0 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO THEREZA CRISTINA LEANDRO DA SILVA QUEIROZ SANTOS ENTRE A SULANCA E A DOCÊNCIA: UMA ANÁLISE DA IDENTIDADE DO PROFESSOR EM SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE - PE JOÃO PESSOA 2014 1 THEREZA CRISTINA LEANDRO DA SILVA QUEIROZ SANTOS ENTRE A SULANCA E A DOCÊNCIA: UMA ANÁLISE DA IDENTIDADE DO PROFESSOR EM SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE - PE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação, da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa Estudos Culturais da Educação, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Figueiredo Lucena. JOÃO PESSOA 2014 Dr. Ricardo de 2 S237e Santos, Thereza Cristina Leandro da Silva Queiroz. Entre a sulanca e a docência: uma análise da identidade do professor em Santa Cruz do Capibaribe-PE / Thereza Cristina Leandro da Silva Queiroz Santos.-- João Pessoa, 2014. 89f. Orientador: Ricardo de Figueiredo Lucena Dissertação (Mestrado) - UFPB/CE 1. Educação e cultura. 2. Estudos culturais da educação. 3.Professor - construção da identidade. 4. Sulanca - cultura vestuário - agreste pernambucano. UFPB/BC CDU: 37:008(043) 3 THEREZA CRISTINA LEANDRO DA SILVA QUEIROZ SANTOS ENTRE A SULANCA E A DOCÊNCIA: UMA ANÁLISE DA IDENTIDADE DO PROFESSOR EM SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE - PE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação, da Universidade Federal da Paraíba, na linha de pesquisa Estudos Culturais da Educação, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Aprovada em 28/08/2014. BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Prof. Dr. Fernando Cézar Bezerra de Andrade – Titular - UFPB __________________________________________ Prof. Dr. Edilson Fernandes de Souza – Titular – UFPE ____________________________________________ Prof. Dr. Ricardo de Figueiredo Lucena – Orientador – UFPB 4 Aos professores e às professoras inseridos na cultura da sulanca, pelo desejo de ensinar. 5 AGRADECIMENTOS Há pouco mais de dois anos resolvi me aventurar, colocando uma mochila nas costas e percorrendo semanalmente uma média de 434km entre o agreste pernambucano e a capital paraibana em busca de explorar outros campos, tanto no sentido físico quanto no epistemológico. De modo que, durante esses 30 meses, eu vivi um caso de amor com a educação na sua vertente dos estudos culturais, sem deixar a psicologia de lado. Um caso de poliamor? (Esse termo é usado atualmente para designar as relações que fogem à regra da monogamia em que os participantes consentem a relação com outros parceiros). Talvez, pois experenciei o sentindo amplo do termo, de forma que consegui, mesmo no trabalho cotidiano de psicóloga, enamorar-me com a educação a cada dia. Essa experiência foi linda, rica, cresci como ser humano e como profissional. De modo que considero que houve avanços significativos no meu olhar teórico (até o dia da defesa do meu projeto da seleção para ingresso no PPGE ainda muito restrito à psicanálise – como constatado pelo Prof. Dr. Fernando Andrade e pela Profa. Dra. Ana Dorziat, presentes naquela ocasião; e pelo professor Ricardo, com quem tive um estranhamento inicial por sermos oriundos de áreas de conhecimento tão diversas, a saber: a Educação Física e a Psicologia). No entanto, esse choque inicial aos poucos foi provocando um diálogo interessante, mediado por Norbert Elias, que foi essencial para estabelecer um elo entre a figura do orientador e a recém-enamorada pela educação. De modo que essa relação, ainda que muitas vezes mantida à distância, gerou esse trabalho (a que chamo de filho). Para que todo esse processo de amadurecimento ocorresse, a participação desses atores acima citados foi imprescindível, de modo que o agradecimento verbal talvez não dê conta de expressar minha gratidão ao Prof. Dr. Ricardo de Figueiredo Lucena por ser tão paciente, pela liberdade confiada para que eu pudesse construir uma proposta de pesquisa de acordo com 6 minhas vivências, pela imensa sabedoria da qual é detentor, e por ser alguém que desconstrói, com seu jeito humilde, a soberba e arrogância muitas vezes semeadas nos corredores acadêmicos. Minha gratidão ao professor Dr. Fernando Cézar Bezerra de Andrade, que muito me ensinou nesse percurso, a quem dedico o primeiro capítulo desse texto, oriundo das discussões em suas aulas. Com que vivenciei momentos de extrema aprendizagem que me fizeram admirar ainda mais o profissional completo e dinâmico que é. Meu carinho à professora Dra. Ana Dorziat por nos auxiliar na construção de um projeto de pesquisa coerente com os Estudos Culturais da Educação, nos dando orientações valiosas sobre os percursos metodológicos a serem traçados. Em nome dela agradeço também a todos os professores do PPGE com os quais tive a honra de compartilhar saberes. Registro ainda meus agradecimentos ao Prof. Dr. Edilson Fernandes de Souza pela participação na qualificação e na defesa deste trabalho, pelas ricas contribuições oriundas de um olhar pautado em Norbert Elias e inserido na realidade pernambucana. Agradeço aos meus colegas de curso, pelos cansaços e viagens compartilhados, pelos conhecimentos e afetos trocados. Foi um período de dialogar saberes e de muito aprendizado. Sou grata ainda à força divina para que eu alcançasse esse objetivo. À minha mãe, que como costureira, nunca se esquivou em trabalhar arduamente para que eu conseguisse prosseguir nos meus estudos. À minha vó, figura sempre presente na minha vida. E a todos os meus familiares. Agradeço ainda a todos os meus amigos e amigas, cujos nomes não correrei o risco de citar, mas que de modo especial são de extrema importância na minha vida acadêmica, pelo apoio fornecido. E por fim, meu registro de gratidão e admiração se concentra nos professores e professoras de Santa Cruz do Capibaribe, os quais deram vida aos elementos teóricos aqui expostos e, também, movimentam a cultura da 7 sulanca, sustentando suas escolhas e acreditando na produção de uma configuração que valorize mais o processo educacional. Agradeço, ainda, aos meus alunos (do curso de Pedagogia, Administração e Enfermagem do Centro de Ensino Superior Santa Cruz – CESAC) e colegas de profissão, que também me fazem escolher a docência em Santa Cruz do Capibaribe, por acreditar que posso contribuir por uma cidade onde a atividade confeccionista e a educação possam dialogar e construir um desenvolvimento mais eficaz e duradouro. 8 “Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim” (Fernando Pessoa) 9 RESUMO A presente dissertação é fruto de uma proposta de pesquisa de mestrado na linha de Estudos Culturais da Educação e problematiza a construção da identidade do professor mediante uma cultura específica do agreste pernambucano, a da sulanca, que se desenvolve a partir da produção e comércio de peças de vestuário. Essa atividade configura-se como predominante na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco, e muitas vezes produz uma desvalorização dos processos educacionais e da docência. Para entender como esse processo ocorre, escutamos 20 professores: 2 do sexo masculino e 18 do sexo feminino, residentes em Santa Cruz do Capibaribe há mais de 10 anos (período em que surgem algumas instituições de ensino superior na cidade). Os sujeitos entrevistados falaram sobre as significações e possibilidades que produzem nesse espaço. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e os dados foram analisados com inspiração no método de análise de conteúdo de Bardin (1977), os quais foram divididos em três categorias: a escolha pela docência, o lugar social do professor e as significações sobre a profissão. Assim, foi possível perceber que a sulanca toca a identidade do professor de diversas maneiras: no cotidiano escolar, na relação com os pais e alunos e no valor que é atribuído ao docente (em oposição ao sulanqueiro). Tal interferência da atividade confeccionista faz com que o professor produza um modo particular de ser, no qual sustenta sua escolha através dos sentidos que atribui ao seu trabalho. Palavras-chave: Identidade; Professor; Sulanca; Santa Cruz do Capibaribe. 10 ABSTRACT This dissertation is the result of a Master’s research proposal in Education Cultural Studies line and problematizes the construction of teacher’s identity through a specific culture of agreste pernambucano, the Sulanca, which develops from the production and trade of clothing parts. This activity appears as predominant in the city of Santa Cruz do Capibaribe in Pernambuco, and often produces a devaluation of educational processes and teaching. To understand how this process occurs, we have listen 20 teachers: 2 males and 18 females, residents in Santa Cruz do Capibaribe for over 10 years (the period in which they arise some institutions of higher learning in the city). The interviewees talked about the significations and possibilities that produce that space. The interviews were recorded and transcribed and the data analyzed were inspired by the method of content analysis of Bardin (1977), which were divided into three categories: the choice for teaching, the social place of the teacher, and the significations about the profession. Thus, it was revealed that Sulanca touches the identity of the teacher in various ways: in everyday school life, the relationship with parents and students and the value that is assigned to the teacher (as opposed to Sulanqueiro). Such interference of clothing manufacturer activity makes the teacher to produce a particular way of being, in which sustains its choice through the senses that attaches to his/her work. Keywords: Identity; Teacher; Sulanca; Santa Cruz do Capibaribe. 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................12 CAPÍTULO I: TECENDOS OS FIOS DA IDENTIDADE ....................................17 1.1 A identidade entre as marcações psicológicas e sociológicas ...................22 1.2 Identidade e Diferença ................................................................................26 1.3 Identidade e relações de poder ...................................................................30 1.4 Identidade docente .....................................................................................32 CAPÍTULO II: A CULTURA DA SULANCA E SUAS PRODUÇÕES IDENTITÁRIAS .................................................................................................38 2.1 Uma análise figuracional da sulanca ..........................................................38 2.2 Professores e sulanqueiros sob a ótica do conhecimento ..........................45 CAPÍTULO III: COSTURANDO A DOCÊNCIA ENTRE COLCHAS E RETALHOS........................................................................................................50 3.1 Alinhavando escolhas..................................................................................53 3.2 Em terra de sulanqueiros como é ser professor?........................................60 3.3 Significações costuradas sobre a docência ................................................68 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................81 APÊNDICES APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido ...........................88 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista ...............................................................89 12 INTRODUÇÃO O cenário do nosso trabalho é uma cidade do interior de Pernambuco chamada Santa Cruz do Capibaribe, que possui uma economia marcada pela produção e comércio de peças de vestuário, de baixo custo, em sua maioria. Tal atividade recebe o nome de sulanca, que seria uma aglutinação dos nomes sul e helanca, elementos que destacam o início das atividades confeccionistas, cuja produção era realizada com tecidos oriundos do sul do país. Santa Cruz do Capibaribe, bem como Caruaru e Toritama, são grandes produtoras e vendedoras de sulanca. Todavia, Santa Cruz do Capibaribe foi a pioneira na produção de tal produto, trabalhando com sobras de tecidos desde a década de 1960. As outras cidades aderiram posteriormente a essa atividade. Nesse contexto, surge uma configuração específica em torno dessa atividade, em que aqueles que sobrevivem da sulanca não precisam, necessariamente, de uma formação acadêmica, o que pode indicar que a escolarização e qualificação educacional dos envolvidos nesse processo ficam em segundo plano. Há ainda, uma predominância da informalidade. Supondo, dessa maneira, que a educação, na sua vertente da escolarização, é uma prática social pouco valorizada nesse contexto cultural, em que predominam as atividades confeccionistas, buscamos responder as seguintes questões: o que faz com que algumas pessoas escolham a docência? Que espaço o professor ocupa nessa configuração social? Tal inquietação surgiu da nossa inserção como docente, em um curso de Pedagogia da referida cidade, onde lidamos cotidianamente com alunos que conciliam sua escolha pelo magistério com atividades da produção e venda de vestuário, e outros, que já inseridos nas salas de aula do município se deparam com a falta de reconhecimento profissional. É recorrente a queixa, por parte dos professores, de que muitos alunos justificam seu desinteresse pelo ensino em virtude do fato de que seus pais, 13 sulanqueiros (comerciantes que trabalham com sulanca, donos de fabricos1), possuem um elevado padrão financeiro e nunca frequentaram a escola. Isso indica que há uma desvalorização da educação escolar nessa cultura específica. Se em algumas culturas a formação acadêmica é usada como ponte para ascensão social, esse não parece ser o caso de Santa Cruz do Capibaribe, de modo que um elevado padrão de vida é sustentado por uma boa parte dos comerciantes que conseguiram produzir riqueza através da sulanca. Outro fator motivador dessa pesquisa é que nossa inserção ocorreu nesse contexto muito antes das atividades docentes atualmente desempenhadas. Foi nessa cidade que cursamos o Ensino Médio e desde então já era possível perceber a superioridade financeira e por vezes simbólica dos sulanqueiros frente aos professores e demais pessoas que optassem pela formação acadêmica. Há ainda uma carência de estudos que problematizem os processos culturais da região da sulanca, principalmente no que concerne à educação e à figura do professor. Alguns estudos vêm abordando as questões do empreendedorismo, da economia local, das mudanças espaciais e de como se originou tal atividade. (BEZERRA, 2004; CORDEIRO, 2011; LIRA, 2006; LIRA, 2006; PEREIRA NETO, 2011; VARELA DO NASCIMENTO NETO, 2008; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2011). Esse recorte nos permite afirmar que o desenvolvimento da sulanca provoca um modo peculiar de vivências, de olhares, de posturas e prioridades em Santa Cruz do Capibaribe, gerando assim, uma cultura específica, que doravante denominaremos de cultura da sulanca.2 1 Os fabricos são fábricas de confecções de roupas de pequeno e médio porte de caráter predominantemente familiar e informal. 2 Há atualmente um debate que visa à substituição do termo sulanca por Polo de Confecções, porém, é necessário problematizar que a mudança de um nome, por si só, não altera a cultura de um povo. É notório que as pessoas da comunidade ainda fazem uso desse termo para se referir à atividade em questão. 14 Traçado o panorama do nosso lugar de investigação, o nosso objetivo, através desse trabalho, foi o de analisar como são construídos os processos identitários dos professores na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, de modo que possamos compreender como ocorrem suas escolhas pela docência, qual o seu lugar social e quais as significações acerca da profissão. Para a consecução desses objetivos procuramos dar voz aos sujeitos envolvidos nesse processo, os professores, para entender como se posicionam nessa cultura. Sabemos que a vida cotidiana passa a ter importância nas pesquisas e investigações que se vinculam aos Estudos Culturais, e que a identidade cultural é uma das categorias centrais de análise nessa perspectiva. Do ponto de vista metodológico, nesses estudos, a ênfase é dada ao trabalho qualitativo (ESCOSTEGUY, 2006, p. 143). Isso porque o recurso qualitativo nos permite adentrar pelo universo do professor, visto que dá ao sujeito direito de falar sobre suas experiências, subjetivando-as. A pesquisa qualitativa vai além da quantificação, compreendendo, explicando, bem como trabalhando “[...] com a vivência, com a experiência, com a cotidianeidade [...]” (MINAYO, 1994, p. 24). O grupo estudado contemplou uma amostra não probabilística de 20 professores pertencentes à rede municipal de ensino de Santa Cruz do Capibaribe, lotados em 7 das 24 escolas municipais, com variação de idade entre 27 e 58 anos, sendo dois do sexo masculino e 18 do sexo feminino. O critério para a escolha dos entrevistados foi que os mesmos possuíssem mais de 10 anos de residência no município, período que pode indicar a mudança de perspectiva no que se refere à educação em Santa Cruz do Capibaribe, pois desde 2005 algumas unidades de ensino superior foram implantadas na localidade; e, ainda, o desenvolvimento econômico provocado pela sulanca, que atraiu pessoas de diversos lugares, o que justifica o fato de não trabalharmos apenas com sujeitos que nasceram na cidade. Os sujeitos entrevistados se dispuseram a participar livremente da pesquisa, assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice a). Este estudo foi devidamente registrado e aprovado pelo Comitê 15 de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba, sob o Protocolo de número 537/13, CAAE: 20279313.3.0000.5188. O número de entrevistados foi delimitado pelos critérios de acessibilidade (escolas mais centrais do município) e ponto de saturação, que foi atingido com análise paralela ao processo de pesquisa, e o critério utilizado trata da interferência da sulanca na identidade do professor em Santa Cruz do Capibaribe. Para realizar a coleta de dados utilizamos como instrumento a entrevista semiestruturada (apêndice b), por entender que o discurso é um elemento essencial para entender as vivências dos sujeitos, é importante deixar que eles falem por si mesmos. Investigamos questões como o tempo de atuação, o que motivou a escolha pela docência, como percebem a sua profissão em relação às demais e como dão significado para o ser professor em Santa Cruz do Capibaribe. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, e os dados foram divididos em categorias, método inspirado na análise de conteúdo de Bardin, que, segundo Mynayo (1994,) proporciona descobrir aquilo que está por trás do conteúdo que foi manifesto, transcendendo as aparências. Os elementos observados apontaram para três categorias distintas que sofrem a interferência da sulanca no que se refere à identidade docente: o processo de escolha pela docência; o lugar que o professor ocupa socialmente; e como os docentes simbolizam sua profissão. Nessa proposta de análise inspirada em Bardin (1977), buscou-se entender, fazer inferências sobre o que conduziu os entrevistados a pronunciarem um determinado enunciado de acordo com o arranjo social no qual estão inseridos, através de indicadores não quantitativos. Desse modo, a ideia em que nos apoiamos é de que os professores são elementos-chave no processo de ensino e aprendizagem. E que problematizar sua posição na cultura local e sua identidade é uma forma de entender também como essa configuração trata as propostas educacionais. 16 Todavia, não esperamos com este trabalho responder a todas as questões que dificultam o exercício do professor nessa localidade, nem vender a ideia de que há uma solução pronta e universal para a educação. Porém, desejamos conhecer, problematizar e desestabilizar os lugares cristalizados pela cultura da sulanca. O resultado dessa pesquisa está organizado em três capítulos: dois teóricos e um de apresentação dos resultados. De modo que o primeiro capítulo trabalha a categoria identidade, indicando qual posição teórica assumimos, até chegar ao recorte do processo de identificação docente. A segunda etapa traça um panorama da cultura da sulanca, de como surge essa figuração, quais as suas particularidades e o modo como sulanqueiros e docentes se relacionam com o conhecimento. Já o último capítulo se estrutura de maneira a deixar que os próprios sujeitos envolvidos nesse processo, os professores, através dos seus discursos, indiquem qual o lugar que ocupam nessa cultura, o que fez com que escolhessem essa posição e que significado atribuem a sua profissão. O que nos mostra como a sulanca atravessa a identidade docente de modo concreto. 17 I - TECENDO OS FIOS DA IDENTIDADE A escolha da categoria identidade para discutir o posicionamento do professor em meio à cultura da sulanca se dá pelo fato de que esta consegue reunir as características que investigamos, sejam elas os processos de escolha pela docência, o lugar social do professor e as significações acerca da profissão. Tal categoria abarca aspectos diversos. Assim, para entender como ela se constrói é preciso considerar os processos: simbólico, social e psíquico. A identidade é aquilo que aparece nas relações sociais e na forma como nomeamos e percebemos essas relações. Como nos diz Woodward (2012, p. 14): O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é necessário para a construção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são ‘vividas’ nas relações sociais. Ainda, nessa perspectiva, Woodward aponta que além dos níveis simbólico e social, o nível psíquico deve fazer parte da conceitualização da identidade, pois é preciso “explicar por que as pessoas assumem suas posições de identidade e se identificam com elas.” (Ibid., p. 15). O que nos faz problematizar o fato de que alguns indivíduos assumem determinadas posições, ainda que estas sejam marginalizadas socialmente. Dessa maneira, o olhar sobre a identidade deve ser crítico, no sentido de desconstruir os movimentos que entendem esse processo como algo natural ou ainda determinado por um único fator. Pensar na construção de uma identidade é refletir sobre uma cultura específica, e, também, sobre o que os sujeitos fazem com aquilo que o meio social lhes oferece, tanto simbólica, como psiquicamente. 18 Nesse sentido, existem discussões que adotam diferentes posições sobre a questão da identidade. Segundo a autora anteriormente citada, uma das discussões centrais está baseada na tensão entre essencialismo e não essencialismo3. O essencialismo não se apoia apenas em pressupostos biológicos, mas pode utilizar argumentos históricos para respaldar uma visão de identidade fixa e imutável. Cabe assim, pensarmos, como Silva (2012, p. 86), que “Todos os essencialismos são, assim, culturais.” Pois é preciso que haja um movimento para a construção e fixação de uma dada identidade e tal movimento é cultural, mesmo que este se apoie em abordagens históricas, biológicas ou psíquicas para legitimar-se. Tal ideia implica o fato de que um sujeito pode assumir identidades diversas, posições que são construídas e desconstruídas. É preciso analisar tal processo como algo contingente. A identidade é um conceito estratégico e relacional, que está sujeito a mudanças e transformações, algo que nunca está completo. Como defende Hall (2012, p. 106): [...] a abordagem discursiva vê a identificação como uma construção, como um processo nunca completado – como algo sempre “em processo”. Ela não é, nunca, completamente determinada – no sentido de que se pode, sempre, “ganhá-la” ou “perdê-la”; no sentido de que ela pode ser, sempre, sustentada ou abandonada. Embora tenha suas condições determinadas de existência, o que inclui os recursos materiais e simbólicos exigidos para sustentá-la, a identificação é, ao fim e ao cabo, condicional; ela está, ao fim e ao cabo, alojada na contingência. Esse olhar descarta os essencialismos que sustentaram por muito tempo as discussões das ciências humanas sobre a identidade, ou da tentativa de encontrar um ponto comum, um núcleo que pudesse marcar os indivíduos permanentemente. 3 Apontamos essas posições para situar o leitor na abordagem que adotaremos buscando questionar as posições essencialistas que são usadas para explicar o ser professor. O foco será dado, portanto, as questões culturais que produzem as identidades docentes. 19 Isso nos faz pensar que as construções identitárias não são processos naturais. Nesse sentido, o sociólogo Zygmunt Bauman (2005, p. 21 – 22) em uma entrevista concedida sobre essa temática defende que [...] de fato, a “identidade” só nos é revelada como algo a ser inventado e não descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta. Essas ideias de inconclusão, fluidez e instabilidade, estandartes sociais desde o final do século XX, fizeram com que a discussão sobre a identidade fosse aflorada, ganhasse maior visibilidade. Trata-se, deste modo, de problematizar tal categoria em um momento em que se vivencia uma “crise de identidade”, como defende Woodward (2012, p, 26), marcado “pela competição e pelo conflito entre as diferentes identidades, o que tende a reforçar o argumento de que existe uma crise de identidade no mundo contemporâneo.”. Para Hall (2006), historicamente, pode-se falar em três concepções de identidade: iluminista, sociológica e pós-moderna. A primeira concepção traz uma ideia de sujeito unificado, racional, que possui uma “essência”, um núcleo comum desde o nascimento. Em contrapartida, a concepção sociológica de sujeito questiona o conceito de núcleo interior autônomo e entende a identidade formada a partir das relações, um “eu” constituído em diálogo com a sociedade. Por fim, a noção pós-moderna toma como ponto de partida as mudanças sociais e questiona a ideia de unificação e estabilidade, entendendo a identificação como um processo em movimento, fragmentado, por meio do qual podem coexistir identidades contraditórias em um mesmo sujeito. Ainda nessa perspectiva, Hall (2006) entende que para que se chegasse a essa concepção de sujeito descentrado, que problematiza a visão de sujeito cartesiano, houve uma série de rupturas no campo das ciências humanas e sociais. Ele cita cinco dessas rupturas, quer sejam: o pensamento marxista, entendendo que o homem constrói sua história a partir das condições que lhe são dadas e questionando a ideia de essência universal; a descoberta 20 freudiana e a psicanálise, que localizam os processos de identificação no inconsciente e abordam o sujeito como dividido; a teoria linguística de Saussure, por quem a língua é vista como um sistema social; o trabalho de Foucault, que entende a produção das identidades a partir do controle, do poder disciplinar; e, por fim, o Movimento Feminista, que questionava as identidades e posições, principalmente relativas ao gênero. Tal compreensão, de sujeito descentrado, é abordada neste estudo pela ótica do campo de discussão denominado Estudos Culturais (doravante EC). Pois, nessa perspectiva, há um entendimento de cultura ampliado, entende-se que esta está em todo lugar e não há uma melhor que a outra. Todavia, a análise que pretendemos empreender não é dos processos culturais em si, mas deles como instrumento para analisar a construção das identidades e os processos de subjetivação (BERNARDES; HOENISCH, 2003, p. 111). É impossível pensar os processos de construção da identidade sem levar em consideração as produções locais na qual estão imersos, pois “A cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade [...]” (WOODWARD, 2012, p. 19). Outro aspecto a ser observado é que os EC surgem num contexto que se assemelha ao nosso campo de pesquisa, pois as obras pioneiras são de filhos de operários britânicos: Richard Hoggart, que publicou o livro The uses of literacy (1950), e Raymond Williams, que publicou Culture and society (1957). Tais obras rejeitavam uma noção pronta e dominante de cultura, analisando os modos de vida da classe trabalhadora. (COSTA, 2000, p. 18) Acreditamos que é insuficiente problematizar a sulanca e seus efeitos como uma ordem regida apenas pelos fatores econômicos, pois “Os Estudos Culturais atribuem à cultura um papel que não é totalmente explicado pelas determinações da esfera econômica” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 144). É notável que os sulanqueiros obtêm mais lucro do que os professores, mas ainda assim, por que alguns escolhem o magistério? 21 O econômico por si não dá conta de explicar o cultural. Outros fatores, além do lucro, parecem estar em questão. Stuart Hall (2006, p. 191) critica o reducionismo e o economicismo presentes na teoria de Marx: Em nenhum momento os estudos culturais e o marxismo se encaixaram perfeitamente, em termos teóricos. Desde o início [...] já pairava no ar a sempre pertinente questão das grandes insuficiências, teóricas e políticas, dos silêncios retumbantes, das grandes evasões do marxismo – as coisas que Marx não falava nem parecia compreender, que eram nosso objetivo privilegiado de estudo: cultura, ideologia, linguagem, o simbólico. Assim, o que move o professor a escolher a docência nessa cultura não pode ser compreendido apenas pela ótica econômica, pelo modelo marxista ortodoxo, pois, “Os fatores materiais não podem, entretanto, explicar totalmente o investimento que os sujeitos fazem em posições de identidade.” (WOODWARD, 2012, p. 61). Os EC transcendem o olhar meramente econômico e globalizante, pois “ao mesmo tempo em que abordam questões do âmbito da cultura global adquirem os contornos e matizes das configurações locais [...]” (COSTA, 2000, p. 26). Ou seja, analisar as implicações da sulanca sobre os processos educacionais é um processo vazio se não considerarmos as particularidades desse fenômeno. Se o marxismo ocupa-se de um modelo base-estrutura, os EC ocupam-se das minorias, dos segmentos locais e suas manifestações. Sobretudo, porque o sentido da cultura é problematizado pelos EC, não mais sendo tratada como um bem pertencente às elites, mas como a descrição de um modo de vida. No caso da nossa proposta, da maneira como o professor existe em meio à sulanca, visto que “a tarefa da análise cultural é o exame das significações e valores implícitos e explícitos em certo modo de vida, em certa cultura” (WILLIAMS, 1965 apud COSTA, 2000, p. 24). O olhar desses estudos é, também, engajado politicamente, e tem contribuído bastante no que se refere à educação, principalmente para desestabilizar discursos e práticas prontas, naturalizadas. Nesse sentindo, Costa (2005, p. 112) nos fornece um panorama da inserção EC na Educação: 22 Ao concebermos os Estudos Culturais em Educação como um partilhamento de entendimentos, de conceitos-chave e “formas de olhar” que eles trouxeram, principalmente, para as áreas das humanidades – da comunicação, da literatura, da história, entre outras – não esgotamos suas possibilidades. As “lentes” dos EC parece que vêm possibilitando entender de forma diferente, mais ampla, mais complexa e plurifacetada a própria educação, os sujeitos que ela envolve, as fronteiras. De certa maneira, pode-se dizer que os Estudos Culturais em Educação constituem uma ressignificação e/ou uma forma de abordagem do campo pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso e política da representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica. Desse modo, como exposto acima, é a partir dessa ótica que abordaremos a questão da identidade, entendendo que nosso olhar sobre a mesma é apenas um dos vários possíveis para tratar a questão, que é complexa e multifacetada. Entendemos, assim, que um campo complexo como o da identidade deve ser problematizado por diversos campos de saber. Tal discussão é viabilizada pelos EC, o que justifica nossa opção teórica e metodológica. Dessa forma, os EC podem contribuir bastante para nossa investigação, uma vez que tal realidade é única, e a maneira como a cultura da sulanca se estrutura não é possível de ser analisada através de olhares generalizantes e/ou globalizantes. Mas, requer um olhar de como os sujeitos vivenciam seu cotidiano, assim, os referidos estudos “[...] dizem respeito às formas históricas da consciência ou da subjetividade, ou às formas subjetivas pelas quais nós vivemos ou, [...] ao lado subjetivo das relações sociais” (JOHNSON, 2006, p. 25). 1.1 A identidade entre as marcações psicológicas e sociológicas Como já foi mencionado acima, durante muito tempo, o olhar das ciências humanas sobre a identidade foi movido pela ânsia de definir uma essência, um núcleo comum. Tal perspectiva limita a identidade apenas às características individual e psíquica. 23 Todavia, para além desse olhar individualizado sobre os processos identitários, precisamos reconhecer que esse processo também é social. E esses dois elementos não se excluem, nem são dicotômicos. Nesse sentido, somos convidados a questionar essas dicotomias que usualmente norteiam as abordagens sobre os indivíduos, pois “cada pessoa só é capaz de dizer ‘eu’ se e porque pode, ao mesmo tempo, dizer ‘nós’” (ELIAS, 1994a, p. 57). Dessa maneira, somos induzidos a refletir que a própria idiossincrasia constrói-se a partir das relações com o “nós”. Os sujeitos dependem de pessoas que lhe forneçam subsídio simbólico para formação de sua identidade. As primeiras pessoas que apresentam esse mundo simbólico à criança são aqueles que exercem as funções materna e paterna. Nessa perspectiva, Freud teoriza sobre o papel indispensável dos pais no processo de identificação das crianças. Fala-se em identificação porque essa categoria não é estanque. A psicanálise rompe com o modelo cartesiano de identidade, pois entende que este é um movimento inconsciente. “Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (Hall, 2006, p. 39). Identificação, segundo o Dicionário de Psicanálise é o: Termo empregado [...] para designar o processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando em momentos-chave de sua evolução, dos aspectos, atributos ou traços dos seres humanos que o cercam (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 363). Na abordagem psicanalítica, o eu começa a ser construído na primeira infância, através dos contatos familiares. A família é uma estrutura hierárquica, formada culturalmente, em que os adultos exercem coerção sobre as crianças, transmitindo questões relacionadas ao seu psiquismo, como afirma Lacan (1987, p. 13): [...] a família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na aquisição da língua acertadamente chamada de materna. Com isso ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico, preside esta organização das emoções segundo tipos condicionados pelo meio ambientes, que é a base dos sentimentos [...] 24 Como defendeu Freud, a primeira infância é de fundamental importância para a constituição do sujeito. Pois, é nela que o mesmo atravessa os complexos, que são responsáveis pela organização mental do indivíduo (LACAN, 1987). Esses complexos nessa fase da vida do sujeito são três: o do Desmame (entendendo-o como uma regulação cultural que vai definir o modo como o indivíduo vai se relacionar com a alimentação); o de Intrusão (que é quando o indivíduo se percebe como tendo irmãos ou outros substitutos que possam tirar dele a atenção da sua mãe); e o Complexo de Édipo (esse como o mais importante dos Complexos, que é preparado pelos dois anteriores). Para Freud, a travessia da criança pelo Complexo de Édipo é um momento de extrema importância, quando a criança renuncia aos investimentos libidinais feito nos seus primeiros objetos de amor, seus pais, e passa por um processo de identificação com os mesmos, após a castração: As catexias de objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego, que assume a severidade do pai e perpetua a proibição desse contra o incesto, defendendo assim o ego do retorno da catexia libidinal (FREUD, 1924, p. 196). Tomando por base esse conceito edipiano de Freud, o mesmo discorre ainda sobre os Romances Familiares. Nesse artigo ele trata da libertação do filho, durante o crescimento, em relação a seus pais. A criança, tentando atingir essa independência, atravessa algumas fases. Primeiramente, possui um encantamento cego pelos pais (quer ser como eles), seguido de uma desilusão (a ideia de que existem pais com características melhores que os seus) e, por fim, um afastamento, que de certa forma não é total, pois “[...] a supervalorização dos pais pela criança sobrevive também nos sonhos de adultos normais” (FREUD, 1909 [1908], p. 222). Assim, não há como se ter uma desvinculação total, pois como exposto acima, o que resta desse romance familiar é a identificação e introjeção dos pais pela criança. 25 Lacan difere de Freud quando trata desse conceito de identificação, pois considera que a identificação inicial da criança não se dá somente através do amor pelos pais, mas ocorre no estádio do espelho. Destarte, o estádio do espelho corresponde a uma: Expressão cunhada por Jacques Lacan, em 1936, para designar um momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção de sua própria imagem num espelho (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 194). Esse estádio, segundo Lacan (1987), corresponde ao declínio do desmame. É nesse estádio que a criança se reconhece como uma unidade e se diferencia do Outro. Então, pode-se dizer que o sujeito, que é dividido, experimenta, a partir do estádio do espelho, a fantasia de unidade, como defende Stuart Hall: [...] embora o sujeito esteja sempre partido ou dividido, ele vivencia sua própria identidade como se ele estivesse reunida e “resolvida”, ou unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como uma “pessoa” unificada que ele formou na fase do espelho. Essa, de acordo com esse tipo de pensamento psicanalítico, é a origem da identidade (HALL, 2006, p, 38). Nesse sentido, Woodward (2012) faz uma crítica à ideia de sujeito fixo, unificado, e cita, como uma das possibilidades de pensar a identidade hoje, a visão da psicanálise, que apesar de contestações e limitações, traz elementos que indicam um permanente estado de construção: Existe, assim, um contínuo processo de identificação, no qual buscamos criar alguma compreensão sobre nós próprios por meio de sistemas simbólicos e nos identificar com as formas pelas quais somos vistos por outros. Tendo, inicialmente, adotado uma identidade a partir do exterior do eu, continuamos a nos identificar com aquilo que queremos ser, mas aquilo que queremos ser está separado do eu, de forma que o eu está permanentemente dividido no seu próprio interior (p. 65). Apesar das críticas empreendidas à psicanálise, principalmente pelas teorias feministas, ela pode ser bastante útil, já que descentra o sujeito. Assim, 26 “O que é importante, aqui, é a subversão que as teorias psicanalíticas fazem do eu unificado, bem como a ênfase que colocam no papel dos sistemas culturais e representacionais no processo de construção da identidade” (WOODWARD, 2012, p, 67). Ainda nesse sentido, Bernardes e Hoenisch (2003) defendem que a psicanálise também é subversiva, por questionar a ideia de sujeito uno, indivisível, através da proposta de existência do inconsciente. Tal pressuposto questiona o conceito de sujeito moderno unificado e conduz a reflexão de que nem sempre o investimento em uma posição de identidade é um processo consciente. Assim, a identidade, além de um processo pessoal, depende do outro. Por isso, a cultura tem um papel tão importante nas produções identitárias. O que nos faz pensar que a cultura da sulanca, com todas as suas implicações, produz uma maneira única de ser docente. Portanto, a identidade deve ser pensada a partir do social. Indivíduo e sociedade não são elementos dicotômicos, mas interdependentes. Não existe sociedade sem indivíduos e vice-versa, como afirma Elias em “A sociedade dos indivíduos” (1994a). No entanto, reconhecer os aspectos sociais e pessoais como indissociáveis na construção identitária só faz sentido se tratamos as questões de identidade e diferença que norteiam esse processo. 1.2 Identidade e diferença A identidade, como defendem Deschamps e Moliner (2009), foi tratada pelas ciências humanas através da noção de si-mesmo, em que ora predominam aspectos coletivos ora individuais da construção identitária. Porém, a identidade remete tanto a um movimento de pertencimento a um espaço coletivo, quanto à tentativa de construção de um lugar singular, onde as pessoas buscam diferenciar-se das demais. Desse modo, “Esta disjunção entre elementos sociais e individuais na identidade não fará mais do que parafrasear a oposição entre semelhança e diferença [...]” (DESCHAMPS; MOLINER, 2009, p. 17). 27 Podemos problematizar a partir dessa inferência que o ser professor em Santa Cruz do Capibaribe tem latente a ideia de que não se é sulanqueiro, costureira, vendedor, dentre outras funções. Essa seria o aspecto de diferenciação da identidade. O professor constrói uma identidade, mas para além dessa diferenciação, professores e sulanqueiros partilham de uma mesma cultura, que pela primazia da atividade confeccionista, produz uma desvalorização da educação escolar. O que obviamente tem consequências negativas para o docente, já que não é tão útil quanto deveria aos interesses da sulanca. Tal afirmação tem latente a ideia de que uma identidade precisa do diferente para afirmar-se como tal. Nesse sentido, o sociólogo Zygmunt Bauman defende que “Afinal de contas, perguntar ‘quem é você’ só faz sentido se você acreditar que possa ser outra coisa além de você mesmo [...]” (Bauman, 2005, p. 25). Pois, como aponta Silva (2012, p. 75), em um mundo homogêneo, a afirmação das identidades não faria sentido, só precisamos delimitar uma identidade porque existem identidades outras. Portanto, a identidade não toma como referência apenas a si própria, aquilo que ela é, pois, implicitamente está inscrita a ideia também do que ela não é. Desse modo, contrapor a educação e a sulanca é importante para pensar como se constitui a identidade do professor, pois esta se configura a partir da diferença, como defende Moreira (2005, p. 128), “A marca da diferença, portanto, está presente no processo de construção identitária: a identidade elabora-se em oposição ao que não se é, constrói-se por meio da diferença, não fora dela.”. Nessa mesma perspectiva, Woodward (2012) defende que a identidade não se coloca em oposição à diferença, mas é dependente dela. De maneira que “As formas pelas quais a cultura estabelece fronteiras e distingue a diferença são cruciais para compreender as identidades. A diferença é aquilo que separa uma identidade da outra [...]” (p. 42). 28 É essa interdependência entre a identidade e a diferença que precisamos considerar nos processos de construção identitária. Cada cultura vai ter seu modo de marcar as diferenças e produzir novas identidades. A questão da identidade e da diferença também implica noções de quem pertence ou não, da inclusão/exclusão dos sujeitos, imposição de limites, das barreiras entre “nós” e “eles”. Quando delimitamos certa identidade, implicitamente estamos negando todas as outras características que tal produção identitária não possui (SILVA, 2012, p. 82). A configuração identidade/diferença está marcada mais comumente pelas oposições binárias, por aquilo que se é ou não se é. Porém, tal diferença, como defende Woodward (2012), tanto pode ser pontuada pelo viés da diversidade, da heterogeneidade e do hibridismo, como pode ser inferiorizada, em que o diferente é excluído e marginalizado. A noção de diversidade é tão problemática quanto a de exclusão. Pois, nesse conceito há um movimento de naturalização da identidade e da diferença como se fossem fatos e não construções. Não se trata de tolerar a identidade e a diferença, mas de problematizá-las, de entender que estas são ativamente produzidas (SILVA, 2012). Por outra via, quando essa diferença assume um caráter pejorativo, o outro é alvo de uma construção simbólica que o inferioriza, de modo que “O outro como ‘não-eu’, ‘não-nós’, deve ser afastado ou tornar-se estranho pelas características opostas àquelas que exprimem o que é próprio da identidade.” (JODELET, 1998, p. 51). A tal abordagem de diminuição do outro podemos chamar de alteridade. Nesse sentido, Jodelet (1998) nos incita a pensar que a produção da alteridade, do outro que tratamos como exterior, só faz sentido se pensarmos em um “nós”. Todavia, pensar em alteridade implica a ideia de que ela é [...] produto de um duplo processo de construção e de exclusão social; sua abordagem deve compreender, de maneira conjunta, os níveis interpessoal e intergrupal, dado que a passagem do próximo ao alter supõe o social, através da pertença a um grupo que sustenta os processos simbólicos e materiais de produção da identidade. 29 Na alteridade não ocorre apenas diferenciação, mas um movimento de atribuir ao próximo, àquele que partilha a mesma cultura, um lugar simbólico inferior. Assim, as produções simbólicas que mobilizam professores e sulanqueiros a diferenciar-se, muitas vezes, atribuem uma carga de inferioridade aos docentes. Contudo, a diferença também os reúne sob a égide de uma mesma cultura, a da sulanca. Diante desses processos de produção de diversidade e exclusão, Silva (2012) defende que a identidade e a diferença não são processos ingênuos, mas disputados socialmente. E os processos educacionais muito mais do que fomentar a tolerância pela diferença, devem analisar como ela é produzida. Sobre a diferença que marca a diversidade e a exclusão, Boaventura de Sousa Santos faz uma declaração muito lúcida de como o diferente demanda visibilidade, até por questões políticas. Tal afirmativa implica a ideia de que “[...] as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” (SANTOS, 2000, p. 37). Esse movimento não é algo simplório, pois o que marca a diferenciação, pautada nas oposições binárias em sua maioria, é a desestabilização de poder entre um dos termos desta oposição. Quando falamos em sulanqueiros e professores, “[...] os termos em oposição recebem uma importância diferencial, de forma que um dos elementos da dicotomia é sempre mais valorizado ou mais forte que o outro” (WOODWARD, 2012, p. 51). Reconhecer as relações de poder presentes na diferença implica problematizar como sulanqueiros e professores se posicionam nessa cultura, que vai além do sentimento de tolerância, e chega à reflexão do modo como a diferença é produzida. É preciso entender que “Por mais edificantes e desejáveis que possam parecer, esses nobres sentimentos impedem que vejamos a identidade e a diferença como processos de produção social, como processos que envolvem relações de poder” (SILVA, 2012, p. 96). 30 1.3 Identidade e relações de poder O conceito de poder é um elemento presente em quase toda a obra de Norbert Elias. Tal categoria é problematizada por esse autor, pois não é algo estático. Como aponta Lucena (2004, p. 01), “[...] o poder é fruto de relações e, portanto, não é um fato posto e situado que pode ser isolado como uma coisa qualquer, mas é algo relacional, que faz parte das relações humanas.”. Se o poder é algo que está imbricado nas relações humanas, pode-se pensar que há um equilíbrio de poder que marca sulanqueiros e professores. Isso não quer dizer que há uma distribuição igual de poder, mas que as tensões possibilitam que as relações ocorram. Elias dá exemplos das relações entre pais e filhos, senhores e escravos para dizer que há um equilíbrio de poder entre eles, ainda que uma das partes tenha oportunidades desiguais. Assim, “[...] grandes ou pequenas as diferenças de poder, o equilíbrio de poder está sempre presente onde quer que haja uma interdependência funcional entre pessoas” (ELIAS, 2008, p. 81). Tal equilíbrio de poder promove uma relação de interdependência entre os indivíduos. Todavia, “Interdependência não quer dizer harmonia, mas tensões e conflitos” (LEÃO, 2007, p. 29). Como no exemplo citado acima, escravos e senhores precisam um do outro: “O senhor tem poder sobre o escravo, mas o escravo também tem poder sobre o seu senhor, na proporção da função que desempenha para o senhor — é a dependência que o senhor tem relativamente a ele” (ELIAS, 2008, p. 81). Dessa maneira, as tensões e conflitos que permeiam as relações tecidas na sulanca produzem identidades específicas. Assim, tal cultura não é ingênua, mas move-se a partir das relações de poder, pois “[...] todas as expressões culturais devem ser vistas em relação ao contexto social das instituições, das relações de poder e da história” (ESCOSTEGUY, 2001, p.26). Essa perspectiva nos leva à abordagem diferenciada do contexto educacional, onde o espaço escolar também é um lugar de relações de poder que, para além da oposição entre dominantes e dominados, produz 31 subjetividades e identidades (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 58). A cultura da sulanca tem produzido as suas, através da escola e seus currículos: Ressalta-se que no processo curricular, em meio a lutas entre diferentes significados do indivíduo, do mundo e da sociedade, formam-se identidades que dividem a esfera social, ajudando a produzir, entre outras, determinadas identidades raciais, sexuais, nacionais. Nesse processo, ocorre a produção de diferenças e a confirmação (ou a mudança) de relações de poder hegemônicas. (SILVA, 1996 [apud MOREIRA, 2005, p.125-126]). As relações de poder existentes entre sulanqueiros e professores extrapolam os índices econômicos. Uma identidade se configura em função da outra. Tal ideia está presente num estudo sociológico, feito na década de 50 por Elias e Scotson (2000), em que se apresenta a seguinte situação: um grupo de uma mesma cidade considerava-se superior (os estabelecidos) em face aos demais (outsiders), apesar de possuírem um padrão de vida equivalente, economicamente falando. A superioridade era justificada por questões como o tempo de residência na cidade e os costumes. No caso de Santa Cruz do Capibaribe a superioridade parece ser justificada pelo poder aquisitivo dos sulanqueiros perante os professores. As fontes de poder que fundamentam a superioridade social podem variar muito. É importante observar que o modo como os indivíduos fazem uso e lidam com o dinheiro é um processo cultural. Desse modo, “Um grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído” (Ibid., p. 23). Tal estigmatização também é uma maneira de preservar a identidade, a autoimagem, de sustentar uma posição social (do sulanqueiro como alguém que possui dinheiro, diferente do professor). A superioridade é semeada através da cultura. “Assim, a exclusão e a estigmatização dos outsiders pelo grupo estabelecido eram armas poderosas para que este último preservasse sua identidade e afirmasse sua superioridade, mantendo os outros firmemente em seu lugar” (Ibid., p. 22). 32 É preciso analisar a figuração que os dois grupos formam, a sua relação de interdependência e não situar essa problemática apenas ao nível individual: “Não é fácil entender a mecânica da estigmatização sem um exame mais rigoroso do papel desempenhado pela imagem que cada pessoa faz da posição de seu grupo entre outros e, por conseguinte, de seu próprio status como membro desse grupo” (ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 25-26). Assim, as diferenças estão pontuadas pelo poder e não pelas características que distinguem, como a raça, ou a posição econômica. O estigma social que os estabelecidos atribuem aos outsiders transforma-se num estigma material, justificado por características biológicas. Porém, não se trata meramente de fatores que estão no plano funcional ou organizacional: a docência nesse contexto implica escolha, e mesmo que os professores sejam uma minoria, essa formação de identidade pode configurarse como uma forma de reação, como nos diz o autor citado acima: “O processo de produção da identidade oscila entre dois movimentos: de um lado, estão aqueles processos que tendem a ficar e a estabilizar a identidade; de outro, os processos que tendem a subvertê-la e a desestabilizá-la” (SILVA, 2012, p. 84). As relações de poder, nesse sentido, induzem o professor à construção de uma identidade compartilhada localmente, produzida através de um movimento de resistência. Dessa maneira, é importante considerarmos como o processo de construção da identidade docente ocorre, sem desconsiderar as particularidades desse processo na cultura em que está imerso. 1.4 Identidade docente O termo identidade tem origem no latim (idem), que significa continuidade e igualdade. Pensar na construção da identidade docente implica reconhecer os pontos comuns dessa profissão, os significados partilhados. Não que possamos falar em uma identidade fixa ou única, mas tratamos aqui do 33 vínculo que um indivíduo constitui com uma dada categoria profissional 4 e em relação às demais. Nesse sentido, “A identidade permeia o modo de estar no mundo e no trabalho dos homens em geral, e no nosso caso particular em exame, do professor, afetando suas perspectivas perante sua formação profissional” (GATTI, 1996, p. 85). A afirmação de uma construção identitária congrega questões que ultrapassam as generalizações, pois sob uma mesma identificação existem indivíduos com diferenças significativas. Por mais que seja consenso que o exercício do magistério é predominantemente feminino, existem variações dentro dessa categoria. Nessa perspectiva, Gatti aponta que mesmo as professoras do sexo feminino, manifestam diferenças que podem tocar o âmbito social e econômico. De modo que, para as professoras que advêm de camadas socioeconômicas mais baixas – a maioria, a docência é uma forma de ascensão social, e para as mulheres de diferentes classes, ensinar implica a possibilidade de saída da vida privada (Ibid., p. 86). Dessa maneira, quando se fala em uma identidade profissional que os docentes comungam de um modo geral corre-se o risco de homogeneizar o que é múltiplo. Porém, tal afirmação é necessária, não somente por questões políticas, de fortalecimento da categoria, mas, sobretudo, epistemológicas. De todo modo, é necessário que as contradições que permeiam essa identidade sejam consideradas, pois: Se tomarmos a identidade como uma cristalização necessária do incessantemente mutante, como uma ordenação que permite reconhecimento, não podemos esquecer que ela é representação de realidades originalmente heterogêneas e singulares. A identidade traduz a condição humana de vivenciar contradições por meio de certezas incertas (GATTI, 1996, p, 88). Isto porque, quando se fala em identidade, a perspectiva a ser encarada deve ser muito mais a da semelhança do que a de uma igualdade lógica. Galindo (2004, p. 15) defende a ideia de que a identidade docente vai além do 4 Sulanqueiros também produzem uma relação única com sua categoria nessa cultura, porém essa questão extrapola os nossos objetivos de pesquisa. De modo que nos deteremos apenas a tratar da identidade do sulanqueiro quando ela interfira na identidade do professor. 34 desempenho de um papel social, mas é a construção que parte da relação consigo e com os outros. Dessa maneira, se trata de um jogo de reconhecimento, de dois polos, de um lado, como o sujeito se reconhece, e de outro, como é reconhecido pelos outros. Reconhecimento que muitas vezes é contraditório, pois os professores experimentam sentimentos ambíguos em relação à profissão, ora se sentindo e sendo vistos como valiosos e ora sendo desprezados, como defende Gatti, a respeito das condições e contradições das professoras: A imagem social que têm de si mesmas também é contraditória. De uma lado exaltam o quanto são gratificadas pelas crianças e pais, de outro apontam o descaso das políticas sociais para com a educação e os professores, o desinteresse dos alunos, o não-comprometimento da família com educação dos filhos (GATTI, 1996, p. 87). Nesse viés, Galindo (2004) realiza um estudo com professores da educação básica da cidade do Recife, utilizando a entrevista como maneira de investigar como os professores se percebem e as notícias de jornal para entender como a imagem do professor é construída socialmente. Esse estudo aponta também para a contradição vivenciada pelos professores: Se por um lado, no auto-reconhecimento, os docentes se reconhecem como professores, profissionais, e identificam valores positivos em seu trabalho de “formar criaturas”, por outro lado, convivem com os significados negativos de sua profissão, do ser docente, como aquele que prejudica o ano letivo de alunos, traz problema para os pais etc. Consideramos, portanto, que os entrevistados vivenciam um conflito profissional expresso na contradição entre como se reconhecem e como são reconhecidos pelos outros (GALINDO, 2004, p. 21). Essa contradição é acentuada, na contemporaneidade, com a crise de identidade que a profissão docente atravessa. Como se concebe a profissão hoje foi algo construído social e historicamente. Nóvoa (1999) aponta que o professor só no início do século XX foi visto como uma figura profissional. Pois até então era visto como uma vocação. 35 Essa digressão nos permite visualizar que a profissão docente como é pensada hoje já atravessou diversos rearranjos. A identidade docente é algo que pode ser considerado recente, pois, até o século XVIII, o professor era domínio da religião. Havendo uma estadização do magistério, sem, no entanto, mudar as motivações e normas que balizavam o exercício da profissão (Ibid., p. 15). Pois, por mais que aos poucos a ideia de vocação tenha sido desconstruída e substituída pela ideia de profissão, havia valores pedagógicos já instituídos e pautados em conteúdos de cunho moral e religioso. Os professores absorveram esses valores do Estado e da Igreja, até por questões de autonomia em relação aos párocos, apoderando-se do seu próprio discurso, apenas no final do século XIX e início do século XX. Tal perspectiva não implica dizer que não havia, antes da estadização, professores que tinham a docência como ocupação principal. A intervenção do Estado promoveu apenas a homogeneização em relação às normas de exercício da profissão (Ibid., p. 16-17). Só no início do século XX, a escola e a instrução são vistas como promotoras do progresso e o professor como seu agente maior, investido de um poder simbólico. Essa foi uma época de ouro da profissão docente. O professor conquista um estatuto de profissionalização até os anos 20, quando goza de prestígio social e reconhecimento (Ibid., p. 21). Porém, paralelamente a essas conquistas, nas últimas décadas, os docentes vêm sendo submetidos a um processo de desprofissionalização ou proletarização. Nóvoa aponta alguns fatores que provocam essa condição: a necessidade do professor ter outros trabalhos para complementar a renda; a funcionarização e o controle por parte do Estado que diminuem a autonomia docente; a urgência em repensar a formação dos professores, superando as dicotomias entre teoria e prática; a necessidade de um novo associativismo docente que possa superar as questões burocráticas; a precisão em delimitar o saber docente a partir da ação concreta, deixando de tomar por empréstimo os discursos de outros campos de saber; a falta de normas e valores que guiem a profissão; as figuras de alguns professores que não cumprem sua competência 36 e acabam por desacreditar a categoria, sendo necessário repensar os critérios de seleção e diferenciação do professor com base no mérito e na qualidade (NÓVOA, 1999). Gatti (1996) afirma ainda que os sentimentos de desrespeito aos quais os docentes são submetidos também não são homogêneos, e que ao contrário do que se imagina, as professoras que atuam em comunidades urbanizadas e industrializadas, com melhores condições socioeconômicas, apresentam um maior sentimento de desvalorização. Tais dificuldades que estão imbricadas na identidade docente não devem ser pensadas isoladamente, mas essa posição que indica certa decadência do professor deve ser analisada a partir do social. Pois, [...] o professor pertence a uma teia de interdependência e seu poder é relacional e mutável, ou seja, dependente das ações, circunstâncias, condições, crenças, convicções, desejos etc., de todos os indivíduos do seu grupo social. (HUNGER; ROSSI; NETO 2011, p. 707). A identidade do professor é construída a partir das relações, nos embates que trava tanto no meio educacional, quanto fora dele. Por isso é tão importante refletir sobre os contextos históricos e culturais nos quais os docentes estão em diálogo para construção de uma identidade coletiva. Desse modo, [...] os professores constroem suas identidades profissionais no embate de seu cotidiano nas escolas, sobre a base das vivências que sua situação social de classe, de sexo, de raça, lhes possibilitou como background. Eles se identificam a partir do seu trabalho de ensinar. O que justifica esse trabalho e a responsabilidade de ter de garantir a transmissão e a perpetuação das própria experiência humana consubstanciada em um determinado tipo de cultura (GATTI, p. 89). Assim, o que reúne a categoria docente é a missão de transmitir conhecimento, mas que não pode ser generalizada, devendo ser pensada a partir de cada cultura. Ser professor em diversas regiões de um mesmo país, 37 como o Brasil, tem pesos e identidades diversas que se ressignificam a partir da cultura local. De todo modo, O indivíduo (professor) é o que é porque pertence a um grupo social, pois tudo o que ele (professor) se torna dá-se em relação aos outros. Logo, o ser professor adquire sua característica individual a partir da história de suas relações, de suas dependências e, por fim, da história de toda a rede humana em que convive (HUNGER; ROSSI; NETO, 2011, p. 708). Todavia, entendendo que o professor e seus processos de identificação constroem-se no e com o social, faremos uma abordagem, no próximo capítulo, da cultura local, de como são celebradas as relações em meio à sulanca e como a figura do professor é posicionada e significada nessa teia de interdependência. 38 II - A CULTURA DA SULANCA E SUAS PRODUÇÕES IDENTITÁRIAS 2.1 Uma análise figuracional da sulanca O olhar que teceremos sobre a cultura da sulanca será o de figuração, um conceito elisiano que inclui os seres humanos na formação de uma sociedade, pois grande parte das discussões sociológicas tomam os indivíduos e a sociedade em separado, como se tivessem vida própria. Sendo assim, “Os seres humanos, em virtude de sua interdependência fundamental uns dos outros, agrupam-se sempre na forma de figurações específicas.” (ELIAS, 2006, p. 26) Elias, no primeiro volume do Processo Civilizador faz referência às danças de salão para explicar o conceito de figuração, para ele: A imagem de configurações móveis de pessoas interdependentes na pista de dança talvez tome mais fácil imaginar Estados, cidades, famílias, e também sistemas capitalistas, comunistas e feudais como configurações. Usando este conceito, podemos eliminar as antíteses, chegando finalmente a valores e ideais diferentes, implicados hoje no uso das palavras "indivíduo" e "sociedade". [...] As mesmas configurações podem certamente ser dançadas por diferentes pessoas, mas, sem uma pluralidade de indivíduos reciprocamente orientados e dependentes, não há dança (ELIAS, 1994c, p. 249-250). A cultura da sulanca, como as demais configurações culturais, na visão de Norbert Elias, é resultado de algo não planejado, da união de vários interesses individuais que implicam em uma formação específica, numa figuração. Destarte, “cada tipo de sociedade, dentro do seu contexto histórico específico, produz um conjunto de figurações igualmente específicas” (ELIAS, 1933 apud BRANDÃO, 2003, p. 61). A noção de configuração promove uma reconciliação no que se refere a duas unidades que a ciência tende a estudar separadamente, como dois processos opostos, a saber: o indivíduo e a sociedade. Assim, tal conceito “[...] serve, portanto, de simples instrumento conceitual que tem em vista afrouxar o 39 constrangimento social de falarmos e pensarmos como se o indivíduo e a sociedade fossem antagônicos e diferentes.” (ELIAS, 2008, p. 141) Elias faz outra comparação para explicar a noção de figuração, essa é tratada como semelhante a um jogo de cartas ou a um confronto de futebol, onde os participantes não são um somatório de átomos individuais, mas seres interdependentes que formam “um entrelaçado flexível de tensões.” (Ibid., p. 142). Essa flexibilidade explica as mudanças figuracionais, que deram origem a sulanca e suas produções: No seio das configurações mutáveis — que constituem o próprio centro do processo de configuração — há um equilíbrio flutuante e elástico e um equilíbrio de poder, que se move para diante e para trás, inclinando-se primeiro para um lado e depois para o outro. Este tipo de equilíbrio flutuante é uma característica estrutural do fluxo de cada configuração. (Ibid., 2008, p. 143) Desse modo, o arranjo cultural proveniente da sulanca não é pronto ou estático, mas implica modificações. A figuração específica, da qual trataremos, tem por cenário a cidade de Santa Cruz do Capibaribe, pertencente ao Agreste Setentrional do Estado de Pernambuco e distante 187,8 km da capital Recife. O município possui uma economia marcada pela produção e comércio de peças de vestuário, de baixo custo, em sua maioria. Tal atividade econômica recebe o nome de sulanca, designação usada para a confecção de roupas na região. Bruno Bezerra (2004, p. 46), que produziu um livro sobre o empreendedorismo em Santa Cruz do Capibaribe, faz uma retomada histórica sobre a origem do termo: A etimologia da palavra sulanca é na verdade incerta. Alguns registros indicam que vem de “helanca vinda do sul” (helanca, por sua vez, é um tipo de tecido). Existe, também, outra versão suficientemente lógica para a origem da palavra sulanca. Algumas pessoas que ajudaram a criar desde o princípio a atividade confeccionista local relatam um fato que teria originado o termo sulanca. Dizem que um comprador de roupas (ninguém sabe quem foi), enquanto olhava as peças que iria comprar, ficou procurando um termo para classificar aqueles produtos e o associou à sucata. Como sucata é um termo utilizado normalmente para metais, ele criou espontaneamente 40 uma derivação: sulanca, que seria uma espécie de sucata de tecido. Assim, Santa Cruz do Capibaribe, bem como outras cidades do agreste pernambucano, tais como Caruaru e Toritama, é grande produtora e vendedora de sulanca. Essas cidades são as principais produtoras do Polo de Confecções do Agreste. O termo Polo de Confecções foi utilizado em estudo realizado no ano de 2002 pelo SEBRAE, por entender que o termo sulanca carrega uma conotação de inferioridade, de má qualidade do produto comercializado. Nos termos de Lira (2006, p. 102), “A sulanca ficou conhecida, então, como feira que possui produtos simples, de qualidade inferior e preços acessíveis a camadas da população de baixa renda”. Esse estudo foi feito inicialmente nas três cidades supracitadas. Todavia, o SEBRAE encomendou novo estudo em 2012, incluindo mais 7 cidades onde, junto com Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, há mais de 100 mil pessoas ocupadas na produção de peças de vestuário, a maioria em empregos informais (SEBRAE, 2013). Porém, Santa Cruz é a pioneira na produção de tal produto, trabalhando com sobras de tecidos desde a década de 1960. Segundo Varela do Nascimento Neto (2008, p. 58), [...] 1953 foi o ano no qual Santa Cruz do Capibaribe finalmente se tornou cidade, na ocasião, uma cidade igual a tantas outras das redondezas que sobreviviam do feijão, do milho e de outras culturas, mas, no entanto, já existiam as tradicionais colchas de retalho, que deu a alguém a ideia de separar esses retalhos de tecidos, aproveitando os de maior tamanho para confeccionar shorts, angariando mais lucro dessa forma de que se tivesse produzido uma colcha. Assim, teve início a atividade de produção do polo de confecções de Santa Cruz do Capibaribe. Além do pioneirismo na produção de peças de baixo custo, a capital da sulanca, como é denominada, possui hoje o maior polo de confecções da América Latina, o Moda Center Santa Cruz, que foi inaugurado em 7 de outubro de 2006 e possui uma estrutura que abriga 9.624 boxes e 707 lojas, 41 numa área coberta de 120.000m², construída num espaço de 32 hectares. (http://www.modacentersantacruz.com.br/o-parque.php). Esse espaço abriga, atualmente, a feira, que antes acontecia no centro da cidade. Nascimento Neto (2008) analisa, através de trabalho de dissertação, o perfil dos trabalhadores no Polo de Confecções de Santa Cruz do Capibaribe e suas formas de significação e identificação. Toma por base a ideia de que esta localidade é um espaço neo-rural, onde as atividades primárias foram diversificadas, possibilitando o surgimento de novas formas de produção e subsistência. Tal estudo indica ainda que o desejo de estabilidade financeira, que motivou os trabalhadores a buscarem alternativas ao setor primário, ocorreu de modo semelhante à Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na GrãBretanha. Não em proporção, mas pela quantidade de trabalhadores que se evadiram das atividades primárias (Ibid.). Essa mudança social que origina a cultura da sulanca não foi intencional, nem depende de um único indivíduo para realizar-se, como aponta Elias: [...] embora todas essas sociedades certamente tenham consistido em nada além de muitos indivíduos, é claro que a mudança de uma forma de vida em comum para outra não foi planejada por nenhum desses indivíduos. Pelo menos é impossível constatarmos que qualquer pessoa dos séculos XII ou mesmo XVI tenha conscientemente planejado o desenvolvimento da sociedade industrial de nossos dias (ELIAS, 1994a, p. 13). Oliveira (2011) corrobora a ideia elisiana quando defende que o Polo de Confecções tem uma origem espontânea, não sendo assim, proveniente das políticas de incentivo da SUDENE, que buscavam integrar o Nordeste à produção industrial nacional; nem da “guerra fiscal”, que promoveu nos anos 1990 um deslocamento de investimentos industriais para áreas menos industrializadas. Assim: Esse fenômeno - de industrialização de uma região a partir de condições tão adversas, como as do Agreste Pernambucano, sem contar com aporte exógeno de capital e de tecnologia, em 42 plena passagem dos Séculos XX ao XXI (nunca dantes tão dominado pelo grande capital18); nem com um estoque de força de trabalho especializada (em plena afirmação da “era do conhecimento”19); nem tampouco com incentivos e suportes por parte do Estado - só foi possível porque contou com a iniciativa, a perseverança e a criatividade de homens e mulheres pobres (poucos, no início; cada vez mais, na sequência; milhares e milhares, atualmente). A esses jamais se apresentaram outra opção, senão a luta tenaz e cotidiana pela estrita reprodução da sobrevivência (OLIVEIRA, 2011, p. 10). Porém, alguns fatos justificam, ainda que no contexto macroscópico, a evasão desses indivíduos da agropecuária, tais como: a má distribuição de terras, a falta de incentivos e políticas governamentais, bem como o crescente desemprego nos meios rurais e urbanos. (NASCIMENTO NETO, 2008) Tal pesquisa aponta ainda que os sujeitos envolvidos no Polo de Confecções, tanto os empreendedores quanto os funcionários, relatam experiências alternadas entre etapas de árduas condições de sustentabilidade e de sucesso financeiro. Não há uma padronização da vida cotidiana dos sujeitos envolvidos na sulanca (Ibid.). Tal atividade é vista como uma possibilidade de melhoria de vida, garantindo trabalho para quem necessita e “barriga cheia”, amenizando, dessa forma, as incertezas do setor agropecuário, pois se trata de uma produção de produtos não perecíveis (Ibid.). Outro dado importante desse estudo é que dentre os entrevistados, os de menor idade buscam investir em estudos e não querem passar a vida toda no polo das confecções, com algumas exceções de jovens que não têm interesse em estudar. Todavia, o fator escolaridade foi “considerado irrelevante pelos entrevistados de forma arrebatadoramente majoritária”. O que ilustra o fato das mulheres entrevistadas, que estavam à frente de empreendimentos, nenhuma ter concluído o colegial (Ibid., p. 72). Nessa perspectiva, Pereira Neto (2011), em trabalho de dissertação que analisa a atuação do SENAI junto ao Polo de Confecções de Pernambuco, aponta que os baixos índices de escolaridade podem ser motivados pelo fato 43 de que o conhecimento necessário para atuar nesse segmento, na maioria das vezes, é adquirido pela observação. De modo que, A qualificação profissional, assim, muito mais que centrada na certificação de cursos formalizados, se dá ao longo do processo de socialização, geralmente adquirida em âmbito familiar ou nas primeiras experiências de trabalho. É muito comum se encontrar na região costureiras e costureiros que aprenderam seu ofício observando, desde criança, as atividades de costura posto a cabo por seus pais e outros parentes. [...] Aprender com os pais a costurar, a vender, a ir à feira da sulanca, a negociar, torna-se desde cedo uma estratégia muito importante para a reprodução e ampliação das chances de sucesso, o que são impressos como horizontes “naturalizados” dos entrevistados (PEREIRA NETO, 2011, p. 115) De um modo geral, a atividade da confecção e venda de vestuário, que é relativamente recente face à cronologia do município, provocou uma reorganização urbana e rural em Santa Cruz do Capibaribe. A população, que em 1991, era de 38.332 habitantes, duplicou para 87.582 habitantes, segundo o Censo 2010. (IBGE, 2013). Esse aumento populacional ocorre porque: Ao longo dos anos, a terra ou a capital da sulanca, como passou a ser conhecida, se tornou um local atrativo para pessoas vindas do campo para a cidade, de outras cidades de Pernambuco, de outros estados nordestinos e, até, de migrantes ou filhos de migrantes situados no Centro-Sul, que passavam a retornar, justamente pelas oportunidades de trabalho e negócios que despontavam. Não à toa, num período de vinte anos, a população de Santa Cruz do Capibaribe foi dobrada (PEREIRA NETO, 2011, p. 111). Em contrapartida a essa alternativa que foi inventada frente à crise agrícola que a região enfrentava à época do surgimento da sulanca, houve um crescimento desordenado que acarreta alguns danos para a população, como indica Lira: Os aglomerados de micro e pequenas indústrias do Agreste Pernambucano foram sendo construídos como uma solução, principalmente aos problemas agrários da região. No entanto, vemos um crescimento populacional e urbano desordenado, que causa prejuízos à população. [...] esta urbanização é prejudicada pela informalidade que tem como consequência a 44 falta de recursos para políticas urbanas e sociais, pois é exígua a arrecadação de recursos públicos (LIRA, 2006, p. 112). Estima-se que existam 7.169 unidades produtivas de confecções em Santa Cruz do Capibaribe. Tal nomenclatura é utilizada tanto para designar as unidades que trabalham com a confecção total do produto e venda, quanto com as facções, que desempenham atividades relativas a etapas ou partes da produção, tais como costurar peças de uma calça ou os forros dos bolsos (SEBRAE, 2013). Todavia, essa média indica outro ponto importante a ser considerado: no total dessas unidades, a incidência da informalidade atingiu o percentual de 81,2 % no ano de 2012, quando foi realizada a pesquisa. O número apresentou um tímido decréscimo em relação do estudo feito em 2002, que indicava 94,3 % das unidades produtivas mantidas na informalidade (Ibid.). Segundo a própria análise do relatório do SEBRAE (2013), os altos índices de informalidade são o que tem garantido a expansão do Polo de Confecções, visto que os produtores pagam poucos impostos, bem como direitos e obrigações trabalhistas. Outro dado que pode nos ajudar a entender os processos configuracionais em torno da educação nessa cultura local é a baixa qualificação da força de trabalho na região, que em curto prazo tem garantido a competitividade, mas em longo prazo não garante a sustentabilidade da atividade (SEBRAE, 2013). Essa análise corrobora as estatísticas apontadas pelo Banco de Dados do Estado de Pernambuco - BDE, segundo o qual, em 2010, as pessoas com 10 anos ou mais de idade sem instrução e com ensino fundamental incompleto totalizam 67,35 % da população e apenas 2,02% da população possuem curso superior completo (BDE, 2013). Cordeiro (2011), em trabalho de dissertação, identificou os desafios e potencialidades da função social da educação como fator primordial ao desenvolvimento socioeconômico de Santa Cruz do Capibaribe, entendendo que a educação e o conhecimento são essenciais para diminuir as 45 desigualdades sociais e promover crescimento econômico, pois este por si só não é garantia de desenvolvimento. Observou que o município, apesar de promover uma elevação dos índices econômicos através das atividades confeccionistas, apresenta problemas sociais e ambientais sérios, tais como o uso indiscriminado de produtos químicos para descolorir e lavar os tecidos e as questões de informalidade e produção flexível (Ibid.). Tal pesquisa identifica que há uma desvinculação do ensino oferecido no município e as atividades de produção. Defende ainda a ideia de que são necessários investimentos na educação nessa localidade, para que haja um crescimento adequado e uma melhor qualidade de vida (Ibid.). Essas análises e estatísticas citadas acima oferecem-nos um panorama da cultura local, em que há um crescimento motivado pelas atividades confeccionistas, porém sem planejamento, que supervaloriza os efeitos dessa atividade, tais como as oportunidades de emprego, o lucro imediato, e subvaloriza atividades outras, como a educação, que poderia ser bastante útil no desenvolvimento do Polo de Confecções. Logo, é possível pensar que a busca por dinheiro rápido através do trabalho manual prevalece como símbolo de sucesso. 2.2 Professores e sulanqueiros sob a ótica do conhecimento É preciso considerar que as relações entre sulanqueiros e outras categorias profissionais, como os professores (objeto de nosso estudo), estão marcadas pela disputa de poder. Tal luta parece apontar para a questão do conhecimento: os primeiros possuem um conhecimento não-acadêmico, legitimado pelo sucesso de sua atividade produtiva. E através do êxito que logram, ainda que momentâneo, elencam elementos que inferiorizam a figura do professor, que apesar de possuir um conhecimento acadêmico, não gera tanta riqueza quando comparada a esta atividade. 46 Todavia, o conhecimento acadêmico do qual o professor se apropria o faz ter acesso a outros espaços, possibilita a circulação em outras realidades, enquanto o conhecimento produzido na sulanca parece garantir apenas uma afirmação local. Entretanto, num recorte entre o local e o global, professores e sulanqueiros partilham uma mesma cultura. Localmente podem até, ora um, ora outro, apresentar um gradiente de poder maior. Porém, perante outras realidades, por vezes, ambas as categorias apresentam-se como inferiores, através de marcações como nordestinos, interioranos, dentre outras. Utilizamos o termo gradiente de poder, cunhado por Elias, para entender o poder a partir de um viés relacional, que transcende as análises que partem da ideia de grau de poder, ou ainda de quem tem ou não o poder. (ELIAS, 1994a; ELIAS, 1994b). Nesse sentido, a questão não é quem é o detentor do poder no contexto analisado, mas de entender como esse poder marca as relações de interdependência dessa localidade. Elias (1994b), no texto Conocimiento Y Poder, faz uma importante reflexão sobre as questões citadas acima, considerando a ideia de que o poder não é algo que pode ser colocado no bolso ou tomado por si só como uma coisa, mas é um aspecto presente em todas as relações humanas. Existem assim, diferentes modos de reter poder, com que os indivíduos podem monopolizar aquilo que os outros precisam, quer seja dinheiro, alimento, conhecimento (Ibid.). Nesse contexto é notório que os sulanqueiros, maioria da população economicamente ativa, detêm o controle sobre a maior parte da economia local. Em oposição, o conhecimento sistematizado marca o professor com uma forma de poder que os produtores de confecção não possuem. Pois, como defende Elias, a parcela da sociedade que possui um nível educativo baixo, encontra-se em desvantagem competitivamente, porém, o acesso ao conhecimento mais amplo – a maiores e mais compreensivos meios de orientação – incrementa o poder potencial dos grupos humanos (Ibid.). 47 Tal autor também alerta que para entender o presente faz-se necessário a comparação com outros períodos históricos. Tal retomada nos faz perceber como o conhecimento foi monopolizado durante muito tempo e foi essencial no controle das massas camponesas até os Séculos XIX e XX, período em que houve expansão da ciência e da indústria. Antes dessas mudanças, alguns poucos agentes, tais como os padres, “conheciam” as causas das fatalidades e sabiam comunicar-se com os poderes invisíveis. A referência a Igreja Medieval pode ajudar a recordar o elevado potencial de poder que a monopolização do conhecimento revelado podia conferir a seus representantes (ELIAS, 1994b). O conhecimento que se apresenta sob diferentes óticas para professores e sulanqueiros, não garante uma relação de superioridade/inferioridade. Pois, mesmo que haja um discurso que de algum modo desqualifique o professor socialmente ou que diminua seu prestígio social, é preciso atentar que não se trata de alguém totalmente subjugado. Marcelo (2009) situa a importância do professor como um agente imprescindível na sociedade do conhecimento, de modo que pode proporcionar novos espaços de aprendizagem. O docente, nesse sentido, é um operário do conhecimento. Pois, O valor das sociedades atuais está diretamente relacionado com o nível de formação de seus cidadãos e da capacidade de informação e empreendimento que eles possuam. Mas, em nossos dias, os conhecimentos tem data de validade, e isso nos obriga, agora mais que nunca, a estabelecer garantias formais e informais para que os cidadãos e profissionais atualizem constantemente sua competência. Ingressamos numa sociedade que exige dos profissionais uma permanente atividade de formação e aprendizagem (MARCELO, 2009, p, 110). Analisado a partir da lógica da sociedade do conhecimento, o Polo de Confecções surge, como apontado por Verás de Oliveira (2011), tendo como mola propulsora uma força de trabalho não especializada. O que talvez possa justificar um lugar de menor destaque social aos docentes. Embora a cultural local ainda não tenha atentado para o fato de que o conhecimento possa auxiliar nos processos produtivos, os estudos já apontam 48 que se não houver uma mudança de perspectiva e melhoria na formação dos agentes produtores, o polo de confecções está fadado ao fracasso, pelo menos em longo prazo (SEBRAE, 2013; CORDEIRO, 2011). De qualquer modo, não defendemos a ideia de que os sulanqueiros não possuam conhecimento, sabemos que estes adquirem um saber prático, como citado no estudo de Pereira Neto (2011) através principalmente da observação para realizar as atividades inerentes ao processo de produção. No entanto, talvez esse saber careça de ser aprimorado, visto que os conhecimentos estão constantemente se renovando. Em contrapartida, esse conhecimento tem uma conotação diferente no que concerne à profissão docente, tanto pelo sentido do que é ser professor, que carrega a ideia de transmitir o que se conhece, garantindo que a humanidade se perpetue, quanto pela própria formação do docente, que requer acúmulo de conhecimentos sistematizados. Historicamente, como aponta Elias (1994b), com a divisão do trabalho, alguns sujeitos passaram a deter a função de produção e transmissão do conhecimento. Pois, em época mais remota do desenvolvimento social, os homens eram ao mesmo tempo produtores de alimentos, ferramentas, armas, cabanas, casas e símbolos. Porém, quando as sociedades ficaram mais ricas e diferenciadas, os produtores de conhecimento se tornaram uma especialidade. De modo que alguns sujeitos como os escritores, compositores, produzem símbolos e outros, como os professores, os transmitem. Essas pessoas, ocupadas da produção e transmissão de símbolos, são os intelectuais. (ELIAS, 1994b) Essa é uma perspectiva que pode ser bastante útil na discussão sobre o sentido do conhecimento em relação ao professor. Em terra de sulanqueiros, ser docente é ser um especialista na transmissão de conhecimento, embora não possamos considerar todos os professores como pertencentes a esta cultura como intelectuais, nem tampouco todos os envolvidos na sulanca da mesma forma (como sujeitos sem interesse pelo conhecimento acadêmico). 49 Mota, Prado e Pina (2008) defendem que o professor, no seu fazer e na sua relação com o conhecimento, amplia, modifica e produz novas ideias. Sendo assim, “[...] capaz de alimentar um processo de reflexão inserida num determinado contexto, permitindo sempre um campo aberto ao questionamento e a construção de novos saberes” (Ibid., p. 131). É esse movimento de relação com o conhecimento que garante certa autonomia ao professor, no sentido de que este não é apenas um cumpridor de tarefas, mas é capaz de romper com os reducionismos e assumir uma postura crítica, investigativa e reflexiva na sua atuação (Ibid.). Essa posição de intelectualidade, individualmente, já deveria garantir um gradiente de poder elevado a esses indivíduos. Porém, como aponta Elias (1994b), os intelectuais, devido a sua tendência de formular opiniões individuais e serem pouco articulados entre si, possuem uma proporção de poder relativamente baixa, quando comparada a outros grupos mais organizados. Além disso, essa autonomia possui algumas ressalvas, pois, numa perspectiva elisiana, entende-se que a margem de decisão dos indivíduos é limitada frente aos acontecimentos históricos (ELIAS, 1994a), sendo o professor pertencente a uma rede de interdependência, onde o meio no qual está inserido deve ser considerado. Nas palavras do autor: O conceito de configuração chama a atenção para a interdependência das pessoas. O que é que, na realidade, une as pessoas em configurações? Perguntas como estas não podem ser respondidas se começarmos por considerar todas as pessoas individuais em si mesmas, como se cada uma fosse um Homo clausus (ELIAS, 2008, p. 144). Isso indica que o professor não é autossuficiente, mas sua identidade está marcada pelas relações sociais e significações presentes no seu entorno. Não basta fingir que essas influências não existem, mas é preciso reconhecer e problematizar as marcações que estão impregnadas da cultura da sulanca e suas implicações no lugar social do professor, nas escolhas e significações acerca da profissão. 50 III - COSTURANDO A DOCÊNCIA ENTRE COLCHAS E RETALHOS A docência em Santa Cruz do Capibaribe é costurada juntamente e a partir da sulanca. Embora muitas vezes o professor não se veja implicado nesse processo, apontando-o como algo externo a si e as suas vivências. Porém, os discursos coletados nas 20 entrevistas realizadas indicam como a atividade confeccionista marca o professor e seu fazer. De modo que, dos sujeitos participantes da pesquisa, 4 deles, apenas, não trouxeram elementos que remetessem à confecção de peças de vestuário em seus discursos nem consideraram que esse elemento atravessa sua prática profissional. Propomo-nos, portanto, a discutir neste capítulo o modo como a sulanca toca a identidade do professor. Sendo assim, essa abordagem não deseja tratar o ser docente de modo individualizado, mas relacionar essa posição ao que ocorre em seu entorno. Como aponta Elias: Compreende-se facilmente que a posição individual neste tipo de relações não possa ser tratada separadamente. A função que o pronome «eu» desempenha na comunicação humana só pode ser compreendida no contexto de todas as outras posições relativamente às quais se referem os outros termos da série. As seis outras proposições são absolutamente inseparáveis pois não conseguimos imaginar um «eu» sem um «tu», sem um «ele» ou uma «ela», sem nós, vós ou eles (ELIAS, 2008, p. 134). É importante ressaltar que o olhar sobre a identidade que tecemos aqui não pretende dar conta de todos os inúmeros aspectos que constituem essa categoria, mas de algumas marcações (três delas, especificamente: a escolha pela docência; o lugar social do professor; e as significações sobre a profissão) que nos dispomos a avaliar e que dizem respeito à configuração em Santa Cruz do Capibaribe e sua interferência no ser docente. A primeira delas trata da escolha pela profissão, que nos fornece elementos importantes para refletir sobre como a cultura local produz oportunidades de trabalho para seus membros e como esses justificam a opção pelo ensino. Pois o porquê dessa opção, para além de comunicar sobre 51 as particularidades do indivíduo, diz sobre as alternativas existentes na cidade em questão. A segunda marcação remete ao lugar social do professor numa cultura em que a predominância de atividades profissionais está concentrada na sulanca. O docente constrói um espaço bastante peculiar, atravessado pelos impactos da produção confeccionista, que ecoa no modo de ver tal profissional, muitas vezes considerado como inferior ou pouco valorizado. E a terceira questão a ser explorada é como os sujeitos que optaram pela sala de aula significam e percebem seu fazer, tanto em relação à cultura local como às demais profissões. Significações essas que justificam a própria escolha e os sentimentos que surgem do exercício dela. É importante salientar aqui, antes mesmo de começar a expor os resultados, que é possível perceber uma diferença entre professores contratados e efetivos, bem como entre os que comungam da gestão atual e os que fazem oposição política a essa. Como não é nosso objetivo analisar tal interferência, é importante o registro, como ilustram os recortes abaixo: Há muito desrespeito, é, questão política também, a cidade, infelizmente, por ser politiqueira demais, ela acaba desvalorizando muito o professor. [...] A questão política em Santa Cruz ela as vezes te desmotiva tanto pelo lado profissional, e até em sala de aula também. Existe uma certa rivalidade política que faz com que alunos façam uma cobrança desnecessária, certo? (Júlia5, 32 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Então eu venho do brejo, há 4 anos eu tava lá, aí voltei pra cá pra Santa Cruz devido essa questão política. Que eu num, assim, eu num sou fanática por político nenhum, eu quero meu trabalho, exercer minha função. Mas você fica à mercê disso aí [...] (Sofia, 48 anos, 15 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Podemos observar na fala de Júlia que a mesma atribui sua inquietação a um contexto que está fora, ela utiliza o pronome na segunda pessoa do singular (te desmotiva) para falar de si, o que indica uma falta de implicação na construção de sua própria identidade. Essa postura também é notória no 5 Por questões de sigilo, trataremos os entrevistados por nomes fictícios. 52 decorrer das outras entrevistas, nas quais os docentes reproduzem chavões e falas ideológicas para explicar sua escolha profissional. A questão “política”6, a que se referem as entrevistadas, pode justificar o fato de alguns professores possuírem uma visão pouco crítica da profissão. Ou, de até mesmo, não quererem expressar sua opinião, temendo alguma retaliação por parte da gestão, mesmo que durante a entrevista tenhamos explicado sobre o sigilo envolvido na pesquisa. Os recortes abaixo nos fornecem um panorama desse lugar aparentemente confortável de três docentes em Santa Cruz do Capibaribe: Olha, o professor em Santa Cruz é assim... Eu acho bom, é bom, sabe? Porque eu trabalhei na rede estadual o salário era menos, do município é mais. Eu acho assim, o município ele tem muita... Como é que diz? Material pra gente trabalhar! É tudo bom. (Maria, 57 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Olhe, não tenho nada a reclamar não. Assim, pela, além da falta... O que eu sinto dificuldade é a falta de material, só isso. (Roberta, 43 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu) Ser professora aqui em Santa Cruz é... seguir o trabalho adiante, diante de alguns obstáculos, mas porém, não, é, não nos impede de realizar nosso trabalho, porque podemos realizar, é, usando nossos próprios recursos mesmo, recursos humanos, a que temos, e usando muita criatividade. (Sara, 44 anos, mais de 10 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 40 anos) No entanto, para além dessas três entrevistadas, os outros docentes apontaram elementos que geram desconforto no seu fazer e inquietudes na maneira como percebem a sua profissão. Fatores esses que vão desde um discurso mais generalista, onde o profissional se enquadra numa problemática ampla de desvalorização, até um olhar que ressalta as particularidades da cultura local e suas implicações na identidade do professor. 6 O termo está entre aspas porque acreditamos que o conceito de política está muito além de favorecimentos locais e que possui um sentido amplo voltado para o governo e a organização social. 53 3.1 Alinhavando escolhas No que se refere à escolha pela docência, é importante considerar que embora esse fenômeno seja marcado pelas subjetividades e diga respeito a histórias de vida muito particulares, a opção por esta profissão ocorre a partir do arranjo social local. Pois, na perspectiva elisiana, não se deve buscar explicações somente na ação individual, mas na relação entre o indivíduo e a sociedade. Sendo assim: [...] as oportunidades entre as quais a pessoa se vê forçada a optar não são, em si mesmas, criadas por essa pessoa. São prescritas e limitadas pela estrutura específica de sua sociedade e pela natureza das funções que as pessoas exercem dentro dela. E seja qual for a oportunidade que ela aproveite, seu ato se entremeará com os de outras pessoas; desencadeará outras sequencias de ações, cuja direção e resultado provisório não dependerão desse indivíduo, mas da distribuição do poder e da estrutura das tensões em toda essa rede humana móvel (ELIAS, 1994a, p. 48). Desse modo, é possível afirmar que a figuração que se ergue em torno da sulanca produz oportunidades específicas. Os indivíduos que residem há mais tempo na localidade conseguem perceber essa relação de modo mais nítido. Isso é possível observar no discurso de três das entrevistadas, que apontam a escolha pela docência como uma das opções impostas, entre ser costureira/sulanqueira ou professora: Porque na época que eu tava estudando, cursando magistério, então eu, era mais fácil conseguir emprego, ou era professora ou costureira. Aqui, né? A confecção que já tinha iniciado aqui, então eu fiquei como professora (Sofia, 48 anos, 15 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Eu acho que mais por conta da família, e, eu entrei no magistério mais por conta da família. [...] Antes de começar a vida da escola eu era costureira. [...] Eu acho que na nossa cidade a nossa realidade é costura, né? É sulanca! Quem não sabe costurar é praticamente um analfabeto, mas a sulanca a gente não sabe até quando vai, também, se a gente fosse se dedicar a ela, os estudos ia ficar de lado (Gal, 32 anos, 8 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 23 anos). 54 É, eu escolhi ser professora... Por falta de opção na época, que o campo de educação, é, o campo era muito restrito, então, ou você era sulanqueiro ou professor. Num é hoje, hoje se abriu mais, né? Mas na minha época foi porque não tinha opção mesmo (Nara, 44 anos, 22 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). O discurso de Gal traz elementos interessantes de serem analisados, de modo que ela muda de sujeito, deixa de falar na primeira pessoa do singular e passa a primeira pessoa do plural para justificar que ser sulanqueiro é um demérito, utilizando os termos “a gente”, “nossa”, o que indiica que essas construções ocorrem a partir do cultural. Ela ainda aponta a condição de analfabeto econômico para quem não sabe costurar, no entanto, a incerteza da durabilidade do setor confeccionista a faz escolher a docência, pois não basta ter dinheiro, é preciso ser estável. Os fragmentos citados nos remetem a uma ideia de quais opções eram possíveis há cerca de 20 anos, principalmente para as mulheres. O ser professor para alguém que já residia em Santa Cruz do Capibaribe, na época do crescimento da sulanca, era a opção possível para os que não queriam se entregar ao ofício de costurar, trabalhar em fabricos ou nas feiras, diferentemente das docentes que se aproximaram da cidade pela abrangência de oportunidades de emprego. O que implica dizer que não há um consenso sobre a identidade, pois aqueles que possuem um sentimento de pertença e cresceram no local conseguem ter mais clareza como foi o processo de disseminação da atividade confeccionista e seus ecos, diferentemente dos que lecionam e residem há menos tempo na cidade, que apesar de reconhecerem a influência dessa atividade não vivenciaram esse processo de escolha, migraram para cidade pelas oportunidades. Assim ocorreu com a entrevistada Iracema: Eu vim aqui pra Santa Cruz comecei a trabalhar como vendedora em lojas, aí depois eu tinha várias amigas professoras, que as vezes eu ia dar aula no lugar delas, fazer substituição, aí quando foi um dia ela disse: olhe, preencha o currículo e leve pra secretaria de educação. Aí eu preenchi, deixei na secretaria, com um 2 meses depois ligaram da 55 secretaria pra mim tirar uma licença do EJA. Aí eu tirei 6 meses do EJA, depois 6 meses de educação infantil. E no ano seguinte eu fiz o concurso, passei e estou aqui até hoje (Iracema, 37 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 15 anos). Como destacado no trecho acima, a entrevistada foi atraída pelas oportunidades de emprego, só depois ela busca seguir a carreira docente. Iracema, juntamente com muitos outros indivíduos, fizeram a população de Santa Cruz do Capibaribe crescer em mais de 50% nas últimas duas décadas, segundo os dados do Censo já apontados no capítulo II. Esse crescimento é motivado pela expansão do Polo de Confecções, nas palavras da professora Joana: A sulanca é um atrativo pra essas pessoas chegarem de lugares tão diferentes, num é? Então vem de vários lugares do Brasil e até do mundo, num é? E a gente vê, percebe que é um atrativo. A sulanca também, por ela gerar muita renda, uma renda né? Um dinheiro bom, gerar emprego [...] (Joana, 46 anos, 18 anos de profissão e reside em Santa Cruz desde que nasceu, passou apenas um tempo morando em outra cidade). No entanto, como toda sociedade está sempre adquirindo outros arranjos, o discurso das entrevistadas parece indicar que há uma diferença entre quando a sulanca foi implantada e hoje em dia, como destacou Nara ([...] ou você era sulanqueiro ou professor. Num é hoje, hoje se abriu mais, né?). Embora essa abertura de oportunidades conviva ainda com as possibilidades ligadas estritamente ao Polo de Confecções. Isso porque quando nos referimos aos processos sociais é preciso levar em consideração que não se trata de fatos lineares. Essa abertura de perspectivas pode estar atrelada a implantação de alguns cursos de graduação na cidade, há cerca de nove anos. Bem como a incerteza da sulanca como um emprego estável, como ressaltou a entrevistada Gal (mas a sulanca a gente não sabe até quando vai). Em contraposição à ilusão de estabilidade do serviço público. 56 Nesse sentido, a teoria elisiana pode ser útil, auxiliando a desconstruir as dicotomias (entre a sulanca e a educação formal) que são utilizadas para analisar a história a partir de rupturas e mudanças bruscas: Logo, é inerente às peculiaridades dos processos sociais que eles sejam bipolares. Diferentemente do processo biológico de evolução, os processos sociais são reversíveis. Surtos em uma direção podem dar lugar a surtos contrários e ambos podem ocorrer simultaneamente (ELIAS, 2006, p. 28). Apesar de as oportunidades serem mais diversificadas atualmente, a opção pelo magistério ainda é considerada a que foi possível para oito dos entrevistados, mesmo que eles não tenham citado como uma escolha em oposição a sulanca, mas frisaram a cultura específica como promotora dessas alternativas: Foi uma opção, porque... por falta de outras. Porque, na verdade eu queria ser estilista. Mas eu não tive oportunidade e eu resolvi ser professora (Marisa, 37 anos, 19 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). É, e eu não queria de jeito nenhum não fazer magistério não, só que eu fui obrigada, tá entendendo? No início, porque só tinha só um transporte só pra trazer a gente pra vim estudar aqui em Santa Cruz, aí pronto, eu fiz (Clara, 38 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 11 anos, mas nasceu em uma vila do município). Na verdade, é, foi mais assim, não tinha tanta opção. Como a maioria das minhas ‘colega’ ia fazer magistério e depois a mesma turma, é, foi fazer pedagogia. Aí assim, eu... vai pela maioria (Flora, 41 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 35 anos). Essa falta de opção apontada nas falas acima remete tanto aos determinantes sociais, que permitiam nesse contexto a alternância entre as duas atividades, quanto à desresponsabilização das docentes, que não se dão conta que não escolher é uma escolha. Flora, ao falar de si, muda a concordância do verbo para a terceira pessoa do singular, para isentar-se da responsabilidade de ter escolhido à sala de aula (eu... vai pela maioria). 57 A maioria das colegas de Flora optou pelo magistério. Tal como elas, muitos professores escolheram compulsoriamente à docência, pois era o que estava dentro do campo de possibilidades. Tavares (2012), com base numa leitura elisiana indica que: Este entendimento do que é possível como fruto da relação entre indivíduos e contextos, e de que essa relação esta sujeita a deslocamentos provocados pelas tensões inerentes às relações sociais, faz parte do que estamos chamando de campo de possibilidades. Por isto, a noção de campo de possibilidade se entende de forma relacional, entre as práticas sociais de cada um individualmente e do conjunto das pessoas entre si, em relação às estruturas e condições históricas e sociais. Um campo de possibilidades é definido por seus marcadores sociais, mas também pelas suas tensões, que esgarçam limites e tornam difusas as fronteiras do campo (TAVARES, 2012, p. 105). O campo de possibilidades definido pela configuração que analisamos, não exclui que o professor vivencie no seu cotidiano atividades relacionadas à sulanca, sem ser necessário abandonar sua profissão. Essa conciliação de fazeres é observada em quatro das entrevistadas que vendem os produtos na feira e fabricam peças de vestuário, quando necessário. Como ocorre no caso de Bethânia: “Ajudo na feira alguns dias. No período de feiras boas, ajudo meus pais”. (Bethânia, 40 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Já no caso de Flora, ela concilia as duas atividades por considerar que são flexíveis no que diz respeito ao horário, e que dedicar-se a apenas uma delas pode ser estressante: Eu trabalho com a sulanca também, é, tenho um fabrico e fabrico algumas coisas também, além da profissão. É por isso que eu trabalho só um horário, é, como professora, e, o outro horário eu me dedico a outra atividade. [...] Dá, dá pra conciliar, até porque assim, teve uma época que eu trabalhei só com a escola, né? E eu acho assim, dois ‘horário’, dois ‘horário’ fica um pouco estressante, até eu acho que não tem nem tanto rendimento, é, nem pra os alunos, nem pra mim [...] (Flora, 41 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 35 anos). 58 Além dos horários, possíveis de conciliação, Flora aponta as duas profissões como boas, ressaltando que o sulanqueiro possui liberdade de transitar, sem ter que necessariamente cumprir rotinas, o que faz com que ela consiga exercer as duas paralelamente: Então, eu, pra falar a verdade, eu acho bom as duas coisas: como sulanqueiro que tá na rua, você tá livre, tem contato com pessoas de outras cidades, de outro lugar, num é? E dá pra ir levando as duas (Flora, 41 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 35 anos). Todavia, apesar dessas profissões possuírem suas vantagens, o lado econômico privilegia mais a figura do sulanqueiro, como aponta Júlia, que se tivesse que escolher entre a sala de aula e as atividades de confecção afirma que “Por amor, por amor, seria a educação. Agora vendo pelo lado financeiro, a confecção, com certeza” (Júlia, 32 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). O verbo no futuro do pretérito indica incerteza (“seria”) no que se refere ao magistério, que se contrapõe com a escolha pela sulanca (“com certeza”). Essa desvalorização financeira justifica o fato de muitos professores recorrerem a uma atividade paralela. A sulanca passa, assim, a ser fonte de um auxílio de renda que possibilita aos mesmos sustentarem sua escolha junto à carreira docente. Sofia indica isso quando diz: [...] tem época sim, que eu tenho que costurar também pra poder compensar, pra poder dá pra pagar as despesas, porque senão... Que é isso que eu tô pensando, né? No próximo ano eu ver o que eu vou fazer porque só educação não dá. (Sofia, 48 anos, 15 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). A produção e comercialização de peças de vestuário são tratadas como subsídio para compensar as lacunas deixadas pela dedicação ao ensino, principalmente no que se refere à remuneração. É vista como uma atividade de complementação de renda. Segundo Nóvoa (1999), essa necessidade do professor exercer outros trabalhos é fruto de um processo de desprofissionalização e proletarização a que os docentes vêm sendo 59 submetidos nas últimas décadas. O que justifica o fato de ter que recorrer em alguns momentos a outras fontes de renda para garantir seu sustento. Em contrapartida, nove dos entrevistados percebem sua escolha profissional como uma vocação. Nóvoa (1999) aponta que isso tem haver com a construção histórica do magistério, onde só no início do século XX foi tratado como uma profissão, pois até então era marcado pelo chamado vocacional e pela missão divina. Tais discursos podem ser percebidos em um número representativo dos entrevistados, como ilustram os recortes abaixo: Porque sempre eu gostei de ensinar, por amor, realmente por amor, eu não me via fazendo outra coisa. Tudo que eu pensava era relacionado a ensinar alguma coisa, então, uma dica boa foi essa, tô até hoje. (Carmem, 40 anos, 16 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 30 anos) Eu acredito que vocação, professora, depois que me observando o quão difícil é, anos, 7 anos de profissão Capibaribe há 24 anos) desde pequena eu quis ser formei fui que fui, foi que fui o quanto difícil é! (Daniela, 27 e reside em Santa Cruz do Isso porque uma sociedade não se forma sem resquícios de modelos anteriores. Os professores, de algum modo, reproduzem essas noções que atravessaram a história e que situaram por longos períodos o docente no plano do chamado, da vocação. Temos nessas falas perspectivas romantizadas das escolhas profissionais. Ainda é possível refletir que esse discurso pode ser problemático por naturalizar a escolha pela docência como uma vocação, com um processo interno, sem considerar os arranjos culturais que produziram e proporcionaram que os mesmos fizessem tais escolhas. Pois, por amor, por vocação, eles também poderiam ter optado pela sulanca, mas não citam a mesma como algo “divino” ou “iluminado”. Pelo contrário, essa atividade é vista como aquela que inverte os valores socialmente legitimados. Isso é notório na fala de Joana, para ela: A sulanca também, por ela gerar muita renda, uma renda né? Um dinheiro bom, gerar emprego, as pessoas também, é... ficam com valores distorcidos, sabe? Muito consumistas, né? Então cada vez querem mais e mais e mais. [...]Então eu acho 60 que a sulanca tende a uma contribuição um pouco negativa por esse lado. Tem o lado positivo, né? Da renda, do emprego. Mas tem um lado de desviar muito as pessoas nesse sentido: do materialismo, do consumismo, de querer sempre mais e de não valorizar a família, né? E de outras coisas que precisa, né? (Joana, 46 anos, 18 anos de profissão e reside em Santa Cruz desde que nasceu, passou apenas um tempo morando em outra cidade). Essa visão vocacionada do lecionar pode sustentar as escolhas de muitos professores, que optam, ainda que com um número inferior de vantagens, pelas salas de aula em detrimento das feiras. O primeiro passo é compreender que a escolha pela profissão, em Santa Cruz do Capibaribe, é pautada pelas opções possíveis (ora o docente optando pela sala de aula e excluindo sulanca, ora conciliando as duas atividades) e pela vocação. A partir desse ponto, quando se opta pelo magistério, há uma busca para construção de uma marca que consiga identificar qual o lugar ocupado pelos docentes num local onde sobressai outra atividade. É desse espaço social que trataremos no segundo tópico deste capítulo. 3.2 Em terra de sulanqueiros como é ser professor? Fala-se em terra de sulanqueiros, pois, como apontado no capítulo II, desde a década de 60, Santa Cruz do Capibaribe, que tinha uma atividade predominantemente agrícola, foi cedendo espaço às atividades de confecção de vestuário, que são predominantes, não só na cidade, mas na região em que está localizada. Os trabalhadores ocupados no setor de confecções totalizam um número de 38.973 habitantes numa sociedade de 72.459 pessoas em idade economicamente ativa. Isso indica um percentual de mais da metade da população ativa, 53,8%, ocupada com atividades confeccionistas. (IBGE, 2013; SEBRAE, 2013) Tal predominância tanto pode ser justificada pelas estatísticas apontadas, como pela ideia de que a atividade da sulanca garante a 61 sobrevivência da população, criando emprego para todos. Como cita Pereira Neto (2011) em sua pesquisa: Esses números parecem ser reforçados pela auto-percepção dos agentes envolvidos, ao enfatizarem, em seus discursos, a ideia de uma terra sem desemprego. No conjunto de entrevistas realizadas em campo, essa ideia esteve associada fortemente às carências de mão-de-obra, principalmente de costureiras, observadas nas inúmeras placas espalhadas em cada unidade produtiva da cidade onde se anuncia essa demanda. (p. 112) Esses dados são indicativos, pelo menos imaginariamente, de um lugar de primazia à sulanca e às pessoas que dela se ocupam, visto que mudaram consideravelmente o cenário santacruzense. Tal discurso, que exalta as vantagens das atividades confeccionistas, não é ingênuo ou desprovido de sentido, mas reforça um ideal de poder perante as demais formas de trabalho. Essa atividade é considerada como central para economia local, isso é perceptível na fala da professora: “[...] por conta que é a renda aqui do nosso município, porque se, tudo depende da sulanca, né?” (Clara, 38 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 11 anos, mas nasceu em uma vila do município). A marca que nos propomos a tratar nesse tópico diz respeito ao lugar social do professor, ou seja, o modo como ele existe em meio à atividade confeccionista predominante nessa configuração. Para isso, é importante destacar que “o que caracteriza o lugar do indivíduo em sua sociedade é que a natureza e a extensão da margem de decisão que lhe é acessível dependem da estrutura e da constelação histórica da sociedade em que ele vive e age.” (ELIAS, 1994b, p. 49). Dessa maneira, como observamos na questão anterior, a margem de decisão do professor parece ser um tanto limitada, a maioria aponta a docência como o que foi possível. Isso de algum modo esboça um lugar social enfraquecido, pois a margem das escolhas é bastante restrita nessa configuração. 62 Esse campo de alternativas possíveis que faz com que alguns escolham a arte de lecionar não é algo que exclui a sulanca, há uma relação de interpendência entre as duas atividades. Assim: A rede de interdependência entre os seres humanos é o que os liga. [...] Uma vez que as pessoas são mais ou menos dependentes entre si, inicialmente por ação da natureza e mais tarde através da aprendizagem social, da educação, socialização e necessidades recíprocas socialmente geradas, elas existem, poderíamos nos arriscar a dizer, apenas como pluralidades, apenas como configurações (ELIAS, 1994c, p. 249). Essa relação de interdependência ocorre até mesmo quando os atores envolvidos na sulanca desvalorizam a educação formal e a figura do professor. Pois, os mesmos necessitam de uma formação básica para executar sua atividade, que requer o mínimo de noções numérico-matemáticas e de linguagem, que são aprendidas através do professor. Como ilustra a fala da professora Carmem, sobre a posição do aluno diante do conhecimento que lhe é necessário: E a sulanca em si, ela atrapalha em várias questões, principalmente na questão econômica, está estudando, por quê? Pra quê? Basta ler e contar, que é só o que a sulanca exige, só! Pra que mais? Pra eles, quantas pessoas eu já não formei, que fizeram apenas até o segundo grau [...]. E o quê que eles dizem? Não professora, eu já, eu só aprendi mesmo a ler, escrever, contar, porque é o que minha profissão de sulanqueiro exige, pronto! Então eles terminam o segundo grau, só pra dizer: terminei. Mas não porque influenciou na prática dele, no seu trabalho, de forma nenhuma, só porque queria uma formação realmente. (Carmem, 40 anos, 16 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 30 anos). Com esse discurso (não porque influenciou na prática dele, no seu trabalho, de forma nenhuma), a professora não se dá conta de que a educação toca de algum modo a vida dos alunos, visto que é na escola que os sulanqueiros aprendem a ler, escrever e contar, ainda que esse aprendizado ocorra nas séries iniciais e ela não consiga perceber a efetividade ou a aplicação do conteúdo ministrado no nível mais avançado de ensino. 63 Esses mesmos sujeitos, que aprendem noções básicas na escola, em seus discursos reproduzem e apontam um lugar de inferioridade financeira àqueles que optam pelo espaço educacional. Ser professor é sinônimo de não ganhar dinheiro. Sofia nos relata que os alunos dizem: A senhora ganha dinheiro professora? É, eu digo assim: o seu salário é bom? Aí, eles sabem tanto do nosso salário, que diz assim: a gente ganha mais do que a senhora. E realmente é! (Sofia, 48 anos, 15 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Isso demonstra a desvalorização simbólica da figura do professor e do seu trabalho (o docente é alguém que não ganha dinheiro), embasada na questão financeira. Tal fenômeno aproxima o professor do sulanqueiro, afinal, como aponta Marcelo (2009), o docente é um operário do conhecimento. A entrevistada Júlia nos dá um exemplo de como essa questão pode atravessar o fazer do professor: Olha, a interferência que tem é porque faz com que você infelizmente veja o quanto a profissão é desvalorizada. Vou te dar um exemplo: tem feiras no mês que a gente chega a tirar numa feira o que ganha no mês de trabalho. Então, a questão financeira te faz ver isso, infelizmente! (Júlia, 32 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). De certo modo, essa valorização da sulanca em detrimento da escolarização ocorre porque é a principal fonte de renda da população, o que dificulta o trabalho do professor (aquele que trabalha um mês para receber o equivalente a uma feira boa) e a ideia de que a escola realmente tem algo que possa contribuir para a vida dos seus educandos. Ney relata sua experiência de lecionar em Santa Cruz do Capibaribe: Ser professor aqui, como em qualquer canto, é muito difícil, mas Santa Cruz tem um diferencial, das outras regiões, dos outros municípios. As pessoas tem um poder aquisitivo aqui, num é? Até os mais pobres, eles tem emprego, num é isso? E por ter emprego, eles não se interessam muito por educação (Ney, 33 anos, 10 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). 64 Apesar dessa ideia de que todos possuem emprego, é importante salientar que há uma diferença entre o sulanqueiro bem-sucedido e os pequenos comerciantes. Quanto ao último, o professor parece estar no mesmo patamar financeiro, com a diferença da estabilidade. Sendo assim, vale destacar que o abismo é em relação ao grande empresário, pois “como sulanqueiro, aquele que se dá bem, né? Não precisa mais nem passar na frente ‘duma’ escola mais” (Flora, 41 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 35 anos). O que pode ser observado também no recorte abaixo, o qual Daniela ressalta as vantagens de quem se dedica à sulanca, principalmente aos indivíduos que lograram êxito nessa atividade: Se bem que quem trabalha com a sulanca vive bem melhor do que quem, quem tem uma profissão, é... é uma prestação de serviço. É bem, é autônomo, quem trabalha com a sulanca é autônomo, então [...] Principalmente os que conseguiram progredir, né? Em suas profissões, suas facções, fabricos e fábricas (Daniela, 27 anos, 7 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 24 anos). Na sua fala, o professor Rui evidencia claramente uma diferença entre os comerciantes que cresceram em sua atividade e os mais simples, ou os empregados das confecções (que parecem permanecer no mesmo nível econômico dos professores). Ser docente nesse contexto é um desafio, pois os proprietários possuem uma situação financeira consideravelmente melhor: Olha, ser professor em Santa Cruz, em Santa Cruz, é um desafio... eu acho, viu? Mas assim, isso em função da questão da confecção, porque quem trabalha na confecção, num é? É, donos, eu digo, tô falando na questão de você ser proprietária de, ter o seu próprio, seu próprio, sua própria empresa, não é? Sua própria empresa, então você tem uma condição financeira muito bem, muito melhor do que mesmo ser professor, num é? Então ser professor em Santa Cruz é na verdade, eu acho que seria você dizer assim: eu estou aqui como alguém que estou contribuindo na formação de outras pessoas, num é? E... e... com relação a atividade econômica, tá certo? Eu, eu diria que é um grande desafio, você deixar de estar no comércio, né? Pra realmente ser professor, tá entendendo? Porque as pessoas que trabalha, é, na atividade de confecção de Santa Cruz, eu 65 não tô falando na questão de, de, da pessoa que é empregado não, mas quem é proprietário, tem uma situação bem melhor do que o professor (Rui, 58 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Apesar de usar o pronome na segunda pessoa do singular (é um grande desafio, você deixar de estar no comércio, né?) Rui fala dele, do desafio que é para ele diante desse contexto, escolher o magistério. Para justificar esse lugar desafiador, elabora um discurso de idealização da docência (eu estou aqui como alguém que estou contribuindo na formação de outras pessoas ). Para além desses discursos sobre o não reconhecimento na figuração local, também é importante ressaltar que cinco dos professores falaram do seu lugar social a partir de uma perspectiva mais globalizante. Igualando, assim, o magistério em Santa Cruz do Capibaribe às demais localidades. Os discursos desses entrevistados são ilustrados na posição de Nara, que apesar de citar a sulanca, acha que as dificuldades da docência se configuram de maneira equivalente em todos os lugares: Ser professor em Santa Cruz eu acho que é como em todas as outras cidades, não vejo uma diferença por município, em ser, ou por estado em ser professor não. Acho que as mesmas dificuldade que a gente passa aqui, a gente passa na, os mesmos professores passam nas demais cidades [...] Aqui tem mais assim, a questão da, da, da confecção, da sulanca, que eles se desbandeiam mais para o lado de lá [...] que eles valorizam mais, né? Mas eu acredito que os mesmos problemas que a gente passa aqui, nas outras cidades também, por um outro motivo, devem passar. Acho que a desvalorização educacional é geral (Nara, 44 anos, 22 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Ainda nesse sentido, Rita considera que “[...] não só em Santa Cruz, a realidade é a mesma, é quase a mesma, sabe? Política pra o professor é a mesma, num é? Então num diferencia muita coisa não!” (Rita, 45 anos, 16 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há cerca de 20 anos). Segundo Lira (2013), isso é fruto de uma política nacional pouco efetiva para o magistério, de modo que: 66 [...] é essencial que a questão da desvalorização da profissão docente possa ser encarada como um problema a ser enfrentado a partir de uma política de Estado. Para que a mesma possa modificar a situação do professor, e não como mecanismos paliativos que em vez de melhorar a situação desse profissional acaba por impor novas exigências, ocasionado arrocho salarial, perda de garantias trabalhistas e previdenciárias. O desafio é articular o discurso político de valorização da profissão (ideia) com as possibilidades de sua materialização (efetivação) [...] (p. 71). No entanto, as formas de dominação não estão centradas somente na questão econômica, apesar de que ela seja bastante notória na configuração que analisamos. Elias dá um exemplo da relação entre patrão e empregado, que pode ser aplicado no que se refere à desvalorização do professor face à configuração que tratamos: Os que ocupam a posição de patrões são interdependentes dos que ocupam a posição de trabalhadores, devido à relação funcional que existe entre as duas posições. Mas a sua dependência recíproca não é a mesma — as forças do poder não são igualmente distribuídas. Mesmo a este nível, o problema não diz apenas respeito ao modo como o rendimento disponível é realmente dividido entre grupos que ocupam posições diferentes. A distribuição destas possibilidades «econômicas» é ela própria função de um maior equilíbrio de poder — a distribuição das possibilidades de exercer o poder entre estes grupos. O equilíbrio de poder dos interesses comerciais, não se expressa unicamente na distribuição de possibilidades «econômicas» mas também na distribuição de possibilidades que os membros de um desses grupos têm de controlar, de comandar e de despedir os outros, no decurso do seu trabalho (ELIAS, 2008, p. 156). O equilíbrio de poder e a interdependência estão presentes na relação entre a docência e a sulanca. Pois não se pode dizer que o sulanqueiro é o único detentor de poder, pois o docente, no seu trabalho, exerce essa capacidade sobre os alunos, embora muitas vezes suas possibilidades sejam limitadas pela interferência da confecção e comercialização de roupas. Tais limitações ocorrem de diversas formas e podem ser representadas pelo absenteísmo dos alunos, como destaca Ana: Santa Cruz tem um grande diferencial das outras cidades, que é o fato da sulanca, né? [...] Então, a gente lida com isso, acho 67 que desde que eu tô aqui, há 17 anos, que a gente lida com essa dificuldade na sala de aula, a falta do aluno, em alguns dias da semana, por conta da feira (Ana, 38 anos, 18 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 17 anos). Ou até mesmo pelo fato de que os alunos se envolvem desde muito cedo na produção de peças de vestuário, e não se dedicam como deveriam as atividades escolares, como ressalta Marina: [...] infelizmente a nossa cidade tem uma prática onde as crianças começam a ajudar seus pais com uns 7 anos de idade, e isso interfere demais no que diz respeito a aprendizagem. Porque que eles poderia ter em casa pra estudar ou ter uma ajuda na sua alfabetização, isso não acontece, porque tá ajudando os seus pais, na sua grande maioria. [...] Porque o mundo deles só é exclusivamente confecção. E a... e nós sabemos que tudo nunca é para sempre, e se não for com um pouquinho de conhecimento que eles adquira, as futuras gerações vai ficar um pouco a desejar na nossa cidade (Marina, 44 anos, 26 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 23 anos). Além disso, há a falta de colaboração dos pais no processo de aprendizagem dos seus filhos, que deixa o professor sem possibilidades, pois além do seu fazer, ele necessita de uma contrapartida do aluno e da família. Iracema fala sobre essa dificuldade: A gente, a gente faz um trabalho com o aluno pra ele fazer em casa e muitas vezes ele diz: professora, eu não faço não, não tive como fazer não porque minha mãe tava fazendo serão até não sei que hora, meu pai foi pra o moda center [...] O pessoal daqui de Santa Cruz vê muito a sulanca, sulanca, sulanca! Até assim, na realização de, realizar um outro, na, pensar em fazer uma outra tarefa, muitos só pensam fabrico: ah, eu vou, eu vou fabricar, vou fabricar, e as vezes muita gente acha que o mundo tá, tá concentrado só aqui na sulanca (Iracema, 37 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 15 anos). Entretanto, podemos observar ainda que com a predominância do setor confeccionista, a educação formal, por diversas vezes, é vista como algo que é 68 supérfluo, que não faz sentido ao indivíduo que pretende dedicar-se ao universo da produção de roupas. Nas palavras de Nara: Como eu, eu, eu gosto de frisar, é, as pessoas não dão muito valor, né? A educação. Aqui tem mais assim, a questão da, da, da confecção, da sulanca, que eles se desbandeiam mais para o lado de lá. Acho que não seria a palavra desbandear, né? Eu falei desbandear, mas, é, se usaria outra palavrazinha, que eles valorizam mais, né? (Nara, 44 anos, 22 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). A educação oferecida pela escola parece não fazer sentido para os alunos, não ser útil ao cotidiano deles, pois ressaltam que frequentar o espaço de aprendizagem é uma forma de perder tempo, quando poderiam estar trabalhando, como ilustra o discurso de Sofia: [...] eu já ensinei a noite também e muitos alunos deixam de frequentar a escola porque tem que fazer cerão. Outros dizem: ah professora, eu vou desistir, (já perto do final do ano), porque, é, lá no meu fabrico tá precisando muito de cerão e eu num vou deixar de ganhar dinheiro pra tá em escola, escola num dá dinheiro (Sofia, 48 anos, 15 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). O lugar do professor em Santa Cruz do Capibaribe é, sobretudo, o de saber lidar cotidianamente com as implicações e efeitos da sulanca no universo educacional. Manifestações essas que ocorrem sob vários prismas: apontando a desvalorização financeira do professor; dificultando o processo de ensinoaprendizagem (pela iniciação precoce e sem qualificação no mercado de trabalho por parte dos alunos); bloqueando a participação dos pais junto à escola (por esgotarem a maior parte do seu tempo nas atividades de produção); e desvalorizando a educação formal como algo importante ou útil. 3.3 Significações costuradas sobre a docência Por que mesmo diante de todas as interferências citadas acima, há quem escolha a docência? É importante notar que para além das dificuldades 69 expostas, há um discurso que sustenta, ou faz com que o professor invista em sua posição como algo significativo socialmente. Há um sentido acerca do ato de lecionar que é construído e compartilhado por esses atores. É sobre essas significações que trataremos nesse tópico, a respeito dos discursos que de algum modo justificam que os indivíduos permaneçam no magistério quando poderiam estar inseridos na atividade predominante na região. Tais representações parecem estar localizadas muito mais no nível simbólico do que no econômico. Diferentemente do sulanqueiro que oferece elementos pra nos fazer pensar que suas escolhas estão pautadas nos aspectos financeiros (percebemos isso através da fala dos professores), o indivíduo que opta pelo magistério, o faz porque acredita na importância de sua profissão, e por vezes, como veremos abaixo, ele consegue imprimir um tom de superioridade a ela. O professor Rui, ao falar da desvalorização financeira do docente, afirma que não se sente inferior quando comparado à figura do grande empresário (sulanqueiro bem-sucedido). Pois, o exercício do magistério proporciona experiências que transcendem à recompensa em dinheiro: Eu acho que assim, eu não me sinto, é, pra baixo, num é? Nem menor do que, do que outras pessoas, porque tem dinheiro. Até porque eu acho que dinheiro não é tudo não, sabe? Eu acho que você se realiza através de outras formas e eu me realizo como professor! (Rui, 58 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Esse fragmento indica que a realização perpassa outros níveis além do econômico. Mesmo que o professor saiba que não conseguirá atingir um patamar de vida igual ao do empresário. Rui consegue ilustrar essa ideia através do recorte: “[...] professor nunca vai enricar, a gente sabe disso. Mas assim, é uma atividade que me satisfaz, porque eu me sinto realizado, não pelo salário, num é? Mas a realização é quando você vê assim, o fruto que você plantou”. Essa importância que o docente atribui a si próprio, como alguém capaz de dar frutos, ou seja, de ser produtivo socialmente, é o que parece ser 70 consenso entre os entrevistados. Ainda que eles não possuam uma remuneração adequada, sentem-se como indivíduos que desempenham um importante papel na construção social. O ser professor assume diversas significações nesse sentido. Dentre as quais é sinônimo de sobressair em relação às demais profissões, inclusive as relacionadas à confecção, como aponta Bethânia: É uma profissão... É boa! E se sobressai das outras porque nós somos formadoras, né? Pra exercer qualquer uma outra profissão depende primeiramente da nossa. Qualquer indivíduo passa primeiro por nós, professores (Bethânia, 40 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Ser professor ainda corresponde a ser capaz de formar opinião dos educandos, ajudar na construção do seu futuro: [...] acho que é uma profissão importante, até que, porque [...] É uma profissão formadora de opinião, né? Acho que é muito importante. Até porque, né? Como todo mundo já sabe, as outras profissões, né? Sempre passa pelo professor. E assim, eu acho que é uma profissão importante, eu até o momento não me arrependo e gosto muito [...] É, quanto ao sulanqueiro, né? Tem a vantagem, porque [...] pra ser sulanqueiro não precisa estudo, né? Mas a gente tem que pensar que nem todo tempo na sulanca vai estar, né? Vigorando. E... é sempre bom ter uma profissão, que a gente não sabe o dia de amanhã (Flora, 41 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 35 anos). Nas palavras de Flora ainda é possível perceber que o professor goza de alguma superioridade em relação ao sulanqueiro (que não precisa estudar). Bem como o fato de que é uma profissão estável, diferente da atividade confeccionista (a gente tem que pensar que nem todo tempo a sulanca vai estar, né?), que convive com picos entre períodos intensos de negociações, de boas feiras, e momentos de baixa na produção e na renda. Com esse discurso, os docentes representam seu fazer como uma profissão e a do sulanqueiro como uma ocupação. 71 Ser docente implica ainda a ideia de ter uma missão bastante importante, uma responsabilidade pela vida dos educandos, como ressalta Ana: [...] quando você entra da sala de aula e você vê cada aluno de uma maneira, cada um pensando de um jeito, você começa a perceber que você tem uma missão muito grande, no mundo. Porque vai depender de você a vida de cada uma daquelas crianças que tão ali [...] Então, o papel do professor na sociedade, tanto antes como hoje, eu acredito que hoje mais ainda, muito importante, demais (Ana, 38 anos, 18 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 17 anos). Outra representação diz respeito ao fato de que todas as outras profissões dependem do professor para existir (discurso ideológico bastante disseminado pela mídia), como ilustra o recorte abaixo, que coloca o magistério como a mais sublime ocupação: Eu acho é... a melhor. Porque cada profissão que a gente tem que... Cada profissão que existe, primeiro tem que passar pelo professor: médico, qualquer coisa, qualquer profissão. Primeiro tem que passar pelo professor, por isso que ela é muito importante, porque ela forma os outros [...] Eu me sinto realizada! (Roberta, 43 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). A importância de ser professor tem relação com a disseminação de conhecimentos que tem implicações até mesmo para o próprio futuro do Polo de Confecções, como destaca Marina, sobre a relação dos alunos com o conhecimento: “Porque o mundo deles só é exclusivamente confecção [...] e se não for com um pouquinho de conhecimento que eles adquira, as futuras gerações vai ficar um pouco a desejar na nossa cidade” (Marina, 44 anos, 26 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe há 23 anos). Ainda destaca-se a capacidade transformadora que o professor detém que vai além de ensinar um conteúdo. Ney, a respeito do magistério, afirma que “Eu acho uma profissão interessantíssima, onde a gente pode transformar as pessoas, eu vejo assim” (Ney, 33 anos, 10 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). 72 Porém, essas significações construídas acerca da profissão não são definitivas, como aponta Bauman (2005), são inconclusas e precárias. De modo que o professor pode reinventá-las a qualquer momento e precisa empreender uma luta para proteger sua identidade, que por vezes é ameaçada. Como ilustra Júlia: As vezes até umas colegas diz assim... é... que me tirem tudo, menos a educação, pela questão do prazer de trabalhar, mas infelizmente o financeiro faz com que a gente corra atrás de outras atividades remuneradas pra fazer um complemento (Júlia, 32 anos, 12 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Todavia, essa realização é marcada muitas vezes por sentimentos ambíguos, ao mesmo tempo em que o docente reconhece sua importância, vivencia as dificuldades dessa escolha. Segundo Gatti (1996), isso faz parte de uma imagem contraditória que os professores experimentam cotidianamente acerca da sua profissão, oscilando entre a realização profissional e a desvalorização. Essa ambiguidade é vista na fala de Sofia, que fala da importância do professor, da educação formal, mas ao mesmo tempo entende que ele não é reconhecido como deveria: A educação é tudo, a gente vê, né? Tantos e tantos profissionais que já passou por nossas mãos [...] Mas referente a pessoa, a si, vamos dizer assim, o engrandecimento, eu não vejo [...] Educação é tudo, num é? Mas, a gente fica assim, as vezes, a se perguntar como profissional: será que vale a pena? Num é, você se dar pra, pra tantos, num é? Tantos adolescentes que passam por nossas mãos, tantas crianças, e... e não ser valorizada, num é? (Sofia, 48 anos, 15 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Esse confronto de sentimentos atribuídos ao ato de lecionar é observado no discurso de Bethânia, no qual coexistem a realização e a insatisfação: “Me sinto realizada como professora. Já tô bem desgastada, já tô cansada. Mas, me sinto realizada” (Bethânia, 40 anos, 20 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). É ainda a representação de Joana e 73 de mais doze dos entrevistados, que convivem com a tristeza atrelada à certeza da importância da profissão: Assim, fico um pouco triste, sabe? Porque é uma profissão que a gente forma cidadãos, né? É a base! E no entanto é tão desvalorizado, né? Em todos os sentidos. Nos mínimos detalhes, a gente sempre percebe. É... um prejuízo mais, alguma coisa sempre prejudicando mais o professor, sabe? Isso entristece muito, desmotiva, num é? É terrível! [...] Eu me percebo assim muito importante, uma responsabilidade muito grande. E uma contribuição muito boa pra formação do povo, né? (Joana, 46 anos, 18 anos de profissão e reside em Santa Cruz desde que nasceu, passou apenas um tempo morando em outra cidade). Todavia, Ney aponta que esse modo de queixar-se do professor sobre sua condição é uma maneira de colocar-se como vítima do sistema, sem, no entanto, lutar por condições de trabalho melhores e mais dignas. Ele tece uma crítica a esse tipo de acomodação, afirmando que os baixos salários não justificam algumas posturas profissionais: Eu acho uma profissão interessantíssima, onde a gente pode transformar as pessoas, eu vejo assim. Mas eu vejo muita gente, muitos colegas desmotivado com a profissão. Mas eu acho que muitos colegas são desmotivados com eles mesmos, na verdade. Porque a gente já tem um piso do salário, num é? É pouco, mas a gente tem que lutar por mais. Mas muita gente justifica a sua incompetência ou não se descobriu ainda enquanto profissional, com o salário que é baixo, com isso, com aquilo, eu não acho justo com os alunos, nem com a educação. Eu penso o seguinte: Eu acho que o dia que pelo menos 50 % dos professores deixarem de ser vítima do sistema e passar a ser agente transformador do sistema educação as coisas já melhoram 90%. [...] Eu me percebo realizado, eu não sou um professor frustrado (Ney, 33 anos, 10 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). Essas significações construídas sobre os espaços escolares e a atuação do professor fornecem uma justificativa da escolha pelo magistério, que é representado como uma missão social que tem uma abrangência ampla. A docência, nesse sentido, sobressai em meio aos retalhos simbólicos produzidos pela sulanca. Isso ocorre porque ser professor implica: se destacar em relação às outras profissões; formar opiniões dos educandos; ter estudo e 74 possuir estabilidade (diferente do sulanqueiro); ter uma missão social; ser responsável pela vida dos educandos; formar todas as profissões; e transformar as pessoas. Elias fala sobre o poder de um modo relacional. O que implica considerarmos que a relação entre os professores e os agentes envolvidos na sulanca não deve ser analisado de modo unilateral, onde ora depositamos o poder em um ou em outro, mas cada um exerce esse poder de modo diverso. Assim: “Uma solução mais adequada para os problemas de poder seria o considerarmos este, de um modo inequívoco, como sendo uma característica estrutural de uma relação, que a penetra totalmente; como característica estrutural que é, não é boa nem má” (ELIAS, 2008, p. 101) Contudo, é importante perceber que cada cultura possui sua maneira de significar e diferenciar suas identidades. A marca da diferença na figuração da sulanca indica para a questão do retorno financeiro, que favorece mais o sulanqueiro bem-sucedido por um lado; mas, por outro, indica discursos sobre o professor como um indivíduo que em alguns momentos ocupa uma posição de superioridade (tem o que o sulanqueiro não possui – estudo, compromisso social, estabilidade). O que remete ao poder de uma maneira flutuante, onde em alguns momentos ele sobressai em alguma das classes por ser mais dependente da outra: “Na medida em que somos mais dependentes dos outros do que eles são de nós, em que somos mais dirigidos pelos outros do que eles são por nós estes têm poder sobre nós quer nos tenhamos tornado dependentes deles pela utilização que fizeram da força bruta ou pela necessidade que tínhamos de ser amados, ou pela necessidade de dinheiro, de cura, de estatuto, de uma carreira ou simplesmente de estímulo.” (ELIAS, 2008, p. 101) A posição de poder do magistério, investida de poder simbolicamente, faz com que as dificuldades encontradas na sala de aula sejam atenuadas pelo ideal de contribuição para o desenvolvimento social. Tal perspectiva não toca o 75 sulanqueiro, que por mais que ressalte as vantagens econômicas das quais é detentor, sua profissão é vista como algo desviante dos valores compartilhados (logo, ele é aquele que supervaloriza o consumo e trata a educação como um bem sem valor). 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através das falas dos sujeitos pesquisados podemos traçar um panorama de como o professor costura suas escolhas, como cria um lugar social específico e como dá sentido ao seu fazer em meio à cultura específica construída em torno das atividades de confecção e venda de peças de vestuário. Os entrevistados confirmam a hipótese inicial de que há uma interferência da sulanca na identidade docente. Tal intervenção ocorre sob diversos prismas, ainda que o professor não tenha clareza de como isso é marcante no seu processo identitário. A sulanca toca o magistério: na relação dos pais com os alunos e até com a própria escola; na maneira como a cultura local encara os processos de ensino; no poder aquisitivo gerado pela sulanca; nas escolhas possíveis entre ser docente ou sulanqueiro. Essa intervenção nos faz perceber, como na proposta traçada por Elias e Scotson (2000) em “Os estabelecidos e os outsiders”, que os dois grupos envolvidos (sulanqueiros e professores) tentam justificar seu poder a partir de diferentes perspectivas. Nas palavras do próprio autor: “De que modos os membros de um grupo mantêm entre si a crença em que são não apenas mais poderosos, mas também seres humanos melhores do que os de outro?” (p. 20). A partir da análise vemos que de diferentes maneiras cada um constrói sua ideia de superioridade. Os professores sentem-se melhores do que os sulanqueiros porque têm o que eles não possuem (estudo, valores, poder de formar outras gerações). Já os sulanqueiros, que apareceram na pesquisa através da fala dos docentes (como alunos, como eles mesmos que se dividem entre as duas atividades, ou através de pessoas do seu cotidiano) justificam sua superioridade pela primazia da atividade que pertencem e pela geração de renda da mesma. Apesar da tensão para ocupar uma posição de superioridade, é possível notar que em diferentes momentos os dois grupos se sentem inferiores, 77 sucatas (como remete a origem do termo sulanca), pois uma identidade só aponta a outra como inferior quando se sente ameaçada. Assim, é possível dizer que professores e sulanqueiros são ao mesmo tempo estabelecidos e outsiders. É importante, ainda, destacar que o processo de estranhamento entre essas duas classes não ocorre de modo homogêneo. Mas há uma diferenciação no modo como o professor enxerga o sulanqueiro de pequeno porte e o grande empresário. Muitas vezes, ele só se coloca em desvantagem financeira em relação ao último. Como no estudo de Elias e Scotson (2000), apesar de professores e sulanqueiros simples apontarem um ao outro o lugar de outsiders, de um modo geral, eles compartilham do mesmo padrão de vida. Exceto quando os mesmos conseguem obter sucesso através das atividades confeccionistas. O processo de diferenciação não ocorre apenas dos docentes em contraposição aos agentes confeccionistas, mas ocorre dentro da própria profissão. Como observamos nos relatos trabalhados nesse texto, sob uma mesma identidade existem indivíduos com peculiaridades significativas. De modo que a maneira como os docentes lidam com a sulanca é diversa, vai desde a relação de exterioridade (do sulanqueiro como distante) até a relação de si mesmo (quando compartilham de modo paralelo dessa atividade). Podemos inferir também que há um equilíbrio de poder, ainda que instável, entre os agentes envolvidos nessa configuração. Os dois são detentores de gradientes específicos: de um lado os envolvidos na atividade principal da localidade reafirmam a primazia econômica e do outro, os professores sustentam a importância da sua profissão como uma missão social. Essa interdependência ocorre de modo que por mais que o docente não perceba a sulanca como algo que interfere diretamente na sua identidade, reconhece que esse arranjo toca o seu cotidiano. O sulanqueiro também precisa do professor para aprender noções básicas exigidas para que sua atividade funcione (saber ler, escrever e contar). Como defende Silva (2012) a 78 identidade não toma como referência apenas a si própria, pois latente está a ideia do que ela não é. Esses dois atores tecem uma rede de significações complexas, e apesar de não termos dado voz aos agentes envolvidos exclusivamente na sulanca, acreditamos que o discurso deles está contido no dos professores, que, por vezes, são também sulanqueiros. Uma identidade não exclui a outra, como vimos o exemplo de 4 das entrevistadas que se dividem entre a sala de aula e os processos da sulanca. Muito mais do que oposição, essas duas posições sociais indicam proximidade. Tal qual uma colcha de retalhos, essas identidades são separadas por uma linha tênue. De modo que a tentativa de inferiorizar o outro é, na verdade, uma saída para esconder aquilo que compartilham, pois o professor, bem como o sulanqueiro, também é um operário, só que do conhecimento acadêmico. Embora os docentes tenham feito essa escolha de modo compulsório (pelas opções possíveis que existiam na época), é um fato que eles não abandonaram essa escolha com as novas possibilidades que surgem atualmente. E mesmo com todas as diferenças que permeiam a identidade do professor na cultura da sulanca é possível perceber que esses atores sustentam sua opção através dos sentidos que constroem simbolicamente sobre a importância que a profissão possui. Assim, refletir sobre o professor e a sua existência em Santa Cruz do Capibaribe implica considerar que embora ele seja menos remunerado que outras atividades, ele não se sente diminuído, pois faz a escolha por uma profissão considerada importante socialmente. Apesar de em alguns momentos sentir o peso da desvalorização afetar a sua renda, o que o conduz a necessidade de recorrer a outras atividades, quer seja de costura, de possuir pequenas unidades de produção ou até mesmo de venda. Se a docência e a atividade confeccionista não são excludentes, é preciso problematizar a hostilização do agente envolvido na sulanca em relação à escola formal e ao seu ator principal, o professor. Bem como do 79 processo de inferiorização do sulanqueiro pelo professor, como se para construir uma identidade fosse necessário diminuir a outra. Vemos que não há ainda uma rede de colaboração entre esses dois fazeres. O que gera um afastamento do sulanqueiro dos espaços escolares. Uma saída para esse distanciamento é que a educação possa transcender os muros escolares, e, portanto, sair da sua zona de conforto. Para além de condenar a falta de interesse dos sulanqueiros por educação, faz-se necessário tentar se aproximar dos espaços ocupados pela atividade confeccionista e promover um rico debate onde a educação não seja vista como uma coisa sem sentido, mas que possa auxiliar no crescimento da própria atividade. As escolas e seus atores, além de naturalizarem esse discurso que subestima a educação e supervaloriza o lucro gerado pela sulanca necessita dialogar sobre os impactos de tal atividade para a cultura local, junto aos alunos, através de debates, círculos de conversação. Buscando que os mesmos possam vislumbrar uma possibilidade de futuro que vá além da sulanca, ou até mesmo sirva como subsídio para tornar essa atividade mais elaborada e estável. Pereira Neto (2011) aponta em estudo sobre o SENAI no Pólo de Confecções que a maioria dos profissionais formados por essa instituição, mesmo nos cursos relativos à atividade confeccionista, não são absorvidos pelo mercado de trabalho. O que indica uma distância ainda enorme entre as propostas de educação e o que realmente as pequenas empresas demandam. Isso foi destacado na fala de um dos entrevistados: Pra você ter uma ideia, em Campina Grande tem a escola do SENAI, por exemplo, lá você tem lista de espera de determinado curso, com 1000 pessoas, 800, esperando uma vaga pra estudar aquele determinado curso. E no SENAI de Santa Cruz tem turmas que são eliminadas porque não tem alunos, o mesmo curso de Campina Grande, a 106 km. Então por as pessoas ter emprego, por isso, por aquilo, mesmo ganhando pouco, elas são acomodadas em relação ao estudo (Ney, 33 anos, 10 anos de profissão e reside em Santa Cruz do Capibaribe desde que nasceu). 80 Essa incoerência de saberes (entre o que se oferta e o que se precisa) talvez seja um dos fatores que explique a desvalorização local do professor, como um agente que representa a educação formal. Se este não pode acrescentar nada além do que o aluno já sabe para garantir seu sustento, então ele é inferiorizado, visto como alguém sem valor, que trabalha muito e pouco recebe em troca, no que concerne à questão financeira. Urge, assim, a necessidade de que esses dois segmentos deem-se as mãos e possam dialogar sobre conhecimentos e possibilidades viáveis a serem trabalhados. O espaço educacional necessita de uma aproximação com a sulanca, trabalhando perspectivas que promovam seu crescimento. Só assim o professor pode ocupar um espaço mais digno e valorizado socialmente, pois estará mais presente no processo de aprendizagem do aluno e nas suas demandas, e então, não será visto como alguém que nada tem a ensinar ou que ensina coisas desconexas com a realidade do discente. Os elementos aqui expostos apresentam uma reflexão sobre o lugar social dos agentes pertencentes a essa cultura. Contudo, não foi possível ouvir e confrontar outras vozes que contribuem para construção da identidade do professor nesta ocasião de pesquisa. Certamente, professores de outros segmentos de ensino, além da rede municipal, e até mesmo os agentes envolvidos na produção e comercialização da sulanca podem nos oferecer um olhar mais complexo sobre essa categoria. Sendo assim, essa ampliação da investigação se configura como uma questão importante a ser explorada em estudos posteriores ou até mesmo por outros pesquisadores. 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt. 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In: SILVA, Tomaz T. (Org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 07-72. 87 APÊNDICES 88 APÊNDICE A- Termo de consentimento livre e esclarecido-TCLE Pelo presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido eu, ________________________________, em pleno exercício dos meus direitos me disponho a participar da Pesquisa “Entre a sulanca e a docência: uma análise da identidade do professor em Santa Cruz do Capibaribe – PE” sob a responsabilidade de Thereza Cristina Leandro da Silva Queiroz Santos. Declaro ser esclarecido e estar de acordo com os seguintes pontos: 1- O trabalho terá como objetivo analisar como são construídos os processos identitários dos professores na cidade de Santa Cruz do Capibaribe - PE. 2- As entrevistas serão usadas em trabalho de dissertação do mestrado em Educação da UFPB, sob orientação do Prof. Dr. Ricardo de Figueiredo Lucena. 3- Minha participação é voluntária, tendo eu a liberdade de desistir a qualquer momento, sem risco de nenhuma penalização. 4- Meu anonimato será garantido. 5- Todas as informações são confidenciais e não existem respostas certas ou erradas. 6- Caso sinta necessidade de contatar a pesquisadora durante a coleta de dados, poderei fazê-lo pelo telefone (81) 9791 2539 ou Comitê de Ética em Pesquisa do CCS/UFPB – Cidade Universitária / Campus I – Bloco Arnaldo Tavares, sala 812 – Fone: (83) 3216-7791. 7- Ao final da pesquisa, se for de meu interesse, terei livre acesso ao conteúdo da mesma, podendo discutir os dados com o pesquisador. Desta forma, uma vez tendo lido e entendido tais esclarecimentos e, por estar de pleno acordo com o teor do mesmo, dato e assino este termo de consentimento livre e esclarecido. Santa Cruz do Capibaribe, ___ de ___________ de ____ _______________________ Participante __________________ Pesquisador 89 APÊNDICE B – Roteiro de entrevista Idade: Tempo de profissão: Tempo de residência no município: Formação Acadêmica: 1) Por que você escolheu ser professor(a)? Como foi essa escolha? 2) Além de ser professor, você realiza outra atividade? Qual? 3) Como você percebe sua profissão em relação às demais? 4) Como você se percebe sendo professor? 5) Como é ser professor em Santa Cruz do Capibaribe?