RELATÓRIO GERAL DA OBSERVAÇÃO WAL-MART BRASIL Ltda. SEDE DO OBSERVATÓRIO SOCIAL Av. Luiz Boiteux Piazza, 4810 Ponta das Canas - Ilha de Santa Catarina Florianópolis - SC - CEP 88.056-000 Fone (048) 261.4000 • Fax (048) 261.4060 E-mail: [email protected] 2 OBSERVATÓRIO SOCIAL CONSELHO DIRETOR Adi do Santos - Representante do DIEESE; Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico Nacional (DIEESE); Domingos Lino – Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST); Jorge Lorenzetti - Representante da Escola Sul da CUT - Coordenador Geral; José Olívio Miranda de Oliveira Representante no Conselho de Administração da OIT; Kjeld A. Jakobsen - Secretário de Relações Internacionais da CUT Brasil – Presidente do Conselho Diretor; Marcelo Borges Sereno – Secretário de Organização da CUT Brasil; Maria Ednalva Bezerra de Lima - Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT Brasil (CNMT); Mônica Valente – Departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos (DESEP); Odilon Luís Faccio - Coordenador de Desenvolvimento Institucional (Escola Sul); Pascoal Carneiro - Secretário de Política Social da CUT; Pieter Sijbrandij Coordenador Administrativo-Financeiro (Escola Sul); Sidney Lianza Representante da UNITRABALHO; Tullo Vigevani - Representante do CEDEC. COORDENAÇÃO EXECUTIVA Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico Nacional; Jorge Lorenzetti - Coordenador Geral; Kjeld A. Jakobsen - Presidente do Conselho Diretor; Odilon Luís Faccio - Coordenador de Desenvolvimento Institucional; Pieter Sijbrandij Coordenador Administrativo-Financeiro. COORDENAÇÃO TÉCNICA Clemente Ganz Lúcio - Coordenador Técnico Nacional; Clóvis Scherer - Coordenador do Satélite Sul; Odilon Luís Faccio - Coordenador de Desenvolvimento Institucional; Pieter Sijbrandij Coordenador Administrativo-Financeiro; Rogério Valle - Coordenador do Satélite RJ; Ronaldo Baltar - Coordenador do Satélite SP. EQUIPE RESPONSÁVEL PELA PESQUISA Clóvis Roberto Scherer - Coordenador – DIEESE; Márcia Miranda Soares – Pesquisadora – CEDEC; Júlio Cardoso – Auxiliar de Pesquisa – Escola Sul; Rosângela Augusta da Silva – Auxiliar de Pesquisa – CEDEC; Paola Capelim – Consultora – UNITRABALHO; João Carlos Nogueira – Consultor - INSPIR. O QUE É O OBSERVATÓRIO SOCIAL O Observatório Social é uma organização com a missão de analisar, observar e difundir a aplicação de normas/convenções sociais, ambientais e trabalhistas por parte das empresas, organizações e governos em âmbito nacional e internacional. Além disto, o Observatório Social também tem o objetivo de observar e difundir a situação social no Brasil, especialmente do Trabalho Infantil e Forçado, das discriminações de Gênero e Raça e da situação do Meio Ambiente. A criação do Observatório Social é uma iniciativa da CUT Brasil e Escola Sul, em cooperação com o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) e Rede Inter-Universitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho). Florianópolis, junho de 2000 3 Apresentação Durante meses, entre final de 1999 e início de 2000, pesquisadores da equipe do Observatório Social foram a campo em busca de informações sobre a Wal-Mart do Brasil Ltda., subsidiária da norte-americana Wal-Mart, maior empresa de comércio varejista do mundo e uma das principais do ramo no país. Além de buscar traçar a estratégia comercial e o perfil da empresa, o foco da pesquisa foi verificar a sua atuação com relação ao cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho e com relação ao meio ambiente, contemplados nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além da pesquisa de campo, documentos de natureza pública foram utilizados. Os resultados estão apresentados neste Relatório Geral de Pesquisa. Nele também estão contidas algumas recomendações para que a empresa se ajuste ao cumprimento das Convenções da OIT, nos casos em que houve descumprimento ou em que a atuação da empresa é bastante tímida. É importante ressaltar que, para ser possível, essa pesquisa contou com o apoio de várias entidades e aporte financeiro do Centro de Solidariedade da AFL-CIO, central sindical dos trabalhadores norte-americanos. Os trabalhadores, empresários e a sociedade em geral têm em mãos, a partir de agora, um documento inédito, com informações que podem contribuir não só para a melhoria das relações sociais – notadamente as relações de trabalho – como para o aperfeiçoamento dos instrumentos de construção da cidadania e fortalecimento da democracia. Coordenação Executiva do Observatório Social 4 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 5 2. O OBSERVATÓRIO SOCIAL ................................................................................................................... 7 2.1. OBJETIVOS GERAIS................................................................................................................................... 7 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS .......................................................................................................................... 8 3. METODOLOGIA DA OBSERVAÇÃO..................................................................................................... 9 3.1. JUSTIFICATIVA ......................................................................................................................................... 9 3.2. OBJETIVOS ............................................................................................................................................. 10 3.3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................................................... 11 4. PERFIL DO SETOR E DA EMPRESA ................................................................................................... 14 4.1. TRANSFORMAÇÕES DO SETOR DO COMÉRCIO VAREJISTA ........................................................................ 14 4.2. SUPERMERCADOS NO BRASIL ................................................................................................................. 16 4.3. A WAL-MART ........................................................................................................................................ 18 4.4. EXPANSÃO INTERNACIONAL .................................................................................................................. 20 4.5. DESEMPENHO ECONÔMICO E FINANCEIRO ............................................................................................. 21 4.6. A WAL-MART DO BRASIL ...................................................................................................................... 22 5. OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO................................................................................................. 29 5.1. LIBERDADE SINDICAL ............................................................................................................................ 30 5.2. NEGOCIAÇÃO COLETIVA ......................................................................................................................... 35 5.3. TRABALHO INFANTIL .............................................................................................................................. 40 5.4. DISCRIMINAÇÃO CONTRA GÊNERO E RAÇA ............................................................................................. 44 5.5. MEIO AMBIENTE, SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL ........................................................................ 55 6. PARECER................................................................................................................................................... 64 6.1. LIBERDADE SINDICAL ............................................................................................................................ 64 6.2. NEGOCIAÇÃO COLETIVA ........................................................................................................................ 64 6.3. TRABALHO INFANTIL ............................................................................................................................. 65 6.4. DISCRIMINAÇÃO EM RELAÇÃO À GÊNERO E RAÇA ................................................................................. 65 6.5. MEIO AMBIENTE, SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL ........................................................................ 66 7. RECOMENDAÇÕES................................................................................................................................ 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................... 70 5 1. INTRODUÇÃO A pesquisa realizada pelo Observatório Social na Wal-Mart do Brasil Ltda., uma das principais empresas no ramo do comércio varejista do país, buscou traçar o perfil da empresa e verificar a sua atuação em relação aos direitos fundamentais no trabalho e ao meio ambiente, contemplados nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As atividades da pesquisa foram desenvolvidas entre os meses de novembro de 1999 e março de 2000. A escolha desta empresa se justificou pelos seguintes fatores: • a posição de liderança da empresa no comércio varejista em escala mundial; • a estratégia de expansão internacional, que abarca vários países em desenvolvimento, em especial do Mercosul; • a importância da multinacional no setor do comércio varejista brasileiro, no segmento de hiper e supermercados; • o interesse das entidades sindicais brasileiras e norte-americanas; • o interesse demonstrado por entidades sindicais de vários países na formulação de uma estratégia global frente à empresa. Coerente com a proposta metodológica do Observatório, o envolvimento dos sindicatos de trabalhadores se materializou na parceria com as seguintes entidades: • Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio da Central Única dos Trabalhadores (CONTRACS/CUT) • Sindicato dos Empregados no Comércio de Osasco e Região; • Sindicato dos Empregados do Comércio de Bauru; e • Sindicato dos Empregados no Comércio de São Paulo. Cabe ressaltar que esses sindicatos são filiados a diferentes centrais sindicais, respectivamente à CUT, União Sindical Independente (USI) e à Força Sindical. Isso mostra a capacidade de aglutinação do movimento sindical comerciário e de superação de diferenças internas para a realização de iniciativas como a dessa pesquisa. Além dessas entidades, o trabalho contou com a participação da Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora (CNMT), da CUT, na medida em que se buscou aprofundar a questão da discriminação de gênero nesse trabalho, bem como aprimorar instrumentos de pesquisa sobre o tema. O envolvimento da empresa também foi perseguido. O plano de pesquisa previa um encontro com a direção da empresa. Seriam apresentadas a pesquisa e as formas pelas quais a empresa poderia contribuir. Por problemas de agenda do presidente da empresa, este processo não se concretizou. As entrevistas com membros da direção da empresa, visando a obter dados e informações precisas acerca do desempenho em matéria social e ambiental, bem como das unidades pesquisadas, não ocorreram. Desse modo, a pesquisa baseou-se em fontes sindicais e em documentos de natureza pública. Foram entrevistados trabalhadores, empregados ou ex-funcionários de três 6 Supercenters (hipermercados), alguns com cargos de chefia, contatados através do sindicato, bem como dirigentes dos três sindicatos acima relacionados. Obviamente, a ausência da empresa no processo serviu para que a pesquisa ganhasse uma marca sindical mais acentuada. Os resultados da observação estão apresentados neste Relatório Geral da Pesquisa, junto com informações sobre o Observatório Social e a descrição do processo de desenvolvimento da pesquisa. O primeiro capítulo do Relatório faz uma apresentação sintética do Observatório Social e seus objetivos. A seguir, é apresentada a metodologia da Observação, justificando a escolha da empresa como objeto de estudo, os objetivos e procedimentos de pesquisa utilizados. O terceiro capítulo resgata algumas tendências gerais do setor do comércio varejista no mundo e no Brasil em particular. Após essa contextualização, o mesmo capítulo apresenta a empresa Wal-Mart Inc. e sua filial brasileira, a Wal-Mart Brasil Ltda., desenhando o perfil de sua estrutura e operações, aspectos econômicos e financeiros e um histórico da instalação no país e nas cidades de Osasco e Bauru. O capítulo quarto apresenta os resultados da Observação da conduta da empresa em relação aos direitos fundamentais no trabalho. A seguir são resumidas as conclusões da Observação, a título de parecer, no capítulo quinto. Por fim, no sexto capítulo, são feitas recomendações visando a assegurar a plenitude do cumprimento desses direitos fundamentais. 7 2. O OBSERVATÓRIO SOCIAL O projeto de criação de um Observatório, para gerar informações consistentes e de credibilidade sobre o desempenho social e trabalhista das empresas e governos, surgiu a partir do debate sobre a adoção de cláusulas sociais e ambientais nos acordos de comércio internacional. Por iniciativa da CUT Brasil, no ano de 1997 foram traçadas as linhas gerais da proposta do Observatório Social. A criação do Observatório Social foi uma iniciativa da CUT Brasil e Escola Sul, em cooperação com o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) e Rede InterUniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho). Essas organizações estão representadas nas instâncias de direção do Observatório1. 2.1. Objetivos Gerais O projeto do Observatório Social tem por objetivo a construção de uma referência permanente e cumulativa de conhecimentos e informações para a atuação eficaz dos movimentos sociais, em especial do sindicalismo, no contexto de aprofundamento da internacionalização da economia mundial. Busca fortalecer a ação sindical nacional e internacional, dotando os trabalhadores de um instrumento que possa contribuir para a promoção e o respeito aos direitos sociais. Representa a vontade política de analisar e verificar, nos âmbitos nacional e internacional, a aplicação de princípios e regras sociais e trabalhistas por parte das empresas ou governos. O Observatório Social sustenta-se na visão de que cabe aos trabalhadores e seus parceiros a responsabilidade pelo desenvolvimento de mecanismos que impulsionem a globalização de direitos num contexto de globalização da economia e dos mercados. É um projeto com dimensão propositiva, na medida em que busca analisar, elaborar estudos e subsídios para propostas de ação social e sindical. Para que a sociedade e, em especial, o movimento sindical, possa responder de maneira mais eficiente aos novos processos, é preciso acompanhá-los e, sobretudo, capacitar-se para diagnósticos adequados sobre as conseqüências das políticas governamentais e empresariais. Desta forma, a relevância da iniciativa de criação do Observatório está consubstanciada nas seguintes bases: • 1 Importância, necessidade e urgência de ações concretas pela globalização de direitos em âmbito nacional e internacional; A estrutura diretiva do Observatório é constituída por um Conselho Diretor, uma Coordenação Executiva e uma Coordenação Técnica. No Conselho Diretor, órgão máximo de deliberação, tomam assento representantes das organizações parceiras no Observatório: CUT Brasil, DIEESE, Unitrabalho e CEDEC. 8 • Defesa de cláusulas sociais e ambientais no comércio internacional e na constituição de blocos, como um espaço e um caminho para impulsionar a produção de informações e conhecimentos indispensáveis para uma adequada ação dos sujeitos políticos e sociais na luta pela proteção e ampliação de direitos sindicais e sociais; • Importância, necessidade e urgência de movimentos/ações/iniciativas que combinem o fortalecimento e qualificação do sindicalismo em articulação com outros sujeitos sociais e o envolvimento da sociedade de uma forma mais geral, potencializando movimentos mais amplos pela universalização da cidadania e da democracia. 2.2. Objetivos Específicos O Observatório Social definiu um conjunto de objetivos específicos, quanto à relação com seus parceiros sociais e a divulgação dos resultados de suas atividades para a sociedade civil. São eles: • Observar a performance de empresas e/ou organizações em relação ao cumprimento dos direitos básicos no trabalho, contemplados nas convenções internacionais da OIT que compõem a "Cláusula Social", e em relação ao meio ambiente, bem como ao perfil geral e outras especificidades de empresa; • Produzir relatórios e emitir pareceres sobre empresas e/ou organizações observadas; • Produzir estudos e pesquisas sobre os temas-objeto do Observatório. 9 3. METODOLOGIA DA OBSERVAÇÃO 3.1. Justificativa O processo de globalização econômica tem como principais características a expansão dos fluxos comerciais, dos investimentos estrangeiros diretos e das transações financeiras internacionais, bem como da estruturação de blocos econômicos regionais com força polarizadora. No Brasil, essas características são claramente visíveis e vêm se fortalecendo progressivamente ao longo da presente década, com a abertura comercial, o ingresso de capitais financeiros nas bolsas de valores e no sistema financeiro e a participação ativa do país no Mercosul. A instalação de empresas estrangeiras no Brasil é um dos elementos que melhor traduzem a inserção do país nesse processo de globalização em curso. Em vários setores da indústria e dos serviços é notável a velocidade e a magnitude do avanço do capital estrangeiro. A presença estrangeira, multinacional ou transnacional, chamou a atenção no setor bancário, na indústria de autopeças, nas telecomunicações e na energia, entre outros, sendo difícil encontrar atividade econômica em que não tenha se expandido. Para dar noção do tamanho dos investimentos estrangeiros diretos, basta dizer que eles se multiplicaram por onze entre 1994 e 1998. Uma vez que a maior parte desses investimentos destinou-se à aquisição de empresas, particularmente no processo de privatização, implicaram mais na transferência de ativos já existentes do que na ampliação da capacidade produtiva instalada. Embora possam significar a realização de investimentos produtivos e a geração de novos empregos, a maior presença das empresas estrangeiras também pode trazer uma série de conseqüências preocupantes para o país e para os trabalhadores. O risco de uma crise cambial aumenta com a ameaça de uma interrupção ou inversão do fluxo de capitais. As decisões fundamentais sobre os investimentos e o domínio da tecnologia em suas expressões mais avançadas transferem-se para os países-sede das empresas, dificultando o desenvolvimento nacional. Além disso, por adotarem tecnologias intensivas em capital, muitas vezes não contribuem com a geração de novos postos de trabalho ao se instalarem no país. Além disso, essas empresas têm implantado técnicas gerenciais e de produção que se caracterizam por acelerar o ritmo e a intensidade do trabalho e exercer grande pressão sobre os trabalhadores. Dada a posição de liderança que normalmente assumem nos setores e nas cadeias produtivas, suas práticas difundem-se para o conjunto da economia. Muitas vezes, junto com tais técnicas, ou por causa delas, direitos trabalhistas e sociais terminam sendo aviltados. Nos anos 90 ocorreu no Brasil uma onda de investimentos de empresas estrangeiras no setor supermercadista. Isso é evidenciado pela instalação de grupos como o Sonae e o Jerônimo Martins, de Portugal, o Royal Ahold, da Holanda, e o Wal-Mart, dos Estados Unidos. Para se expandir, as redes estrangeiras têm adotado tanto a estratégia da aquisição de redes menores, de capital nacional, como a abertura de novas unidades, ampliando sua presença no setor comércio em termos de faturamento. Em 1998, das dez maiores redes de supermercados do país, seis eram empresas de capital estrangeiro. 10 A instalação da Wal-Mart no Brasil representou a chegada do maior grupo de distribuição do mundo, com faturamento de US$ 138 bilhões em 1999. Apesar de ter se instalado no Brasil há cinco anos, essa empresa já é a sexta maior rede supermercadista do país em faturamento. Dispõe, atualmente, de dezesseis unidades e emprega diretamente cerca de seis mil trabalhadores. O movimento sindical preocupa-se com o processo de globalização por vários motivos, entre os quais se destaca a tendência de redução dos direitos trabalhistas e sociais e conseqüente piora nas condições de vida dos trabalhadores. As grandes empresas estariam aproveitando a ausência de barreiras à sua movimentação para cortar seus custos, inclusive com pessoal, preferindo as áreas onde esses custos são menores ou ameaçando usar sua capacidade de deslocamento geográfico como instrumento de pressão, visando a obter vantagens, de natureza fiscal, financeira ou infraestrutural. Aos trabalhadores atinge de imediato a pressão que exercem no sentido da desregulação e flexibilização do mercado de trabalho. Uma vez que a globalização põe este mecanismo em marcha no mundo todo, teme-se que os países se lancem numa concorrência pelos investimentos das multinacionais, oferecendo, como atrativo, contínuas reduções nos custos laborais. Em conseqüência, haveria um movimento descendente de direitos, de empobrecimento e piora nos indicadores sociais em vastas regiões do planeta. Entre as várias formas atualmente discutidas para evitar este ciclo vicioso está a observação da prática das empresas com vistas a instrumentalizar a sociedade para agir contra comportamentos julgados prejudiciais. Outra preocupação do movimento sindical, compartilhada por organizações nãogovernamentais (ONGs) e pela comunidade acadêmica, diz respeito às dificuldades que os setores populares dos países em desenvolvimento encontram para organizar-se na defesa de seus interesses diante dos efeitos do processo de globalização. O conhecimento técnicocientífico é um componente importante para a ação organizada da população diante dos problemas que emergem da globalização. 3.2. Objetivos O objetivo principal da Observação é a verificação do cumprimento, pela Wal-Mart no Brasil, dos direitos fundamentais no trabalho estabelecidos pelas Convenções da OIT, bem como dos efeitos de sua atuação em relação ao meio ambiente. São as seguintes as Convenções da OIT que estabelecem os direitos fundamentais no trabalho a serem considerados na Observação: • Liberdade Sindical (Convenções 87 e 151); • Direito de Organização e Negociação Coletiva (Convenções 98 e 135); • Proibição de Toda Discriminação (Convenções 100 e 111); • Proibição do Trabalho Infantil (Convenção 138); • Proibição do Trabalho Forçado (Convenções 29 e 105); • Saúde e Segurança Ocupacional (Convenções 148, 155, 170 e 174). 11 Além deste objetivo principal, a pesquisa visa a: • promover a participação e o envolvimento dos trabalhadores e suas organizações sindicais na observação; • contribuir para a organização e ação desses trabalhadores frente aos efeitos da globalização; • gerar um conjunto de informações sobre a empresa para alimentar a base de dados do Observatório Social; e • gerar uma proposta de acompanhamento da Observação. 3.3. Procedimentos Metodológicos 3.3.1. Os temas, suas centralidades e os indicadores utilizados O Obervatório adota uma quadro teórico metodológico que articula o conteúdo das Convenções da OIT, as centralidades de observação em cada uma delas e, finalmente, os indicadores que permitiram construir instrumentos para levantamento de dados primários e orientar o levantamento de dados secundários. Este esforço resultou no seguinte quadro, que será detalhado no capítulo 5: QUADRO 1 CONVENÇÕES DA OIT – TEMAS E CENTRALIDADE Convenções Centralidade Liberdade Sindical Verificar a liberdade de organização dos trabalhadores sem (C. 87 e C. 135) interferência dos empregadores Negociação Coletiva Assegurar o direito de todos os trabalhadores à negociação (C. 98 e C. 151) coletiva sem interferência Trabalho Forçado Identificar trabalho exercido por meio de coação ou castigo (C. 29 e C. 105) Trabalho Infantil Assegurar a efetiva abolição do trabalho infantil (C. 138) Discriminação de Estabelecer a igualdade de oportunidade entre sexo, origens Gênero e Raça raciais, religião e opinião política, ascendência (C. 100 C. 111) Meio Ambiente Verificar a adequação do meio ambiente interno e externo à (C. 148, C. 155, C. saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores e da 170, C. 174) vizinhança 12 À partir das relações entre as Convenções e suas centralidades, foi possível desenvolver indicadores que serviram de base para a construção de um roteiro de entrevistas e para orientar o levantamento de dados secundários. Tendo em vista que no levantamento preliminar de potenciais problemas relacionados às Convenções que estabelecem os direitos fundamentais no trabalho, considerou-se improvável haver o emprego de trabalho forçado nos Supercenters, assim como define a OIT nas convenções 29 e 105, decidiu-se não tratar desse tema nos procedimentos de pesquisa. 3.3.2. A Pesquisa de Campo A realização da pesquisa centrou-se em três Supercenters do Wal-Mart, situados em Osasco, Bauru e no bairro Pacaembú, em São Paulo, todos no Estado de São Paulo. Dado o montante de recursos alocados para a efetivação do trabalho, as razões que levaram à escolha dessas unidades foram: 1) o interesse das entidades sindicais em participar do projeto, apoiando seu desenvolvimento; e 2) a comparação de unidades localizadas numa região metropolitana (São Paulo e Osasco) e no interior do Estado (Bauru), e possíveis diferenças em relação ao cumprimento dos direitos sociais básicos. A escolha dos Supercenters, deixando de lado as unidades SAMs Club do Wal-Mart, deve-se ao interesse em privilegiar o estudo do segmento de hipermercados dentro do comércio varejista. A pesquisa de campo nas unidades do Wal-Mart de Osasco e Bauru foi realizada através de um encontro chamado de Oficina Sindical e de entrevistas abertas. Participaram da Oficina Sindical dirigentes dos sindicatos de comerciários dessas cidades e trabalhadores convidados pela direção sindical. Consistiu numa atividade de grupo onde os participantes discutiram os temas das Convenções da OIT e apontaram as questões mais relevantes para o caso em estudo. As entrevistas, por sua vez, seguiram roteiros elaborados com base nos indicadores relativos aos direitos sociais básicos. Foram definidos roteiros de entrevistas específicas para trabalhadores, sindicalistas e representantes da empresa. Nesse ponto, agregou-se à pesquisa a atuação do Wal-Mart na cidade de São Paulo, tendo sido entrevistados dirigentes sindicais do Sindicato dos Empregados no Comércio dessa cidade. Os roteiros de entrevista foram formulados de forma a cobrir o conjunto das Convenções da OIT, implicando em entrevistas relativamente longas e envolvendo temática variada. A metodologia deu ênfase ao levantamento de dados qualitativos. O objetivo era o de levantar os problemas reais ou potenciais existentes, mais do que comprovar estatisticamente a freqüência com que esses problemas ocorrem. A pesquisa perseguiu uma estratégia participativa, procurando envolver os dirigentes sindicais e trabalhadores em diversas etapas. Na realização das entrevistas, os trabalhadores entrevistados foram contactados através de lideranças sindicais, com ou sem cargo sindical naquele momento. A orientação para o convite aos trabalhadores era no sentido de se ter 13 um grupo heterogêneo em termos de setores de trabalho, atributos pessoais relativos ao sexo e raça, e preferencialmente empregados do Wal-Mart no momento da entrevista. Na unidade de Osasco foram entrevistados 12 trabalhadores, incluindo um gerente de departamento, e dois dirigentes sindicais. Na unidade de Bauru, foram entrevistados oito trabalhadores, um deles em cargo de gerência, um assessor sindical e um diretor do sindicato. Em São Paulo foram entrevistados quatro dirigentes sindicais e três trabalhadores do Supercenter Pacaembú. Como já foi dito anteriormente, apesar de se buscar a participação da empresa e dos retornos positivos dados pelo presidente do Wal-Mart, os problemas de agenda inviabilizaram a participação nas etapas da pesquisa. 3.3.3. Levantamento de Dados Secundários Com o objetivo de caracterizar a empresa, sua dimensão, histórico e características, foi realizado um levantamento de dados secundários com enfoque em informações econômicas e financeiras da Wal-Mart. A identificação e busca de documentos públicos foi um instrumento utilizado para apoiar a verificação do desempenho da empresa em relação aos direitos fundamentais no trabalho, meio ambiente, saúde e segurança ocupacional. Entre as fontes de documentos estão os próprios sindicatos, órgãos públicos responsáveis pela fiscalização do trabalho e do meioambiente, a internet e publicações impressas. 14 4. PERFIL DO SETOR E DA EMPRESA A justificativa para a escolha da Wal-Mart Brasil, feita na introdução desse relatório, ressalta sua dimensão e importância no contexto do setor do comércio varejista. O objetivo deste capítulo é situar a empresa no contexto mais amplo do setor do comércio varejista e descrevê-la com mais detalhes, realçando o seu gigantismo, a rapidez com que ela se expande em todo o mundo e a forma com que veio se instalar no Brasil. 4.1. Transformações do setor do comércio varejista2 A liberalização e a reestruturação econômica do capitalismo contemporâneo têm gerado importantes modificações no setor do comércio varejista em nível internacional. Esses fatores contribuíram para o aumento das aquisições estrangeiras por fusão e aquisição de empresas, o que, por sua vez, tem levado à implantação de circuitos modernos de distribuição, baseados em novas tecnologias, estilos inovadores de gestão, enfoques diferenciados a respeito do trabalho e novos sistemas de emprego3. Os impactos dessas transformações setoriais no emprego e no trabalho são extremamente relevantes, condicionando o comportamento das empresas em relação aos direitos fundamentais dos trabalhadores. A internacionalização do capital é uma das grandes tendências do setor varejista em escala global. As fusões e aquisições internacionais formam o grosso dos investimentos estrangeiros diretos nas principais economias desenvolvidas, passando de US$ 1,7 bilhão em 1991 para quase US$ 18 bilhões em 1998.4 Algumas empresas se destacam nessa onda: Wal-Mart (EUA), The Gap (EUA), Toys ‘R’ Us (EUA), Metro Group AG (Alemanha), Carrefour AS (França), Pinault-Printemps-Redoute (França) e Jasco Co. Ltd. (Japão).5 Portanto, a internacionalização está sendo acompanhada da maior concentração do capital em mãos de grandes grupos internacionais, como é o caso do Wal-Mart. A OIT chegou à conclusão de que empresas locais das economias emergentes encontram mais dificuldades que as dos países industrializados na hora de competir com empresas multinacionais. No caso do Brasil, os grupos estrangeiros obtém altos lucros, bem maiores que nos países de origem, em função dos custos unitários reduzidos, grande poder de negociação com fornecedores, altos níveis de produtividade. A possibilidade de melhorar a produtividade do trabalho nos supermercados e hipermercados brasileiros tornaria essas atividades atrativas para as empresas multinacionais.6 2 Esta seção baseou-se no documento da OIT entitulado Las repercusiones de la mundialización y de la reestructuración del comercio en la esfera de los recursos humanos; informe para la discusión de la Reunión tripartita sobre las repercusiones de la mundialización y de la reestructuración en la esfera de los recursos humanos. Genebra, 1999. 3 Idem, p. 3. 4 Idem, p. 24 5 Idem, p. 26. 6 Idem p. 42-44. 15 Outra tendência importante para o setor é o da integração das relações entre os setores industrial, atacadista e varejista, com base em novas tecnologias que enfatizam a resposta imediata ao consumidor. As empresas modernas tendem a transferir para os fornecedores, atacadistas ou fabricantes, grande parte da responsabilidade, por garantir a disponibilidade do produto nas lojas. Os sistemas informatizados de contabilidade e controle de estoques e a transmissão eletrônica de dados permitem que essa integração atinja alto grau de sofisticação. A integração entre comércio varejista e a indústria também assume a forma das chamadas “marcas próprias”, para as quais as empresas varejistas assumem uma série de funções que antes eram atribuídas ao fornecedor, desde a concepção do produto, avaliação dos custos etc. Nos últimos anos, também se notou a liberação do mercado em escala mundial, não só no que tange às normas para a movimentação do capital, quanto à flexibilização de normas de funcionamento. Especial destaque se deve à flexibilidade dos horários de funcionamento do comércio. Avaliando esse processo, a OIT chega a algumas conclusões que reforçam a preocupação com o pequeno comércio, já que as grandes empresas estariam melhor capacitadas para assumir as cargas derivadas do prolongamento do funcionamento. Por outro lado, a liberalização do horário geraria maior bem-estar para os consumidores e aumento no emprego, devido ao incremento da mão-de-obra mínima indispensável para o funcionamento. No entanto, as condições em que esse trabalho é prestado dependem da forma como é regulamentado em lei e pela força de negociação dos trabalhadores e suas organizações, que se supõe seja bastante reduzida, dado o nível de sindicalização e de precarização das relações de trabalho.7 Nesse contexto de globalização dos circuitos de distribuição, as relações trabalhistas sofrem uma grande pressão. O setor do comércio tradicionalmente apresenta as características associadas a baixos níveis de sindicalização, predomínio de pequenas empresas, grande participação de mulheres entre os empregados, alta rotatividade da mão-de-obra e grande proporção de trabalhadores a tempo parcial e empregos voláteis. Nos EUA, por exemplo, se no conjunto dos setores a sindicalização alcançava 13,9% dos trabalhadores em 1998, no setor varejista este percentual se reduzia a 5,2%. As mudanças na estrutura econômica, na tecnologia e nos fatores demográfico e geográfico do comércio varejista colocam novos obstáculos para a sindicalização. As causas seriam as fusões e o redimensionamento do pessoal empregado, o emprego de jovens e os contratos a tempo parcial, a dispersão da atividade comercial em direção aos subúrbios e a introdução de tecnologia que substitui a mão-de-obra8. Uma das possibilidades abertas para a negociação coletiva é a extensão da ação sindical à todos os elos da cadeia de fornecimento, em virtude da maior integração desde o varejista até o fabricante, passando pela estrutura de distribuição. Os centros de distribuição das redes podem ser um ponto privilegiado para a ação sindical, uma vez que são menos numerosos, centralizados e acessíveis a campanhas de sindicalização.9 7 Idem p. 54-55. Idem, p. 84-85. 9 Idem, p. 86. 8 16 A liberalização do comércio e dos movimentos de capital também acentuaram os laços entre o varejo dos países centrais e os setores produtivos dos países em desenvolvimento. Nestes últimos anos vem se concentrando a produção de bens de baixa tecnologia dirigidos para os mercados consumidores dos países centrais. Por outro lado, a globalização está relacionada à expansão de microempresas e à escalada da utilização de trabalhadores eventuais em países em desenvolvimento, dentro dos circuitos de distribuição. A combinação desses dois processos aumenta as possibilidades de empresas multinacionais utilizarem indiretamente os trabalhadores do setor informal, através da subcontratação, inclusive trabalhadores a domicílio e crianças na ponta final das grandes cadeias mundiais de produção e distribuição. Além disso, a liberdade de movimento dos capitais torna mais fácil para as empresas multinacionais obstaculizar a sindicalização e outros direitos dos trabalhadores, tanto nos países industrializados como nos países em desenvolvimento. Vários informes e estudos assinalaram as violações dos direitos dos trabalhadores por parte dos fornecedores de empresas varejistas multinacionais, entre eles a Wal-Mart, K-Mart, J.C. Penney, May Department Stores, Esprit, Nike y Guess.10 4.2. Supermercados no Brasil No Brasil, a Wal-Mart atua principalmente no segmento de supermercados, dentro do comércio varejista. Nos últimos anos, a dinâmica desse segmento foi influenciada pelo ritmo de atividade geral da economia. Ao mesmo tempo, as transformações do setor de comércio se acentuaram, com o crescimento dos shopping centers, supermercados, hipermercados e a crescente segmentação dos formatos de varejo. A importância dos estabelecimentos que funcionam em sistema de auto-serviço, como os hiper e supermercados, consolidou-se. A evolução das vendas do segmento de hiper e supermercados mostrou-se positiva no período 94-96, beneficiando-se dos efeitos do Plano Real sobre o poder aquisitivo da população, com crescimento de 65,5%. De 1996 para 1997 as vendas ficaram praticamente constantes, com leve aumento de 0,22%. Mesmo assim, é preciso registrar que o setor tinha sofrido uma retração do valor das vendas no início da década de 90 e apenas em 1995 o valor equiparou-se ao verificado no final da década de 80. A Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) estima que as vendas totais do setor de hiper e supermercados alcançou os US$ 46,6 bilhões em 1997. Cerca de 74,5% desse valor, US$ 34,7 bilhões, é representado pelas vendas das 300 maiores empresas, que operam 3.187 lojas, com 4,1 milhões de m2 de área de venda e empregam cerca de 260 mil trabalhadores. Os mesmos dados para o grupo das 20 maiores empresas são: US$ 21 bilhões em vendas, 858 lojas, 2,2 milhões de m2 de área e 127 mil funcionários. Na década de 90, as maiores empresas do setor reduziram significativamente o número de lojas e o número de funcionários. A área de vendas, que também sofreu esse impacto, aos 10 Idem, p. 91. 17 poucos foi sendo ampliada novamente, ao ponto de ter alcançado, em 1997, o mesmo patamar existente no início dos anos 90. O setor tem uma grande importância para o nível de emprego, como mostra o contingente de 267 mil trabalhadores empregados somente pelas 300 maiores empresas em 199811. No entanto, o número de postos de trabalho veio caindo ao longo da década de 90, ao mesmo tempo em que os indicadores de desempenho mostraram melhorias significativas. Nesse período houve redução no número de empregados por 100m2 (de 7,3 em 1990, para 6,2 em 1998), redução do número de empregados por check-out (de 7,3 para 6,7) e elevação do faturamento por empregado (de R$ 96 mil para R$ 143 mil). A elevação da produtividade é atribuída à reestruturação das empresas, com aumento dos investimentos em modernização e automação comercial. Dada a importância que se atribui à qualidade da mão-de-obra no sentido da diferenciação entre empresas, a eficiência e a qualidade dos serviços prestados, considera-se que a tendência do setor é aumentar as ações de qualificação e treinamento do pessoal empregado. Os recursos humanos teriam importância em aspectos como a prevenção de perdas por roubo, degustação, acomodação do produto nas gôndolas, refrigeração, data vencida e na administração de estoques. Neste sentido, o Wal-Mart é citado como um exemplo de empresa que busca maior envolvimento dos funcionários com a operação eficiente e a obtenção de resultados. Outra tendência que se torna visível nos dados sobre as empresas do setor supermercadista é a concentração e centralização do capital. De 1994 até 1998, o percentual do faturamento do setor representado pelas 10 maiores redes passou de 47% para 57% do total. Nesse mesmo período, as vinte maiores empresas ampliaram sua participação no faturamento do setor de 57% para 67%12. Trajetórias semelhantes se verificam no número de lojas e na área de vendas13. Apesar dessa tendência estudos também mostram que o mercado brasileiro é menos concentrado que o de outros países. Enquanto no Brasil as cinco maiores empresas respondem por 37% das vendas do setor, na França esse percentual é de 70% e na Inglaterra de 60%. No Brasil, o setor se concentra na região Sudeste, que foi responsável por 56% do faturamento das 300 maiores empresas em 1997, 49% da área de vendas, 36% do número de lojas e 49% do número de funcionários. Em 1997, as maiores empresas, em faturamento, eram o Carrefour, com R$ 5,5 bilhões, seguido do Pão de Açucar, com R$ 3,6 bilhões, e do Bompreço, com R$ 2 bilhões. A classificação por área de vendas seguia a mesma ordem nas primeiras três posições. Em termos de número de lojas, entretanto, o Pão de Açucar aparecia em primeiro lugar, com 11 ABRAS. Revista Super-Hiper. Mai/99. Cit. In: DIEESE. Caracterização, tendências e desempenho do segmento supermercadista do Brasil: 1990/98. São Paulo. Set/1998. P. 4. 12 DIEESE. A reestruturação produtiva no comércio. São Paulo. Estudos Setoriais nº10. Dez/99. P. 9. 13 BNDES. Hiper e supermercados no Brasil. Mimeo. Dez/98. 18 238 unidades, seguida pelo Bompreço (93 lojas) e o Carrefour aparecia em 5º lugar (49 lojas). O comércio sempre apresentou poucas barreiras à entrada e, por isso, é considerado altamente competitivo. No entanto, a chegada de grandes redes varejistas internacionais ao país acirrou ainda mais a concorrência, que se dá pelo preço, crédito ao consumidor, qualidade dos serviços e entre formatos de lojas (p/ ex. hipermercados versus supermercados versus padarias etc). A resposta de pequenos e médios varejistas ao avanço dos hipermercados passaria pela atuação em conjunto e/ou a associação com grandes atacadistas. Na França e Inglaterra, leis foram criadas para regulamentar a expansão dos grandes varejistas, normalmente vinculadas à revitalização de zonas centrais das cidades. O setor está passando por reestruturação, para acompanhar as mudanças conjunturais e estruturais, as mudanças tecnológicas, as preferências dos consumidores e a entrada de empresas estrangeiras. Algumas medidas adotadas são: profissionalização, investimentos em automação comercial e em tecnologia de informação, mudança dos modelos de gestão, otimização da logística e da área de vendas, ampliação das formas de crédito ao consumidor e melhorias na qualidade do atendimento. Outra medida é a compra de empresas menores e a associação com empresas estrangeiras. O Brasil é considerado atraente para a instalação de novas redes por apresentar grande mercado, potencial de expansão, baixo poder de competitividade das empresas locais e legislação sem restrições à entrada de novos agentes. Além disso, conta o sucesso obtido pelas redes estrangeiras já instaladas aqui. Algumas estratégias estão sendo adotadas pelas empresas no Brasil: expansão visando a obter ganho de escala, o que gera um movimento de aquisição de empresas; centralização da distribuição (embora em muitos casos ainda se adote a descentralização do fornecimento); a implantação de tecnologias de automação e de comunicação, integrando os processos administrativo, comercial e financeiro, inclusive com os fornecedores; o estabelecimento de parcerias com os fornecedores, o desenvolvimento de marcas próprias e a globalização do fornecimento (embora os importados representassem 5% do faturamento em 1997); as melhorias no gerenciamento de categorias; e a implantação de programas de fidelização de clientes. 4.3. A Wal-Mart A Wal-Mart Stores Inc. destaca-se no panorama empresarial mundial pelo seu tamanho, sendo uma das maiores empresas do mundo e a líder mundial no setor do comércio varejista. Tomando por base o faturamento, a revista Fortune colocou-a em oitavo lugar entre as 500 maiores empresas em 1997. Esse mesmo indicador a colocaria entre as 10 maiores corporações transnacionais, ao lado de gigantes como a General Motors, Ford, Mitsui e Shell. Ela só não ocupa oficialmente este posto por não ter, ainda, uma grande expressão transnacional, já que concentra suas operações num só país, os Estados Unidos, e ter relativamente pequena expressão no restante do planeta. 19 TABELA 1 A WAL-MART ENTRE AS MAIORES EMPRESAS DO MUNDO CORPORAÇÃO SETOR VENDAS (US$ BILHÕES) General Motors Automotivo 178,2 Ford Motor Company Automotivo 153,6 Mitsui & Co. Diversos 132,6 Royal Dutch / Shell Group Petróleo 128,0 Exxon Corporation Petróleo 120,3 Itochu Corporation Comércio internacional 117,7 Wal-Mart Inc. Varejo 104,8 Marubeni Corporation Comércio internacional 103,3 General Eletric Eletrônico 90,8 Toyota Automotivo 88,5 Fonte: UNCTAD. World Investment Report 1999. Foreign Direct Investment and the Challenge of Development. pp. 2-4. WAL-MART. Wal-Mart Shareholder Report, 1998. pp. 20-21. O Wal-Mart é uma empresa jovem, que soube crescer acelerada e continuamente até alcançar a posição de liderança que hoje desfruta. Foi fundada em 1962 por Sam Walton e seu irmão, no estado de Arkansas, EUA. Após um período inicial, de crescimento relativamente lento, passou a se expandir aceleradamente na década de 70, abrindo suas lojas principalmente em cidades norte-americanas com menos de 25 mil habitantes. Em termos de modalidades de lojas, a Wal-Mart começou atuando com lojas de varejo de descontos, caracterizadas por oferecer produtos com baixos preços, as Wal-Mart Stores (Discount Stores). Depois, na década de 80, criou o SAM´s Club, que vende produtos no atacado e em sistema de auto-serviço, funcionando como um clube de compras, ao qual se associam comerciantes e famílias, mediante o pagamento de uma taxa mensal. Também nessa época passou a abrir os Supercenters, que agregam conceitos de grandes supermercados e loja de departamentos, com área de 20.000m2 e cerca de 50.000 itens diferentes. Em 1990, a Wal-Mart adquiriu a McLane´s Company, que se encarrega da distribuição de mercadorias nos Estados Unidos, através de centrais de distribuição. Com base nesses tipos de unidades, a empresa se organiza em cinco divisões distintas: WalMart Stores, Wal-Mart Supercenters, Sam´s Club, McLane´s Company e Wal-Mart International14. A estratégia da empresa é caracterizada pela operação com baixos custos operacionais, alto nível de envolvimento dos empregados, baixos preços, grande poder de barganha com fornecedores e presença no território norte-americano, principalmente em pequenas e médias cidades15. 14 15 KOTABE, Massaki. Wal-Mart Operations in Brazil. 1997. Idem. p. 3. 20 Apesar de estar se expandindo internacionalmente, é no mercado norte-americano que a empresa realiza a maior parte do seu faturamento, mais precisamente, 91,1% do total das vendas são efetuadas naquele país (US$ 125,4 bilhões em 1999). A rede de lojas do WalMart, composta por nada menos do que 2.884 unidades, alcança todos os 50 estados norteamericanos. Em termos de tipo de lojas, predominam as Discount Stores, representando 64,8% do total de estabelecimentos e respondendo por 69,3% do faturamento da empresa naquele país. É interessante notar que esse tipo de loja inexiste no Brasil e em outros países em que ela atua, tais como a Argentina, China, Coréia do Sul e Alemanha. Em termos de número de empregados, o relatório da companhia registra um total de 910.000 trabalhadores empregados na Wal-Mart em 1999. 4.4. Expansão Internacional A atuação da Wal-Mart fora dos Estados Unidos iniciou-se em 1991, com a abertura de lojas no México. Em 1994 foi criada a Divisão Internacional, mesmo ano em que a empresa chegou ao Brasil. Atualmente, a Wal-Mart está presente, além dos EUA, em outros nove países: Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Inglaterra, México e Porto Rico. A velocidade da expansão internacional da empresa também pode ser vista pelo número de unidades instaladas fora dos EUA, que saiu do zero para mais de 700 em apenas sete anos (sem contar as 229 unidades adquiridas do grupo britânico ASDA em 1999). Na sua expansão internacional, a Wal-Mart tem procurado controlar seus investimentos isoladamente, sendo que apenas na China e na Coréia do Sul a empresa formou joint venture com outros investidores. Embora a companhia tenha se estabelecido no Brasil e no México em sociedade com grupos empresariais locais, tais alianças acabaram sendo desfeitas em 1997, quando a Wal-Mart assumiu o controle integral do capital dessas subsidiárias. Nos outros países, a Wal-Mart adquiriu redes locais, como por exemplo no Canadá e na Alemanha, ou implantou suas próprias lojas, como na Argentina e, de certa forma, no Brasil. TABELA 2 A REDE WAL-MART LOJAS NOS ESTADOS UNIDOS FORA WALANOS TOTAL SUPER SAM’S DOS EUA TOTAL MART CENTERS CLUB STORES 1990 1.528 1.399 6 123 0 1.528 1993 2.138 1.848 34 256 10 2.148 1995 2.558 1.985 147 426 226 2.784 1996 2.667 1.995 239 433 276 2.943 1997 2.740 1.960 344 436 314 3.054 1998 2.805 1.921 441 443 601 3.406 1999 2.884 1.869 564 451 715 3.599 Fonte: WAL-MART. Wal-Mart Shareholder Report, 1999. pp. 18-19. 21 Dentro da estratégia da empresa, a atuação internacional é vista como uma maneira de aprendizagem organizacional através da disseminação, nas unidades da rede, das ações desenvolvidas em função de problemas encontrados em diferentes situações e contextos nacionais. Os executivos mundiais da empresa esperam que em cinco anos a Divisão Internacional deverá responder por 1/3 do incremento total das vendas e ganhos da companhia16. 4.5. Desempenho Econômico e Financeiro As vendas totais da empresa têm crescido continuamente na última década, em taxas que chegaram a superar os 28% ao ano no início do período. O mesmo quadro favorável ocorreu com o resultado líquido da companhia e seu ativo total. Nos últimos anos, o crescimento desses indicadores financeiros foi menos acelerado, com as vendas aumentando cerca de 15% ao ano. Mesmo assim, tais percentuais e, sobretudo, o incremento em termos absolutos permanecem significativos. Por outro lado, os indicadores de rentabilidade e lucratividade da empresa tiveram uma trajetória declinante ao longo da década, ensaiando uma recuperação nos últimos dois anos. TABELA 3 WAL-MART, INDICADORES FINANCEIROS ANOS 1988 1990 1993 1995 1996 1997 1998 1999 VENDAS LÍQUIDAS (US$ Milhões) 15.959 25.911 55.484 82.494 93.627 104.859 117.958 137.364 RESULTADO LÍQUIDO (US$ Milhões) 628 1.076 1.995 2.681 2.740 3.056 3.526 4.430 ATIVOS TOTAIS (US$ Milhões) RENTABILIDADE (%) DO DO ATIVO PATRIMÔNIO LÍQUIDO 5.132 8.198 20.565 32.819 37.541 39.607 45.384 49.996 13,7 14,8 11,1 9,0 7,8 7,9 8,5 9,6 31,8 30,9 25,3 22,8 19,9 19,2 19,8 22,4 LUCRATIVIDADE DAS VENDAS (%)* 3,9 4,2 3,6 3,2 2,9 2,9 3,0 3,2 *resultado líquido/vendas líquidas Fonte: WAL-MART. Wal-Mart Anual Report, 1999. pp. 18-19. O crescimento das vendas nos últimos anos foi atribuído à expansão da rede de lojas, tanto nos Estados Unidos quanto fora dele. O faturamento da empresa no último biênio aumentou cerca de US$ 33 bilhões, sendo US$ 25,5 bilhões obtidos no país-sede e os restantes US$ 7,2 bilhões pela Divisão Internacional. Ou seja, a maior parte do aumento das vendas da empresa se originou das operações no mercado norte-americano. Entretanto, em termos relativos, o crescimento das vendas nos EUA (de 12% ao ano) tem sido menor do que o 16 WAL-MART. Wal-Mart Annual Report, 1999. p 5. 22 verificado nos outros países (56% de crescimento anual). Com isso, a Divisão Internacional alcançou a marca de 8,9% do total de vendas em 1999, frente a 6,3% no ano anterior. A expansão da Divisão Internacional vem se dando principalmente com a aquisição de redes de supermercados e hipermercados, o que não descarta a via da instalação direta de rede própria, como ocorreu no Brasil. Em termos de aquisições, a Wal-Mart adquiriu 51% do capital da principal rede varejista mexicana, a Cifra, em setembro de 1997. Ao final do mesmo ano, comprou a cadeia de hipermercados alemã Wertkauf, passando a operar suas 21 unidades, no que significou a entrada da companhia no mercado europeu. No ano de 1998 continuou sua penetração na Europa, com a compra de outra rede alemã de supermercados, a Spar Handels, com 74 lojas, e a compra do grupo Asda, a terceira maior rede de varejo do Reino Unido, com 229 lojas. No Brasil, adquiriu a participação minoritária que as Lojas Americanas detinham no capital da Wal-Mart do Brasil, também em dezembro de 1997, tornando-se única proprietária da filial local. Refletindo essa ampliação, os ativos da empresa fora dos Estados Unidos passaram de US$ 2,9 bilhões em 1997 para US$ 7,4 bilhões em 1998. 4.6. A Wal-Mart do Brasil A Wal-Mart atua no Brasil através da sua subsidiária Wal-Mart do Brasil Ltda, criada em junho de 1994 como uma joint venture com a Lojas Americanas. O primeiro SAM’s Club foi aberto em maio de 1995 e o primeiro Supercenter começou a funcionar seis meses depois. Atualmente, a empresa tem 16 unidades, todas na região Sudeste, e emprega aproximadamente seis mil trabalhadores. Em 1998 a empresa faturou R$ 780 milhões, o que a colocava na oitava posição do ranking de supermercados segundo o faturamento bruto17. A Wal-Mart atua no Brasil com dois tipos de estabelecimentos, os Supercenters e os SAM’s Club, além de um centro de distribuição. Além de não existirem, aqui, lojas do tipo Discount Stores, o peso dos produtos alimentícios nos Supercenters instalados no Brasil é maior do que o verificado nos americanos. O próprio layout das lojas é diferente do estilo norte-americano com o sentido de adequá-lo às preferências do consumidor brasileiro18. Esse processo de adaptação foi iniciado com a inauguração do Supercenter de São Bernardo do Campo, em agosto de 1997, que teria servido de base para a remodelação das demais lojas. A rede instalada da Wal-Mart do Brasil, em maio de 2000, se compunha das seguintes unidades: Wal-Mart Supercenter: 10 lojas • Osasco – (SP) – aberta em novembro/1995 • Santo André – (SP) – aberta em novembro/1995 • Bauru – (SP) - aberta em julho/1997 17 18 Revista SuperHiper maio/99. GAZETA MERCANTIL. PANORAMA SETORIAL: Análise Setorial, supermercados. set/98. v.II p.67. 23 • • • • • • • São Bernardo do Campo – (SP) – aberta em agosto/1997 Ribeirão Preto – (SP) - aberta em setembro/1997 Pacaembú – (São Paulo/SP) – aberta em outubro/1998 Central Plaza – (São Paulo/SP) – aberta em outubro/1998 São José dos Campos – (SP) – aberta em novembro/1998 Curitiba – (PR) – aberta em novembro/1998 Aricanduva – (São Paulo/SP) – aberta em abril/2000 SAM’s Club: 6 unidades • São Caetano do Sul – (SP) – aberta em maio/1995 • Santo André – (SP) – aberta em outubro/1995 • Osasco – (SP) – aberta em novembro/1995 • Santo Amaro – (SP) – aberta em julho/1998 • Curitiba – (PR) – aberta em novembro/1998 • Niterói – (RJ) – aberta em março/2000 Um fato importante da trajetória da empresa no Brasil foi a aquisição, pela própria WalMart Inc., da parcela minoritária do capital (40%) que as Lojas Americanas possuíam no capital da subsidiária brasileira. A Lojas Americanas justificou a decisão da venda dessa participação como uma medida necessária para concentrar esforços e recursos na rede de lojas próprias19. A respeito do desempenho da Wal-Mart do Brasil, as informações provenientes de fontes secundárias (a empresa não publica seus balanços) dão conta de um início de atividades caracterizada por prejuízos da ordem de R$ 16 milhões em 1995 e de R$ 32 milhões em 199620. O presidente da empresa, Vicent Trius, declarou que a empresa teve prejuízo em 1997 e lucro em 1998. Entre os fatores que podem ter causado este desempenho negativo são citados a acirrada concorrência no mercado em que a empresa se instalou, o peso da estrutura administrativa, montada em função de um número muito maior de unidades, e dificuldades da área de logística, particularmente o nível de operação do centro de distribuição (situado em Itapeví, SP)21. As expectativas iniciais de que o Wal-Mart teria grande sucesso foram revistas depois que os problemas começaram a surgir, tais como a falta de produtos nas prateleiras, acusações de propaganda enganosa, acusações de dumping pelos fornecedores, insatisfeitos com a venda de produtos a preços inferiores aos custos de produção22. 19 Idem. Cifras não confirmadas pela empresa. Idem, p.66. 21 Idem. 22 KOTABE, Massaki. Wal-mart Operations in Brazil. 1997. p. 8. 20 24 A Wal-Mart desenvolve um programa de marcas próprias como forma de “fidelizar”23 os consumidores às lojas e estreitar o relacionamento com fornecedores. Até meados de 1998, 126 itens tinham sido incluídos nesse programa no Brasil, envolvendo fornecedores locais como a Ceval, Café Bom Dia, Ducôco, Camil e Usina da Barra24. Os produtos recebem a marca Great Value e se caracterizam por terem preços menores que os similares das marcas líderes. Nos planos da Wal-Mart, a expansão da rede de lojas no ano 2000 se dará pela abertura de mais quatro novas lojas: um Supercenter e um SAM’s Club em Contagem (MG) e no Rio de Janeiro (RJ). Os principais concorrentes da Wal-Mart no mercado nacional são a rede Carrefour, que tinha 39 lojas em 1997, e o Pão-de-Açucar. Com o SAM´s Club concorre o Makro, de capital holandês e brasileiro, com 25 lojas para atender clientes que se associam sem a cobrança de qualquer taxa. 4.6.1. Histórico do Wal-Mart em Bauru Em outubro de 1996, circularam na cidade de Bauru as primeiras notícias sobre a instalação do Supercenter, com previsão de início de funcionamento para o primeiro trimestre de 1997. Seriam investidos US$ 20 milhões no empreendimento, gerando 600 empregos na fase de construção e, posteriormente, 500 empregos na fase operacional do hipermercado. Segundo essas notícias, a iniciativa fazia parte de projeto de “interiorização da rede no Brasil”, prevendo investimentos de U$ 100 milhões em quatro cidades do Estado de São Paulo25. As opiniões sobre os impactos da chegada do Wal-Mart em Bauru se dividiram. Por um lado, a diretoria da empresa não descartava efeitos colaterais de sua estratégia de vender mais barato e ampliar a oferta de consumo sobre o comércio local e da região. Em relação aos fornecedores, o assessor de imprensa do grupo admitia a possibilidade de comprar produtos, principalmente perecíveis, dos fornecedores da região26. Já o representante regional da APAS (Associação Paulista de Supermercados), João Svízzero, considerava que a chegada do grupo não traria grandes alterações para as empresas locais27. Difundiu-se a idéia de que a presença do grupo Wal-Mart, além de trazer mudanças no mercado, potencializaria a vocação de Bauru como centro comercial regional. Passado algum tempo, constatou-se que as redes locais de supermercados reagiram com um processo de modernização que resultou no aumento de participação no mercado. As estratégias utilizadas por essas redes foram o investimento nas instalações físicas, a 23 Este termo novo aparece na literatura especializada referindo-se a um conjunto de medidas que as empresas estão adotando com vistas a tornar seus clientes mais fiéis aos estabelecimentos, marcas, produtos etc. 24 Idem. p.68. 25 Jornal da Cidade, "Wal-Mart vai abrir Supercenter de U$ 20 milhões na região do aeroporto" - 25.10.1996 26 Jornal da Cidade, “Wal-Mart abre seu supercenter”. 27 Jornal da Cidade, “Apas constata no Wal-Mart perfil diferente na estratégia de mercado”. s/d. 25 profissionalização da gestão e a realização de promoções.28 Outras medidas envolveram o treinamento de funcionários, a diversificação do mix de produtos à venda, mudanças estéticas nas lojas e implantação de serviços de atendimento ao consumidor29. Um estudo realizado pelo Sincomércio (Sindicato do Comércio Varejista), divulgado em abril de 1999, mostrou que o comércio varejista da cidade estava enfrentando sérios problemas. Desde a época da chegada do Wal-Mart, em 1997, o faturamento real do comércio em geral registrou quedas sucessivas, assim como o nível de emprego. O mesmo não ocorria com o segmento de supermercados, que registrou crescimento do faturamento em 1998 (2,27%) e no primeiro bimestre de 1999 (3,72%), bem como aumento na oferta de empregos de 1997 em diante30. Após apresentar os três primeiros meses com péssimos resultados, o Wal-Mart de Bauru conseguiu ser a unidade da rede que obteve maiores lucros em todo o país nos anos de 97 e 98. “A loja agora concorre para ser a melhor do mundo em desempenho.”31 Entre as estratégias utilizadas pelos supermercados para enfrentar a concorrência, merece destaque a extensão do horário de funcionamento até às 22 horas. Essa iniciativa se deu a partir da iniciativa da Wal-Mart e foi cercada de expectativas de melhora da tendência de queda no faturamento e no nível de empregos32. As discussões em torno da mudança no horário de funcionamento do comércio, envolvendo empresários, poder público, Sindicato dos Comérciários e o Sindicom se acirraram em 1998. Para o presidente do Sindicom, a lei que estabelecia os horários do comércio estava cerceando uma vocação natural do município, a chegada do Wal-Mart estimularia mudanças nos hábitos comerciais da cidade e da região e a limitação dos horários de funcionamento do comércio era incompatível com a intenção de fazer “Bauru ser consumida”33. Em maio de 1999, o Diário de Bauru anuncia que a rede Sé Supermercados compra as dez lojas da rede Santo Antônio (nove em Bauru e uma em Araraquara), reforçando uma tendência à instalação dos grandes supermercados no interior do Estado de São Paulo, região que é o segundo maior mercado consumidor do país. Segundo dados da Associação Paulista de Supermercados (APAS), o setor supermercadista do Estado de São Paulo fatura perto de R$ 23,5 bilhões por ano, sendo que pelo menos R$ 11 bilhões são do interior do Estado34. Em setembro de 1997, são anunciadas demissões no Wal-Mart. Segundo informações extra-oficiais, chegam a setenta demissões. O assessor de imprensa do grupo informa que se trata de trabalhadores cujos contratos são temporários, mas não divulga o número exato de demitidos35. 28 Diário de Bauru,.“Locais têm crescimento pós-Wal-Mart” – 19.9.97 Diário de Bauru. “Concorrência forçou mudanças” pág.35 – 25.4.99 30 Diário de Bauru. “Crise, aqui?” pág.35 – 25.4.99. 31 Diário de Bauru. “Concorrência leva à modernização”. pág. 35, 25.4.99. 32 Jornal da Cidade. “Comércio luta contra as dificuldades em busca de estabilidade”. s/d. 33 Jornal da Cidade. “Horário livre do comércio vira projeto de lei” - 1998. 34 Diário de Bauru. “Agora é Sé”. pág. 21, 16.5.99. 35 Diário de Bauru. “Wal-Mart já dispensa funcionários em Bauru”. 12.9.97. 29 26 Um das preocupações da comunidade em relação às grandes redes de supermercados é a de que passassem a adquirir seus produtos de fornecedores de outras regiões, prejudicando os setores produtivos locais. Essa preocupação motivou uma moção de apelo aprovada na Câmara de Vereadores, dirigida à três redes de supermercados, Wal-Mart, Sé e Makro, para que passassem “também a adquirir gêneros produzidos ou industrializados por empresários bauruenses, estimulando assim a atividade dos mesmos e fazendo circular melhor a riqueza na cidade”. De todo modo, a Câmara apoiou a instalação dessas redes no município, considerando que elas reforçariam o potencial da cidade no contexto regional. 4.6.2. O Wal-Mart em Osasco Da mesma forma que em Bauru, a chegada das grandes redes de hipermercados estrangeiras a Osasco foi vista pelas autoridades locais como um fator de desenvolvimento econômico do município e geração de empregos. Por outro lado, esperava-se que o comércio local fosse afetado negativamente pela concorrência, bem como problemas de trânsito na área dos hipermercados (situados um ao lado do outro numa mesma avenida). A instalação do Wal-Mart na cidade foi cercada por denúncias de irregularidades e de problemas ambientais. Na época, início de 1995, ocorre toda uma mobilização envolvendo entidades civis e a Delegacia Regional do Trabalho, que investigam e denunciam as irregularidades trabalhistas cometidas indiretamente pela empresa na construção das lojas. A constatação das irregularidades motivou o embargo da obra pela DRT/SP, por razões como falta de equipamentos de segurança para os funcionários, presença de crianças na obra, falta de registro em carteira e entulhos armazenados de forma inadequada36. Outro problema levantado era a presença de resíduos de amianto no local onde as lojas estavam sendo construídas, que tinha sido ocupado anteriormente por uma fábrica de produtos que utilizavam esse tipo de substância. O Conselho Intersindical de Seguridade de Osasco e Região, juntamente com as sociedades ecológicas do município, pleitearam o direito a acompanhar a demolição do antigo prédio da Eternit, de modo a fiscalizar se a saúde dos moradores vizinhos não seria afetada37. A instalação do Wal-Mart também exigiu a mudança na lei de zoneamento urbano do município, que foi negociada em troca do compromisso da empresa em construir um pronto-socorro para a Prefeitura38. Em novembro de 1995, o Supercenter de Osasco foi inaugurado, recebendo a saudação do Prefeito como "parceiros do progresso" (junto com o Carrefour, que inaugurava uma de suas lojas na mesma época)39. O Supercenter de Osasco ocupa uma área de 23 mil m2, comercializa mais de 55 mil itens, dos quais 40% são produtos alimentícios e os outros 60% dividem-se em vestuário, eletrodomésticos, brinquedos, calçados e produtos de limpeza40. 36 Diário de Osasco. “DRT de SP embarga obra do Wal-Mart”. 3.5.95 Diário de Osasco. “Conselho quer vigiar demolição da Eternit”.6.5.95 38 Idem. “Giglio concede alvará à empresa Wal-Mart”. 24.5.95. 39 Idem."Carrefour e Wal Mart "são muito bem-vindos".18.11.95. 40 Idem. "Wal Mart inaugura Supercenter e compara preços concorrentes". 21.11.95. 37 27 O início das operações da loja de Osasco foi considerado um sucesso, batendo um recorde mundial em faturamento num único dia, entre as lojas da rede. O grande movimento registrado num final de semana obrigou a rede a restringir a entrada de consumidores41. A imprensa registrou os problemas de trânsito gerados pelo início de funcionamento dos hipermercados do Wal Mart e Carrefour com acréscimo de mais 20 mil carros ao trânsito local, congestionando duas avenidas próximas42. Para solucionar o problema, o DPU (Departamento de Planejamento e Urbanismo) elaborou um projeto que custaria R$ 1 milhão aos cofres públicos. Na época da inauguração da loja de Osasco, novo tema passa a dominar, o da concorrência no comércio local43. Em 1995, os pequenos mercados de Osasco se uniram para acionar judicialmente certas empresas que acusavam de praticar preços menores para as grandes redes Wal-Mart e Carrefour. Apontando a ilegalidade da prática de duas tabelas de preço, os pequenos comerciantes prognosticavam a falência de 50% dos 450 supermercados da cidade e a demissão de 2.500 trabalhadores44. Além disso, denunciavam o abuso do poder econômico das redes através da venda de produtos com preços inferiores ao custo. No primeiro mês de funcionamento do Wal-Mart, a queda do movimento no pequeno comércio local foi de 40% das vendas45. A concorrência dos hipermercados Wal-Mart e Carrefour foi apontada como principal causa da redução do consumo nos mercados de bairro. Segundo comerciantes do setor, não havia como competir com a política de preços adotada pelas grandes redes. “Os hipermercados costumam baixar a margem de lucro sobre produtos que chamam mais a atenção do consumidor, como os do gênero alimentício, e compensam a perda aumentando o valor de outras mercadorias. Não temos como fazer o mesmo”, explicou o proprietário de um mercado instalado no Jardim Novo Osasco, zona Sul da cidade. O financiamento desses estabelecimentos está sendo garantido pelas compras do dia-a-dia. “Ninguém vai até o Centro só para comprar um saco de farinha. São essas compras picadas que estão nos salvando”, afirmou outro comerciante46. A discussão do funcionamento do Supercenter de Osasco e do SAM’s Club aos domingos começa em 1996, com a deliberação, por assembléia de trabalhadores, convocada pelo Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região, que aprova a abertura do hipermercado em alguns domingos. A assembléia deliberou sobre 13 itens que deveriam fazer parte do acordo coletivo sobre a abertura aos domingos, incluindo o pagamento de 100% das horas extras, a garantia de estabilidade de emprego aos atuais funcionários, cesta básica, refeição e vale transporte. Umas das questões consideradas mais importantes era a contratação de novos funcionários47. 41 Idem. "Movimento excessivo obriga Wal Mart a implantar sistema de rotatividade de entrada". 28.11.95. Idem. "Hipermercados fazem trânsito na região aumentar em até 30%". 23.11.95. 43 Idem. "Concorrência favorece consumidor osasquense". 8.11.95 44 Idem. “Pequenos vão recorrer à Justiça contra fornecedores do Wal Mart e Carrefour”. 1.12.95. 45 Idem. “Comerciantes fazem protesto contra Wal Mart e Carrefour”. 6.12.95. 46 Idem. “Vendas em mercados de bairro caíram 50% em um ano”. 20.12.96. 47 Idem. “Funcionários do Wal-Mart decidem hoje sobre abertura aos domingos”. 18.9.96 42 28 No ano de 1997, a empresa Wal-Mart anunciou demissões em massa na sua rede de lojas, atingindo 300 funcionários. No entanto, os representantes do Sindicato avaliam que só em Osasco tinham sido demitidos mais de 200 trabalhadores. Para o Sindicato, a empresa estava recontratando pessoal com salários mais baixos, utilizando a rotatividade como instrumento de redução de custos48. O Diário de Osasco revelava ainda que as vendas do comércio local continuavam a cair e, para acirrar ainda mais a concorrência, o Wal-Mart adotava a estratégia das promoções49. Nessa época, veio a público uma denúncia da ex-funcionária do Wal-Mart, Márcia Silva, de que a direção da empresa a teria coagido a assinar sua carta de demissão. A empresa a acusara de furtar produtos da loja, porém sem apresentar qualquer prova. Ela disse ter sido mantida trancada por várias horas numa sala e em presença de um diretor, quando foi pressionada a assinar um papel em branco somente com a data. Esse teria sido preenchido posteriormente como um pedido formal de demissão. “Eles disseram que eu não sairia enquanto não pedisse demissão. Fiquei com medo e assinei o papel em branco.” Márcia informou que outras seis funcionárias foram submetidas à mesma situação50. Em 1998, o fato marcante foi a manifestação dos trabalhadores do Supercenter, que realizaram uma paralisação (ver item 5.2.2). 48 Idem. “Sindicato reclama de piso salarial de hipermercado”. 28.5.97. Idem. “Supermercados dão prazo de até 90 dias aos clientes”. 26.4.97. “Concorrência reduz em 50% as vendas nos mercados de bairro”. 28.05.97. 50 Idem. “Ex-funcionária acusa direção do Wal-Mart de coação”. 2.8.97. 49 29 5. OS RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO Neste capítulo são apresentados os resultados alcançados com as três etapas da pesquisa de campo: a) Oficina Sindical; b) entrevistas; e c) pesquisa documental. O capítulo subdividese por temas abrangidos na Cláusula Social: liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, discriminação contra gênero e raça, e meio ambiente, saúde e segurança ocupacional. Para cada um desses temas, explicitam-se os indicadores criados para a sua verificação, o conteúdo de outros documentos de caráter internacional relevantes e os resultados alcançados na pesquisa. Cabe salientar que as convenções da OIT dirigem-se primordialmente aos países-membros daquela Organização, estipulando medidas gerais a serem implementadas pelos governos, nos âmbitos legislativo e político. Outros documentos internacionais dirigem-se especificamente às empresas, notadamente multinacionais, recomendando condutas compatíveis com o estabelecido nas normas da OIT. Com a preocupação de reforçar a idéia do cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho pelas empresas, fundamentou-se a análise considerando-se os seguintes documentos: Declaração Tripartite sobre Empresas Multinacionais e Política Social51, da OIT; Diretrizes para Empresas Multinacionais52, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico); o Global Compact53, da ONU (Organização das Nações Unidas); o Modelo de Código de Conduta54, da CIOSL (Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres); e a norma SA 8000, da CEPAA (Council on Economic Priorities Accreditation Agency). Dois documentos da própria Wal-Mart serão mencionados ao longo do texto. O primeiro é o Código de Conduta da empresa nos EUA, lançado em 1992, que contém normas a serem obedecidas por seus fornecedores como condição para que seus produtos sejam comercializados nas lojas da rede. O Código de Conduta, intitulado “Vendor Partner Standards Set Forth in 1992”55, traz na sua introdução os princípios e valores básicos seguidos pela empresa, entre os quais destaca-se a relação de parceria entre empregados, acionistas e administradores. Segundo o Código, os fornecedores da Wal-Mart devem estar comprometidos com tal princípio, aplicando-o em todas as suas relações contratuais, inclusive em subcontratações. O Código abrange os seguintes tópicos: cumprimento da legislação nacional, emprego, ambiente de trabalho, respeito ao meio-ambiente, compromisso em adquirir produtos norte-americanos (“buy-american”), inspeção e certificação, direito de inspeção, confidencialidade e política sobre brindes e gratificações. 51 OIT. Tripartite Declaration of Principles concerning Multinational enterprises and Social Policy. [http://www.ilo.org/public/english/85multi; visitado em 3/3/2000] 52 OCDE. Guidelines for Multinational Enterprises. [http://www.oecd.gov] 53 The Global Compact – The Nine Principles. [http://www.unglobalcompact.org/gc/unweb.nsf/webprintview/thenine.html; visitado em 8/2/2000] 54 Tradução livre do “ICFTU/ITS Basic code of Labour Practice”. Ver: [http://www.icftu.org/english/tncscode98.html]; visitado em 3/3/2000. 55 http://www.walmartstores.com/supllier/vstand_current_standards.html; visitado em 10/4/2000. 30 Não tendo havido contato com a direção da empresa no Brasil, não foi possível saber se dos fornecedores das lojas no país é feita alguma exigência semelhante. Afinal, o texto do Código disponível na internet está escrito em inglês e, até mesmo pela cláusula de “buyamerican”, é nítida a sua orientação para o caso norte-americano. Nas entrevistas realizadas, trabalhadores e sindicalistas disseram desconhecer a existência de códigos dessa natureza no Wal-Mart, o que, no mínimo, indica a pouca divulgação interna dessa prática de responsabilidade social. Ademais, algumas ONGs e sindicatos norte-americanos põem dúvida sobre a efetiva aplicação do Código, desafiando a empresa a divulgar o nome e localização das instalações das empresas fornecedoras para que possa haver fiscalização independente do respeito aos direitos dos trabalhadores56. O segundo documento é o Código de Ética, que os empregados do Wal-Mart no Brasil devem assinar ao serem contratados e que estipula obrigações relativas ao comportamento pessoal e profissional no local de trabalho. Ao contrário do anterior, esse documento é bem conhecido dos trabalhadores entrevistados. 5.1. Liberdade Sindical 5.1.1. Indicadores e referências A Convenção (no 87) relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito Sindical, de 1948, da OIT, tem por finalidade garantir a independência das organizações de trabalhadores e empregadores, bem como proteger os direitos sindicais. Logo no seu artigo 2º, a Convenção 87 dispõe que: “Os trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituir organizações de sua escolha, assim como o de se filiar a essas organizações, à condição única de se conformarem com os estatutos destas últimas”. O Brasil não ratificou essa Convenção e o direito sindical no país decorre de dispositivos constitucionais e legais. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, as organizações sindicais eram sujeitas à interferência administrativa do Estado, que se estendia da formulação de estatutos até a administração dos recursos financeiros. A nova Constituição reduziu essa interferência mas não a eliminou, mantendo a obrigação do registro da entidade sindical no Ministério do Trabalho, o enquadramento por categoria profissional, a limitação a um único sindicato por categoria, a abrangência municipal da representação e a contribuição financeira obrigatória aos sindicatos (o chamado imposto sindical). A Convenção (no 98) Relativa à Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Coletiva, de 1949, também protege a atividade sindical de discriminação em 56 Ver: National Labor Committee in Support of Worker and Human Rights (Comitê Trabalhista Nacional de apoio aos Direitos Humanos e dos Trabalhadores), [http://www.nlcnet.org/WALMART/bangwal.html; visitado em 7/12/99]. Walmartwatch, ou Observatório do Wal-Mart [http://www.walmartwatch.com/ , visitado em 7/12/99]. 31 relação ao emprego. Ela estabelece que os empregos não devem ser vinculados ou condicionados à não-filiação ou desfiliação a sindicato, e que não deve haver demissões ou outros prejuízos aos trabalhadores por exercerem atividades sindicais. Essa Convenção também protege contra ingerência nas atividades sindicais e estimula a negociação coletiva. Enquanto as Convenções da OIT dirigem-se ao sistema de leis e políticas nacionais, outros documentos traduzem o seu conteúdo para o plano das empresas, especialmente empresas multinacionais. Um desses documentos é a “Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e Política Social”, também da OIT, que dedica vários pontos ao tema da Liberdade Sindical e Direito de Sindicalização. A Declaração Tripartite sugere que as empresas multinacionais: • garantam a liberdade aos seus empregados de se filiar aos sindicatos, sem sofrer discriminação que restrinja a liberdade sindical com relação com seu emprego; e • apóiem e colaborem com as organizações sindicais representativas de empregadores. O documento “Diretrizes para Empresas Multinacionais”, da OCDE, também enfatiza esse aspecto, ao estipular que as empresas multinacionais devam respeitar o direito dos seus empregados de se representarem por sindicatos ou outras organizações de trabalhadores. Ainda, no documento Global Compact, proposto pelo Secretário Geral da ONU em 1999, as empresas são convidadas a manter e promover a liberdade sindical, nos locais de trabalho, nos processos de negociação coletiva e na comunidade de operações. Reafirmando os documentos anteriores, a liberdade sindical nos locais de trabalho é materializada na garantia aos trabalhadores de poderem formar e se afiliar a entidades sindicais sem o risco de intimidação ou represálias; o estabelecimento de políticas e procedimentos que evitem discriminação anti-sindical (na contratação, promoção, demissão ou transferência); e a existência de condições que permitam aos representantes sindicais desenvolver suas funções adequadamente. No plano da negociação coletiva, o documento propõe que as empresas reconheçam as entidades sindicais mais representativas, sem excluir as organizações trabalhistas de menor dimensão. Das formas como as empresas deveriam perseguir a liberdade sindical na comunidade de operações destacamos a divulgação de sua adesão aos princípios do Global Compact e sua intenção em respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores. O Modelo de Código de Conduta sobre as práticas de Trabalho, adotado pela CIOSL e Secretariados Internacionais, no que tange à liberdade de associação, repete a formulação de que todos os trabalhadores tenham o direito a formar sindicatos e a eles se sindicalizar, que os representantes dos trabalhadores não devam sofrer discriminação e lhes seja assegurado o acesso aos locais de trabalho. Esse Modelo de Código de Conduta também sugere que as empresas adotem uma abordagem positiva com respeito às atividades sindicais e estejam abertas à atividades organizativas. As mesmas preocupações são encontradas no documento SA8000, quando trata especificamente da Liberdade de Associação. Propõe às empresas que facilitem a associação livre e independente dos trabalhadores, mesmo onde existam restrições legais a 32 esse direito, não adotem práticas discriminatórias contra representantes sindicais e dêem acesso aos membros dos sindicatos aos locais de trabalho. Tanto o Código de Conduta quanto o Código de Ética da empresa não mencionam explicitamente o direito a liberdade sindical. O Código de Conduta exige dos fornecedores da empresa que respeitem a lei nacional, particularmente a legislação trabalhista. Já o Código de Ética postula que a empresa está empenhada no cumprimento da legislação relativa aos direitos humanos, mas proíbe que qualquer literatura seja distribuída ou recebida pelos empregados no horário de trabalho. Destacando a forma como a Convenção no 87 é interpretada por esses documentos, reconhecidos internacionalmente, identificamos os seguintes aspectos centrais que devem ser avaliados na conduta da empresa: • a liberdade da organização dos trabalhadores, sem intervenção ou interferência empresarial; • o respeito ao direito de organização no local de trabalho; • o respeito ao direito de greve; • a liberdade das entidades sindicais na elaboração de seus estatutos; • o acesso dos dirigentes sindicais ao local de trabalho e a liberdade de comunicação com os trabalhadores; • o reconhecimento das decisões da organização sindical aprovadas em assembléias. Constituiriam violações desses direitos, no âmbito da empresa: • ameaçar ou praticar qualquer constrangimento ao trabalhador para que não se filie ou se desfilie de entidades sindicais; • buscar impedir o trabalhador de participar de atividades sindicais; • a demissão de dirigentes sindicais; • a interferência da empresa na eleição para a direção sindical ou no próprio sindicato; • a repressão de movimentos grevistas através do uso da polícia ou forças privadas ou ameaças ao emprego dos trabalhadores; • a contratação de trabalhadores terceirizados durante movimentos grevistas; • impedir os representantes sindicais de atuarem no local de trabalho e divulgarem ações do sindicato. Os indicadores do grau de cumprimento dos direitos previstos na Convenção seriam: • a existência de organização dos trabalhadores no local de trabalho; • a liberdade do trabalhador de optar por ser ou não sindicalizado; • a livre atuação de delegados sindicais; • o acesso do dirigente sindical ao local de trabalho; 33 • a liberdade de difusão de informação e de comunicação; • a liberdade de recolhimento e repasse das contribuições financeiras em favor do sindicato. 5.1.2. Resultado da observação Nas entrevistas com dirigentes sindicais, as questões críticas levantadas no tocante aos direitos de a organização sindical estavam relacionadas ao reconhecimento dos sindicatos como interlocutores para a negociação, à pressão da empresa sobre os trabalhadores para que não contribuíssem financeiramente com os sindicatos, à dificuldade de acesso aos locais de trabalho e de condições para a informação dos trabalhadores. Concretamente, as direções sindicais manifestaram sua preocupação quanto ao fato da empresa não reconhecer os sindicatos representativos da categoria dos comerciários no processo de negociação coletiva, descumprindo convenções coletivas em vários aspectos, notadamente a regulamentação do horário de trabalho aos domingos e feriados. A respeito da liberdade de filiação aos sindicatos, as entrevistas com os trabalhadores mostram que ela existe, uma vez que a grande maioria dos entrevistados, sindicalizados ou não, afirmaram que não se sentiam pressionados pela empresa para não se associar à entidade sindical. Quando o entrevistado deu explicações para a sua não-sindicalização, atribuiu a fatores como a falta de informação sobre o sindicato, o seu desinteresse pessoal e a falta de atratividade dos serviços oferecidos pelo sindicato. Embora em menor número, alguns entrevistados disseram ter havido pressão da empresa contrária à sindicalização. Como a maior parte destas pessoas era filiada ao seu sindicato, pode-se supor que tal pressão, mesmo existindo, não era suficientemente forte para impedir a filiação sindical. Outro ponto relevante é o da liberdade para contribuir financeiramente ao sindicato. No período de agosto a dezembro de 1999, o Sindicato dos Empregados do Comércio de Bauru recebeu 81 Cartas de Oposição às contribuições assistencial e confederativa, carta esta que é exigida legalmente para que o funcionário se isente das contribuições. Do total, 48 cartas foram assinadas por mulheres e 33 por homens. Todas as cartas apresentam o mesmo texto57, foram autenticadas no mesmo Cartório, o 1o Tabelionato de Notas de Bauru, várias delas nas mesmas datas. Em função desse uniformidade entre as cartas, e da informação de que exista um modelo de carta afixada no quadro de avisos do Supercenter, um diretor do Sindicato suspeita de que a empresa esteja promovendo essa atitude dos trabalhadores. Os trabalhadores entrevistados confirmaram a existência desses modelos de correspondência nos murais, acompanhadas de instruções sobre como os trabalhadores 57 As 81 cartas apresentam o seguinte texto: “Ao Wal Mart Brasil Ltda. Eu, ..............................................., RG......................................, venho por meio desta comunicar que não seja descontada a contribuição assistencial e confederativa a partir da minha admissão, ou seja, ...................... Sem mais para o momento, Atenciosamente, ...........................................” 34 podem proceder para que tal contribuição não seja efetuada. Mas esses entrevistados disseram não terem sido pressionados pela gerência da empresa para que apresentassem tais cartas, bem como julgaram não ter havido pressão sobre seus colegas, ocorrendo o mesmo nas entrevistas com trabalhadores da loja de Bauru. Outros problemas na conduta da empresa parecem estar relacionados ao acesso dos representantes sindicais aos locais de trabalho e aos meios disponíveis para a disseminação de informações do sindicato entre os trabalhadores. Este ponto é destacado pelas lideranças sindicais das três cidades pesquisadas. Antes de mais nada, é preciso salientar o baixo nível de organização dos trabalhadores nesses locais de trabalho: a sindicalização é escassa, há um único trabalhador com mandato de dirigente sindical em apenas uma das duas lojas e a atuação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), enquanto espaço de representação dos trabalhadores, é limitada. As condições adversas para o efetivo exercício dos direitos de liberdade sindical são agravadas com a proibição do acesso dos dirigentes sindicais aos locais de trabalho, testemunhado nos depoimentos dos sindicalistas e trabalhadores entrevistados. A única condição criada pela empresa para que os sindicatos possam divulgar seus informativos entre os trabalhadores é a permissão para que material impresso seja deixado na área de acesso dos trabalhadores aos Supercenters. Quanto à participação dos trabalhadores em atividades sindicais realizadas fora do espaço da empresa, os depoimentos levam a se concluir que a empresa não coloca obstáculos pois, de uma maneira geral, os entrevistados não apontaram pressões ou represálias contra essa participação. Em alguns casos, os trabalhadores disseram não terem sido convocados para participar de atividades sindicais, o que pode estar relacionado ao baixo nível de organização sindical no local de trabalho, mas também às restrições para a ação sindical mencionadas anteriormente. As opiniões dos trabalhadores entrevistados sobre a atitude da empresa diante da ação sindical e a participação nas eleições sindicais se dividem. A maior parte deles considera que a empresa não dificulta essa ação e não pressiona contra a participação de trabalhadores no processo eleitoral. No único caso de trabalhador do Wal-Mart com mandato sindical, as informações dão conta de que suas atividades sindicais são respeitadas pela empresa, sem prejuízos de ordem profissional. Mas boa parte dos entrevistados prefere não se posicionar sobre esses assuntos, dizendo nada saber a esse respeito. Isso é revelador da distância da ação sindical em relação ao local de trabalho. Por outro lado, uma ex-funcionária, que tinha cargo de dirigente sindical, reclamou por ter sido tratada diferentemente por sua gerência a partir do momento em que assumiu o cargo. Outro princípio das Convenções da OIT relativo à liberdade sindical, que pode ter sido desrespeitado pela Wal-Mart, é o do direito de greve. Na paralisação realizada pelos trabalhadores do Supercenter de Osasco, segundo os dirigentes sindicais, houve a interferência da polícia para reprimir e interferir contra o prosseguimento do movimento. Um dos dirigentes sindicais entrevistados deu o seguinte relato da atuação da empresa e da polícia: “Então senti isso, porque eles começaram a trazer gente de outros locais para abrir a WalMart. A polícia que abriu a Wal-Mart. Fizeram um cordão de isolamento e deixaram 35 entrar. Eu falei para o comandante que era abuso da autoridade, que a lei é clara e tínhamos o direito de fazer piquete na porta da empresa porque a lei permite. Fizeram um cordão na entrada para os clientes entrarem. Mas era uma atividade de protesto até o meio-dia para a empresa abrir as negociações. Eles não queriam conversar, não estavam cumprindo a própria convenção.” Outra atitude da empresa relacionada a esse movimento, apontada tanto pelos dirigentes sindicais quanto pelos trabalhadores entrevistados, foi a demissão daqueles que participaram da paralisação. Embora não se tenha obtido informações detalhadas que confirmem ter havido essas demissões, um dos entrevistados levantou o seguinte: “por causa disso aí [a paralisação] um monte de gente foi demitida ... é, que não entraram para trabalhar ... Foi num sábado até o meio-dia assim ninguém tinha entrado ... eu creio que sim porque a maioria que eu conhecia tava lá e foi tudo mandado embora depois de um mês mais ou menos ... num período curto, e quem entrou recebeu umas cartinhas de agradecimento, elogiando o cara que entrou lá pra trabalhar”. Houve dificuldade em perceber até que ponto a empresa demitiu seus funcionários em razão da participação na paralisação. Isso se deve, em parte, à alta rotatividade de pessoal que caracteriza o setor do comércio varejista. Assim, a conduta do Wal-Mart em relação aos direitos sindicais, com base nessas unidades pesquisadas, apresenta problemas, aparecendo em relevo: a) a dificuldade do acesso dos dirigentes sindicais ao local de trabalho; b) falta de condições propícias para a comunicação e informação dos trabalhadores; c) provável indução à não-contribuição financeira em favor do sindicato. As falhas na conduta da empresa, todavia, são favorecidas pela pouca expressão que tem a ação sindical no local de trabalho, visto pelo baixo grau de sindicalização e a pouca participação dos trabalhadores em atividades sindicais. 5.2. Negociação coletiva 5.2.1. Indicadores e referências A Convenção no 98, além de proteger os trabalhadores de atos atentatórios à liberdade sindical, preconiza o fomento e a promoção da negociação coletiva de trabalho. No seu artigo 4 diz: “Deverão ser tomadas, se necessário for, medidas apropriadas às condições nacionais para fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de meios de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e organizações de 36 trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio de convenções coletivas, os termos e condições de emprego”. Dentre as condições estabelecidas pela OIT, considera-se central nessa Convenção e na Recomendação 143: • o direito de negociação coletiva; e • o direito às informações para a negociação coletiva. Esses princípios não podem ser isolados da efetiva liberdade sindical, que garante aos trabalhadores e suas organizações condições para o desenvolvimento do conjunto da ação sindical. Caracterizaria violação a esses direitos: • a recusa de negociação coletiva; e • a sonegação de informações para a negociação coletiva. A verificação do grau de cumprimento desses princípios se daria pelos seguintes quesitos: • a aceitação ou recusa de negociação coletiva; e • o fornecimento de informações necessárias para a negociação coletiva. A “Declaração Tripartite” exorta os governos a ratificarem as Convenções 87 e 98, mas, onde isso não ocorre, sugere às empresas multinacionais que apliquem os princípios nelas expresso. A “Declaração” dá uma grande ênfase ao diálogo entre as multinacionais e as organizações de trabalhadores, recomendando, por exemplo, que haja consultas a respeito do emprego de mão-de-obra antes do início de suas operações e se estabeleça a cooperação em matéria de emprego e desenvolvimento de recursos humanos locais. No aspecto da negociação coletiva, além de condições gerais favoráveis a que ela se implante no país, as empresas deveriam: • proporcionar aos representantes dos trabalhadores as condições necessárias para negociações efetivas; • possibilitar que haja negociações diretas em cada país em que estejam operando; • não ameaçar transferir suas atividades para outros países com a finalidade de influenciar nas negociações; • proporcionar informações necessárias para que sejam estabelecidas negociações efetivas, inclusive com dados sobre as unidades e o conjunto da empresa; Além disso, a “Declaração” recomenda que se criem sistemas de consultas regulares no âmbito da empresa multinacional, que se respeite o direito de reclamação dos trabalhadores e que se instituam mecanismos voluntários de conciliação de conflitos trabalhistas. O documento de “Diretrizes para as Multinacionais” da OCDE reforça muitos dos princípios definidos na “Declaração Tripartite”. Inicia reiterando que as empresas devem respeitar o direito dos seus empregados, representados por sindicatos, de se engajarem em 37 negociações construtivas sobre as condições de emprego. Recomenda, também, que as empresas proporcionem as condições materiais necessárias para que os representantes dos trabalhadores estabeleçam negociações efetivas, bem como informações requeridas para tanto. A empresa deve informar e cooperar com os representantes dos trabalhadores para identificar meios que minimizem os impactos adversos de mudanças nas suas operações sobre os empregados. As “Diretrizes” reprovam o uso de ameaças de transferência de unidades ou setores da empresa para influenciar negativamente negociações coletivas ou impedir o exercício do direito de organização. Para que as negociações coletivas sejam efetivas, as empresas devem autorizar representantes da administração local que tomem decisões sobre os assuntos tratados. O Global Compact diz que o princípio da liberdade de associação e do efetivo direito à negociação coletiva inclui o reconhecimento pelas empresas dos sindicatos mais representativos, negociando de boa-fé e buscando o acordo. As negociações devem englobar um amplo espectro de questões, desde as condições de trabalho e emprego até temas ligados à comunidade. Mais uma vez aparece o acesso a informações como uma condição essencial para a negociação efetiva. Ao recomendar às empresas que priorizem a negociação com os representantes do sindicato mais representativo, o documento alerta para que não se exclua outras organizações de trabalhadores. O “Modelo de Código de Conduta” da CIOSL é bastante sintético a esse respeito, dizendo apenas que o direito dos trabalhadores de estabelecer negociações coletivas, como previsto na Convenção 98 da OIT, deve ser reconhecido, bem como o direito dos representantes dos trabalhadores de desenvolverem suas funções como preconizam a Convenção 135 e a Recomendação 143, ambas da OIT. Além disso, as empresas devem adotar uma atitude positiva em relação às atividades sindicais e à sindicalização. O reconhecimento do direito de negociação coletiva, mesmo onde a lei o restringir, é reiterado pela norma SA 8000. Os dois documentos da empresa, o Código de Conduta e o Código de Ética, não tratam da questão, ressalvadas as menções ao cumprimento da legislação nacional e aos direitos humanos. 5.2.2. Resultado da observação A conduta do Wal-Mart Brasil, tomando por base o histórico das unidades estudadas, é de desrespeito ao processo de negociação coletiva. O Wal-Mart não só não reconhece os sindicatos como atores legítimos de representação dos interesses dos trabalhadores, como descumpre cláusulas estabelecidas nas convenções coletivas celebradas entre os sindicatos patronais e dos trabalhadores, o que é um claro indicativo desse desrespeito. Em Bauru, segundo as direções do sindicato local, o Wal-Mart não só descumpriu o que a convenção estipulava sobre a abertura aos domingos, como gerou, em função dessa atitude, um movimento dos outros estabelecimentos comerciais no mesmo sentido. Em Osasco, o descumprimento de quatro cláusulas da convenção coletiva levou os trabalhadores a se 38 manifestarem, paralisando as atividades do Supercenter por várias horas. Em São Paulo, os dirigentes sindicais apontam o descumprimento da legislação quanto ao funcionamento nos feriados. As dificuldades encontradas para a negociação da mudança do horário de funcionamento exemplificam a atitude da empresa. Baseando-se nas entrevistas e em documentos obtidos junto ao sindicato de Bauru, podemos reconstituir a trajetória dessa questão crucial no conjunto das relações de trabalho do setor do comércio varejista, que é o horário de funcionamento. Logo após sua instalação na cidade, a administração da empresa optou por um dos horários de funcionamento previstos na Convenção Coletiva, que permitia o trabalho de segunda-feira à Sábado, entre 8 e 22 horas, sem trabalho nos domingos. Segundo o Sindicato, a Lei Municipal proíbe a abertura do comércio nos domingos, enquanto a Medida Provisória que regulamentou o assunto condiciona o trabalho nos domingos à observância do artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, ou seja, ao que estipula a legislação municipal. Os documentos obtidos mostram que desde o início de 1998 o sindicato veio requerendo das autoridades responsáveis que fiscalizassem o Wal-Mart, em razão do funcionamento do Supercenter em desacordo com o que determina a convenção. Além disso, o sindicato solicitou que a Sub-delegacia do Ministério do Trabalho realizasse uma mesa-redonda visando a um entendimento com a empresa. Um primeiro encontro ocorreu em fevereiro de 1998 sem que se chegasse a uma mudança no posicionamento da empresa. Ela continuou afirmando que manteria o Supercenter em funcionamento nos domingos e feriados. A mesa-redonda teve continuidade um mês mais tarde e, na ata deste segundo encontro, registra-se a posição da empresa: a legislação municipal não teria competência para dispor sobre o descanso remunerado aos domingos, razão porque a empresa vem respeitando legislação federal pertinente. A empresa propôs o pagamento do transporte para todos os funcionários que fizerem uso do transporte coletivo, bem como alimentação. Além disso, solicitou que o sindicato profissional local realizasse uma assembléia para saber o posicionamento dos trabalhadores a respeito do assunto, fixando dia e horário para conhecimento da empresa. O sindicato não concordou com as propostas da empresa e exigiu dela o cumprimento do estipulado na lei e na Convenção Coletiva da categoria. Como o quadro não se alterou depois desse segundo encontro, o Ministério do Trabalho voltou a autuar o estabelecimento de Bauru por constatar o descumprimento da Convenção Coletiva. Nova mesa-redonda foi realizada em abril do mesmo ano, agora envolvendo também a Prefeitura Municipal de Bauru, na qual a empresa reiterou seu posicionamento. Finalmente, o funcionamento aos domingos motivou um Inquérito Civil Público no Ministério Público do Trabalho, sobre o descumprimento da Convenção Coletiva de Trabalho. A situação permanece a mesma, a empresa continua abrindo o Supercenter aos domingos e feriados, sem o amparo de acordo ou convenção coletiva, e se recusa a entrar em entendimento com o sindicato. Por outro lado, o sindicato de Bauru está negociando um acordo de trabalho com outra rede de supermercados, sobre o funcionamento aos domingos até as 18 horas, no qual reivindica plano de saúde completo ou R$ 18,00 por domingo trabalhado, ressalvando que o trabalho não será realizado em todos os domingos do mês. Em Osasco, firmou-se um acordo entre a empresa e o sindicato estabelecendo as condições para o trabalho aos domingos. Esse compromisso foi o resultado de uma intensa 39 mobilização dos trabalhadores de Osasco, ainda em 1998, que culminou na paralisação do Supercenter. Naquela época, o trabalho aos domingos e feriados era limitado aos dias que antecediam algumas datas comemorativas. A exemplo de redes como o Carrefour, o WalMart começou a desrespeitar a limitação logo após ter se instalado em Osasco. A paralisação dos trabalhadores do Supercenter de Osasco no dia 25 de abril de 1998 teve como causa principal o descontentamento gerado pelo descumprimento da Convenção Coletiva no tocante ao trabalho aos domingos. Os informativos do sindicato denunciaram esse fato, bem como o desrespeito a outros dispositivos da convenção, tais como o nãopagamento dos adicionais previstos, a não concessão do vale-transporte, do abono e da folga remunerada. As denúncias também apontavam o não-pagamento de horas extras, o não-acompanhamento do fechamento do caixa pelo funcionário (que era punido se fosse verificada alguma diferença), as humilhações impostas aos funcionários e o não-pagamento de Participação nos Lucros. O sindicato considerava que o Wal-Mart praticava uma alta rotatividade de pessoal, pagava baixos salários e não respeitava direitos mínimos dos trabalhadores. O sindicato convocou uma assembléia geral extraordinária dos funcionários da Wal-Mart do Brasil e do SAM’s Club, realizada no dia 20 de abril. A pauta visava a discutir o descumprimento sistemático de quatro cláusulas da Convenção Coletiva vigente, apesar das tentativas de negociação. Ao lado da cláusula sobre a proibição do trabalho aos domingos (no 48) eram arroladas as cláusulas sobre a quebra de caixa (no 17), do adiantamento salarial (no 44) e a sobre a publicidade para eleição da CIPA (no 50). Na ata da assembléia foi registrado que os trabalhadores “são obrigados pelas empresas a trabalhar aos domingos e feriados, sob pena de serem demitidos, sendo, ainda, obrigados a assinar um Aditamento ao Acordo Individual de Trabalho’ de forma coativa e ilegal...”. Ao final, a assembléia deliberou, por unanimidade, a decretação de greve, a promoção de Ações de Cumprimento na Justiça do Trabalho e nomeou uma comissão para negociar com a empresa. Um dos documentos disponíveis contém a proposta do Wal-Mart visando a encerrar o movimento. O documento não tem data nem está assinado, mas propõe a abertura de negociações sobre o trabalho aos domingos, condicionada à volta imediata ao trabalho. Além disso, assegura a estabilidade no emprego dos funcionários enquanto durar as negociações e o não-desconto das horas em que o pessoal permaneceu em greve. Uma ata de reunião ocorrida em 7 de maio, na Delegacia do Ministério do Trabalho, mostra que empresa e sindicato chegaram a um acordo em torno de alguns dos itens que motivaram o movimento. As deliberações tomadas no encontro foram: • a empresa não pagaria a quebra de caixa, porém não faria descontos nem punições por diferenças nos caixas; • a empresa implantaria o sistema ‘vale compra’, de no máximo 20% do salário, segundo opção a ser exercida pelo empregado; • a empresa comunicaria a realização da eleição da CIPA, fazendo a entrega das atas pertinentes e passaria a observar doravante os prazos; e • a empresa não penalizaria seus funcionários em decorrência da paralisação havida. O resultado das negociações encerrou as discussões sobre os problemas que motivaram a paralisação, com exceção da abertura aos domingos, que ficou para ser negociada com o 40 sindicato patronal. Um acordo foi firmado somente no primeiro semestre de 1999 e as suas condições, salientadas pelos dirigentes sindicais, foram a garantia de no mínimo um domingo de folga por mês, o pagamento de adicionais, a adesão voluntária às escalas de trabalho aos domingos e a gratuidade da refeição aos que trabalham nesses dias. Mais importante do que o resultado do acordo foi a mudança de comportamento do WalMart com relação ao sindicato e ao cumprimento dos direitos trabalhistas, em especial do que é estipulado na mesa de negociações. O fato do Wal-Mart ter passado a respeitar a convenção coletiva firmada com o sindicato de Osasco foi atribuído pelos dirigentes sindicais ao movimento dos trabalhadores realizado em 1998. Porém, mesmo depois do movimento em Osasco, os dirigentes sindicais consideram que o Wal-Mart dificulta as negociações coletivas mantidas com o sindicato patronal. Em São Paulo, a questão do funcionamento do comércio aos domingos tinha sido alterada antes da instalação das lojas da Wal-Mart, pela alteração da legislação municipal. Mesmo assim, a empresa é criticada pelos dirigentes sindicais por desobedecer a proibição da abertura aos feriados. Os sindicalistas entrevistados avaliam, além disso, que a política da empresa é de distanciamento do sindicato e de aversão à negociação coletiva. O levantamento mostra que a empresa desrespeitou o direito à negociação coletiva em Osasco e continua desrespeitando em Bauru, impondo seus interesses e decisões à revelia dos interesses dos trabalhadores, através do: a) descumprimento das convenções coletivas; e a b) recusa em estabelecer um processo de negociação sobre a mudança no horário de funcionamento, implantando unilateralmente o trabalho aos domingos e feriados. É verdade que a atuação decidida dos trabalhadores e do sindicato se mostrou capaz de mudar, parcialmente que seja, essa atitude. Mas ainda há muito o que progredir no lado da empresa para chegar ao pleno cumprimento do disposto nos documentos internacionais que se referem ao assunto. 5.3. Trabalho infantil 5.3.1. Indicadores e referências A Convenção n.º 138 sobre a Idade Mínima para a Admissão de Emprego estabelece que, ao ratificá-la, o país deve comprometer-se a: “seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem”. O país deve fixar uma idade mínima de admissão a emprego, não inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou não inferior a quinze anos. A Convenção abre a possibilidade de que a idade mínima seja fixada em quatorze anos nos países cuja economia 41 e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas. Nesse caso, tal idade mínima deveria viger por tempo determinado, após o qual seria elevada aos níveis gerais. A idade mínima prevista na Convenção não se aplica ao trabalho feito no contexto educacional ou profissionalizante, em escolas de educação vocacional ou técnica, em outras instituições de formação, desde que façam parte de cursos ou programas de formação desenvolvidos por instituições educacionais com aprovação das autoridades competentes. No caso de treinamento em empresas, a Convenção estipula a idade mínima de quatorze anos e exige a interferência das autoridades competentes. A idade mínima para emprego ou trabalho considerado prejudicial à saúde, à segurança e à moral do jovem foi fixada em 18 anos pela Convenção 138. Jovens de 16 anos podem trabalhar nesses tipos de trabalho, desde que estejam plenamente protegidas a saúde, a segurança e a moral, bem como tenham instrução ou formação adequada. O Brasil ratificou a Convenção 138 em janeiro de 2000, juntamente com a nova Convenção n.º 182 sobre a Proibição e Ação Imediata para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, de 1999. Contudo, a fixação da idade mínima para o trabalho em 16 anos já tinha sido feita no final de 1998, quando o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n.º 20. O trabalho considerado perigoso, penoso ou insalubre também já é, pela legislação brasileira, proibido aos jovens com menos de 18 anos. O trabalho realizado dentro de programas educativos e de formação profissional exige que as atividades estejam submetidas a critérios pedagógicos e haja supervisão das autoridades competentes. Mesmo assim, o problema da exploração do trabalho infantil no Brasil ocorre em largas proporções, ignorando os dispositivos constitucionais e legais que visam a erradicá-lo e constituindo-se num desafio prático para toda a sociedade. Resumindo, considera-se central na Convenção 138 e na Recomendação 146: • a abolição total do trabalho infantil; • a idade mínima de 16 anos para o emprego e o trabalho; • a elevação progressiva da idade mínima para admissão no emprego e trabalho; • a proteção do adolescente no trabalho. Caracterizariam violações a esses direitos: • a contratação para o trabalho de pessoas com idade inferior a 16 anos; • a utilização de mão-de-obra infanto-juvenil mascarada por atividades educativas; • o emprego de mão-de-obra infantil através de empresas terceirizadas; • o emprego de adolescentes em trabalhos penosos, insalubres, imorais e noturnos. A verificação do grau de cumprimento dos princípios da Convenção 138 dar-se-ia pelo seguintes quesitos: • a existência de trabalhadores com idade inferior a 16 anos na empresa, 42 • a existência de jovens com menos de 18 anos executando funções penosas, insalubres, perigosas ou trabalhando à noite, • a condição das pessoas com idade inferior a 18 anos trabalhando através de programas de trabalho educativo ou sob a forma de estágios. Infelizmente, o tema do trabalho infantil não é abordado especificamente tanto no texto da “Declaração Tripartite” da OIT quanto nas “Diretrizes” da OCDE que tratam das empresas multinacionais. Talvez esse vazio seja explicado pelo fato de esses documentos terem sido discutidos e aprovados em meados da década de 70, não tendo sofrido a influência do crescente interesse social e político em relação à erradicação desse mal social. A abolição efetiva do trabalho infantil aparece claramente na proposta do Global Compact, como um dos seus princípios relativos às normas trabalhistas. O documento aponta várias maneiras pelas quais as empresas podem implementar esse princípio nos locais de trabalho, entre as quais destacamos as seguintes: • seguir estritamente a idade mínima prevista nas leis nacionais ou, onde estas forem insuficientes, adotar as normas internacionais; • influenciar empresas sub-contratadas, fornecedores e empresas afiliadas que combatem o trabalho infantil; • ao remover crianças do trabalho, prover alternativas para as mesmas e suas famílias, incluindo escolarização e programas de geração de renda; • assegurar aos adultos segurança no emprego, condições e salários decentes, de modo que não necessitem colocar suas crianças no trabalho. A atuação das empresas, nesse campo de problemas, poderia se estender para a comunidade onde operam. O Global Compact recomenda ações voltadas para a cooperação com outras empresas e associações, o apoio à educação e formação profissional, a programas de suplementação nutricional e de saúde dirigidos às crianças; à conscientização da sociedade para o problema. Ou seja, o documento desenha uma proposta de atuação que vai muito além da mera abstinência do emprego de crianças e jovens com idades inferior à mínima, alcançando a cadeia de produção e comercialização e o envolvimento comunitário. A CIOSL incluiu um dispositivo no seu “Modelo de Código de Conduta” que trata especificamente do trabalho infantil. Esse dispositivo estipula que não deve ser utilizada a mão-de-obra infantil pela empresa, que pode empregar trabalhadores com idade superior a 15 anos ou acima da idade escolar obrigatória, prevalecendo a idade mais elevada. A empresa deveria proporcionar às crianças desligadas do trabalho, pela aplicação desse dispositivo, assistência econômica e oportunidades de escolarização. A norma SA 8000 também inclui requisitos de responsabilidade social referentes ao trabalho infantil. Pelos critérios dessa norma, as empresas não apenas deveriam se eximir de utilizar o trabalho infantil como não apoiar tal prática. A empresa deveria ter “políticas e procedimentos para reparação de crianças que forem encontradas trabalhando”, bem como apoiar a freqüência e permanência dessas crianças na escola. A norma recomenda que as empresas não exponham trabalhadores jovens a situações que sejam perigosas, inseguras ou 43 insalubres. É importante ressaltar que a SA 8000 recomenda às empresas que avaliem e selecionem os fornecedores de acordo com os critérios da norma, procurando manter evidência razoável de que tais critérios sejam atendidos por fornecedores e sub-fornecedores. Ou seja, a norma já entende os compromissos de responsabilidade social de forma ampla, contemplando as relações inter-empresariais. O Código de Conduta da Wal-Mart diz que a empresa não aceitará produtos onde tenha sido empregado o trabalho de pessoas com menos de 15 anos de idade, ou 14 anos onde a lei estipular, ou ainda com idade inferior à do término da educação obrigatória (onde estiver acima de 15 anos). 5.3.2. Resultado da observação Os dirigentes sindicais de Osasco e de Bauru acreditam que não haja pessoas com idades abaixo de 16 anos trabalhando no Wal-Mart ou mesmo abaixo dos 18 anos. Em relação ao emprego de mão-de-obra infantil pelos fornecedores do Wal-Mart, não sabem indicar, concretamente, se ele existe. Sindicalistas e trabalhadores declararam ter ouvido falar sobre compromissos do Wal-Mart em não adquirir produtos de empresas que utilizam mão-de-obra infantil. No entanto, essa informação não foi divulgada internamente entre os funcionários ou comunicada aos sindicatos. As informações obtidas nas entrevistas com trabalhadores indicam que o Wal-Mart só contrata pessoas com idades superiores a 18 anos, ou com idades entre 16 e 18 anos para a função de empacotadores, com jornada de 8 horas diárias e temporariamente, nas épocas de maior movimento de vendas. Com isso, a empresa estaria cumprindo os limites de idade para qualquer trabalho bem como para os trabalhos penosos, perigosos ou insalubres. Houve quem dissesse que a empresa apenas contrata pessoas com mais de 18 anos. Em Bauru, a normatização do piso salarial dentro da Convenção Coletiva estabelece pisos salariais para as funções de empacotador e contínuo com valor menor que o dos demais cargos. Essa medida visaria a estimular o emprego de adolescentes para a realização desses tipos de trabalho. Sobre o trabalho de pessoal “terceirizado”, que trabalha dentro dos supercenters, notadamente demonstradoras e promotoras, é unânime se tratarem de pessoas com idade superior a 18 anos. O que chama a atenção é de que essa questão é pouco conhecida pelos trabalhadores, incluindo os que ocupam cargos de chefia, que disseram não ter informações precisas a esse respeito. Essa falta de informação é ainda maior em relação ao propalado Código de Conduta do Wal-Mart, que condicionaria a relação com os fornecedores dos produtos 44 vendidos pela rede ao não-emprego de mão-de-obra infantil. Nenhum dos entrevistados recebeu qualquer informação sobre o Código, e todos disseram não saber se essa exigência era feita pela empresa. Um dos entrevistados afirmou que o trabalho infanto-juvenil ocorre na atividade de transporte de mercadorias para o Supercenter onde trabalha. Em relação à erradicação do trabalho infantil e a proteção do trabalho dos adolescentes, chegou-se a conclusão que: a) o Wal-Mart respeita os limites de idade para emprego e trabalho, previstos nos documentos internacionais; b) não foi possível identificar se houve remoção de crianças e adolescentes do trabalho, particularmente quando a idade mínima se elevou para 16 anos, e qual foi a atitude da empresa; c) não se pode perceber se no Brasil a empresa de fato tem uma postura de combate ao trabalho infantil junto aos seus fornecedores. 5.4. Discriminação contra gênero e raça 5.4.1. Indicadores e referências Duas convenções da OIT são centrais para a definição dos direitos à igualdade e nãodiscriminação de qualquer tipo, a saber, a Convenção no 100, sobre a Igualdade de Remuneração, de 1951, e a Convenção no 111, sobre a Discriminação (emprego e profissão), de 1958. A Convenção n.º 100 dispõe sobre a “igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor”, determinando que os países-membros promovam ou garantam meios compatíveis e métodos que assegurem tal igualdade. A Conferência Geral da OIT recomendou que fossem postos em prática mecanismos que possibilitem a aplicabilidade da referida Convenção: • consulta às organizações de trabalhadores para que sejam adotadas medidas que garantam a aplicação do princípio da igualdade de remuneração, inclusive na administração pública; • medidas pelas quais as remunerações estejam sujeitas a controle público, especialmente ao serem fixadas as taxas de salários mínimos; • estabelecimento de métodos, sempre em consulta às organizações de trabalhadores, que permitam avaliar objetivamente, mediante análise do emprego e de outros meios, os trabalhos que entranham diversos empregos, ou ainda, deveria fomentar o estabelecimento desses métodos para classificar os empregos independentemente de sexo; • facilidades iguais ou equivalentes em matéria de orientação profissional ou conselhos profissionais, de formação ou colocação; • estímulo a que as mulheres utilizem as facilidades em matéria de orientação, formação e colocação; 45 • serviços sociais e de bem-estar que correspondam às trabalhadoras, especialmente àquelas que tenham responsabilidades familiares, e financiando ditos serviços com fundos públicos ou de empresas e de seguros sociais, destinados ao bem-estar e constituídos com pagamentos efetuados em benefício dos trabalhadores, independentemente de sexo; • promover a igualdade quanto ao acesso às diversas profissões e funções, sob reserva das disposições da regulamentação internacional e da legislação nacional relativas à proteção da saúde e ao bem-estar das mulheres. Também recomenda que sejam feitos esforços para difundir entre a opinião pública as razões por que deve-se aplicar o princípio da igualdade de remuneração entre a mão-deobra masculina e feminina por trabalho de igual valor, assim como empreender estudos e pesquisas que possam promover a aplicação de tal princípio. A centralidade dessa Convenção pode ser identificada como a igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor. Os indicadores pelos quais se pode verificar a aplicação dessa Convenção seriam: • a existência de desigualdade salarial entre a mão-de-obra masculina e a feminina em condições iguais de trabalho; • a existência de desigualdade funcional entre a mão-de-obra masculina e a feminina ou entre trabalhadores em condições iguais de trabalho; • a existência de desigualdade na ocupação de cargos de chefia; • a desigualdade nas oportunidades de aperfeiçoamento profissional; • a existência de critérios discriminatórios para o preenchimento de vagas; • a ausência de serviços sociais, tais como creche. A Convenção no 100 quer superar todas as causas que impedem a realização do princípio da igualdade de salário para trabalhos equivalentes, como, por exemplo: a segregação das ocupações, as desigualdades de tratamento, as barreiras de promoção e de qualificação que alimentam a não-efetivação do salário igual. A interpretação dessa Convenção deve englobar todos os obstáculos que podem contribuir, direta ou indiretamente, para a segmentação das ocupações, relacionadas à forma como as empresas definem o lugar da mulher e o lugar dos homens na hierarquia e na estrutura ocupacional. A existência de práticas de diferenciação, obviamente, contribui indiretamente para que não se tenha a efetivação dos mesmos salários entre mulheres e homens. Por isso justifica-se o estudo também da discriminação exercida por vias “indiretas”. Assim, é fundamental avaliar nos documentos recolhidos sobre a empresa e entrevistas, onde, como, com quais argumentações explícitas e implícitas, se realizam os procedimentos de seleção, contratação, tratamento, promoção-ascensão, acesso à qualificação e treinamento e demissão. 46 A Convenção n.º 111 define a discriminação em relação ao emprego e trabalho como sendo: “a) toda a distinção, exclusão ou preferência fundamentada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão. b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam e outros organismos adequados. 2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação. 3. Para os fins da presente convenção, as palavras ‘emprego’ e ‘profissão’ incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as condições de emprego”. A Recomendação no 111 sugere a aplicação de políticas que visem a assegurar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego e na ocupação. Sugere que essas políticas sejam aplicadas mediante medidas legislativas, contratos coletivos ou outros métodos compatíveis com as condições de cada estado-membro. A recomendação entende que, para impedir a discriminação em matéria de emprego e de ocupação, deve ser assegurado: acesso igualitário aos serviços de orientação profissional e de colocação; acesso aos meios de formação profissional e de admissão a um emprego de sua própria escolha, baseando-se na aptidão individual para a mencionada formação ou emprego; seguridade no emprego; condições adequadas de trabalho e remuneração igual por trabalho de igual valor. Entre outras medidas, sugere a conscientização do público para o repúdio à qualquer tipo de discriminação em matéria de emprego ou trabalho; a criação de organismos que possam receber e investigar denúncias sobre a inobservância da política de não-discriminação, corrigindo práticas discriminatórias. A centralidade da Convenção 111 foi identificada como: • a igualdade de oportunidades no emprego e na ocupação; • a não distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política e origem social; • o reconhecimento do racismo como uma prática de exclusão social; A violação dos direitos da Convenção 111 se dá através de atos como: • publicar anúncios de oferta de emprego com conteúdo implícito ou explicito discriminatório; 47 • barrar a ascensão e a promoção funcional de trabalhadores pela sua raça, cor, sexo, religião, opinião política ou origem social; • estabelecer preferência pela demissão de trabalhadores em função dos atributos acima; • fazer referência negativa ao trabalhador ou estabelecer preferências no trato fundadas em atributo de raça, cor, sexo, religião, opinião política e origem social. Os indicadores que podem ser adotados para a avaliação do cumprimento desses direitos: • a existência ou não de programas ou políticas que promovam a igualdade; • a existência ou não de cláusulas antidiscriminatórias nos acordos coletivos, convenções ou outros instrumentos de regulamentação do trabalho; • a discriminação salarial decorrente de sua raça, cor, sexo, religião, opinião política ou origem social; • contratação de pessoal e ascensão profissional em função sua raça, cor, sexo, religião, opinião política ou origem social. Os documentos de regulamentação das atividades das empresas multinacionais contém recomendações sobre a igualdade e a não-discriminação. A “Declaração Tripartite” da OIT sugere que as empresas sigam os princípios de igualdade de oportunidades e de tratamento, sem prejuízo da preferência pelo emprego de pessoas naturais do país onde está instalada e da política nacional de correção da desigualdade e da discriminação. As empresas são chamadas a fazer o necessário para que a contratação, a colocação, a formação profissional e a promoção do pessoal tenham por base apenas a qualificação e a experiência profissional. As “Diretrizes para Empresas Multinacionais” da OCDE também recomendam às empresas que implementem políticas de emprego sem discriminação, ressalvando a seletividade relativa às características do pessoal empregado que esteja em sintonia com políticas governamentais de promoção da igualdade de oportunidades de emprego. A prática nãodiscriminatória deve perpassar os atos de contratação e desligamento, pagamento, ascensão funcional e formação profissional. O documento “Global Compact” se baseia na Convenção n.º 111 da OIT para definir a discriminação em relação ao emprego e profissão. Entre as maneiras pelas quais as empresas podem eliminar a discriminação no local de trabalho está a adoção de políticas de gestão de pessoal baseadas na qualificação e experiência profissionais. No entanto, o documento relaciona uma série de medidas que tendem a reforçar o compromisso empresarial com a eliminação de discriminações, atribuindo essa questão à direção geral da empresa e formulando políticas específicas. Deve haver promoção do acesso ao desenvolvimento profissional e para profissões específicas. As empresas devem produzir e acompanhar estatísticas atualizadas, desagregadas, por raça, sexo, religião etc., sobre contratação, treinamento e promoção. No âmbito comunitário, as empresas devem buscar eliminar a discriminação nas espaços onde atuam, apoiando esforços locais que visem à construção de um ambiente de tolerância 48 e à igualdade de acesso às oportunidades de desenvolvimento profissional. Também devem adequar suas operações às tradições culturais de modo a assegurar a igualdade de acesso ao emprego por mulheres e minorias, trabalhando em conjunto com organizações dos trabalhadores e autoridades de governo. O “Modelo de Código de Conduta” da CIOSL é claro e direto ao abordar a questão da nãodiscriminação no emprego: deve haver igualdade de oportunidades e tratamento, independentemente de raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade, origem social ou outras características individuais. O Código explicita sua referência às convenções n.º 100 e 111. A norma SA 8000, ao tratar da Discriminação como um dos requisitos de responsabilidade social, estabelece como critérios não só o não-envolvimento mas também o apoio à discriminação contra raça, classe social, nacionalidade, religião, deficiência, sexo, orientação sexual, associação a sindicato ou afiliação política. A norma também indica uma postura positiva da empresa, ao estipular que as empresas não interfiram com a observação de preceitos ou práticas dos funcionários, relativos aos aspectos acima, ou em atender as necessidades derivadas desses aspectos individuais. Por fim, a SA 8000 responsabiliza as empresas pela tarefa de proibir comportamento que seja sexualmente coercitivo, ameaçador, abusivo ou explorador. Cabe lembrar que a empresa, ao aderir à SA 8000, deve acompanhar e avaliar se seus fornecedores adotam os critérios de responsabilidade social. A Wal-Mart afirma rejeitar práticas discriminatórias, tanto internamente à empresa quanto pelos seus fornecedores (neste caso, ao menos para os fornecedores da rede norteamericana). Pelos termos do Código de Conduta, a empresa promete favorecer os fornecedores que tenham compromissos políticos e sociais com os princípios básicos de direitos humanos e que não discriminem seus empregados, na contratação ou em qualquer outra condição de trabalho, com base na raça, cor, origem nacional, gênero, religião, deficiência física ou fatores similares. No Código de Ética, que vale para os seus próprios empregados, a Wal-Mart reitera aquele princípio básico, além de instar gerentes e funcionários a dispensarem tratamento respeitoso e digno a seus colegas. O Wal-Mart promete um “local de trabalho livre de qualquer repressão”. O Código de Ética também trata do Assédio e da Conduta Imprópria, que não serão tolerados pela Empresa. Considera como assédio a linguagem, os atos e a conduta no local de trabalho “que gere intimidação ou, de outra maneira, um ambiente ofensivo”. Tais fatos devem ser comunicados aos superiores. Junto a isso, o Código apresenta a “Política de Portas Abertas para Comunicações do Wal-Mart”, que estimularia os empregados a levarem seus problemas aos superiores sem o risco de represálias e em caráter confidencial. 5.4.2. Resultado da observação 5.4.2.1. DISCRIMINAÇÃO CONTRA GÊNERO A averiguação da existência ou não de desigualdade salarial para trabalhos de igual valor, entre homens e mulheres, teve alcance limitado pela impossibilidade de acesso a dados 49 internos da empresa. Mesmo assim, para explorar esse assunto e levantar os problemas potenciais, procurou-se analisar os dados relativos ao setor supermercadista, bem como a informações disponíveis nos sindicatos e nas entrevistas realizadas. Informações sobre as características e dinâmica do emprego no setor de hiper e supermercados, embora escassas, são encontradas nos registros da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), produzidos pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Com base nessas fontes, procurou-se estabelecer a dimensão do emprego formal nesse segmento, nos municípios considerados na pesquisa, sua dinâmica recente e explorar a questão da desigualdade salarial relacionada a gênero. O quadro abaixo mostra a evolução do emprego formal no segmento do comércio representado pelos supermercados e hipermercados nos três municípios. Com base nos registros do CAGED, havia perto de 50.000 empregados nos hiper e supermercados desses municípios, com evidente maioria localizada em São Paulo. No conjunto, a trajetória nesses dois anos foi de queda no total de empregos, embora tenha ocorrido aumento substancial em Osasco. Uma característica comum ao comércio dos três municípios é a alta rotatividade do emprego, cujo índice varia entre 52% a 84%, conforme o município. Em São Paulo, a rotatividade foi menor que nos outros dois municípios, apesar de ter havido uma redução de 6,94% nos empregos nesse período. Por outro lado, em Bauru, os super e hipermercados reduziram em 23,4% os empregos existentes, ao mesmo tempo em que mantiveram uma política de alta rotatividade. TABELA 4 NÚMERO DE EMPREGADOS, ADMISSÕES E DESLIGAMENTOS, NOS SUPER E HIPERMERCADOS DE SÃO PAULO, OSASCO, E BAURU. DEZ/97 – DEZ/99 TOTAL SÃO PAULO OSASCO BAURU Empregados em 01/12/1997 50.570 1.530 1.918 Admitidos 49.232 3.110 2.603 Desligados 52.742 2.568 3.052 Empregados em 31/12/1999 47.060 2.072 1.469 Variação absoluta do emprego -3.510 542 -449 Variação relativa do emprego -6,9% 35,4% -23,4% Rotatividade anual (*) 50,1% 97,6% 76,4% (*) Calculada pela divisão do maior número entre admitidos e demitidos, sobre o estoque inicial, fracionada para corresponder a um período de 12 meses. Fonte: MTE, CAGED Módulo I. A Tabela 5 mostra a desigualdade salarial entre homens e mulheres nas empresas do setor supermercadista. Comparando o salário médio de admitidos e desligados (período jan/98 a dez/99), constata-se que os salários das mulheres equivalem a cerca de 70% dos salários dos homens, nos municípios de São Paulo e Osasco, e ficam próximos de 90% no caso de 50 Bauru. Outra forte evidencia da acentuada desigualdade salarial nesse segmento do mercado de trabalho: em média, os salários dos homens no momento da admissão são superior aos das mulheres no momento de seu desligamento. TABELA 5 SALÁRIO MÉDIO DE ADMITIDOS E DESLIGADOS EM HIPER E SUPERMERCADOS, SEGUNDO O SEXO, DE SÃO PAULO, OSASCO E BAURU - JAN/98-DEZ/99 – (R$) CIDADE GÊNERO ADMITIDOS DESLIGADOS TOTAL 497,96 556,62 527,05 A) Homens 345,32 394,17 369,20 SÃO PAULO B) Mulheres 69,3% 70,8% 70,1% = B / A (%) 426,41 542,95 478,93 A) Homens 311,32 388,02 341,04 OSASCO B) Mulheres 73,0% 71,5% 71,2% = B / A (%) 312,36 354,67 333,38 A) Homens 289,08 319,32 303,36 BAURU B) Mulheres 92,5% 90,0% 91,0% = B / A (%) Fonte: MTE, CAGED Módulo I. Os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) permitem que se tenha noções mais precisas sobre os traços estruturais do mercado formal de trabalho. Concentrando a atenção sobre o segmento de supermercados e hipermercados do município de Osasco, pode-se explorar um pouco mais a questão da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Os números mais recentes referem-se ao ano de 1997, quando o Wal-Mart já tinha inaugurado sua loja de Osasco. Ao longo daquele ano, as empresas do segmento de super e hipermercados de Osasco firmaram 2.621 vínculos empregatícios, sendo 1.604 com homens (61%) e 1.017 com mulheres (39%). Ao final do período, apenas 1.740 desses vínculos estavam ativos, ou seja, 34% do total tinha se encerrado antes de 31 de dezembro. TABELA 6 NÚMERO DE EMPREGADOS E REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL, NOS SUPER E HIPERMERCADOS DE OSASCO, SEGUNDO O SEXO E TAMANHO DO ESTABELECIMENTO. VÍNCULOS FORMAIS DE TRABALHO EM 1997. REMUNERAÇÃO EM NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS. 1997 MASCULINO FEMININO TOTAL Nº EMPREGADOS Vínculos R. média Vínculos R. média Vínculos R. média ZERO 13 10,85 9 2,65 22 7,50 DE 1 A 4 42 4,64 35 2,68 77 3,75 DE 5 A 9 67 3,86 39 2,38 106 3,32 DE 10 A 19 113 3,40 89 3,21 202 3,31 DE 20 A 49 353 3,25 220 3,35 573 3,29 DE 50 A 99 168 6,42 52 4,20 220 5,89 51 DE 100 A 249 ACIMA DE 250 Total 481 367 1.604 5,96 8,07 5,63 240 333 1.017 3,87 4,25 3,73 721 700 2.621 5,26 6,25 4,89 Fonte: MTE. RAIS 1997. Pelos dados da RAIS de 1997, pode-se perceber o diferencial salarial entre homens e mulheres empregados nas empresas do segmento de super e hipermercados de Osasco. No total, a remuneração média mensal das mulheres representou 66% da remuneração de homens. Esse diferencial é mais acentuado nos casos das empresas menores e das maiores (segundo o número de empregados), em comparação com empresas situadas nos intervalos medianos, entre 10 e 49 empregados. Apenas nas empresas com número de empregados entre 20 e 49 a remuneração média das mulheres é maior que a dos homens. As empresas de maior porte são aquelas onde a remuneração média alcança valores mais elevados. Mesmo nessas, os salários entre homens e mulheres são desiguais, como mostram os dados referentes às empresas com mais de 250 empregados. A tabela abaixo mostra que nas maiores redes de super e hipermercados de Osasco há um diferencial salarial nítido em favor de pessoas do sexo masculino, independentemente do grau de instrução dos empregados. No total, as mulheres têm uma remuneração média mensal equivalente a pouco mais da metade da remuneração recebida por homens. Em alguns casos, para um mesmo grau de instrução o diferencial de remuneração em favor dos homens supera o triplo do valor percebido pelas mulheres. TABELA 7 NÚMERO DE EMPREGADOS E REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL, NOS SUPER E HIPERMERCADOS DE OSASCO COM MAIS DE 250 EMPREGADOS, SEGUNDO O SEXO E GRAU DE INSTRUÇÃO. VÍNCULOS FORMAIS DE TRABALHO EM 1997. REMUNERAÇÃO NÚMERO DE SALÁRIOS MÍNIMOS. EM 1997 MASCULINO FEMININO GRAU DE ESCOLARIDADE Vínculos Rem. Média Vínculos Rem. Média ANALFABETO 4 5,06 4 2,91 4ª SÉRIE INCOMPLETA 8 3,02 1 2,13 4ª SÉRIE COMPLETA 16 3,67 3 3,91 8ª SÉRIE INCOMPLETA 86 5,69 19 4,69 8ª SERIE COMPLETA 79 5,70 34 5,42 2º GRAU INCOMPLETO 65 10,22 42 3,83 2º GRAU COMPLETO 93 9,72 221 3,85 SUPERIOR INCOMPLETO 10 17,18 4 15,60 SUPERIOR COMPLETO 6 29,46 5 8,35 TOTAL 367 8,07 333 4,25 Fonte: MTE. RAIS 1997. Enfim, o exame dessas fontes estatísticas indica que existe uma situação de desigualdade salarial entre homens e mulheres no setor e região de atuação do Wal-Mart. Essa situação 52 pode ser explicada por barreiras que dificultam a ocupação dos postos de trabalho de salários mais elevados por mulheres, pela percepção de salários menores que os dos homens para executar trabalhos de igual valor ou por outras condições de emprego (jornada, rotatividade etc.) desfavoráveis. Quando ao caso específico do Wal-Mart, os dados são ainda mais escassos, principalmente na ausência da colaboração da empresa para com a pesquisa. Os números apresentados acima já dão uma indicação de que nas grandes empresas do setor, dentre as quais o WalMart assume uma posição destacada, a desigualdade salarial em função do gênero é uma realidade. Na ausência de informações completas a respeito do perfil salarial por gênero na empresa, apresentamos alguns indicativos da situação existente. O Sindicato dos Comerciários de Bauru homologou 82 rescisões de contrato de trabalho da empresa Wal-Mart no período de março de 1999 à janeiro de 2000. Observando o valor da maior remuneração recebida pelo ex-empregado que consta das rescisões, constata-se uma diferença significativa entre a remuneração dos homens e das mulheres. A Tabela 8 mostra que duas mulheres tinham, no momento da sua demissão, remuneração inferior a R$ 200,00, o que não ocorreu para os homens. A maioria das mulheres demitidas tinha remuneração entre R$ 200,00 a R$ 250,00 enquanto entre os homens, apenas dois deles tinham salários situados nessa faixa de valores e a maioria era remunerada entre R$350,00 e R$500,00. A remuneração média das mulheres era consideravelmente menor que a recebida pelos homens. Excluindo, de ambos os grupos, os salários de valor maior que R$ 1.000,00, temos as seguintes médias: as mulheres recebiam R$ 262,70 e, os homens, R$ 348,63 mensais. Ou seja, as mulheres recebiam salários equivalentes, em média, a 75% dos salários dos homens. TABELA 8 DISTRIBUIÇÃO DE TRABALHADORES DEMITIDOS, POR SEXO E FAIXA SALARIAL – WAL-MART – BAURU – SET-DEZ/99 FAIXA SALARIAL (R$) MULHERES HOMENS 150,00 a 199,99 2 200,00 a 249,99 22 2 250,00 a 299,99 7 14 300,00 a 349,99 5 9 350,00 a 399,99 3 6 400,00 a 449,99 4 450,00 a 499,99 2 500,00 a 599,99 3 600,00 a 999,99 1000,00 a 1499,99 1 Acima de 1500,00 1 1 Total 40 42 Fonte: Sindicato dos Empregados no Comércio de Bauru 53 Os depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras dos Supercenters, recolhidos através das entrevistas, mostram que o emprego de mulheres é bastante desigual entre os diversos departamentos. Num extremo, o trabalho feminino não existe em departamentos como o de recebimento de mercadorias e em algumas áreas administrativas. Em outros, tais como o açougue, peixaria, mercearia, a presença de mulheres é muito pequena. A área dos Supercenters onde se encontra grande contingente de mulheres é na “Frente de Caixas”, com percentuais de 80-90% do pessoal que ali trabalha. Isso leva a crer que exista uma pronunciada segmentação dos postos de trabalho e a concentração do trabalho feminino no posto de operadora de caixa. As mulheres trabalham durante todos os dias da semana e em todos os turnos de trabalho. A ocupação de cargos de chefia, entretanto, é mais desigual, tomando por base a opinião dos trabalhadores entrevistados. Embora se possa concluir que há várias mulheres ocupando cargos de gerente de departamento e de setor, elas estão em franca minoria diante dos homens. Nos escalões mais altos de direção de loja, a presença feminina não é identificada pelos entrevistados. Um dos trabalhadores fez uma lista de gerentes por área e departamento onde aparecem 17 homens e 10 mulheres ocupando cargos de Gerente de Departamento e 4 homens e 1 mulher no cargo de Gerente de Área. Ressalvando que não se dispõe de dados precisos sobre esse aspecto, se poderia dizer que há uma deficiência na promoção da igualdade na ocupação dos cargos de hierarquia mais alta. No entanto, questionados sobre os critérios utilizados pela empresa para a promoção funcional, os entrevistados, na sua grande maioria, apontaram a avaliação subjetiva dos gerentes e descartaram a preferência por sexo. Se o sexo do empregado não é levado em consideração, o que explicaria a grande maioria masculina ocupando cargos de gerência? O mesmo se dá em termos de critérios para a seleção e contratação de funcionários. Os entrevistados, mesmo descartando que haja uma preferência geral de homens ou mulheres, reiteram que a seleção está relacionada aos requisitos dos postos de trabalho. Ou seja, para os setores onde identificam a necessidade de maior esforço físico, a empresa contrata preferencialmente homens e, onde essa exigência não existe, empregaria mais mulheres. No entanto, deve-se relativizar essa questão, afinal, trata-se de uma empresa que utiliza equipamentos destinados ao levantamento e transporte de objetos pesados, que substituem em larga escala o uso da força física direta. Em contrapartida, os entrevistados citaram com freqüência a indicação de amigos e conhecidos como o critério mais importante para a contratação de um candidato a emprego no Wal-Mart. Se for assim, poderia estar ocorrendo a perpetuação da segmentação entre sexos diferentes nos diversos setores pela difusão de noções do tipo “esse é um serviço para homem” e “essa é uma função para mulheres”. A maior ou menor permanência no emprego, segundo os trabalhadores entrevistados, não se deve a atributos pessoais como o sexo. Duas mulheres entrevistadas, porém, disseram que os homens tinham maiores chances de permanecer empregados na empresa. Entre os motivos que levariam o Wal-Mart a demitir trabalhadores, os entrevistados apontam a sazonalidade das vendas, motivos de natureza econômica, o absenteísmo e comportamentos 54 contrários às normas previstas pela empresa. O absenteísmo, basicamente motivado por problemas de saúde, é um motivo que levaria a empresa a demitir o trabalhador quando considerado excessivo. Para tentar controlar o absenteísmo, a empresa exige que o funcionário seja examinado pelo seu próprio serviço médico para validar as licenças médicas recomendadas por outros médicos, inclusive os do plano de saúde conveniado pela própria empresa. Outro motivo para a demissão, neste caso enquadradas como por justa causa, é o furto de mercadorias. De modo geral, os entrevistados disseram que as mulheres grávidas recebem condições especiais de trabalho, sendo transferidas para postos de trabalho mais adequados. No entanto, alguns depoimentos contradizem tal afirmação, dizendo que o tratamento dispensado por gerentes desconsidera o estado especial das trabalhadoras gestantes. Foram citados postos não adaptados para as gestantes, ritmos e horários de trabalho extenuantes, dificuldade para o acesso aos sanitários. Deve ser considerado que no caso das trabalhadoras “part-time” (com jornadas de duração inferior a 44 horas/semana) existe uma restrição de acesso ao plano de saúde. Uma das mulheres entrevistadas teve uma gravidez interrompida enquanto estava empregada no Wal-Mart. Ela reclama ter sido maltratada pela gerência, que teria exigido dela que trabalhasse além do recomendável, e de ter sido pressionada para que interrompesse uma licença médica e reassumisse seu posto de trabalho. Os entrevistados também não identificaram discriminação contra as mulheres nas oportunidades de treinamento oferecidos pela empresa. Há, na verdade, uma unanimidade quanto à escassez de oportunidades para que todos os empregados participem de cursos ou treinamentos, inclusive relacionados à segurança no trabalho. Ao serem questionados se há algum setor onde haveria maiores oportunidades de treinamento, vários citaram o departamento dos Caixas, atribuindo esse fato à rapidez com que novos procedimentos, sistemas e automação são introduzidos. Por outro lado, certos equipamentos, como empilhadeiras e máquinas de limpeza, são operados principalmente por homens e são estes os que dizem ter feito cursos para operá-las. Um problema que parece ocorrer com certa freqüência, na opinião de vários entrevistados, é o assédio sexual sobre as trabalhadoras por parte das chefias. Esse fato transparece nas entrevistas feitas com mulheres, principalmente, sendo que algumas delas declararam terem sido assediadas enquanto outras afirmaram terem conhecimento de casos desse tipo nos hipermercados onde trabalhavam. A empresa segue uma política de “portas abertas”, reconhecida pela maioria, mas que muitos questionam sua efetividade. Embora também nesse ponto não haja uma unanimidade, a simples existência de relatos de assédio chama a atenção para a necessidade de uma atuação mais decidida nesse campo, tanto pela empresa quanto pelos sindicatos. 5.4.1.2. DISCRIMINAÇÃO CONTRA RAÇA A questão da desigualdade racial no mercado de trabalho e nas empresas é pouco observável , tendo em vista a carência de dados a respeito. Ao contrário do atributo gênero, as estatísticas que acompanham a evolução do emprego e dos salários, salvo raras exceções, 55 não fornecem informações sobre os quesitos raça, cor ou origem étnica dos ocupados, ainda mais quando se buscam dados nos municípios e em segmentos como o supermercadista. Quando essa lacuna é preenchida, emerge um quadro de extrema desigualdade em prejuízo das pessoas da raça negra. No caso desta pesquisa, contou-se apenas com a opinião dos entrevistados que, de modo geral, não identificaram formas diretas de discriminação contra negros ou pessoas nãobrancas por parte da empresa. Os trabalhadores entrevistados traçaram um perfil racial de seus locais de trabalho, informando que a maioria dos empregados é da raça branca, mas com várias áreas onde predominam pessoas não-brancas (negros, pretos, morenos etc.). Questionados se haveria alguma preferência da empresa em selecionar pessoas de uma raça/cor ou outra, os entrevistados disseram que esse não era um critério de seleção adotado pela empresa. Para a maioria dos entrevistados, a seleção para contratação de pessoal obedece a critérios subjetivos, destacando-se a indicação de colegas que já trabalhem nas lojas. O mesmo tipo de resposta foi obtido quando se questionou se a raça ou a cor da pessoa influenciava no acesso a atividades de treinamento ou formação profissional disponibilizados pela empresa. Neste caso, a principal queixa era a da falta de oportunidades desse tipo e não a existência de preferências relacionadas a critérios raciais ou outros. O problema da desigualdade racial apareceu quando os entrevistados foram questionados sobre a raça/cor dos chefes (gerentes). Embora os entrevistados não tivessem identificado claramente que a empresa discrimine contra alguma raça ou cor no momento da promoção, a resposta quase unânime foi de que os gerentes eram pessoas do sexo masculino e brancos. Além disso, a promoção de funcionários(as) da raça negra a cargos de gerência foi considerada mais difícil de ocorrer. Isso coincide com o fato de que a empresa, segundo disseram os entrevistados, não desenvolve nenhum programa ou política voltada para a superação da desigualdade racial. 5.5. Meio Ambiente, Saúde e Segurança Ocupacional 5.5.1. Indicadores e referências Várias Convenções da OIT e outros documentos internacionais tratam dos aspectos ambientais, da saúde e da segurança no trabalho. As principais Convenções da OIT que tratam desses temas são as seguintes: • C. 148, sobre o Meio Ambiente de Trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações); • C. 155, sobre a Saúde e Segurança Ocupacional; e • C. 161, sobre Serviços de Saúde no Trabalho. 56 Além destas, a Convenção no 174, sobre a Prevenção de Grandes Acidentes Industriais, que também ocupa um lugar central no conjunto de normas da OIT, não foi considerada para o caso em estudo devido às características da empresa e de suas instalações. CONVENÇÃO 148 – MEIO AMBIENTE DE TRABALHO (contaminação do ar, ruído e vibrações). Esta Convenção, ratificada pelo Brasil em janeiro de 1982, trata da proteção dos trabalhadores contra os perigos ocupacionais no ambiente de trabalho devido à poluição do ar, ruído e vibração. Prevê, também, a consulta às organizações representativas dos empregadores e empregados, a associação entre representantes de empregados e empregadores na elaboração, aplicação e acompanhamento nas inspeções das medidas preventivas de proteção contra os perigos ocupacionais. Dispõe, ainda, sobre o direito dos trabalhadores de apresentar propostas, de obter informação e treinamento de forma a assegurar a proteção contra os perigos no ambiente de trabalho devido à poluição do ar, ruído e vibração. Cabe ressaltar que a Recomendação 156 referente ao tema chama a atenção para a necessidade de relacionar o meio ambiente interno e externo, no item 15 das medidas de prevenção e proteção: "Ao prescrever medidas para prevenir e limitar a contaminação do ar, ruído e as vibrações no local de trabalho, a autoridade competente deveria ter em conta a relação existente entre a proteção do meio ambiente de trabalho e a proteção do meio ambiente em geral". Definimos como a centralidade dessa convenção os seguintes direitos: • proteção dos trabalhadores (inclusive os autônomos, segundo a R. 156) contra os perigos ocupacionais no ambiente de trabalho (ar, ruído e vibrações); • participação dos trabalhadores na elaboração, aplicação e supervisão das medidas preventivas e de proteção. Entre os indicadores para a verificação do seu cumprimento destacamos: • existência de proteção dos trabalhadores contra os perigos ocupacionais presentes no ambiente de trabalho; • existência de controle dos níveis e limites de exposição a ruído e vibrações; • utilização de equipamentos de proteção individual; • manutenção preventiva dos equipamentos de controle da poluição do ar, ruído e vibração; • mecanismos de participação dos trabalhadores na elaboração, aplicação e supervisão das medidas de controle; • medidas propostas pelos trabalhadores para proteção; • critérios definidos pelos trabalhadores para limites de exposição; 57 • informação sobre riscos à saúde e segurança devidos à contaminação do ar, ruído e vibração; • registro de treinamento; • temporalidade dos exames médicos. A violação dos direitos previstos na Convenção poderia ser caracterizada pelas situações abaixo: • não é feito controle atmosférico, de ruído e de vibração; • não é feita manutenção dos equipamentos; • impedimento ou dificuldade de participação; • informação não disponível ou incompleta; • não é feito treinamento adequado; • omissão dos resultados dos exames médicos; • empregador mantém o trabalhador no posto em exposição à contaminação do ar, ruído e vibrações, apesar de o médico não ter aconselhado a sua permanência; • empregador não disponibiliza tempo para que os representantes dos trabalhadores desempenhem um papel ativo na prevenção e limitação dos riscos profissionais. CONVENÇÃO 155 – SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL Esta Convenção pretende garantir a segurança e a saúde ocupacional dos trabalhadores e um ambiente de trabalho sem riscos de acidentes e de danos à saúde. Este objetivo deve ser alcançado através da formulação, implementação, revisão periódica e da consulta aos representantes dos empregadores e dos trabalhadores, de uma política nacional de saúde, segurança ocupacional e ambiente de trabalho. Define as principais esferas de ação desta política, funções e responsabilidades dos envolvidos. Ressalta a necessidade de se criar um sistema de inspeção que garanta o enforcement das leis e regulações envolvendo a saúde e segurança ocupacional e o ambiente de trabalho. O Brasil ratificou a Convenção 155 em abril de 1992. Um aspecto importante desta convenção é a preocupação com a melhoria do nível e da qualidade da informação sobre saúde e segurança ocupacional e o ambiente de trabalho, demonstrada através da definição de uma série de medidas preventivas e de procedimentos que os responsáveis e os empregadores devem ser obrigados a adotar. São precários os dados e informações confiáveis sobre este tema em quase todos os países. Outro aspecto importante que dispõe o artigo 20 da convenção, e detalhada na R. 164, diz respeito à necessidade de se adotar medidas de cooperação entre a administração e os trabalhadores e seus representantes, o que contribui para reforçar as convenções da OIT sobre as formas de organização no local de trabalho. "As medidas adotadas para favorecer a cooperação a que faz referência o artigo 20 da 58 convenção deveriam incluir, quando apropriado e necessário, a nomeação, conforme a prática nacional, de delegados de segurança dos trabalhadores, de comitês operários de segurança e higiene ou comitês paritários de segurança e higiene, ou destes dois últimos, os trabalhadores deveriam ter uma representação pelo menos igual a dos empregadores". No centro das preocupações da C. 155 está: • assegurar a prevenção dos trabalhadores em relação à sua saúde e segurança ocupacional e ao ambiente de trabalho; • garantir a representação dos trabalhadores nas questões que envolvem saúde e segurança ocupacional e ao ambiente de trabalho; Os indicadores de verificação do cumprimento da Convenção são: • existência ou não de medidas de prevenção e de proteção dos trabalhadores em relação à saúde e segurança ocupacional e o ambiente de trabalho; • segurança dos locais de trabalho, das máquinas e equipamentos e dos métodos de trabalho; • instrução e formação necessárias para os trabalhadores; • supervisão do trabalho efetuado, das práticas de trabalho utilizadas e das medidas de segurança e higiene do trabalho aplicadas; • fornecimento de equipamento de proteção individual; • respeito ao horário de trabalho e aos períodos de descanso; • medidas para eliminar o cansaço físico e mental (relativo à adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores); • nível e qualidade dos dados e informações sobre o tema; • controle da saúde dos trabalhadores (exames médicos); • iluminação, ventilação, ordem e limpeza dos locais de trabalho; • temperatura, umidade e movimento do ar nos locais de trabalho; • utilização, manejo e embalagem de produtos perigosos; • medidas de controle sobre as substâncias químicas, físicas e biológicas que possam representar riscos à saúde e segurança dos trabalhadores e o ambiente de trabalho; • comunicação sobre alterações nos produtos e processos; • existência de CIPA ou outro tipo de organização de representantes dos trabalhadores para tratar do tema; • representantes dos trabalhadores com horas disponíveis e remuneradas para exercer as funções relativas à saúde e segurança e receber a formação pertinente; • existência de médico de segurança do trabalho; • existência de ambulatório para atendimento médico. 59 Como violações aos seus dispositivos, apontamos: • adoção de medidas restritas de prevenção e de proteção dos trabalhadores em relação à saúde e segurança no local de trabalho; • intimidação para os representantes dos trabalhadores envolvidos com a saúde e segurança ocupacional e o ambiente de trabalho; • não fornecer informação para os trabalhadores sobre saúde e segurança no trabalho; • não fornecer treinamento adequado; • impedimento de circulação do representante dos trabalhadores pelo local de trabalho; • recusa por parte do empregador de deslocar o trabalhador do local por este considerado de risco à sua saúde e segurança; • não-realização de controle da saúde dos trabalhadores; • demissão dos representantes dos trabalhadores. CONVENÇÃO 161 – SERVIÇOS DE SAÚDE NO TRABALHO Esta Convenção busca assegurar o fornecimento preventivo de serviços de saúde e segurança no trabalho. Tais serviços incluem, entre outros, a assessoria ao empregador, aos trabalhadores e seus representantes na empresa, com o objetivo de definir os requisitos necessários para estabelecer e conservar um meio ambiente de trabalho seguro e saudável. Os trabalhadores devem ser consultados sobre as medidas a serem adotadas. O Brasil também ratificou esta Convenção, em maio de 1990. A Convenção tem como sua centralidade: • assegurar um meio ambiente de trabalho seguro e saudável favorecendo a saúde física e mental dos trabalhadores; • participação dos trabalhadores na formulação de medidas que garantam a sua saúde física e mental. Os indicadores para a verificação do grau de cumprimento seriam: • identificação e avaliação dos riscos que podem afetar a saúde no local de trabalho; • nível de informação sobre os riscos à saúde do trabalhador; • existência ou não de vigilância sobre os fatores do meio ambiente de trabalho e das práticas de trabalho que possam afetar a saúde dos trabalhadores (inclusive, instalações sanitárias, restaurantes, alojamentos etc.); • existência ou não de vigilância da saúde dos trabalhadores na sua relação com o trabalho; • participação dos trabalhadores no planejamento e na organização do trabalho, incluindo o desenho dos locais de trabalho, a seleção, a manutenção e o estado da maquinaria e dos equipamentos e sobre as substâncias utilizadas no trabalho; 60 • participação dos trabalhadores no desenvolvimento de programas que visam ao melhoramento das práticas de trabalho, assim como nos testes e avaliação dos novos equipamentos, em relação à saúde; • adaptação dos trabalhadores ao trabalho; • existência ou não no local de trabalho de primeiros socorros e atendimento de urgência; • participação dos trabalhadores na análise dos acidentes de trabalho e das enfermidades profissionais. Violações à C. 161 podem ser definidas como: • a empresa não faz vigilância sobre os fatores do meio ambiente de trabalho e das práticas de trabalho que podem afetar a saúde dos trabalhadores; • a empresa impede ou dificulta a participação dos trabalhadores no planejamento e na organização do trabalho; • a empresa impede ou dificulta a participação dos trabalhadores no desenvolvimento de programas que visam a melhorar as práticas de trabalho e nos testes e avaliações dos novos equipamentos em relação à saúde; • a empresa não controla a saúde dos trabalhadores na sua relação com o trabalho; • os trabalhadores assumem suas tarefas sem passar por um período de adaptação; • a empresa se recusa a realizar atendimento de urgência e primeiros socorros; • a empresa impede ou dificulta a participação dos trabalhadores na análise de acidentes de trabalho e enfermidades profissionais. Além dessas Convenções, vários documentos internacionais e nacionais são considerados referências internacionais sobre o tema58. Entre eles, se destaca-se a Agenda 21, que é explícita nos seus objetivos relacionados à mitigação da pobreza e o emprego pleno e sustentável, propondo: • a ratificação das convenções pertinentes da OIT e a promulgação de legislação em apoio dessas convenções; • estabelecimento de mecanismos bipartites e tripartites sobre segurança, saúde e desenvolvimento sustentável; 58 Podem ser citados a Agenda 21; a Carta Pan Americana sobre Saúde e Meio Ambiente no Desenvolvimento Humano Sustentável; a Carta sobre Danos Industriais e Direitos Humanos, do Tribunal de Pessoas Permanente – PPT; a Declaração da Federação Internacional dos Sindicatos dos Trabalhadores da Indústria Química, de Energia, Mineração e Outros (ICEM). Entre as referências nacionais sobre o tema, existem a constituições Federal, Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais (leis, decretos, portarias e resoluções), as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalhador, a Legislação Ambiental, a Proposta de Norma Comum dos Países Integrantes do Mercosul, referente à Saúde e Segurança no Trabalho, as propostas do Movimento Sindical, incluindo a Declaração da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, os documentos do Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador (INST) e o Seminário Internacional de Segurança Química. 61 • aumento do número de acordos ambientais coletivos destinados a alcançar o desenvolvimento sustentável; • reduzir os acidentes, ferimentos e moléstias de trabalho, segundo procedimentos estatísticos reconhecidos; • aumento da oferta de educação, treinamento e reciclagem para os trabalhadores, em particular nas áreas de saúde e segurança no trabalho e do meio ambiente. Fala, ainda, sobre o "direito de cada trabalhador à liberdade de associação e proteger o direito de se organizar, tal como estabelecido pelas convenções da OIT". Mais adiante, sobre o fortalecimento da participação e das consultas: "promover a participação ativa dos trabalhadores e de seus sindicatos nas decisões sobre a formulação, implementação e avaliação de políticas e programas nacionais e internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento, inclusive políticas de emprego, estratégias industriais, programas de ajuste de mão de obra e transferência de tecnologia"... Busca assegurar o direito dos trabalhadores à informação para que possam participar efetivamente nos processos de tomada de decisão. A política ambiental deve ser estabelecida de forma conjunta (trabalhadores e empresários), assim como a definição de prioridades para melhorar o ambiente de trabalho e a performance ambiental geral da empresa. Estabelece como dever dos sindicatos a participação em auditorias do meio ambiente nos locais de trabalho e nas avaliações de impacto ambiental e a participação em atividades relativas ao meio ambiente e desenvolvimento nas comunidades locais, promovendo ação conjunta sobre problemas potenciais de interesse comum. Ou seja, diversos itens da Agenda 21, além de reforçarem as convenções da OIT examinadas, mencionam a integração do ambiente interno de trabalho com o meio ambiente externo, sempre com a participação dos trabalhadores. Os documentos internacionais dirigidos especificamente às empresas igualmente tratam, com bastante detalhamento, das medidas que deveriam ser tomadas para garantir os níveis máximos de saúde e segurança no trabalho. A “Declaração Tripartite” recomenda a implementação dos dispositivos das convenções da OIT, a transparência e informação a respeito de riscos e normas de segurança, a colaboração com as entidades internacionais, nacionais e organizações de trabalhadores, a incorporação de normas de saúde e segurança aos acordos coletivos. As “Diretrizes” da OCDE dispensam um capítulo específico sobre a proteção ambiental, que inclui a minimização dos riscos ambientais e à saúde nas atividades das empresas. Da mesma forma, o “Global Compact” aborda a questão dentro de princípios relativos à responsabilidade ambiental. As melhores condições de saúde e segurança devem ser proporcionadas pela empresa, diz o modelo de “Código de Conduta” da CIOSL. Vários critérios relativos ao tema fazem parte da SA 8000 (ambiente seguro e saudável, medidas adequadas de prevenção, treinamento para todos os funcionários, sistemas de detecção, instalações sanitárias limpas etc.). Os fornecedores do Wal-Mart (ao menos das lojas norte-americanas) deveriam prover aos seus trabalhadores condições seguras e saudáveis, serviços médicos adequados, medidas de combate e de segurança contra incêndio, postos de trabalho bem iluminados e confortáveis, 62 banheiros limpos e, onde fosse necessário, habitações adequadas. O treinamento em matéria de segurança também aparece como condição do Código de Conduta. O Código de Ética, por sua vez, diz que “a política da empresa é de conduzir seus negócios de maneira socialmente responsável e ética, no sentido de proteger o ambiente, a saúde e a segurança”, e exige dos seus empregados que cumpram a legislação pertinente. 5.5.2. Resultado da observação Vários casos de acidentes e doenças profissionais aparecem nos depoimentos de trabalhadores entrevistados, tais como impactos, quedas e cortes. Vários equipamentos, como empilhadeiras, serras-fitas, facas, entre outros equipamentos, surgem como fontes de riscos. Produtos tóxicos ou inflamáveis são citados, entre eles o gás combustível e produtos de limpeza. As doenças apontadas são as lesões por esforço repetitivo (LER, também chamadas de doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho – DORT), problemas ósseo-musculares, doenças respiratórias (sinusites, principalmente). As áreas do hipermercado consideradas mais críticas pelos entrevistados, em matéria de saúde ocupacional, são os açougues, pelos efeitos do trabalho em baixas temperatura, e a frente de caixa, pela alta incidência de LER. Sobre as medidas destinadas a assegurar a segurança ocupacional, um dos problemas mais evidentes nas entrevistas realizadas é a falta de treinamento ou instrução dos trabalhadores para o manuseio de produtos e equipamentos perigosos. Essa falta é verificada mesmo onde ela é expressamente exigida, como no caso de operadores de empilhadeira. No entanto, ao menos um trabalhador em cada departamento recebe um curso de “socorrista”, preparandose para dar atendimento imediato a acidentados no Supercenter. A falta de instrução e treinamento em matéria de segurança no trabalho pode ser explicada pela forma como os trabalhadores são treinados para realizarem as atividades nos postos de trabalho. O aprendizado da tarefa, via de regra, é feito no próprio local de trabalho e as instruções são dadas pelos colegas. Não há, segundo os entrevistados, um momento de instrução ou treinamento específico que anteceda o exercício da atividade laboral. O problema parece estar bastante relacionado, também, à alta rotatividade de mão-de-obra que caracteriza o setor. Outro problema refere-se à falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), especialmente para prevenir os efeitos da exposição a baixas temperaturas. Em várias entrevistas, os trabalhadores afirmaram que os EPIs são fornecidos, mas estão em más condições ou então são disponíveis em número insuficiente. As condições de segurança e higiene no trabalho são supervisionadas por técnico em segurança do trabalho, mas os trabalhadores não avaliam positivamente essa supervisão. Uma das causas apontadas para a deficiência nos aspectos de segurança é a limitação orçamentária imposta pela empresa. 63 A atuação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) recebe elogios e críticas. Alguns afirmam que as CIPAs são atuantes e estão presentes no dia-a-dia dos trabalhos, enquanto outros as criticam por atuarem apenas depois que acidentes ocorrem. De todo modo, os entrevistados estavam bem informados da sua existência e do processo eleitoral para a escolha dos representantes dos empregados. Um problema geral que também limita a atuação da CIPA é o da restrição orçamentária para gastos nas lojas. Alguns trabalhadores declararam que não há manutenção preventiva em máquinas e equipamentos e que a manutenção corretiva é precária. Um dos gerentes entrevistados avaliou que os equipamentos do Supercenter estão desatualizados ou em más condições de funcionamento, inclusive reduzindo o nível de segurança. Os exames periódicos são realizados pela empresa. Sobre as condições no local de trabalho, os trabalhadores avaliaram os aspectos de iluminação, temperatura, umidade, ventilação, ordem e limpeza. Os principais problemas foram destacados no aspecto da temperatura, principalmente nas câmaras frias ou em fornos e outras fontes de calor. Em algumas áreas foram feitas críticas à umidade, inclusive apontando a existência de goteiras em ambiente de trabalho, e na organização dos postos de trabalho. Os Supercenters dispõe de ambulatórios e uma equipe de médicos e enfermeiros. A avaliação desse serviço médico-ambulatorial também divide as opiniões dos entrevistados. Enquanto alguns entrevistados se disseram satisfeitos com o atendimento, outros o criticaram duramente. As queixas criticavam médicos e enfermeiros por prescreverem medicamentos visando à eliminação rápida dos sintomas de modo a fazer com que os trabalhadores pudessem voltar imediatamente ao trabalho. A empresa oferece aos trabalhadores (exceto para os “part-time”) plano de saúde com médicos e hospitais conveniados. Apesar de os trabalhadores arcarem com parte dos custos do plano de saúde, tanto o atendimento quanto as licenças recomendadas pelos médicos conveniados devem passar pelo crivo do serviço médico da empresa. Com isso, há uma limitação do acesso aos serviços médicos, além de haver, segundo alguns entrevistados, a sistemática redução dos prazos das licenças prescritas para a recuperação do estado de saúde. A alta incidência de LER é apontada por vários entrevistados. A esse respeito, é importante registrar que nem sempre o trabalhador lesionado é transferido de função, mesmo quando há recomendação médica para tanto. Os aspectos ambientais da atividade dos Supercenters apareceram com menor destaque nas entrevistas com trabalhadores. As perguntas feitas referiram-se apenas à destinação do lixo produzido nos Supercenters e à emissão de ruídos. O procedimento dos Supercenters é de separação do papelão do restante do lixo, destinando-o à reciclagem. Todo o lixo do hipermercado é compactado e transportado para as áreas públicas de aterro sanitário. O funcionamento dos Supercenters não gera emissão de ruídos para a vizinhança. 64 6. PARECER 6.1. Liberdade Sindical Centralidade da Convenção OIT 87: existência de liberdade de organização dos trabalhadores. A organização sindical por local de trabalho, encontrada na pesquisa, resume-se à presença de um dirigente sindical numa das duas lojas da Wal-Mart. Em ambas as unidades há CIPA e os trabalhadores têm um bom nível de informação sobre suas atividades e os processos eleitorais para a escolha de seus representantes. Entretanto, há registro de que a empresa não informava aos sindicatos as datas dessas eleições, bem como não mantinha registradas as atas das reuniões de uma delas. Observou-se que os dirigentes sindicais não possuem livre acesso aos supercenters para o exercício de suas atividades. Esse acesso só existe no caso de dirigente que trabalha na própria loja. A liberdade de difusão e comunicação também é restringida pela impossibilidade do acesso dos dirigentes sindicais aos locais de trabalho. Para fazer chegar aos trabalhadores o seu material informativo, o sindicato só dispõe de autorização da empresa para deixá-lo à disposição de quem passa pelas entradas funcionais dos Supercenters. Nunca ocorreram reuniões no interior da empresa, nas unidades pesquisadas. Uma assembléia foi mantida no portão da loja de Osasco, durante paralisação realizada em abril de 1998. A empresa recolhe e repassa as contribuições financeiras em favor dos sindicatos. Embora não se possa dizer que a empresa pressione seus funcionários a não contribuírem com os sindicatos, há indícios de que estimula concretamente essa atitude. Segundo os entrevistados, a empresa já utilizou de meios policiais para a repressão ao movimento grevista. Além disso, alguns trabalhadores e sindicalistas entrevistados disseram que a empresa demitiu os empregados que haviam participado da uma paralisação da loja em 1998. 6.2. Negociação Coletiva Centralidade da Convenção OIT 98: Assegurar o direito de todos os trabalhadores à negociação coletiva sem interferência. O primeiro aspecto realçado na pesquisa é o descumprimento sistemático pela Wal-Mart de cláusulas das Convenções Coletivas que regulam as condições de trabalho da categoria 65 comerciária. Esse descumprimento ocorre principalmente, mas não só, em relação ao trabalho nos domingos e feriados, onde a empresa se aproveita de uma confusão jurídica criada com a edição de Medida Provisória pelo Governo Federal. Agindo assim, a empresa desrespeita a negociação coletiva, tirando a credibilidade e efetividade dos instrumentos normativos livremente aceitos. Mesmo que essa questão ainda continue sem resposta satisfatória, a ação coletiva dos trabalhadores organizados pela sua entidade sindical originou uma mudança de postura da empresa no sentido de negociar as condições de trabalho. Por isso, a vigência dos direitos de organização sindical no local de trabalho seria muito importante para a instauração de processos negociais mais efetivos entre empresa e sindicatos. 6.3. Trabalho Infantil Centralidade da Convenção OIT 138: efetiva erradicação do trabalho infantil. Não se constatou o emprego de crianças e adolescentes pelo Wal-Mart, nas lojas estudadas, em dissonância com os limites previstos na Convenção e na legislação brasileira (idade mínima de 16 anos). Esse fato também se verifica para o caso dos trabalhadores terceirizados em atividade na empresa. O trabalho de adolescentes é empregado, eventualmente, nas funções de empacotador e contínuo, notadamente nas épocas de picos de vendas. Cabe registrar que essas funções têm remuneração inferior ao piso mínimo válido para o restante da categoria. Embora a análise tenha se restringido ao âmbito da empresa, notou-se que tanto trabalhadores quanto sindicalistas não tinham informações sobre se a empresa exigia de seus fornecedores que não utilizassem o trabalho de crianças na produção ou prestação de serviços. 6.4. Discriminação em Relação a Gênero e Raça Centralidade das Convenções OIT 100 e 111: igualdade de oportunidade entre sexo, origens raciais, religião, opinião política e ascendência. Os depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras dos dois Supercenters, recolhidos através das entrevistas, mostram que existe uma pronunciada segmentação dos postos de trabalho masculinos e femininos. A presença de mulheres em várias áreas dos Supercenters é limitada quantitativamente. Com base na opinião dos entrevistados, a ocupação de cargos de chefia é desigual, já que as mulheres estariam em franca minoria. Na medida em que se observa a ocupação dos cargos nos escalões mais altos da empresa, o número de mulheres diminui. Ressalvando que dados mais precisos poderiam ser fornecidos pela própria empresa, se poderia dizer que há uma 66 deficiência da empresa em promover a igualdade na ocupação dos cargos de maior responsabilidade gerencial. Quanto aos critérios para a promoção funcional, os entrevistados descartaram que a empresa discrimine por sexo. Os entrevistados também descartaram essa discriminação na seleção e contratação de funcionários, embora digam que há preferência por contratar pessoas de um ou outro sexo, dependendo da atividade e setor de trabalho. De modo geral, os entrevistados disseram que as mulheres grávidas recebem condições especiais de trabalho, sendo transferidas para postos de trabalho mais adequados. No entanto, alguns depoimentos contradizem tal afirmação, dizendo que o tratamento dispensado por gerentes desconsidera o estado especial das trabalhadoras gestantes. Os entrevistados também não identificam qualquer discriminação contra as mulheres nas oportunidades de treinamento oferecidos pela empresa. Um problema que apareceu com certa freqüência nos depoimentos dos entrevistados foi o do assédio sexual sobre as trabalhadoras. Apesar de a empresa seguir uma política de “portas abertas”, reconhecida pela maioria, ela não parece ser suficiente para evitar o problema. Assim como no caso da discriminação contra as mulheres, a discriminação contra pessoas da raça negra, ou em função da cor da pele, não transparece nitidamente nos discursos dos entrevistados. No entanto, perguntados sobre as características pessoais dos seus chefes diretos, os entrevistados disseram ser predominantemente pessoas da cor branca. 6.5. Meio Ambiente, Saúde e Segurança Ocupacional A proteção da saúde e segurança dos trabalhadores do Wal-Mart tem vários pontos críticos, resultando na freqüência de acidentes e de doenças ocupacionais. Há uma nítida carência de treinamento do conjunto dos trabalhadores em matéria de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, manuseio e operação de produtos e equipamentos perigosos. Outro problema é a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), ou seu estado de conservação, especialmente para prevenir os efeitos da exposição a baixas temperaturas. A supervisão da segurança de trabalho e a atuação das CIPAs esbarram na limitação orçamentária para implementar as medidas necessárias para atenuação dos problemas encontrados. A articulação entre sindicatos e representantes dos trabalhadores nas CIPAs é inexistente ou está em fase inicial. 67 As condições de manutenção e a obsolescência de equipamentos surgiram como aspectos críticos relacionados ao problema. Em geral, as condições ambientais do local de trabalho são satisfatórias, segundo os entrevistados, mas existe exposição a grandes variações de temperatura. O atendimento pelo serviço médico-ambulatorial recebeu críticas dos trabalhadores, principalmente a prescrição de medicamentos visando à eliminação rápida dos sintomas e à volta imediata ao trabalho. A utilização dos serviços do plano de saúde oferecido pela empresa também é criticada por excluir os trabalhadores “part-time” e estar submetida a controle pelo serviço médico da empresa. 68 7. RECOMENDAÇÕES A seguir são apresentadas recomendações visando à superação dos problemas encontrados na empresa, em termos dos direitos fundamentais do trabalho. As recomendações dirigemse aos atores sociais para a situação estudada, especialmente à empresa e às entidades sindicais de trabalhadores, no sentido de que podem desenvolver ou incrementar ações direcionadas para a superação dos problemas identificados na pesquisa. LIBERDADE SINDICAL Articulação da presença sindical nos locais de trabalho, no nível dos sindicatos e de uma possível ação intersindicatos. Acompanhamento, pelos sindicatos, das atividades das CIPAs, bem como dos processos eleitorais para a escolha dos representantes dos trabalhadores. Livre acesso dos dirigentes sindicais aos Supercenters para o exercício de suas atividades, inclusive para distribuição de informativos e comunicações aos trabalhadores. Garantir que haja espaço para campanhas de sindicalização entre os trabalhadores. NEGOCIAÇÃO COLETIVA Estímulo a um canal regular de negociação entre empresa e sindicatos. Cumprimento rigoroso das convenções e acordos coletivos, pela empresa, valorizando a via negocial para a solução de conflitos de interesse. Ações sindicais voltadas para a informação e comunicação da categoria, a respeito dos acordos e convenções coletivas. TRABALHO INFANTIL O emprego de jovens, quando ocorrer, deve se dar nos limites de idade previstos na Constituição Federal e na legislação pertinente, evitando contratá-los em condições salariais inferiores às dos demais trabalhadores. A empresa deveria estabelecer em contrato que seus fornecedores não empreguem crianças e adolescentes com idades abaixo de 16 anos na produção, dando publicidade dessa exigência aos trabalhadores, aos sindicatos e à comunidade em geral. 69 DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO E RAÇA Uma política ativa de promoção da igualdade na ocupação dos postos de trabalho sem distinção de sexo e raça, que faça parte das diretrizes de RH. Uma revisão na política direcionada para a coibição da prática de assédio sexual deve ser implementada, de modo a aumentar sua eficácia. Garantir à trabalhadora gestante que possa ter uma gravidez saudável e tenha condições físicas e organizacionais de trabalho adequadas à sua condição especial. MEIO AMBIENTE, SAÚDE E SEGURANÇA OCUPACIONAL Estender o treinamento em matéria de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, manuseio e operação de produtos e equipamentos perigosos a todos os trabalhadores da empresa. O uso de EPIs deve ser assegurado. Dar prioridade no orçamento à implementação de medidas de prevenção e correção de situações de risco. Revisão da qualidade do atendimento dispensado pelo serviço médico-ambulatorial e melhoria das condições de acesso ao plano de saúde. 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BNDES. Hiper e supermercados no Brasil. [s.l.] : BNDES, dez/98. DIEESE. Caracterização, tendências e desempenho do segmento supermercadista do Brasil: 1990/98. São Paulo : DIEESE, set/1998. DIEESE. A reestruturação produtiva no comércio. São Paulo: DIEESE, dez/99. (Estudos Setoriais nº10) GAZETA MERCANTIL. Panorama setorial. Análise Setorial, Supermercados. São Paulo: Gazeta Mercantil, set/98. ICFTU. ICFTU/ITS basic code of labour practice. Disponível: http://www.icftu.org/english/tncscode98.html. Consultado em 03/03/2000. site ICFTU. URL: Rights. URL: OCDE. Guidelines for Multinational Enterprises. Disponível: site OCDE. http://www.oecd.org./daf/investment/guidelines/mnetext.htm. Consultado em 04/03/2000. URL: KOTABE, Massaki. Wal-Mart Operations in Brazil. 1997. National Labor Committee in Support of Worker and Human http://www.nlcnet.org/WALMART/bangwal.html. Consultado em 07/12/99. OIT. Las repercusiones de la mundialización y de la reestructuración del comercio en la esfera de los recursos humanos; informe para la discusión de la Reunión tripartita sobre las repercusiones de la mundialización y de la reestructuración en la esfera de los recursos humanos. Programa de Actividades Sectoriales. Genebra: Oficina Internacional del Trabajo, 1999. ____ Tripartite Declaration of Principles concerning Multinational enterprises and Social Policy. Disponível: site OIT. URL:http://www.ilo.org/public/english/85multi Consultado em 03/03/2000. ONU. The Global Compact, the nine principles. Disponível: site The Global Compact. URL: http://www.unglobalcompact.org/gc/unweb.nsf/webprintview/thenine.html. Consultado em 08/02/2000. Revista SUPER-HIPER. ABRAS: São Paulo, Mai/99. WAL-MART. Wal-Mart Annual Report. [s.l.]: Wal-Mart, 1999. WAL-MART. Vendor Partner Standards set forth in 1992. Disponível: site WAL-MART. URL:http://www.walmartstores.com/supllier/vstand_current_standards.html. Consultado em 10/04/2000. Walmartwatch. URL:http://www.walmartwatch.com. Consultado em 7/12/99. Periódicos consultados: Jornal da Cidade, de Bauru. “Wal-Mart vai abrir Supercenter de U$ 20 milhões na região do aeroporto", 25.10.1996. “Wal-Mart abre seu supercenter” s/d. “Apas constata no Wal-Mart perfil diferente na estratégia de mercado”, s/d. “Comércio luta contra as dificuldades em busca de estabilidade”, s/d. “Horário livre do comércio vira projeto de lei - 1998”, s/d. 71 Diário de Bauru. “Locais têm crescimento pós-Wal-Mart”, 19.9.97. “Concorrência forçou mudanças”, 25.04.99, p.35. “Crise, aqui?”, 25.4.99, p. 35. “Concorrência leva à modernização”, 25.4.99, pág. 35. “Agora é Sé”, 16.5.99, pág. 21. “Wal-Mart já dispensa funcionários em Bauru”, 12..9.97. Diário de Osasco. “DRT de SP embarga obra do Wal-Mart”, 3..5.95. “Conselho quer vigiar demolição da Eternit”.6.5.95. “Giglio concede alvará à empresa Wal-Mart”. 24.5.95. “Carrefour e Wal Mart "são muito bem vindos”,18.11.95. “Wal Mart inaugura Super Center e compara preços concorrentes”, 21.11.95. “Movimento excessivo obriga Wal Mart a implantar sistema de rotatividade de entrada”, 28.11.95. “Hipermercados fazem trânsito na região aumentar em até 30%”, 23.11.95. “Concorrência favorece consumidor osasquense”, 8.11.95. “Pequenos vão recorrer à Justiça contra fornecedores do Wal Mart e Carrefour”, 1.12.95. “Comerciantes fazem protesto contra Wal Mart e Carrefour”, 6.12.95. “Vendas em mercados de bairro caíram 50% em um ano”, 20.12.96. “Funcionários do Wal-Mart decidem hoje sobre abertura aos domingos”, 18.9.96. “Sindicato reclama de piso salarial de hipermercado”, 28.5.97. “Supermercados dão prazo de até 90 dias aos clientes”, 26.4.97. “Concorrência reduz em 50% as vendas nos mercados de bairro”, 28.5.97. “Ex-funcionária acusa direção do Wal-Mart de coação”, 2.8.97.