tem que estar juntas neste sentido (Entrevistado 16). Olha se tiver uma ação que venha acabar com o racismo talvez hoje, seja até um pouco utopia. Agora existem ações que possa eliminar. Eu acredito na força do seminário, se começar a trabalhar individualmente com a turma, com a classe se você tem, com apoio da pedagoga e do seu diretor... (Entrevistado 19). Eu acho que a questão central é inserir essa questão no dia a dia, porque na escola a gente convive em conflito cotidiano, então perceber uma situação e intervir, e a medida do possível quando há essa abertura estabelecer um diálogo e a sensibilização pra que esse tipo de preconceito não volte a ocorrer isso no âmbito da sala de aula. É claro com relação a diretor e pedagogo cabe tentar articular não digo um projeto, mas trazer pessoas para promover um debate, principalmente pessoas inseridas no movimento social. Na verdade, falar de preconceito o acadêmico pensa que é uma coisa, mas quem está inserido no movimento social e convive cotidianamente com o preconceito, possuem uma visão também interessante nessa questão. Então acho interessante estar convidando pessoas para participar da vida escolar, visitando, principalmente pessoas que professam religião de matriz africana, por isso eu bato muito nesta tecla, porque há um desconhecimento muito grande sobre esta questão de religião matriz africana. Assim, trazer pessoas que professam esse tipo de religião esse tipo de credo é importante, porque na verdade há ignorância, desconhecimento sobre essas questões (Entrevistado 2). Ao analisar as questões colocadas sobre ações para acabar com racismo, discriminação ou preconceito na escola, os entrevistados enfatizam ações concretas que envolvam todos os profissionais da escola e declaram a importância do papel do gestor na liderança das ações, do pedagogo como articulador do fazer pedagógico no tema e do professor como executor, apoiado pelos demais e envolvendo a comunidade. Nesta perspectiva, Gomes (2007) enfatiza que a escola brasileira está desafiada a realizar uma revisão de posturas, valores, conhecimentos e currículos na perspectiva étnico-racial. Categoria 8: Grau de conhecimento da Lei 10.639/03 Na pergunta aos entrevistados se conhecem a Lei 10.639/03, somente 12% afirmaram conhecê-la, e a maioria foi unânime a dizer que: 90 Conhecer, eu conheço, mas não a fundo... (Entrevistado 5). Conheço, mas apesar de nunca ter lido (Entrevistado 15). Olha eu conheço, mas não tanto assim (Entrevistado 16). É conheço, é contra o preconceito racial eu nunca li exatamente, mas eu tenho consciência do tema contra o racismo (Entrevistado 17). Já, eu não tenho ciência dela ainda na íntegra, mas a gente conhece, a gente trabalha com ela desde 2003 que comecei a trabalhar com ela desde 2003 (Entrevistado 18). Por auto, mas eu nunca li esse assunto da Lei não (Entrevistado 19). Não, não conheço, eu conheço às vezes falando pelo número da Lei eu não sei, mas sei do que se trata (Entrevistado 20). Infelizmente não (Entrevistado 23). Percebe-se que há urgência de se trabalhar a Lei 10.639/03 com os profissionais da educação por, de acordo com GOMES (2007), não somente devido ao fato de ser parte do compromisso social e pedagógico da escola no combate ao racismo e á discriminação racial, mas também pela sua força como lei. Ao questionar os entrevistados sobre que práticas educativas deveriam ser concretizadas em sua escola para atender os princípios e recomendações da Lei 10.639/03, as respostas tenderam para: Formação. Se tivesse mais cursos sobre a lei esclarecimento, um dia de estudo só de análise, por exemplo, pode ser feito na escola, pois quando você abre para a rede toda você tem um espaço muito maior, pois quando se trabalha dentro da escola tivesse momentos de estudos dedicado a essas lei a gente trabalhar, estudar cada ponto da lei, pontuando e vê desde de que ponto nós podemos estar trabalhando para fazer valer mais essa lei na escola, dentro da escola nos momentos de formação continuada é importante (Entrevistado 3) Maior capacitação de todos os professores, porque todo mundo tem que entender essa Lei para se trabalhar bem (Entrevistado 4) Conhecimento sobre a lei, informações diversas e que isto pudesse acontecer em todo o ano letivo e não só no período em que se comemora a consciência negra no Brasil que é 20 de novembro e sim ter um prática constante (Entrevistado 7). Eu creio que deveria se adequar igual para Português, História e Geografia, tentar se fechar não ficar massificando, pois às vezes as pessoas acham que temos que pegar um dia, entendeu, um mês, uma época e ficar todo mundo falando só daquilo ali. Eu penso que teria de ser uma coisa contínua, sempre, de uma forma ou de outra, estar trabalhando naquilo, se eu achar uma reportagem legal eu posso chegar lá e trabalhar com um seminário, abrir um debate, dentro de Geografia, posso trabalhar a localização, trabalhar a cultura 91 como esses povos, que eram ricos, o que aconteceu com eles. Então, várias áreas trabalhando, mas não em períodos determinados, tendo em mente que se deve falar sempre (Entrevistado 9). É fundamental a prática e o conhecimento da Lei... (Entrevistado 13) [...] capacitar mais os nossos professores, informá-los, porque os professores para falar desse tema, eles têm que estar bem informado, então nesses estudos estar buscando informar, focar neste assunto com os professores, envolvendo a família que é importante e a comunidade... (Entrevistado 14). [...] eu acho que falta mesmo é um pouco mais de incentivo das pessoas que estão dentro da escola para nos dar esta prática, pois querendo ou não, em nossa sociedade o negro ele é tratado como tal porque a gente aceita... (Entrevistado 19). Eu acho que as atitudes que deveriam ser tomadas junto a escola, junto a superintendência de educação ter mais ênfase e não só quando chega a semana da consciência negra tem as apresentações periódicas, tem estudos periódicos é sobre este assunto para estar concretizando mais, dando mais ênfase a criança que quanto mais você bate na tecla mais a criança vai estar aprendendo então não deixar só para uma certa data e sim estar trabalhando sempre (Entrevistado 21). [...] eu acho que se deveria fazer uma coisa mais efetiva, um circuito de palestras, mas assim coma exigência da participação de todos porque assim fica muito livre a pessoa vai porque quer acho que deveria, já que é uma Lei ela deveria ter obrigatoriedade dentro das secretarias para que os professores tivessem essa formação mesmo para poder não se ter desculpa se eu não faço porque eu não sei... (Entrevistado 23). Uma primeira sugestão é não trabalhar esse tema pontualmente, como disse anteriormente, eu não posso trabalhar o treze de maio no vinte de novembro porque isso não é inserir, não é colocar em prática esta Lei, outra coisa importante é entender que isso é uma Lei, e, como Lei ela precisa ser cumprida,... ela está relacionada ao Ensino Fundamental, Médio e também ao Ensino Superior e também as Pósgraduações as especializações de modo em geral então ela não pode ser trabalhada pontualmente... o ensino da História da cultura AfroBrasileira não pode ser trabalhada só em História e em Geografia, nem Artes ou em Língua Portuguesa, ela precisa ser trabalhada em Língua Portuguesa, ela precisa ser trabalhada em História, Geografia, Ensino Religioso, Artes, Educação Física todos os componentes curriculares e aí o que acontece às vezes fica tudo em cima das costas dos professores de História e de Geografia então ele precisa de uma formação mais global para que todos os professores tenham acesso a elas e é uma leitura mais aprofundado dessa questão do racismo no Brasil e acho que isso é um papel importante (Entrevistado 24). Assim, constata-se que os entrevistados estão conscientes da necessidade de realização de ações para melhoria das práticas educativas para concretização da aplicação da Lei 10.639/03 nas escolas do município de Cachoeiro de 92 Itapemirim, para que, assim, os seus princípios e recomendações possam ser atendidos. Segundo Paula (2005) apud Santos & Silva (2005), para mudar e transformar a realidade em que vivemos, precisamos conhecê-la, entendê-la e aceitar nossas limitações e fragilidades, para que possamos construir ações coletivas que nos ajudem a mudar a realidade que nos incomoda. Categoria 9: Comentários livres dos entrevistados Ao solicitar aos entrevistados que fizessem algum comentário a mais, se houvesse e se assim o desejassem, eles colocaram “falas” de otimismo, esperança e determinação. Como por exemplo: Um comentário final é que, eu acho muito importante essa pesquisa a respeito desse assunto, pois nós vivemos em uma sociedade muito preconceituosa e ao mesmo tempo racista, mesmo que digam e tentam parecer que não, nós que defendemos a causa e temos consciência, temos o dever, na formação e devemos sempre voltar a esse assunto,, sempre debatendo e sempre dando formação, principalmente aos alunos, para ajudar na formação de uma sociedade mais justa e igualitária (Entrevistado 5). Pra trabalhar esse assunto eu me coloco como parte integrante dele, falo da minha formação familiar, falo onde os meus antepassados eram senhores de fazenda que se casou com uma escrava e mostro o meu cabelo, a cor da minha pele para que eles possam perceber que todos nós sofremos essas influências e que temos de valorizar as nossas origens Entrevistado 7). Como eu disse no início o preconceito existe tem muitas pessoas que não demonstram, mas no fundo ainda são preconceituosas e espero que no futuro as pessoas se amem mais, não olhem para a pele do outro, mais sim, olhem por dentro, que olhem a alma. As pessoas ultimamente estão vendo tanto a pele, o corpo, tanto o material, vendo mais o externo do que o interno. Então para acabar com isso tem se olhar mais a alma do outro, o ser (Entrevistado 8). [...] isso é importante pra estar levando a democracia para todas as esferas da sociedade (Entrevistado 10). É muito importante levantar um questionamento sobre este assunto, eu acho que só resolve o problema quando a gente levanta a causa desse problema, pois se ele vai abafar nunca seremos resolvidos então nós temos que questionar, tem que falar pra que a coisa comece a mudar (Entrevistado 14). Esse assunto sobre o racismo é um assunto que eu tenho interesse, porque como professor estar em sala de aula para gente conviver com tanta injustiça, com tanta humilhação (Entrevistado 16). 93 A questão do racismo, preconceito e discriminação são na minha concepção um dos problemas mais sérios assim, graves que a nossa sociedade enfrenta, porque, porque são questões graves? Porque em alguns momentos as pessoas fazem vista grossa para este problema do racismo e ao longo da história fomos conhecendo e como a gente vai vendo que ideologicamente foi sendo construído no Brasil, que temos uma Democracia racial. Achamos que no Brasil as pessoas todas são tratadas iguais e da mesma forma isso vai escondendo na verdade uma ferida aberta, séria, profunda que precisa ser tratada. Só que na maioria das vezes ele é visto como uma questão secundária ma ela é séria, porque ela envolve a escola, ela envolve a família, envolve o Sistema Político, envolve as questões econômicas, então é um problema muito sério (Entrevistado 24). Só tenho que agradecer pela oportunidade de estar tratando um pouquinho desse tema essa é um tema que estamos lidando bastante com ele e que nos toca diretamente não só por sermos negros, mas por sermos educadores e por lidarmos com essa criança que é negra, de estarem com sua autoestima às vezes feridas, de estar com sua iniciativa às vezes também frustrada, de estar retida dois, três, quatro anos e a gente precisa, precisa gritar contra o racismo eu acho que a nossa sociedade, o Brasil é um país maravilhoso, muito extraordinário e ele precisa dar o exemplo do tratamento dessa questão (Entrevistado 24). Observa-se que as entrevistas proporcionaram reflexão e responsabilidade em todos os posicionamentos dos profissionais, com riqueza dos depoimentos, experiências, dos fragmentos, na esperança de um desenvolvimento de uma proposta enriquecedora, que faça a diferença na prática pedagógica de gestão e docência na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, promovendo uma sociedade mais justa e igualitária. Paula (2005) apud Santos & Silva (2005) afirma que o Brasil precisa aprender a olhar e se ver, pois precisamos construir uma pedagogia multirracial e popular que ajude a educar o Brasil com raça, uma vez que nossa sociedade só se desenvolverá quando combater as desigualdades sociais. Houve o cuidado de separar os pontos a serem questionados a partir das categorias escolhidas: Situação Funcional e Tempo de Serviço do Servidor, Formação dos Servidores, Participação, Realização de Atividades sobre Racismo na Escola, Conflitos, Atitudes Racistas Percebidas na Escola, Nível de Conhecimento, Formação Sobre a Lei 10.639/03. Tudo isso, visando à necessidade de se trabalhar a História da África e Cultura Afro-Brasileira na escola, onde se buscaram múltiplos olhares de um mesmo objeto, o que 94 propiciou novas perspectivas que tornaram possível a sua ampliação da interpretação. Assim, conviver com a diferença é o grande desafio para se discutir a temática da inclusão. Hoje a intolerância perante o diferente é um dos grandes motivos da exclusão escolar. É necessário denunciar a realidade nas escolas e na sociedade, pois existem barreiras curriculares e de atitudes, falta de conhecimento e de sensibilização e não divulgação dos direitos dos cidadãos, que são fatos que precisam ser combatidos para se diminuir o preconceito e a desigualdade social. Pensar em inclusão social nos remete, necessariamente, ao seu reverso: a exclusão social. Os dados da realidade brasileira e mundial, são tão marcantes quanto a exclusão, que, ao pensar em um projeto sobre ética e cidadania, somos levados a estabelecer a inclusão como um desejo, uma realidade que só se alcançará com grandes transformações sociais e políticas (LODI, 2003, p. 8). Essa inovação não se faz apenas pela obrigatoriedade da lei, mas na quebra de paradigmas, envolvendo os gestores, pedagogos, professores, alunos e a comunidade no levantamento e na busca de soluções para os problemas que enfrentam sobre inclusão e diversidade, imprimindo a essa mudança um caráter de construção coletiva, isto é, de toda equipe escolar. Nesse contexto, define-se este fazer como tecnologia social: ...conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para a inclusão social e melhoria das condições de vida (DAGNINO, 2009, p. 7). Nesse processo, é necessária a mobilização de todos do espaço escolar, de forma a participar e contribuir na construção de um novo modelo de educação e que as soluções surjam das demandas sociais no diálogo com as necessidades identificadas. Desse modo se favorecerá um processo de aprendizado para a produção de saberes em diferentes níveis de aprendizagens para que se consiga alcançar inclusão nas escolas trabalhando a questão do racismo na sociedade, propiciando possibilidades de se 95 conseguirem progressos significativos no trabalho dos gestores, pedagogos e professores com a Lei 10.639/03 e por meio da adequação das práticas pedagógicas à diversidade. É como eu falei no começo, a escola tem que estar voltada para um trabalho se preocupando com esse racismo velado que ele existe e que nós temos a preocupação de mostrarmos para os nossos alunos que nós somos iguais independentes de raça,classe social, de físico esse é o papel da escola é promover a igualdade dentro das diferenças (Entrevistado 14). Nas entrevistas, procurou-se detectar e perceber as concepções dos sujeitos entrevistados nas questões também voltadas ao racismo, discriminação, preconceito racial e à Lei 10.639/03, com as categorias: Os sujeitos entrevistados, Percepção sobre o racismo na sociedade e na escola, Sobre as possíveis causas da origem do racismo, Situações reais de racismo, Discriminação e preconceito na escola e seu enfrentamento, Dificuldades encontradas para se trabalhar o racismo na mesma. Atividades planejadas e desenvolvidas na escola sobre a História da África e Afro-Brasileira, Ações para acabar com o racismo na escola grau, Conhecimento da Lei 10.639/03 e Comentários livres dos entrevistados. Percebeu-se que a relação dialógica com as questões raciais requer investimento na compreensão e melhoria da práxis dos gestores, pedagogos e professores no que tange às questões da Lei 10.639/03. Eu acredito que talvez por falta de apoio da administração, pela parte que muitas vezes nós nos sentimos muito sozinhos, falta suporte talvez por causa do tempo, talvez oportunidade na escola pra que este tema seja abordado, as vezes na comemoração na festinha para comemorar isso aí, mas, uma coisa mais séria que se pede realmente para se combater o racismo, então fica difícil (Entrevistado 16). Segundo Munanga & Gomes (2006), aprender a conhecer o Brasil é aprender a conhecer a história e cultura de cada um dos seus componentes para que assim possamos entender a nossa história e identidade, começando pelo estudo de todas as matrizes culturais, de forma que reflitam na nossa sala de aula. 96 CONSIDERAÇÕES FINAIS Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje! Martin Luther King Jr. Esta pesquisa sobre “As Práticas de Gestão e Docência no Município de Cachoeiro de Itapemirim a partir da Lei 10.639/03” teve a finalidade de apresentar reflexões no que se refere a analisar e compreender as dificuldades no âmbito da gestão e da docência na realização e operacionalização da Lei 10.639/03, com vistas à superação do racismo nas escolas de Educação Básica. Neste ano em que comemoramos oito anos de aprovação da lei 10.639/03, verifica-se a existência do racismo, preconceito e discriminação nas escolas, e poucas ações concretas. Conclui-se que é necessário desenvolver um trabalho de forma processual, pois trabalhar a diversidade é de suma importância, já que esta é muito mais que cultura, é a construção social e cultural no processo histórico, nos fazendo enxergar as diferenças. Assim, é de suma importância que os educadores tenham em seu papel desconstruir o conceito negativo colocado pelos grupos elitizados sobre o povo negro. Segundo Souza (2009), apesar de a promulgação da Lei 10.339/03 ser uma resposta da luta do MN e de todos que acreditam numa sociedade mais igualitária e democrática, sua aplicabilidade não tem sido fácil. A pesquisa de trabalho com relações étnico-raciais na escola, na perspectiva da Lei 10.639/03, aponta o importante papel da instituição escolar, da gestão da escola e do professor na sala de aula em desenvolver de forma democrática e participativa trabalhos dinâmicos, coletivos, articulados, enraizados e conceitualmente sólidos, voltados para a educação das relações étnico-raciais e promovendo a aquisição de conhecimentos. 97 Mediante estudos realizados e dentre os resultados encontrados, destaca-se que as metodologias trouxeram resultados satisfatórios como a percepção das dificuldades dos gestores, pedagogos e docentes de trabalharem a questão do racismo, pois, apesar de maneira esporádica, de forma pontual, estes sentem a necessidade de estudar a Lei 10.639/03, bem como se aprofundar na história da África e cultura afro-brasileira. Entretanto, alguns valores ainda se mantêm em patamares muito altos, como a questão da dificuldade de se lidar na sala de aula, e na escola de maneira geral, com situações de racismo, discriminação e preconceito. Tudo isso foi depreendido das respostas dos entrevistados quando questionados sobre que práticas educativas deveriam ser concretizadas em sua escola para atender os princípios e as recomendações da Lei 10.639/03. Dentre várias respostas, destacam-se as seguintes: Formação, pois se tivesse mais cursos sobre a Lei, esclarecimentos, um Dia de Estudo só de análise, por exemplo,que pode ser feito na escola, pois quando você abre para a rede toda você tem um espaço muito maior, pois quando se trabalha dentro da escola momentos de estudos dedicado a essas lei a gente poderia estudar cada ponto da Lei, pontuando e vê desde de que ponto nós podemos estar trabalhando para fazer valer mais essa Lei na escola, assim, dentro da escola momentos de formação continuada é importante (Entrevistado 3). Conhecimento sobre a lei, informações diversas e que isto pudesse acontecer em todo o ano letivo e não só no período em que se comemora a consciência negra no Brasil que é 20 de novembro e sim ter um prática constante (Entrevistado 7). Acho que a questão central é inserir essa questão no que acontece no dia a dia, porque na escola a gente convive em conflito cotidiano, perceber uma situação e intervir. Quando há essa abertura estabelecer um diálogo e a sensibilização pra que esse tipo de preconceito não volte a ocorrer isso no âmbito da sala de aula [...] (Entrevistado 2). [...] eu não posso trabalhar o treze de maio no vinte de novembro porque isso não é inserir, não é colocar em prática esta Lei, outra coisa importante é entender que isso é uma Lei, e, como Lei ela precisa ser cumprida, [...] precisa-se de formação para este profissional porque eu quero frisar isso porque, por exemplo, a Lei 10.639 o ensino da História da cultura Afro-Brasileira não pode ser trabalhada só em História e em Geografia, nem Artes ou em Língua Portuguesa, ela precisa ser trabalhada em Língua Portuguesa, ela precisa ser trabalhada em História, Geografia, Ensino Religioso, 98 Artes, Educação Física todos os componentes curriculares e aí o que acontece às vezes fica tudo em cima das costas dos professores de História e de Geografia então ele precisa de uma formação mais global para que todos os professores tenham acesso a elas e para uma leitura mais aprofundada dessa questão do racismo no Brasil e acho isso um papel importante (Entrevistado 24). Nesta perspectiva, a questão do trabalho com inclusão racial precisa ser adequada à escola, que é a realidade local. Para isso, são necessárias mudanças de paradigma na educação e na sociedade, de forma que estas repensem o seu papel e vejam como serão inserido nessa nova realidade, para que a educação não fique só nas mãos dos educadores, mas de todos: família, escola, igreja e sociedade em geral, pois a educação é muito importante. Gomes (2007) aponta que, para se ampliar a responsabilidade do Estado diante das múltiplas dimensões e complexidades no que tange à questão racial, é necessário instigar o MEC, secretarias de educação e escolas a buscarem alternativas para implementar, de forma efetiva, políticas que visem garantir a totalidade dos direitos da população negra. No decorrer da pesquisa, percebeu-se a necessidade de se trabalhar a questão do racismo na escola de forma mais enfática, mas ficou claro que a grande demanda é iniciar um trabalho contínuo com os gestores, pedagogos e os professores da Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim sobre a Lei 10.639/03 e a História da África e a Cultura Afro-Brasileira. Um trabalho de forma interdisciplinar e articulada ao PPP de cada escola, para que se possa dar mais visibilidade aos negros que contribuíram na construção da história do Brasil e do mundo. Assim se dará, consequentemente, mais segurança aos gestores, pedagogos e professores para desenvolverem um trabalho na escola e, ao mesmo tempo, dar aos alunos mais interesse pelas questões étnico-raciais. Para que essa transformação ocorra, há a necessidade de se refletir: “Que sujeito estamos formando?”, e daí, promover inovações nas escolas para que atendam à implementação da Lei 10.639/03, incrementando o sistema de 99 gestão e intensificando no PPP novas relações para a construção de novas formas de trabalho na prática pedagógica sobre o racismo, discriminação e preconceito. É na escola que o indivíduo aprende e põe em prática os primeiros princípios da cidadania e respeito à diversidade, é onde se desenvolvem as habilidades intelectuais e cognitivas, onde se aprende a socialização, convivência em grupo e a aprendizagem lida com as diferenças individuais, significativa numa desenvolvendo perspectiva uma social: escola/professor/aluno/pais/comunidade. Em relação aos avanços na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, houve no ano de 2010 a criação do CEAFRO, que vem atuando de uma forma um tanto tímida. Vale destacar que de 2003 até a presente data foram feitos dois eventos pela Rede Municipal de Educação: o I Seminário Regional Sul de Igualdade Racial, para todos os profissionais, com palestras e atividades diversificadas no Pavilhão da Ilha da Luz, em 2007, e o I Fórum de Escolas Públicas e Privadas das Relações Étnico-Raciais do Município de Cachoeiro de Itapemirim, em 2011, para representantes das escolas. Em 2007 foi oferecido um Curso de Formação para representantes de algumas escolas sobre História da África e Cultura Afro-Brasileira em parceria com o Centro Universitário São Camilo Espírito Santo, e que não atingiu um número significativo de profissionais da Rede Municipal de Educação. Considerando que as perspectivas desta pesquisa são “As Práticas de Gestão e Docência a partir da Lei 10.639/03”, pode-se afirmar que o questionário, onde se buscou mensurar a percepção do racismo, discriminação, preconceito racial a luz da Lei 10.639/03, atingiu seu objetivo Na entrevista, obtivemos inúmeros posicionamentos. Dentre elas destacamos: “[...] se tivesse mais cursos sobre a Lei, esclarecimentos, um Dia de Estudo só de análise, por exemplo, que pode ser feito na escola [...]”(Entrevistado 3). “Bom, eu acho que a questão central é inserir essa questão no que acontece no dia a dia [...] (Entrevistado 2). 100 Nesta perspectiva, percebe-se que é necessário desenvolver um trabalho de formação continuada com os gestores, pedagogos e professores da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim enfocando a Lei 10.639/03 e História da África e Cultura Afro, refletindo-se: “Como se tem lidado com a diversidade? Qual conhecimento é necessário adquirir? Como enfrentar a questão do racismo na escola?”, para que, a partir daí, se coloque um eixo pedagógico com a diversidade e se busque desenvolver na sala de aula um trabalho de releitura da escravidão, do Continente Africano, dos negros que se destacaram nesta trajetória de luta até os dias de hoje e muito outros olhares. Tudo isso deve ser norteado, pautado pelo princípio da relação humana e ética. Sabemos que a educação tem muito a caminhar para uma efetiva formação profissional, lutando pelo direito à formação continuada. Diante de tudo isso, foi elaborado um Produto da Dissertação (Apêndice D), de forma inovadora, que visa a um trabalho de conscientização, um trabalho processual e contínuo para gestores, pedagogos e docentes, capacitando-os para a realização de mudanças efetivas em prol da transformação da realidade da diversidade racial nas escolas da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim. Mantoan (2005) afirma que inclusão é a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro, forma de conviver e compartilhar com pessoas diferentes, e é nos bancos escolares que se aprende a dividir responsabilidades e a repartir tarefas. Assim, a capacitação e a participação são alternativas que nos direcionam a olhar a diversidade e trabalhar com ela e não contra ela, contribuindo muito para que o processo educacional possa alcançar melhores resultados na formação do aluno como verdadeiro cidadão. E também, no trabalho do professor, que deve ser um educador e um profissional-cidadão, capaz de exercer seu profissionalismo por meio da consciência crítica sobre o saber que se socializa na escola. Nesta perspectiva, é importante reconhecer e valorizar a diversidade como elemento enriquecedor do processo de ensino-aprendizagem, fazendo, com 101 isso, com que os professores tenham sensibilização e consciência do modo como atuam, para promover a aprendizagem de todos os alunos permitindo que todos tenham possibilidades de construir um conjunto de saberes. Para isso será proposto um Produto da Dissertação que venha atender as necessidades dos gestores, pedagogos e professores, no que tange trabalhar na escola atividades multidisciplinares voltadas para a questão do racismo, discriminação e preconceito, com vistas a atender a Lei 10.639/03. REFERÊNCIAS AGUIAR, Carla Osório de & ARAUJO, Leonor. Resistir sempre, parar jamais: A História Contemporânea do Movimento Negro no Brasil – da Declaração de Durban à Promulgação da Lei nº 10.639. Brasília: MEC, 2010. Disponível em: <http://www.erer.neaad.ufes.br/login/index.php>. Acesso em 3 abr. 2011. 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Acesso em 19 abr. 2011. 105 APÊNDICES Apêndice A - Questionário Prezado: Estamos realizando uma pesquisa nas escolas do município e por isso solicitamos, por gentileza, que responda às perguntas abaixo relacionadas. Suas informações são de fundamental importância para esta pesquisa. Escola: ________________________________________________________ Nome:__________________________________________________________ 1- Você atua na Rede Municipal de Ensino como efetivo, contratado ou designação temporária (DT): ( ) de 2003 em diante ( ) depois de 2003 2- Você atua como: ( ) gestor ( ) pedagogo ( ) professor de ____________ 3- Você se formou em qual instituição? Qual sua habilitação e ano de conclusão? Instituição: __________________________________________________ Habilitação___________________________________________________ Ano de Conclusão: ___________________ 4- Você já planejou ou participou de alguma atividade relacionada à cultura afro-brasileira na sua trajetória profissional? ( ) sim ( ) não 5- Se você respondeu “sim” à pergunta anterior, preencha o quadro a seguir: Atividade Ano de Realização Escola Breve descrição 106 6- Na(s) atividade(s), sua atuação se caracterizou por: ( ) participação como assistente; ( ) propositor da atividade; ( ) organizador da atividade; ( ) todas as alternativas; ( ) outras. Especifique: _______________________________________ 7- Marque com x a opção ou opões que retratam sua vivência sobre a questão do racismo. ( ) Percebo essa questão na escola de forma clara. ( ) Percebo essa questão na escola de forma sutil. ( ) Percebo conflitos referentes a essa questão em sala de aula. ( ) Percebo conflitos referentes a essa questão no recreio. ( ) Existe(m) em meu planejamento de trabalho proposta(s) para enfrentamento dessa questão. ( ) Existe proposta de trabalho no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola para se trabalhar essa questão. ( ) Tenho preocupação antirracista. ( ) Existe preocupação antirracista por parte dos meus colegas de trabalho. ( ) Percebo atitudes racistas em alguns colegas de trabalho. ( ) Percebo atitudes racistas em alguns alunos da escola. ( ) Na escola são desenvolvidas atividades antirracistas. ( ) Na escola existem propostas antirracistas não desenvolvidas. ( ) Não percebo preocupações e/ou atividades antirracistas na escola. 8- Sobre a Lei 10.639/03, ( ) não tenho nenhuma informação sobre ela. ( ) sei que existe, mas não conheço o seu conteúdo. ( ) não conheço seu conteúdo, mas já ouvi comentário sobre ela. ( ) conheço o seu conteúdo. ( ) já participei de discussões e/ou debates sobre ela. 107 9- Se você já participou de algum encontro, estudos ou curso que tenham abordado a Lei 10.630/03 situe-os nas linhas a seguir. ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ 10- Na sua trajetória Profissional na Rede Municipal de Ensino, quantas vezes recebeu desse órgão informação e/ou proposta de atividades que tivessem caráter antirracista ou de afirmação da cultura afro-brasileira? ( ) Nenhuma ( ) Uma. Qual? _____________________________________________ ( ) Mais de uma. Quais?_____________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ 11- Sobre trabalhar a cultura afro-brasileira em sala de aula, você considera: ( ) desnecessário ( ) necessário 12- Sobre problematizar o racismo em sala de aula, você considera ( ) necessário e de fácil abordagem. ( ) necessário e de difícil abordagem. ( ) desnecessário. ( ) nunca pensei na questão. 13- Coloque a seguir algum comentário a mais se houver e se assim o desejar. ____________________________________________________________ ___________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ 108 Apêndice B – Entrevista Identificação do sujeito entrevistado: a) Nome: b) Formação: c) Tempo na rede: d) Tempo na escola: e) Idade: 1- Como você vê a questão do racismo, discriminação ou preconceito na sociedade? 2- Como você vê a questão do racismo, discriminação ou preconceito na escola? 3- Em sua opinião, quais seriam as origens do racismo, discriminação ou preconceito na escola? 4- Você já presenciou alguma situação de racismo, discriminação ou preconceito na escola envolvendo aluno ou algum profissional? 5- Você já enfrentou situações constrangedoras de racismo, discriminação ou preconceito na escola? Qual foi sua atitude? 6- Qual (quais) são as dificuldades que os profissionais têm de trabalhar a questão do racismo, discriminação ou preconceito na escola? 7- Você percebe algum profissional enfrentando situações de racismo, discriminação ou preconceito no ambiente de trabalho? 8- Quais atividades são desenvolvidas em sua escola para trabalhar sobre a História da África e Afro-brasileira? Explique 109 9- Qual (quais) atividade(s) relacionada(s) à cultura afro-brasileira você planejou e realizou durante sua trajetória profissional a partir de 2003? Quais foram mais significativas e por quê? 10- Qual (quais) seriam as ações para se acabar com racismo, discriminação ou preconceito na escola? Qual o papel do gestor, pedagogo e professor? 11- Você conhece a Lei 10.639/03? 12- Que práticas educativas deveriam ser concretizadas em sua escola para atender os princípios e recomendações da Lei 10.639/03? 13-Faça algum comentário a mais se houver e se assim desejar. Obrigada! 110 Apêndice C - Quadro das escolas da rede municipal de educação de Cachoeiro de Itapemirim Nº Nomes das EMEBs 01 02 EMEB “Anacleto Ramos” EMEB "Anísio Vieira de Almeida Ramos" EMEB “Áurea Bispo Depes" EMEB “Galdino Theodoro da Silva” EMEB “Jácomo Silotti” EMEB “Jenny Guárdia” EMEB “Julieta Deps Tallon” EMEB “Luiz Marques Pinto” EMEB “Luiz Pinheiro” EMEB “Luiz Semprini” EMEB “Maria das Dores Pinheiro Amaral” EMEB “Maria Stael de Medeiros Teixeira” EMEB “Monte Alegre” EMEB “Monteiro Lobato” EMEB “Nossa Senhora das Graças” EMEB “Oscar Montenegro Filho” EMEB “Oswaldo Machado” EMEB “Pe. Gino Zatelli” EMEB “Prof. Athayr Cagnin” EMEB “Prof. Deusdedit Baptista” EMEB “Prof. Elísio Cortes Imperial” EMEB “Prof. Florisbelo Neves” EMEB “Prof. Pedro Estellita Herkenhoff ” EMEB “Profa. Gércia Ferreira Guimarães” EMEB “Profa. Mª do Carmo Magalhães” EMEB “Rev. Jader Gomes Coelho” EMEB “São Francisco de Assis” EMEB “São Luiz Gonzaga” EMEB “São Vicente” EMEB “Newton Braga” EMEB “Prof. Valdyr Freitas” EMEB “Zilah Lima de Moura” TOTAL 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 Gestor Professores 40 30 Total 01 01 Pedagogos 04 04 01 01 01 01 01 01 01 01 01 03 06 03 02 03 05 02 02 02 20 43 25 27 28 44 15 17 30 24 50 29 30 32 50 18 20 33 01 03 20 26 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 03 02 02 02 02 03 02 01 03 07 10 28 17 22 15 17 20 22 10 41 40 12 33 20 25 18 20 24 25 12 45 48 10 03 17 16 01 04 26 31 20 01 01 05 07 06 01 01 01 01 01 01 01 32 03 02 02 01 04 03 01 82 22 20 12 13 30 35 12 730 26 23 14 15 35 38 14 848 11 10 13 45 35 Responderam 10 10 10 10 07 11 05 19 05 10 13 210 111 Apêndice D – Projeto de Dissertação CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL PRODUTO DA DISSERTAÇÃO Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre a Cultura Afro – brasileira nas Escolas a partir da Lei 10.639/03 ALDA MARIA SILVA FRANCISCO ORIENTADORA: Profª Dra Adilene Gonçalves Quaresma Belo Horizonte 2012 112 ALDA MARIA SILVA FRANCISCO Este Produto foi elaborado a partir da Dissertação de Mestrado intitulada “As Práticas de Gestão e de Docência na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo a partir da Lei 10.639/03”de Alda Maria Silva Francisco sob a orientação da Profª Dra Adilene Golçalves Quaresma Belo Horizonte 2012 113 Educar para a inclusão é não separar o lugar e o tempo de aprender do lugar e do tempo de ensinar. Onde e quando se aprende também se ensina. E todos ensinam e aprendem. Nesse processo, o papel do educador é dar sentido a essa construção. A formação não pode se dar no vazio (ANTUNES & PADILHA, 2004). 114 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................... 115 2 JUSTIFICATIVA................................................................... 118 3 REFERENCIAL TEÓRICO................................................... 121 4 PÚBLICO-ALVO................................................................... 126 5 OBJETIVOS......................................................................... 126 6 METODOLOGIA................................................................... 127 7 RECURSOS.......................................................................... 139 8 CRONOGRAMA ................................................................... 139 9 AVALIAÇÃO......................................................................... 130 10 REFERÊNCIAS................................................................... 130 APÊNDICES......................................................................... 132 ANEXOS 159 115 INTRODUÇÃO Aqui está o grande desafio da educação como estratégia na luta contra o racismo, pois não basta à lógica da razão científica que diz que biologicamente não existem raças superiores e inferiores, como não basta a moral cristã que diz que perante Deus somos todos iguais, para que as cabeças de nossos alunos possam automaticamente deixar de ser preconceituosas. Como educadores, devemos saber que, apesar da lógica da razão ser importante nos processos formativos e informativos, ela não modifica por si o imaginário e as representações coletivas negativas que se tem do negro e do índio na nossa sociedade. (MUNANGA, 2005) A educação é um grande mecanismo de transformação da sociedade. Ela é essencial no processo de formação da sociedade e também abre caminhos para a preparação de uma verdadeira cidadania. Cada escola é composta de diferentes olhares culturais, pois tem na sua história suas preocupações, o que a faz diferente das outras, e os seus currículos devem ser abertos e flexíveis para atender as peculiaridades sociais e culturais de seus alunos. Ela também é o local ideal para se trabalhar a questão do racismo, pois é o ambiente formado por uma população com diversos grupos étnicos, com seus costumes e suas crenças. Lidar com as diferenças não é fácil, é uma das maiores dificuldades do ser humano. Em relação às diversidades, na maioria das vezes, revelam-se a tensão, a intolerância, a discriminação e o preconceito, que são como uma porta negativa sem fundamentos para com as diferenças manifestadas nas várias dimensões da vida humana. Assim, é papel da escola buscar promover o ser humano de forma democrática e com sua integralidade, estimulando a formação de valores, hábitos e comportamentos para que se respeitem as diferenças e as características próprias de grupos e minorias. Ela deve buscar proporcionar diversos conhecimentos e aprendizagens para que consiga propiciar um ensino de 116 qualidade a todos, respeitando os conhecimentos prévios, aqueles que cada um traz consigo, valorizando-os e acrescentando novos conhecimentos. Segundo Gomes, O percurso de normatização decorrente da aprovação da Lei nº 10.639/03 deveria ser mais conhecido pelos educadores e educadoras das escolas públicas e privadas do país. Ele se insere em um processo de luta pela superação do racismo na sociedade brasileira e tem como protagonistas o Movimento Negro e os demais grupos e organizações partícipes da luta antirracista. Revela também uma inflexão na postura do Estado, ao pôr em prática iniciativas e práticas de ações afirmativas na educação básica brasileira, entendidas como uma forma de correção de desigualdades históricas que incidem sobre a população negra em nosso país (GOMES, 2011). Nessa perspectiva, o trabalho com inclusão e diversidade tem passado por mudanças paradigmáticas tanto na abordagem dos termos inclusão e diversidade quanto no questionamento da ordem vigente, tornando-se um tema atual e relevante que precisa ser adequado à escola dentro da sua realidade local. Vivemos em sociedades heterogêneas compostas por diferentes grupos humanos com interesses, classes e identidades em conflito. Essas diferenças vão desde as características físicas até às psicológicas, sociais e culturais. Diversificar não significa formar grupos homogêneos com as mesmas dificuldades e características, mas aproveitar a diversidade existente no grupo para a troca de experiências e o crescimento de cada um. Historicamente, a escola tem dificuldades para lidar com a inclusão e a diversidade, o que faz com que as diferenças tornem-se problemas. A mudança mais expressiva para se trabalhar a inclusão e diversidade foi à aprovação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas Escolas de Educação Básica. Nesta perspectiva, foi feita a Pesquisa intitulada “As Práticas de Gestão e Docência na Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, a partir da Lei 10.639/03”, onde se percebeu a necessidade de 117 proporcionar aos gestores, pedagogos e professores formação continuada para o desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada para a questão do racismo, de forma processual, inclusiva e interdisciplinar. Eu acho que deveria ser mais bem divulgado a Lei, o número da Lei porque às vezes trabalha tudo que está sendo imposto na Lei e na verdade a gente não está sabendo que está trabalhando essa Lei na escola [...] (Entrevistado 22). [...] eu acho que falta mesmo é um pouco mais de incentivo das pessoas que estão dentro da escola para nos dar esta prática pois querendo ou não em nossa sociedade o negro ele é tratado como tal porque a gente aceita [...] (Entrevistado 19). [...] capacitar mais os nossos professores, informar os professores porque os professores para falar desse tema ele tem que estar bem informado então nesses estudos estar buscando informar, focar neste assunto com os professores, envolvendo a família que é importante, a comunidade de como se discute esses assuntos igual sempre estar buscando [...] (Entrevistado 14). Esta pesquisa tem como produto final o Projeto intitulado “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre a Cultura Afro-brasileira nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” que visa atender às expectativas dos profissionais da educação garantindo dois grandes eixos: Formação de Professores, como uma proposta de Formação Continuada, e a questão pedagógica, educacional e instrumental, de forma processual e interdisciplinar no decorrer de todo o ano letivo. Buscando assim, desenvolver um trabalho que passe a fazer parte do cotidiano escolar, do imaginário pedagógico e da política educacional do município de Cachoeiro de Itapemirim, e não mais sendo a Lei vista simplesmente como uma legislação específica, vindo do MEC, mas algo que faça parte da prática educativa cotidiana. Percebeu-se também durante a pesquisa a necessidade de se trabalhar um projeto de intervenção que primasse pela importância e valorização da cultura negra no interior das escolas do município, criando espaços para a aquisição de conteúdos da História da África e da Cultura Afro-Brasileira, bem como as manifestações artísticas que possam proporcionar reflexão crítica da realidade 118 e afirmação positiva dos valores culturais negros pertencentes à nossa sociedade como um todo. Assim, o eixo Formação de Professores, enfatizará a educação das relações étnico-raciais, a História da África e Afro-Brasileira, a partir da Lei 10.639/03, oportunizando a aquisição de conhecimentos teórico-práticos. O eixo da questão pedagógica, educacional e instrumental será voltado para o Referencial Curricular do Município, para o PPP das escolas e para os planos de ensino e de aula do professor, ambos primando para despertar a consciência crítica a respeito da necessidade de combater o racismo, discriminação e o preconceito nas escolas da Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, à luz da Lei 10.639/03, possibilitando visibilidade dos negros pelo viés da escola. Gestores, pedagogos e docentes deverão exercer suas práticas educativas voltadas para um trabalho processual e interdisciplinar e para que os discentes se construam como sujeitos do processo ensinoaprendizagem. 2 JUSTIFICATIVA Mediante pesquisa realizada, os resultados encontrados foram satisfatórios. Percebeu-se que os gestores, pedagogos e professores buscam trabalhar fundamentalmente a questão do combate ao racismo na escola a partir da lei 10.639/03, porém de maneira esporádica, de forma pontual. No entanto, eles manifestam a necessidade de estudar a Lei 10.639/03, bem como de se aprofundarem em estudos sobre História da África e Cultura Afro-Brasileira. Entretanto, alguns valores ainda se mantêm em patamares muito altos, como a dificuldade de se lidar na sala de aula e na escola, de maneira geral, com situações de racismo, discriminação e preconceito. Nesta perspectiva, a questão do trabalho com inclusão racial precisa ser adequada à escola, que é a realidade local. Para isso, são necessárias mudanças de paradigma na educação e na sociedade, de forma que estas 119 repensem o seu papel e vejam como serão inseridas nessa nova realidade, de forma que a educação não fique só nas mãos dos educadores, mas de todos: família, escola, Igreja e sociedade em geral, pois a educação é muito importante. Tudo isso é resultado de um novo cenário que se configura na sociedade e na educação do século XXI, visando a novas perspectivas para o gestor, pedagogo e professor inseridos no mercado de trabalho, sob diversas abrangências, vivendo assim um momento particular de discussões sobre a superação do racismo, discriminação e preconceito a partir da Lei 10.639/03. Apesar da promulgação da Lei 10.639/03 constituir-se em uma resposta às demandas do Movimento Negro e a todos aqueles que vêm lutando por uma sociedade brasileira mais democrática a sua aplicação não tem sido uma tarefa fácil: muitas vezes os professores não se sentem motivados em cumprir leis que consideram vir de escalões superiores, não se sentem preparados para lidar com as questões e tem aqueles que ainda acreditam no mito da democracia racial ou acreditam “tocar na ferida”, preferindo o silêncio para “não provocar constrangimentos” (SOUZA, 2009, p.8). Apesar de a questão da diversidade humana estar ganhando mais espaço, enfrentar os desafios de trabalhar a inclusão e diversidade na sala de aula para a mobilização das potencialidades não é tarefa fácil. Há alguns desafios que dificultam o trabalho diversificado, como o currículo, a interdisciplinaridade e o domínio do assunto. O preconceito leva à discriminação, ocasionando problemas de interação entre os alunos e entre alunos e professores o que tem feito com que a sala de aula venha a tornar-se local de exclusão social. Neste contexto, este Produto da Dissertação intitulado “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03”, será tentativa de resgatar a dificuldade de se trabalhar a questão do racismo pelos gestores, pedagogos e professores nas Escolas de Educação Básica do Município de Cachoeiro de Itapemirim primando por uma formação continuada para melhoria da prática pedagógica. Isso, buscando executar um 120 trabalho em sala de aula de forma processual, interdisciplinar, com aquisição de domínio do conteúdo da Lei 10.639/03, da História da África e Cultura AfroBrasileira, buscando desenvolver um trabalho de reflexão e consciência crítica dos professores e alunos. [...] Há diferenças entre as aulas – enriquecidas pelo diálogo com os alunos, o que possibilita retomar e aprofundar a análise de diversos aspectos dos temas apresentados, agregar problemas e refazer argumentos [...] o que inclui retomar o trabalho de reflexão [...] como ponto de partida para novos pensamentos (HERNANDEZ, 2008, p. 16). Assim, Gestores, Pedagogos e Professores deverão participar de Formação Continuada iniciando por analisar as contribuições decorrentes da promulgação da Lei Federal nº 10.639/03, na prática educativa, tendo em vista trabalhar em prol do respeito às diferenças no ambiente escolar, da valorização cultural do povo negro, com o intuito de formular uma perspectiva pedagógica que aponte algumas alternativas de intervenção no currículo prescrito. De acordo com Gomes, A escola tem papel importante a cumprir nesse debate. E é nesse contexto que se insere a alteração da LDB, ou seja, a Lei nº 10.639/03. Uma das formas de interferir pedagogicamente na construção de uma pedagogia da diversidade e garantir o direito à educação é saber mais sobre a história e a cultura africanas e afrobrasileiras. Esse entendimento poderá nos ajudar a superar opiniões preconceituosas sobre os negros, a África, a diáspora; a denunciar o racismo e a discriminação racial e a implementar ações afirmativas, rompendo com o mito da democracia racial (GOMES, 2011). Será necessário refletir, discutir e trabalhar o racismo, estruturando uma educação antirracista para os gestores, pedagogos e professores que atuam diretamente na escola com os alunos e com a comunidade, visto que o racismo é uma herança colonial e um elemento estrutural das sociedades modernas e que continua presente em práticas educativas. A oficialização do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira no currículo da rede pública e privada de ensino do país é um grande marco no sentido de 121 introduzir na educação brasileira a valorização da história dos negros e a participação de outras culturas e não apenas a europeia. Além da necessidade de diminuir as desigualdades sociorraciais históricas existentes em nossa sociedade, fortalecendo e promovendo a reconstrução das relações étnico-raciais no ambiente escolar em todo o país e, em especial, no Município de Cachoeiro de Itapemirim pela vivência democrática, ética e cultural necessária, com participação de todos os membros da comunidade escolar. Assim, [...] nos instiga a pensar sobre os atuais desafios teórico-práticos para o trabalho com as relações raciais no cotidiano escolar. [...] de forma visceral, questões que afetam a todos que fizeram da negritude uma causa de lutas em suas vidas, e, em especial na educação (SOUZA, 2009, p. 8). O diferencial deste Produto consiste em redirecionar, corrigir rumos pedagógicos e também de propiciar aos gestores, pedagogos e professores uma relação interdisciplinar com o estudo da Lei 10.639/03, com o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica na Rede Municipal de Educação do Município de Cachoeiro de Itapemirim, com ação contínua e processual. 3 REFERENCIAL TEÓRICO Hoje, mais do que nunca, a Educação não pode mais ficar presa a velhas concepções sem atender as necessidades da sociedade. A inclusão é uma realidade que precisa ser vista dentro do novo conceito de que é importante permitir que as questões afro aprovadas na Lei 10.639/03 sejam estudadas para sua aplicabilidade efetiva nas escolas. A questão do racismo, preconceito e discriminação são na minha concepção um dos problemas mais sérios, graves que a nossa sociedade enfrenta. São questões graves, porque em alguns momentos as pessoas fazem vista grossa para o problema do racismo, que ao longo da história fomos conhecendo como que, a gente vai vendo como ideologicamente foi sendo construído no Brasil de que temos uma Democracia racial, de que nele as pessoas todas são tratadas iguais, da mesma forma, isso vai escondendo na verdade uma ferida aberta, séria, profunda e precisa ser tratada. Só 122 que na maioria das vezes ele é visto como uma questão secundária ma ela é séria, porque ela envolve a escola, ela envolve a família, envolve o sistema Político, envolve as questões econômicas, então é um problema muito sério (Entrevistado 24). No decorrer da pesquisa, percebeu-se a necessidade de se trabalhar a questão do racismo na escola de forma mais enfática, mas ficou claro que tudo deve iniciar-se com um trabalho com os gestores, pedagogos e os professores da Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim. Eu acho que as dificuldades maiores é a questão da família, porque quando essa criança traz de casa essa questão do preconceito e aí fica muito mais difícil você tirar da cabecinha da criança, agora quando a criança tem consciência às vezes ela chega aqui, mas a gente chama a família, conversa com a família e ficam admirados que não são eles que ensinam, então fica complicado aí, quando vem da família a questão do preconceito Entrevistado 18). Eu acho que as atitudes que deveriam ser tomadas junto à escola, junto à Secretaria de Educação dando mais ênfase e não só quando chega a Semana da Consciência Negra. Devem-se ter as apresentações periódicas, estudos periódicos sobre este assunto para estar concretizando mais, dando mais ênfase a criança, pois quanto mais você bate na tecla mais a criança vai aprender, então não deixar só para certa data e sim estar trabalhando sempre (Entrevistado 21). Para que a transformação ocorra, é necessário promover inovações nas escolas, a fim de que atendam a implementação da Lei 10.639/03, incrementando o sistema de gestão e intensificando um trabalho do pedagogo e docentes na melhoria da prática pedagógica voltada para o ensino da História da África e cultura Afro-Brasileira, de forma processual e interdisciplinar. A problematização sobre inclusão tem se ampliado de forma progressiva na sociedade brasileira nessa última década, envolvendo tanto as práticas cotidianas dessas relações, os embates e ações políticas como as construções conceituais. A inclusão denuncia o abismo existente entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é reveladora desse abismo que precisa ser preenchido com ações democráticas a favor do paradigma da diversidade. [...] Isso revela o quanto a questão racial é um assunto que extrapola fronteiras nacionais. Ela é uma questão de todos nós e possui uma dimensão histórica, cultural, social, política, econômica e educacional que deveria ser mais debatida e discutida. [...] tal diálogo é possível, sim,e caminha no sentido de que o sistema escolar, as escolas,e os 123 docentes assumam como função a garantia dos direitos culturais dos coletivos étnico-raciais que fazem parte de nossa formação social, política e cultural (GOMES, 2007, p. 8-9). Nessa perspectiva, precisa ser levado em consideração o papel dos movimentos sociais na efetivação dessas mudanças, em especial do Movimento Negro, que há muito tempo vem lutando pela implementação de políticas públicas que garantam o acesso dos negros e pobres da sociedade aos direitos essenciais a vida, como emprego, moradia, educação e saúde. Além de garantir o reconhecimento das diferenças como marca de todo um trabalho dedicado à humanidade e não somente como uma forma de se justificarem os processos de desrespeito e discriminações sofridos desde sua vinda para o Brasil até os dias de hoje. De acordo com Souza: Em pleno século XXI, não é raro encontrarmos a concepção de que o cotidiano escolar é um espaço neutro com proposta de ensino aprendizagem desprovida de valor que favoreçam qualquer grupo social. Mas, na verdade, o que se tem são várias ações escolares que, raramente, favorecem a população mais pobre e oprimida. Como a população negra, em sua maioria, está inserida nesse grupo, podese dizer que muitas escolas ainda não valorizam atividades pedagógicas que valorizem esta população. [...] As manifestações culturais, políticas e econômicas dos povos africanos e afrobrasileiros, com contribuições mais significantes para uma sociedade moderna não são consideradas (SOUZA, 2009, p. 7). É importante criarem-se novas relações para se construírem novas formas de trabalho, pois o conhecimento do trabalho só pode ser feito pelos profissionais que o realizam. A escola é uma instituição de mediação social, ela pode somente reproduzir valores a serviço dos interesses do mercado, do capital ou pode ser um espaço também de invenção, em que as contradições surgem, mas são encaradas como possibilidade de crescimento, investigação, potencialidade para o movimento de mudança social. Daí a importância de a escola buscar ter em seu PPP um questionamento ao currículo monocultural, refletindo que momento histórico a comunidade quer comemorar, refletir a visão universalista ao lidar com o outro, apelando para a teoria de que “somos todos iguais” e que, assim, é cruel não falar da história do outro, é uma forma 124 de discriminação. O currículo ajuda a produzir representações e deve produzir sujeitos pensantes capazes de reescrever sua história, daí a necessidade de se refletir: “Que sujeito está-se formando? Que cidadão se quer formar?”. O ensino e a aprendizagem seriam mais relevantes e significativos e, em consequência, o alunado veria que as instituições escolares lhes são de enorme ajuda para conhecer e entender seu próprio entorno, outros lugares mais afastados, o mundo e a vida neste planeta cada vez mais globalizado e, portanto, independente (SANTOMÉ apud FERRAÇO, 2011, p. 63). É necessário, ao trabalhar a Lei 10.639/03 pelos gestores, pedagogos e professores da Rede Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, refletir como se tem lidado na prática lidar com a diversidade, para que, a partir daí, se coloque um eixo pedagógico com a mesma. É importante que se busque desenvolver na sala de aula um trabalho de releitura da escravidão, do Continente Africano, dos negros que se destacaram nesta trajetória de luta até os dias de hoje e muitos outros olhares. Tudo isso deve ser norteado, pautado, pelo princípio da relação humana e ética. Para trabalhar relações raciais no espaço escolar, o professor, além de conhecer sobre o assunto, deverá estar comprometido politicamente com certas questões que diz respeito às consequências das experiências que as crianças negras passam. [...] Mas, há de se percorrer um longo caminho para que o professorado, como categoria, compreenda a importância de sua prática e se dispa da ingenuidade de acreditar na ingenuidade do seu trabalho, de suas ações e de sua postura (SOUZA, 2009, p. 64). A questão da diversidade humana está ganhando mais espaço, mas enfrentar o desafio de trabalhar a inclusão e diversidade na sala de aula para a mobilização das potencialidades não é tarefa fácil, pois a sociedade brasileira é pluriétnica e pluricultural. O Brasil é um país de grande extensão territorial, intensa diversidade Regional, racial e cultural. Ele se destaca como uma das maiores sociedades multirraciais do mundo e abriga um continente significativo de descendentes de africanos dispersos na diáspora[...] Mas em que contexto histórico, social, cultural e político as identidades negras se constroem no Brasil? (GOMES, 2007, p. 9798). 125 Sabe-se que após a promulgação da constituição de 1988 o Brasil vem, a cada dia, buscando efetivar a condição de um Estado democrático de direito com ênfase na cidadania e na dignidade da pessoa humana. A sanção da Lei 10.639/2003 foi uma grande iniciativa, um grande passo inicial rumo ao povo negro brasileiro, porque ela abre caminho para que o Brasil adote medidas para corrigir os danos nas diversas dimensões: materiais, físicas, psicológicas e outras que também são resultantes do racismo e de formas conexas de discriminação, que implicam, por exemplo, em condições econômicas, sociais e educacionais desiguais para a população negra brasileira. O negro ainda possui uma realidade marcada de preconceito, racismo e discriminação aos descendentes, que historicamente enfrentam dificuldades para o acesso e permanência nas escolas. O Racismo é um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor da pele, tipo de cabelo, formato de olhos, etc. Ele é resultado da crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira (MUNANGA, 2006, p. 179). É na escola que o indivíduo aprende e põe em prática os primeiros princípios da cidadania, respeita a diversidade, desenvolve suas habilidades intelectuais e cognitivas, aprende a se socializar, conviver em grupo e a lidar com as diferenças individuais, desenvolvendo uma aprendizagem significativa numa perspectiva social: escola/professor/aluno/pais/comunidade, pois estes são sujeitos sociais pertencentes a diferentes grupos étnico-raciais com histórias de vida, representações, experiências, identidades, crenças, valores e costumes próprios que interagem no ambiente escolar, formando e enriquecendo o contexto da diversidade. Assim, a inclusão e a participação são alternativas que nos direcionam a olhar a diversidade e trabalhar com ela, e não contra ela, contribuindo muito para o processo educacional alcançar melhores resultados na formação do aluno como verdadeiro cidadão e no trabalho do professor, que deve ser um 126 educador e um profissional-cidadão, capaz de exercer seu profissionalismo pela consciência crítica sobre o saber que se socializa na escola. 4 PÚBLICO-ALVO Participarão diretamente desse projeto Gestores, pedagogos e seus respectivos professores, além de pedagogos da Secretaria Municipal de Educação (SEME). 5 OBJETIVOS 5.1- Geral Promover formação continuada de gestores, pedagogos e professores para uma educação das relações étnico-raciais, sobre a História da África e AfroBrasileira a partir da lei 10.639/03, proporcionando a oportunidade de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e despertando a consciência crítica a respeito da necessidade de combater o racismo, discriminação e o preconceito. 5. 2- Específicos • Estudar a lei 10.639/03 e suas implicações. • Estudar, refletir e discutir sobre a herança cultural africana e suas contribuições para a formação da sociedade brasileira. • Estimular o convívio com a diversidade cultural étnica e a troca de experiências. • Identificar, conhecer, valorizar e promover as manifestações culturais de grupos sociais, visando assim à conscientização sobre dignidade e igualdade. • Desenvolver o respeito mútuo, a solidariedade, o espírito crítico com diálogo e compreensão entre as diferentes culturas. 127 • Identificar as variações linguísticas trabalhando o respeito, de acordo com as situações de produção do vocabulário afro. • Trabalhar para a superação da discriminação relacionada às diferentes formas de falar, vestir, dentre outras, do povo brasileiro, por meio de atividades prazerosas e desafiadoras. • Promover a valorização da identidade cultural do grupo étnico Afrobrasileiro. • Destacar e divulgar a contribuição da cultura africana na formação da cultura brasileira. • Promover reflexões, tendo em vista a construção de estratégias que contribuam para o resgate da autoestima da etnia negra. • Promover reflexão sobre o preconceito embutido nos rótulos, apelidos atribuídos aos negros que ocasionam a construção do sentimento de submissão de um grupo étnico. • Identificar a capoeira, danças narrativas e cantos afro-brasileiros, estimulando o contato com elementos de socialização. • Incentivar e desenvolver trabalhos objetivando a inclusão cultural e a cidadania ativa dos movimentos culturais negros. • Realizar oficinas para gestores, pedagogos e professores. 6 METODOLOGIA A metodologia deste Produto será desenvolvida em dois grandes eixos: Formação de Gestores, Pedagogos e Professores, como uma proposta de Formação Continuada, e a questão pedagógica, educacional e instrumental de forma processual e interdisciplinar. Após cada módulo, os profissionais, que computarão horas a combinar com o grupo de profissionais envolvidos, deverão aplicar em sua escola o que contará como atividades de práticas pedagógicas e terão de produzir um relatório com fotos, depoimentos e outros materiais para possíveis apresentações na Rede Municipal. Eixo 1: Formação de Professores como uma proposta de Formação Continuada: 128 Este eixo visa contribuir para a aquisição de fundamentação teórica e reflexões da Lei 10.639/03, da História da África e da Cultura Afro-Brasileira. • Módulo 1- Estudo da Lei 10.639/03; • Módulo 2- Estudo e discussão sobre História da África; • Módulo 3- Cultura afro-brasileira; • Módulo 4- Um novo olhar sobre a História Nacional, Regional e Local; • Módulo 5- Seminário: Discutindo a Questão Étnico-Racial. Eixo 2- questão pedagógica, educacional e instrumental de forma processual e interdisciplinar. Este eixo promoverá reflexões e proposições acerca do trabalho pedagógico sobre a Lei 10.639/03, da História da África e da Cultura afro-brasileira nos documentos da escola e no fazer pedagógico na sala de aula. • Módulo A- Conhecendo a minha escola; • Módulo B- Dialogando com os documentos Pedagógicos; • Módulo C- Dialogando com a sala de aula; • Módulo D- Articulando teorias às Práticas Étnico-Raciais das Escolas; • Módulo E- Seminário Final. Será proposto que cada módulo tenha suas respectivas atividades teórico práticas correspondendo a 10 h, totalizando assim 100 h de projeto. Dentre as ações, teremos nos módulos a realização de oficinas pedagógicas intercaladas entre os dois módulos, com atividades teórico-práticas realizadas nas escolas pelos participantes visando articular teoria e prática e estimular os demais profissionais a participarem das atividades que o Projeto propõe. As oficinas serão enriquecidas com produção de material didático; realização de pesquisa sobre o tema em estudo; exibição de slides, filmes, vídeos e DVD; estudos e debates; produção de dicionários de dialeto afro; Rodas de Conversa, enfocando a implantação da Lei 10.639/03 no Currículo Escolar; 129 formação de professores e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais. 7 RECURSOS: 7.1 Humanos: gestores, pedagogos e professores das escolas e da SEME, palestrantes e promotores das oficinas. 7.2 Materiais: espaço físico, data show, papel ofício para elaboração de textos e apostilas para os participantes, livros de literaturas, revistas, jornais, pincéis atômicos, cola, papel cenário, tesouras, colas, atividades diversas, folhas A4, máquina fotográfica, sbanner, som, sucatas, slides, filmes, vídeos, CD e DVD. 8- CRONOGRAMA Módulos Apresentação do Projeto SEME e as escolas Módulo 1- Estudo da Lei 10.639/03 Módulo 2- Estudo e discussão sobre História da África Módulo 3- Cultura Afro-Brasileira Módulo 4- Um novo olhar sobre a História Nacional, Regional e Local Módulo 5- Seminário: Discutindo a Questão Étnico Racial Módulo AConhecendo a minha escola Módulo BDialogando com os documentos pedagógicos Mar. X Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. X X X X X X X Out. Nov. Dez. 130 Módulo CDialogando com a sala de aula Módulo DArticulando teorias às Práticas Étnicoraciais das Escolas Módulo E- Seminário Final Confraternização e Avaliação Final X X X X E mais: relatórios, fotografias e filmagens das oficinas e práticas desenvolvidas; aprofundamento de estudos em direção à religiosidade, a partir do interesse manifestado pelos participantes; exploração da presença da corporeidade na maioria das manifestações da arte e da cultura afro-brasileira. 9- AVALIAÇÃO: A avaliação será processual, de diferentes estratégias, por meio da observação na participação das oficinas, anotações e das demais atividades propostas, além dos registros dos momentos vivenciados durante a intervenção pedagógica, relatos e relatórios. Haverá também uma avaliação final por meio de relatos e preenchimento de uma pequena ficha para se colherem opiniões e críticas. 10- REFERENCIAS BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara. A África está em nós; história e cultura afro-brasileira. João Pessoa PB: Grafset, 2004. BÔAS, Juliana Villas et al.Brasil Multicolorido: um novo olhar. Belo Horizonte: Edição do autor, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2009. 131 _______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP n. 03/2004. Dispõe sobre As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Diário [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 maio 2004b. _________. Ministério da Educação. Orientações e ações para a educação das relações étnico raciais. Brasília: MEC, 2010. FERRAÇO,Carlos Eduardo. Currículo e educação básica: por entre redes de conhecimentos, imagens, narrativas, experiências e deveres. Rio de Janeiro: Rovelle, 2011. GENTILE, Paola. África de todos nós. São Paulo: Nova Escola, p42-49, Nov, 2005 GOMES, Nilma Lino (org). Um olhar além das fronteiras: educação e relações raciais. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. _________________ Educação, relações étnico-raciais e a Lei 10.639/03. http://www.acordacultura.org.br/artigo-25-08-2011. Visitado em 17/01/2012. HERNANDEZ, Leila Leite. A áfrica na sala de aula: visita à história contemporânea. 3ed,São Paulo: Selo Negro, 2008. MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006. _____________, Kabengele (org). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Educação das Relações Étnico-Raciais. Belo Horizonte; Mazza Edições, 2007. SOUZA, Maria Elena Viana (org). Relações raciais o cotidiano escolar: diálogos com a lei 10.639/03. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009. 132 APÊNDICES Apêndice 1- “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 1: Formação de Professores como uma Proposta de Formação Continuada: Oficina 1- Módulo 1: Estudo da Lei 10.639/03 Objetivo: Estudar a Lei 10.639/03 e os conceitos de racismo, discriminação e preconceito baseado no texto abaixo. 1- A Lei 10.639/03 e sua importância na Educação Por meio de data show, será apresentada a Lei 10.639/03 (Anexo A da Dissertação) em seguida, em pequenos grupos receberão a Lei, que deverão ler, discutir e apresentar as possíveis dúvidas. 2- Trabalhando Mapa Conceitual Sua tarefa será ler individualmente o texto 2.1 desta dissertação, intitulado de Racismo: Sua Trajetória de Luta, Resistência e Mudança, da página 22 a 33 para escolher, no mínimo, 5 palavras-chave que garantam o entendimento do texto. Agora, em grupos de 5 alunos (A), façam as atividades que seguem. Com as palavras listadas individualmente, organize o quadro abaixo: PALAVRAS CHAVES A.1 A.2 A.3 A.4 A.5 133 3- Escolham no mínimo 6 e no máximo 12 das palavras encontradas por vocês. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ 1- Com as palavras escolhidas, organizem um mapa conceitual. Orientações para a elaboração do mapa: a. identifique os conceitos-chave do conteúdo que vai mapear e ponha-os em uma lista. Limite entre seis e dez o número de conceitos; b. ordene os conceitos, colocando-os mais gerais, mais inclusivos, no topo do mapa e, gradualmente, vá agregando os demais até completar o diagrama de acordo com o princípio da diferenciação progressiva. Algumas vezes é difícil identificar os conceitos mais gerais, mais inclusivos; nesse caso é útil analisar o contexto no qual os conceitos estão sendo considerados ou ter uma ideia da situação em que tais conceitos devem ser ordenados; c. se o mapa se refere, por exemplo, a um parágrafo de um texto, o número de conceitos fica limitado pelo próprio parágrafo. Se o mapa incorpora também o seu conhecimento sobre o assunto, além do contido no texto, conceitos mais específicos podem ser incluídos no mapa; d. conecte os conceitos com linhas e rotule essas linhas com uma ou mais palavras-chave que explicitem a relação entre os conceitos. Os conceitos e as palavras-chave devem sugerir uma proposição que expresse o significado da relação. e. setas podem ser usadas quando se quer dar um sentido a uma relação. No entanto, o uso de muitas setas acaba por transformar o mapa conceitual em um diagrama de fluxo; f. evite palavras que apenas indiquem relações triviais entre os conceitos. Busque relações horizontais e cruzadas; g. exemplos podem ser agregados ao mapa, abaixo dos conceitos correspondentes. Em geral, os exemplos ficam na parte inferior do mapa; h. geralmente, o primeiro intento de mapa tem simetria pobre e alguns conceitos ou grupos de conceitos acabam malsituados em relação a outros que estão mais relacionados. Nesse caso, é útil reconstruir o mapa; 134 i. talvez, neste ponto, você já comece a imaginar outras maneiras de fazer o mapa, outros modos de hierarquizar os conceitos. Lembre-se que não há um único modo de traçar um mapa conceitual. À medida que muda sua compreensão sobre as relações entre os conceitos, ou à medida que você aprende, seu mapa também muda. Um mapa conceitual é um instrumento dinâmico, refletindo a compreensão de quem o faz no momento em que o faz; j. compartilhe seu mapa com colegas e examine os mapas deles. Pergunte o que significam as relações, questione a localização de certos conceitos, a inclusão de alguns que não lhe parecem importantes, a omissão de outros que você julga fundamentais. O mapa conceitual é um bom instrumento para compartilhar, trocar e “negociar” significados; Exemplo de um mapa conceitual 135 Após a elaboração do mapa, troque-o com outro grupo, indicado pela professora promotora da oficina, o qual deverá avaliar: Sim As informações estão organizadas hierarquicamente? As implicações entre os elementos estão claras, ou seja, é possível verificar entre as palavras relações, tipo, “é”, “tem” etc.? A estrutura do mapa representa adequadamente as relações pretendidas pelo texto? Mostra entendimento do conceito ou princípio, manifestada no emprego da terminologia adequada? Constrói um mapa conceitual apropriado e completo? O mapa é fácil de interpretar? Avaliadores 1. 2. 3. 4. 5- Não Às vezes Rubrica 2- Refaçam o mapa para entregar à professora. 3- Após a construção do mapa, discutam no grupão: a- Você concorda com as ideias contidas no texto? Por quê? b- Como gestor, pedagogo ou professor, você considera viável transpor para a prática os princípios pedagógicos acima apresentados? Argumente. Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 1ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Março Prezado Profissional: Iniciamos nossa Formação Continuada e vimos a importância de se trabalharem as questões étnico-raciais na escola no decorrer de todo ano letivo. Assim, como estamos no mês de março, a primeira atividade é pesquisar sobre personalidades negras que deixaram ou estão deixando sua contribuição nos diversos setores da sociedade, como expressões culturais, desportivas, artísticas, políticas, musicais, religiosas etc. e desenvolver em sua escola uma prática educativa que deverá ser comprovada por relatório com fotos enviados à SEME. Sugestão de leitura: MUNANGA & GOMES. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global,cap7, 2006 Sucesso! 136 Apêndice 2: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas, a partir da Lei 10.639/03” Eixo 2- questão pedagógica, educacional e instrumental de forma processual e interdisciplinar. Oficina 2- Módulo A- Conhecendo a minha escola Objetivo: Verificar a realidade de sua escola para proporcionar aos professores, alunos e comunidade condições de apropriarem-se de novos saberes sobre a Lei 10.639/03, História da África e Cultura Afro-Brasileira. Desenvolvimento: 1- Iniciaremos com a Dinâmica “Você me Completa” seguida de partilha. 2- Abordagem com o aparelho data show sobre “Superando o Racismo na Escola”, baseado no livro de Kabengele Munanga. 3- Em grupos, estudos, reflexão e discussão dos textos do livro “Superando Racismo” de Kabengele Munanga, com seleção de palavras. 4- Cada grupo receberá uma folha de papel cenário e pincéis atômicos onde escreverão as palavras e apresentarão por meio delas o seu texto. 5- Serão informados da importância de conhecerem os diferentes olhares que temos na escola sobre a questão étnico-racial. 6- Apresentação do questionário, que deverá ser aplicado, e dos dados deverão ser computados pela escola. Práticas pedagógicas e inovações metodológicas sobre o racismo nas escolas a partir da Lei 10.639/03” 2ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Abril Prezado Profissional: Vimos nesta Oficina a importância de conhecer o perfil de nossa Comunidade Escolar em relação a questão étnico-racial, assim, a tarefa teórico - prática deste mês é a aplicação nas escolas do questionário (anexo C). Você deverá computar e elaborar um relatório com fotos e outros materiais e enviar à SEME. Sucesso! 137 Apêndice 3: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 1: Formação de Professores como uma proposta de Formação Continuada Atividade 2- Módulo 2- Estudo e discussão sobre História da África Objetivo: identificar tempo e espaço da origem dos grupos africanos que vieram para o Brasil, reconhecendo o tráfico humano como uma atividade fundamental para o capitalismo mercantilista, identificando também os diferentes tipos físicos entre os africanos e perceber os diferentes tipos de religião, costumes e línguas presentes na África. Desenvolvimento a) Iniciar questionando sobre o que sabem, que ideias e opiniões, dúvidas ou hipóteses têm sobre a África, buscando valorizar seus conhecimentos. A seguir, passar um vídeo sobre o Continente Africano e, em seguida, propor novos questionamentos. b) Formar 7 pequenos grupos que receberão materiais de sucatas diversos e textos do livro “Origens africanas do Brasil contemporâneo: história, línguas, culturas e civilizações”, de Kabengele Munanga, que deverão ler, refletir, discutir e apresentar de forma criativa. c) Finalizando, cada grupo discutirá como esse tema pode ser trabalhado em sua escola e escolherá um relator para apresentá-lo. Essas apresentações serão entregues, e a SEME providenciará uma cópia para cada escola. 138 “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 3ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Maio Prezado Profissional: Dando continuidade à nossa tarefa teórico-prática nas escolas, você deverá escolher uma temática sobre a África, de acordo com a oficina realizada, e aplicar em sua escola. Em seguida elaborar um relatório com fotos e outros materiais e enviar à SEME. Referência Bibliográfica: MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil contemporâneo: histórias, línguas, culturas e civilizações. São Paulo: Global, 2009. Sucesso! 139 Apêndice 4: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 2- questão pedagógica, educacional e instrumental de forma processual e interdisciplinar. Oficina 4- Módulo B - Dialogando com os documentos Pedagógicos Objetivo: estudar, refletir e discutir a importância de se articular teoria e prática nas questões raciais fundamentando-se na Lei 10.639/03 no âmbito da escola, no que tange aos currículos e práticas escolares para afirmar a história, a memória e a identidade do povo negro e dos afrodescendentes, reestruturando os seus documentos normativos pedagógicos, promovendo a inserção da temática racial no PPP com reflexões, debate teórico e reflexivo sobre a questão racial e sua efetivação. Desenvolvimento: 1- Mensagem de abertura no aparelho data show e som: Circo de Soleil seguida de partilha espontânea. 2- Em grupos, estudo do texto “Orientações para (re)elaboração do Projeto Político Pedagógico das Escolas Municipais”, do site: http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espacovirtual/espaco-praxispedagogicas/GEST%C3%83O/orientacoes%20para 20elaboracao....pdf 3- Em grupos, analisar se o PPP da sua escola contempla na sua concepção a Lei 10.639/03 de forma explícita e o ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira de forma articulada aos conteúdos de diferentes áreas. Em grupos, discutir e registrar como sua escola pode envolver professores, alunos, gestores, pedagogos e a comunidade na implementação efetiva para um trabalho estratégico sobre diversidade étnico-racial. 140 4- Escolher um relator do grupo para apresentar e entregar à SEME, que fará cópia como sugestão para todas as escolas. “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 4ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Junho Prezado Profissional: Vimos nesta Oficina a importância de analisar o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP) e reconstruí-lo em consonância com o Referencial Curricular Municipal, de forma a refletir no Plano de Ensino e de Aula. Assim você deverá coletivamente retomar este trabalho na escola e elaborar um relatório com fotos e outros materiais e enviar à SEME. Sugestão: Proposta de Trabalho da página 132 do Livro “A História da África na Educação Básica”, de Rosa Margarida de Carvalho Rocha. Sucesso! 141 Apêndice 5: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 1: Formação de Professores como uma Proposta de Formação Continuada Atividade 5Módulo 5- Seminário Municipal: Discutindo a Questão Étnico-Racial Objetivo: participar de discussão, reflexão e trocas de experiências sobre as questões Étnico-Raciais desmitificando visões equivocadas e realizar relatos de experiências. Desenvolvimento 1- Decorar o ambiente com banner e demais trabalhos das escolas da Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim. 2- Realizar a abertura com apresentação afro de uma escola da Rede Municipal de Educação 3- Compor a mesa com as autoridades: Prefeito Municipal, Secretária Municipal de Educação, Presidente da Comissão de Estudos AfroBrasileiros (CEAFRO) e demais autoridades presentes. 3- Cantar o Hino Nacional (Estilo Afro) e o Hino do Município. 4- Convidar as autoridades presentes para fazer a abertura do evento. 5- Convidar os palestrantes para compor a mesa: • Profa. Msc Jaqueline Ramalho Nogueira - Coordenadora do Curso de História do Centro Universitário São Camilo - ES e da Rede Estadual de Ensino. Tema: O Negro no Espírito Santo; • Psicólogo Msc Ricardo Souza, do Centro Universitário São Camilo - ES. Tema: A Questão Étnico-Racial no Brasil e no Mundo; • Prof. Msc Adilson dos Santos - Coordenador do Referencial Curricular da Rede Municipal de Educação e Professor do Centro Universitário São Camilo - ES. Tema: Trabalhando a Questão Racial à Luz da Lei 10.639/03; 142 • Pedagoga MSc Keila Cristina Belo Oliveira – Profª do Consultora Educacional Tema: A Questão Étnico-Racial na Educação Infantil; • Msc Alda Maria Silva Francisco - Coordenadora do Curso de Matemática do Centro Universitário São Camilo - ES. Mediadora. 4- Plenária. 5- Relatos de Experiência das escolas selecionadas previamente. 6- Apresentação do grupo de dança da Comunidade Quilombola do Distrito de Monte Alegre - Cachoeiro de Itapemirim. 143 Apêndice 6: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 1: Formação de Professores como uma proposta de Formação Continuada Oficina 6- Módulo 3- Cultura Afro-Brasileira Objetivo: Explorar e discutir a questão do racismo e da cultura afro-brasileira para entender nossa história e identidade. Desenvolvimento 1- Apresentar no aparelho data show um vídeo sobre a vinda dos negros para o Brasil e abrir para discussões. 2- Formar sete grupos. Cada um receberá figuras recortadas em 5 partes para realização da seguinte dinâmica: 1º) cada aluno recebe um pedaço de uma figura; 2º) os alunos procuram as outras partes para formarem a figura; 3º) quando os alunos formam a figura, sentam-se em grupo e falam o que entenderam da figura; 4º) depois de todos os grupos falarem sobre a figura, cada um recebe um texto do livro “O Negro no Brasil de Hoje, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, relacionado à figura, o qual deverão ler, refletir, discutir e apresentar de forma criativa; 5º) os grupos apresentam sua produção; 6º) finalizando, cada participante deverá, em círculo, avaliar com uma palavra o que foi a oficina de hoje. “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 6ª Tarefa Teórico - Prática do Mês de Agosto Prezado Profissional: Este mês você deverá escolher uma temática sobre Cultura Afro-Brasileira de acordo com a oficina realizada e aplicar em sua escola. Em seguida elaborar um relatório com fotos e outros e enviar à SEME. Referência Bibliográfica: MUNANGA & GOMES. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, cap7, 2006. Sucesso! 144 Apêndice 7: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 2- questão pedagógica, educacional e instrumental de forma processual e interdisciplinar. Oficina 7- Módulo C: Dialogando com a sala de aula Objetivo: Vivenciar atividades contextualizadas voltadas para a inserção das questões étnico-raciais aplicáveis na sala de aula. Desenvolvimento 1ª) Explorando a questão afro na Música. Uma adaptação de: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html? aula=5438 Objetivo: Explorar e aprofundar a reflexão sobre a questão afro na música, de forma a contribuir para o desenvolvimento sensorial, emocional e cultural dos alunos. Desenvolvimento 1- Questionar quais contribuições os negros trouxeram para o Brasil. 2- Estimular todos a cantarem as duas músicas abaixo, percebendo sons, ritmos, instrumentos musicais. a) Kizomba, festa da raça (Anexo D) b) Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós! (Anexo 4) 3- Fazer esclarecimentos sobre cada uma das músicas quanto aos seus autores e personagens retratados nas letras. 4- Colorir as palavras afros e procurar o significado no dicionário, anotandoo de acordo com o sentido da palavra na frase. 5- Formar grupos para reler as letras, procurando entender o significado de cada uma das estrofes. 6- Em grupos, discutir cada uma das estrofes com os colegas e o professor. 145 7- Cada dois grupos ficará com um mesmo samba para responder, por escrito, às questões relativas à interpretação de cada um dos sambas com os seguintes comandos. COMANDO A De acordo com o samba-enredo Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós!, discuta quem foi o responsável pela abolição da escravatura no Brasil. Apresente sua resposta cantando uma estrofe da música. COMANDO B De acordo com o samba-enredo Kizomba, festa da raça, discuta quem foi o responsável pela abolição da escravatura no Brasil. Apresente sua resposta cantando uma estrofe da música. COMANDO C Discuta e reflita se esses dois sambas-enredo fazem a mesma interpretação histórica sobre a abolição da escravidão. Justifique sua resposta. COMANDO DDiscuta qual dos dois sambas-enredo se assemelha à História Oficial sobre a abolição? Fundamente sua resposta Discuta qual dos dois sambas-enredo se assemelha à História Oficial sobre a abolição. Fundamente sua resposta. 5- ATIVIDADES PARA TODOS OS GRUPOS Estas atividades são para se trabalharem as possibilidades interpretativas a serem exploradas por alunos, professores, pedagogos e gestores no debate dos dois sambas-enredo. 146 Atividade 1 Na leitura e compreensão das letras é possível perceber que os dois sambasenredo fazem interpretações diferentes sobre a Abolição da Escravidão. A interpretação oficial sobre a abolição aparece no samba-enredo Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós! De acordo com essa interpretação, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel acabou com a escravidão no Brasil, concedendo a liberdade aos escravos por meio da assinatura de uma lei, a Lei Áurea, entrando para a História como uma heroína, a redentora. Observe que a estrofe que menciona o fato traz a leitura de que o sujeito da ação é a princesa – ao escravo coube dançar e comemorar o grande feito, o fim da sina. A letra, além de reforçar um dos mitos mais tradicionais sobre a abolição, também faz alusão a outros mitos igualmente cristalizados na história oficial do Brasil. Por exemplo, quando cita o Duque imortal, numa referência a Duque de Caxias, consagrado como herói, sobretudo por sua participação na guerra à qual a letra do samba se refere: a Guerra do Paraguai, ocorrida de 1865 a 1870, envolvendo o Brasil, a Argentina e Uruguai contra o Paraguai. Nesta guerra, Caxias foi nomeado comandante das forças aliadas (exércitos do Brasil, Argentina e Uruguai). Ao contrário de Caxias, os escravos negros que lutaram e morreram na Guerra do Paraguai, muitos deles buscando a conquista da sua liberdade, não são mencionados pela História Oficial. Mas Caxias garantiu a sua imagem na galeria dos heróis e a partir dela foi instituída uma outra data comemorativa: o 25 de agosto, data do seu nascimento, institucionalizado como o dia do soldado. Outra referência sintomática na letra da música, na última estrofe, diz respeito à bravura realizada por um certo Marechal (Marechal Deodoro da Fonseca), numa certa noite quinze reluzente (15 de novembro de 1889) quando o Marechal que proclamou (proclamou a República no Brasil) foi presidente (Marechal Deodoro da Fonseca foi o primeiro presidente da República do Brasil, governando de 1889 a 1891). Observa-se que na letra da música há um desfile de heróis e fatos relacionados à História do Brasil. 147 Atividade 2 O samba-enredo Kizomba, festa da Raça traz outra interpretação. A letra do samba foi composta no ano em que se comemorou o centenário da Abolição da Escravidão no Brasil: 1988. E nela não há nenhuma referência à Princesa Isabel ou à Lei Áurea. Há sim, uma valorização da figura de Zumbi, Anastácia e Clementina. Zumbi, reconhecido como um dos líderes do Quilombo dos Palmares, tornou-se uma referência para o movimento negro. A escrava Anastácia, considerada um símbolo da resistência negra à escravidão. E Clementina de Jesus, sambista negra que pertencia à comunidade de Vila Isabel. A letra do samba enfatiza aspectos da cultura afrobrasileira e figuras importantes para o movimento negro dentro de uma perspectiva de valorização da luta e resistência dos escravos no processo de Abolição da Escravidão. Há uma clara defesa em favor da recuperação de uma interpretação dos escravos como sujeitos contra aquela visão que reverencia a princesa e caracteriza os escravos como seres passivos e alienados. Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 7ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Setembro Prezado Profissional: Neste mês você deverá trabalhar em sua escola músicas voltadas para temática étnico-racial, explorando-as de acordo com sua criatividade. Em seguida, elaborar um relatório com fotos e outros materiais e enviar à SEME. Sucesso! 148 Apêndice 8: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 1: Formação de Professores como uma Proposta de Formação Continuada Oficina 8 - Módulo 4- Um novo olhar sobre a História Nacional, Regional e Local Objetivo: construir um novo olhar sobre a História nacional, regional e local ressaltando a contribuição dos negros e desmitificando visões equivocadas. • Para iniciar a oficina de hoje será feita, em forma de jogral, a leitura da poesia “Sou Negro” de Solano Trindade (anexo A), seguida de partilha espontânea. • Após a leitura individual da poesia “Majestade África” de Paulo Vaz & Cissa (Anexo B), você deverá retirar dela expressões afros e pesquisar seus significados. • Em grupos, partilhar as palavras pesquisadas. • Em grupos, observar, analisar e discutir a charge abaixo com o olhar sobre a questão afro: Paulo Vaz & Cissa afirmam que: “Ilê, refresca a memória, pois ao longo da história, o negro é antecessor”. Releia o tópico e responda: Você concorda com a abordagem do autor? Argumente para validar sua resposta. 149 Explique como podemos lidar com a questão do racismo, discriminação e preconceito na escola. Relacione a tirinha abaixo com a poesia de Paulo Vaz & Cissa. • De acordo com a sua área de ensino e/ou função que exerce na escola, selecione uma atividade que permita ao educando construir significados e atribuir sentido ao conteúdo aprendido pesquisando em livros didáticos e/ou revistas pedagógicas. Justifique a sua escolha com embasamentos teóricos e apresente para a turma. “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 8ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Outubro Prezado Profissional: Neste mês comemora-se o “Dia das Crianças”. Você poderá aproveitar para trabalhar em sua escola poesias com temáticas Afros usando da criatividade. Em seguida, elaborar um relatório com fotos e outros materiais e enviar à SEME. Sucesso! 150 Apêndice 9: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 2- questão pedagógica, educacional e instrumental de forma processual e interdisciplinar. Oficina 9- Módulo D: articulando teorias às Práticas Étnico-Raciais das Escolas Objetivo: Vivenciar práticas diversas para estudos, reflexões e proposições acerca da melhoria da prática educativa nas questões étnico-raciais na sala de aula. Atividade 1 – Cinema na escola: Este é um rico recurso didático-pedagógico que desperta o interesse, funciona como agente socializador e enriquecedor da cultura afro-brasileira. Desenvolvimento Reunir duas ou mais turmas acompanhadas de seus professores, que inicialmente deverão fazer uma abordagem sobre o objetivo do filme, destacando o que os alunos deverão observar para melhor interação no debate posterior sobre a questão do negro, da diversidade étnico-racial no Brasil e no mundo. Sugestões de Filmes: • Zumbi dos Palmares • Construtores do Brasil • Macunaíma • Um Grito de Liberdade OBS.: o livro “Negritude, Cinema e Educação” de Edileuza Penha de Souza (Organizadora) aborda sobre inúmeros filmes nacionais e internacionais. Atividade 2– Construção de álbum afro Objetivo: Trabalhar a questão afro-brasileira valorizando a interdisciplinaridade, estabelecendo um clima favorável ao desafio, com 151 atividades motivadoras, com oportunidades de interação social e de trocas de experiências, ajudando-os a pensar historicamente o processo histórico do negro no Brasil. Desenvolvimento • Cada pessoa deverá trazer textos e figuras afros. • Serão formados grupos de 5 pessoas. • Cada grupo deverá utilizar seus materiais e construir um álbum com capa, textos, figuras e conclusão. • Em seguida, será feita a apresentação e exposição. • O professor faz o fechamento enfatizando a importância de se ter refletido sobre o reconhecimento, reparação e valorização no negro em nossa sociedade e no país. Atividade 3- Grandes negros brasileiros Objetivo: Identificar negros que se destacaram na História no Brasil e suas contribuições na trajetória histórica do país. Desenvolvimento • Iniciar com questionamento: Qual (quais) negro(s) brasileiro(s) se destacaram no Brasil que vocês conhecem? Deixarem partilhar e, em seguida, apresentar slides com alguns negros brasileiros que se destacaram no Brasil. • Prosseguindo, formarão grupos e cada grupo receberá um texto sobre “Homens e Mulheres Negros: nota de vida e de sucesso”, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, que deverão ler, discutir os trechos selecionados para o seu grupo e apresentar de forma criativa. • Finalizando, deverão escrever num cartão o que acharam da atividade e quais contribuições trouxeram para seu crescimento pessoal. • À proporção que forem partilhando, deverão colar numa folha de papel cenário que ficará exposta na sala de aula e/ou em outro espaço visível da escola. 152 Referência Bibliográfica: MUNANGA, Kabengele, GOMES, O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, p. 199-222, 2006. Atividade 4- Estudo sobre Africanos no Brasil: origens e contribuições Objetivo: estudar, refletir e discutir sobre as origens e contribuições dos Africanos no Brasil visando à construção de uma pedagogia antirracista, promovendo o respeito às diversidades e às peculiaridades do povo brasileiro. Desenvolvimento • Inicialmente deve-se questionar aos alunos como veem a história dos afro-brasileiros e dos africanos. • Em grupos, fazer a leitura de textos diversos do livro “Africanos no Brasil: Origens e contribuições”, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, de forma que cada grupo receberá o seguinte comando: GRUPO 1- Leia, reflita e discuta o texto. Selecione palavras-chave, faça um cartaz e apresente o que entenderam do texto. GRUPO 2- Leia, reflita e discuta o texto. Elabore uma paródia e apresente à turma. GRUPO 3- Leia, reflita e discuta o texto. Selecione palavras-chave, faça um ACRÓSTICO e apresente o que entenderam do texto. GRUPO 4- Leia, reflita e discuta o texto. Selecione palavras-chave e apresente em forma de NOTICIÁRIO DE TV o que entenderam do texto. GRUPO 5- Leia, reflita e discuta o texto. Apresente em forma de DISCURSO POLÍTICO o que entenderam do texto. • Após a construção das atividades, os grupos apresentarão seus comandos. O Professor deverá fazer o fechamento destacando a importância do 153 respeito às diversidades e às peculiaridades na sala de aula, na família, comunidade e na sociedade brasileira. Referência Bibliográfica: MUNANGA, Kabengele, GOMES. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, p. 18-23, 2006. Atividade 6- Explorando a Literatura na sala de aula Objetivo: trabalhar a literatura afro-brasileira para a inserção do tema étnicoracial no currículo e na sala de aula visando à incorporação da dimensão racial e à elevação da autoestima da criança negra. Desenvolvimento • O professor deve criar todo um ambiente para leitura na sala, pátio ou uma área livre da escola. • Ele deve questionar sobre quais situações de racismo, discriminação ou preconceito já vivenciaram ou presenciaram e abrir para partilhas. • Explanar sobre algumas práticas racistas existentes em nossa sociedade. • Formar grupos em que cada um deles receberá um livro de literatura afrobrasileira que deverá ler, discutir a apresentar de forma criativa. Sugestões de livros: 1- Mãe Dinha - Maria do Carmo Galdino 2- Minha mãe é negra sim! - Patrícia Santana 3- Livro do Professor- Maria Catarina Evaristo 4- Que cor é a minha cor? - Matha Rodrigues 5- Lindara- Sonia Rosa 6- Zumbi - Walter Vetillo 7- Betina - Nilma Lino Gomes 8- Gosto de África: história de lá e daqui - Joel Rufino dos Santos • Após as apresentações, os grupos trabalharão com sucatas reproduzindo algo que expresse seu sentimento em relação à leitura e discussão realizada. 154 • Eles deverão partilhar quais contribuições a leitura trouxe para sua vida. • Para fechar a atividade, o professor explanará sobre a importância de atitudes éticas como premissa fundamental para uma verdadeira educação das relações étnico-raciais. Atividade 7- Hemeroteca: estudos sobre a Lei 10.639/03, as questões afrobrasileiras e Matrizes Africanas Objetivo: estabelecer um olhar crítico sobre a lei 10.639/03, as questões afrobrasileiras e Matrizes Africanas visando aproximar o aluno da realidade cotidiana e possibilitando a contextualização das questões raciais no dia a dia escolar, bem como a produção e construção do conhecimento. Desenvolvimento • O professor formará grupos com os alunos e cada grupo ficará responsável por uma temática. • Os participantes farão a seleção das informações, artigos sobre racismo, discriminação, preconceito, a Lei 10.639/03, Matrizes Africanas e temas voltados para as questões afro-brasileiras consistentes com informações específicas, como dados, estatísticas, acontecimentos históricos, descobertas científicas, gráficos, crônicas, ilustrações entre outras. • A seguir, faz-se uma roda de conversa nos grupos e depois um grande círculo com toda a turma para apresentação de diferentes reportagens coletadas. • Prosseguindo, eles irão para trabalho em grupo utilizando também revistas, jornais, folha branca; cola; tesoura e pincel, explorando as manchetes do jornal e os artigos, montando um mural. • Agora, os grupos criarão um texto opinativo e/ou charge. • Organizarão a hemeroteca da sala, apresentando-a para todos os participantes. • O professor faz a conclusão elencando referencias e princípios que contribuam para uma verdadeira educação étnico-racial visando a uma construção harmônica. 155 Atividade 8- O Negro e sua Religiosidade Objetivo: estudar, discutir e pesquisar as religiões de Matrizes Africanas praticadas nas regiões do Brasil e suas características, enfatizando o respeito às opções religiosas da comunidade escolar e da sociedade. Desenvolvimento • O professor faz um planejamento conjunto entre os demais profissionais de outras áreas para que todas as disciplinas possam estar envolvidas com a temática. • Matemática se encarregará da pesquisa das religiões na sala de aula e/ou das famílias, trabalhando porcentagem e dados estatísticos, História enfoca a questão histórica das religiões de matrizes africanas praticadas no Brasil desde o século XVIII. Geografia abordará as regiões, territórios dessas religiões. Ciências enfatizará a melanima, as doenças comuns na raça negra e comida utilizadas nos cultos. Arte ficará com a exploração da realização de trabalhos artísticos, Educação Física com a corporeidade e Português com os verbetes, entrevista e produção de texto. • Podem-se convidar pessoas da comunidade para uma roda de conversa, deve-se antes conversar com os alunos sobre a questão ética e comportamental. • Finalizando, faz-se uma “Mostra Cultural” aberta à comunidade. • É importante avaliar com os alunos e com os profissionais envolvidos os pontos positivos e negativos. Referência bibliográfica: BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara. A África está em nós; história e cultura afro-brasileira. João Pessoa PB: Grafset, p. 29 – 47, 2004 156 “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” 9ª Tarefa Teórico-Prática do Mês de Novembro Prezado Profissional: Neste mês comemora-se o Dia da “Consciência Negra”, vamos dar ênfase às atividades, assim você deverá escolher pelo menos duas das atividades vivenciadas e trabalhar em sua escola. Em seguida elaborar um relatório com fotos e outros materiais e enviar à SEME. Sucesso! 157 Apêndice 10: “Práticas Pedagógicas e Inovações Metodológicas sobre o Racismo nas Escolas a partir da Lei 10.639/03” Eixo 2- Questão Pedagógica, Educacional e Instrumental de forma processual e interdisciplinar. Atividade 10: Módulo E- Seminário Final: Educação das Relações ÉtnicoRaciais a Luz da Lei 10.639/03 Objetivo Geral: Ampliar o debate e discussões sobre Educação das Relações Étnico-Raciais à luz da lei 10.639/03, visando ao aprofundamento dos conhecimentos das relações étnico-raciais e de sua contribuição para a análise de questões relacionadas à formação educacional e cultural contemporânea envolvendo aspectos teórico-metodológicos no trato pedagógico com essa temática em sala de aula. Objetivos específicos • Difundir as discussões étnico-raciais no ambiente escolar. • Debater questões relacionadas às relações étnico-raciais e suas implicações para a educação e na sociedade. • Apresentar ações pedagógicas fundamentadas na Lei 10.639/03 em desenvolvimento nas Unidades Escolares Municipais. • Prestar homenagem a personalidades afrodescendentes do Município. • Realizar furdunço, valorizando a cultura afro-brasileira local. Desenvolvimento • Abertura com as autoridades: Prefeito Municipal, Secretária Municipal de Educação, Presidente da Comissão de Estudos Afro-Brasileiros (CEAFRO) e demais autoridades presentes. • Apresentação do grupo de dança da Comunidade Quilombola do Distrito de Monte Alegre- Cachoeiro de Itapemirim. • Palestra: Educação, relações étnico-raciais e a Lei 10.639/03- Profa. Dra. Nilma Lino Gomes 158 • Apresentação afro de uma Escola da Rede da Municipal de Educação. • Palestra: Aprender, ensinar e relações étnico-raciais na escola: compromisso de todos - Prof. Msc Adilson Santos. • Apresentação afro de uma Escola da Rede da Municipal de Educação. • Música, memória e identidade cultural afro-brasileira- Prof. Dr. Marcelo Ribeiro • Plenária • Relatos de Experiência das escolas selecionadas previamente • Furdunço - Abertura com a Cantora Lecy Brandão e, a seguir, os grupos de Caxambu e pagodes da cidade. 159 ANEXOS Anexo A SOU NEGRO A Dione Silva Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs Contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu. Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi Era valente como quê Na capoeira ou na faca escreveu não leu o pau comeu Não foi um pai João humilde e manso Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malês ela se destacou Na minh'alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação... Da página 9 do livro “A África está em nós” de Roberto Benjamin. 160 Anexo B Agora, um pouco de canto e poesia do Ilê Aiyê Majestade África Paulo Vaz & Cissa Ilê, refresca memória Pois ao longo da história O negro é antecessor. Pois tudo que nasceu na África Foi tomado de graça O mundo inteiro tragou Cultura, reza, crença e dança Tempestade de bonança, tudo tem seu valor Seja do banto, seja de gêge ou do nagô O mundo inteiro colhe o que a África plantou. Graças a Deus Sou o que sou Ilê é bebida fina Que eu canto da esquina O mundo inteiro provou. África berço da cultura, ciência e arquitetura Ouro refinado pó, Gênesis da sociedade Forte ancestralidade, paciência de Jó Tapete persa emoldurado Amas de leite jorrando para toda a nação O poço de bondade divinal Ilê Aiyê é a cópia da África original Enciclopédia que o mundo pesquisa Se infiltra, analisa, pau pra toda construção Ninho de celebridades de escritos sagrados De total comunhão Celeiro negro de beleza Culto ávido de nobreza Nossa pedra angular Não adianta nosso brilho ofuscar Pois os joelhos se curvam Pra majestade passa p. 35 do livro no site http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/literatura%20afrobrasileira_cIII.pdf. Visitado em 13/12/11 161 Anexo C Composição de: Rodolpho, Jonas e Luis Carlos da Vila Interpretação de: Gera Sambas-Enredo das Escolas de samba do Grupo 1 - Rio de Janeiro (disco). São Paulo: RCA, 1987 Kizomba, festa da raça Valeu Zumbi Numa mesma emoção O grito forte dos Palmares Esta Kizomba é nossa constituição Que correu terras céus e mares Esta Kizomba é nossa constituição Influenciando a Abolição Que magia Zumbi valeu Reza ageum e Orixá Hoje a Vila é Kizomba Tem a força da Cultura É batuque, canto e dança Tem a arte e a bravura Jogo e Maracatu E um bom jogo de cintura Vem menininha pra dançar o E a beleza pura dos seus rituais Caxambu Vem menininha Faz valer seus ideais pra dançar o Vem a Lua de Luanda Caxambu Para iluminar a rua Ô ô nega mina Nossa sede é nossa sede Anastácia não se deixou escravizar De que o Apartheid se destrua Ô ô Clementina Vem a Lua de Luanda O pagode é o partido popular Para iluminar a rua Sacerdote ergue a taça Nossa sede é nossa sede Convocando toda a massa De que o Apartheid se destrua Nesse evento que com graça Valeu Gente de todas as raças Valeu Zumbi 162 Anexo D Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós! Compositores: Niltinho Tristeza, Preto Jóia, Jurandir, Vicentinho Intérprete: Dominguinhos da Estácio Samba-enredo das Escolas de Samba do Grupo 1 - Rio de Janeiro (disco). São Paulo: RCA, 1988 (Olha a Imperatriz chegando...) em verde e branco por aí Liberdade, Liberdade brilhando na Sapucaí! abra as asas sobre nós E da guerra e que a voz da igualdade Da guerra nunca mais seja sempre a nossa voz esqueceremos do patrono, o duque Vem ver, vem reviver comigo amor imortal o centenário em poesia A imigração floriu nesta pátria, mãe querida de cultura o Brasil O império decadente, A música encanta muito rico incoerente E o povo canta assim era fidalguia E a princesa É por isso que surgem Pra Isabel, a heroína Surgem os tamborins que assinou a lei divina (Graças a Vem emoção Deus!) a bateria vem negro dançou, comemorou no pique da canção o fim da sina. e a nobreza enfeita o luxo do salão, Na noite quinze reluzente vem viver Com a bravura finalmente Vem viver o sonho que sonhei O Marechal que proclamou ao longe faz-se ouvir foi Presidente 163 ANEXO E Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003. o Altera a Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A 79-A e 79-B: "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras. § 3o (VETADO)" "Art. 79-A. (VETADO)" "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’." Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 10.1.2003 Retirado do www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/.../L10.639.htm em13/11/10 164 ANEXO F Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CONSELHO PLENO RESOLUÇÃO Nº 1, DE 17 DE JUNHO DE 2004. (*) Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O Presidente do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, publicada em 25 de novembro de 1995, e com fundamentação no Parecer CNE/CP 3/2004, de 10 de março de 2004, homologado pelo Ministro da Educação em 19 de maio de 2004, e que a este se integra, resolve: Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Cu rriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas Instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada de professores. § 1° As Instituições de Ensino Superior incluirão n os conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 3/2004. (*) CNE/CP Resolução 1/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 22 de junho de 2004, Seção 1, p. 11. 165 § 2° O cumprimento das referidas Diretrizes Curricu lares, por parte das instituições de ensino, será considerado na avaliação das condições de funcionamento do estabelecimento. Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação democrática. § 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira. § 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afrobrasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas. § 3º Caberá aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios desenvolver as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas. Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004. 166 § 1° Os sistemas de ensino e as entidades mantenedo ras incentivarão e criarão condições materiais e financeiras, assim como proverão as escolas, professores e alunos, de material bibliográfico e de outros materiais didáticos necessários para a educação tratada no “caput” deste artigo. § 2° As coordenações pedagógicas promoverão o aprof undamento de estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. § 3° O ensino sistemático de História e Cultura Afr o-Brasileira e Africana na Educação Básica, nos termos da Lei 10639/2003, refere-se, em especial, aos componentes curriculares de Educação Artística, Literatura e História do Brasil. § 4° Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas s obre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira. Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de ensino. Art. 5º Os sistemas de ensino tomarão providências no sentido de garantir o direito de alunos afrodescendentes de frequentarem estabelecimentos de ensino de qualidade, que contenham instalações e equipamentos sólidos e atualizados, em cursos ministrados por professores competentes no domínio de conteúdos de ensino e comprometidos com a educação de negros e não negros, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e discriminação. Art. 6° Os órgãos colegiados dos estabelecimentos d e ensino, em suas finalidades, responsabilidades e tarefas, incluirão o previsto o exame e encaminhamento de solução para situações de discriminação, buscando-se criar situações educativas para o reconhecimento, valorização e respeito da diversidade. 167 § Único: Os casos que caracterizem racismo serão tratados como crimes imprescritíveis e inafiançáveis, conforme prevê o Art. 5º, XLII da Constituição Federal de 1988. Art. 7º Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão a elaboração e edição de livros e outros materiais didáticos, em atendimento ao disposto no Parecer CNE/CP 003/2004. Art. 8º Os sistemas de ensino promoverão ampla divulgação do Parecer CNE/CP 003/2004 e dessa Resolução, em atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagens de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-Raciais. § 1° Os resultados obtidos com as atividades mencio nadas no caput deste artigo serão comunicados de forma detalhada ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos respectivos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, que forem requeridas. Art. 9º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Roberto Cláudio Frota Bezerra Presidente do Conselho Nacional de Educação 168 ANEXO G PARECER HOMOLOGADO(*) (*) Despacho do Ministro, publicado no Diário Oficial da União de 19/5/2004. Resolução Nº 1, de 17 de junho de 2004. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação UF: DF ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana CONSELHEIROS: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (Relatora), Carlos Roberto JamilCury, Francisca Novantino Pinto de Ângelo e Marília AnconaLopez PROCESSO N.º: 23001.000215/2002-96 PARECER N.º: CNE/CP003/2004 COLEGIADO: APROVADO EM: CP 10/3/2004 I – RELATÓRIO Este parecer visa a atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002, bem como regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases 169 da Educação Nacional, que asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros. Juntam-se a preceitos analógicos os Art. 26 e 26 A da LDB, como os das Constituições Estaduais da Bahia (Art. 275, IV e 288), do Rio de Janeiro (Art. 306), de Alagoas (Art. 253), assim como de Leis Orgânicas, tais como a de Recife (Art. 138), de Belo Horizonte (Art. 182, VI), a do Rio de Janeiro (Art. 321, VIII), além de leis ordinárias, como lei Municipal nº 7.685, de 17 de janeiro de 1994, de Belém, a Lei Municipal nº 2.251, de 30 de novembro de 1994, de Aracaju e a Lei Municipal nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, de São Paulo.12 Junta-se, também, ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.096, de 13 de junho de 1990), bem como no Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001). Todos estes dispositivos legais, bem como reivindicações e propostas do Movimento Negro ao longo do século XX, apontam para a necessidade de diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, assim como comprometidos com a de educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir. Destina-se, o parecer, aos administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na elaboração, execução, 12 Belém – Lei Municipal nº 7.6985, de 17 de janeiro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão, no currículo escolar da Rede Municipal de Ensino, na disciplina História, de conteúdo relativo ao estudo da Raça Negra na formação sociocultural brasileira e dá outras providências”. Aracaju – Lei Municipal nº 2.251, de 30 de novembro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão, no currículo escolar da rede municipal de ensino de 1º e 2º graus, conteúdos programáticos relativos ao estudo da Raça Negra na formação sociocultural brasileira e dá outras providências. São Paulo – Lei Municipal nº 11.973, de 4 de janeiro de 1996, que “Dispõe sobre a introdução nos currículos das escolas municipais de 1º e 2º graus de estudos contra a discriminação”. 170 avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afrobrasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática. Em vista disso, foi feita consulta sobre as questões objeto deste parecer, por meio de questionário encaminhado a grupos do Movimento Negro, a militantes individualmente, aos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, a professores que vêm desenvolvendo trabalhos que abordam a questão racial, a pais de alunos, enfim a cidadãos empenhados com a construção de uma sociedade justa, Encaminharam-se independentemente em torno de mil de seu pertencimento questionários e o racial. responderam individualmente ou em grupo 250 mulheres e homens, entre crianças e adultos, com diferentes níveis de escolarização. Suas respostas mostraram a importância de se tratarem problemas, dificuldades, dúvidas, antes mesmo de o parecer traçar orientações, indicações, normas. Questões introdutórias O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe à divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de 171 asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. É importante salientar que tais políticas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais políticas têm, também, como meta o direito dos negros, assim como de todos cidadãos brasileiros, equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos; com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos indígenas. Estas condições materiais das escolas e de formação de professores são indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos descendentes de africanos. Políticas de Reparações, de Reconhecimento e Valorização, de Ações Afirmativas A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações. Cabe ao Estado promover e incentivar políticas de reparações, no que cumpre ao disposto na Constituição Federal, Art. 205, que assinala o dever do Estado de garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. Sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente, e as estatísticas o mostram sem deixar dúvidas, romperão o sistema meritocrático que agrava desigualdades e gera injustiça, 172 ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os sempre privilegiados. Políticas de reparações voltadas para a educação dos negros devem oferecer garantias a essa população de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão. A demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da Lei 10639/2003, que alterou a Lei 9394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas. Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros. Reconhecimento requer a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino. Reconhecer exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual. 173 Reconhecer é também valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas. Reconhecer exige a valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos, não sejam desencorajados de prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à comunidade negra. Reconhecer exige que os estabelecimentos de ensino, frequentados em sua maioria por população negra, contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e brancos, no sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação. Políticas de reparações e de reconhecimento formarão programas de ações afirmativas, isto é, conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e sociais, orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória. Ações afirmativas atendem ao determinado pelo Programa Nacional de Direitos Humanos13, bem como a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, com o objetivo de combate ao racismo e a discriminações, tais como: a Convenção da UNESCO de 1960, direcionada ao combate ao racismo em todas as formas de ensino, bem como a Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas de 2001. 13 Ministério da Justiça. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília, 1996. 174 Assim sendo, sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes níveis converterão as demandas dos afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ou institucionais, ao tomarem decisões e iniciativas com vistas a reparações, reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à constituição de programas de ações afirmativas, medidas estas coerentes com um projeto de escola, de educação, de formação de cidadãos que explicitamente se esbocem nas relações pedagógicas cotidianas. Medidas que, convém, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino, estabelecimentos, processos de formação de professores, comunidade, professores, alunos e seus pais. Medidas que repudiam, como prevê a Constituição Federal em seu Art.3º, IV, o “preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e reconhecem que todos são portadores de singularidade irredutível e que a formação escolar tem de estar atenta para o desenvolvimento de suas personalidades (Art.208, IV). Educação das relações étnico-raciais O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se limitam à escola. 175 É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com frequência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias situações, o utiliza com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos. É importante, também, explicar que o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e traços fisionômicos o são também devido à raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem indígena, europeia e asiática. Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas. Ainda persiste em nosso país um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes europeias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana, a asiática. Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro, têm comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados negativamente seu comportamento, ideias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa. Têm, eles, insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e que os obriga a negarem a tradição do seu povo. Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos utilitários ou a semoventes, também é difícil descobrir-se 176 descendente dos escravizadores, temer, embora veladamente, revanche dos que, por cinco séculos, têm sido desprezados e massacrados. Para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente. Como bem salientou Frantz Fanon14, os descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm eles a responsabilidade moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem, os negros, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não fossem por estas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito que o trabalho escravo possibilitou ao país. Assim sendo, a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual, equânime. Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários. 14 FRANTZ, Fanon. Os Condenados da Terra. 2.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979. 177 Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas. Diálogo com estudiosos que analisam, criticam estas realidades e fazem propostas, bem como com grupos do Movimento Negro, presentes nas diferentes regiões e estados, assim como em inúmeras cidades, são imprescindíveis para que se vençam discrepâncias entre o que se sabe e a realidade, se compreendam concepções e ações, uns dos outros, se elabore projeto comum de combate ao racismo e a discriminações. Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar. É claro que há experiências de professores e de algumas escolas, ainda isoladas, que muito vão ajudar. Para empreender a construção dessas pedagogias, é fundamental que se desfaçam alguns equívocos. Um deles diz respeito à preocupação de professores no sentido de designar ou não seus alunos negros como negros ou como pretos, sem ofensas. Em primeiro lugar, é importante esclarecer que ser negro no Brasil não se limita às características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define. Em segundo lugar, cabe lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo IBGE para classificar, ao lado dos outros – branco, pardo, indígena – a cor da população brasileira. Pesquisadores de diferentes áreas, inclusive da educação, para fins de seus estudos, agregam dados relativos a pretos e pardos sob a categoria negros, já que ambos reúnem, conforme alerta o Movimento Negro, aqueles que reconhecem sua ascendência africana. É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da identidade negra em nosso país. Processo esse, marcado por uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos 178 herdados pelos descendentes de africanos. Nesse processo complexo, é possível, no Brasil, que algumas pessoas de tez clara e traços físicos europeus, em virtude de o pai ou a mãe ser negro(a), se designarem negros; que outros, com traços físicos africanos, se digam brancos. É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar pejorativamente os escravizados e este sentido negativo da palavra se estende até hoje. Contudo, o Movimento Negro ressignificou esse termo dando-lhe um sentido político e positivo. Lembremos os motes muito utilizados no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980, 1990: Negro é lindo! Negra, cor da raça brasileira! Negro que te quero negro! 100% Negro! Não deixe sua cor passar em branco! Este último utilizado na campanha do censo de 1990. Outro equívoco a enfrentar é a afirmação de que os negros se discriminam entre si e que são racistas também. Esta constatação tem de ser analisada no quadro da ideologia do branqueamento que divulga a ideia e o sentimento de que as pessoas brancas seriam mais humanas, teriam inteligência superior e, por isso, teriam o direito de comandar e de dizer o que é bom para todos. Cabe lembrar que, no pós-abolição, foram formuladas políticas que visavam ao branqueamento da população pela eliminação simbólica e material da presença dos negros. Nesse sentido, é possível que pessoas negras sejam influenciadas pela ideologia do branqueamento e, assim, tendam a reproduzir o preconceito do qual são vítimas. O racismo imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e também na dos que os discriminam. Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema e não à escola. A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religiosa ou posição política. O racismo, segundo o Artigo 5º da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive, à escola. 179 Outro equívoco a esclarecer é de que o racismo, o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento só atingem os negros. Enquanto processos estruturantes e constituintes da formação histórica e social brasileira, estes estão arraigados no imaginário social e atingem negros, brancos e outros grupos étnico-raciais. As formas, os níveis e os resultados desses processos incidem de maneira diferente sobre os diversos sujeitos e interpõem diferentes dificuldades nas suas trajetórias de vida escolar e social. Por isso, a construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo é uma tarefa de todos os educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial. Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de ensino da educação brasileira. Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade, exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimentos étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar 180 positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las. Até aqui apresentaram-se orientações que justificam e fundamentam as determinações de caráter normativo que seguem. História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Determinações A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições históricoculturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e europeia. É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no cumprimento do exigido pelo Art. 26A da Lei 9394/1996, permite que se valham da colaboração das comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir 181 nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão. Caberá, aos sistemas de ensino, às mantenedoras, à coordenação pedagógica dos estabelecimentos de ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Caberá, aos administradores dos sistemas de ensino e das mantenedoras prover as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação inicial como continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros. Em outras palavras, aos estabelecimentos de ensino está sendo atribuída responsabilidade de acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que, no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde esta se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras, fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de desempenhar-se em áreas de competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes níveis de formação. Precisa, o Brasil, país multiétnico e pluricultural, de organizações escolares em que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser obrigados a negar a si mesmos, ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, ideias e comportamentos que lhes são adversos. E estes, certamente, serão indicadores da qualidade da educação que estará sendo oferecida pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis. Para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão como referência, entre outros pertinentes às bases filosóficas e pedagógicas que assumem, os princípios a seguir explicitados. 182 CONSCIÊNCIA POLÍTICA E HISTÓRICA DA DIVERSIDADE Este princípio deve conduzir: − à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos; − à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos; − à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história; − ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na construção histórica e cultural brasileira; − à superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos indígenas e também as classes populares às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratados; − à desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando eliminar conceitos, ideias, comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da democracia racial, que tanto mal fazem a negros e brancos; − à busca, da parte de pessoas, em particular de professores não familiarizados com a análise das relações étnico-raciais e sociais com o estudo de história e cultura afro-brasileira e africana, de informações e subsídios que lhes permitam formular concepções não baseadas em preconceitos e construir ações respeitosas; − ao diálogo, via fundamental para entendimento entre diferentes, com a finalidade de negociações, tendo em vista objetivos comuns; visando a uma sociedade justa. FORTALECIMENTO DE IDENTIDADES E DE DIREITOS O princípio deve orientar para: − o desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou distorcida; − o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os negros e os povos indígenas; 183 − os esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal; − o combate à privação e violação de direitos; − a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação das identidades, provocada por relações étnico-raciais; − as excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser oferecidas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urbanas e nas zonas rurais. AÇÕES EDUCATIVAS DE COMBATE AO RACISMO E A DISCRIMINAÇÕES O princípio encaminha para: − a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as vinculadas às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da sociedade; − a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das representações dos negros e de outras minorias nos textos, materiais didáticos, bem como providências para corrigi-las; − condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo enfrentando responsabilidade e superando por relações discordâncias, étnico-raciais conflitos, positivas, contestações, valorizando os contrastes das diferenças; − valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; − educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural afrobrasileiro, visando a preservá-lo e a difundi-lo; − o cuidado para que se dê um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais, étnico-raciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-raciais, às alianças sociais; 184 − participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial. Estes princípios e seus desdobramentos mostram exigências de mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições culturais. É neste sentido que se fazem as seguintes determinações: − O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, evitando-se distorções, envolverá articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. É um meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afrobrasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas. − O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que: - se explicitem, busquem compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; − promovam-se oportunidades de diálogo em que se conheçam, se ponham em comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se busquem formas de convivência respeitosa, além da construção de projeto de sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam; − sejam incentivadas atividades em que pessoas – estudantes, professores, servidores, integrantes da comunidade externa aos estabelecimentos de ensino; 185 – de diferentes culturas interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, visões de mundo, raciocínios e pensamentos de cada um; − O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico-raciais, tal como explicita o presente parecer, se desenvolverão no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas,15 particularmente, Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais16, em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de ciências e de informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes escolares; − O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Será dado destaque a acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade; − Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e simbólica da população afro-brasileira no pós-abolição, e de divulgação dos significados da Lei áurea para os negros. No 20 de novembro será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, entendendo-se consciência negra nos termos explicitados anteriormente neste parecer. Entre outras datas de significado histórico e político deverá 15 Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. 16 Neste sentido, ver obra que pode ser solicitada ao MEC: MUNANGA, Kabengele, org. Superando o Racismo na Escola. Brasília, Ministério da Educação, 2001. 186 ser assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial; − Em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a história dos afrodescendentes no Brasil e serão abordados temas relativos: – ao papel dos anciãos e dos griots como guardiãos da memória histórica; -à história da ancestralidade e religiosidade africana; – aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; – ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; – ao papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no tráfico; - à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; - às lutas pela independência política dos países africanos; - às ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto; - às relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; - à formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África; - à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa, Ásia; - aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e outros países da diáspora. − O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras. − O ensino de Cultura Africana abrangerá: - as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais; - as universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene que floresciam no século XVI; - as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) política, na atualidade. − O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira, se fará por diferentes meios, inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação 187 dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (tais como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros). − O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive a realização de projetos de diferente natureza, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: rainha Nzinga, Toussaint-L’Ouverture, Martin Luther King, Malcom X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré, Christiane Taubira). Para tanto, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, Educação Superior, precisarão providenciar: − Registro da história não contada dos negros brasileiros, tais como em remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais. − Apoio sistemático aos professores para elaboração de planos, projetos, seleção de conteúdos e métodos de ensino, cujo foco seja História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a Educação das Relações ÉtnicoRaciais. 188 − Mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas, estabelecimentos de ensino superior, secretarias de educação, assim como levantamento das principais dúvidas e dificuldades dos professores em relação ao trabalho com a questão racial na escola e encaminhamento de medidas para resolvê-las, feitos pela administração dos sistemas de ensino e por Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros. − Articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de ensino superior, centros de pesquisa, Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, escolas, comunidade e movimentos sociais, visando à formação de professores para a diversidade étnico-racial. − Instalação, nos diferentes sistemas de ensino, de grupo de trabalho para discutir e coordenar planejamento e execução da formação de professores para atender ao disposto neste parecer quanto à Educação das Relações Étnico-Raciais e ao determinado nos Art. 26 e 26A da Lei 9394/1996, com o apoio do Sistema Nacional de Formação Continuada e Certificação de Professores do MEC. − Introdução, nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação: de análises das relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico-raciais e do ensino e aprendizagem da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos. − Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto dos cursos de licenciatura para Educação Infantil, os anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, como de processos de formação continuada de professores, inclusive de docentes no Ensino Superior. 189 − Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino Superior, nos conteúdos de disciplinas e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de Educação das Relações Étnico-Raciais, de conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população negra. Por exemplo: em Medicina, entre outras questões, estudo da anemia falciforme, da problemática da pressão alta; em Matemática, contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela EtnoMatemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade. − Inclusão de bibliografia relativa à história e cultura afro-brasileira e africana às relações étnico-raciais, aos problemas desencadeados pelo racismo e por outras discriminações, à pedagogia antirracista nos programas de concursos públicos para admissão de professores. − Inclusão, em documentos normativos e de planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos os níveis - estatutos, regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino; - de objetivos explícitos, assim como de procedimentos para sua consecução, visando ao combate do racismo, das discriminações, e ao reconhecimento, valorização e ao respeito das histórias e culturas afro-brasileira e africana. − Previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares e de outros órgãos colegiados, do exame e encaminhamento de solução para situações de racismo e de discriminações, buscando-se criar situações educativas em que as vítimas recebam apoio requerido para superar o sofrimento e os agressores, orientação para que compreendam a dimensão do que praticaram e ambos, educação para o reconhecimento, valorização e respeito mútuos. − Inclusão de personagens negros, assim como de outros grupos étnicoraciais, em cartazes e outras ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar de manifestações culturais próprias, ainda que não exclusivas, de um determinado grupo étnico-racial. 190 − Organização de centros de documentação, bibliotecas, midiotecas, museus, exposições em que se divulguem valores, pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes grupos étnico-raciais brasileiros, particularmente dos afrodescendentes. − Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, de fontes de conhecimentos de origem africana, a fim de selecionarem-se conteúdos e procedimentos de ensino e de aprendizagens; − Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afrobrasileiros e indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira. − Identificação, coleta, compilação de informações sobre a população negra, com vistas à formulação de políticas públicas de Estado, comunitárias e institucionais. − Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer, em cumprimento ao disposto no Art. 26A da LDB, e, para tanto, abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afrodescendentes, sob o incentivo e supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do MEC – Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE). − Divulgação, pelos sistemas de ensino e mantenedoras, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, de uma bibliografia afro-brasileira e de outros materiais como mapas da diáspora, da África, de quilombos brasileiros, fotografias de territórios negros urbanos e rurais, reprodução de obras de arte afro-brasileira e africana a serem distribuídos nas 191 escolas da rede, com vistas à formação de professores e alunos para o combate à discriminação e ao racismo. − Oferta de Educação Fundamental em áreas de remanescentes de quilombos, contando as escolas com professores e pessoal administrativo que se disponham a conhecer física e culturalmente, a comunidade e a formar-se para trabalhar com suas especificidades. − Garantia, pelos sistemas de ensino e entidades mantenedoras, de condições humanas, materiais e financeiras para execução de projetos com o objetivo de Educação das Relações Étnico-raciais e estudo de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, assim como organização de serviços e atividades que controlem, avaliem e redimensionem sua consecução, que exerçam fiscalização das políticas adotadas e providenciem correção de distorções. − Realização, pelos sistemas de ensino federal, estadual e municipal, de atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagem de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-Raciais; - assim como comunicação detalhada dos resultados obtidos ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação, e aos respectivos conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, quando for o caso. − Adequação dos mecanismos de avaliação das condições de funcionamento dos estabelecimentos de ensino, tanto da educação básica quanto superior, ao disposto neste Parecer; inclusive com a inclusão nos formulários, preenchidos pelas comissões de avaliação, nos itens relativos a currículo, atendimento aos alunos, projeto pedagógico, plano institucional, de quesitos que contemplem as orientações e exigências aqui formuladas. 192 − Disponibilização deste parecer, na sua íntegra, para os professores de todos os níveis de ensino, responsáveis pelo ensino de diferentes disciplinas e atividades educacionais, assim como para outros profissionais interessados a fim de que possam estudar, interpretar as orientações, enriquecer, executar as determinações aqui feitas e avaliar seu próprio trabalho e resultados obtidos por seus alunos, considerando princípios e critérios apontados. Obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, Educação das Relações Étnico-Raciais e os Conselhos de Educação Diretrizes são dimensões normativas, reguladoras de caminhos, embora não fechadas a que historicamente possam, a partir das determinações iniciais, tomar novos rumos. Diretrizes não visam a desencadear ações uniformes, todavia, objetivam oferecer referências e critérios para que se implantem ações, as avaliem e reformulem no que e quando necessário. Estas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, na medida em que procedem de ditames constitucionais e de marcos legais nacionais, na medida em que se referem ao resgate de uma comunidade que povoou e construiu a nação brasileira, atingem o âmago do pacto federativo. Nessa medida, cabe aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios aclimatar tais diretrizes, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos, a seus respectivos sistemas, dando ênfase à importância de os planejamentos valorizarem, sem omitir outras regiões, a participação dos afrodescendentes, do período escravista aos nossos dias, na sociedade, economia, política, cultura da região e da localidade; definindo medidas urgentes para formação de professores; incentivando o desenvolvimento de pesquisas bem como envolvimento comunitário. A esses órgãos normativos cabe, pois, a tarefa de adequar o proposto neste parecer à realidade de cada sistema de ensino. E, a partir daí, deverá ser competência dos órgãos executores - administrações de cada sistema de ensino, das escolas - definir estratégias que, quando postas em ação, 193 viabilizarão o cumprimento efetivo da Lei de Diretrizes e Bases que estabelece a formação básica comum, o respeito aos valores culturais, como princípios constitucionais da educação tanto quanto da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1), garantindo-se a promoção do bem de todos, sem preconceitos (inciso IV do Art. 3) a prevalência dos direitos humanos (inciso II do art. 4°) e repúdio ao racismo (inciso VIII do ar t.4°). Cumprir a Lei é, pois, responsabilidade de todos e não apenas do professor em sala de aula. Exige-se, assim, um comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro, tendo-se como ponto de partida o presente parecer, que junto com outras diretrizes e pareceres e resoluções, têm o papel articulador e coordenador da organização da educação nacional. II – VOTO DA COMISSÃO Face ao exposto e diante de direitos desrespeitados, tais como: • o de não sofrer discriminações por ser descendente de africanos; • o de ter reconhecida a decisiva participação de seus antepassados e da sua própria na construção da nação brasileira; • o de ter reconhecida sua cultura nas diferentes matrizes de raiz africana; − diante da exclusão secular da população negra dos bancos escolares, notadamente em nossos dias, no ensino superior; − diante da necessidade de crianças, jovens e adultos estudantes sentiremse contemplados e respeitados, em suas peculiaridades, inclusive as étnico-raciais, nos programas e projetos educacionais; − diante da importância de reeducação das relações étnico/raciais no Brasil; − diante da ignorância que diferentes grupos étnico-raciais têm uns dos outros, bem como da necessidade de superar esta ignorância para que se construa uma sociedade democrática; − diante, também, da violência explícita ou simbólica, gerada por toda sorte de racismos e discriminações, que sofrem os negros descendentes de africanos; − diante de humilhações e ultrajes sofridos por estudantes negros, em todos os níveis de ensino, em consequência de posturas, atitudes, textos e materiais de ensino com conteúdos racistas; 194 − diante de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em convenções, entre outro os da Convenção da UNESCO, de 1960, relativo ao combate ao racismo em todas as formas de ensino, bem como os da Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas, 2001; − diante da Constituição Federal de 1988, em seu Art. 3º, inciso IV, que garante a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; do inciso 42 do Artigo 5º que trata da prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível; do § 1º do Art. 215 que trata da proteção das manifestações culturais; − diante do Decreto 1.904/1996, relativo ao Programa Nacional de Direitos Humanas que assegura a presença histórica das lutas dos negros na constituição do país; - diante do Decreto 4.228, de 13 de maio de 2002, que institui, no âmbito da Administração Pública Federal, o Programa Nacional de Ações Afirmativas; - diante das Leis 7.716/1999, 8.081/1990 e 9.459/1997 que regulam os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor e estabelecem as penas aplicáveis aos atos discriminatórios e preconceituosos, entre outros, de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional; − diante do inciso I da Lei 9.394/1996, relativo ao respeito à igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; diante dos Arts 26, 26 A e 79 B da Lei 9.394/1996, estes últimos introduzidos por força da Lei 10.639/2003, proponho ao Conselho Pleno: a) instituir as Diretrizes explicitadas neste parecer e no projeto de Resolução em anexo, para serem executadas pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis e modalidades, cabendo aos sistemas de ensino, no âmbito de sua jurisdição, orientá-los, promover a formação dos professores para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e para Educação das Relações Ético-Raciais, assim como supervisionar o cumprimento das diretrizes; b) recomendar que este Parecer seja amplamente divulgado, ficando disponível no site do Conselho Nacional de Educação, para consulta dos professores e de outros interessados. 195 Brasília-DF, 10 de março de 2004. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Relatora Carlos Roberto Jamil Cury – Membro Francisca Novantino Pinto de Ângelo – Membro Marília Ancona-Lopez – Membro III – DECISÃO DO CONSELHO PLENO O Conselho Pleno aprova por unanimidade o voto da Relatora. Sala das Sessões, 10 em março de 2004. Conselheiro José Carlos Almeida da Silva – Presidente CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROJETO DE RESOLUÇÃO Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana O Presidente do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “C”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CNE/CP 003/2004, de 10 de março de 2004, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Ministro da Educação em de 2004, RESOLVE Art. 1° - A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas instituições de ensino de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos, bem como na Educação Superior, em especial no que se refere à formação inicial e continuada de professores, necessariamente quanto à Educação das Relações ÉtnicoRaciais; e por aquelas de Educação Básica, nos termos da Lei 9394/96, 196 reformulada por forma da Lei 10639/2003, no que diz respeito ao ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, em especial em conteúdos de Educação Artística, Literatura e História do Brasil. Art. 2° - As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas se constituem de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação das Relações Étnico-Raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Art. 3° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana têm por meta a educação de cidadãos atuantes no seio da sociedade brasileira que é multicultural e pluriétnica, capazes de, por meio de relações étnicosociais positivas, construírem uma nação democrática. §1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto ao seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, ter igualmente respeitados seus direitos, valorizada sua identidade e assim participem da consolidação da democracia brasileira. §2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais, tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afrobrasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas. Art. 4° Os conteúdos, competências, atitudes e valo res a serem aprendidos com a Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, bem como de História e Cultura Africana, serão estabelecidos pelos estabelecimentos de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações, diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004. 197 Art. 5° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos, planos e projetos de ensino. Art. 6º Os sistemas de ensino e as entidades mantenedoras incentivarão e criarão condições materiais e financeiras, assim como proverão as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos necessários para a educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; as coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Art. 7º As instituições de Ensino Superior, respeitada a autonomia que lhe é devida, incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos diferentes cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CP 003/2004. Art. 8° Os sistemas de ensino tomarão providências para que seja respeitado o direito de alunos afrodescendentes também frequentarem estabelecimentos de ensino que contem com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino, comprometidos com a educação de negros e não negros, no sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e discriminação. Art. 9° Nos fins, responsabilidades e tarefas dos ó rgãos colegiados dos estabelecimentos de ensino, será previsto o exame e encaminhamento de solução para situações de discriminação, buscando-se criar situações educativas para o reconhecimento, valorização e respeito da diversidade. § Único: As situações de racismo serão tratadas como crimes imprescritíveis e inafiançáveis, conforme prevê o Art. 5º, XLII da Constituição Federal de 1988. Art. 10 Os estabelecimentos de ensino de diferentes níveis, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino desenvolverão a Educação das Relações 198 Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, obedecendo as diretrizes do Parecer CNE/CP 003/2004, o que será considerado na avaliação de suas condições de funcionamento. Art. 11 Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afrobrasileiros, ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira. Art. 12 Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão para que a edição de livros e de outros materiais didáticos atenda ao disposto no Parecer CNE/CP 003/2004, no comprimento da legislação em vigor. Art. 13 Aos conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios caberá aclimatar as Diretrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos e seus respectivos sistemas. Art. 14 Os sistemas de ensino promoverão junto com ampla divulgação do Parecer CNE/CP 003/2004 e dessa Resolução, atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e dificuldades do ensino e aprendizagens de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-Raciais; assim como comunicarão, de forma detalhada, os resultados obtidos ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos respectivos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, que forem requeridas. Art. 15 Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Brasília (DF), 10 de março de 2004. 199 Anexo H