RELATÓRIO GERAL DA OBSERVAÇÃO
WAL-MART BRASIL Ltda.
SEDE DO OBSERVATÓRIO SOCIAL
Av. Luiz Boiteux Piazza, 4810
Ponta das Canas - Ilha de Santa Catarina
Florianópolis - SC - CEP 88.056-000
Fone (048) 261.4000 • Fax (048) 261.4060
E-mail: [email protected]
2
OBSERVATÓRIO SOCIAL
CONSELHO DIRETOR
Adi do Santos - Representante do DIEESE;
Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico
Nacional (DIEESE);
Domingos Lino – Instituto Nacional de Saúde
no Trabalho (INST);
Jorge Lorenzetti - Representante da Escola
Sul da CUT - Coordenador Geral;
José Olívio Miranda de Oliveira Representante
no
Conselho
de
Administração da OIT;
Kjeld A. Jakobsen - Secretário de Relações
Internacionais da CUT Brasil – Presidente do
Conselho Diretor;
Marcelo Borges Sereno – Secretário de
Organização da CUT Brasil;
Maria Ednalva Bezerra de Lima - Comissão
Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
Brasil (CNMT);
Mônica Valente – Departamento de Estudos
Sócio-Econômicos e Políticos (DESEP);
Odilon Luís Faccio - Coordenador de
Desenvolvimento Institucional (Escola Sul);
Pascoal Carneiro - Secretário de Política
Social da CUT;
Pieter
Sijbrandij
Coordenador
Administrativo-Financeiro (Escola Sul);
Sidney
Lianza
Representante
da
UNITRABALHO;
Tullo Vigevani - Representante do CEDEC.
COORDENAÇÃO EXECUTIVA
Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico
Nacional;
Jorge Lorenzetti - Coordenador Geral;
Kjeld A. Jakobsen - Presidente do Conselho
Diretor;
Odilon Luís Faccio - Coordenador de
Desenvolvimento Institucional;
Pieter
Sijbrandij
Coordenador
Administrativo-Financeiro.
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico
Nacional;
Clóvis Scherer - Coordenador do Satélite Sul;
Odilon Luís Faccio - Coordenador de
Desenvolvimento Institucional;
Pieter
Sijbrandij
Coordenador
Administrativo-Financeiro;
Rogério Valle - Coordenador do Satélite RJ;
Ronaldo Baltar - Coordenador do Satélite SP.
EQUIPE RESPONSÁVEL PELA PESQUISA
Clóvis Roberto Scherer - Coordenador –
DIEESE;
Márcia Miranda Soares – Pesquisadora –
CEDEC;
Júlio Cardoso – Auxiliar de Pesquisa –
Escola Sul;
Rosângela Augusta da Silva – Auxiliar de
Pesquisa – CEDEC;
Paola
Capelim
–
Consultora
–
UNITRABALHO;
João Carlos Nogueira – Consultor - INSPIR.
O QUE É O OBSERVATÓRIO SOCIAL
O Observatório Social é uma organização com a
missão de analisar, observar e difundir a aplicação de
normas/convenções sociais, ambientais e trabalhistas
por parte das empresas, organizações e governos em
âmbito nacional e internacional. Além disto, o
Observatório Social também tem o objetivo de
observar e difundir a situação social no Brasil,
especialmente do Trabalho Infantil e Forçado, das
discriminações de Gênero e Raça e da situação do
Meio Ambiente.
A criação do Observatório Social é uma
iniciativa da CUT Brasil e Escola Sul, em
cooperação com o Centro de Estudos de
Cultura
Contemporânea
(Cedec),
Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) e Rede
Inter-Universitária de Estudos e Pesquisas
sobre o Trabalho (Unitrabalho).
Florianópolis, junho de 2000
3
Apresentação
Durante meses, entre final de 1999 e início de 2000, pesquisadores da equipe do
Observatório Social foram a campo em busca de informações sobre a Wal-Mart do Brasil
Ltda., subsidiária da norte-americana Wal-Mart, maior empresa de comércio varejista do
mundo e uma das principais do ramo no país. Além de buscar traçar a estratégia comercial
e o perfil da empresa, o foco da pesquisa foi verificar a sua atuação com relação ao
cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho e com relação ao meio ambiente,
contemplados nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além da pesquisa de campo, documentos de natureza pública foram utilizados. Os
resultados estão apresentados neste Relatório Geral de Pesquisa. Nele também estão
contidas algumas recomendações para que a empresa se ajuste ao cumprimento das
Convenções da OIT, nos casos em que houve descumprimento ou em que a atuação da
empresa é bastante tímida. É importante ressaltar que, para ser possível, essa pesquisa
contou com o apoio de várias entidades e aporte financeiro do Centro de Solidariedade da
AFL-CIO, central sindical dos trabalhadores norte-americanos.
Os trabalhadores, empresários e a sociedade em geral têm em mãos, a partir de agora, um
documento inédito, com informações que podem contribuir não só para a melhoria das
relações sociais – notadamente as relações de trabalho – como para o aperfeiçoamento dos
instrumentos de construção da cidadania e fortalecimento da democracia.
Coordenação Executiva do Observatório Social
4
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 5
2. O OBSERVATÓRIO SOCIAL ................................................................................................................... 7
2.1. OBJETIVOS GERAIS................................................................................................................................... 7
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS .......................................................................................................................... 8
3. METODOLOGIA DA OBSERVAÇÃO..................................................................................................... 9
3.1. JUSTIFICATIVA ......................................................................................................................................... 9
3.2. OBJETIVOS ............................................................................................................................................. 10
3.3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................................................... 11
4. PERFIL DO SETOR E DA EMPRESA ................................................................................................... 14
4.1. TRANSFORMAÇÕES DO SETOR DO COMÉRCIO VAREJISTA ........................................................................ 14
4.2. SUPERMERCADOS NO BRASIL ................................................................................................................. 16
4.3. A WAL-MART ........................................................................................................................................ 18
4.4. EXPANSÃO INTERNACIONAL .................................................................................................................. 20
4.5. DESEMPENHO ECONÔMICO E FINANCEIRO ............................................................................................. 21
4.6. A WAL-MART DO BRASIL ...................................................................................................................... 22
5. OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO................................................................................................. 29
5.1. LIBERDADE SINDICAL ............................................................................................................................ 30
5.2. NEGOCIAÇÃO COLETIVA ......................................................................................................................... 35
5.3. TRABALHO INFANTIL .............................................................................................................................. 40
5.4. DISCRIMINAÇÃO CONTRA GÊNERO E RAÇA ............................................................................................. 44
5.5. MEIO AMBIENTE, SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL ........................................................................ 55
6. PARECER................................................................................................................................................... 64
6.1. LIBERDADE SINDICAL ............................................................................................................................ 64
6.2. NEGOCIAÇÃO COLETIVA ........................................................................................................................ 64
6.3. TRABALHO INFANTIL ............................................................................................................................. 65
6.4. DISCRIMINAÇÃO EM RELAÇÃO À GÊNERO E RAÇA ................................................................................. 65
6.5. MEIO AMBIENTE, SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL ........................................................................ 66
7. RECOMENDAÇÕES................................................................................................................................ 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................... 70
5
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa realizada pelo Observatório Social na Wal-Mart do Brasil Ltda., uma das
principais empresas no ramo do comércio varejista do país, buscou traçar o perfil da
empresa e verificar a sua atuação em relação aos direitos fundamentais no trabalho e ao
meio ambiente, contemplados nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho
(OIT). As atividades da pesquisa foram desenvolvidas entre os meses de novembro de 1999
e março de 2000.
A escolha desta empresa se justificou pelos seguintes fatores:
• a posição de liderança da empresa no comércio varejista em escala mundial;
• a estratégia de expansão internacional, que abarca vários países em desenvolvimento,
em especial do Mercosul;
• a importância da multinacional no setor do comércio varejista brasileiro, no segmento
de hiper e supermercados;
• o interesse das entidades sindicais brasileiras e norte-americanas;
• o interesse demonstrado por entidades sindicais de vários países na formulação de uma
estratégia global frente à empresa.
Coerente com a proposta metodológica do Observatório, o envolvimento dos sindicatos de
trabalhadores se materializou na parceria com as seguintes entidades:
• Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio da Central Única dos
Trabalhadores (CONTRACS/CUT)
• Sindicato dos Empregados no Comércio de Osasco e Região;
• Sindicato dos Empregados do Comércio de Bauru; e
• Sindicato dos Empregados no Comércio de São Paulo.
Cabe ressaltar que esses sindicatos são filiados a diferentes centrais sindicais,
respectivamente à CUT, União Sindical Independente (USI) e à Força Sindical. Isso mostra
a capacidade de aglutinação do movimento sindical comerciário e de superação de
diferenças internas para a realização de iniciativas como a dessa pesquisa.
Além dessas entidades, o trabalho contou com a participação da Comissão Nacional da
Mulher Trabalhadora (CNMT), da CUT, na medida em que se buscou aprofundar a questão
da discriminação de gênero nesse trabalho, bem como aprimorar instrumentos de pesquisa
sobre o tema.
O envolvimento da empresa também foi perseguido. O plano de pesquisa previa um
encontro com a direção da empresa. Seriam apresentadas a pesquisa e as formas pelas quais
a empresa poderia contribuir. Por problemas de agenda do presidente da empresa, este
processo não se concretizou. As entrevistas com membros da direção da empresa, visando a
obter dados e informações precisas acerca do desempenho em matéria social e ambiental,
bem como das unidades pesquisadas, não ocorreram.
Desse modo, a pesquisa baseou-se em fontes sindicais e em documentos de natureza
pública. Foram entrevistados trabalhadores, empregados ou ex-funcionários de três
6
Supercenters (hipermercados), alguns com cargos de chefia, contatados através do
sindicato, bem como dirigentes dos três sindicatos acima relacionados. Obviamente, a
ausência da empresa no processo serviu para que a pesquisa ganhasse uma marca sindical
mais acentuada.
Os resultados da observação estão apresentados neste Relatório Geral da Pesquisa, junto
com informações sobre o Observatório Social e a descrição do processo de
desenvolvimento da pesquisa. O primeiro capítulo do Relatório faz uma apresentação
sintética do Observatório Social e seus objetivos. A seguir, é apresentada a metodologia da
Observação, justificando a escolha da empresa como objeto de estudo, os objetivos e
procedimentos de pesquisa utilizados. O terceiro capítulo resgata algumas tendências gerais
do setor do comércio varejista no mundo e no Brasil em particular. Após essa
contextualização, o mesmo capítulo apresenta a empresa Wal-Mart Inc. e sua filial
brasileira, a Wal-Mart Brasil Ltda., desenhando o perfil de sua estrutura e operações,
aspectos econômicos e financeiros e um histórico da instalação no país e nas cidades de
Osasco e Bauru. O capítulo quarto apresenta os resultados da Observação da conduta da
empresa em relação aos direitos fundamentais no trabalho. A seguir são resumidas as
conclusões da Observação, a título de parecer, no capítulo quinto. Por fim, no sexto
capítulo, são feitas recomendações visando a assegurar a plenitude do cumprimento desses
direitos fundamentais.
7
2. O OBSERVATÓRIO SOCIAL
O projeto de criação de um Observatório, para gerar informações consistentes e de
credibilidade sobre o desempenho social e trabalhista das empresas e governos, surgiu a
partir do debate sobre a adoção de cláusulas sociais e ambientais nos acordos de comércio
internacional. Por iniciativa da CUT Brasil, no ano de 1997 foram traçadas as linhas gerais
da proposta do Observatório Social.
A criação do Observatório Social foi uma iniciativa da CUT Brasil e Escola Sul, em
cooperação com o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) e Rede InterUniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho). Essas organizações
estão representadas nas instâncias de direção do Observatório1.
2.1. Objetivos Gerais
O projeto do Observatório Social tem por objetivo a construção de uma referência
permanente e cumulativa de conhecimentos e informações para a atuação eficaz dos
movimentos sociais, em especial do sindicalismo, no contexto de aprofundamento da
internacionalização da economia mundial. Busca fortalecer a ação sindical nacional e
internacional, dotando os trabalhadores de um instrumento que possa contribuir para a
promoção e o respeito aos direitos sociais. Representa a vontade política de analisar e
verificar, nos âmbitos nacional e internacional, a aplicação de princípios e regras sociais e
trabalhistas por parte das empresas ou governos.
O Observatório Social sustenta-se na visão de que cabe aos trabalhadores e seus parceiros a
responsabilidade pelo desenvolvimento de mecanismos que impulsionem a globalização de
direitos num contexto de globalização da economia e dos mercados. É um projeto com
dimensão propositiva, na medida em que busca analisar, elaborar estudos e subsídios para
propostas de ação social e sindical.
Para que a sociedade e, em especial, o movimento sindical, possa responder de maneira
mais eficiente aos novos processos, é preciso acompanhá-los e, sobretudo, capacitar-se para
diagnósticos adequados sobre as conseqüências das políticas governamentais e
empresariais.
Desta forma, a relevância da iniciativa de criação do Observatório está consubstanciada nas
seguintes bases:
•
1
Importância, necessidade e urgência de ações concretas pela globalização de direitos em
âmbito nacional e internacional;
A estrutura diretiva do Observatório é constituída por um Conselho Diretor, uma Coordenação Executiva e
uma Coordenação Técnica. No Conselho Diretor, órgão máximo de deliberação, tomam assento
representantes das organizações parceiras no Observatório: CUT Brasil, DIEESE, Unitrabalho e CEDEC.
8
•
Defesa de cláusulas sociais e ambientais no comércio internacional e na constituição de
blocos, como um espaço e um caminho para impulsionar a produção de informações e
conhecimentos indispensáveis para uma adequada ação dos sujeitos políticos e sociais
na luta pela proteção e ampliação de direitos sindicais e sociais;
•
Importância, necessidade e urgência de movimentos/ações/iniciativas que combinem o
fortalecimento e qualificação do sindicalismo em articulação com outros sujeitos sociais
e o envolvimento da sociedade de uma forma mais geral, potencializando movimentos
mais amplos pela universalização da cidadania e da democracia.
2.2. Objetivos Específicos
O Observatório Social definiu um conjunto de objetivos específicos, quanto à relação com
seus parceiros sociais e a divulgação dos resultados de suas atividades para a sociedade
civil. São eles:
•
Observar a performance de empresas e/ou organizações em relação ao cumprimento dos
direitos básicos no trabalho, contemplados nas convenções internacionais da OIT que
compõem a "Cláusula Social", e em relação ao meio ambiente, bem como ao perfil
geral e outras especificidades de empresa;
•
Produzir relatórios e emitir pareceres sobre empresas e/ou organizações observadas;
•
Produzir estudos e pesquisas sobre os temas-objeto do Observatório.
9
3. METODOLOGIA DA OBSERVAÇÃO
3.1. Justificativa
O processo de globalização econômica tem como principais características a expansão dos
fluxos comerciais, dos investimentos estrangeiros diretos e das transações financeiras
internacionais, bem como da estruturação de blocos econômicos regionais com força
polarizadora. No Brasil, essas características são claramente visíveis e vêm se fortalecendo
progressivamente ao longo da presente década, com a abertura comercial, o ingresso de
capitais financeiros nas bolsas de valores e no sistema financeiro e a participação ativa do
país no Mercosul.
A instalação de empresas estrangeiras no Brasil é um dos elementos que melhor traduzem a
inserção do país nesse processo de globalização em curso. Em vários setores da indústria e
dos serviços é notável a velocidade e a magnitude do avanço do capital estrangeiro. A
presença estrangeira, multinacional ou transnacional, chamou a atenção no setor bancário,
na indústria de autopeças, nas telecomunicações e na energia, entre outros, sendo difícil
encontrar atividade econômica em que não tenha se expandido. Para dar noção do tamanho
dos investimentos estrangeiros diretos, basta dizer que eles se multiplicaram por onze entre
1994 e 1998. Uma vez que a maior parte desses investimentos destinou-se à aquisição de
empresas, particularmente no processo de privatização, implicaram mais na transferência de
ativos já existentes do que na ampliação da capacidade produtiva instalada.
Embora possam significar a realização de investimentos produtivos e a geração de novos
empregos, a maior presença das empresas estrangeiras também pode trazer uma série de
conseqüências preocupantes para o país e para os trabalhadores. O risco de uma crise
cambial aumenta com a ameaça de uma interrupção ou inversão do fluxo de capitais. As
decisões fundamentais sobre os investimentos e o domínio da tecnologia em suas
expressões mais avançadas transferem-se para os países-sede das empresas, dificultando o
desenvolvimento nacional. Além disso, por adotarem tecnologias intensivas em capital,
muitas vezes não contribuem com a geração de novos postos de trabalho ao se instalarem
no país.
Além disso, essas empresas têm implantado técnicas gerenciais e de produção que se
caracterizam por acelerar o ritmo e a intensidade do trabalho e exercer grande pressão sobre
os trabalhadores. Dada a posição de liderança que normalmente assumem nos setores e nas
cadeias produtivas, suas práticas difundem-se para o conjunto da economia. Muitas vezes,
junto com tais técnicas, ou por causa delas, direitos trabalhistas e sociais terminam sendo
aviltados.
Nos anos 90 ocorreu no Brasil uma onda de investimentos de empresas estrangeiras no
setor supermercadista. Isso é evidenciado pela instalação de grupos como o Sonae e o
Jerônimo Martins, de Portugal, o Royal Ahold, da Holanda, e o Wal-Mart, dos Estados
Unidos. Para se expandir, as redes estrangeiras têm adotado tanto a estratégia da aquisição
de redes menores, de capital nacional, como a abertura de novas unidades, ampliando sua
presença no setor comércio em termos de faturamento. Em 1998, das dez maiores redes de
supermercados do país, seis eram empresas de capital estrangeiro.
10
A instalação da Wal-Mart no Brasil representou a chegada do maior grupo de distribuição
do mundo, com faturamento de US$ 138 bilhões em 1999. Apesar de ter se instalado no
Brasil há cinco anos, essa empresa já é a sexta maior rede supermercadista do país em
faturamento. Dispõe, atualmente, de dezesseis unidades e emprega diretamente cerca de
seis mil trabalhadores.
O movimento sindical preocupa-se com o processo de globalização por vários motivos,
entre os quais se destaca a tendência de redução dos direitos trabalhistas e sociais e
conseqüente piora nas condições de vida dos trabalhadores. As grandes empresas estariam
aproveitando a ausência de barreiras à sua movimentação para cortar seus custos, inclusive
com pessoal, preferindo as áreas onde esses custos são menores ou ameaçando usar sua
capacidade de deslocamento geográfico como instrumento de pressão, visando a obter
vantagens, de natureza fiscal, financeira ou infraestrutural. Aos trabalhadores atinge de
imediato a pressão que exercem no sentido da desregulação e flexibilização do mercado de
trabalho.
Uma vez que a globalização põe este mecanismo em marcha no mundo todo, teme-se que
os países se lancem numa concorrência pelos investimentos das multinacionais, oferecendo,
como atrativo, contínuas reduções nos custos laborais. Em conseqüência, haveria um
movimento descendente de direitos, de empobrecimento e piora nos indicadores sociais em
vastas regiões do planeta. Entre as várias formas atualmente discutidas para evitar este ciclo
vicioso está a observação da prática das empresas com vistas a instrumentalizar a sociedade
para agir contra comportamentos julgados prejudiciais.
Outra preocupação do movimento sindical, compartilhada por organizações nãogovernamentais (ONGs) e pela comunidade acadêmica, diz respeito às dificuldades que os
setores populares dos países em desenvolvimento encontram para organizar-se na defesa de
seus interesses diante dos efeitos do processo de globalização. O conhecimento técnicocientífico é um componente importante para a ação organizada da população diante dos
problemas que emergem da globalização.
3.2. Objetivos
O objetivo principal da Observação é a verificação do cumprimento, pela Wal-Mart no
Brasil, dos direitos fundamentais no trabalho estabelecidos pelas Convenções da OIT, bem
como dos efeitos de sua atuação em relação ao meio ambiente.
São as seguintes as Convenções da OIT que estabelecem os direitos fundamentais no
trabalho a serem considerados na Observação:
• Liberdade Sindical (Convenções 87 e 151);
• Direito de Organização e Negociação Coletiva (Convenções 98 e 135);
• Proibição de Toda Discriminação (Convenções 100 e 111);
• Proibição do Trabalho Infantil (Convenção 138);
• Proibição do Trabalho Forçado (Convenções 29 e 105);
• Saúde e Segurança Ocupacional (Convenções 148, 155, 170 e 174).
11
Além deste objetivo principal, a pesquisa visa a:
•
promover a participação e o envolvimento dos trabalhadores e suas organizações
sindicais na observação;
•
contribuir para a organização e ação desses trabalhadores frente aos efeitos da
globalização;
•
gerar um conjunto de informações sobre a empresa para alimentar a base de dados do
Observatório Social; e
•
gerar uma proposta de acompanhamento da Observação.
3.3. Procedimentos Metodológicos
3.3.1. Os temas, suas centralidades e os indicadores utilizados
O Obervatório adota uma quadro teórico metodológico que articula o conteúdo das
Convenções da OIT, as centralidades de observação em cada uma delas e, finalmente, os
indicadores que permitiram construir instrumentos para levantamento de dados primários e
orientar o levantamento de dados secundários.
Este esforço resultou no seguinte quadro, que será detalhado no capítulo 5:
QUADRO 1
CONVENÇÕES DA OIT – TEMAS E CENTRALIDADE
Convenções
Centralidade
Liberdade
Sindical Verificar a liberdade de organização dos trabalhadores sem
(C. 87 e C. 135)
interferência dos empregadores
Negociação Coletiva Assegurar o direito de todos os trabalhadores à negociação
(C. 98 e C. 151)
coletiva sem interferência
Trabalho Forçado
Identificar trabalho exercido por meio de coação ou castigo
(C. 29 e C. 105)
Trabalho Infantil
Assegurar a efetiva abolição do trabalho infantil
(C. 138)
Discriminação
de Estabelecer a igualdade de oportunidade entre sexo, origens
Gênero e Raça
raciais, religião e opinião política, ascendência
(C. 100 C. 111)
Meio Ambiente
Verificar a adequação do meio ambiente interno e externo à
(C. 148, C. 155, C. saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores e da
170, C. 174)
vizinhança
12
À partir das relações entre as Convenções e suas centralidades, foi possível desenvolver
indicadores que serviram de base para a construção de um roteiro de entrevistas e para
orientar o levantamento de dados secundários.
Tendo em vista que no levantamento preliminar de potenciais problemas relacionados às
Convenções que estabelecem os direitos fundamentais no trabalho, considerou-se
improvável haver o emprego de trabalho forçado nos Supercenters, assim como define a
OIT nas convenções 29 e 105, decidiu-se não tratar desse tema nos procedimentos de
pesquisa.
3.3.2. A Pesquisa de Campo
A realização da pesquisa centrou-se em três Supercenters do Wal-Mart, situados em
Osasco, Bauru e no bairro Pacaembú, em São Paulo, todos no Estado de São Paulo. Dado o
montante de recursos alocados para a efetivação do trabalho, as razões que levaram à
escolha dessas unidades foram: 1) o interesse das entidades sindicais em participar do
projeto, apoiando seu desenvolvimento; e 2) a comparação de unidades localizadas numa
região metropolitana (São Paulo e Osasco) e no interior do Estado (Bauru), e possíveis
diferenças em relação ao cumprimento dos direitos sociais básicos. A escolha dos
Supercenters, deixando de lado as unidades SAMs Club do Wal-Mart, deve-se ao interesse
em privilegiar o estudo do segmento de hipermercados dentro do comércio varejista.
A pesquisa de campo nas unidades do Wal-Mart de Osasco e Bauru foi realizada através de
um encontro chamado de Oficina Sindical e de entrevistas abertas. Participaram da Oficina
Sindical dirigentes dos sindicatos de comerciários dessas cidades e trabalhadores
convidados pela direção sindical. Consistiu numa atividade de grupo onde os participantes
discutiram os temas das Convenções da OIT e apontaram as questões mais relevantes para
o caso em estudo.
As entrevistas, por sua vez, seguiram roteiros elaborados com base nos indicadores
relativos aos direitos sociais básicos. Foram definidos roteiros de entrevistas específicas
para trabalhadores, sindicalistas e representantes da empresa. Nesse ponto, agregou-se à
pesquisa a atuação do Wal-Mart na cidade de São Paulo, tendo sido entrevistados dirigentes
sindicais do Sindicato dos Empregados no Comércio dessa cidade.
Os roteiros de entrevista foram formulados de forma a cobrir o conjunto das Convenções da
OIT, implicando em entrevistas relativamente longas e envolvendo temática variada. A
metodologia deu ênfase ao levantamento de dados qualitativos. O objetivo era o de levantar
os problemas reais ou potenciais existentes, mais do que comprovar estatisticamente a
freqüência com que esses problemas ocorrem.
A pesquisa perseguiu uma estratégia participativa, procurando envolver os dirigentes
sindicais e trabalhadores em diversas etapas. Na realização das entrevistas, os trabalhadores
entrevistados foram contactados através de lideranças sindicais, com ou sem cargo sindical
naquele momento. A orientação para o convite aos trabalhadores era no sentido de se ter
13
um grupo heterogêneo em termos de setores de trabalho, atributos pessoais relativos ao
sexo e raça, e preferencialmente empregados do Wal-Mart no momento da entrevista.
Na unidade de Osasco foram entrevistados 12 trabalhadores, incluindo um gerente de
departamento, e dois dirigentes sindicais. Na unidade de Bauru, foram entrevistados oito
trabalhadores, um deles em cargo de gerência, um assessor sindical e um diretor do
sindicato. Em São Paulo foram entrevistados quatro dirigentes sindicais e três trabalhadores
do Supercenter Pacaembú.
Como já foi dito anteriormente, apesar de se buscar a participação da empresa e dos
retornos positivos dados pelo presidente do Wal-Mart, os problemas de agenda
inviabilizaram a participação nas etapas da pesquisa.
3.3.3. Levantamento de Dados Secundários
Com o objetivo de caracterizar a empresa, sua dimensão, histórico e características, foi
realizado um levantamento de dados secundários com enfoque em informações econômicas
e financeiras da Wal-Mart.
A identificação e busca de documentos públicos foi um instrumento utilizado para apoiar a
verificação do desempenho da empresa em relação aos direitos fundamentais no trabalho,
meio ambiente, saúde e segurança ocupacional. Entre as fontes de documentos estão os
próprios sindicatos, órgãos públicos responsáveis pela fiscalização do trabalho e do meioambiente, a internet e publicações impressas.
14
4. PERFIL DO SETOR E DA EMPRESA
A justificativa para a escolha da Wal-Mart Brasil, feita na introdução desse relatório,
ressalta sua dimensão e importância no contexto do setor do comércio varejista. O objetivo
deste capítulo é situar a empresa no contexto mais amplo do setor do comércio varejista e
descrevê-la com mais detalhes, realçando o seu gigantismo, a rapidez com que ela se
expande em todo o mundo e a forma com que veio se instalar no Brasil.
4.1. Transformações do setor do comércio varejista2
A liberalização e a reestruturação econômica do capitalismo contemporâneo têm gerado
importantes modificações no setor do comércio varejista em nível internacional. Esses
fatores contribuíram para o aumento das aquisições estrangeiras por fusão e aquisição de
empresas, o que, por sua vez, tem levado à implantação de circuitos modernos de
distribuição, baseados em novas tecnologias, estilos inovadores de gestão, enfoques
diferenciados a respeito do trabalho e novos sistemas de emprego3. Os impactos dessas
transformações setoriais no emprego e no trabalho são extremamente relevantes,
condicionando o comportamento das empresas em relação aos direitos fundamentais dos
trabalhadores.
A internacionalização do capital é uma das grandes tendências do setor varejista em escala
global. As fusões e aquisições internacionais formam o grosso dos investimentos
estrangeiros diretos nas principais economias desenvolvidas, passando de US$ 1,7 bilhão
em 1991 para quase US$ 18 bilhões em 1998.4 Algumas empresas se destacam nessa onda:
Wal-Mart (EUA), The Gap (EUA), Toys ‘R’ Us (EUA), Metro Group AG (Alemanha),
Carrefour AS (França), Pinault-Printemps-Redoute (França) e Jasco Co. Ltd. (Japão).5
Portanto, a internacionalização está sendo acompanhada da maior concentração do capital
em mãos de grandes grupos internacionais, como é o caso do Wal-Mart. A OIT chegou à
conclusão de que empresas locais das economias emergentes encontram mais dificuldades
que as dos países industrializados na hora de competir com empresas multinacionais. No
caso do Brasil, os grupos estrangeiros obtém altos lucros, bem maiores que nos países de
origem, em função dos custos unitários reduzidos, grande poder de negociação com
fornecedores, altos níveis de produtividade. A possibilidade de melhorar a produtividade do
trabalho nos supermercados e hipermercados brasileiros tornaria essas atividades atrativas
para as empresas multinacionais.6
2
Esta seção baseou-se no documento da OIT entitulado Las repercusiones de la mundialización y de la
reestructuración del comercio en la esfera de los recursos humanos; informe para la discusión de la Reunión
tripartita sobre las repercusiones de la mundialización y de la reestructuración en la esfera de los recursos
humanos. Genebra, 1999.
3
Idem, p. 3.
4
Idem, p. 24
5
Idem, p. 26.
6
Idem p. 42-44.
15
Outra tendência importante para o setor é o da integração das relações entre os setores
industrial, atacadista e varejista, com base em novas tecnologias que enfatizam a resposta
imediata ao consumidor. As empresas modernas tendem a transferir para os fornecedores,
atacadistas ou fabricantes, grande parte da responsabilidade, por garantir a disponibilidade
do produto nas lojas. Os sistemas informatizados de contabilidade e controle de estoques e
a transmissão eletrônica de dados permitem que essa integração atinja alto grau de
sofisticação. A integração entre comércio varejista e a indústria também assume a forma
das chamadas “marcas próprias”, para as quais as empresas varejistas assumem uma série
de funções que antes eram atribuídas ao fornecedor, desde a concepção do produto,
avaliação dos custos etc.
Nos últimos anos, também se notou a liberação do mercado em escala mundial, não só no
que tange às normas para a movimentação do capital, quanto à flexibilização de normas de
funcionamento. Especial destaque se deve à flexibilidade dos horários de funcionamento do
comércio. Avaliando esse processo, a OIT chega a algumas conclusões que reforçam a
preocupação com o pequeno comércio, já que as grandes empresas estariam melhor
capacitadas para assumir as cargas derivadas do prolongamento do funcionamento. Por
outro lado, a liberalização do horário geraria maior bem-estar para os consumidores e
aumento no emprego, devido ao incremento da mão-de-obra mínima indispensável para o
funcionamento. No entanto, as condições em que esse trabalho é prestado dependem da
forma como é regulamentado em lei e pela força de negociação dos trabalhadores e suas
organizações, que se supõe seja bastante reduzida, dado o nível de sindicalização e de
precarização das relações de trabalho.7
Nesse contexto de globalização dos circuitos de distribuição, as relações trabalhistas sofrem
uma grande pressão. O setor do comércio tradicionalmente apresenta as características
associadas a baixos níveis de sindicalização, predomínio de pequenas empresas, grande
participação de mulheres entre os empregados, alta rotatividade da mão-de-obra e grande
proporção de trabalhadores a tempo parcial e empregos voláteis. Nos EUA, por exemplo, se
no conjunto dos setores a sindicalização alcançava 13,9% dos trabalhadores em 1998, no
setor varejista este percentual se reduzia a 5,2%. As mudanças na estrutura econômica, na
tecnologia e nos fatores demográfico e geográfico do comércio varejista colocam novos
obstáculos para a sindicalização. As causas seriam as fusões e o redimensionamento do
pessoal empregado, o emprego de jovens e os contratos a tempo parcial, a dispersão da
atividade comercial em direção aos subúrbios e a introdução de tecnologia que substitui a
mão-de-obra8.
Uma das possibilidades abertas para a negociação coletiva é a extensão da ação sindical à
todos os elos da cadeia de fornecimento, em virtude da maior integração desde o varejista
até o fabricante, passando pela estrutura de distribuição. Os centros de distribuição das
redes podem ser um ponto privilegiado para a ação sindical, uma vez que são menos
numerosos, centralizados e acessíveis a campanhas de sindicalização.9
7
Idem p. 54-55.
Idem, p. 84-85.
9
Idem, p. 86.
8
16
A liberalização do comércio e dos movimentos de capital também acentuaram os laços
entre o varejo dos países centrais e os setores produtivos dos países em desenvolvimento.
Nestes últimos anos vem se concentrando a produção de bens de baixa tecnologia dirigidos
para os mercados consumidores dos países centrais. Por outro lado, a globalização está
relacionada à expansão de microempresas e à escalada da utilização de trabalhadores
eventuais em países em desenvolvimento, dentro dos circuitos de distribuição. A
combinação desses dois processos aumenta as possibilidades de empresas multinacionais
utilizarem indiretamente os trabalhadores do setor informal, através da subcontratação,
inclusive trabalhadores a domicílio e crianças na ponta final das grandes cadeias mundiais
de produção e distribuição.
Além disso, a liberdade de movimento dos capitais torna mais fácil para as empresas
multinacionais obstaculizar a sindicalização e outros direitos dos trabalhadores, tanto nos
países industrializados como nos países em desenvolvimento. Vários informes e estudos
assinalaram as violações dos direitos dos trabalhadores por parte dos fornecedores de
empresas varejistas multinacionais, entre eles a Wal-Mart, K-Mart, J.C. Penney, May
Department Stores, Esprit, Nike y Guess.10
4.2. Supermercados no Brasil
No Brasil, a Wal-Mart atua principalmente no segmento de supermercados, dentro do
comércio varejista. Nos últimos anos, a dinâmica desse segmento foi influenciada pelo
ritmo de atividade geral da economia. Ao mesmo tempo, as transformações do setor de
comércio se acentuaram, com o crescimento dos shopping centers, supermercados,
hipermercados e a crescente segmentação dos formatos de varejo. A importância dos
estabelecimentos que funcionam em sistema de auto-serviço, como os hiper e
supermercados, consolidou-se.
A evolução das vendas do segmento de hiper e supermercados mostrou-se positiva no
período 94-96, beneficiando-se dos efeitos do Plano Real sobre o poder aquisitivo da
população, com crescimento de 65,5%. De 1996 para 1997 as vendas ficaram praticamente
constantes, com leve aumento de 0,22%. Mesmo assim, é preciso registrar que o setor tinha
sofrido uma retração do valor das vendas no início da década de 90 e apenas em 1995 o
valor equiparou-se ao verificado no final da década de 80.
A Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) estima que as vendas totais do setor
de hiper e supermercados alcançou os US$ 46,6 bilhões em 1997. Cerca de 74,5% desse
valor, US$ 34,7 bilhões, é representado pelas vendas das 300 maiores empresas, que
operam 3.187 lojas, com 4,1 milhões de m2 de área de venda e empregam cerca de 260 mil
trabalhadores. Os mesmos dados para o grupo das 20 maiores empresas são: US$ 21
bilhões em vendas, 858 lojas, 2,2 milhões de m2 de área e 127 mil funcionários.
Na década de 90, as maiores empresas do setor reduziram significativamente o número de
lojas e o número de funcionários. A área de vendas, que também sofreu esse impacto, aos
10
Idem, p. 91.
17
poucos foi sendo ampliada novamente, ao ponto de ter alcançado, em 1997, o mesmo
patamar existente no início dos anos 90.
O setor tem uma grande importância para o nível de emprego, como mostra o contingente
de 267 mil trabalhadores empregados somente pelas 300 maiores empresas em 199811. No
entanto, o número de postos de trabalho veio caindo ao longo da década de 90, ao mesmo
tempo em que os indicadores de desempenho mostraram melhorias significativas. Nesse
período houve redução no número de empregados por 100m2 (de 7,3 em 1990, para 6,2 em
1998), redução do número de empregados por check-out (de 7,3 para 6,7) e elevação do
faturamento por empregado (de R$ 96 mil para R$ 143 mil). A elevação da produtividade é
atribuída à reestruturação das empresas, com aumento dos investimentos em modernização
e automação comercial.
Dada a importância que se atribui à qualidade da mão-de-obra no sentido da diferenciação
entre empresas, a eficiência e a qualidade dos serviços prestados, considera-se que a
tendência do setor é aumentar as ações de qualificação e treinamento do pessoal
empregado. Os recursos humanos teriam importância em aspectos como a prevenção de
perdas por roubo, degustação, acomodação do produto nas gôndolas, refrigeração, data
vencida e na administração de estoques. Neste sentido, o Wal-Mart é citado como um
exemplo de empresa que busca maior envolvimento dos funcionários com a operação
eficiente e a obtenção de resultados.
Outra tendência que se torna visível nos dados sobre as empresas do setor supermercadista
é a concentração e centralização do capital. De 1994 até 1998, o percentual do faturamento
do setor representado pelas 10 maiores redes passou de 47% para 57% do total. Nesse
mesmo período, as vinte maiores empresas ampliaram sua participação no faturamento do
setor de 57% para 67%12. Trajetórias semelhantes se verificam no número de lojas e na área
de vendas13.
Apesar dessa tendência estudos também mostram que o mercado brasileiro é menos
concentrado que o de outros países. Enquanto no Brasil as cinco maiores empresas
respondem por 37% das vendas do setor, na França esse percentual é de 70% e na
Inglaterra de 60%.
No Brasil, o setor se concentra na região Sudeste, que foi responsável por 56% do
faturamento das 300 maiores empresas em 1997, 49% da área de vendas, 36% do número
de lojas e 49% do número de funcionários.
Em 1997, as maiores empresas, em faturamento, eram o Carrefour, com R$ 5,5 bilhões,
seguido do Pão de Açucar, com R$ 3,6 bilhões, e do Bompreço, com R$ 2 bilhões. A
classificação por área de vendas seguia a mesma ordem nas primeiras três posições. Em
termos de número de lojas, entretanto, o Pão de Açucar aparecia em primeiro lugar, com
11
ABRAS. Revista Super-Hiper. Mai/99. Cit. In: DIEESE. Caracterização, tendências e desempenho do
segmento supermercadista do Brasil: 1990/98. São Paulo. Set/1998. P. 4.
12
DIEESE. A reestruturação produtiva no comércio. São Paulo. Estudos Setoriais nº10. Dez/99. P. 9.
13
BNDES. Hiper e supermercados no Brasil. Mimeo. Dez/98.
18
238 unidades, seguida pelo Bompreço (93 lojas) e o Carrefour aparecia em 5º lugar (49
lojas).
O comércio sempre apresentou poucas barreiras à entrada e, por isso, é considerado
altamente competitivo. No entanto, a chegada de grandes redes varejistas internacionais ao
país acirrou ainda mais a concorrência, que se dá pelo preço, crédito ao consumidor,
qualidade dos serviços e entre formatos de lojas (p/ ex. hipermercados versus
supermercados versus padarias etc).
A resposta de pequenos e médios varejistas ao avanço dos hipermercados passaria pela
atuação em conjunto e/ou a associação com grandes atacadistas. Na França e Inglaterra, leis
foram criadas para regulamentar a expansão dos grandes varejistas, normalmente
vinculadas à revitalização de zonas centrais das cidades.
O setor está passando por reestruturação, para acompanhar as mudanças conjunturais e
estruturais, as mudanças tecnológicas, as preferências dos consumidores e a entrada de
empresas estrangeiras. Algumas medidas adotadas são: profissionalização, investimentos
em automação comercial e em tecnologia de informação, mudança dos modelos de gestão,
otimização da logística e da área de vendas, ampliação das formas de crédito ao
consumidor e melhorias na qualidade do atendimento. Outra medida é a compra de
empresas menores e a associação com empresas estrangeiras.
O Brasil é considerado atraente para a instalação de novas redes por apresentar grande
mercado, potencial de expansão, baixo poder de competitividade das empresas locais e
legislação sem restrições à entrada de novos agentes. Além disso, conta o sucesso obtido
pelas redes estrangeiras já instaladas aqui.
Algumas estratégias estão sendo adotadas pelas empresas no Brasil: expansão visando a
obter ganho de escala, o que gera um movimento de aquisição de empresas; centralização
da distribuição (embora em muitos casos ainda se adote a descentralização do
fornecimento); a implantação de tecnologias de automação e de comunicação, integrando
os processos administrativo, comercial e financeiro, inclusive com os fornecedores; o
estabelecimento de parcerias com os fornecedores, o desenvolvimento de marcas próprias e
a globalização do fornecimento (embora os importados representassem 5% do faturamento
em 1997); as melhorias no gerenciamento de categorias; e a implantação de programas de
fidelização de clientes.
4.3. A Wal-Mart
A Wal-Mart Stores Inc. destaca-se no panorama empresarial mundial pelo seu tamanho,
sendo uma das maiores empresas do mundo e a líder mundial no setor do comércio
varejista. Tomando por base o faturamento, a revista Fortune colocou-a em oitavo lugar
entre as 500 maiores empresas em 1997. Esse mesmo indicador a colocaria entre as 10
maiores corporações transnacionais, ao lado de gigantes como a General Motors, Ford,
Mitsui e Shell. Ela só não ocupa oficialmente este posto por não ter, ainda, uma grande
expressão transnacional, já que concentra suas operações num só país, os Estados Unidos, e
ter relativamente pequena expressão no restante do planeta.
19
TABELA 1
A WAL-MART ENTRE AS MAIORES EMPRESAS DO MUNDO
CORPORAÇÃO
SETOR
VENDAS
(US$
BILHÕES)
General Motors
Automotivo
178,2
Ford Motor Company
Automotivo
153,6
Mitsui & Co.
Diversos
132,6
Royal Dutch / Shell Group Petróleo
128,0
Exxon Corporation
Petróleo
120,3
Itochu Corporation
Comércio internacional
117,7
Wal-Mart Inc.
Varejo
104,8
Marubeni Corporation
Comércio internacional
103,3
General Eletric
Eletrônico
90,8
Toyota
Automotivo
88,5
Fonte: UNCTAD. World Investment Report 1999. Foreign Direct Investment and
the Challenge of Development. pp. 2-4. WAL-MART. Wal-Mart Shareholder
Report, 1998. pp. 20-21.
O Wal-Mart é uma empresa jovem, que soube crescer acelerada e continuamente até
alcançar a posição de liderança que hoje desfruta. Foi fundada em 1962 por Sam Walton e
seu irmão, no estado de Arkansas, EUA. Após um período inicial, de crescimento
relativamente lento, passou a se expandir aceleradamente na década de 70, abrindo suas
lojas principalmente em cidades norte-americanas com menos de 25 mil habitantes.
Em termos de modalidades de lojas, a Wal-Mart começou atuando com lojas de varejo de
descontos, caracterizadas por oferecer produtos com baixos preços, as Wal-Mart Stores
(Discount Stores). Depois, na década de 80, criou o SAM´s Club, que vende produtos no
atacado e em sistema de auto-serviço, funcionando como um clube de compras, ao qual se
associam comerciantes e famílias, mediante o pagamento de uma taxa mensal. Também
nessa época passou a abrir os Supercenters, que agregam conceitos de grandes
supermercados e loja de departamentos, com área de 20.000m2 e cerca de 50.000 itens
diferentes. Em 1990, a Wal-Mart adquiriu a McLane´s Company, que se encarrega da
distribuição de mercadorias nos Estados Unidos, através de centrais de distribuição.
Com base nesses tipos de unidades, a empresa se organiza em cinco divisões distintas: WalMart Stores, Wal-Mart Supercenters, Sam´s Club, McLane´s Company e Wal-Mart
International14.
A estratégia da empresa é caracterizada pela operação com baixos custos operacionais, alto
nível de envolvimento dos empregados, baixos preços, grande poder de barganha com
fornecedores e presença no território norte-americano, principalmente em pequenas e
médias cidades15.
14
15
KOTABE, Massaki. Wal-Mart Operations in Brazil. 1997.
Idem. p. 3.
20
Apesar de estar se expandindo internacionalmente, é no mercado norte-americano que a
empresa realiza a maior parte do seu faturamento, mais precisamente, 91,1% do total das
vendas são efetuadas naquele país (US$ 125,4 bilhões em 1999). A rede de lojas do WalMart, composta por nada menos do que 2.884 unidades, alcança todos os 50 estados norteamericanos. Em termos de tipo de lojas, predominam as Discount Stores, representando
64,8% do total de estabelecimentos e respondendo por 69,3% do faturamento da empresa
naquele país. É interessante notar que esse tipo de loja inexiste no Brasil e em outros países
em que ela atua, tais como a Argentina, China, Coréia do Sul e Alemanha.
Em termos de número de empregados, o relatório da companhia registra um total de
910.000 trabalhadores empregados na Wal-Mart em 1999.
4.4. Expansão Internacional
A atuação da Wal-Mart fora dos Estados Unidos iniciou-se em 1991, com a abertura de
lojas no México. Em 1994 foi criada a Divisão Internacional, mesmo ano em que a empresa
chegou ao Brasil. Atualmente, a Wal-Mart está presente, além dos EUA, em outros nove
países: Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Inglaterra, México e
Porto Rico. A velocidade da expansão internacional da empresa também pode ser vista pelo
número de unidades instaladas fora dos EUA, que saiu do zero para mais de 700 em apenas
sete anos (sem contar as 229 unidades adquiridas do grupo britânico ASDA em 1999).
Na sua expansão internacional, a Wal-Mart tem procurado controlar seus investimentos
isoladamente, sendo que apenas na China e na Coréia do Sul a empresa formou joint
venture com outros investidores. Embora a companhia tenha se estabelecido no Brasil e no
México em sociedade com grupos empresariais locais, tais alianças acabaram sendo
desfeitas em 1997, quando a Wal-Mart assumiu o controle integral do capital dessas
subsidiárias. Nos outros países, a Wal-Mart adquiriu redes locais, como por exemplo no
Canadá e na Alemanha, ou implantou suas próprias lojas, como na Argentina e, de certa
forma, no Brasil.
TABELA 2
A REDE WAL-MART
LOJAS NOS ESTADOS UNIDOS
FORA
WALANOS
TOTAL
SUPER
SAM’S
DOS EUA
TOTAL
MART
CENTERS CLUB
STORES
1990
1.528
1.399
6
123
0
1.528
1993
2.138
1.848
34
256
10
2.148
1995
2.558
1.985
147
426
226
2.784
1996
2.667
1.995
239
433
276
2.943
1997
2.740
1.960
344
436
314
3.054
1998
2.805
1.921
441
443
601
3.406
1999
2.884
1.869
564
451
715
3.599
Fonte: WAL-MART. Wal-Mart Shareholder Report, 1999. pp. 18-19.
21
Dentro da estratégia da empresa, a atuação internacional é vista como uma maneira de
aprendizagem organizacional através da disseminação, nas unidades da rede, das ações
desenvolvidas em função de problemas encontrados em diferentes situações e contextos
nacionais. Os executivos mundiais da empresa esperam que em cinco anos a Divisão
Internacional deverá responder por 1/3 do incremento total das vendas e ganhos da
companhia16.
4.5. Desempenho Econômico e Financeiro
As vendas totais da empresa têm crescido continuamente na última década, em taxas que
chegaram a superar os 28% ao ano no início do período. O mesmo quadro favorável
ocorreu com o resultado líquido da companhia e seu ativo total. Nos últimos anos, o
crescimento desses indicadores financeiros foi menos acelerado, com as vendas
aumentando cerca de 15% ao ano. Mesmo assim, tais percentuais e, sobretudo, o
incremento em termos absolutos permanecem significativos. Por outro lado, os indicadores
de rentabilidade e lucratividade da empresa tiveram uma trajetória declinante ao longo da
década, ensaiando uma recuperação nos últimos dois anos.
TABELA 3
WAL-MART, INDICADORES FINANCEIROS
ANOS
1988
1990
1993
1995
1996
1997
1998
1999
VENDAS
LÍQUIDAS
(US$
Milhões)
15.959
25.911
55.484
82.494
93.627
104.859
117.958
137.364
RESULTADO
LÍQUIDO
(US$
Milhões)
628
1.076
1.995
2.681
2.740
3.056
3.526
4.430
ATIVOS
TOTAIS
(US$
Milhões)
RENTABILIDADE (%)
DO
DO
ATIVO
PATRIMÔNIO
LÍQUIDO
5.132
8.198
20.565
32.819
37.541
39.607
45.384
49.996
13,7
14,8
11,1
9,0
7,8
7,9
8,5
9,6
31,8
30,9
25,3
22,8
19,9
19,2
19,8
22,4
LUCRATIVIDADE
DAS
VENDAS
(%)*
3,9
4,2
3,6
3,2
2,9
2,9
3,0
3,2
*resultado líquido/vendas líquidas
Fonte: WAL-MART. Wal-Mart Anual Report, 1999. pp. 18-19.
O crescimento das vendas nos últimos anos foi atribuído à expansão da rede de lojas, tanto
nos Estados Unidos quanto fora dele. O faturamento da empresa no último biênio aumentou
cerca de US$ 33 bilhões, sendo US$ 25,5 bilhões obtidos no país-sede e os restantes US$
7,2 bilhões pela Divisão Internacional. Ou seja, a maior parte do aumento das vendas da
empresa se originou das operações no mercado norte-americano. Entretanto, em termos
relativos, o crescimento das vendas nos EUA (de 12% ao ano) tem sido menor do que o
16
WAL-MART. Wal-Mart Annual Report, 1999. p 5.
22
verificado nos outros países (56% de crescimento anual). Com isso, a Divisão Internacional
alcançou a marca de 8,9% do total de vendas em 1999, frente a 6,3% no ano anterior.
A expansão da Divisão Internacional vem se dando principalmente com a aquisição de
redes de supermercados e hipermercados, o que não descarta a via da instalação direta de
rede própria, como ocorreu no Brasil. Em termos de aquisições, a Wal-Mart adquiriu 51%
do capital da principal rede varejista mexicana, a Cifra, em setembro de 1997. Ao final do
mesmo ano, comprou a cadeia de hipermercados alemã Wertkauf, passando a operar suas
21 unidades, no que significou a entrada da companhia no mercado europeu. No ano de
1998 continuou sua penetração na Europa, com a compra de outra rede alemã de
supermercados, a Spar Handels, com 74 lojas, e a compra do grupo Asda, a terceira maior
rede de varejo do Reino Unido, com 229 lojas. No Brasil, adquiriu a participação
minoritária que as Lojas Americanas detinham no capital da Wal-Mart do Brasil, também
em dezembro de 1997, tornando-se única proprietária da filial local. Refletindo essa
ampliação, os ativos da empresa fora dos Estados Unidos passaram de US$ 2,9 bilhões em
1997 para US$ 7,4 bilhões em 1998.
4.6. A Wal-Mart do Brasil
A Wal-Mart atua no Brasil através da sua subsidiária Wal-Mart do Brasil Ltda, criada em
junho de 1994 como uma joint venture com a Lojas Americanas. O primeiro SAM’s Club
foi aberto em maio de 1995 e o primeiro Supercenter começou a funcionar seis meses
depois. Atualmente, a empresa tem 16 unidades, todas na região Sudeste, e emprega
aproximadamente seis mil trabalhadores. Em 1998 a empresa faturou R$ 780 milhões, o
que a colocava na oitava posição do ranking de supermercados segundo o faturamento
bruto17.
A Wal-Mart atua no Brasil com dois tipos de estabelecimentos, os Supercenters e os
SAM’s Club, além de um centro de distribuição. Além de não existirem, aqui, lojas do tipo
Discount Stores, o peso dos produtos alimentícios nos Supercenters instalados no Brasil é
maior do que o verificado nos americanos. O próprio layout das lojas é diferente do estilo
norte-americano com o sentido de adequá-lo às preferências do consumidor brasileiro18.
Esse processo de adaptação foi iniciado com a inauguração do Supercenter de São
Bernardo do Campo, em agosto de 1997, que teria servido de base para a remodelação das
demais lojas.
A rede instalada da Wal-Mart do Brasil, em maio de 2000, se compunha das seguintes
unidades:
Wal-Mart Supercenter: 10 lojas
• Osasco – (SP) – aberta em novembro/1995
• Santo André – (SP) – aberta em novembro/1995
• Bauru – (SP) - aberta em julho/1997
17
18
Revista SuperHiper maio/99.
GAZETA MERCANTIL. PANORAMA SETORIAL: Análise Setorial, supermercados. set/98. v.II p.67.
23
•
•
•
•
•
•
•
São Bernardo do Campo – (SP) – aberta em agosto/1997
Ribeirão Preto – (SP) - aberta em setembro/1997
Pacaembú – (São Paulo/SP) – aberta em outubro/1998
Central Plaza – (São Paulo/SP) – aberta em outubro/1998
São José dos Campos – (SP) – aberta em novembro/1998
Curitiba – (PR) – aberta em novembro/1998
Aricanduva – (São Paulo/SP) – aberta em abril/2000
SAM’s Club: 6 unidades
• São Caetano do Sul – (SP) – aberta em maio/1995
• Santo André – (SP) – aberta em outubro/1995
• Osasco – (SP) – aberta em novembro/1995
• Santo Amaro – (SP) – aberta em julho/1998
• Curitiba – (PR) – aberta em novembro/1998
• Niterói – (RJ) – aberta em março/2000
Um fato importante da trajetória da empresa no Brasil foi a aquisição, pela própria WalMart Inc., da parcela minoritária do capital (40%) que as Lojas Americanas possuíam no
capital da subsidiária brasileira. A Lojas Americanas justificou a decisão da venda dessa
participação como uma medida necessária para concentrar esforços e recursos na rede de
lojas próprias19.
A respeito do desempenho da Wal-Mart do Brasil, as informações provenientes de fontes
secundárias (a empresa não publica seus balanços) dão conta de um início de atividades
caracterizada por prejuízos da ordem de R$ 16 milhões em 1995 e de R$ 32 milhões em
199620. O presidente da empresa, Vicent Trius, declarou que a empresa teve prejuízo em
1997 e lucro em 1998.
Entre os fatores que podem ter causado este desempenho negativo são citados a acirrada
concorrência no mercado em que a empresa se instalou, o peso da estrutura administrativa,
montada em função de um número muito maior de unidades, e dificuldades da área de
logística, particularmente o nível de operação do centro de distribuição (situado em Itapeví,
SP)21.
As expectativas iniciais de que o Wal-Mart teria grande sucesso foram revistas depois que
os problemas começaram a surgir, tais como a falta de produtos nas prateleiras, acusações
de propaganda enganosa, acusações de dumping pelos fornecedores, insatisfeitos com a
venda de produtos a preços inferiores aos custos de produção22.
19
Idem.
Cifras não confirmadas pela empresa. Idem, p.66.
21
Idem.
22
KOTABE, Massaki. Wal-mart Operations in Brazil. 1997. p. 8.
20
24
A Wal-Mart desenvolve um programa de marcas próprias como forma de “fidelizar”23 os
consumidores às lojas e estreitar o relacionamento com fornecedores. Até meados de 1998,
126 itens tinham sido incluídos nesse programa no Brasil, envolvendo fornecedores locais
como a Ceval, Café Bom Dia, Ducôco, Camil e Usina da Barra24. Os produtos recebem a
marca Great Value e se caracterizam por terem preços menores que os similares das marcas
líderes.
Nos planos da Wal-Mart, a expansão da rede de lojas no ano 2000 se dará pela abertura de
mais quatro novas lojas: um Supercenter e um SAM’s Club em Contagem (MG) e no Rio
de Janeiro (RJ).
Os principais concorrentes da Wal-Mart no mercado nacional são a rede Carrefour, que
tinha 39 lojas em 1997, e o Pão-de-Açucar. Com o SAM´s Club concorre o Makro, de
capital holandês e brasileiro, com 25 lojas para atender clientes que se associam sem a
cobrança de qualquer taxa.
4.6.1. Histórico do Wal-Mart em Bauru
Em outubro de 1996, circularam na cidade de Bauru as primeiras notícias sobre a instalação
do Supercenter, com previsão de início de funcionamento para o primeiro trimestre de
1997. Seriam investidos US$ 20 milhões no empreendimento, gerando 600 empregos na
fase de construção e, posteriormente, 500 empregos na fase operacional do hipermercado.
Segundo essas notícias, a iniciativa fazia parte de projeto de “interiorização da rede no
Brasil”, prevendo investimentos de U$ 100 milhões em quatro cidades do Estado de São
Paulo25.
As opiniões sobre os impactos da chegada do Wal-Mart em Bauru se dividiram. Por um
lado, a diretoria da empresa não descartava efeitos colaterais de sua estratégia de vender
mais barato e ampliar a oferta de consumo sobre o comércio local e da região. Em relação
aos fornecedores, o assessor de imprensa do grupo admitia a possibilidade de comprar
produtos, principalmente perecíveis, dos fornecedores da região26.
Já o representante regional da APAS (Associação Paulista de Supermercados), João
Svízzero, considerava que a chegada do grupo não traria grandes alterações para as
empresas locais27.
Difundiu-se a idéia de que a presença do grupo Wal-Mart, além de trazer mudanças no
mercado, potencializaria a vocação de Bauru como centro comercial regional.
Passado algum tempo, constatou-se que as redes locais de supermercados reagiram com um
processo de modernização que resultou no aumento de participação no mercado. As
estratégias utilizadas por essas redes foram o investimento nas instalações físicas, a
23
Este termo novo aparece na literatura especializada referindo-se a um conjunto de medidas que as empresas
estão adotando com vistas a tornar seus clientes mais fiéis aos estabelecimentos, marcas, produtos etc.
24
Idem. p.68.
25
Jornal da Cidade, "Wal-Mart vai abrir Supercenter de U$ 20 milhões na região do aeroporto" - 25.10.1996
26
Jornal da Cidade, “Wal-Mart abre seu supercenter”.
27
Jornal da Cidade, “Apas constata no Wal-Mart perfil diferente na estratégia de mercado”. s/d.
25
profissionalização da gestão e a realização de promoções.28 Outras medidas envolveram o
treinamento de funcionários, a diversificação do mix de produtos à venda, mudanças
estéticas nas lojas e implantação de serviços de atendimento ao consumidor29.
Um estudo realizado pelo Sincomércio (Sindicato do Comércio Varejista), divulgado em
abril de 1999, mostrou que o comércio varejista da cidade estava enfrentando sérios
problemas. Desde a época da chegada do Wal-Mart, em 1997, o faturamento real do
comércio em geral registrou quedas sucessivas, assim como o nível de emprego. O mesmo
não ocorria com o segmento de supermercados, que registrou crescimento do faturamento
em 1998 (2,27%) e no primeiro bimestre de 1999 (3,72%), bem como aumento na oferta de
empregos de 1997 em diante30.
Após apresentar os três primeiros meses com péssimos resultados, o Wal-Mart de Bauru
conseguiu ser a unidade da rede que obteve maiores lucros em todo o país nos anos de 97 e
98. “A loja agora concorre para ser a melhor do mundo em desempenho.”31
Entre as estratégias utilizadas pelos supermercados para enfrentar a concorrência, merece
destaque a extensão do horário de funcionamento até às 22 horas. Essa iniciativa se deu a
partir da iniciativa da Wal-Mart e foi cercada de expectativas de melhora da tendência de
queda no faturamento e no nível de empregos32. As discussões em torno da mudança no
horário de funcionamento do comércio, envolvendo empresários, poder público, Sindicato
dos Comérciários e o Sindicom se acirraram em 1998. Para o presidente do Sindicom, a lei
que estabelecia os horários do comércio estava cerceando uma vocação natural do
município, a chegada do Wal-Mart estimularia mudanças nos hábitos comerciais da cidade
e da região e a limitação dos horários de funcionamento do comércio era incompatível com
a intenção de fazer “Bauru ser consumida”33.
Em maio de 1999, o Diário de Bauru anuncia que a rede Sé Supermercados compra as dez
lojas da rede Santo Antônio (nove em Bauru e uma em Araraquara), reforçando uma
tendência à instalação dos grandes supermercados no interior do Estado de São Paulo,
região que é o segundo maior mercado consumidor do país. Segundo dados da Associação
Paulista de Supermercados (APAS), o setor supermercadista do Estado de São Paulo fatura
perto de R$ 23,5 bilhões por ano, sendo que pelo menos R$ 11 bilhões são do interior do
Estado34.
Em setembro de 1997, são anunciadas demissões no Wal-Mart. Segundo informações
extra-oficiais, chegam a setenta demissões. O assessor de imprensa do grupo informa que
se trata de trabalhadores cujos contratos são temporários, mas não divulga o número exato
de demitidos35.
28
Diário de Bauru,.“Locais têm crescimento pós-Wal-Mart” – 19.9.97
Diário de Bauru. “Concorrência forçou mudanças” pág.35 – 25.4.99
30
Diário de Bauru. “Crise, aqui?” pág.35 – 25.4.99.
31
Diário de Bauru. “Concorrência leva à modernização”. pág. 35, 25.4.99.
32
Jornal da Cidade. “Comércio luta contra as dificuldades em busca de estabilidade”. s/d.
33
Jornal da Cidade. “Horário livre do comércio vira projeto de lei” - 1998.
34
Diário de Bauru. “Agora é Sé”. pág. 21, 16.5.99.
35
Diário de Bauru. “Wal-Mart já dispensa funcionários em Bauru”. 12.9.97.
29
26
Um das preocupações da comunidade em relação às grandes redes de supermercados é a de
que passassem a adquirir seus produtos de fornecedores de outras regiões, prejudicando os
setores produtivos locais. Essa preocupação motivou uma moção de apelo aprovada na
Câmara de Vereadores, dirigida à três redes de supermercados, Wal-Mart, Sé e Makro, para
que passassem “também a adquirir gêneros produzidos ou industrializados por empresários
bauruenses, estimulando assim a atividade dos mesmos e fazendo circular melhor a riqueza
na cidade”. De todo modo, a Câmara apoiou a instalação dessas redes no município,
considerando que elas reforçariam o potencial da cidade no contexto regional.
4.6.2. O Wal-Mart em Osasco
Da mesma forma que em Bauru, a chegada das grandes redes de hipermercados
estrangeiras a Osasco foi vista pelas autoridades locais como um fator de desenvolvimento
econômico do município e geração de empregos. Por outro lado, esperava-se que o
comércio local fosse afetado negativamente pela concorrência, bem como problemas de
trânsito na área dos hipermercados (situados um ao lado do outro numa mesma avenida).
A instalação do Wal-Mart na cidade foi cercada por denúncias de irregularidades e de
problemas ambientais. Na época, início de 1995, ocorre toda uma mobilização envolvendo
entidades civis e a Delegacia Regional do Trabalho, que investigam e denunciam as
irregularidades trabalhistas cometidas indiretamente pela empresa na construção das lojas.
A constatação das irregularidades motivou o embargo da obra pela DRT/SP, por razões
como falta de equipamentos de segurança para os funcionários, presença de crianças na
obra, falta de registro em carteira e entulhos armazenados de forma inadequada36. Outro
problema levantado era a presença de resíduos de amianto no local onde as lojas estavam
sendo construídas, que tinha sido ocupado anteriormente por uma fábrica de produtos que
utilizavam esse tipo de substância. O Conselho Intersindical de Seguridade de Osasco e
Região, juntamente com as sociedades ecológicas do município, pleitearam o direito a
acompanhar a demolição do antigo prédio da Eternit, de modo a fiscalizar se a saúde dos
moradores vizinhos não seria afetada37.
A instalação do Wal-Mart também exigiu a mudança na lei de zoneamento urbano do
município, que foi negociada em troca do compromisso da empresa em construir um
pronto-socorro para a Prefeitura38.
Em novembro de 1995, o Supercenter de Osasco foi inaugurado, recebendo a saudação do
Prefeito como "parceiros do progresso" (junto com o Carrefour, que inaugurava uma de
suas lojas na mesma época)39. O Supercenter de Osasco ocupa uma área de 23 mil m2,
comercializa mais de 55 mil itens, dos quais 40% são produtos alimentícios e os outros
60% dividem-se em vestuário, eletrodomésticos, brinquedos, calçados e produtos de
limpeza40.
36
Diário de Osasco. “DRT de SP embarga obra do Wal-Mart”. 3.5.95
Diário de Osasco. “Conselho quer vigiar demolição da Eternit”.6.5.95
38
Idem. “Giglio concede alvará à empresa Wal-Mart”. 24.5.95.
39
Idem."Carrefour e Wal Mart "são muito bem-vindos".18.11.95.
40
Idem. "Wal Mart inaugura Supercenter e compara preços concorrentes". 21.11.95.
37
27
O início das operações da loja de Osasco foi considerado um sucesso, batendo um recorde
mundial em faturamento num único dia, entre as lojas da rede. O grande movimento
registrado num final de semana obrigou a rede a restringir a entrada de consumidores41.
A imprensa registrou os problemas de trânsito gerados pelo início de funcionamento dos
hipermercados do Wal Mart e Carrefour com acréscimo de mais 20 mil carros ao trânsito
local, congestionando duas avenidas próximas42. Para solucionar o problema, o DPU
(Departamento de Planejamento e Urbanismo) elaborou um projeto que custaria R$ 1
milhão aos cofres públicos.
Na época da inauguração da loja de Osasco, novo tema passa a dominar, o da concorrência
no comércio local43.
Em 1995, os pequenos mercados de Osasco se uniram para acionar judicialmente certas
empresas que acusavam de praticar preços menores para as grandes redes Wal-Mart e
Carrefour. Apontando a ilegalidade da prática de duas tabelas de preço, os pequenos
comerciantes prognosticavam a falência de 50% dos 450 supermercados da cidade e a
demissão de 2.500 trabalhadores44. Além disso, denunciavam o abuso do poder econômico
das redes através da venda de produtos com preços inferiores ao custo. No primeiro mês de
funcionamento do Wal-Mart, a queda do movimento no pequeno comércio local foi de 40%
das vendas45.
A concorrência dos hipermercados Wal-Mart e Carrefour foi apontada como principal
causa da redução do consumo nos mercados de bairro. Segundo comerciantes do setor, não
havia como competir com a política de preços adotada pelas grandes redes. “Os
hipermercados costumam baixar a margem de lucro sobre produtos que chamam mais a
atenção do consumidor, como os do gênero alimentício, e compensam a perda aumentando
o valor de outras mercadorias. Não temos como fazer o mesmo”, explicou o proprietário de
um mercado instalado no Jardim Novo Osasco, zona Sul da cidade. O financiamento desses
estabelecimentos está sendo garantido pelas compras do dia-a-dia. “Ninguém vai até o
Centro só para comprar um saco de farinha. São essas compras picadas que estão nos
salvando”, afirmou outro comerciante46.
A discussão do funcionamento do Supercenter de Osasco e do SAM’s Club aos domingos
começa em 1996, com a deliberação, por assembléia de trabalhadores, convocada pelo
Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região, que aprova a abertura do hipermercado em
alguns domingos. A assembléia deliberou sobre 13 itens que deveriam fazer parte do
acordo coletivo sobre a abertura aos domingos, incluindo o pagamento de 100% das horas
extras, a garantia de estabilidade de emprego aos atuais funcionários, cesta básica, refeição
e vale transporte. Umas das questões consideradas mais importantes era a contratação de
novos funcionários47.
41
Idem. "Movimento excessivo obriga Wal Mart a implantar sistema de rotatividade de entrada". 28.11.95.
Idem. "Hipermercados fazem trânsito na região aumentar em até 30%". 23.11.95.
43
Idem. "Concorrência favorece consumidor osasquense". 8.11.95
44
Idem. “Pequenos vão recorrer à Justiça contra fornecedores do Wal Mart e Carrefour”. 1.12.95.
45
Idem. “Comerciantes fazem protesto contra Wal Mart e Carrefour”. 6.12.95.
46
Idem. “Vendas em mercados de bairro caíram 50% em um ano”. 20.12.96.
47
Idem. “Funcionários do Wal-Mart decidem hoje sobre abertura aos domingos”. 18.9.96
42
28
No ano de 1997, a empresa Wal-Mart anunciou demissões em massa na sua rede de lojas,
atingindo 300 funcionários. No entanto, os representantes do Sindicato avaliam que só em
Osasco tinham sido demitidos mais de 200 trabalhadores. Para o Sindicato, a empresa
estava recontratando pessoal com salários mais baixos, utilizando a rotatividade como
instrumento de redução de custos48.
O Diário de Osasco revelava ainda que as vendas do comércio local continuavam a cair e,
para acirrar ainda mais a concorrência, o Wal-Mart adotava a estratégia das promoções49.
Nessa época, veio a público uma denúncia da ex-funcionária do Wal-Mart, Márcia Silva, de
que a direção da empresa a teria coagido a assinar sua carta de demissão. A empresa a
acusara de furtar produtos da loja, porém sem apresentar qualquer prova. Ela disse ter sido
mantida trancada por várias horas numa sala e em presença de um diretor, quando foi
pressionada a assinar um papel em branco somente com a data. Esse teria sido preenchido
posteriormente como um pedido formal de demissão. “Eles disseram que eu não sairia
enquanto não pedisse demissão. Fiquei com medo e assinei o papel em branco.” Márcia
informou que outras seis funcionárias foram submetidas à mesma situação50.
Em 1998, o fato marcante foi a manifestação dos trabalhadores do Supercenter, que
realizaram uma paralisação (ver item 5.2.2).
48
Idem. “Sindicato reclama de piso salarial de hipermercado”. 28.5.97.
Idem. “Supermercados dão prazo de até 90 dias aos clientes”. 26.4.97. “Concorrência reduz em 50% as
vendas nos mercados de bairro”. 28.05.97.
50
Idem. “Ex-funcionária acusa direção do Wal-Mart de coação”. 2.8.97.
49
29
5. OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO
Neste capítulo são apresentados os resultados alcançados com as três etapas da pesquisa de
campo: a) Oficina Sindical; b) entrevistas; e c) pesquisa documental. O capítulo subdividese por temas abrangidos na Cláusula Social: liberdade sindical, negociação coletiva,
trabalho infantil, discriminação contra gênero e raça, e meio ambiente, saúde e segurança
ocupacional. Para cada um desses temas, explicitam-se os indicadores criados para a sua
verificação, o conteúdo de outros documentos de caráter internacional relevantes e os
resultados alcançados na pesquisa.
Cabe salientar que as convenções da OIT dirigem-se primordialmente aos países-membros
daquela Organização, estipulando medidas gerais a serem implementadas pelos governos,
nos âmbitos legislativo e político. Outros documentos internacionais dirigem-se
especificamente às empresas, notadamente multinacionais, recomendando condutas
compatíveis com o estabelecido nas normas da OIT. Com a preocupação de reforçar a idéia
do cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho pelas empresas, fundamentou-se a
análise considerando-se os seguintes documentos: Declaração Tripartite sobre Empresas
Multinacionais e Política Social51, da OIT; Diretrizes para Empresas Multinacionais52, da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico); o Global
Compact53, da ONU (Organização das Nações Unidas); o Modelo de Código de Conduta54,
da CIOSL (Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres); e a norma SA
8000, da CEPAA (Council on Economic Priorities Accreditation Agency).
Dois documentos da própria Wal-Mart serão mencionados ao longo do texto. O primeiro é
o Código de Conduta da empresa nos EUA, lançado em 1992, que contém normas a serem
obedecidas por seus fornecedores como condição para que seus produtos sejam
comercializados nas lojas da rede.
O Código de Conduta, intitulado “Vendor Partner Standards Set Forth in 1992”55, traz na
sua introdução os princípios e valores básicos seguidos pela empresa, entre os quais
destaca-se a relação de parceria entre empregados, acionistas e administradores. Segundo o
Código, os fornecedores da Wal-Mart devem estar comprometidos com tal princípio,
aplicando-o em todas as suas relações contratuais, inclusive em subcontratações. O Código
abrange os seguintes tópicos: cumprimento da legislação nacional, emprego, ambiente de
trabalho, respeito ao meio-ambiente, compromisso em adquirir produtos norte-americanos
(“buy-american”), inspeção e certificação, direito de inspeção, confidencialidade e política
sobre brindes e gratificações.
51
OIT. Tripartite Declaration of Principles concerning Multinational enterprises and Social Policy.
[http://www.ilo.org/public/english/85multi; visitado em 3/3/2000]
52
OCDE. Guidelines for Multinational Enterprises. [http://www.oecd.gov]
53
The Global Compact – The Nine Principles.
[http://www.unglobalcompact.org/gc/unweb.nsf/webprintview/thenine.html; visitado em 8/2/2000]
54
Tradução livre do “ICFTU/ITS Basic code of Labour Practice”. Ver:
[http://www.icftu.org/english/tncscode98.html]; visitado em 3/3/2000.
55
http://www.walmartstores.com/supllier/vstand_current_standards.html; visitado em 10/4/2000.
30
Não tendo havido contato com a direção da empresa no Brasil, não foi possível saber se dos
fornecedores das lojas no país é feita alguma exigência semelhante. Afinal, o texto do
Código disponível na internet está escrito em inglês e, até mesmo pela cláusula de “buyamerican”, é nítida a sua orientação para o caso norte-americano. Nas entrevistas
realizadas, trabalhadores e sindicalistas disseram desconhecer a existência de códigos dessa
natureza no Wal-Mart, o que, no mínimo, indica a pouca divulgação interna dessa prática
de responsabilidade social. Ademais, algumas ONGs e sindicatos norte-americanos põem
dúvida sobre a efetiva aplicação do Código, desafiando a empresa a divulgar o nome e
localização das instalações das empresas fornecedoras para que possa haver fiscalização
independente do respeito aos direitos dos trabalhadores56.
O segundo documento é o Código de Ética, que os empregados do Wal-Mart no Brasil
devem assinar ao serem contratados e que estipula obrigações relativas ao comportamento
pessoal e profissional no local de trabalho. Ao contrário do anterior, esse documento é bem
conhecido dos trabalhadores entrevistados.
5.1. Liberdade Sindical
5.1.1. Indicadores e referências
A Convenção (no 87) relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito Sindical, de
1948, da OIT, tem por finalidade garantir a independência das organizações de
trabalhadores e empregadores, bem como proteger os direitos sindicais. Logo no seu artigo
2º, a Convenção 87 dispõe que:
“Os trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem
autorização prévia, de constituir organizações de sua escolha, assim como o de se filiar a
essas organizações, à condição única de se conformarem com os estatutos destas últimas”.
O Brasil não ratificou essa Convenção e o direito sindical no país decorre de dispositivos
constitucionais e legais. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, as
organizações sindicais eram sujeitas à interferência administrativa do Estado, que se
estendia da formulação de estatutos até a administração dos recursos financeiros. A nova
Constituição reduziu essa interferência mas não a eliminou, mantendo a obrigação do
registro da entidade sindical no Ministério do Trabalho, o enquadramento por categoria
profissional, a limitação a um único sindicato por categoria, a abrangência municipal da
representação e a contribuição financeira obrigatória aos sindicatos (o chamado imposto
sindical).
A Convenção (no 98) Relativa à Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de
Negociação Coletiva, de 1949, também protege a atividade sindical de discriminação em
56
Ver: National Labor Committee in Support of Worker and Human Rights (Comitê Trabalhista Nacional de
apoio aos Direitos Humanos e dos Trabalhadores), [http://www.nlcnet.org/WALMART/bangwal.html;
visitado em 7/12/99]. Walmartwatch, ou Observatório do Wal-Mart [http://www.walmartwatch.com/ ,
visitado em 7/12/99].
31
relação ao emprego. Ela estabelece que os empregos não devem ser vinculados ou
condicionados à não-filiação ou desfiliação a sindicato, e que não deve haver demissões ou
outros prejuízos aos trabalhadores por exercerem atividades sindicais. Essa Convenção
também protege contra ingerência nas atividades sindicais e estimula a negociação coletiva.
Enquanto as Convenções da OIT dirigem-se ao sistema de leis e políticas nacionais, outros
documentos traduzem o seu conteúdo para o plano das empresas, especialmente empresas
multinacionais. Um desses documentos é a “Declaração Tripartite de Princípios sobre as
Empresas Multinacionais e Política Social”, também da OIT, que dedica vários pontos ao
tema da Liberdade Sindical e Direito de Sindicalização. A Declaração Tripartite sugere que
as empresas multinacionais:
•
garantam a liberdade aos seus empregados de se filiar aos sindicatos, sem sofrer
discriminação que restrinja a liberdade sindical com relação com seu emprego; e
•
apóiem e colaborem com as organizações sindicais representativas de empregadores.
O documento “Diretrizes para Empresas Multinacionais”, da OCDE, também enfatiza esse
aspecto, ao estipular que as empresas multinacionais devam respeitar o direito dos seus
empregados de se representarem por sindicatos ou outras organizações de trabalhadores.
Ainda, no documento Global Compact, proposto pelo Secretário Geral da ONU em 1999,
as empresas são convidadas a manter e promover a liberdade sindical, nos locais de
trabalho, nos processos de negociação coletiva e na comunidade de operações.
Reafirmando os documentos anteriores, a liberdade sindical nos locais de trabalho é
materializada na garantia aos trabalhadores de poderem formar e se afiliar a entidades
sindicais sem o risco de intimidação ou represálias; o estabelecimento de políticas e
procedimentos que evitem discriminação anti-sindical (na contratação, promoção, demissão
ou transferência); e a existência de condições que permitam aos representantes sindicais
desenvolver suas funções adequadamente. No plano da negociação coletiva, o documento
propõe que as empresas reconheçam as entidades sindicais mais representativas, sem
excluir as organizações trabalhistas de menor dimensão. Das formas como as empresas
deveriam perseguir a liberdade sindical na comunidade de operações destacamos a
divulgação de sua adesão aos princípios do Global Compact e sua intenção em respeitar os
direitos fundamentais dos trabalhadores.
O Modelo de Código de Conduta sobre as práticas de Trabalho, adotado pela CIOSL e
Secretariados Internacionais, no que tange à liberdade de associação, repete a formulação
de que todos os trabalhadores tenham o direito a formar sindicatos e a eles se sindicalizar,
que os representantes dos trabalhadores não devam sofrer discriminação e lhes seja
assegurado o acesso aos locais de trabalho. Esse Modelo de Código de Conduta também
sugere que as empresas adotem uma abordagem positiva com respeito às atividades
sindicais e estejam abertas à atividades organizativas.
As mesmas preocupações são encontradas no documento SA8000, quando trata
especificamente da Liberdade de Associação. Propõe às empresas que facilitem a
associação livre e independente dos trabalhadores, mesmo onde existam restrições legais a
32
esse direito, não adotem práticas discriminatórias contra representantes sindicais e dêem
acesso aos membros dos sindicatos aos locais de trabalho.
Tanto o Código de Conduta quanto o Código de Ética da empresa não mencionam
explicitamente o direito a liberdade sindical. O Código de Conduta exige dos fornecedores
da empresa que respeitem a lei nacional, particularmente a legislação trabalhista. Já o
Código de Ética postula que a empresa está empenhada no cumprimento da legislação
relativa aos direitos humanos, mas proíbe que qualquer literatura seja distribuída ou
recebida pelos empregados no horário de trabalho.
Destacando a forma como a Convenção no 87 é interpretada por esses documentos,
reconhecidos internacionalmente, identificamos os seguintes aspectos centrais que devem
ser avaliados na conduta da empresa:
•
a liberdade da organização dos trabalhadores, sem intervenção ou interferência
empresarial;
•
o respeito ao direito de organização no local de trabalho;
•
o respeito ao direito de greve;
•
a liberdade das entidades sindicais na elaboração de seus estatutos;
•
o acesso dos dirigentes sindicais ao local de trabalho e a liberdade de comunicação com
os trabalhadores;
•
o reconhecimento das decisões da organização sindical aprovadas em assembléias.
Constituiriam violações desses direitos, no âmbito da empresa:
•
ameaçar ou praticar qualquer constrangimento ao trabalhador para que não se filie ou se
desfilie de entidades sindicais;
•
buscar impedir o trabalhador de participar de atividades sindicais;
•
a demissão de dirigentes sindicais;
•
a interferência da empresa na eleição para a direção sindical ou no próprio sindicato;
•
a repressão de movimentos grevistas através do uso da polícia ou forças privadas ou
ameaças ao emprego dos trabalhadores;
•
a contratação de trabalhadores terceirizados durante movimentos grevistas;
•
impedir os representantes sindicais de atuarem no local de trabalho e divulgarem ações
do sindicato.
Os indicadores do grau de cumprimento dos direitos previstos na Convenção seriam:
•
a existência de organização dos trabalhadores no local de trabalho;
•
a liberdade do trabalhador de optar por ser ou não sindicalizado;
•
a livre atuação de delegados sindicais;
•
o acesso do dirigente sindical ao local de trabalho;
33
•
a liberdade de difusão de informação e de comunicação;
•
a liberdade de recolhimento e repasse das contribuições financeiras em favor do
sindicato.
5.1.2. Resultado da observação
Nas entrevistas com dirigentes sindicais, as questões críticas levantadas no tocante aos
direitos de a organização sindical estavam relacionadas ao reconhecimento dos sindicatos
como interlocutores para a negociação, à pressão da empresa sobre os trabalhadores para
que não contribuíssem financeiramente com os sindicatos, à dificuldade de acesso aos
locais de trabalho e de condições para a informação dos trabalhadores.
Concretamente, as direções sindicais manifestaram sua preocupação quanto ao fato da
empresa não reconhecer os sindicatos representativos da categoria dos comerciários no
processo de negociação coletiva, descumprindo convenções coletivas em vários aspectos,
notadamente a regulamentação do horário de trabalho aos domingos e feriados.
A respeito da liberdade de filiação aos sindicatos, as entrevistas com os trabalhadores
mostram que ela existe, uma vez que a grande maioria dos entrevistados, sindicalizados ou
não, afirmaram que não se sentiam pressionados pela empresa para não se associar à
entidade sindical. Quando o entrevistado deu explicações para a sua não-sindicalização,
atribuiu a fatores como a falta de informação sobre o sindicato, o seu desinteresse pessoal e
a falta de atratividade dos serviços oferecidos pelo sindicato. Embora em menor número,
alguns entrevistados disseram ter havido pressão da empresa contrária à sindicalização.
Como a maior parte destas pessoas era filiada ao seu sindicato, pode-se supor que tal
pressão, mesmo existindo, não era suficientemente forte para impedir a filiação sindical.
Outro ponto relevante é o da liberdade para contribuir financeiramente ao sindicato. No
período de agosto a dezembro de 1999, o Sindicato dos Empregados do Comércio de Bauru
recebeu 81 Cartas de Oposição às contribuições assistencial e confederativa, carta esta que
é exigida legalmente para que o funcionário se isente das contribuições. Do total, 48 cartas
foram assinadas por mulheres e 33 por homens. Todas as cartas apresentam o mesmo
texto57, foram autenticadas no mesmo Cartório, o 1o Tabelionato de Notas de Bauru, várias
delas nas mesmas datas. Em função desse uniformidade entre as cartas, e da informação de
que exista um modelo de carta afixada no quadro de avisos do Supercenter, um diretor do
Sindicato suspeita de que a empresa esteja promovendo essa atitude dos trabalhadores.
Os trabalhadores entrevistados confirmaram a existência desses modelos de
correspondência nos murais, acompanhadas de instruções sobre como os trabalhadores
57
As 81 cartas apresentam o seguinte texto: “Ao Wal Mart Brasil Ltda. Eu, ...............................................,
RG......................................, venho por meio desta comunicar que não seja descontada a contribuição
assistencial e confederativa a partir da minha admissão, ou seja, ...................... Sem mais para o momento,
Atenciosamente, ...........................................”
34
podem proceder para que tal contribuição não seja efetuada. Mas esses entrevistados
disseram não terem sido pressionados pela gerência da empresa para que apresentassem tais
cartas, bem como julgaram não ter havido pressão sobre seus colegas, ocorrendo o mesmo
nas entrevistas com trabalhadores da loja de Bauru.
Outros problemas na conduta da empresa parecem estar relacionados ao acesso dos
representantes sindicais aos locais de trabalho e aos meios disponíveis para a disseminação
de informações do sindicato entre os trabalhadores. Este ponto é destacado pelas lideranças
sindicais das três cidades pesquisadas. Antes de mais nada, é preciso salientar o baixo nível
de organização dos trabalhadores nesses locais de trabalho: a sindicalização é escassa, há
um único trabalhador com mandato de dirigente sindical em apenas uma das duas lojas e a
atuação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), enquanto espaço de
representação dos trabalhadores, é limitada. As condições adversas para o efetivo exercício
dos direitos de liberdade sindical são agravadas com a proibição do acesso dos dirigentes
sindicais aos locais de trabalho, testemunhado nos depoimentos dos sindicalistas e
trabalhadores entrevistados. A única condição criada pela empresa para que os sindicatos
possam divulgar seus informativos entre os trabalhadores é a permissão para que material
impresso seja deixado na área de acesso dos trabalhadores aos Supercenters.
Quanto à participação dos trabalhadores em atividades sindicais realizadas fora do espaço
da empresa, os depoimentos levam a se concluir que a empresa não coloca obstáculos pois,
de uma maneira geral, os entrevistados não apontaram pressões ou represálias contra essa
participação. Em alguns casos, os trabalhadores disseram não terem sido convocados para
participar de atividades sindicais, o que pode estar relacionado ao baixo nível de
organização sindical no local de trabalho, mas também às restrições para a ação sindical
mencionadas anteriormente.
As opiniões dos trabalhadores entrevistados sobre a atitude da empresa diante da ação
sindical e a participação nas eleições sindicais se dividem. A maior parte deles considera
que a empresa não dificulta essa ação e não pressiona contra a participação de trabalhadores
no processo eleitoral. No único caso de trabalhador do Wal-Mart com mandato sindical, as
informações dão conta de que suas atividades sindicais são respeitadas pela empresa, sem
prejuízos de ordem profissional. Mas boa parte dos entrevistados prefere não se posicionar
sobre esses assuntos, dizendo nada saber a esse respeito. Isso é revelador da distância da
ação sindical em relação ao local de trabalho. Por outro lado, uma ex-funcionária, que tinha
cargo de dirigente sindical, reclamou por ter sido tratada diferentemente por sua gerência a
partir do momento em que assumiu o cargo.
Outro princípio das Convenções da OIT relativo à liberdade sindical, que pode ter sido
desrespeitado pela Wal-Mart, é o do direito de greve. Na paralisação realizada pelos
trabalhadores do Supercenter de Osasco, segundo os dirigentes sindicais, houve a
interferência da polícia para reprimir e interferir contra o prosseguimento do movimento.
Um dos dirigentes sindicais entrevistados deu o seguinte relato da atuação da empresa e da
polícia:
“Então senti isso, porque eles começaram a trazer gente de outros locais para abrir a WalMart. A polícia que abriu a Wal-Mart. Fizeram um cordão de isolamento e deixaram
35
entrar. Eu falei para o comandante que era abuso da autoridade, que a lei é clara e
tínhamos o direito de fazer piquete na porta da empresa porque a lei permite. Fizeram um
cordão na entrada para os clientes entrarem. Mas era uma atividade de protesto até o
meio-dia para a empresa abrir as negociações. Eles não queriam conversar, não estavam
cumprindo a própria convenção.”
Outra atitude da empresa relacionada a esse movimento, apontada tanto pelos dirigentes
sindicais quanto pelos trabalhadores entrevistados, foi a demissão daqueles que
participaram da paralisação. Embora não se tenha obtido informações detalhadas que
confirmem ter havido essas demissões, um dos entrevistados levantou o seguinte:
“por causa disso aí [a paralisação] um monte de gente foi demitida ... é, que não entraram
para trabalhar ... Foi num sábado até o meio-dia assim ninguém tinha entrado ... eu creio
que sim porque a maioria que eu conhecia tava lá e foi tudo mandado embora depois de
um mês mais ou menos ... num período curto, e quem entrou recebeu umas cartinhas de
agradecimento, elogiando o cara que entrou lá pra trabalhar”.
Houve dificuldade em perceber até que ponto a empresa demitiu seus funcionários em
razão da participação na paralisação. Isso se deve, em parte, à alta rotatividade de pessoal
que caracteriza o setor do comércio varejista.
Assim, a conduta do Wal-Mart em relação aos direitos sindicais, com base nessas unidades
pesquisadas, apresenta problemas, aparecendo em relevo:
a) a dificuldade do acesso dos dirigentes sindicais ao local de trabalho;
b) falta de condições propícias para a comunicação e informação dos trabalhadores;
c) provável indução à não-contribuição financeira em favor do sindicato.
As falhas na conduta da empresa, todavia, são favorecidas pela pouca expressão que tem a
ação sindical no local de trabalho, visto pelo baixo grau de sindicalização e a pouca
participação dos trabalhadores em atividades sindicais.
5.2. Negociação coletiva
5.2.1. Indicadores e referências
A Convenção no 98, além de proteger os trabalhadores de atos atentatórios à liberdade
sindical, preconiza o fomento e a promoção da negociação coletiva de trabalho. No seu
artigo 4 diz:
“Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais
para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação
voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de
36
trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e
condições de emprego”.
Dentre as condições estabelecidas pela OIT, considera-se central nessa Convenção e na
Recomendação 143:
•
o direito de negociação coletiva; e
•
o direito às informações para a negociação coletiva.
Esses princípios não podem ser isolados da efetiva liberdade sindical, que garante aos
trabalhadores e suas organizações condições para o desenvolvimento do conjunto da ação
sindical.
Caracterizaria violação a esses direitos:
•
a recusa de negociação coletiva; e
•
a sonegação de informações para a negociação coletiva.
A verificação do grau de cumprimento desses princípios se daria pelos seguintes quesitos:
•
a aceitação ou recusa de negociação coletiva; e
•
o fornecimento de informações necessárias para a negociação coletiva.
A “Declaração Tripartite” exorta os governos a ratificarem as Convenções 87 e 98, mas,
onde isso não ocorre, sugere às empresas multinacionais que apliquem os princípios nelas
expresso. A “Declaração” dá uma grande ênfase ao diálogo entre as multinacionais e as
organizações de trabalhadores, recomendando, por exemplo, que haja consultas a respeito
do emprego de mão-de-obra antes do início de suas operações e se estabeleça a cooperação
em matéria de emprego e desenvolvimento de recursos humanos locais. No aspecto da
negociação coletiva, além de condições gerais favoráveis a que ela se implante no país, as
empresas deveriam:
•
proporcionar aos representantes dos trabalhadores as condições necessárias para
negociações efetivas;
•
possibilitar que haja negociações diretas em cada país em que estejam operando;
•
não ameaçar transferir suas atividades para outros países com a finalidade de influenciar
nas negociações;
•
proporcionar informações necessárias para que sejam estabelecidas negociações
efetivas, inclusive com dados sobre as unidades e o conjunto da empresa;
Além disso, a “Declaração” recomenda que se criem sistemas de consultas regulares no
âmbito da empresa multinacional, que se respeite o direito de reclamação dos trabalhadores
e que se instituam mecanismos voluntários de conciliação de conflitos trabalhistas.
O documento de “Diretrizes para as Multinacionais” da OCDE reforça muitos dos
princípios definidos na “Declaração Tripartite”. Inicia reiterando que as empresas devem
respeitar o direito dos seus empregados, representados por sindicatos, de se engajarem em
37
negociações construtivas sobre as condições de emprego. Recomenda, também, que as
empresas proporcionem as condições materiais necessárias para que os representantes dos
trabalhadores estabeleçam negociações efetivas, bem como informações requeridas para
tanto. A empresa deve informar e cooperar com os representantes dos trabalhadores para
identificar meios que minimizem os impactos adversos de mudanças nas suas operações
sobre os empregados. As “Diretrizes” reprovam o uso de ameaças de transferência de
unidades ou setores da empresa para influenciar negativamente negociações coletivas ou
impedir o exercício do direito de organização. Para que as negociações coletivas sejam
efetivas, as empresas devem autorizar representantes da administração local que tomem
decisões sobre os assuntos tratados.
O Global Compact diz que o princípio da liberdade de associação e do efetivo direito à
negociação coletiva inclui o reconhecimento pelas empresas dos sindicatos mais
representativos, negociando de boa-fé e buscando o acordo. As negociações devem
englobar um amplo espectro de questões, desde as condições de trabalho e emprego até
temas ligados à comunidade. Mais uma vez aparece o acesso a informações como uma
condição essencial para a negociação efetiva. Ao recomendar às empresas que priorizem a
negociação com os representantes do sindicato mais representativo, o documento alerta
para que não se exclua outras organizações de trabalhadores.
O “Modelo de Código de Conduta” da CIOSL é bastante sintético a esse respeito, dizendo
apenas que o direito dos trabalhadores de estabelecer negociações coletivas, como previsto
na Convenção 98 da OIT, deve ser reconhecido, bem como o direito dos representantes dos
trabalhadores de desenvolverem suas funções como preconizam a Convenção 135 e a
Recomendação 143, ambas da OIT. Além disso, as empresas devem adotar uma atitude
positiva em relação às atividades sindicais e à sindicalização.
O reconhecimento do direito de negociação coletiva, mesmo onde a lei o restringir, é
reiterado pela norma SA 8000.
Os dois documentos da empresa, o Código de Conduta e o Código de Ética, não tratam da
questão, ressalvadas as menções ao cumprimento da legislação nacional e aos direitos
humanos.
5.2.2. Resultado da observação
A conduta do Wal-Mart Brasil, tomando por base o histórico das unidades estudadas, é de
desrespeito ao processo de negociação coletiva. O Wal-Mart não só não reconhece os
sindicatos como atores legítimos de representação dos interesses dos trabalhadores, como
descumpre cláusulas estabelecidas nas convenções coletivas celebradas entre os sindicatos
patronais e dos trabalhadores, o que é um claro indicativo desse desrespeito.
Em Bauru, segundo as direções do sindicato local, o Wal-Mart não só descumpriu o que a
convenção estipulava sobre a abertura aos domingos, como gerou, em função dessa atitude,
um movimento dos outros estabelecimentos comerciais no mesmo sentido. Em Osasco, o
descumprimento de quatro cláusulas da convenção coletiva levou os trabalhadores a se
38
manifestarem, paralisando as atividades do Supercenter por várias horas. Em São Paulo, os
dirigentes sindicais apontam o descumprimento da legislação quanto ao funcionamento nos
feriados. As dificuldades encontradas para a negociação da mudança do horário de
funcionamento exemplificam a atitude da empresa.
Baseando-se nas entrevistas e em documentos obtidos junto ao sindicato de Bauru,
podemos reconstituir a trajetória dessa questão crucial no conjunto das relações de trabalho
do setor do comércio varejista, que é o horário de funcionamento. Logo após sua instalação
na cidade, a administração da empresa optou por um dos horários de funcionamento
previstos na Convenção Coletiva, que permitia o trabalho de segunda-feira à Sábado, entre
8 e 22 horas, sem trabalho nos domingos. Segundo o Sindicato, a Lei Municipal proíbe a
abertura do comércio nos domingos, enquanto a Medida Provisória que regulamentou o
assunto condiciona o trabalho nos domingos à observância do artigo 30, inciso I, da
Constituição Federal, ou seja, ao que estipula a legislação municipal.
Os documentos obtidos mostram que desde o início de 1998 o sindicato veio requerendo
das autoridades responsáveis que fiscalizassem o Wal-Mart, em razão do funcionamento do
Supercenter em desacordo com o que determina a convenção. Além disso, o sindicato
solicitou que a Sub-delegacia do Ministério do Trabalho realizasse uma mesa-redonda
visando a um entendimento com a empresa. Um primeiro encontro ocorreu em fevereiro de
1998 sem que se chegasse a uma mudança no posicionamento da empresa. Ela continuou
afirmando que manteria o Supercenter em funcionamento nos domingos e feriados.
A mesa-redonda teve continuidade um mês mais tarde e, na ata deste segundo encontro,
registra-se a posição da empresa: a legislação municipal não teria competência para dispor
sobre o descanso remunerado aos domingos, razão porque a empresa vem respeitando
legislação federal pertinente. A empresa propôs o pagamento do transporte para todos os
funcionários que fizerem uso do transporte coletivo, bem como alimentação. Além disso,
solicitou que o sindicato profissional local realizasse uma assembléia para saber o
posicionamento dos trabalhadores a respeito do assunto, fixando dia e horário para
conhecimento da empresa. O sindicato não concordou com as propostas da empresa e
exigiu dela o cumprimento do estipulado na lei e na Convenção Coletiva da categoria.
Como o quadro não se alterou depois desse segundo encontro, o Ministério do Trabalho
voltou a autuar o estabelecimento de Bauru por constatar o descumprimento da Convenção
Coletiva. Nova mesa-redonda foi realizada em abril do mesmo ano, agora envolvendo
também a Prefeitura Municipal de Bauru, na qual a empresa reiterou seu posicionamento.
Finalmente, o funcionamento aos domingos motivou um Inquérito Civil Público no
Ministério Público do Trabalho, sobre o descumprimento da Convenção Coletiva de
Trabalho.
A situação permanece a mesma, a empresa continua abrindo o Supercenter aos domingos e
feriados, sem o amparo de acordo ou convenção coletiva, e se recusa a entrar em
entendimento com o sindicato. Por outro lado, o sindicato de Bauru está negociando um
acordo de trabalho com outra rede de supermercados, sobre o funcionamento aos domingos
até as 18 horas, no qual reivindica plano de saúde completo ou R$ 18,00 por domingo
trabalhado, ressalvando que o trabalho não será realizado em todos os domingos do mês.
Em Osasco, firmou-se um acordo entre a empresa e o sindicato estabelecendo as condições
para o trabalho aos domingos. Esse compromisso foi o resultado de uma intensa
39
mobilização dos trabalhadores de Osasco, ainda em 1998, que culminou na paralisação do
Supercenter. Naquela época, o trabalho aos domingos e feriados era limitado aos dias que
antecediam algumas datas comemorativas. A exemplo de redes como o Carrefour, o WalMart começou a desrespeitar a limitação logo após ter se instalado em Osasco.
A paralisação dos trabalhadores do Supercenter de Osasco no dia 25 de abril de 1998 teve
como causa principal o descontentamento gerado pelo descumprimento da Convenção
Coletiva no tocante ao trabalho aos domingos. Os informativos do sindicato denunciaram
esse fato, bem como o desrespeito a outros dispositivos da convenção, tais como o nãopagamento dos adicionais previstos, a não concessão do vale-transporte, do abono e da
folga remunerada. As denúncias também apontavam o não-pagamento de horas extras, o
não-acompanhamento do fechamento do caixa pelo funcionário (que era punido se fosse
verificada alguma diferença), as humilhações impostas aos funcionários e o não-pagamento
de Participação nos Lucros. O sindicato considerava que o Wal-Mart praticava uma alta
rotatividade de pessoal, pagava baixos salários e não respeitava direitos mínimos dos
trabalhadores.
O sindicato convocou uma assembléia geral extraordinária dos funcionários da Wal-Mart
do Brasil e do SAM’s Club, realizada no dia 20 de abril. A pauta visava a discutir o
descumprimento sistemático de quatro cláusulas da Convenção Coletiva vigente, apesar das
tentativas de negociação. Ao lado da cláusula sobre a proibição do trabalho aos domingos
(no 48) eram arroladas as cláusulas sobre a quebra de caixa (no 17), do adiantamento salarial
(no 44) e a sobre a publicidade para eleição da CIPA (no 50). Na ata da assembléia foi
registrado que os trabalhadores “são obrigados pelas empresas a trabalhar aos domingos e
feriados, sob pena de serem demitidos, sendo, ainda, obrigados a assinar um Aditamento
ao Acordo Individual de Trabalho’ de forma coativa e ilegal...”. Ao final, a assembléia
deliberou, por unanimidade, a decretação de greve, a promoção de Ações de Cumprimento
na Justiça do Trabalho e nomeou uma comissão para negociar com a empresa.
Um dos documentos disponíveis contém a proposta do Wal-Mart visando a encerrar o
movimento. O documento não tem data nem está assinado, mas propõe a abertura de
negociações sobre o trabalho aos domingos, condicionada à volta imediata ao trabalho.
Além disso, assegura a estabilidade no emprego dos funcionários enquanto durar as
negociações e o não-desconto das horas em que o pessoal permaneceu em greve. Uma ata
de reunião ocorrida em 7 de maio, na Delegacia do Ministério do Trabalho, mostra que
empresa e sindicato chegaram a um acordo em torno de alguns dos itens que motivaram o
movimento. As deliberações tomadas no encontro foram:
•
a empresa não pagaria a quebra de caixa, porém não faria descontos nem punições por
diferenças nos caixas;
•
a empresa implantaria o sistema ‘vale compra’, de no máximo 20% do salário, segundo
opção a ser exercida pelo empregado;
•
a empresa comunicaria a realização da eleição da CIPA, fazendo a entrega das atas
pertinentes e passaria a observar doravante os prazos; e
•
a empresa não penalizaria seus funcionários em decorrência da paralisação havida.
O resultado das negociações encerrou as discussões sobre os problemas que motivaram a
paralisação, com exceção da abertura aos domingos, que ficou para ser negociada com o
40
sindicato patronal. Um acordo foi firmado somente no primeiro semestre de 1999 e as suas
condições, salientadas pelos dirigentes sindicais, foram a garantia de no mínimo um
domingo de folga por mês, o pagamento de adicionais, a adesão voluntária às escalas de
trabalho aos domingos e a gratuidade da refeição aos que trabalham nesses dias.
Mais importante do que o resultado do acordo foi a mudança de comportamento do WalMart com relação ao sindicato e ao cumprimento dos direitos trabalhistas, em especial do
que é estipulado na mesa de negociações. O fato do Wal-Mart ter passado a respeitar a
convenção coletiva firmada com o sindicato de Osasco foi atribuído pelos dirigentes
sindicais ao movimento dos trabalhadores realizado em 1998.
Porém, mesmo depois do movimento em Osasco, os dirigentes sindicais consideram que o
Wal-Mart dificulta as negociações coletivas mantidas com o sindicato patronal.
Em São Paulo, a questão do funcionamento do comércio aos domingos tinha sido alterada
antes da instalação das lojas da Wal-Mart, pela alteração da legislação municipal. Mesmo
assim, a empresa é criticada pelos dirigentes sindicais por desobedecer a proibição da
abertura aos feriados. Os sindicalistas entrevistados avaliam, além disso, que a política da
empresa é de distanciamento do sindicato e de aversão à negociação coletiva.
O levantamento mostra que a empresa desrespeitou o direito à negociação coletiva em
Osasco e continua desrespeitando em Bauru, impondo seus interesses e decisões à revelia
dos interesses dos trabalhadores, através do:
a) descumprimento das convenções coletivas; e a
b) recusa em estabelecer um processo de negociação sobre a mudança no horário de
funcionamento, implantando unilateralmente o trabalho aos domingos e feriados.
É verdade que a atuação decidida dos trabalhadores e do sindicato se mostrou capaz de
mudar, parcialmente que seja, essa atitude. Mas ainda há muito o que progredir no lado da
empresa para chegar ao pleno cumprimento do disposto nos documentos internacionais que
se referem ao assunto.
5.3. Trabalho infantil
5.3.1. Indicadores e referências
A Convenção n.º 138 sobre a Idade Mínima para a Admissão de Emprego estabelece que,
ao ratificá-la, o país deve comprometer-se a:
“seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve,
progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível
adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem”.
O país deve fixar uma idade mínima de admissão a emprego, não inferior à idade de
conclusão da escolaridade compulsória ou não inferior a quinze anos. A Convenção abre a
possibilidade de que a idade mínima seja fixada em quatorze anos nos países cuja economia
41
e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas. Nesse caso, tal idade
mínima deveria viger por tempo determinado, após o qual seria elevada aos níveis gerais.
A idade mínima prevista na Convenção não se aplica ao trabalho feito no contexto
educacional ou profissionalizante, em escolas de educação vocacional ou técnica, em outras
instituições de formação, desde que façam parte de cursos ou programas de formação
desenvolvidos por instituições educacionais com aprovação das autoridades competentes.
No caso de treinamento em empresas, a Convenção estipula a idade mínima de quatorze
anos e exige a interferência das autoridades competentes.
A idade mínima para emprego ou trabalho considerado prejudicial à saúde, à segurança e à
moral do jovem foi fixada em 18 anos pela Convenção 138. Jovens de 16 anos podem
trabalhar nesses tipos de trabalho, desde que estejam plenamente protegidas a saúde, a
segurança e a moral, bem como tenham instrução ou formação adequada.
O Brasil ratificou a Convenção 138 em janeiro de 2000, juntamente com a nova Convenção
n.º 182 sobre a Proibição e Ação Imediata para a Eliminação das Piores Formas de
Trabalho Infantil, de 1999. Contudo, a fixação da idade mínima para o trabalho em 16 anos
já tinha sido feita no final de 1998, quando o Congresso Nacional aprovou a Emenda
Constitucional n.º 20. O trabalho considerado perigoso, penoso ou insalubre também já é,
pela legislação brasileira, proibido aos jovens com menos de 18 anos. O trabalho realizado
dentro de programas educativos e de formação profissional exige que as atividades estejam
submetidas a critérios pedagógicos e haja supervisão das autoridades competentes. Mesmo
assim, o problema da exploração do trabalho infantil no Brasil ocorre em largas proporções,
ignorando os dispositivos constitucionais e legais que visam a erradicá-lo e constituindo-se
num desafio prático para toda a sociedade.
Resumindo, considera-se central na Convenção 138 e na Recomendação 146:
•
a abolição total do trabalho infantil;
•
a idade mínima de 16 anos para o emprego e o trabalho;
•
a elevação progressiva da idade mínima para admissão no emprego e trabalho;
•
a proteção do adolescente no trabalho.
Caracterizariam violações a esses direitos:
•
a contratação para o trabalho de pessoas com idade inferior a 16 anos;
•
a utilização de mão-de-obra infanto-juvenil mascarada por atividades educativas;
•
o emprego de mão-de-obra infantil através de empresas terceirizadas;
•
o emprego de adolescentes em trabalhos penosos, insalubres, imorais e noturnos.
A verificação do grau de cumprimento dos princípios da Convenção 138 dar-se-ia pelo
seguintes quesitos:
•
a existência de trabalhadores com idade inferior a 16 anos na empresa,
42
•
a existência de jovens com menos de 18 anos executando funções penosas, insalubres,
perigosas ou trabalhando à noite,
•
a condição das pessoas com idade inferior a 18 anos trabalhando através de programas
de trabalho educativo ou sob a forma de estágios.
Infelizmente, o tema do trabalho infantil não é abordado especificamente tanto no texto da
“Declaração Tripartite” da OIT quanto nas “Diretrizes” da OCDE que tratam das empresas
multinacionais. Talvez esse vazio seja explicado pelo fato de esses documentos terem sido
discutidos e aprovados em meados da década de 70, não tendo sofrido a influência do
crescente interesse social e político em relação à erradicação desse mal social.
A abolição efetiva do trabalho infantil aparece claramente na proposta do Global Compact,
como um dos seus princípios relativos às normas trabalhistas. O documento aponta várias
maneiras pelas quais as empresas podem implementar esse princípio nos locais de trabalho,
entre as quais destacamos as seguintes:
•
seguir estritamente a idade mínima prevista nas leis nacionais ou, onde estas forem
insuficientes, adotar as normas internacionais;
•
influenciar empresas sub-contratadas, fornecedores e empresas afiliadas que combatem
o trabalho infantil;
•
ao remover crianças do trabalho, prover alternativas para as mesmas e suas famílias,
incluindo escolarização e programas de geração de renda;
•
assegurar aos adultos segurança no emprego, condições e salários decentes, de modo
que não necessitem colocar suas crianças no trabalho.
A atuação das empresas, nesse campo de problemas, poderia se estender para a comunidade
onde operam. O Global Compact recomenda ações voltadas para a cooperação com outras
empresas e associações, o apoio à educação e formação profissional, a programas de
suplementação nutricional e de saúde dirigidos às crianças; à conscientização da sociedade
para o problema. Ou seja, o documento desenha uma proposta de atuação que vai muito
além da mera abstinência do emprego de crianças e jovens com idades inferior à mínima,
alcançando a cadeia de produção e comercialização e o envolvimento comunitário.
A CIOSL incluiu um dispositivo no seu “Modelo de Código de Conduta” que trata
especificamente do trabalho infantil. Esse dispositivo estipula que não deve ser utilizada a
mão-de-obra infantil pela empresa, que pode empregar trabalhadores com idade superior a
15 anos ou acima da idade escolar obrigatória, prevalecendo a idade mais elevada. A
empresa deveria proporcionar às crianças desligadas do trabalho, pela aplicação desse
dispositivo, assistência econômica e oportunidades de escolarização.
A norma SA 8000 também inclui requisitos de responsabilidade social referentes ao
trabalho infantil. Pelos critérios dessa norma, as empresas não apenas deveriam se eximir
de utilizar o trabalho infantil como não apoiar tal prática. A empresa deveria ter “políticas e
procedimentos para reparação de crianças que forem encontradas trabalhando”, bem como
apoiar a freqüência e permanência dessas crianças na escola. A norma recomenda que as
empresas não exponham trabalhadores jovens a situações que sejam perigosas, inseguras ou
43
insalubres.
É importante ressaltar que a SA 8000 recomenda às empresas que avaliem e selecionem os
fornecedores de acordo com os critérios da norma, procurando manter evidência razoável
de que tais critérios sejam atendidos por fornecedores e sub-fornecedores. Ou seja, a norma
já entende os compromissos de responsabilidade social de forma ampla, contemplando as
relações inter-empresariais.
O Código de Conduta da Wal-Mart diz que a empresa não aceitará produtos onde tenha
sido empregado o trabalho de pessoas com menos de 15 anos de idade, ou 14 anos onde a
lei estipular, ou ainda com idade inferior à do término da educação obrigatória (onde estiver
acima de 15 anos).
5.3.2. Resultado da observação
Os dirigentes sindicais de Osasco e de Bauru acreditam que não haja pessoas com idades
abaixo de 16 anos trabalhando no Wal-Mart ou mesmo abaixo dos 18 anos.
Em relação ao emprego de mão-de-obra infantil pelos fornecedores do Wal-Mart, não
sabem indicar, concretamente, se ele existe.
Sindicalistas e trabalhadores declararam ter ouvido falar sobre compromissos do Wal-Mart
em não adquirir produtos de empresas que utilizam mão-de-obra infantil. No entanto, essa
informação não foi divulgada internamente entre os funcionários ou comunicada aos
sindicatos.
As informações obtidas nas entrevistas com trabalhadores indicam que o Wal-Mart só
contrata pessoas com idades superiores a 18 anos, ou com idades entre 16 e 18 anos para a
função de empacotadores, com jornada de 8 horas diárias e temporariamente, nas épocas de
maior movimento de vendas. Com isso, a empresa estaria cumprindo os limites de idade
para qualquer trabalho bem como para os trabalhos penosos, perigosos ou insalubres.
Houve quem dissesse que a empresa apenas contrata pessoas com mais de 18 anos.
Em Bauru, a normatização do piso salarial dentro da Convenção Coletiva estabelece pisos
salariais para as funções de empacotador e contínuo com valor menor que o dos demais
cargos. Essa medida visaria a estimular o emprego de adolescentes para a realização desses
tipos de trabalho.
Sobre o trabalho de pessoal “terceirizado”, que trabalha dentro dos supercenters,
notadamente demonstradoras e promotoras, é unânime se tratarem de pessoas com idade
superior a 18 anos.
O que chama a atenção é de que essa questão é pouco conhecida pelos trabalhadores,
incluindo os que ocupam cargos de chefia, que disseram não ter informações precisas a esse
respeito. Essa falta de informação é ainda maior em relação ao propalado Código de
Conduta do Wal-Mart, que condicionaria a relação com os fornecedores dos produtos
44
vendidos pela rede ao não-emprego de mão-de-obra infantil. Nenhum dos entrevistados
recebeu qualquer informação sobre o Código, e todos disseram não saber se essa exigência
era feita pela empresa. Um dos entrevistados afirmou que o trabalho infanto-juvenil ocorre
na atividade de transporte de mercadorias para o Supercenter onde trabalha.
Em relação à erradicação do trabalho infantil e a proteção do trabalho dos adolescentes,
chegou-se a conclusão que: a) o Wal-Mart respeita os limites de idade para emprego e
trabalho, previstos nos documentos internacionais; b) não foi possível identificar se houve
remoção de crianças e adolescentes do trabalho, particularmente quando a idade mínima se
elevou para 16 anos, e qual foi a atitude da empresa; c) não se pode perceber se no Brasil a
empresa de fato tem uma postura de combate ao trabalho infantil junto aos seus
fornecedores.
5.4. Discriminação contra gênero e raça
5.4.1. Indicadores e referências
Duas convenções da OIT são centrais para a definição dos direitos à igualdade e nãodiscriminação de qualquer tipo, a saber, a Convenção no 100, sobre a Igualdade de
Remuneração, de 1951, e a Convenção no 111, sobre a Discriminação (emprego e
profissão), de 1958.
A Convenção n.º 100 dispõe sobre a “igualdade de remuneração entre a mão-de-obra
masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor”, determinando que os
países-membros promovam ou garantam meios compatíveis e métodos que assegurem tal
igualdade. A Conferência Geral da OIT recomendou que fossem postos em prática
mecanismos que possibilitem a aplicabilidade da referida Convenção:
•
consulta às organizações de trabalhadores para que sejam adotadas medidas que
garantam a aplicação do princípio da igualdade de remuneração, inclusive na
administração pública;
•
medidas pelas quais as remunerações estejam sujeitas a controle público, especialmente
ao serem fixadas as taxas de salários mínimos;
•
estabelecimento de métodos, sempre em consulta às organizações de trabalhadores, que
permitam avaliar objetivamente, mediante análise do emprego e de outros meios, os
trabalhos que entranham diversos empregos, ou ainda, deveria fomentar o
estabelecimento desses métodos para classificar os empregos independentemente de
sexo;
•
facilidades iguais ou equivalentes em matéria de orientação profissional ou conselhos
profissionais, de formação ou colocação;
•
estímulo a que as mulheres utilizem as facilidades em matéria de orientação, formação e
colocação;
45
•
serviços sociais e de bem-estar que correspondam às trabalhadoras, especialmente
àquelas que tenham responsabilidades familiares, e financiando ditos serviços com
fundos públicos ou de empresas e de seguros sociais, destinados ao bem-estar e
constituídos com pagamentos efetuados em benefício dos trabalhadores,
independentemente de sexo;
•
promover a igualdade quanto ao acesso às diversas profissões e funções, sob reserva das
disposições da regulamentação internacional e da legislação nacional relativas à
proteção da saúde e ao bem-estar das mulheres.
Também recomenda que sejam feitos esforços para difundir entre a opinião pública as
razões por que deve-se aplicar o princípio da igualdade de remuneração entre a mão-deobra masculina e feminina por trabalho de igual valor, assim como empreender estudos e
pesquisas que possam promover a aplicação de tal princípio.
A centralidade dessa Convenção pode ser identificada como a igualdade de remuneração
entre a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor.
Os indicadores pelos quais se pode verificar a aplicação dessa Convenção seriam:
•
a existência de desigualdade salarial entre a mão-de-obra masculina e a feminina em
condições iguais de trabalho;
•
a existência de desigualdade funcional entre a mão-de-obra masculina e a feminina ou
entre trabalhadores em condições iguais de trabalho;
•
a existência de desigualdade na ocupação de cargos de chefia;
•
a desigualdade nas oportunidades de aperfeiçoamento profissional;
•
a existência de critérios discriminatórios para o preenchimento de vagas;
•
a ausência de serviços sociais, tais como creche.
A Convenção no 100 quer superar todas as causas que impedem a realização do princípio da
igualdade de salário para trabalhos equivalentes, como, por exemplo: a segregação das
ocupações, as desigualdades de tratamento, as barreiras de promoção e de qualificação que
alimentam a não-efetivação do salário igual.
A interpretação dessa Convenção deve englobar todos os obstáculos que podem contribuir,
direta ou indiretamente, para a segmentação das ocupações, relacionadas à forma como as
empresas definem o lugar da mulher e o lugar dos homens na hierarquia e na estrutura
ocupacional. A existência de práticas de diferenciação, obviamente, contribui indiretamente
para que não se tenha a efetivação dos mesmos salários entre mulheres e homens. Por isso
justifica-se o estudo também da discriminação exercida por vias “indiretas”.
Assim, é fundamental avaliar nos documentos recolhidos sobre a empresa e entrevistas,
onde, como, com quais argumentações explícitas e implícitas, se realizam os
procedimentos de seleção, contratação, tratamento, promoção-ascensão, acesso à
qualificação e treinamento e demissão.
46
A Convenção n.º 111 define a discriminação em relação ao emprego e trabalho como
sendo:
“a) toda a distinção, exclusão ou preferência fundamentada na raça, cor, sexo, religião,
opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou
alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou
profissão.
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou
alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão,
que poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as
organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam e
outros organismos adequados.
2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um
determinado emprego não são consideradas como discriminação.
3. Para os fins da presente convenção, as palavras ‘emprego’ e ‘profissão’ incluem o
acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as
condições de emprego”.
A Recomendação no 111 sugere a aplicação de políticas que visem a assegurar a igualdade
de oportunidades ou de tratamento no emprego e na ocupação. Sugere que essas políticas
sejam aplicadas mediante medidas legislativas, contratos coletivos ou outros métodos
compatíveis com as condições de cada estado-membro.
A recomendação entende que, para impedir a discriminação em matéria de emprego e de
ocupação, deve ser assegurado: acesso igualitário aos serviços de orientação profissional e
de colocação; acesso aos meios de formação profissional e de admissão a um emprego de
sua própria escolha, baseando-se na aptidão individual para a mencionada formação ou
emprego; seguridade no emprego; condições adequadas de trabalho e remuneração igual
por trabalho de igual valor.
Entre outras medidas, sugere a conscientização do público para o repúdio à qualquer tipo de
discriminação em matéria de emprego ou trabalho; a criação de organismos que possam
receber e investigar denúncias sobre a inobservância da política de não-discriminação,
corrigindo práticas discriminatórias.
A centralidade da Convenção 111 foi identificada como:
•
a igualdade de oportunidades no emprego e na ocupação;
•
a não distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião
política e origem social;
•
o reconhecimento do racismo como uma prática de exclusão social;
A violação dos direitos da Convenção 111 se dá através de atos como:
•
publicar anúncios de oferta de emprego com conteúdo implícito ou explicito
discriminatório;
47
•
barrar a ascensão e a promoção funcional de trabalhadores pela sua raça, cor, sexo,
religião, opinião política ou origem social;
•
estabelecer preferência pela demissão de trabalhadores em função dos atributos acima;
•
fazer referência negativa ao trabalhador ou estabelecer preferências no trato fundadas
em atributo de raça, cor, sexo, religião, opinião política e origem social.
Os indicadores que podem ser adotados para a avaliação do cumprimento desses direitos:
•
a existência ou não de programas ou políticas que promovam a igualdade;
•
a existência ou não de cláusulas antidiscriminatórias nos acordos coletivos, convenções
ou outros instrumentos de regulamentação do trabalho;
•
a discriminação salarial decorrente de sua raça, cor, sexo, religião, opinião política ou
origem social;
•
contratação de pessoal e ascensão profissional em função sua raça, cor, sexo, religião,
opinião política ou origem social.
Os documentos de regulamentação das atividades das empresas multinacionais contém
recomendações sobre a igualdade e a não-discriminação. A “Declaração Tripartite” da OIT
sugere que as empresas sigam os princípios de igualdade de oportunidades e de tratamento,
sem prejuízo da preferência pelo emprego de pessoas naturais do país onde está instalada e
da política nacional de correção da desigualdade e da discriminação. As empresas são
chamadas a fazer o necessário para que a contratação, a colocação, a formação profissional
e a promoção do pessoal tenham por base apenas a qualificação e a experiência
profissional.
As “Diretrizes para Empresas Multinacionais” da OCDE também recomendam às empresas
que implementem políticas de emprego sem discriminação, ressalvando a seletividade
relativa às características do pessoal empregado que esteja em sintonia com políticas
governamentais de promoção da igualdade de oportunidades de emprego. A prática nãodiscriminatória deve perpassar os atos de contratação e desligamento, pagamento, ascensão
funcional e formação profissional.
O documento “Global Compact” se baseia na Convenção n.º 111 da OIT para definir a
discriminação em relação ao emprego e profissão. Entre as maneiras pelas quais as
empresas podem eliminar a discriminação no local de trabalho está a adoção de políticas
de gestão de pessoal baseadas na qualificação e experiência profissionais. No entanto, o
documento relaciona uma série de medidas que tendem a reforçar o compromisso
empresarial com a eliminação de discriminações, atribuindo essa questão à direção geral da
empresa e formulando políticas específicas. Deve haver promoção do acesso ao
desenvolvimento profissional e para profissões específicas. As empresas devem produzir e
acompanhar estatísticas atualizadas, desagregadas, por raça, sexo, religião etc., sobre
contratação, treinamento e promoção.
No âmbito comunitário, as empresas devem buscar eliminar a discriminação nas espaços
onde atuam, apoiando esforços locais que visem à construção de um ambiente de tolerância
48
e à igualdade de acesso às oportunidades de desenvolvimento profissional. Também devem
adequar suas operações às tradições culturais de modo a assegurar a igualdade de acesso ao
emprego por mulheres e minorias, trabalhando em conjunto com organizações dos
trabalhadores e autoridades de governo.
O “Modelo de Código de Conduta” da CIOSL é claro e direto ao abordar a questão da nãodiscriminação no emprego: deve haver igualdade de oportunidades e tratamento,
independentemente de raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade, origem
social ou outras características individuais. O Código explicita sua referência às convenções
n.º 100 e 111.
A norma SA 8000, ao tratar da Discriminação como um dos requisitos de responsabilidade
social, estabelece como critérios não só o não-envolvimento mas também o apoio à
discriminação contra raça, classe social, nacionalidade, religião, deficiência, sexo,
orientação sexual, associação a sindicato ou afiliação política. A norma também indica uma
postura positiva da empresa, ao estipular que as empresas não interfiram com a observação
de preceitos ou práticas dos funcionários, relativos aos aspectos acima, ou em atender as
necessidades derivadas desses aspectos individuais. Por fim, a SA 8000 responsabiliza as
empresas pela tarefa de proibir comportamento que seja sexualmente coercitivo,
ameaçador, abusivo ou explorador. Cabe lembrar que a empresa, ao aderir à SA 8000, deve
acompanhar e avaliar se seus fornecedores adotam os critérios de responsabilidade social.
A Wal-Mart afirma rejeitar práticas discriminatórias, tanto internamente à empresa quanto
pelos seus fornecedores (neste caso, ao menos para os fornecedores da rede norteamericana). Pelos termos do Código de Conduta, a empresa promete favorecer os
fornecedores que tenham compromissos políticos e sociais com os princípios básicos de
direitos humanos e que não discriminem seus empregados, na contratação ou em qualquer
outra condição de trabalho, com base na raça, cor, origem nacional, gênero, religião,
deficiência física ou fatores similares. No Código de Ética, que vale para os seus próprios
empregados, a Wal-Mart reitera aquele princípio básico, além de instar gerentes e
funcionários a dispensarem tratamento respeitoso e digno a seus colegas. O Wal-Mart
promete um “local de trabalho livre de qualquer repressão”.
O Código de Ética também trata do Assédio e da Conduta Imprópria, que não serão
tolerados pela Empresa. Considera como assédio a linguagem, os atos e a conduta no local
de trabalho “que gere intimidação ou, de outra maneira, um ambiente ofensivo”. Tais fatos
devem ser comunicados aos superiores. Junto a isso, o Código apresenta a “Política de
Portas Abertas para Comunicações do Wal-Mart”, que estimularia os empregados a
levarem seus problemas aos superiores sem o risco de represálias e em caráter confidencial.
5.4.2. Resultado da observação
5.4.2.1. DISCRIMINAÇÃO CONTRA GÊNERO
A averiguação da existência ou não de desigualdade salarial para trabalhos de igual valor,
entre homens e mulheres, teve alcance limitado pela impossibilidade de acesso a dados
49
internos da empresa. Mesmo assim, para explorar esse assunto e levantar os problemas
potenciais, procurou-se analisar os dados relativos ao setor supermercadista, bem como a
informações disponíveis nos sindicatos e nas entrevistas realizadas.
Informações sobre as características e dinâmica do emprego no setor de hiper e
supermercados, embora escassas, são encontradas nos registros da RAIS (Relação Anual de
Informações Sociais) e do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados),
produzidos pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Com base nessas fontes,
procurou-se estabelecer a dimensão do emprego formal nesse segmento, nos municípios
considerados na pesquisa, sua dinâmica recente e explorar a questão da desigualdade
salarial relacionada a gênero.
O quadro abaixo mostra a evolução do emprego formal no segmento do comércio
representado pelos supermercados e hipermercados nos três municípios. Com base nos
registros do CAGED, havia perto de 50.000 empregados nos hiper e supermercados desses
municípios, com evidente maioria localizada em São Paulo. No conjunto, a trajetória nesses
dois anos foi de queda no total de empregos, embora tenha ocorrido aumento substancial
em Osasco.
Uma característica comum ao comércio dos três municípios é a alta rotatividade do
emprego, cujo índice varia entre 52% a 84%, conforme o município. Em São Paulo, a
rotatividade foi menor que nos outros dois municípios, apesar de ter havido uma redução de
6,94% nos empregos nesse período. Por outro lado, em Bauru, os super e hipermercados
reduziram em 23,4% os empregos existentes, ao mesmo tempo em que mantiveram uma
política de alta rotatividade.
TABELA 4
NÚMERO DE EMPREGADOS, ADMISSÕES E DESLIGAMENTOS, NOS
SUPER E HIPERMERCADOS DE SÃO PAULO, OSASCO, E BAURU.
DEZ/97 – DEZ/99
TOTAL
SÃO PAULO
OSASCO
BAURU
Empregados em 01/12/1997
50.570
1.530
1.918
Admitidos
49.232
3.110
2.603
Desligados
52.742
2.568
3.052
Empregados em 31/12/1999
47.060
2.072
1.469
Variação absoluta do emprego
-3.510
542
-449
Variação relativa do emprego
-6,9%
35,4%
-23,4%
Rotatividade anual (*)
50,1%
97,6%
76,4%
(*) Calculada pela divisão do maior número entre admitidos e demitidos, sobre o estoque inicial,
fracionada para corresponder a um período de 12 meses.
Fonte: MTE, CAGED Módulo I.
A Tabela 5 mostra a desigualdade salarial entre homens e mulheres nas empresas do setor
supermercadista. Comparando o salário médio de admitidos e desligados (período jan/98 a
dez/99), constata-se que os salários das mulheres equivalem a cerca de 70% dos salários
dos homens, nos municípios de São Paulo e Osasco, e ficam próximos de 90% no caso de
50
Bauru. Outra forte evidencia da acentuada desigualdade salarial nesse segmento do
mercado de trabalho: em média, os salários dos homens no momento da admissão são
superior aos das mulheres no momento de seu desligamento.
TABELA 5
SALÁRIO MÉDIO DE ADMITIDOS E DESLIGADOS EM HIPER
E SUPERMERCADOS, SEGUNDO O SEXO, DE SÃO PAULO,
OSASCO E BAURU - JAN/98-DEZ/99 – (R$)
CIDADE GÊNERO ADMITIDOS DESLIGADOS
TOTAL
497,96
556,62
527,05
A) Homens
345,32
394,17
369,20
SÃO PAULO B) Mulheres
69,3%
70,8%
70,1%
= B / A (%)
426,41
542,95
478,93
A) Homens
311,32
388,02
341,04
OSASCO B) Mulheres
73,0%
71,5%
71,2%
= B / A (%)
312,36
354,67
333,38
A) Homens
289,08
319,32
303,36
BAURU B) Mulheres
92,5%
90,0%
91,0%
= B / A (%)
Fonte: MTE, CAGED Módulo I.
Os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) permitem que se tenha noções
mais precisas sobre os traços estruturais do mercado formal de trabalho. Concentrando a
atenção sobre o segmento de supermercados e hipermercados do município de Osasco,
pode-se explorar um pouco mais a questão da desigualdade salarial entre homens e
mulheres.
Os números mais recentes referem-se ao ano de 1997, quando o Wal-Mart já tinha
inaugurado sua loja de Osasco. Ao longo daquele ano, as empresas do segmento de super e
hipermercados de Osasco firmaram 2.621 vínculos empregatícios, sendo 1.604 com
homens (61%) e 1.017 com mulheres (39%). Ao final do período, apenas 1.740 desses
vínculos estavam ativos, ou seja, 34% do total tinha se encerrado antes de 31 de dezembro.
TABELA 6
NÚMERO DE EMPREGADOS E REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL, NOS
SUPER E HIPERMERCADOS DE OSASCO, SEGUNDO O SEXO E TAMANHO
DO ESTABELECIMENTO. VÍNCULOS FORMAIS DE TRABALHO EM 1997.
REMUNERAÇÃO EM NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS. 1997
MASCULINO
FEMININO
TOTAL
Nº EMPREGADOS
Vínculos R. média Vínculos R. média Vínculos R. média
ZERO
13
10,85
9
2,65
22
7,50
DE 1 A 4
42
4,64
35
2,68
77
3,75
DE 5 A 9
67
3,86
39
2,38
106
3,32
DE 10 A 19
113
3,40
89
3,21
202
3,31
DE 20 A 49
353
3,25
220
3,35
573
3,29
DE 50 A 99
168
6,42
52
4,20
220
5,89
51
DE 100 A 249
ACIMA DE 250
Total
481
367
1.604
5,96
8,07
5,63
240
333
1.017
3,87
4,25
3,73
721
700
2.621
5,26
6,25
4,89
Fonte: MTE. RAIS 1997.
Pelos dados da RAIS de 1997, pode-se perceber o diferencial salarial entre homens e
mulheres empregados nas empresas do segmento de super e hipermercados de Osasco. No
total, a remuneração média mensal das mulheres representou 66% da remuneração de
homens. Esse diferencial é mais acentuado nos casos das empresas menores e das maiores
(segundo o número de empregados), em comparação com empresas situadas nos intervalos
medianos, entre 10 e 49 empregados. Apenas nas empresas com número de empregados
entre 20 e 49 a remuneração média das mulheres é maior que a dos homens.
As empresas de maior porte são aquelas onde a remuneração média alcança valores mais
elevados. Mesmo nessas, os salários entre homens e mulheres são desiguais, como mostram
os dados referentes às empresas com mais de 250 empregados.
A tabela abaixo mostra que nas maiores redes de super e hipermercados de Osasco há um
diferencial salarial nítido em favor de pessoas do sexo masculino, independentemente do
grau de instrução dos empregados. No total, as mulheres têm uma remuneração média
mensal equivalente a pouco mais da metade da remuneração recebida por homens. Em
alguns casos, para um mesmo grau de instrução o diferencial de remuneração em favor dos
homens supera o triplo do valor percebido pelas mulheres.
TABELA 7
NÚMERO DE EMPREGADOS E REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL, NOS
SUPER E HIPERMERCADOS DE OSASCO COM MAIS DE 250 EMPREGADOS,
SEGUNDO O SEXO E GRAU DE INSTRUÇÃO. VÍNCULOS FORMAIS DE
TRABALHO EM 1997. REMUNERAÇÃO NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS.
EM 1997
MASCULINO
FEMININO
GRAU DE
ESCOLARIDADE
Vínculos Rem. Média
Vínculos Rem. Média
ANALFABETO
4
5,06
4
2,91
4ª SÉRIE INCOMPLETA
8
3,02
1
2,13
4ª SÉRIE COMPLETA
16
3,67
3
3,91
8ª SÉRIE INCOMPLETA
86
5,69
19
4,69
8ª SERIE COMPLETA
79
5,70
34
5,42
2º GRAU INCOMPLETO
65
10,22
42
3,83
2º GRAU COMPLETO
93
9,72
221
3,85
SUPERIOR INCOMPLETO
10
17,18
4
15,60
SUPERIOR COMPLETO
6
29,46
5
8,35
TOTAL
367
8,07
333
4,25
Fonte: MTE. RAIS 1997.
Enfim, o exame dessas fontes estatísticas indica que existe uma situação de desigualdade
salarial entre homens e mulheres no setor e região de atuação do Wal-Mart. Essa situação
52
pode ser explicada por barreiras que dificultam a ocupação dos postos de trabalho de
salários mais elevados por mulheres, pela percepção de salários menores que os dos
homens para executar trabalhos de igual valor ou por outras condições de emprego
(jornada, rotatividade etc.) desfavoráveis.
Quando ao caso específico do Wal-Mart, os dados são ainda mais escassos, principalmente
na ausência da colaboração da empresa para com a pesquisa. Os números apresentados
acima já dão uma indicação de que nas grandes empresas do setor, dentre as quais o WalMart assume uma posição destacada, a desigualdade salarial em função do gênero é uma
realidade. Na ausência de informações completas a respeito do perfil salarial por gênero na
empresa, apresentamos alguns indicativos da situação existente.
O Sindicato dos Comerciários de Bauru homologou 82 rescisões de contrato de trabalho da
empresa Wal-Mart no período de março de 1999 à janeiro de 2000. Observando o valor da
maior remuneração recebida pelo ex-empregado que consta das rescisões, constata-se uma
diferença significativa entre a remuneração dos homens e das mulheres.
A Tabela 8 mostra que duas mulheres tinham, no momento da sua demissão, remuneração
inferior a R$ 200,00, o que não ocorreu para os homens. A maioria das mulheres demitidas
tinha remuneração entre R$ 200,00 a R$ 250,00 enquanto entre os homens, apenas dois
deles tinham salários situados nessa faixa de valores e a maioria era remunerada entre
R$350,00 e R$500,00. A remuneração média das mulheres era consideravelmente menor
que a recebida pelos homens. Excluindo, de ambos os grupos, os salários de valor maior
que R$ 1.000,00, temos as seguintes médias: as mulheres recebiam R$ 262,70 e, os
homens, R$ 348,63 mensais. Ou seja, as mulheres recebiam salários equivalentes, em
média, a 75% dos salários dos homens.
TABELA 8
DISTRIBUIÇÃO DE TRABALHADORES DEMITIDOS, POR
SEXO E FAIXA SALARIAL – WAL-MART – BAURU –
SET-DEZ/99
FAIXA SALARIAL (R$)
MULHERES
HOMENS
150,00 a 199,99
2
200,00 a 249,99
22
2
250,00 a 299,99
7
14
300,00 a 349,99
5
9
350,00 a 399,99
3
6
400,00 a 449,99
4
450,00 a 499,99
2
500,00 a 599,99
3
600,00 a 999,99
1000,00 a 1499,99
1
Acima de 1500,00
1
1
Total
40
42
Fonte: Sindicato dos Empregados no Comércio de Bauru
53
Os depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras dos Supercenters, recolhidos através das
entrevistas, mostram que o emprego de mulheres é bastante desigual entre os diversos
departamentos. Num extremo, o trabalho feminino não existe em departamentos como o de
recebimento de mercadorias e em algumas áreas administrativas. Em outros, tais como o
açougue, peixaria, mercearia, a presença de mulheres é muito pequena. A área dos
Supercenters onde se encontra grande contingente de mulheres é na “Frente de Caixas”,
com percentuais de 80-90% do pessoal que ali trabalha. Isso leva a crer que exista uma
pronunciada segmentação dos postos de trabalho e a concentração do trabalho feminino no
posto de operadora de caixa.
As mulheres trabalham durante todos os dias da semana e em todos os turnos de trabalho.
A ocupação de cargos de chefia, entretanto, é mais desigual, tomando por base a opinião
dos trabalhadores entrevistados. Embora se possa concluir que há várias mulheres
ocupando cargos de gerente de departamento e de setor, elas estão em franca minoria diante
dos homens. Nos escalões mais altos de direção de loja, a presença feminina não é
identificada pelos entrevistados. Um dos trabalhadores fez uma lista de gerentes por área e
departamento onde aparecem 17 homens e 10 mulheres ocupando cargos de Gerente de
Departamento e 4 homens e 1 mulher no cargo de Gerente de Área. Ressalvando que não se
dispõe de dados precisos sobre esse aspecto, se poderia dizer que há uma deficiência na
promoção da igualdade na ocupação dos cargos de hierarquia mais alta.
No entanto, questionados sobre os critérios utilizados pela empresa para a promoção
funcional, os entrevistados, na sua grande maioria, apontaram a avaliação subjetiva dos
gerentes e descartaram a preferência por sexo. Se o sexo do empregado não é levado em
consideração, o que explicaria a grande maioria masculina ocupando cargos de gerência?
O mesmo se dá em termos de critérios para a seleção e contratação de funcionários. Os
entrevistados, mesmo descartando que haja uma preferência geral de homens ou mulheres,
reiteram que a seleção está relacionada aos requisitos dos postos de trabalho. Ou seja, para
os setores onde identificam a necessidade de maior esforço físico, a empresa contrata
preferencialmente homens e, onde essa exigência não existe, empregaria mais mulheres. No
entanto, deve-se relativizar essa questão, afinal, trata-se de uma empresa que utiliza
equipamentos destinados ao levantamento e transporte de objetos pesados, que substituem
em larga escala o uso da força física direta.
Em contrapartida, os entrevistados citaram com freqüência a indicação de amigos e
conhecidos como o critério mais importante para a contratação de um candidato a emprego
no Wal-Mart. Se for assim, poderia estar ocorrendo a perpetuação da segmentação entre
sexos diferentes nos diversos setores pela difusão de noções do tipo “esse é um serviço para
homem” e “essa é uma função para mulheres”.
A maior ou menor permanência no emprego, segundo os trabalhadores entrevistados, não
se deve a atributos pessoais como o sexo. Duas mulheres entrevistadas, porém, disseram
que os homens tinham maiores chances de permanecer empregados na empresa. Entre os
motivos que levariam o Wal-Mart a demitir trabalhadores, os entrevistados apontam a
sazonalidade das vendas, motivos de natureza econômica, o absenteísmo e comportamentos
54
contrários às normas previstas pela empresa. O absenteísmo, basicamente motivado por
problemas de saúde, é um motivo que levaria a empresa a demitir o trabalhador quando
considerado excessivo. Para tentar controlar o absenteísmo, a empresa exige que o
funcionário seja examinado pelo seu próprio serviço médico para validar as licenças
médicas recomendadas por outros médicos, inclusive os do plano de saúde conveniado pela
própria empresa. Outro motivo para a demissão, neste caso enquadradas como por justa
causa, é o furto de mercadorias.
De modo geral, os entrevistados disseram que as mulheres grávidas recebem condições
especiais de trabalho, sendo transferidas para postos de trabalho mais adequados. No
entanto, alguns depoimentos contradizem tal afirmação, dizendo que o tratamento
dispensado por gerentes desconsidera o estado especial das trabalhadoras gestantes. Foram
citados postos não adaptados para as gestantes, ritmos e horários de trabalho extenuantes,
dificuldade para o acesso aos sanitários. Deve ser considerado que no caso das
trabalhadoras “part-time” (com jornadas de duração inferior a 44 horas/semana) existe uma
restrição de acesso ao plano de saúde.
Uma das mulheres entrevistadas teve uma gravidez interrompida enquanto estava
empregada no Wal-Mart. Ela reclama ter sido maltratada pela gerência, que teria exigido
dela que trabalhasse além do recomendável, e de ter sido pressionada para que
interrompesse uma licença médica e reassumisse seu posto de trabalho.
Os entrevistados também não identificaram discriminação contra as mulheres nas
oportunidades de treinamento oferecidos pela empresa. Há, na verdade, uma unanimidade
quanto à escassez de oportunidades para que todos os empregados participem de cursos ou
treinamentos, inclusive relacionados à segurança no trabalho. Ao serem questionados se há
algum setor onde haveria maiores oportunidades de treinamento, vários citaram o
departamento dos Caixas, atribuindo esse fato à rapidez com que novos procedimentos,
sistemas e automação são introduzidos. Por outro lado, certos equipamentos, como
empilhadeiras e máquinas de limpeza, são operados principalmente por homens e são estes
os que dizem ter feito cursos para operá-las.
Um problema que parece ocorrer com certa freqüência, na opinião de vários entrevistados,
é o assédio sexual sobre as trabalhadoras por parte das chefias. Esse fato transparece nas
entrevistas feitas com mulheres, principalmente, sendo que algumas delas declararam terem
sido assediadas enquanto outras afirmaram terem conhecimento de casos desse tipo nos
hipermercados onde trabalhavam. A empresa segue uma política de “portas abertas”,
reconhecida pela maioria, mas que muitos questionam sua efetividade. Embora também
nesse ponto não haja uma unanimidade, a simples existência de relatos de assédio chama a
atenção para a necessidade de uma atuação mais decidida nesse campo, tanto pela empresa
quanto pelos sindicatos.
5.4.1.2. DISCRIMINAÇÃO CONTRA RAÇA
A questão da desigualdade racial no mercado de trabalho e nas empresas é pouco
observável , tendo em vista a carência de dados a respeito. Ao contrário do atributo gênero,
as estatísticas que acompanham a evolução do emprego e dos salários, salvo raras exceções,
55
não fornecem informações sobre os quesitos raça, cor ou origem étnica dos ocupados, ainda
mais quando se buscam dados nos municípios e em segmentos como o supermercadista.
Quando essa lacuna é preenchida, emerge um quadro de extrema desigualdade em prejuízo
das pessoas da raça negra.
No caso desta pesquisa, contou-se apenas com a opinião dos entrevistados que, de modo
geral, não identificaram formas diretas de discriminação contra negros ou pessoas nãobrancas por parte da empresa. Os trabalhadores entrevistados traçaram um perfil racial de
seus locais de trabalho, informando que a maioria dos empregados é da raça branca, mas
com várias áreas onde predominam pessoas não-brancas (negros, pretos, morenos etc.).
Questionados se haveria alguma preferência da empresa em selecionar pessoas de uma
raça/cor ou outra, os entrevistados disseram que esse não era um critério de seleção adotado
pela empresa. Para a maioria dos entrevistados, a seleção para contratação de pessoal
obedece a critérios subjetivos, destacando-se a indicação de colegas que já trabalhem nas
lojas.
O mesmo tipo de resposta foi obtido quando se questionou se a raça ou a cor da pessoa
influenciava no acesso a atividades de treinamento ou formação profissional
disponibilizados pela empresa. Neste caso, a principal queixa era a da falta de
oportunidades desse tipo e não a existência de preferências relacionadas a critérios raciais
ou outros.
O problema da desigualdade racial apareceu quando os entrevistados foram questionados
sobre a raça/cor dos chefes (gerentes). Embora os entrevistados não tivessem identificado
claramente que a empresa discrimine contra alguma raça ou cor no momento da promoção,
a resposta quase unânime foi de que os gerentes eram pessoas do sexo masculino e brancos.
Além disso, a promoção de funcionários(as) da raça negra a cargos de gerência foi
considerada mais difícil de ocorrer.
Isso coincide com o fato de que a empresa, segundo disseram os entrevistados, não
desenvolve nenhum programa ou política voltada para a superação da desigualdade racial.
5.5. Meio Ambiente, Saúde e Segurança Ocupacional
5.5.1. Indicadores e referências
Várias Convenções da OIT e outros documentos internacionais tratam dos aspectos
ambientais, da saúde e da segurança no trabalho. As principais Convenções da OIT que
tratam desses temas são as seguintes:
•
C. 148, sobre o Meio Ambiente de Trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações);
•
C. 155, sobre a Saúde e Segurança Ocupacional; e
•
C. 161, sobre Serviços de Saúde no Trabalho.
56
Além destas, a Convenção no 174, sobre a Prevenção de Grandes Acidentes Industriais, que
também ocupa um lugar central no conjunto de normas da OIT, não foi considerada para o
caso em estudo devido às características da empresa e de suas instalações.
CONVENÇÃO 148 – MEIO AMBIENTE DE TRABALHO (contaminação do ar, ruído e
vibrações).
Esta Convenção, ratificada pelo Brasil em janeiro de 1982, trata da proteção dos
trabalhadores contra os perigos ocupacionais no ambiente de trabalho devido à poluição do
ar, ruído e vibração. Prevê, também, a consulta às organizações representativas dos
empregadores e empregados, a associação entre representantes de empregados e
empregadores na elaboração, aplicação e acompanhamento nas inspeções das medidas
preventivas de proteção contra os perigos ocupacionais. Dispõe, ainda, sobre o direito dos
trabalhadores de apresentar propostas, de obter informação e treinamento de forma a
assegurar a proteção contra os perigos no ambiente de trabalho devido à poluição do ar,
ruído e vibração.
Cabe ressaltar que a Recomendação 156 referente ao tema chama a atenção para a
necessidade de relacionar o meio ambiente interno e externo, no item 15 das medidas de
prevenção e proteção:
"Ao prescrever medidas para prevenir e limitar a contaminação do ar, ruído e as vibrações
no local de trabalho, a autoridade competente deveria ter em conta a relação existente
entre a proteção do meio ambiente de trabalho e a proteção do meio ambiente em geral".
Definimos como a centralidade dessa convenção os seguintes direitos:
•
proteção dos trabalhadores (inclusive os autônomos, segundo a R. 156) contra os
perigos ocupacionais no ambiente de trabalho (ar, ruído e vibrações);
•
participação dos trabalhadores na elaboração, aplicação e supervisão das medidas
preventivas e de proteção.
Entre os indicadores para a verificação do seu cumprimento destacamos:
•
existência de proteção dos trabalhadores contra os perigos ocupacionais presentes no
ambiente de trabalho;
•
existência de controle dos níveis e limites de exposição a ruído e vibrações;
•
utilização de equipamentos de proteção individual;
•
manutenção preventiva dos equipamentos de controle da poluição do ar, ruído e
vibração;
•
mecanismos de participação dos trabalhadores na elaboração, aplicação e supervisão
das medidas de controle;
•
medidas propostas pelos trabalhadores para proteção;
•
critérios definidos pelos trabalhadores para limites de exposição;
57
•
informação sobre riscos à saúde e segurança devidos à contaminação do ar, ruído e
vibração;
•
registro de treinamento;
•
temporalidade dos exames médicos.
A violação dos direitos previstos na Convenção poderia ser caracterizada pelas situações
abaixo:
•
não é feito controle atmosférico, de ruído e de vibração;
•
não é feita manutenção dos equipamentos;
•
impedimento ou dificuldade de participação;
•
informação não disponível ou incompleta;
•
não é feito treinamento adequado;
•
omissão dos resultados dos exames médicos;
•
empregador mantém o trabalhador no posto em exposição à contaminação do ar, ruído e
vibrações, apesar de o médico não ter aconselhado a sua permanência;
•
empregador não disponibiliza tempo para que os representantes dos trabalhadores
desempenhem um papel ativo na prevenção e limitação dos riscos profissionais.
CONVENÇÃO 155 – SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL
Esta Convenção pretende garantir a segurança e a saúde ocupacional dos trabalhadores e
um ambiente de trabalho sem riscos de acidentes e de danos à saúde. Este objetivo deve ser
alcançado através da formulação, implementação, revisão periódica e da consulta aos
representantes dos empregadores e dos trabalhadores, de uma política nacional de saúde,
segurança ocupacional e ambiente de trabalho. Define as principais esferas de ação desta
política, funções e responsabilidades dos envolvidos. Ressalta a necessidade de se criar um
sistema de inspeção que garanta o enforcement das leis e regulações envolvendo a saúde e
segurança ocupacional e o ambiente de trabalho. O Brasil ratificou a Convenção 155 em
abril de 1992.
Um aspecto importante desta convenção é a preocupação com a melhoria do nível e da
qualidade da informação sobre saúde e segurança ocupacional e o ambiente de trabalho,
demonstrada através da definição de uma série de medidas preventivas e de procedimentos
que os responsáveis e os empregadores devem ser obrigados a adotar. São precários os
dados e informações confiáveis sobre este tema em quase todos os países.
Outro aspecto importante que dispõe o artigo 20 da convenção, e detalhada na R. 164, diz
respeito à necessidade de se adotar medidas de cooperação entre a administração e os
trabalhadores e seus representantes, o que contribui para reforçar as convenções da OIT
sobre as formas de organização no local de trabalho.
"As medidas adotadas para favorecer a cooperação a que faz referência o artigo 20 da
58
convenção deveriam incluir, quando apropriado e necessário, a nomeação, conforme a
prática nacional, de delegados de segurança dos trabalhadores, de comitês operários de
segurança e higiene ou comitês paritários de segurança e higiene, ou destes dois últimos,
os trabalhadores deveriam ter uma representação pelo menos igual a dos empregadores".
No centro das preocupações da C. 155 está:
•
assegurar a prevenção dos trabalhadores em relação à sua saúde e segurança
ocupacional e ao ambiente de trabalho;
•
garantir a representação dos trabalhadores nas questões que envolvem saúde e
segurança ocupacional e ao ambiente de trabalho;
Os indicadores de verificação do cumprimento da Convenção são:
•
existência ou não de medidas de prevenção e de proteção dos trabalhadores em relação
à saúde e segurança ocupacional e o ambiente de trabalho;
•
segurança dos locais de trabalho, das máquinas e equipamentos e dos métodos de
trabalho;
•
instrução e formação necessárias para os trabalhadores;
•
supervisão do trabalho efetuado, das práticas de trabalho utilizadas e das medidas de
segurança e higiene do trabalho aplicadas;
•
fornecimento de equipamento de proteção individual;
•
respeito ao horário de trabalho e aos períodos de descanso;
•
medidas para eliminar o cansaço físico e mental (relativo à adaptação do trabalho às
capacidades dos trabalhadores);
•
nível e qualidade dos dados e informações sobre o tema;
•
controle da saúde dos trabalhadores (exames médicos);
•
iluminação, ventilação, ordem e limpeza dos locais de trabalho;
•
temperatura, umidade e movimento do ar nos locais de trabalho;
•
utilização, manejo e embalagem de produtos perigosos;
•
medidas de controle sobre as substâncias químicas, físicas e biológicas que possam
representar riscos à saúde e segurança dos trabalhadores e o ambiente de trabalho;
•
comunicação sobre alterações nos produtos e processos;
•
existência de CIPA ou outro tipo de organização de representantes dos trabalhadores
para tratar do tema;
•
representantes dos trabalhadores com horas disponíveis e remuneradas para exercer as
funções relativas à saúde e segurança e receber a formação pertinente;
•
existência de médico de segurança do trabalho;
•
existência de ambulatório para atendimento médico.
59
Como violações aos seus dispositivos, apontamos:
•
adoção de medidas restritas de prevenção e de proteção dos trabalhadores em relação à
saúde e segurança no local de trabalho;
•
intimidação para os representantes dos trabalhadores envolvidos com a saúde e
segurança ocupacional e o ambiente de trabalho;
•
não fornecer informação para os trabalhadores sobre saúde e segurança no trabalho;
•
não fornecer treinamento adequado;
•
impedimento de circulação do representante dos trabalhadores pelo local de trabalho;
•
recusa por parte do empregador de deslocar o trabalhador do local por este considerado
de risco à sua saúde e segurança;
•
não-realização de controle da saúde dos trabalhadores;
•
demissão dos representantes dos trabalhadores.
CONVENÇÃO 161 – SERVIÇOS DE SAÚDE NO TRABALHO
Esta Convenção busca assegurar o fornecimento preventivo de serviços de saúde e
segurança no trabalho. Tais serviços incluem, entre outros, a assessoria ao empregador, aos
trabalhadores e seus representantes na empresa, com o objetivo de definir os requisitos
necessários para estabelecer e conservar um meio ambiente de trabalho seguro e saudável.
Os trabalhadores devem ser consultados sobre as medidas a serem adotadas. O Brasil
também ratificou esta Convenção, em maio de 1990.
A Convenção tem como sua centralidade:
•
assegurar um meio ambiente de trabalho seguro e saudável favorecendo a saúde física e
mental dos trabalhadores;
•
participação dos trabalhadores na formulação de medidas que garantam a sua saúde
física e mental.
Os indicadores para a verificação do grau de cumprimento seriam:
•
identificação e avaliação dos riscos que podem afetar a saúde no local de trabalho;
•
nível de informação sobre os riscos à saúde do trabalhador;
•
existência ou não de vigilância sobre os fatores do meio ambiente de trabalho e das
práticas de trabalho que possam afetar a saúde dos trabalhadores (inclusive, instalações
sanitárias, restaurantes, alojamentos etc.);
•
existência ou não de vigilância da saúde dos trabalhadores na sua relação com o
trabalho;
•
participação dos trabalhadores no planejamento e na organização do trabalho, incluindo
o desenho dos locais de trabalho, a seleção, a manutenção e o estado da maquinaria e
dos equipamentos e sobre as substâncias utilizadas no trabalho;
60
•
participação dos trabalhadores no desenvolvimento de programas que visam ao
melhoramento das práticas de trabalho, assim como nos testes e avaliação dos novos
equipamentos, em relação à saúde;
•
adaptação dos trabalhadores ao trabalho;
•
existência ou não no local de trabalho de primeiros socorros e atendimento de urgência;
•
participação dos trabalhadores na análise dos acidentes de trabalho e das enfermidades
profissionais.
Violações à C. 161 podem ser definidas como:
•
a empresa não faz vigilância sobre os fatores do meio ambiente de trabalho e das
práticas de trabalho que podem afetar a saúde dos trabalhadores;
•
a empresa impede ou dificulta a participação dos trabalhadores no planejamento e na
organização do trabalho;
•
a empresa impede ou dificulta a participação dos trabalhadores no desenvolvimento de
programas que visam a melhorar as práticas de trabalho e nos testes e avaliações dos
novos equipamentos em relação à saúde;
•
a empresa não controla a saúde dos trabalhadores na sua relação com o trabalho;
•
os trabalhadores assumem suas tarefas sem passar por um período de adaptação;
•
a empresa se recusa a realizar atendimento de urgência e primeiros socorros;
•
a empresa impede ou dificulta a participação dos trabalhadores na análise de acidentes
de trabalho e enfermidades profissionais.
Além dessas Convenções, vários documentos internacionais e nacionais são considerados
referências internacionais sobre o tema58. Entre eles, se destaca-se a Agenda 21, que é
explícita nos seus objetivos relacionados à mitigação da pobreza e o emprego pleno e
sustentável, propondo:
•
a ratificação das convenções pertinentes da OIT e a promulgação de legislação em
apoio dessas convenções;
•
estabelecimento de mecanismos bipartites e tripartites sobre segurança, saúde e
desenvolvimento sustentável;
58
Podem ser citados a Agenda 21; a Carta Pan Americana sobre Saúde e Meio Ambiente no Desenvolvimento
Humano Sustentável; a Carta sobre Danos Industriais e Direitos Humanos, do Tribunal de Pessoas
Permanente – PPT; a Declaração da Federação Internacional dos Sindicatos dos Trabalhadores da Indústria
Química, de Energia, Mineração e Outros (ICEM). Entre as referências nacionais sobre o tema, existem a
constituições Federal, Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais (leis, decretos, portarias e resoluções), as
Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalhador, a Legislação Ambiental, a Proposta de
Norma Comum dos Países Integrantes do Mercosul, referente à Saúde e Segurança no Trabalho, as propostas
do Movimento Sindical, incluindo a Declaração da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, os
documentos do Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador (INST) e o Seminário Internacional de Segurança
Química.
61
•
aumento do número de acordos ambientais coletivos destinados a alcançar o
desenvolvimento sustentável;
•
reduzir os acidentes, ferimentos e moléstias de trabalho, segundo procedimentos
estatísticos reconhecidos;
•
aumento da oferta de educação, treinamento e reciclagem para os trabalhadores, em
particular nas áreas de saúde e segurança no trabalho e do meio ambiente.
Fala, ainda, sobre o "direito de cada trabalhador à liberdade de associação e proteger o
direito de se organizar, tal como estabelecido pelas convenções da OIT". Mais adiante,
sobre o fortalecimento da participação e das consultas: "promover a participação ativa dos
trabalhadores e de seus sindicatos nas decisões sobre a formulação, implementação e
avaliação de políticas e programas nacionais e internacionais sobre meio ambiente e
desenvolvimento, inclusive políticas de emprego, estratégias industriais, programas de
ajuste de mão de obra e transferência de tecnologia"... Busca assegurar o direito dos
trabalhadores à informação para que possam participar efetivamente nos processos de
tomada de decisão. A política ambiental deve ser estabelecida de forma conjunta
(trabalhadores e empresários), assim como a definição de prioridades para melhorar o
ambiente de trabalho e a performance ambiental geral da empresa.
Estabelece como dever dos sindicatos a participação em auditorias do meio ambiente nos
locais de trabalho e nas avaliações de impacto ambiental e a participação em atividades
relativas ao meio ambiente e desenvolvimento nas comunidades locais, promovendo ação
conjunta sobre problemas potenciais de interesse comum.
Ou seja, diversos itens da Agenda 21, além de reforçarem as convenções da OIT
examinadas, mencionam a integração do ambiente interno de trabalho com o meio
ambiente externo, sempre com a participação dos trabalhadores.
Os documentos internacionais dirigidos especificamente às empresas igualmente tratam,
com bastante detalhamento, das medidas que deveriam ser tomadas para garantir os níveis
máximos de saúde e segurança no trabalho. A “Declaração Tripartite” recomenda a
implementação dos dispositivos das convenções da OIT, a transparência e informação a
respeito de riscos e normas de segurança, a colaboração com as entidades internacionais,
nacionais e organizações de trabalhadores, a incorporação de normas de saúde e segurança
aos acordos coletivos. As “Diretrizes” da OCDE dispensam um capítulo específico sobre a
proteção ambiental, que inclui a minimização dos riscos ambientais e à saúde nas
atividades das empresas. Da mesma forma, o “Global Compact” aborda a questão dentro de
princípios relativos à responsabilidade ambiental. As melhores condições de saúde e
segurança devem ser proporcionadas pela empresa, diz o modelo de “Código de Conduta”
da CIOSL. Vários critérios relativos ao tema fazem parte da SA 8000 (ambiente seguro e
saudável, medidas adequadas de prevenção, treinamento para todos os funcionários,
sistemas de detecção, instalações sanitárias limpas etc.).
Os fornecedores do Wal-Mart (ao menos das lojas norte-americanas) deveriam prover aos
seus trabalhadores condições seguras e saudáveis, serviços médicos adequados, medidas de
combate e de segurança contra incêndio, postos de trabalho bem iluminados e confortáveis,
62
banheiros limpos e, onde fosse necessário, habitações adequadas. O treinamento em matéria
de segurança também aparece como condição do Código de Conduta. O Código de Ética,
por sua vez, diz que “a política da empresa é de conduzir seus negócios de maneira
socialmente responsável e ética, no sentido de proteger o ambiente, a saúde e a segurança”,
e exige dos seus empregados que cumpram a legislação pertinente.
5.5.2. Resultado da observação
Vários casos de acidentes e doenças profissionais aparecem nos depoimentos de
trabalhadores entrevistados, tais como impactos, quedas e cortes. Vários equipamentos,
como empilhadeiras, serras-fitas, facas, entre outros equipamentos, surgem como fontes de
riscos. Produtos tóxicos ou inflamáveis são citados, entre eles o gás combustível e produtos
de limpeza. As doenças apontadas são as lesões por esforço repetitivo (LER, também
chamadas de doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho – DORT), problemas
ósseo-musculares, doenças respiratórias (sinusites, principalmente).
As áreas do hipermercado consideradas mais críticas pelos entrevistados, em matéria de
saúde ocupacional, são os açougues, pelos efeitos do trabalho em baixas temperatura, e a
frente de caixa, pela alta incidência de LER.
Sobre as medidas destinadas a assegurar a segurança ocupacional, um dos problemas mais
evidentes nas entrevistas realizadas é a falta de treinamento ou instrução dos trabalhadores
para o manuseio de produtos e equipamentos perigosos. Essa falta é verificada mesmo onde
ela é expressamente exigida, como no caso de operadores de empilhadeira. No entanto, ao
menos um trabalhador em cada departamento recebe um curso de “socorrista”, preparandose para dar atendimento imediato a acidentados no Supercenter.
A falta de instrução e treinamento em matéria de segurança no trabalho pode ser explicada
pela forma como os trabalhadores são treinados para realizarem as atividades nos postos de
trabalho. O aprendizado da tarefa, via de regra, é feito no próprio local de trabalho e as
instruções são dadas pelos colegas. Não há, segundo os entrevistados, um momento de
instrução ou treinamento específico que anteceda o exercício da atividade laboral. O
problema parece estar bastante relacionado, também, à alta rotatividade de mão-de-obra
que caracteriza o setor.
Outro problema refere-se à falta de equipamentos de proteção individual (EPIs),
especialmente para prevenir os efeitos da exposição a baixas temperaturas. Em várias
entrevistas, os trabalhadores afirmaram que os EPIs são fornecidos, mas estão em más
condições ou então são disponíveis em número insuficiente.
As condições de segurança e higiene no trabalho são supervisionadas por técnico em
segurança do trabalho, mas os trabalhadores não avaliam positivamente essa supervisão.
Uma das causas apontadas para a deficiência nos aspectos de segurança é a limitação
orçamentária imposta pela empresa.
63
A atuação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) recebe elogios e
críticas. Alguns afirmam que as CIPAs são atuantes e estão presentes no dia-a-dia dos
trabalhos, enquanto outros as criticam por atuarem apenas depois que acidentes ocorrem.
De todo modo, os entrevistados estavam bem informados da sua existência e do processo
eleitoral para a escolha dos representantes dos empregados. Um problema geral que
também limita a atuação da CIPA é o da restrição orçamentária para gastos nas lojas.
Alguns trabalhadores declararam que não há manutenção preventiva em máquinas e
equipamentos e que a manutenção corretiva é precária. Um dos gerentes entrevistados
avaliou que os equipamentos do Supercenter estão desatualizados ou em más condições de
funcionamento, inclusive reduzindo o nível de segurança.
Os exames periódicos são realizados pela empresa.
Sobre as condições no local de trabalho, os trabalhadores avaliaram os aspectos de
iluminação, temperatura, umidade, ventilação, ordem e limpeza. Os principais problemas
foram destacados no aspecto da temperatura, principalmente nas câmaras frias ou em
fornos e outras fontes de calor. Em algumas áreas foram feitas críticas à umidade, inclusive
apontando a existência de goteiras em ambiente de trabalho, e na organização dos postos de
trabalho.
Os Supercenters dispõe de ambulatórios e uma equipe de médicos e enfermeiros. A
avaliação desse serviço médico-ambulatorial também divide as opiniões dos entrevistados.
Enquanto alguns entrevistados se disseram satisfeitos com o atendimento, outros o
criticaram duramente. As queixas criticavam médicos e enfermeiros por prescreverem
medicamentos visando à eliminação rápida dos sintomas de modo a fazer com que os
trabalhadores pudessem voltar imediatamente ao trabalho.
A empresa oferece aos trabalhadores (exceto para os “part-time”) plano de saúde com
médicos e hospitais conveniados. Apesar de os trabalhadores arcarem com parte dos custos
do plano de saúde, tanto o atendimento quanto as licenças recomendadas pelos médicos
conveniados devem passar pelo crivo do serviço médico da empresa. Com isso, há uma
limitação do acesso aos serviços médicos, além de haver, segundo alguns entrevistados, a
sistemática redução dos prazos das licenças prescritas para a recuperação do estado de
saúde.
A alta incidência de LER é apontada por vários entrevistados. A esse respeito, é importante
registrar que nem sempre o trabalhador lesionado é transferido de função, mesmo quando
há recomendação médica para tanto.
Os aspectos ambientais da atividade dos Supercenters apareceram com menor destaque nas
entrevistas com trabalhadores. As perguntas feitas referiram-se apenas à destinação do lixo
produzido nos Supercenters e à emissão de ruídos. O procedimento dos Supercenters é de
separação do papelão do restante do lixo, destinando-o à reciclagem. Todo o lixo do
hipermercado é compactado e transportado para as áreas públicas de aterro sanitário. O
funcionamento dos Supercenters não gera emissão de ruídos para a vizinhança.
64
6. PARECER
6.1. Liberdade Sindical
Centralidade da Convenção OIT 87: existência de liberdade de organização dos
trabalhadores.
A organização sindical por local de trabalho, encontrada na pesquisa, resume-se à presença
de um dirigente sindical numa das duas lojas da Wal-Mart.
Em ambas as unidades há CIPA e os trabalhadores têm um bom nível de informação sobre
suas atividades e os processos eleitorais para a escolha de seus representantes. Entretanto,
há registro de que a empresa não informava aos sindicatos as datas dessas eleições, bem
como não mantinha registradas as atas das reuniões de uma delas.
Observou-se que os dirigentes sindicais não possuem livre acesso aos supercenters para o
exercício de suas atividades. Esse acesso só existe no caso de dirigente que trabalha na
própria loja.
A liberdade de difusão e comunicação também é restringida pela impossibilidade do acesso
dos dirigentes sindicais aos locais de trabalho. Para fazer chegar aos trabalhadores o seu
material informativo, o sindicato só dispõe de autorização da empresa para deixá-lo à
disposição de quem passa pelas entradas funcionais dos Supercenters.
Nunca ocorreram reuniões no interior da empresa, nas unidades pesquisadas. Uma
assembléia foi mantida no portão da loja de Osasco, durante paralisação realizada em abril
de 1998.
A empresa recolhe e repassa as contribuições financeiras em favor dos sindicatos. Embora
não se possa dizer que a empresa pressione seus funcionários a não contribuírem com os
sindicatos, há indícios de que estimula concretamente essa atitude.
Segundo os entrevistados, a empresa já utilizou de meios policiais para a repressão ao
movimento grevista. Além disso, alguns trabalhadores e sindicalistas entrevistados
disseram que a empresa demitiu os empregados que haviam participado da uma paralisação
da loja em 1998.
6.2. Negociação Coletiva
Centralidade da Convenção OIT 98: Assegurar o direito de todos os trabalhadores à
negociação coletiva sem interferência.
O primeiro aspecto realçado na pesquisa é o descumprimento sistemático pela Wal-Mart de
cláusulas das Convenções Coletivas que regulam as condições de trabalho da categoria
65
comerciária. Esse descumprimento ocorre principalmente, mas não só, em relação ao
trabalho nos domingos e feriados, onde a empresa se aproveita de uma confusão jurídica
criada com a edição de Medida Provisória pelo Governo Federal. Agindo assim, a empresa
desrespeita a negociação coletiva, tirando a credibilidade e efetividade dos instrumentos
normativos livremente aceitos.
Mesmo que essa questão ainda continue sem resposta satisfatória, a ação coletiva dos
trabalhadores organizados pela sua entidade sindical originou uma mudança de postura da
empresa no sentido de negociar as condições de trabalho. Por isso, a vigência dos direitos
de organização sindical no local de trabalho seria muito importante para a instauração de
processos negociais mais efetivos entre empresa e sindicatos.
6.3. Trabalho Infantil
Centralidade da Convenção OIT 138: efetiva erradicação do trabalho infantil.
Não se constatou o emprego de crianças e adolescentes pelo Wal-Mart, nas lojas estudadas,
em dissonância com os limites previstos na Convenção e na legislação brasileira (idade
mínima de 16 anos). Esse fato também se verifica para o caso dos trabalhadores
terceirizados em atividade na empresa.
O trabalho de adolescentes é empregado, eventualmente, nas funções de empacotador e
contínuo, notadamente nas épocas de picos de vendas. Cabe registrar que essas funções têm
remuneração inferior ao piso mínimo válido para o restante da categoria.
Embora a análise tenha se restringido ao âmbito da empresa, notou-se que tanto
trabalhadores quanto sindicalistas não tinham informações sobre se a empresa exigia de
seus fornecedores que não utilizassem o trabalho de crianças na produção ou prestação de
serviços.
6.4. Discriminação em Relação a Gênero e Raça
Centralidade das Convenções OIT 100 e 111: igualdade de oportunidade entre sexo,
origens raciais, religião, opinião política e ascendência.
Os depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras dos dois Supercenters, recolhidos através
das entrevistas, mostram que existe uma pronunciada segmentação dos postos de trabalho
masculinos e femininos. A presença de mulheres em várias áreas dos Supercenters é
limitada quantitativamente.
Com base na opinião dos entrevistados, a ocupação de cargos de chefia é desigual, já que as
mulheres estariam em franca minoria. Na medida em que se observa a ocupação dos cargos
nos escalões mais altos da empresa, o número de mulheres diminui. Ressalvando que dados
mais precisos poderiam ser fornecidos pela própria empresa, se poderia dizer que há uma
66
deficiência da empresa em promover a igualdade na ocupação dos cargos de maior
responsabilidade gerencial.
Quanto aos critérios para a promoção funcional, os entrevistados descartaram que a
empresa discrimine por sexo.
Os entrevistados também descartaram essa discriminação na seleção e contratação de
funcionários, embora digam que há preferência por contratar pessoas de um ou outro sexo,
dependendo da atividade e setor de trabalho.
De modo geral, os entrevistados disseram que as mulheres grávidas recebem condições
especiais de trabalho, sendo transferidas para postos de trabalho mais adequados. No
entanto, alguns depoimentos contradizem tal afirmação, dizendo que o tratamento
dispensado por gerentes desconsidera o estado especial das trabalhadoras gestantes.
Os entrevistados também não identificam qualquer discriminação contra as mulheres nas
oportunidades de treinamento oferecidos pela empresa.
Um problema que apareceu com certa freqüência nos depoimentos dos entrevistados foi o
do assédio sexual sobre as trabalhadoras. Apesar de a empresa seguir uma política de
“portas abertas”, reconhecida pela maioria, ela não parece ser suficiente para evitar o
problema.
Assim como no caso da discriminação contra as mulheres, a discriminação contra pessoas
da raça negra, ou em função da cor da pele, não transparece nitidamente nos discursos dos
entrevistados. No entanto, perguntados sobre as características pessoais dos seus chefes
diretos, os entrevistados disseram ser predominantemente pessoas da cor branca.
6.5. Meio Ambiente, Saúde e Segurança Ocupacional
A proteção da saúde e segurança dos trabalhadores do Wal-Mart tem vários pontos críticos,
resultando na freqüência de acidentes e de doenças ocupacionais.
Há uma nítida carência de treinamento do conjunto dos trabalhadores em matéria de
prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, manuseio e operação de produtos e
equipamentos perigosos.
Outro problema é a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), ou seu estado de
conservação, especialmente para prevenir os efeitos da exposição a baixas temperaturas.
A supervisão da segurança de trabalho e a atuação das CIPAs esbarram na limitação
orçamentária para implementar as medidas necessárias para atenuação dos problemas
encontrados. A articulação entre sindicatos e representantes dos trabalhadores nas CIPAs é
inexistente ou está em fase inicial.
67
As condições de manutenção e a obsolescência de equipamentos surgiram como aspectos
críticos relacionados ao problema.
Em geral, as condições ambientais do local de trabalho são satisfatórias, segundo os
entrevistados, mas existe exposição a grandes variações de temperatura.
O atendimento pelo serviço médico-ambulatorial recebeu críticas dos trabalhadores,
principalmente a prescrição de medicamentos visando à eliminação rápida dos sintomas e à
volta imediata ao trabalho. A utilização dos serviços do plano de saúde oferecido pela
empresa também é criticada por excluir os trabalhadores “part-time” e estar submetida a
controle pelo serviço médico da empresa.
68
7. RECOMENDAÇÕES
A seguir são apresentadas recomendações visando à superação dos problemas encontrados
na empresa, em termos dos direitos fundamentais do trabalho. As recomendações dirigemse aos atores sociais para a situação estudada, especialmente à empresa e às entidades
sindicais de trabalhadores, no sentido de que podem desenvolver ou incrementar ações
direcionadas para a superação dos problemas identificados na pesquisa.
LIBERDADE SINDICAL
Articulação da presença sindical nos locais de trabalho, no nível dos sindicatos e de uma
possível ação intersindicatos.
Acompanhamento, pelos sindicatos, das atividades das CIPAs, bem como dos processos
eleitorais para a escolha dos representantes dos trabalhadores.
Livre acesso dos dirigentes sindicais aos Supercenters para o exercício de suas atividades,
inclusive para distribuição de informativos e comunicações aos trabalhadores.
Garantir que haja espaço para campanhas de sindicalização entre os trabalhadores.
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Estímulo a um canal regular de negociação entre empresa e sindicatos.
Cumprimento rigoroso das convenções e acordos coletivos, pela empresa, valorizando a via
negocial para a solução de conflitos de interesse.
Ações sindicais voltadas para a informação e comunicação da categoria, a respeito dos
acordos e convenções coletivas.
TRABALHO INFANTIL
O emprego de jovens, quando ocorrer, deve se dar nos limites de idade previstos na
Constituição Federal e na legislação pertinente, evitando contratá-los em condições
salariais inferiores às dos demais trabalhadores.
A empresa deveria estabelecer em contrato que seus fornecedores não empreguem crianças
e adolescentes com idades abaixo de 16 anos na produção, dando publicidade dessa
exigência aos trabalhadores, aos sindicatos e à comunidade em geral.
69
DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO E RAÇA
Uma política ativa de promoção da igualdade na ocupação dos postos de trabalho sem
distinção de sexo e raça, que faça parte das diretrizes de RH.
Uma revisão na política direcionada para a coibição da prática de assédio sexual deve ser
implementada, de modo a aumentar sua eficácia.
Garantir à trabalhadora gestante que possa ter uma gravidez saudável e tenha condições
físicas e organizacionais de trabalho adequadas à sua condição especial.
MEIO AMBIENTE, SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL
Estender o treinamento em matéria de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais,
manuseio e operação de produtos e equipamentos perigosos a todos os trabalhadores da
empresa.
O uso de EPIs deve ser assegurado.
Dar prioridade no orçamento à implementação de medidas de prevenção e correção de
situações de risco.
Revisão da qualidade do atendimento dispensado pelo serviço médico-ambulatorial e
melhoria das condições de acesso ao plano de saúde.
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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25.10.1996. “Wal-Mart abre seu supercenter” s/d. “Apas constata no Wal-Mart perfil diferente na
estratégia de mercado”, s/d. “Comércio luta contra as dificuldades em busca de estabilidade”, s/d.
“Horário livre do comércio vira projeto de lei - 1998”, s/d.
71
Diário de Bauru. “Locais têm crescimento pós-Wal-Mart”, 19.9.97. “Concorrência forçou mudanças”,
25.04.99, p.35. “Crise, aqui?”, 25.4.99, p. 35. “Concorrência leva à modernização”, 25.4.99, pág. 35.
“Agora é Sé”, 16.5.99, pág. 21. “Wal-Mart já dispensa funcionários em Bauru”, 12..9.97.
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Eternit”.6.5.95. “Giglio concede alvará à empresa Wal-Mart”. 24.5.95. “Carrefour e Wal Mart "são
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21.11.95. “Movimento excessivo obriga Wal Mart a implantar sistema de rotatividade de entrada”,
28.11.95. “Hipermercados fazem trânsito na região aumentar em até 30%”, 23.11.95. “Concorrência
favorece consumidor osasquense”, 8.11.95. “Pequenos vão recorrer à Justiça contra fornecedores do Wal
Mart e Carrefour”, 1.12.95. “Comerciantes fazem protesto contra Wal Mart e Carrefour”, 6.12.95.
“Vendas em mercados de bairro caíram 50% em um ano”, 20.12.96. “Funcionários do Wal-Mart
decidem hoje sobre abertura aos domingos”, 18.9.96. “Sindicato reclama de piso salarial de
hipermercado”, 28.5.97. “Supermercados dão prazo de até 90 dias aos clientes”, 26.4.97. “Concorrência
reduz em 50% as vendas nos mercados de bairro”, 28.5.97. “Ex-funcionária acusa direção do Wal-Mart
de coação”, 2.8.97.
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