1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS EUNICE SALGADO SOARES A CONSTRUÇÃO DO TEXTO ESCRITO NA ESCOLA: ACERTOS E ERROS Salvador 2011 2 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS EUNICE SALGADO SOARES A CONSTRUÇÃO DO TEXTO ESCRITO NA ESCOLA: ACERTOS E ERROS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I, em cumprimento aos requisitos para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª Drª Rosa Helena Blanco Machado Salvador 2011 3 FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Soares, Eunice Salgado A construção do texto escrito na escola : acertos e erros / Eunice Salgado Soares. – Salvador, 2011. 183 f. Orientadora: Profª. Drª. Rosa Helena Blanco Machado Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I. 2011. Contém referências. 1. Redação. 2. Língua portuguesa - Estudo e ensino. 3. Composição e exercícios. 4. Prosa escolar. I. Machado, Rosa Helena Blanco. II.Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 469.8 4 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS TERMO DE APROVAÇÃO EUNICE SALGADO SOARES A CONSTRUÇÃO DO TEXTO ESCRITO NA ESCOLA: ACERTOS E ERROS BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________ Prof. Drº Elmo José dos Santos Universidade Federal da Bahia/ UFBA __________________________________________________________ Profa. Drª Lígia Pellon de Lima Bulhões Universidade do Estado da Bahia/ UNEB ____________________________________________________________ Profa. Drª Rosa Helena Blanco Machado - Orientadora Universidade do Estado da Bahia/ UNEB Salvador, 21 de dezembro de 2011. 5 Dedico este trabalho aos meus pais Ivaldo Ribeiro Soares e Hilma Salgado Soares (in memoriam), que souberam, através de seus discursos, transmitir ensinamentos eternos. 6 AGRADECIMENTOS À professora Rosa Helena Blanco Machado, pela orientação cuidadosa e paciente e por demonstrar respeito ao meu trabalho e boa vontade em me orientar. À professora Lígia Pellon de Lima Bulhões (UNEB) e ao professor Elmo José dos Santos (UFBA) pela gentileza em fazerem parte da banca examinadora e pelas orientações, no exame de qualificação, que foram essenciais para a construção dessa dissertação. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens, (PPGEL), pelas contribuições valiosas através das aulas. Aos funcionários do PPGEL, Camila, Danilo, Geraldo e Geysa que sempre atenderam nossas necessidades com muito carinho. Ao professor João Antônio Santana Neto, por me encorajar e sempre dizer que valia a pena tentar. Às professoras das escolas públicas que contribuíram com seus discursos para a concretização do meu corpus. Ao Ivandson por me acompanhar sempre nessa pesquisa e por cuidar de mim. Aos meus queridos e amados filhos Gabriel, Mariana e Laura que sentiram na pele esse meu processo. Muito obrigada por me ajudarem. Ao meu querido pai Ivaldo pelas constantes orações e palavras divinas que me acalmaram nos momentos de aflição. Eu te amo pai! Aos meus queridos irmãos Moisés, Maria Leopoldina, Ebenézer, Lídia, Noemi, Ester, Samuel e Isaías que me apoiaram nessa jornada com suas orações e dizendo que logo tudo terminaria e terminou. Aos meus irmãos da Igreja Batista Sinai (Classe Débora) que sempre me acompanharam com suas orações. Aos colegas do mestrado pelos bons momentos. À CAPES, por ter financiado essa pesquisa e ter permitido a sua realização. Agradeço especialmente ao Deus Pai, Criador de todas as coisas, ao meu Salvador Jesus Cristo e ao Espírito Santo que me deu sabedoria ao longo dessa jornada, pela oportunidade de vivenciar momentos que somente Eles poderiam me ajudar e, também, por colocarem pessoas tão especiais nessa caminhada. 7 RESUMO Essa dissertação parte do questionamento da conhecida dificuldade dos alunos do Ensino Fundamental II em escrever textos. Para fazer a investigação a que se propõe, vai à sala de aula de escolas públicas. A pesquisa foi realizada em cinco escolas da Rede Pública de Ensino da cidade de Salvador com o objetivo de observar como acontecem as práticas de escrita nas turmas do 6º ao 9º ano e se essas práticas proporcionam aos alunos a construção de significados na elaboração de textos bem escritos e se essas práticas o ajudam em sua capacidade de transitar de maneira natural em torno da língua, colaborando para a construção de significados que propiciem ao sujeito/escritor/aluno, uma visão ampla sobre o ato de escrever. Para os objetivos que traçamos, foram analisados dois questionários respondidos pelos docentes sobre o que seja escrever um bom texto e sobre como levar o aluno a escrever bem e sobre a relação que elas estabelecem entre oralidade, escrita e interação verbal. Além disso, foram realizados os registros das atividades e falas observadas em sala de aula: propôs-se assim fazer um confronto entre suas respostas ao questionário e suas práticas efetivas de aula com o intuito de perceber se essas práticas refletem ou não, e como, suas posições discursivas. A fundamentação teórica que permeia a pesquisa se faz, principalmente, com a contribuição da Análise do Discurso da linha pechêtiana com a finalidade de, a partir de seus dispositivos, identificar de que lugares os professores falam quando abordam a linguagem em sala de aula e fora dela, buscando essas posições através do dito e do não-dito nos dizeres dos sujeitos da pesquisa. Também recorremos aos estudos de Bakhtin, sobretudo em relação ao entendimento dos conceitos de língua(gem) enquanto interação verbal e dialogismo, muito presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento portador do discurso oficial sobre o ensino básico no Brasil, os quais serão também trazidos com intuito de verificar se seus discursos são assimilados pelas professoras e se suas práticas estão alicerçadas nesse discurso governamental. Palavras-chave: análise do discurso. Produção de texto; produção de sentidos; ensino; prática de escrita, 8 RÉSUMÉ Cette partie thèse de l'interrogatoire de la difficulté connue des élèves de l’enseignement fundamental II pour écrire des textes. Pour rendre l'enquête comme l'a proposé, sera la salle de classe des écoles publiques. L'enquête a été menée dans cinq écoles publiques dans la ville de Salvador, afin d'observer comment ça se passe à la pratique d'écriture dans les classes de la 6e à 9e année et que ces pratiques donnent aux étudiants la construction du sens dans la conception des textes et des écrite et une aide pratique à ceux qui dans leur capacité à se déplacer naturellement autour de la langue, contribuant à la construction de significations qui constituent le sujet / écrivain / étudiants une vision large de l'acte d'écrire. Pour les objectifs que nous nous sommes fixés, nous avons analysé deux questionnaires remplis par les enseignants sur ce qui est d'écrire un bon texte et la façon d'amener les élèves à bien écrire et la relation qu'ils établissent entre la langue oral, écrite et l’interaction verbale. En outre, les registres des activités effectuées et observées lignes dans la classe: il a proposé de le faire une confrontation entre leurs réponses au questionnaire et leurs pratiques de classe réelle afin de voir si oui ou non ces pratiques reflètent, et comment leurs positions discursives. Le cadre théorique qui imprègne la recherche est principalement avec la contribution de l'analyse du discours de la ligne afin d'pechêtiana partir de leurs appareils, d'identifier les endroits qui parlent lorsque les enseignants l'adresse de la langue en classe et en dehors sa recherche de ces postes par le non-dit dit et dans les paroles des sujets de recherche. Nous comptons aussi sur des études de Bakhtine, en particulier par rapport à la compréhension des concepts de langue, langage tandis que l'interaction verbale et de dialogisme, très présente dans les Paramètres des Programmes Nationaux, titulaire d'un document du discours officiel sur l'éducation de base au Brésil, qui sera également apporté, afin de assurez-vous que vos discours sont assimilés par les enseignants et leurs pratiques sont ancrées dans le discours du gouvernement. Mots-clés: La production du texte, la production de sens, l'enseignement, la pratique de l'écriture. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10 1 LÍNGUA, LINGUAGEM, ESCRITA E FALA....................................................15 1.1 LÍNGUA E LINGUAGEM................................................................................15 1.2 LÍNGUA ESCRITA...........................................................................................27 1.2.1 Concepções de escrita e relações entre fala e escrita............................27 1.3 CONCEITO DE TEXTO...................................................................................34 1.3.1 Gêneros e tipos textuais.........................................................................37 1.4 A ESCOLA E A PRÁTICA DA ESCRITA......................................................45 2 A ANÁLISE DO DISCURSO ...............................................................................54 2.1 ANÁLISE DO DISCURSO: ORIGEM E TRAJETÓRIA................................. 54 2.1.1 Foucault, Pêcheux e alguns conceitos em AD.........................................59 2.2 A ANÁLISE DO DISCURSO E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR: OUTROS CONCEITOS EM JOGO...................................................................................64 2.2.1 Memória e sua relação com a discursividade na escola ........................73 3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS...........................................................83 3.1 CONHECENDO OS SUJEITOS E SEUS ESPAÇOS.......................................83 3.2 OS QUESTIONÁRIOS: ANÁLISE DAS RESPOSTAS DOS SUJEITOS.......85 3.2.1 O primeiro questionário .......................................................... ..............86 3.2.2 O segundo questionário: outras questões ...........................................101 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................120 REFERÊNCIAS.........................................................................................................128 ANEXO........................................................................................................................133 10 INTRODUÇÃO O nosso interesse em centrar a dissertação no tema A escrita escolar: o porquê da não produção de texto no Ensino Fundamental do 6º ao 9º Ano surgiu principalmente pelo que ouvíamos de professores de Português ao comentarem que os alunos não queriam nada com a disciplina e que não sabiam escrever. Além disso, através da mídia, por meio de jornais, revistas, televisão e internet, que revela a triste situação dos alunos brasileiros que não sabem escrever. Em nossas observações em sala de aula, enquanto professora eventual, constatávamos, de fato, o quanto era difícil para o aluno escrever seu texto. Normalmente o aluno dizia que não sabia escrever e, por isso, não gostava de escrever. Então nosso interesse aumentou e transformamos este interesse em objetivo desta pesquisa. Aqui apresentamos o percurso que fizemos, guiados por nossos objetivos, e aos resultados a que chegamos. Sem dúvida, o estudo nos possibilitou entendermos um pouco dessa questão que não é de hoje e tem sido objeto de estudo de muitos teóricos da área de linguagem e tem preocupado o governo. No final da década de 1970, a discussão acerca do ensino de Língua Portuguesa de concepção tradicionalista começa a romper gradativamente a partir de divulgações de pesquisas na área da Linguística e de disciplinas geradas a partir dela como a Sociolinguística e, posteriormente, a Linguística Textual e a Análise do Discurso. No Brasil, alguns teóricos como Geraldi, Marcuschi, Possenti, Soares, Koch, Faraco, Travaglia e muitos outros, procuraram se aprofundar na questão da linguagem verbal e sua prática em sala de aula, preocupados com uma prática escolar em que o ensino da língua estava, ainda, atrelado, sobretudo, aos estudos da gramática normativa, e às abordagens puramente estruturalistas que aconteceram nas décadas de 1970 e 1980 em torno do ensino da língua e que começam a ser criticadas. O acontecimento da língua passa a ser pensado na interação verbal, pois os sujeitos se constituem na linguagem e é na interação verbal que se percebe o quanto a língua é um produto vivo realizado na enunciação. Na perspectiva de Bakhtin (2006), o modo de dizer de cada indivíduo está vinculado a uma prática a partir de sua interação num determinado contexto social. Isso significa olhar a linguagem como interação verbal em que a língua seja reconhecida como sistema de signos histórico e social que dê condições ao indivíduo de representar 11 a realidade física e social, e expressar suas ideias, pensamentos e intenções de maneira que influencie o outro a criar relações interpessoais antes inexistentes. E é justamente baseado nessa ideia que surgirão algumas iniciativas que culminarão na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em meados da década de 1990, que estabelecerão diretrizes de como os conteúdos programáticos devem ser trabalhados em sala de aula com o objetivo de desenvolver um sujeito consciente de seu papel social e da construção de seu conhecimento. E, em se tratando de Língua Portuguesa, os PCNs enfatizarão a importância de se trabalhar a língua na perspectiva interacional. O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos. (BRASIL,2000, p.23) É preciso que entendamos a língua nas suas modalidades oral e escrita como constituinte da realidade social. Elas apresentam diferenças que as tornam modalidades específicas da língua com suas particularidades que serão desenvolvidas a partir do contexto, da intenção do sujeito e da temática abordada. Aqui nessa pesquisa, procuramos desenvolver um estudo apenas na modalidade escrita e, especificamente, a escrita escolar. Para isso levantamos algumas questões que direcionarão nosso estudo: 1 – Como se desenvolve o ensino de língua escrita em sala de aula? 2 – Quais as atividades de produção de escrita praticadas em sala de aula? 3 – Que conceitos de língua e de linguagem são trabalhados em sala de aula, quer em exercícios propostos quer nas práticas linguístico-discursivas? 4 – Que representatividade espaço-temporal tem essas atividades de escrita no conjunto das atividades de língua portuguesa? Essas perguntas tornaram-se os objetivos do nosso estudo e são eles: 12 1 – Observar como se desenvolve o ensino de língua escrita em sala de aula. 2 – Verificar quais são as atividades de produção de escrita praticadas em sala de aula. 3 – Analisar que conceitos de língua e de linguagem são trabalhados em sala de aula, quer em exercícios propostos quer nas práticas linguístico-discursivas. 4 – Dimensionar a representatividade espaço-temporal que essas atividades de escrita tem no conjunto das atividades de língua portuguesa. Essa pesquisa está baseada no entendimento de que a língua é um produto social e que os sujeitos e suas falas/escritas fazem parte de uma realidade sócio-histórica. Ela será conduzida pela Análise do Discurso, doravante AD, da linha pêcheutiana, pois na Análise do Discurso a língua e os sentidos são entendidos como acontecimento entre os sujeitos. A AD é uma disciplina que trabalha a relação língua-discurso-ideologia e ao desenvolver uma teoria que mostra a relação entre os processos ideológicos e os processos linguísticos para a constituição dos sentidos, Pêcheux (1997) demonstra que o discurso não é o mesmo que transmissão de informação, nem um simples ato de dizer. Sua natureza é muito mais complexa e, segundo Orlandi (2007, p. 21), “as relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos entre locutores”. Em nossa pesquisa, alguns conceitos da AD, a exemplo de memória discursiva, interdiscurso e outros, serão mais trabalhados no capítulo 2. A pesquisa foi realizada em cinco escolas públicas e antes de iniciá-la foi necessário pedirmos autorização à coordenação geral para a visita às escolas de Ensino Fundamental, as quais constituem um Complexo Escolar, que funciona em um bairro popular da Cidade de Salvador. A partir daí, foram contactadas as diretoras de cada uma dessas escolas. As diretoras indicaram as professoras que elas queriam que participassem da pesquisa, caso fosse de seus interesses. Das cinco indicadas, uma docente não foi localizada por nós e, por esse motivo, outra professora foi escolhida. Foram pensadas duas estratégias de coletas de dados que serviriam de análise para a pesquisa: 1) a aplicação de um questionário, às professoras sujeitos da pesquisa, no início do período de visita às escolas pela pesquisadora, contendo 13 algumas questões; e aplicação de outro questionário, com outras questões, no final deste período; 2) A visita às escolas para registro das atividades em sala de aula, se possível, com o auxílio de um gravador, onde se fariam gravar os movimentos da aula proferida, registrando as atividades propostas e seu desenvolvimento e as formas de abordagem às temáticas propostas, isto é, o estudo da língua em qualquer de suas modalidades, mas, atentando especificamente para o ensino/aprendizagem da língua escrita. Associada a esta visita, ficariam também previstas a observação do espaço escolar, infraestrutura, organização dos espaços e do acesso dos alunos etc. Após os contatos iniciais com a Direção e professoras indicadas, deu-se início às observações das aulas para que se pudessem conhecer melhor os sujeitos-professoras do ambiente escolar. No ambiente escolar, procurou-se observar se a escola dispunha de biblioteca, acervos literários, laboratório de informática e se os alunos tinham acesso a eles. Em sala de aula, a atenção ficou voltada para os procedimentos metodológicos e didáticos e os discursos utilizados pelas professoras no momento da aula e na elaboração de atividades relacionadas à produção de textos escritos em sala de aula. Nas visitas às escolas, para atender aos objetivos referidos acima, utilizamos dois procedimentos: a gravação das aulas através de um MP5 e a elaboração de um diário de bordo. O que chamamos de diário de bordo é o relato de todas as nossas observações feitas desde a nossa entrada na escola até a nossa saída, portanto em todo o espaço escolar. Os registros feitos no MP5 se restringiram às atividades desenvolvidas em sala de aula. Fazem parte do corpus as respostas dadas por escrito, pelas professoras, aos questionários; e as transcrições de suas aulas, nas atividades que disserem respeito aos objetivos da pesquisa, quais sejam, a construção do texto escrito. Esses últimos dados serão vistos/abordados, mais frequentemente, nas passagens deste estudo em que estivermos nos detendo nas elaborações das fundamentações teóricas. A intenção é fazer uma relação maior entre a teoria e a prática e conseguirmos resultados mais eficazes. As respostas aos questionários são analisadas num outro capítulo, este dedicado especialmente às Análises. Assim, o corpo da Dissertação é composto desta Introdução, três (3) Capítulos de desenvolvimento e a Conclusão. 14 Para identificar as professoras, sujeitos da pesquisa, foram usadas a letra P seguida de E e seu respectivo número (correspondendo à escola em que trabalham), seguidos da série em que a professora ensina: PE1 – Professora da Escola 1 - 6º ano PE2 – Professora da Escola 2 - 7º ano PE3 – Professora da Escola 3 – 7º. ano PE4 – Professora da Escola 4 – 8º. ano PE5 – Professora da Escola 5 – 8º e 9º. anos A coleta do material foi realizada entre outubro a dezembro de 2009, perfazendo um total de oito semanas de observação, 120 horas. Como foi colocado acima, foram seis (6) turmas, a saber: Uma turma do 6º ano Duas turmas do 7º ano Duas turmas do 8º ano Uma turma do 9º ano É preciso destacar que as visitas às escolas nem sempre foram proveitosas, pois muitas vezes as escolas estavam fechadas por conta de greve, reforma, falta de água no bairro, chuvas torrenciais; outras vezes não havia aula por causa da ausência das professoras. Por esses motivos, houve certo prejuízo em relação às sequências das aulas, já que os conteúdos deixaram de seguir seu cronograma, mas vale ressaltar que isso não prejudicou o andamento da pesquisa. A partir desses procedimentos, procuramos trazer para o texto um pouco do que vivenciamos em sala de aula e, em especial, a prática de produção de texto escrito. 15 1 LÍNGUA, LINGUAGEM, ESCRITA E FALA 1.1 LÍNGUA E LINGUAGEM Como se sabe, o estruturalismo concedeu cientificidade aos estudos da linguagem. Saussure ao criar sua Linguística propôs uma abordagem descritiva e sistemática da língua e reconheceu apenas a língua como objeto linguístico, pois, para ele, a linguagem por ser um objeto “multiforme e heteróclito e pertencer ao domínio individual e ao domínio social” (SAUSSURE, 1995, p. 25), não poderia fazer parte da Linguística. Por esse motivo, Saussure afirma que: Não há, no nosso entender, senão uma solução para todas essas dificuldades [trata-se das contradições internas da “linguagem” como ponto de partida de sua análise]: é preciso, antes de tudo, instalar-se no terreno da língua e torná-la como norma de todas as demais manifestações da linguagem. (SAUSSURE, 1995, p.24) Além dessa distinção entre língua e linguagem, Saussure distingue também “a língua dos atos individuais de enunciação, isto é, da fala” conforme nos ensina Bakhtin (2006, p.89). Segundo este autor, para Saussure a língua não é função de sujeito falante, ela é um produto que o indivíduo registra passivamente. E em relação à fala: A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e de inteligência no interior do qual convém distinguir: primeiramente, as combinações pelas quais o sujeito falante utiliza o código da língua para exprimir seu pensamento pessoal; em segundo lugar, o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar estas combinações. (SAUSSURE,1922,apud BAKHTIN 2006, p.89) A oposição langue e parole significou a primeira “bifurcação” na construção teórica de Saussure. Em seu livro Curso de Linguística Geral, ele afirma que há dois caminhos impossíveis de se trilhar: a fala e a língua, e que ele cuidaria unicamente da língua. Partindo dessa ideia, Saussure constrói as dicotomias langue/parole, sincronia/diacronia e centra seu estudo na língua e na sincronia. Para ele, a fala, por ser um ato individual – para o qual não concorrem outros membros da comunidade linguística – é uma manifestação limitada pelas regras de um sistema maior, o qual 16 determina parâmetros a serem seguidos e que o comportamento linguístico da comunidade possui relevância para a compreensão de sua visão do social. A noção de comunidade linguística para Saussure é aquela em que a língua é um código preestabelecido entre os membros de uma comunidade a qual não pode alterá-lo. Ainda, segundo Saussure: A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja comum a todos e independente da vontade dos depositários. (SAUSSURE, 1995, p.27) Ao dizer que a língua se manifesta de forma “independente da vontade dos depositários”, Saussure a considera como algo já intuído socialmente e reconhece o fenômeno social (a língua) e o fenômeno individual (a fala) polos opostos. Sua visão de língua e de comunidade linguística é abstrata, pois pressupõe que a língua seja um sistema de elementos linguísticos preexistentes à fala, a qual apenas os reproduz. Essa concepção que Saussure tem da língua é o alicerce de sua teoria. Antes de Saussure apresentar a ideia de que o estudo linguístico possui duas dimensões – uma sincrônica e outra diacrônica – o estudo das línguas detinha-se apenas ao comparativismo e a uma descrição do comportamento histórico das mesmas. Segundo Saussure (1995), a dimensão sincrônica considera o momento exato, um intervalo de tempo, compreendendo períodos curtos ou longos. Nessa dimensão, a língua é vista como um sistema estável e, também, complexo, no qual os termos não se definem por si, mas através das relações que se estabelecem entre eles. A dimensão diacrônica, para Saussure, é a relação histórica que se estabelece entre os fenômenos da língua. Por ser temporal, a diacronia relaciona-se com a pesquisa histórica que se dedica a descrever as línguas, as alterações ocorridas tanto no campo semântico quanto no lexical. Saussure não se preocupou em definir o que ele entendia como “sistema”, mas explicou que “a língua é um sistema do qual as partes podem e devem ser consideradas em sua solidariedade sincrônica” (SAUSSURE,1995, p.12). Ele comparou o sistema da língua a um jogo de xadrez em que cada peça está tão ajustada à outra que ao se mexer numa delas, todas as outras sofrem com essa ação. Não há peça isolada, todas estão em 17 relações recíprocas. E, nessa sua ideia de sistema, não podem existir fatores externos, pois ele é fechado em si mesmo. Ao contrário de Saussure, para Bakhtin (2006, p.128) “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”. Bakhtin entende a língua como manifestação múltipla e heterogênea e seu acontecimento na relação que o indivíduo tem com a língua e seu uso. Ele demonstra essa relação, ao criticar a tradição formalista/estruturalista que afirma que a língua existe realmente para a consciência subjetiva do locutor unicamente “como sistema objetivo de formas normativas e intocáveis” (BAKHTIN, 2006, p. 95). Então, ao rebater essa opinião, Bakhtin afirma que o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas, ou seja, a língua apenas enquanto código não abarca condições significativas que só são adquiridas num dado contexto, pois “todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua” (BAKHTIN, 1997, p. 279) que se materializa por meio de enunciado. E é nesse sentido que as pessoas se posicionam em suas mais variadas atividades discursivas como na religião, nas relações familiares, na política, na escola, no trabalho, enfim, no contexto social em que estão inseridas. Não há como desvincular os enunciados das esferas da ação, pois a linguagem está ‘conectada’ com a vida social, por isso, ela é interação. Baseado nessa ideia, Bakhtin (ibidem) vai dizer que “o enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, mas, sobretudo, por sua construção composicional”. Logo, estes três elementos – conteúdo temático, estilo e construção composicional – “fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação” (ibidem). Para Geraldi (1993), a questão da linguagem é fundamental no desenvolvimento de todo e qualquer homem. Ele ainda afirma que, através da linguagem, se apreendem conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e nele agir. Para ele: A linguagem é ainda a mais usual forma de encontros, desencontros e confrontos de posições, porque é por ela que estas posições se tornam públicas, é crucial dar à linguagem o relevo que de fato tem: não se trata evidentemente de confinar a questão do ensino de língua portuguesa à linguagem, mas trata-se da necessidade de pensá-lo à luz da línguagem. Escolha-se, por inevitabilidade, o posto. Escolhido, o posto é movediço. É preciso desenhá-lo. (GERALDI, 1993, p.5) 18 Geraldi (ibidem) afirma que “o lugar privilegiado deste desenho é a interlocução” que permite focalizar a linguagem a partir da interação verbal e, nesse processo, ainda segundo Geraldi (1993, p.6), é possível admitir que: a)A língua (no sentido sociolinguístico do termo) não está de antemão pronta, mas que o próprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a (re) constrói; b)Os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como “produto” deste mesmo processo. c)As interações não se dão fora de um contexto social e histórico mais amplo; na verdade, elas se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no interior e nos limites de uma determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por esta. Portanto, linguagem e sujeito se constituem a partir do acontecimento discursivo, pois o sujeito ao significar-se dá existência à própria língua. E é nesse sentido que Geraldi (2010) afirma que escrever não é uma atividade que segue regras previstas, com resultados de antemão antecipados, ou seja, não é algo mecânico de aplicação de regras, mas o conhecimento da própria língua como objeto vivo, históricosocial-discursivo em que a comunicação se transforma em relações de sentido entre os interlocutores e onde se dá o funcionamento real da linguagem, através do que Bakhtin (1997) chama de “enunciado concreto”. Geraldi, ao tratar da linguagem em sala de aula, afirma que é fundamental se fazer uma reflexão sobre ela a partir de um deslocamento. Ele diz o seguinte: [...] não se trata de linguagem vista como repertório, pronto e acabado, de palavras conhecidas ou a conhecer e de um conjunto de regras a automatizar; nem da linguagem como tradução de pensamentos que lhe seriam prévios; menos ainda da linguagem como um conjunto de figuras de enfeite retórico; e muito menos ainda da linguagem vista como forma correta, ortográfica, de palavra ou sentenças. Não se creia, no entanto, que este deslocamento pretende apenas esvaziar o ponto de partida, substituindo com nada concepções correntes. Trata-se de um deslocamento para. É eleição de um outro lugar. (GERALDI, 2010, p.34) E esse outro lugar, como já foi colocado acima, é a interlocução. Em seu texto Concepções de Linguagem, Geraldi (2002, p. 41) apresenta três concepções de linguagem: 19 A linguagem como expressão do pensamento A linguagem como instrumento de comunicação A linguagem como forma de interação A duas primeiras concepções retratam a língua como código, signo, e seu contexto não é pertinente. Já na terceira concepção, a linguagem é vista como interação, atua no social e seus falantes são sujeitos discursivos. Nesse sentido, não importa só quem fala, mas o que se fala e a quem se fala. Segundo Geraldi (2010, p.35-36), para que isso aconteça, é preciso reconhecer: a historicidade da linguagem - É presente que, sendo história, faz história e por isso mesmo participa do trabalho de constituição da língua, sempre em movimento, sempre se fazendo, inacabada e provisoriamente acabada para oferecer os recursos para o trabalho presente que continua a constituí-la. a constituição contínua dos sujeitos: não há um sujeito pronto de um lado que se apropriaria de uma língua pronta de outro lado. Também os sujeitos se constituem à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como produtos deste processo. Neste sentido, o sujeito é social já que a linguagem que usa (na particularidade de suas interações) não é sua, mas também dos outros e é para os outros e com os outros que interagem verbalmente. o contexto das interlocuções é constitutivo dos discursos proferidos: os acontecimentos discursivos não se dão fora de um contexto social mais amplo; na verdade eles se tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares no interior e nos limites de uma determinada formação social. Essa concepção está relacionada a um processo fenomenológico que reconhece a língua como manifestação dinâmica, histórica e social e, nesse sentido, essa concepção possibilitará ao aluno refletir, argumentar, perguntar, enfim, se posicionar diante de sua produção textual que “é a materialização linguística de um discurso, cuja materialidade ‘sustenta’ os sentidos possíveis e aparentemente impossíveis... porque no mesmo texto se cruzam outros discursos com os quais o texto se relaciona” (GERALDI, 2006, p.15). Para ilustrar essas considerações aqui tecidas quanto às concepções de língua(gem) e suas repercussões nas práticas de ensino-aprendizagem, trazemos dois exemplos de atividades de sala de aula interpretação e língua escrita. registrados por nós e que versam sobre 20 No primeiro dos registros, a professora PE4 (20/11/2009), do 8º ano, trouxe a fábula “O cão e o lobo” para ser trabalhada com os alunos. Após as leituras da fábula, a professora colocou as seguintes questões para serem debatidas e analisadas pelos alunos: 1 – Uma das coisas que chamaram a atenção do lobo foi a aparência do cachorro. Quais as qualidades que o lobo atribuiu ao cão? 2 – O que cão explicou para o lobo sobre a boa aparência? Qual o motivo da boa aparência? 3 – Convencido de que deveria seguir o companheiro, os dois já estavam a caminho quando o lobo percebeu a coleira. Como o lobo reage a essa descoberta? De que forma o cão se explica: ele se embaraça, ele se envergonha? 4 – Construa mais duas formas de dizer a moral dessa fábula. A partir dessas questões, a professora passa a interagir com a turma do seguinte modo: Professora – Vocês entenderam a moral da fábula, agora, a partir dessas questões, vamos debater alguns temas que são bem atuais e têm a ver com a gente. Maria, como é que você respondeu a primeira questão? Maria – As qualidades que o lobo atribuiu ao cachorro é que ele é gordo, bem tratado. Professora – Muito bem, Maria. É isso mesmo! Mas, porque ele é bem tratado? Fábio – Porque ele tem um dono que gosta dele e aí ele é bem tratado. Professora – É isso mesmo, Fábio! Agora, alguém da turma pode me dizer se aquelas pessoas que não têm ninguém para cuidar delas como as pessoas que vivem na rua, as crianças de rua, têm boa aparência? Mateus – Não, elas não têm boa aparência porque não podem tomar banho e não têm roupas para vestir. João – Elas também não têm o que comer e ficam bem magras e doentes. Professora – A turma entendeu o que eles disseram Alguém quer acrescentar mais alguma coisa? Fábia, você que gosta de falar. O que você tem a dizer sobre isso? 21 Fábia – Professora, deveria ter um lugar na cidade que deixasse essas pessoas tomarem banho e que a gente pudesse doar as roupas que não queremos mais. Professora – Muito bem, Fábia. Sua ideia é maravilhosa! Mais alalguém quer falar sobre isso? Não, então vamos para a segunda questão. Ela completa a primeira. Quem quer respondê-la? Felipe – O cão disse que tinha boa aparência porque seu dono cuidava dele. Professora – Isso mesmo, Felipe! Alguém cuidava dele e vocês têm alguém cuide de vocês? Por que vocês têm boa aparência? O que vocês fazem para ter boa aparência? Fábia – Porque temos pais que cuidam de nós. Fábio – Porque vivemos numa casa, com nossa família. Amanda – Porque a gente pode se cuidar, tomar banho, escovar o dente e nos pintar. Professora – Muito bem Amanda, você falou algo interessante. A turma prestou atenção ao que ela falou? Ela disse que a gente tem boa aparência porque a gente toma banho, escova o dente, as meninas se pintam. Quer dizer que se a gente não fizer isso não vamos ter boa aparência? O que vocês acham? Fábia – Eu acho que tomar banho e escovar o dente é importante para aparência, mas se pintar não. Têm muitas meninas que não pintam têm boa aparência. Fábio – Eu concordo com ela, não precisa se pintar para ter boa apa- rência. Professora – Então, me digam! Por que o lobo não quis mais ter a mesma vida do cachorro? Quem pode responder? Fábia – É porque ele viu que a vida do cachorro é uma prisão. Professora – Como assim, o cachorro não era feliz? Ele não tinha tudo e gostava do se dono? Fábio – Professora, ele gostava dessa vida, mas o lobo viu que ele tinha uma coleira e que às vezes o dono prendia ele e o lobo não quis mais essa vida. Professora – Quer dizer que o lobo queria te r vida boa, mas não queria fazer a vontade do dono não? E se a gente puder comparar a vida do cachorro com a nossa, temos tudo o que queremos? Os pais de vocês dão tudo o que vocês querem? Vocês se sentem presos em casa? Vocês têm liberdade para fazer tudo em casa? Como é que isso acontece? 22 Tânia – Eu não tenho, porque meu pai não deixa namorar. Professora – E por que seu pai não deixa você namorar? Tânia – Meu pai disse que devo estudar e trabalhar para quando o marido gritar comigo eu mandar ele embora. Professora – Quer dizer que você está se sentindo presa agora, mas no futuro isso vai ajudar você a não se sentir presa. É isso mesmo? O que você acha disso? Tânia – É isso, eu acho que é isso mesmo. Professora – Vocês são ótimos, e merecem um beijo. Mais alguém quer falar sobre a liberdade ou a prisão em casa? Fábia – Professora, quando o filho está na casa da mãe é uma prisão mas é uma boa prisão. Fábio – O cachorro é igual a mim, é bem alimentado, mas é preso. Professora – Eu tenho liberdade? Fábia – Claro, você trabalha e é independente. Professora – Vocês acham que eu tenho liberdade total? Eu posso fazer tudo o quero na escola? João – Não pode não, porque tem a diretora que manda em tudo. Professora – E aquelas pessoas que realmente vivem numa prisão, Foram presas pela polícia, por que estão lá? Mateus – Porque fizeram muita coisa errada. Professora – E o que eles devem sentir lá? Carlos – Tristeza, solidão e raiva. Fábia – Vingança, ódio, violência. Maria – Arrependimento. Professora – Às vezes, as prisões dos pais passam do limite. Por que será que os pais fazem isso? Fábia – Por medo da violência. Fábio – Para não querer que o filho se envolva com traficantes. Professora – Sabe,eu tenho um aluno da turma da tarde que tem 13 anos e ele diz que quando tiver 18 anos vai se envolver com traficantes para matar àqueles que mataram sua mãe. Vocês acham que ele deve fazer isso? Fábia – Não, porque ele não vai trazer de volta a mãe dele. Ele deve estudar mais e pensar outras coisas. Professora – Vocês sabem que eu passei por muitas dificuldades na minha vida? Eu fui aluna dessa escola e minha família era 23 muito pobre. Eu fiz curso normal e trabalho na escola há 28 anos. E eu continuo estudando, tem três anos que eu fiz o curso superior e ainda quero estudar mais. Bem, agora É o momento mais feliz da aula. Eu quero que vocês escrevam uma fábula considerando os elementos da narrativa que já trabalhamos aqui em sala e eu vou colocar no quadro: narrador, personagem, enredo, espaço ou lugar e tempo. Se quiserem podem fazer em dupla ou em trio. Nessa situação vivenciada em sala de aula, percebe-se a linguagem entendida e trabalhada pela professora como interação verbal, pois os sujeitos – a professora e os alunos – participam de um diálogo em que seus enunciados fazem parte de uma cadeia comunicativa estabelecendo conexão com outros enunciados antes proferidos, constituindo estes enunciados os elos da cadeia discursiva na qual atuam sujeitos interlocutores que aí se constituem. A professora PE4 reflete um saber que reconhece a concepção interativa da linguagem, pois seu discurso possibilita as enunciações que são geradas em sala de aula. Nessa concepção, a língua é reflexo das relações sociais em que o sujeito articula seu discurso levando em conta não somente os elementos linguísticos, mas as condições em que são produzidos os discursos. Os interlocutores se socializam alternadamente através de suas enunciações criticando, discordando, concordando, se calando, enfim, produzindo uma dimensão dialógica que perpassa o processo de socialização e o de individuação e, nesse sentido, segundo Voese (2004, p. 96), “a interação sempre se constitui como um tipo de desafio para os indivíduos: valem-se de uma mediação generalizante para negociarem singularidades”. No exemplo acima, a professora PE4 demonstra um certo conhecimento em relação à língua como interação verbal, pois, após selecionar o texto que será lido e analisado em sala de aula, direciona um diálogo entre o texto e os enunciados dos alunos. Esse é um exemplo bem sucedido de aprendizagem de linguagem em sala de aula. O texto é bem explorado, deixando claras as relações com outros enunciados, a prática do uso da linguagem perpassa o texto escrito (a leitura do texto da fábula), depois vai para o texto oral e, a seguir, retorna ao texto escrito através das produções escritas dos alunos, como a professora sugere ao final. A situação a ser descrita abaixo, por outro lado, pode representar, ao contrário, um modelo mal sucedido de ensino de aprendizagem envolvendo a língua escrita. 24 A professora PE3 (19/10/2009), do 7º ano, procura levar seus alunos a produzirem um texto escrito – um cordel – após trabalhar com esse tema durante três aulas, isto é, após ter apresentado a Literatura de Cordel e ter falado sobre como ela é feita. Ela inicia a aula colocando no quadro o seguinte esboço: Literatura de Cordel __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ A partir da colocação das linhas, ela passa a explicar aos alunos o que ela quer que eles façam: Professora – Vocês estão vendo isso aqui no quadro? Eu quero que hoje vocês escrevam um texto em cordel dessa forma. Cada linha corresponde um verso e eu já trabalhei com vocês a Literatura de Cordel, estão lembrados? Eu vou colocar alguns temas e vocês vão escolher um deles: saúde, futebol, esporte, família, mulher, cidade, educação. Bem, agora podem fazer o texto. Eu vou recolher, é melhor fazer primeiro no rascunho e depois passem a limpo a caneta. João – Pró, por que tem que ter Literatura de Cordel? Professora – Porque ele vai ser escrito em versos. Já trabalhei três aulas o tema e isso vai avaliar vocês. Vocês precisam escrever pra eu saber como vocês estão escrevendo. Carlos – Pró, a senhora pode fazer um para a gente ver como é? Eu não consigo escrever nada. Professora – Eu já expliquei a vocês o que é Literatura de Cordel e já falei isso em três aulas. Agora chegou a vez de vocês escreverem. Jamile – Posso fazer outro tipo de texto, professora? Professora – Eu já trabalhei o Cordel aqui na sala e vocês deveriam já es- 25 tar sabendo. Vocês precisam escrever um texto em cordel, preciso saber se vocês aprenderam o cordel. Essa atividade vale dois pontos e vai ajudar vocês na 3ª unidade. Professora – Eu vou colocar no quadro uma estrofe do texto de um aluno da tarde para vocês verem como ele fez o texto dele. A professora escreve no quadro: ESPORTE Vou contar pra vocês Uma verdadeira história De um menino que se chamava Miguel Que já gostava de bola A seguir, ela disse para turma: Professora – Vocês podem escrever seu texto a partir desse aqui. Há alguma dúvida? Cláudia – Eu não sei escrever nada do tema. Professora – Pense em alguma coisa ligada à fantasia, à ficção. Professora – Façam silêncio! José – Eu vou fazer o meu texto em casa. André – Eu também. Não consigo escrever nada, pró. Mariana – Eu desisto Jamile – Pró, eu posso fazer o texto em casa? Professora – É pra fazer aqui. Luís – Pró, pode fazer dois temas? Professora – Você vai mudar, é? Mas não pode ser assim não. Luís – Ah! Não vou fazer mais não. Professora – Gente, já são oito e vinte e eu preciso do texto arrumadinho. Andressa, porque você está com a cabeça baixa? Já está quase na hora de terminar a aula, vamos logo com isso! Alex – Pró, pode me explicar o que é pra fazer? Professora - Atenção para a construção dos versos e das estrofes. Andressa, você não vai levantar a cabeça e fazer o texto? Andressa – Estou com uma ‘porra’ de dor de cabeça. Professora – ‘Poraí’, gente! Kátia – Pró, olha o meu texto aí. Professora – O texto está borrado. Passe a limpo. Gente, a aula terminou. Tragam o texto. Pelo que estou vendo, alguns textos terão que ser refeitos. Quem não fez o texto agora, não esqueça de trazer na próxima aula. Como se pode observar, esse exemplo é contrário ao anterior quanto à sua eficácia. Fica evidente que a professora PE3 possui uma concepção restrita de linguagem: o aluno deve produzir o texto escrito a partir do entendimento do que seja 26 Cordel. A escrita aqui vai "enroupar” o entendimento do aluno sobre o que seja cordel, isto é, sobre o próprio texto Cordel. A língua é um instrumento, não é interação sócioverbal. Nesse contexto o que está sendo priorizado é a produção de um texto escrito para ser corrigido e atribuído uma nota. Dessa maneira, nessa concepção de língua algumas formas linguísticas serão privilegiadas em detrimento de outras e legitimará o bom uso da língua e o reconhecimento da gramática como arte de escrever corretamente. O que se vê é uma relação de força em que a professora insiste para que os alunos escrevam a partir dos temas dados e do esquema/modelo colocado no quadro. Ela praticamente impõe aos alunos que escrevam para que ela possa avaliá-los em relação ao aprendizado do conteúdo – Literatura de Cordel – que já foi dado anteriormente. No entanto, ela não percebe, em nenhum momento, as pistas que eles dão para dizer que não conseguem escrever o que ela está pedindo. Essa postura reflete ainda um ensino cristalizado num modelo tradicional que anula a interlocução e inibe os sujeitos – os alunos – a construírem suas enunciações a partir de suas experiências com a linguagem que “é fundamental no desenvolvimento de todo e qualquer homem; de que ela é condição sine qua non na apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e nele agir” (GERALDI, 1993, p.4). A situação, criada pela professora PE3, permite visualizar o entendimento de aprendizagem em que a língua se transforma num fim em si mesma, em que o objetivo da tarefa é de ordem acadêmica sem permitir a exploração da língua sob o viés sóciohistórico que a caracteriza e lhe dá sentido. É preciso reconhecer que a língua antes de ser objeto de ensino, é objeto cultural, social e seu significado está atrelado às práticas de uso oral/escrito que se fazem dela. Logo, a escola deve transmitir ao aluno as muitas modalidades em que a língua é veiculada na sociedade e suas diversas funções sociais: “o trabalho linguístico é contínuo, realizado por diferentes sujeitos, em diferentes momentos históricos, em diferentes formações sociais, dentro das quais diferentes sistemas de referência se cruzam (e se digladiam)” (GERALDI, 1993, p.14). 27 1.2 LÍNGUA ESCRITA 1.2.1 Concepções de escrita e relações entre fala e escrita Kato (2002), em seu texto sobre a natureza da linguagem escrita, afirma que quando se fala em diferenças entre linguagem oral e a escrita, pensa-se em duas modalidades invariantes, quando, na verdade, no interior de cada uma, há múltipla variação. Essa variação é causada por diversos fatores e Kato (2002, p. 20-30) os enumera da seguinte maneira: Variável social e psicológica na forma de linguagem O grau de letramento O estágio do desenvolvimento linguístico A forma como uma função do gênero O registro – linguagem coloquial e linguagem escrita Inter-relação entre modalidade, registro e norma Esses fatores demonstram que a relação fala/escrita não se desenvolve na dicotomia: incompleta/completa; não planejada/planejada; fragmentária/não fragmentária; simples/complexa. Há algo que está além dessas considerações, pois está implícito na maneira de se conceber a língua e seus usos. Logo, o objetivo da escola não deve estar relacionado ao ensino de mecanismos para o aluno saber desenvolver sua competência linguística, mas no sentido de mostrar ao aluno seus usos conforme o contexto social em que está inserido. Como se sabe, a escrita é um fato histórico. Enquanto a fala é algo nato no ser humano, a escrita, segundo Marcuschi (2001), surgiu há pouco mais de 3.000 anos a.C. e no Ocidente ela entrou por volta de 600 a.C. Portanto, em comparação com a tradição oral, ela ainda é recente. Marcuschi (2001), ao distinguir as modalidades de uso da língua, afirma que: A escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica, embora envolva também recursos de ordem pictória e outros (situa-se no plano dos letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita alfa- 28 bética) ideogramas (escrita ideográfica) ou unidades iconográficas, sendo que no geral não temos uma dessas escritas puras. Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala. (MARCUSCHI,2001, p.26) Segundo Marcuschi, nos últimos anos aumentaram os estudos sobre a relação entre fala e escrita e, embora os resultados ainda sejam limitados, demonstraram que a questão é variada e complexa. Para Marcuschi (2001, p. 45-46), as descobertas mais notáveis indicam que: as semelhanças entre as modalidades oral e escrita são maiores que as diferenças; as relações de semelhanças e diferenças não são estanques nem dicotômicas, mas contínuas ou graduais; muitas das características diferenciais atribuídas a uma das modalidades são propriedades da língua (por exemplo, contextualização/descontextualização; envolvimento/distanciamento; não há qualquer diferença linguística notável que perpasse o contínuo de toda produção falada ou de toda produção escrita, caracterizando uma das duas modalidades; tanto a fala como a escrita, em todas as suas formas de manifestação textual, são normatizadas; tanto a fala como a escrita não operam nem se constituem numa única dimensão expressiva mas são multissistêmicas; uma das características mais notáveis da escrita está na ordem ideológica da avaliação sociopolítica em sua relação com a fala e na maneira como nos apropriamos dela para estabelecer, manter e reproduzir relações de poder, não devendo ser tomada como intrinsecamente “libertária”. Pelo que se pode observar, não é possível mais existir a visão dicotômica da relação entre fala e escrita. O que existe são modos de uso da cada uma e, sendo assim, não tem como dizer que uma é superior à outra. Marcuschi (ibidem), em seu texto, traça um panorama de como as ideias sobre a relação fala/escrita têm sido abordadas por vários autores. A primeira das tendências e a de maior tradição entre os linguistas é a que se dedica à análise das relações entre duas modalidades de uso da língua (fala versus escrita). Essa perspectiva dicotômica oferece um modelo muito difundido nos manuais escolares e originou a maioria das gramáticas pedagógicas. Uma outra visão que o autor traz, é a que observa muito mais a natureza das práticas da oralidade versus escrita e faz análises sobretudo de cunho cognitivo, 29 antropológico ou social e desenvolve uma fenomenologia da escrita e seus efeitos na forma de organização e produção do conhecimento. Essa visão, denominada como visão culturalista foi desenvolvida por antropólogos, psicólogos e sociólogos, tais como Walter Ong (1982), Jack Goody (1977), Sylvia Scribner (1977), e os primeiros trabalhos de David Olson (1977). Esses teóricos estavam interessados em identificar as mudanças operadas nas sociedades em que se introduziu o sistema da escrita. Para os teóricos dessa visão a escrita representa um avanço na capacidade cognitiva dos indivíduos. Uma terceira perspectiva que Marcuschi traz é a variacionista e está relacionada com o papel da escrita e da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais. Essa perspectiva faz propostas específicas a respeito do tratamento da variação na relação entre padrão e não-padrão linguístico nos contextos de ensino formal. Segundo Marcuschi, essa perspectiva ainda não resolve a questão entre fala e escrita. Na verdade, trata-se de um aspecto amplamente admitido hoje, já que as línguas não são homogêneas nem uniformes sob o ponto de vista de seu uso. E as relações fala e escrita dizem respeito a questões de uso da língua. O interessante nesta perspectiva é que a variação se daria tanto na fala como na escrita, o que evitaria o equívoco de identificar a língua escrita com a padronização da língua, ou seja, impediria identificar a escrita como equivalente à língua padrão, como fazem os autores situados na perspectiva da dicotomia estrita. (MARCUSCHI, 2001, p.32) A quarta e a última perspectiva é a que trata das relações entre fala e escrita dentro da perspectiva dialógica sociointeracionista. Perspectiva sociointeracionista Fala e escrita apresentam dialogicidade usos estratégicos funções interacionais envolvimento negociação situacionalidade coerência dinamicidade e Marcuschi a caracteriza como visão 30 Segundo Marcuschi, este modelo tem a vantagem de perceber com maior clareza a língua como fenômeno interativo e dinâmico, voltado para as atividades dialógicas que marcam as características mais salientes da fala, tais como as estratégias de formulação em tempo real. De acordo com Marcuschi a visão sociointeracionista: Preocupa-se com os processos de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias linguísticas como dadas a priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em sociedade. Tem muita sensibilidade para fenômenos cognitivos e processos de textualização na oralidade e na escrita, que permitem a produção de coerência como atividade do leitor/ouvinte sobre o texto recebido. (MARCUSCHI, 2001, p. 34) Marcuschi demonstra que nessa visão a língua deve ser reconhecida como atividade discursiva inserida num contexto sócio-histórico que está relacionada diretamente aos fatos culturais. E, para que isso aconteça, é preciso inserir a prática de se trabalhar com os gêneros discursivos em sala de aula, pois eles refletem os discursos que circulam na vida social e cultural de uma sociedade. Nesse sentido, tanto a língua oral quanto a língua escrita estão inseridas em contextos sociais básicos da vida cotidiana como: O trabalho A escola O dia-a-dia A família A vida burocrática A atividade intelectual Sobre essa questão de relação entre oralidade e escrita, os PCNs do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental de Língua Portuguesa, afirmam: Linguagem aqui se entende, no fundamental, como ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos de sua história. Os homens e as mulheres interagem pela linguagem tanto numa conversa informal, entre 31 amigos, ou na redação de uma carta pessoal, quanto na produção de uma crônica, uma novela, um poema, um relatório profissional. (BRASIL, 1998, p. 20 – grifos nossos) Nesse trecho fica bem clara a ideia de linguagem, como fenômeno social e prática cultural. Os PCNs confirmam que o professor de Língua Portuguesa precisa ter esse entendimento de linguagem para trabalhar em sala de aula essa perspectiva. Além disso, eles apontam para o trabalho com os gêneros textuais, por exemplo, e o seu desenvolvimento em sala de aula como o lócus onde se dá a interlocução. É importante que se contemplem as duas modalidades da língua fala/escrita em sala de aula, para que se desmistifique essa ideia de inferioridade ou superioridade, e para que o aluno entenda como se dá o uso de cada uma delas e sua adequação em sala de aula. As diferenças entre esses dois usos da língua “não são polares e sim graduais e contínuas. São duas alternativas de atualização da língua nas atividades sócio-interativas diárias” (MARCUSCHI, 2001, p. 46). E essa ideia de duas modalidades da língua e seus usos, está bem destacada nos PCNs, pois segundo eles: No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa – dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada da linguagem. (PCNs, 1998, p. 31) Então, nesse sentido, a escola deve apresentar ao aluno a língua com suas modalidades de uso e a relevância de cada uma nas necessidades práticas de sua vida diária, pois a língua é uma manifestação múltipla e dinâmica, derivada das práticas sociais e históricas que estão submetidas às condições de produção. Uma passagem, nos nossos dados de registro de sala de aula, pode dar uma ideia de como se tem trabalhado a relação entre oralidade e escrita nas escolas. É o que se passa a apresentar agora. Em estudo sobre a relação entre oralidade/escrita, seus usos e relevância, a professora PE2 (1/12/2009), do 7º ano, traz para sala de aula a Literatura de Cordel 32 como conteúdo da aula, pois trabalhará o uso da oralidade pelos repentistas e seus registros por meio da escrita. Ao entrar na sala de aula, os alunos se depararam com os seguintes dizeres no quadro: Literatura Popular Literatura popular Como o Cordel é divulgado? O Cordel chegou ao Brasil trazido pelos portugueses. Política Guerras Religião Festas Secas Enchentes Tudo é tema Para a Literatura Popular Além da formatação de seu texto no quadro, dando ênfase à Literatura de Cordel, a professora arrumou a sala de aula com um cordão esticado e os livros de cordel aí pendurados com prendedor de roupa. Os livretos tinham vários formatos e várias cores, alguns eram novos e outros bem antigos. Ela explicou que esses livrinhos eram vendidos, normalmente, em feiras livres por preços populares e muitas vezes os autores estavam presentes e cantavam seus textos para que todos ouvissem e eles eram chamados de repentistas. Os títulos de alguns livros eram: - A história de Helena e Valdemar - Cordel do Mensalão - ABC da Geografia - O homem que virou mulher - A volta de Lampeão - As palhaçadas de João Errado A seguir, ela apresentou um outro livro à turma e começou o seguinte diálogo: Professora – Eu trouxe para vocês verem este livro aqui. Como vocês 33 podem notar, ele é grande, colorido, tem capa dura e suas páginas são coloridas e brilhantes. Este livro é vendido nas melhores livrarias do Brasil e custa caro. O título do livro é A PELEJA DO VIOLEIRO MAGRILIM COM A FORMOSA PRINCESA JEZEBEL, de Fábio Sombra. Eu vou ler para vocês, mas preciso de duas pessoas para ajudar na leitura. Sandra e Soraia vocês podem me ajudar? Sandra – Sim, pró. Soraia – Sim. Professora – Então eu vou ser a narradora, Sandra você vai ser o violeiro Magrilim e Soraia será a Formosa Jezebel. Venham para cá e vamos ler. E a professora passa a ler. A história é sobre um rei, chamado Percival que criava peixes carnívoros em seu palácio. Como a alimentação deles terminou e o rei não tinha mais como alimentá-los, ele teve a seguinte ideia: quem conseguisse ganhar a princesa no duelo de violas iria se casar com ela e quem perdesse serviria de alimento para os peixes. Todos os que já tinham ido pelejar perderam até que apareceu Magrilim que corajosamente enfrentou a princesa e acabou ganhando o duelo e o seu coração. Após a leitura, a professora perguntou aos alunos se tinham gostado da história e eles disseram que sim. Ela continuou: Vocês perceberam que o livro de Fábio Sombra é também um cordel? No entanto, ele não tem o formato desses outros livretos. Neste livro o autor resgata os repentistas que faziam suas histórias em lugares bem populares, como nas feiras livres. Nem sempre os repentistas escrevem seus textos, aliás, na maioria das vezes eles apenas cantam. Todos eles declamam seus versos acompanhados por uma viola ou um violão. Se ele não souber tocar o instrumento, ele tem sempre alguém que o acompanha, mas ele conta a história sempre cantando, por isso são chamados de repentistas. Os temas que eles abordam em seus textos, na maioria das vezes tem a ver com o povo e coloquei aqui no quadro para vocês conhecerem: política, guerras, religião, festas, secas, enchentes e outras coisas mais. E é isso que é Literatura de Cordel. Vocês viram que nessa Literatura predomina a oralidade, a linguagem oral. (PE2, 1/12/2009) Ela retirou os Cordéis que estavam pendurados e os distribuiu para a turma se familiarizar com esse tipo de texto e informou que na aula seguinte haveria uma avaliação: a produção de um texto de cordel.Os alunos ficaram envolvidos com os 34 livrinhos, leram os textos e, conforme terminavam, trocavam os livrinhos uns com os outros. A aula terminou e os alunos saíram bem alegres da sala. Pelo que se pode observar, a professora PE2 traz para sua aula as duas modalidades do uso da língua: a oralidade através da história dos repentistas, seu modo de fazer narrativas e o texto escrito por meio dos livros que ela apresenta aos alunos. Aparentemente, não há nenhuma intenção da professora em mostrar essas modalidades como práticas de uso da língua, mas mesmo não sendo intencional, ela passa para os alunos a ideia de que existe uma Literatura que, na maioria das vezes, só pode ser realizada por meio da oralidade e sua produção pode ser registrada através da escrita. Logo, fica evidenciado que em sua aula a turma tomou conhecimento de que se faz literatura com a escrita e também com a oralidade. Nesse sentido, o aluno é levado a compreender que no caso da Literatura de Cordel a língua oral tem uma função muito específica: o repentista canta seu texto. Assim, o conhecimento das modalidades do uso da língua é apresentado aos alunos de maneira muito natural a partir da apresentação do texto de Fábio Sombra. Percebe-se que a professora PE2 traz para a sala de aula uma perspectiva nos moldes Marcuschianos denominada sócio-interacionista que trabalha a situacionalidade, os usos estratégicos, a dialogicidade entre outros traços, presentes nesta relação fala e escrita. Nesse exemplo da professora PE2, fica claro como se dá o acontecimento do uso da língua e a depender da situação, da circunstância, a oralidade ou a escrita terá uma ênfase maior. Foi trazido para a escola o estudo da fala, da oralidade, ao lado do estudo da escrita, já que a ideia que se tem é de que o aluno precisa aprender a escrever, mas também conhecer os vários usos da oralidade, incluindo aí a literatura oral. Percebe-se também na atividade proposta, além do estudo da relação entre modalidade escrita e falada da língua, a abordagem ao gênero textual, aqui cumprido pelo estudo do Cordel, um gênero da cultura popular no Brasil. 1.3 CONCEITO DE TEXTO Segundo Orlandi (2005, p.10), “o texto é a manifestação material concreta do discurso”. Essa manifestação se dá a partir de um processo em que o sujeito e o sentido se constituem no encontro com a materialidade da língua com a materialidade da história, pois segundo a autora, “é aí que há um confronto do simbólico com o político” (ORLANDI, 2005, p.9). 35 E é justamente na materialidade histórica da linguagem que o texto, referindo-se à discursividade, “é o vestígio mais importante dessa materialidade, funcionando como unidade de análise. Unidade que se estabelece, pela historicidade, como unidade de sentido em relação à situação” (ORLANDI, 2007, p.68). Segundo Orlandi (ibidem), o texto não pode ser definido pela sua extensão, pois ele pode ser desde uma só palavra até muitas frases, enunciado, páginas e até livro, como por exemplo, um romance. No entanto, o texto existe pelo fato de se referir à discursividade, ao discurso, definido como “efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2007, p.70): Todo texto é heterogêneo (E.Orlandi, 1987) do ponto de vista de sua constituição discursiva: ele é atravessado por diferentes formações discursivas, ele é afetado por diferentes posições do sujeito, em sua relação desigual e contraditória com os sentidos, com o político, com a ideologia. (ORLANDI, 2005, p.115) Sendo assim, o texto não pode ser reconhecido apenas com suas marcas linguísticas, mas como “fato” discursivo, processo discursivo, pois os enunciados fazem parte de uma memória, de uma formação discursiva. Baseado nessa abordagem, pode-se dizer que, em relação ao texto, os sentidos não estão prontos, formatados, esperando ser incorporados num leitor passivo, mas, ao contrário, estão sendo construídos através da interação leitor-texto-autor. Bakhtin explica isso muito bem: É esta a concepção sócio-cognitivo-interacional de língua que privilegia os sujeitos e seus conhecimentos em processos de interação. O lugar mesmo de interação é o texto, cujo sentido “não está lá”, mas é construído, considerando-se, para tanto, as “sinalizações” ou pistas textuais fornecidas pelo autor e os conhecimentos do leitor que, durante todo o processo de leitura, deve assumir uma atitude “responsiva ativa”. Em outras palavras, espera-se que o leitor concorde ou não com as ideias do autor, complete-as, adapte-as, etc., uma vez que “toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente, a produz. (BAKHTIN, 1992, p. 290) E é justamente baseado nessa ideia de Bakhtin, na Análise do Discurso e na Linguística Textual que houve uma “virada discursiva ou enunciativa no que diz respeito ao enfoque dos textos e de seus usos em sala de aula” (ROJO e CORDEIRO, 2010, p. 10). Segundo as autoras, essa virada passou a ecoar com mais força nos 36 programas e propostas curriculares oficiais brasileiros a partir de 1997/1998, com a incorporação de seus ensinamentos nos PCNs de Língua Portuguesa. Segundo os PCNs (1998, p. 51-52), o ensino de Língua Portuguesa, em relação ao texto, tanto oral quanto escrito, deverá levar o aluno a: Considerar os papeis assumidos pelos participantes, ajustando o texto à variedade linguística adequada; Saber utilizar e valorizar o repertório linguístico de sua comunidade na produção de textos; Redigir diferentes tipos de textos, estruturando-os de maneira a garantir: - a relevância das partes e dos tópicos em relação ao tema e propósitos do texto; - a continuidade temática; - a explicitação de informações contextuais ou de premissas indispensáveis à interpretação; - a explicitação de relações entre expressões mediante recursos linguísticos apropriados (retomadas, anáforas, conectivos), que possibilitem a recuperação da referência por parte do destinatário; Realizar escolhas de elementos lexicais, sintáticos, figurativos e ilustrativos, ajustando-as às circunstâncias, formalidade e propósitos na interação; Utilizar com propriedade e desenvoltura os padrões da escrita em função das exigências do gênero e das condições de produção; Assim, nesses objetivos, novas ideias foram incorporadas tomando a língua como sistema de signos históricos e social, fazendo com que o estudo da linguagem fosse atrelado a um trabalho reflexivo em situações de produção e de compreensão da própria linguagem. O que se destaca nesses objetivos é o reconhecimento do texto como objeto de reflexão e estudo da linguagem, e esta é vista como um trabalho contínuo o qual não se pode desvincular das atividades que circunda cada indivíduo, pois o aluno ao chegar à escola já possui toda uma prática com a linguagem que não pode ser negado. Geraldi (1993) considera a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo processo de ensino/aprendizagem da língua, pois é no texto que “a língua se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões” (GERALDI, 1993, p.135). Além disso, Geraldi (ibidem) coloca que para se 37 produzir um texto deve-se ter: o que dizer; uma razão para dizer; a quem dizer. Nesse sentido, fica claro que ao se produzir um texto em sala de aula, espera-se que o aluno se torne sujeito de seu discurso, um agente cuja voz será ecoada em seu texto que é a materialização de seu discurso. No entanto, nem sempre isso acontece. Percebe-se que há professores de Língua Portuguesa ainda preocupados com a estrutura formal e textual e com as técnicas para escrever. Sendo assim, analisam os textos dos alunos observando apenas se eles atendem a esses aspectos referidos. . Ainda, segundo Geraldi (2010, p.115), “um texto não é produto de aplicação de regras e nem mesmo das regularidades genéricas: é produto de elaboração própria que encontra nos outros textos apenas modelos ou indicações”. Logo, quando se pede ao aluno para produzir um texto em sala de aula, o professor precisa reconhecer que o aluno é possuidor de uma linguagem que é social e ao usá-la ele passa a vivenciar o processo da interação verbal e, nesse sentido, seu texto passa a ter uma função social. Mas é preciso que o professor dê condições para o aluno produzir seu texto, pois a produção não acontece aleatoriamente. Geraldi afirma que: Nenhuma dúvida de que toda a produção exige o manuseio de instrumentos de produção. É necessário mobilizar recursos linguísticos para enfrentar um tema, definir um projeto de dizer no interior deste tema, selecionar um gênero discursivo e transacionar com o estilo próprio do gênero, o estilo próprio do autor e o estilo suposto adequado para os interlocutores. (GERALDI, 2010, p. 167) Portanto, ao se trabalhar com texto em sala de aula, o professor deve levar o aluno a reconhecer os gêneros discursivos como recursos de usos da língua, o texto como materialização de seu discurso e a interlocução que demonstra que a linguagem é social e, por isso, o texto também possui um papel social. 1.3.1 Gêneros e tipos textuais Em relação à questão dos gêneros, Bakhtin (1997) ensina que são muitos os gêneros e que eles estão atrelados às várias esferas de atividades humanas, onde nascem: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa 38 atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se á medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 279) Nesse sentido, os gêneros do discurso são tão variados quanto as atividades e esferas de atividades dos homens em sua trajetória de civilização. Portanto, pelo fato mesmo de serem numerosos e inerentes às atividades humanas, as atividades de sala não podem estar restritas ao estudo tão somente de alguns poucos modelos que geralmente são hoje contemplados em salas de aula. Faraco e Castro (2000) afirmam que as ideias de Bakhtin sobre o gênero discursivo devem ser levadas em consideração quando se trabalha com texto em sala de aula. Eles criticam os livros didáticos que ainda são produzidos no país porque são extremamente pobres em termos da variedade de textos que apresentam, pois [...] pode-se afirmar com segurança que eles não estimulam o aprendizado dos diferentes gêneros discursivos – texto informativo (nas suas mais variadas formas), resenhas (sobre diferentes objetos e estilos), resumos, textos dissertativos, propaganda, manuais de instrução, entrevistas etc. – porque se concentram demasiadamente nos gêneros literários (poesia e crônicas, geralmente), que não deixam de ser igualmente importantes quando aparecem de maneira não exclusiva. Isso tudo limita a interação do aluno com as diferentes formas de comunicação, prejudicando o seu aprendizado. (FARACO e CASTRO, 2000, p.8) Bakhtin (1997) afirma também que pelo fato de os gêneros discursivos serem heterogêneos, o que importa não é definir o “caráter genérico do enunciado”, mas, sim, a diferença essencial que existe entre eles, o gênero primário e o gênero secundário. Fiorin (2008, p. 70) retomando Bakhtin (1997), explica a distinção primordial entre os gêneros conforme entendimento do pensador russo: - Os gêneros primários são os gêneros da vida cotidiana. São predominantemente, mas não exclusivamente, orais. Pertencem à comunicação verbal espontânea e têm relação direta com o contexto mais imediato. São, por exemplo, a piada, o bate-papo, a conversa telefônica... E o e-mail, o bilhete, o chat... - Os gêneros secundários pertencem à esfera da comunicação cultural mais elaborada, a jornalística, a jurídica, a religiosa, a política, a filosófica, a pedagógica, a artística, a científica. São preponderantemente, mas não unicamente, escritos: por exemplo, o sermão, o editorial, o romance, a poesia lírica, o discurso parlamentar, a 39 comunicação científica, o artigo científico, o ensaio filosófico, a autobiografia, as memórias. Bakhtin (1997) ainda ressalta que durante a sua formação, os gêneros secundários absorvem e transmutam os primários que adquirem uma característica particular. Por exemplo, quando a réplica do diálogo cotidiano se insere num romance, ele deixa de ser um gênero primário e passa a integrar o conteúdo do gênero secundário, “pois perdem sua relação com o contexto imediato e sua vinculação com os enunciados concretos dos outros” (FIORIN, 2008, 70). Para Bakhtin, é importante conhecer essa inter-relação entre os gêneros e o processo histórico de formação dos gêneros para se compreender a natureza do enunciado, pois: Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e a abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. (BAKHTIN, 1997, p.282) Nessa fala, Bakhtin demonstra que o enunciado está diretamente ligado aos gêneros e estes não podem se dissociar da língua, a qual reflete a “necessidade do homem se expressar, se exteriorizar”. Marcuschi (2007) afirma que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social e, sendo assim, estão inseridos no diaa-dia e, por isso, “são entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa” (MARCUSCHI, 2001, p.19). De acordo com o autor, quanto ao número de gêneros, ele explica que numa primeira fase, quando os povos tinham uma cultura essencialmente oral, desenvolveram um conjunto limitado de gêneros. A segunda fase aconteceu a partir da invenção da escrita alfabética, que ocorreu por volta do século VII a.C., quando o número de gêneros se multiplicou, pois apareceram os típicos da escrita. Já na terceira fase houve uma ampliação considerada e ela iniciou-se a partir do século XV quando se deu o florescimento da cultura impressa e, logo depois, no século XVIII com a industrialização. E, em relação aos gêneros atualmente, Marcuschi diz o seguinte: Hoje, em plena fase da denominada cultura eletrônica, com o telefone, o gravador, o rádio, a TV e, particularmente o computador pessoal e sua aplicação mais notável, a Internet, presenciamos uma explosão de novos 40 gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita.(MARCUSCHI, 2007, p.19) No entanto, de acordo com Marcuschi (ibidem), não são propriamente as tecnologias per se que originaram os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Ele ainda afirma que pelo fato de o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, “acabam propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos como: editoriais, artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails), bate-papos virtuais (chats) etc.” (MARCUSCHI, 2007, p.20), Os gêneros, por serem fenômenos sócio-históricos, não possuem um número determinado e, segundo Marcuschi (ibidem), existem estudos feitos por linguistas alemães que chegaram a nomear mais de 4.000 gêneros. Marcuschi (2007, p. 22-23), critica também os livros didáticos, pois empregam equivocadamente as terminologias tipo e gênero textual. Segundo ele: a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Portanto, de acordo com Marcuschi, a tipologia é limitada e está atrelada à natureza linguística, sendo assim, não permite contemplar as inúmeras possibilidades dos gêneros. A narração, a descrição e a dissertação referem-se a tipos e não a gêneros, no entanto, se alguém escreve uma carta, que é um gênero, pode narrar um acontecimento, descrever uma situação e argumentar uma questão. E é por isso que 41 Marcuschi afirma que no gênero textual se realiza o tipo textual e, às vezes, pode ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos textuais. E, nesse caso, é a coesão que constrói essas sequências tipológicas que faz com que o gênero sirva de “armadura comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas que podem ser bastante heterogêneas, mas relacionadas entre si” (MARCUSCHI, 2007, p. 27). Além disso, o autor também demonstra que um texto quando tem aspecto de um gênero, mas está formatado em outro (como, por exemplo, um artigo de opinião formatado numa estrutura de poema), “isso configura uma estrutura inter-gêneros de natureza altamente híbrida e uma relação intertextual” (MARCUSCHI, 2007, p.31). A questão da intertextualidade intergêneros e a heterogeneidade tipológica do gênero, Marcuschi (2007, p. 31) resume da seguinte forma: (1) intertextualidade intergêneros = um gênero com a função de outro; (2) heterogeneidade tipológica = um gênero com a presença de vários tipos Veja-se agora a descrição de uma bem sucedida atividade de trabalho com gênero e texto que se registramos em uma sala de aula visitada. Em relação a essa questão, a professora PE2 (6/11/1009), do 7º ano, realizou um trabalho com seus alunos que demonstra como se dá essa “intertextualidade intergêneros”. Ela selecionou algumas cartas de leitores do jornal Correio da Bahia, leu-as para os seus alunos e mostrou como esses leitores colocavam sua opinião em relação a uma determinada matéria do jornal. A seguir, a professora exibiu, em DVD, o desenho animado “A fábula da cigarra” para a turma assistir e logo após fez algumas perguntas sobre ele: Professora – Onde se passa essa história e em que tempo? A Turma – Na floresta, no verão e no inverno. Professora – Como se resume a fábula? Já que a turma não quer falar, podemos dizer que a mensagem diz que a vida não é só de trabalho e não é só divertimento. Agora, eu vou ler um texto de Monteiro Lobato em que ele reescreve essa fábula. O título é A cigarra e as formigas – a formiga má. Após a leitura, a professora continua o diálogo: Professora – Vocês estão percebendo que a formiga de Monteiro Lobato tem outra postura em relação à cigarra? Qual das formigas vocês gostaram mais? A do desenho ou a de Monteiro 42 Lobato? – Gostei mais da formiga de Monteiro Lobato porque é diferente de todas as outras histórias. Carol – É mais interessante a de Monteiro Lobato. Professora – Por que é mais interessante? Carol – Porque sim. Professora – Vocês perceberam que a Formiga de Monteiro Lobato mostrou inveja e raiva? Por que a Cigarra morreu? Foi por causa dela mesma ou por causa da Formiga? A Turma – Foi por causa dela e da Formiga. André Professora – Qual delas oferece um aprendizado? A Turma – A do desenho animado. Professora – Vocês perceberam que Monteiro Lobato chama mais atenção para a inveja e a raiva?Agora vocês terão que produzir um texto dando a sua opinião sobre as versões da fábula. Esse texto será escrito no gênero carta do leitor, vocês podem fazer o rascunho no caderno e escrever o texto original na folha de redação. Percebe-se que a professora PE2 procura trabalhar o texto a partir de gêneros textuais; esse modo de trabalhar o texto de alguma maneira se relaciona ao modo como Marcuschi trata a questão do gênero. Segundo este autor o texto é “uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual” (MARCUSCHI, 2007, p.24). Nessa perspectiva, ela traz para sala de aula o modelo do gênero carta do leitor e o texto narrativo e, analisando os dois textos, propõe à turma a escrita de uma carta de leitor contendo sua opinião sobre as versões das fábulas. Essa atitude demonstra que a professora trabalha com a ideia de que os gêneros possibilitam aproximar o aluno daquilo que se produz fora da sala de aula e, nesse sentido, coloca de lado uma prática artificial de escrita que resulta em produções textuais descontextualizadas e que só servem para serem corrigidas e avaliadas. Além disso, a escrita do texto não é concebida como inspiração, mas como um processo que requer planejamento, escolhas, (re)escrituras e isso significa permitir ao aluno mais autonomia com a língua, e nesse sentido se alinhando mais ao pensamento de Bakhtin (1997), para quem o domínio dos gêneros leva a um uso mais autônomo da linguagem e permite uma maior manifestação da individualidade. Este entendimento faz perceber que neste caso o aluno estará envolvido em situações onde a língua estará sendo usada de maneira contextualizada e, por esse motivo, ele terá maior facilidade em produzir seu texto. 43 Além da diferenciação entre tipo e gênero, Marcuschi (2007) afirma que a expressão domínio discursivo designa uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana. No entanto, ele não o considera nem texto, nem discurso, apesar de propiciar o surgimento de discursos específicos. Para ele, o discurso jurídico, o discurso jornalístico, o discurso religioso etc., “constituem práticas discursivas nas quais podem encontrar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas” (MARCUSCHI, 2007, p.24). Ele exemplifica com as jaculatórias, novenas e ladainhas que são gêneros exclusivos do domínio religioso e não aparecem em outros domínios. Marcuschi (ibidem), ao citar Miller (1984) que considera o gênero como “ação social”, enfatiza que essa noção vai ser essencial na designação de muitos gêneros que são definidos basicamente por seus propósitos – funções, intenções e interesses – e não por suas formas; no entanto, “isto não significa eliminar o alto poder organizador das formas composicionais dos gêneros” (MARCUSCHI, 2007, p. 32). E ele cita as três características dos gêneros trazidas por Bakhtin (1997), são elas: composição, estilo e conteúdo. Então, Marcuschi cria uma definição de gênero textual em que “predominam os critérios de ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam” (MARCUSCHI, 2007, p. 25). Os gêneros estão sempre ligados às situações sociais e é por isso que não são estagnados, pois são produzidos nas atividades humanas que estão num processo evolutivo enquanto atividades sócio-discursivas, numa relação sócio-histórica e que, segundo Marcuschi (2007, p.30), “não são entidades naturais como as borboletas, as pedras, os rios e as estrelas, mas são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano.” Os PCNs (1998) mostram os gêneros como instrumentos que podem ajudar o ensino de leitura e de produção de textos escritos e, também orais. A seguir, alguns trechos que confirmam isso: Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção 44 de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (BRASIL, 1998, p. 23) (...) nas inúmeras situações sociais de exercício da cidadania que se colocam fora dos muros da escola – a busca de serviços, as tarefas profissionais, os encontros institucionalizados, a defesa de seus direitos e opiniões – os alunos serão avaliados (em outros termos, aceitos ou discriminados) à medida que forem capazes de responder a diferentes exigências de fala e de adequação às características próprias de diferentes gêneros do oral (...). A aprendizagem de procedimentos apropriados de fala e escuta, em contextos públicos, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa de promovê-la. (BRASIL, 1998, p.25) Ainda que a unidade de trabalho seja o texto, é necessário que se possa dispor tanto de um a descrição dos elementos regulares e constitutivos do gênero, quanto das particularidades do texto selecionado. (BRASIL, 1998, p.48) Pelo que se pode observar, a teoria de Bakhtin sobre a língua, enquanto organismo concreto, vivo, e sobre o texto e o gênero do discurso constitui-se em um dos fundamentos dos PCNs (BRASIL, 1998, p. 23), nos quais se pode ler que: 1. O texto possui uma organização temática, uma composição e um estilo; 2. Os enunciados circulam nas inúmeras situações sociais e a interação verbal produz a dialogicidade; 3. O texto é constitutivo do gênero. Os PCNs (1998) enumeram os gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral e escrita nos 3º e 4º ciclos. O quadro abaixo, retirado dos PCNs (1998, p. 57), apresenta os gêneros para o ensino nestes ciclos: 45 Quadro 1. Fonte: Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Ao se trabalhar a escrita escolar, é preciso destacar o papel que os gêneros têm nesse processo, pois suas diferentes formas possibilitam transitar com mais flexibilidade nas situações de comunicação. Segundo Faraco e Castro (2000, p.8), “o professor deve mostrar o papel desses gêneros no processo social de interação verbal, como forma de garantir a competência e a adequação discursiva do aluno para as mais variadas situações de interação socioverbal a que ele poderá ser exposto” não só nos limites escolares, mas fora dela também. 1.4 A ESCOLA E A PRÁTICA DA ESCRITA Segundo Passarelli, normalmente os objetivos voltados para a obtenção de um texto “bem escrito” pelo aluno são as habilidades puramente gráficas, gramaticais, de vocabulário, e “concebe-se que as estratégias se voltam à classificação e quantificação 46 dos erros” (PASSARELLI, 2004, p.20). E, a partir dessa ideia, a autora traz dois aspectos que predominam na prática dos professores de Língua Portuguesa quanto à produção de texto escrito pelo aluno e sua avaliação: Caracterizar as dificuldades gramaticais mais evidentes do estudante; Oferecer orientações ao estudante para que ele supere essas dificuldades. Outra prática que predomina em sala de aula ao se produzir um texto escrito é direcionar a tarefa para a produção dos três tipos clássicos: a descrição, a narração e a dissertação. Além disso, há a predominância de um ou outro desses textos em determinado nível escolar. Por exemplo, a descrição e a narração predominam no 6º e 7º ano e a dissertação no 8º e 9º ano. Isso quer dizer que há uma “tríade básica” que restringe o estudo e a produção do texto escrito a modelos que normalmente trazem textos de escritores consagrados muitas vezes distanciados da realidade do aluno. Além disso, os professores pedem para redigir textos baseados em modelos prontos que não estão voltados às necessidades do aluno, pois não possuem conexão com a experiência que o aluno já traz para sala de aula. Para Passarelli: O modelo literário pode estimular, mas também provocar bloqueios se a prática escolar se ativer à imitação dos autores consagrados: diante de exemplos perfeitos, o estudante se sentiria intimidado; o professor duvidaria de sua experiência, pois seus alunos não estariam, reproduzindo exatamente como ele ensinou. (Podemos nos perguntar: o objetivo do professor de língua é formar literatos?). (PASSARELLI, 2004, p.23) Observa-se que esse tipo de prática nem sempre dá condições ao aluno de desenvolver uma produção de escrita que esteja ao seu alcance, ou seja, que faça parte de sua vivência social, de sua realidade, de sua história. No entanto, para o professor, o fato de apresentar o modelo literário traz a ideia de que se o aluno tiver uma prática de leitura desse texto – que não é qualquer leitura – ele automaticamente conseguirá articular e dominar bem a estrutura da linguagem escrita e, consequentemente, saberá redigir um bom texto. Entretanto, há outros fatores aí envolvidos. Segundo Orlandi (1988, p.9), “a leitura é uma questão de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade”. Logo, a historicidade é um aspecto importante que não se pode deixar de lado quando se fala em leitura, pois “como todo leitor tem sua história de leitura, ele 47 tem uma visão determinada a respeito de um texto, protagonista que é de sua história” (PASSARELLI, 2004, p.24). Nesse sentido, a escrita precisa também estar conectada à historicidade do aluno e não ser apenas uma atividade “oficial” em que o professor busca soluções metodológicas para reduzir as dificuldades dos alunos em relação à estrutura gramatical e estilística do texto escrito, posto que essas dificuldades são reais. Além disso praticamente todos os alunos afirmam que não gostam de escrever. E porque eles não gostam de escrever? Para Passarelli: Um dos motivos dessa resistência é que, em geral, os temas propostos para as redações são distantes da realidade dos alunos. Quer se trate de crianças ou adultos, deve-se considerar que os indivíduos têm um passado repleto de recordações, conjeturas, amores e desamores. Ao serem (re)iniciados no ensino do texto escrito, esses indivíduos não se descartam de suas ideias, pensamentos ou sentimentos. Assim, é desejável que se instaure um espaço interativo em que o professor ouça seus alunos e os ajude a aprender a ouvir, levando em conta o conhecimento prévio deles. (PASSARELLI, 2004, p. 28) De acordo com Passarelli, todo aluno tem experiência para relatar e, sendo assim, caberá ao professor reconhecer essa realidade e tentar fazer com que o aluno transponha para o papel suas experiências. Então, a escrita deixará de ser algo tão distante do aluno, como por exemplo, escrever sobre “Meu brinquedo predileto” para crianças que nem brinquedos têm; ou “O Brasil do século XIX” para o adolescente que está tão envolvido com a atualidade. Como já foi dito acima, a língua é um objeto social e a escola precisa reconhecer o “significado funcional do uso da escrita (...)” (PASSARELLI, 2004, p.35) para que o aluno se envolva no processo de escrita e saiba que a língua escrita possui várias funções sociais. Passarelli (2004, p.36-37) destaca duas funções predominantes: a comunicativa e a informativa e acrescenta que elas se compõem em dois grandes blocos: 1– Função “utilitária”, que diz respeito aos textos redigidos na escola, tais como, resumos, relatórios, anotações da lousa, provas, exercícios etc., e aos textos que remetem aos usos sociais da escrita; 2 – Função “desinteressada”, ou sem interesse pragmático, que se refere àquilo que os indivíduos escrevem mais por prazer do que por contingência, e aos textos criativos propriamente ditos (produzidos ou não na escola). 48 E a partir desses blocos a autora desenvolve um quadro com produtos escritos da nossa cultura e os objetivos correspondentes a cada um desses objetos escritos: Quadro II Fonte: PASSARELLI, 2004, p. 37-38 49 Como se pode observar, esse quadro deixa claro a relevância da escrita no dia-adia de cada pessoa. A escola deve levar o aluno a ver a escrita além de um mero exercício escolar. Ou seja, o aluno precisa saber que a língua, na modalidade escrita, está além da fronteira escolar, pois seu acontecimento é um “fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações” (BAKHTIN, 2006, p.127). O aluno deve aprender a usar a língua escrita para “comunicar, expressar pensamentos, e, sobretudo, para realizar ações com o outro, sobre o outro” (PASSARELLI, 2004, p.79). Outra questão tratada por Passarelli na abordagem à produção de texto escrito em sala de aula é a sua prática. Ou seja, qual é o tempo destinado a escrita em sala de aula? O aluno tem uma prática constante de escrita no decorrer do ano letivo? É dada a ele condições para revisar seu texto e refazê-lo? Afinal, como é que se aprende a escrever? Segundo Passarelli: Para escrever, é preciso dar-se conta de que somente com muito empenho e reflexão,elaborando texto(s) provisório(s), revisando, revisando, e revisando, trocando ideias, buscando mais informações, conversando com outras pessoas e, às vezes, reescrevendo tudo de novo é que os escritores conseguem escrever o que pretendiam dizer. E, nem sempre ficam satisfeitos. (PASSARELLI, 2004, p.81) Passarelli deixa claro que só com a prática constante de escrever e revisar o texto, ou reescrevê-lo, é possível alcançar o texto pretendido, pois o ato de escrever é contínuo e requer que o escritor, principalmente o iniciante, que na sala de aula é o aluno, pratique ininterruptamente para se familiarizar com essa ação. Os PCNs (BRASIL,1998, p. 51) enfatizam que no processo de produção de textos escritos, espera-se que o aluno: Analise e revise o próprio texto em função dos objetivos estabelecidos, da intenção comunicativa e do leitor a que se destina, redigindo tantas quantas forem as versões necessárias para considerar o texto produzido bem escrito. (BRASIL, 1998, p. 51 – grifo nosso) Sírio Possenti (2005, p.1), afirma que uma das principais finalidades da escola é criar condições para que os alunos aprendam a escrever adequadamente e para que isso aconteça não há soluções mágicas, mas “práticas de escrita tais como elas se 50 desenvolvem na sociedade”. E, para que isso aconteça, há dois traços básicos que ele caracteriza: Um texto tem que ser correto Um texto tem que ser bem escrito Em relação a ser correto, o autor afirma que uma das finalidades da escola é fazer com que o aluno aprenda a escrever corretamente segundo as regras ou normas da época. E, quanto a serem bem escritos, ele argumenta que, atualmente, em decorrência da grande variedade dos gêneros textuais associada à diversidade de natureza estética, ficou mais difícil estabelecer o que é ser bem escrito. Para ele, escrever bem é escrever segundo uma certa tradição culta, mas isso não significa que seja conservadora. Ele explica que “não parece adequado “ensinar” a escrever tendo como modelos, por exemplo, poemas concretos ou diálogos de chats” (POSSENTI, 2005, p.2). Segundo Possenti (2005, p.3), a produção de escrita não está relacionada à inventividade, inspiração, criatividade ou técnicas. Para ele, dominar a escrita está diretamente ligado a uma prática em dois sentidos: I. o domínio da escrita é “facilitado” se a escrita escolar levar em conta o funcionamento da escrita na sociedade, ou seja, se forem consideradas na prática escolar certas características que a escrita tem na sua prática social; II. o domínio da escrita depende de que ela seja praticada, isto é, de que os estudantes escrevam regularmente, na escola e fora dela (não há receitais milagrosas). Ou seja, a escrita não é uma forma de testar conhecimentos pontuais de língua ou grafia, mas uma prática que inclui seguir regras. O autor destaca ainda que há dois procedimentos que normalmente o autor de um livro vivencia: 1) 2) Um autor escreve um texto (ou porque “quer” ou porque recebe uma encomenda, por exemplo); esse processo é, evidentemente, bastante complexo, como se sabe: um escritor deve pesquisar, viajar, tomar notas, observar um projeto, escolher um lugar adequado para seu trabalho; Depois que o autor o entrega ao editor, o texto costuma ser modificado: é alterado mais ou menos profundamente conforme a época ou conforme o que o contrato prevê, mas dificilmente – de fato, nunca – o texto entregue é publicado na versão “original” (a última versão do autor). (POSSENTI, 2005, P.4) 51 E é pensando nesses procedimentos que Possenti (ibidem) vai dizer que a escola deveria levar essas práticas para sala de aula, pois elas fazem sentido. Ou seja, é preciso dar oportunidade para o aluno reescrever seu texto, discutir, analisar, apropriar-se de suas ideias e tentar escrever até alcançar o nível que se possa dizer que é um bom texto, escrito segundo os parâmetros exigidos pela escola. Segundo Possenti (2005, p.4), há numerosos fatores que interferem no processo da escrita escolar e ele enumera dois que devem ser levados em conta seriamente: a) b) Que a “primeira” escrita decorra de um projeto ou de uma encomenda, e que seja fruto de uma pesquisa e que possa ser levado um certo tempo para elaborá-la. Que, depois da primeira versão (ou da versão entregue), o texto escrito seja objeto de revisão (ões) – de reescrita, de correção etc. Ou seja, ao se passar um texto escrito para ser produzido em sala de aula, devese discutir bem o assunto que será abordado no texto a fim de que o aluno se aproprie desses conhecimentos e, para que isso aconteça, ele deve pesquisar e trocar ideias com outras pessoas sobre aquele assunto. É difícil para o aluno ou outro escritor escrever sobre algo que desconhece e, normalmente, o professor acredita que o tema proposto por ele é de conhecimento geral da turma. Pode até ser, mas é interessante ouvir o que a turma tem a dizer sobre o tema e perceber os discursos a ele relacionados para depois pôr-se a escrever sobre ele. Essas dificuldades de escrita podem ser exemplificadas com a situação descrita acima, quando a professora PE3 pede para os alunos escreverem um texto de cordel e os alunos sentem muita dificuldade para fazê-lo. Naquele momento a professora pediu a seus alunos que fizessem não um texto explicando o que é cordel, mas um produto cultural de literatura popular a que se dá o nome de Cordel: os alunos deveriam escrever uma história de cordel, portanto colocar-se como cordelistas. Ela insiste para que escrevam, e dá como argumento o fato de que o assunto – a Literatura de Cordel – já fora trabalhado em sala de aula e só por isso, imagina a professora, eles têm condições de escrever. Mas, como já foi dito aqui, não há como trabalhar a língua se entendida apenas como mero meio de codificação ou decodificação; é preciso que a língua seja entendida como uma forma de ação, como lugar de interação que possibilite aos sujeitos produzirem seus sentidos através de seus enunciados. Isso não se consegue nos moldes praticados nessa situação descrita anteriormente. 52 Seguir as recomendações de Possenti (2005) em relação ao projeto da primeira escrita e à revisão do texto — além de dar oportunidade de discussão e conhecimento do tema — é um bom começo para que o aluno desenvolva a prática da escrita. Segundo Passarelli (2004, p.86), “essa tarefa pode ser relativamente facilitada, quando o professor oferece orientações precisas. A insegurança, decorrente de vagas suposições, pode gerar perda de tempo”. Segundo Geraldi (2010, p. 166), “escrever é um gesto próprio, que implica necessariamente os sujeitos do discurso”, logo, o aluno não pode ser considerado aquele que está sendo preparado para um dia estar apto a escrever um texto. O professor precisa saber que é possível fazer com que todos os alunos sejam bons escritores, enunciadores de seus discursos e ele, professor, um dos interlocutores desse processo. A interação verbal precisa ser concretizada na sala de aula e o reconhecimento de que todos os alunos são autores e leitores, demonstra a língua em pleno funcionamento através de leituras, de debates, de argumentações e até de silenciamentos. Uma outra propriedade da modalidade escrita da língua a ser considerada no momento da aprendizagem é a imagem que o locutor faz do interlocutor – pode-se dizer, no caso, o interlocutor-professor – que representa aquele que irá avaliar o texto e dirá se está certo ou errado, se está coerente e coeso ou não. Enfim, se é um bom texto ou não. Possenti (1981), ao estudar o problema de coesão textual, afirma que: Dependendo da imagem que o locutor faz do interlocutor no momento da produção do discurso, que ele utiliza um ou outro mecanismo coesivo [...]. Indiretamente, é a imagem do interlocutor que comanda a decisão. (POSSENTI, 1981, p.48) Logo, faz-se necessário saber que trabalhar com a linguagem requer reconhecêla como atividade discursiva. Os PCNs colocam isso de forma muito objetiva: Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução.Isso significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias – ainda que possam ser inconscientes -, mas decorrentes das condições em que o discurso é realizado. (BRASIL, 1998, p. 20-21) Portanto, ao se trabalhar a escrita em sala de aula, faz-se necessário compreender que o texto não é um acontecimento que segue apenas regras predeterminadas, mas um 53 acontecimento em que a linguagem está num processo de uso, em que o escritor, que é o aluno, estabelece uma comunicação com o leitor, nesse caso, normalmente, o professor. Logo, o professor passa a ser um co-enunciador e, por isso, deve criar condições para que essa produção se desenvolva através de uma conscientização de que a língua em funcionamento, segundo Geraldi (2010), acontece lendo textos, debatendo temas, esquematizando intervenções, fazendo anotações, revisando conceitos e concepções, pois tudo isso contribui para a elaboração de um texto escrito. Ainda, segundo os PCNs: Quando um sujeito interage verbalmente com outro, o discurso se organiza a partir das finalidades e intenções do locutor, dos conhecimentos que acredita que o interlocutor possua sobre o assunto, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatia e antipatias, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que têm, da posição social e hierárquica que ocupam. (BRASIL, 1998, p. 20-21) Para os PCNs, o professor de Língua Portuguesa, ao organizar sua aula, precisa ter clareza dos objetivos a serem alcançados pelo aluno no que se refere à produção de textos em sala de aula, já que a sua mediação, enquanto professor, é fundamental para esse acontecimento. 54 2 A ANÁLISE DO DISCURSO 2.1 ANÁLISE DO DISCURSO: ORIGEM E TRAJETÓRIA A Análise do Discurso, doravante AD, é uma teoria que surgiu na França, em fins dos anos de 1960 e, segundo Maldidier (2003, p. 22), seus fundadores foram Jean Dubois, linguista preocupado com os empreendimentos da Linguística de sua época, e Michel Pêcheux, filósofo envolvido com questões políticas e teóricas. Vários fatores contribuíram para o desenvolvimento da AD, mas os principais são encontrados nas condições sócio-históricas da época (“década da contestação”, pois os danos do capitalismo eram denunciados por todos) e nos intensos debates sobre marxismo, psicanálise e epistemologia que ocorriam em Paris, capital dos pensadores como Sartre, Althusser, Foucault, Pêcheux, Deleuze, Lacan, Lévi-Strauss, Barthes, Derrida, Bourdieu, Todorov, Benveniste e muitos outros. Entre Althusser, Pêcheux e Foucault, havia uma aproximação muito grande, relacionada às questões teóricas e políticas que giravam em torno do estruturalismo e do marxismo que, segundo Gregolin (2007, p.13) eram “duas grades de leitura sem as quais é impossível entender os caminhos percorridos pela análise do discurso francesa” e é justamente aí que nasce a AD. As questões abordadas por Saussure de que a língua é um sistema e uma organização social, em seu Curso de Linguística Geral, influenciarão Pêcheux na elaboração da teoria da Análise do Discurso. A Linguística se tornará um dos tripés da AD, pois Pêcheux estabelecerá um diálogo com Saussure no sentido de problematizar as questões levantadas em sua obra, em relação à língua e seu funcionamento. Essas questões nortearão Pêcheux que demonstrará que o funcionamento da língua se dá, também, em relação ao do sentido, da significação, das ideias e da ideologia presentes no texto. Gregolin (2003) afirma que Pêcheux foi apaixonado pela história da ciência e, por estar interessado em entender a história da ciência da linguagem, produziu uma série de textos nos quais traça o percurso das ideias saussureanas e recompõe a história das teorias linguísticas no século XX. Esses textos foram escritos entre os anos de 1970 e 1980 e eles ajudaram Pêcheux a construir sua teoria da Análise de Discurso. Entre eles está um que, segundo Gregolin, é muito significante, o título é Sobre a (des)construção das teorias linguística, escrito em 1982. Nesse texto, Pêcheux faz observações sobre as 55 “tendências à desconstrução das teorias, conforme a análise das alianças teóricas que se estabeleceram “com” e “contra Saussure”. (GREGOLIN, 2003, p. 101). Pêcheux (1982, p. 11) demonstra também nesse texto que no início dos anos 60, na França, a unidade acadêmica da Linguística pós-saussureana ia sofrer um grande impacto com o efeito de dois processos simultâneos que durou cerca de quinze anos: O desenvolvimento da hegemonia teórica da Gramática Gerativo- Transformacional (GGT), diante das posições institucionais adquiridas no período anterior pelas diferentes tendências funcionalistas (protegidas ou não pela etiqueta do estruturalismo linguístico, elas continuaram a “conservar o território”, tanto nos EUA quanto na Europa). O aparecimento na França de uma nova corrente filosófica, epistemológica e politicamente bastante heterogênea, mas que constituiu seu espaço pela referência a três nomes fundadores e à (re) leitura de suas obras: Marx, Freud e ...Saussure. Como se pode observar, essa desconstrução das Teorias Linguísticas levou Pêcheux e outros teóricos como Lévi-Strauss, Lacan, Althusser, Foucault, Derrida, Barthes a procurarem respostas que os ajudassem na formulação de suas teorias. A ânsia dessa busca vai culminar com os acontecimentos políticos que ocorreram no final dos anos de 1960, na França, e que desestruturou o sistema de alianças que existia em torno da Linguística. A greve de dez milhões de trabalhadores, em maio de 1968, foi a maior greve realizada na França, até então, e a mais expressiva de toda a Europa e teve repercussão mundial. Courtine esclarece bem isso quando diz que: O aparecimento da problemática do discurso no interior da linguística francesa é contemporânea à conjuntura política dos anos 1968-1970, dominada pelos acontecimentos de maio de 68. O discurso flutuava perdido no espaço. Maio de 68 produziu uma exasperação da circulação dos discursos, sobre as ondas, sobre os muros e na rua. Mas, também no silêncio das escrivaninhas universitárias. Era o tempo da multiplicação das releituras, das grandes manobras discursivas; os conceitos se entrechocavam: a luta de classe reinava na teoria. (COURTINE, 2006,p.9) Esse período marca o início da renovação do pensamento político e social, quando o Materialismo Histórico influencia a forma de se pensar as ciências. Linguistas, historiadores, filósofos, sociólogos, psicólogos e outros teóricos buscam espaço para renovar o pensamento no interior das Ciências Sociais. Como já foi dito antes, nesse período, constantes releituras da obra de Saussure eram feitas e isso 56 provocou uma “reviravolta” epistemológica tanto do objeto, como do método da linguística. Tanto o sistema da língua, quanto o não sistema da fala foram postos em discussão. A linguagem tornou-se um ramo de estudo muito complexo e não podia mais ser vista como um sistema saussuriano. Segundo Foucault (2005, p.85), “atrás da fachada visível do sistema, supomos a rica incerteza da desordem”. No final dos anos de 1960, a fala, a ideologia, o social, a semântica e outras questões são trazidas para as discussões linguísticas. Como diz Brandão (1993, p.9): “Embora reconhecendo o valor da revolução linguística provocada por Saussure, logo se descobriram os limites dessa dicotomia pelas consequências advindas da exclusão da fala do campo dos estudos linguísticos”. Segundo Brandão: Estudiosos passam a buscar uma compreensão do fenômeno da línguagem não mais centrado apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora desse pólo da dicotomia saussureana. E essa instância da linguagem é o discurso. Ela possibilitará operar a ligação necessária entre o nível propriamente linguístico e o extra linguístico. (BRANDÃO, 1993, p.11-12) Orlandi (1994) afirma que a AD se constituiu no espaço disciplinar que põe em relação a Linguística com as Ciências Sociais. Essa relação não significa que uma complementa a outra, ao contrário, essa relação se dará justamente porque elas são contraditórias, pois segundo Orlandi: A Linguística, para se constituir, exclui o sujeito e a situação (o que chamamos exterioridade), e as Ciências Sociais não tratam da linguagem em sua ordem própria, de autonomia, como sistema significante, mas a atravessam em busca de sentidos de que ela seria mera portadora, seja enquanto instrumento de comunicação ou de informação...A AD vai trabalhar essa separação necessária, isto é, ela vai estabelecer sua prática na relação de contradição entre esses diferentes saberes. Desse modo a AD produz realmente outra forma de conhecimento, com seu objeto próprio, que é o discurso. (ORLANDI, 1994, p.53) Com a publicação do livro Análise Automática do Discurso (1969), Pêcheux coloca o discurso como objeto de análise. Esse é um momento, como diz Maldidier (2003, p.19), em que “Pêcheux chamará de sua primeira “máquina discursiva” e que desempenhará ao mesmo tempo o papel do momento quase mítico de sua fundação”. Esse livro trouxe questões fundamentais sobre o texto, a leitura, o sentido. Maldidier (2003, p.19) ainda relata que “Paul Henry e Michel Plon, seus amigos, dizem que essa 57 máquina seria uma máquina de guerra, uma espécie de ‘cavalo de Tróia’ destinado a ser introduzido nas ciências sociais para aí produzir uma reviravolta”. Paul Henry (1997), ao expor os fundamentos teóricos da AD proposta por Pêcheux, revela as influências marcantes de Althusser (leitura de Marx) e de Lacan (releitura de Freud) no trabalho de Pêcheux desde os primeiros textos publicados sob pseudônimo de Thomas Herbert nos Cahiers pour l’analyse, em 1966, quando Pêcheux participava do Círculo de Epistemologia. A constituição da AD se faz em uma trajetória na qual se divisam “três épocas”, denominadas por Pêcheux (2010a) de AD-1, AD-2 e AD-3. No decorrer dessas épocas, houve mudanças significativas, não apenas de caráter metodológico, mas também teórico. Grigoletto explica um pouco desse percurso: [...] o abandono de uma posição ‘estruturalista’ que se traduzia, de um lado numa rigidez na sequência das etapas da análise – que partia da análise sintática de enunciados elementares para chegar à fase interpretativa de sequências do corpus e, assim, remontar à análise dos processos discursivos (...) e, de outro, numa concepção de sujeito concebido apenas como efeito de assujeitamento à máquina estrutural. (GRIGOLETTO, 1998, P.17) A primeira época, reconhecida por Pêcheux de AD-1, aconteceu entre 1969 e 1971, nela a análise do discurso se desenvolveu de forma “tranquila”, pois as questões trabalhadas não eram tão polêmicas, como afirma Mussalin (2005, p.117), pois “havia uma menor carga polissêmica, isto é, uma menor abertura para a variação do sentido devido a um maior silenciamento do outro (outro discurso/outro sujeito).” Essa época é caracterizada, também, pela exploração metodológica da noção de maquinaria discursiva estrutural, concebendo o processo de produção discursiva como “uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma, de tal modo que um sujeitoestrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos” (Pêcheux, 2010a, p.311). Em 1975, Pêcheux publica seu livro Les Verités de La Palice, representando “um momento essencial de teorização das mudanças, ao propor uma teoria materialista do discurso” (GREGOLIN, 2007, p.69). Nesse período, inicia-se a segunda época da AD (AD-2) e, segundo Mussalin (2005, p.118), “a noção de máquina estrutural começa a explodir”. Pêcheux toma emprestado o conceito de formação discursiva de Foucault e “acrescenta a ele a reflexão sobre a materialidade do discurso e do sentido” 58 (GREGOLIN, 2007, p. 69). Pêcheux (1988, p.161) afirma que “os indivíduos são interpelados em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes”. Isso proporcionou o deslocamento teórico em relação ao primeiro momento da AD, passando a ser foco de estudo as relações entre as máquinas discursivas estruturais. A terceira época, AD-3, segundo Gregolin (2007), ocorre no período entre 19801983. Nela, Pêcheux muda os rumos de sua teoria e desconstrói a maquinaria discursiva que tinha construído anteriormente. Gregolin (2007) afirma que: As decepções políticas, a fragmentação das esquerdas, a crise simultânea do marxismo e do estruturalismo, a “morte” de Althusser levam Pêcheux a operar aquilo que Maldidier (1990) entende como uma “desconstrução dirigida”, isto é, ele reordena o projeto epistemológico a partir de uma desconstrução das bases longamente gestadas desde 1969. (GREGOLIN, 2007, p. 159) Nessa época, a classe operária estava adquirindo uma nova identidade por conta “das reconfigurações econômicas da globalização e das novas relações no mundo do trabalho” (GREGOLIN, 2007, p. 160). Além disso, havia uma verdadeira revolução áudio-visual e se estabelecia uma nova configuração de identidades através do predomínio das imagens. Gregolin discorre melhor sobre isso: Era chegado o tempo de incorporar às análises a “língua do vento” da mídia, o discurso ordinário, as novas materialidades do mundo “pós-moderno” que se concretizavam no discurso. Para poder alcançar essas mudanças será necessário desconstruir vários pontos de seu projeto teórico. (GREGOLIN, 2007, p.160) As ideias de Althusser sobre “luta de classes” e “interpelação ideológica” não faziam mais sentido no “novo mundo” repleto de heterogeneidades. Então, Pêcheux percebe as transformações e inicia as “Delimitações, inversões, deslocamentos” (GREGOLIN, 2007,p.160 ). Em abril de 1980, acontece o Colóquio “Materialidades discursivas” em Nanterre e, segundo Maldidier (2003, p.55), “será o sinal de uma nova partida” que proporcionará o afastamento das posições dogmáticas anteriores e trará as mudanças significativas nos trabalhos da AD. É importante destacar o que Gregolin diz sobre esse acontecimento que mudará o rumo da AD francesa: 59 Fica evidente, nesse evento, que se pensa, então, em um novo objeto, proposto como “o triplo real da língua, da história e do inconsciente”. Da Linguística vêem as propostas de Jacqueline Authier, que, a partir de Bakhtin, coloca em evidência as rupturas no “fio do discurso”, mostrando o aparecimento de um discurso outro no próprio discurso. No centro dos debates impõem-se fortemente as ideias de Foucault, numa leitura “sem filtro” (Maldidier, 1990) que leva à análise da singularidade do acontecimento discursivo. Em todos os trabalhos, o discurso é enfaticamente colocado sob o signo da heterogeneidade, assentando sobre bases novas aquilo que havia sido buscado por meio da contradição contradição e das falhas da interpretação ideológica. (GREGOLIN, 2007, p. 160,161) Nesse colóquio, foram discutidas questões da “contradição” e da “heterogeneidade”. E Maldidier (2003) afirma que nesse Colóquio Courtine critica a noção de formação discursiva desenvolvida por Pêcheux, pois era muito fechada, e apresenta uma nova proposta ao conceito, passando a ser entendida como “fronteiras que se deslocam” e a partir do conceito foucaultiano de “campos associativos”, ele desenvolve a noção de “memória discursiva”, ou seja, o interdiscurso. Jacqueline Authier (linguista) apresenta também suas teses sobre heterogeneidade, a partir do dialogismo de Bakhtin, e coloca em evidência as rupturas no “fio do discurso”, mostrando o aparecimento de um discurso “outro” no próprio discurso. 2.1.1 Foucault, Pêcheux e alguns conceitos em AD Foucault, em seu livro Arqueologia do Saber (2005), apresenta muitas definições de discurso e, entre elas, encontra-se a seguinte: “chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apóie na mesma formação discursiva; ele é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência...” (FOUCAULT, 2005, p.135-136). Como se pode observar, para Foucault o conceito de discurso está intrinsecamente relacionado ao conceito de enunciado. Segundo ele: Pode-se dizer, de modo geral, que uma sequência de elementos linguísticos só é enunciado se estiver imersa em um campo enunciativo em que apareça como elemento singular. [...] não há enunciado em geral, enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado 60 fazendo parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, neles se apoiando e deles se distinguindo [...] (FOUCAULT, 2005, p.43). Em seu modo de ser singular (nem inteiramente linguístico, nem exclusivamente material) o enunciado é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição, ato de linguagem (...) ele não é, em si mesmo, uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço (FOUCAULT, 2005, p. 9899). Essas definições demonstram que o enunciado em si não pode constituir uma unidade já que ele está amalgamado em “estruturas e unidades possíveis” que permitem seu aparecimento por meio de “enunciados concretos”. Segundo Gregolin, Foucault pensa o enunciado como uma função, pois o que torna uma frase, uma proposição, um ato de fala em um enunciado é justamente a função enunciativa: “o fato de ele ser produzido por um sujeito em um lugar institucional, determinado por regras sóciohistóricas que definem e possibilitam que ele seja enunciado” (GREGOLIN, 2007, p.96). O enunciado está ligado a uma função pertencente ao signo que, segundo Foucault (2005, p.133), caracteriza-se por quatro elementos: Um referente (um princípio de diferenciação) Um sujeito (no sentido de posição a ser ocupada) Um campo associativo (isto é, coexistir com outros enunciados) Uma materialidade específica (por se tratar de coisas efetivamente ditas, escritas, gravadas, passíveis de repetição ou reprodução, atividades através de técnicas, práticas e relações sociais). Portanto, ao se descrever um enunciado é preciso referir-se a essas especificidades e demonstrar que ele acontece num determinado tempo e em certo lugar e que pertence a uma formação discursiva. 61 E a formação discursiva determinará o que pode e o que deve ser dito. Mas, o que é uma formação discursiva? Para Foucault é: ...um feixe complexo de relações que funcionam como regra: ele prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal ou qual objeto, para que empregue tal ou qual enunciação, para que utilize tal conceito, para que organize tal ou qual estratégia. Definir em sua individualidade singular um sistema de formação é, assim, caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma prática. (FOUCAULT, 2005, p.82) Logo, é na formação discursiva que se dá “a dispersão e a repartição dos enunciados” (Foucault, 2005, p. 124) e é isso que impulsionará o que pode e deve ser dito, a partir de uma posição. Portanto, é no interior de uma formação discursiva que os sentidos são reconhecidos pelo falante que a ela está atrelado. Para Foucault, a prática discursiva não se confunde com ideias, pensamentos ou formulação de frases, mas está relacionada a determinadas regras apropriadas ao discurso. Segundo o autor, a prática discursiva está ligada a “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2005, p. 136). Segundo Gregolin ( 2007, p. 66), as diversas épocas na trajetória da AD revelam “os embates, as reconstruções, as retificações operadas na constituição do campo teórico da análise do discurso francesa”. Pêcheux, além de filósofo, era militante político e não separava a teoria da política e toda sua teoria reflete esse contexto. E foi justamente isso que o levou a se debater contra Foucault, pois este começou a polemizar as propostas althusserianas (ideologia, luta de classes etc.). Segundo Gregolin (2007, p. 126), “Pêcheux passou a classificá-lo “como “marxista paralelo” e a apontar diferenças na maneira de pensar as relações entre o discurso, a História, os sujeitos” Na conclusão do seu livro Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio, Pêcheux ressalta sua crítica às propostas de Foucault: [..] Porque não é fácil – quem trabalha nesse front de luta teórica e ideológica sabe algo a respeito – não retroceder ao sociologismo, ao historicismo ou ao psicologismo: não se fica quite com o materialismo histórico pela simples referência às condições de produção sócio-históricas do discurso, é preciso, ainda, poder explicitar o conjunto das formações 62 ideológicas, tal como a luta ideológica das classes determina. Em sua Arqueologia do saber que, por muitos aspectos, apresenta um extraordinário interesse para a teoria do discurso, M. Foucault “retrocede” sobre o que ele mesmo avança, volta à sociologia das instituições e dos papeis, por não reconhecer a existência da luta (ideológica) de classes. (PÊCHEUX, 1997, p.253-254) Como se pode notar, a polêmica com Foucault é bem acalorada, pois Pêcheux não admite o fato de Foucault se colocar crítico das teses althusserianas sobre marxismo e luta de classes e, segundo Gregolin (2007), a partir de 1975, Pêcheux será mais incisivo nas suas críticas porque ele tem de lutar em dois campos: ao mesmo tempo, defender as teses althusserianas frente à “crise do marxismo” e reelaborar os conceitos teóricos frente às críticas recebidas do interior do próprio marxismo e, para isso ele retoma duas ideias centrais de Althusser: a reprodução/transformação e a interpelação ideológica. Ou seja, para se chegar a uma teoria materialista dos processos discursivos, Pêcheux argumenta que é necessário examinar a proposta de Althusser sobre a interpelação, pois, ainda conforme Gregolin (2007, p. 134), para Pêcheux, a constituição do sentido e a constituição do sujeito estão imbricadas na figura althusseriana da interpelação ideológica já que “por meio da interpelação o sujeito é chamado a existir, é constituído como sujeito pela ideologia”. Segundo Maldidier (2003), em novembro de 1977, num simpósio do México intitulado “O discurso político: teoria e análises”, Pêcheux apresenta o texto Remontemos de Foucault a Spinoza em que ele cita trechos do “Tratado Teológico Político” de Spinoza e da “A Arqueologia do Saber” de Foucault. Nesse texto, Pêcheux vai mais uma vez criticar Foucault demonstrando que Spinoza, com seu texto sobre a ideologia religiosa, propõe “o esboço de uma teoria materialista das ideologias” (GREGOLIN, 2007, p. 131). Baseado no texto de Spinoza, Pêcheux afirma que “o sentido das palavras muda de acordo com a posição na luta de classes daqueles que a empregam” (GREGOLIN, 2007, p.131) e que a ideologia religiosa não pode ser compreendida como “bloco homogêneo” e, sim, “dividida”, não idêntica a si mesma. E, a partir daí, Pêcheux redireciona a sua ideia de formação discursiva como um bloco homogêneo e coloca a ideologia como “a contradição de dois mundos em um só, dividido, evidencia a pluralidade no interior dos aparelhos ideológicos” (GREGOLIN, 2007, p.135). Pêcheux passa a enxergar de outra maneira a relação entre as ideologias dominante e dominada e 63 a relação do sujeito com a língua e a ideologia. Então, ele compreende a ideia da “heterogeneidade” e reinterpreta o conceito de formação discursiva de Foucault: Chamaremos de formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.). (PÊCHEUX, 1997, p. 160). Essa reinterpretação está articulada com as ideias althusserianas sobre o marxismo-leninismo que vai acompanhar Pêcheux até 1980 quando ele irá rever suas críticas a Foucault. Segundo Gregolin (2007), será um momento em que ele mudará sua visão sobre o marxismo, adotando uma perspectiva muito próxima daquela desenvolvida por Foucault em seus estudos arquegenealógicos. Essa mudança está ligada “às decepções políticas, as fragmentações das esquerdas, a crise simultânea do marxismo e do estruturalismo, a “morte” de Althusser” (GREGOLIN, 2007, p. 159). Então, Pêcheux dá uma reviravolta no seu projeto e Courtine coloca muito bem isso: [as mudanças operadas por Pêcheux depois de 1980] estavam em completa contradição com tudo aquilo que o programa teórico-político althusseriano havia repetido incansavelmente desde o início. A empreitada só era possível desde que se quisesse ignorar a negação de si que constituía seu princípio. Ela trazia a questão mais geral das saídas possíveis do universo teórico marxista, e singularmente do universo althusseriano. Esta última, não havendo alternativa, devia ser aceita ou não. (COURTINE, 1990, p.6 apud GREGOLIN, 2007, p. 159) Nesse período, Pêcheux realiza uma autocrítica e desloca suas posições para construir um novo corpus teórico-metodológico e Courtine irá contribuir muito para isso. Nesse mesmo período, o grupo de “historiadores do discurso” de que faziam parte J. Guilhaumou, Régine Robin, Denise Maldidier entre outros, desenvolveram em seus trabalhos a importância de Foucault para Análise do Discurso, “focalizando as interrelações entre a materialidade discursiva e a História” (GREGOLIN, 2007, p. 162). A partir de 1980, Pêcheux remete o discurso à ordem da estrutura e do acontecimento e segundo ele: Não se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerólito miraculoso, independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, só por sua existência, todo dis- 64 curso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo discurso é um índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que constitui, ao mesmo tempo, um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos) consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) e de deslocamento no seu espaço: não há identificação plenamente bem sucedida, isto é, ligação sócio-histórica que não seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma “infelicidade” no sentido performativo do termo –isto é, no caso, por um “erro de pessoa” isto é, sobre o outro, objeto de identificação. (PÊCHEUX, 1983, p.56-57 apud GREGOLIN, 2007, p.166) É importante perceber que no percurso discursivo de Pêcheux sua cumplicidade com Althusser era muito forte e, por isso, muitas polêmicas em relação ao marxismo e as ideias althusserianas surgiram e ele as defendeu até o último momento em que constatou os equívocos e as contradições presentes no seu projeto da AD. E foi justamente com Foucault, a quem ele tanto criticou, e com os historiadores, que ele se reorganizou e formulou um outro projeto para AD. Esse pequeno histórico sobre o surgimento da AD e seus conceitos, os principais teóricos e sua fundamentação irão proporcionar uma melhor compreensão para essa pesquisa. 2.2 A ANÁLISE DO DISCURSO E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR: OUTROS CONCEITOS EM JOGO Para AD, as relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Essa abordagem teórica faz com que algumas considerações acerca da instituição escolar, enquanto lugar em que os discursos do professor e do aluno são produzidos e mantidos através de atividades, sejam aqui abordadas, tendo em vista que essa pesquisa está alicerçada na sala de aula. Mas, o que é a escola? Segundo Lombardi (2005), a escola é um produto da ação concreta e objetiva do homem, inserida num contexto socioeconômico cultural e reflete, como num espelho, as tensões sociais, políticas e históricas. Voese (2004), ao discutir sobre o que pode ser incluído como parte do objeto de estudo para o analista do discurso, afirma que decidir pela importância ou não da Análise do Discurso para o ensino requer rediscutir: 65 As concepções de língua, atos de fala e acontecimento. A relação de discurso e subjetividade. Segundo Voese (2004, p. 18-19): 1. 2. Uma análise do discurso deve operar sobre a dualidade sujeitodiscurso, focando em especial as ações de apropriação e de objetivação. Uma proposta de utilização da Análise do Discurso no ensino, por sua vez, remete obrigatoriamente à questão que discute a instituição escolar e o discurso que orienta as relações e as condutas de professor e aluno, entendidas como ações de diferentes subjetividades que têm diferentes motivações e propósitos. Logo, o que se diz ou se deixa de dizer na sala de aula, é importante para que o analista do discurso construa sentidos e “em seu trabalho, o analista de discurso deve mostrar os mecanismos dos processos de significação que presidem a textualização da discursividade” (ORLANDI, 2005, p.23). E é nesse sentido que a AD irá procurar os sentidos produzidos nos discursos por meio do estudo das condições de produção histórico-sociais constitutivas dos sentidos e dos sujeitos. Nossa pesquisa irá procurar estabelecer as relações de sentidos nas aulas de Língua Portuguesa, principalmente no que diz respeito à produção de texto escrito em sala de aula. Portanto, buscam-se compreender o contexto histórico social de formulação de texto, os interlocutores, os lugares (posições) em que os interlocutores se situam e as imagens que fazem de si mesmos, dos outros e dos objetos de que tratam. Segundo Orlandi (2007), os dizeres não são apenas mensagens a serem decodificadas, são efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas. Assim, no processo discursivo o sujeito passa da situação empírica para a posição discursiva. O que Orlandi quer dizer, de modo muito simples, é que o discurso é a língua em funcionamento por sujeitos que produzem sentidos numa dada sociedade e sua produção acontece na história, através da linguagem. Para compreender melhor como acontecem os efeitos de sentidos no processo discursivo, mais uma vez será trazido aqui um momento registrado em nosso Diário de bordo, já mencionado anteriormente, e que retrata bem o que Orlandi (2007) fala acerca dos efeitos de sentidos que são produzidos em determinada circunstância. Será retomado apenas um instante da situação descrita, aquele momento em que a professora 66 PE 3 — do 7º ano — registra no quadro o que ela quer que os alunos façam em relação à produção de texto escrito em sala de aula. A passagem trazida pode ajudar a entender um pouco da discussão dos autores acima colocada e que diz respeito a língua(gem), sentidos e efeitos de sentido . A professora pede aos alunos que escrevam uma narrativa de Cordel. Para tanto, desenha no quadro de giz as linhas: Literatura de Cordel __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ Essa passagem ilustra bem um fato: a professora elabora um desenho com linhas horizontais para exemplificar como os alunos terão que produzir seus textos, reproduzindo os versos do Cordel. Quando questionada pelos alunos, ela responde que eles devem produzir seus textos escritos já que o assunto Literatura de Cordel foi trabalhado em sala de aula e, por esse motivo, estão prontos para escrever. Esse seu discurso abre brechas para muitos sentidos como: O comentário que ela faz de que esse assunto — Cordel — já foi trabalhado anteriormente e os temas propostos por ela para que seus alunos escrevam um cordel, bem como o dizer final: “Bem, agora podem fazer o texto”, indicam, para a professora, o sentido de que as tarefas mencionadas e já realizadas bastam para que eles escrevam. Se, conforme ensina Orlandi (2006, p.99) para que o discurso produza sentido é necessário que os sujeitos, os interlocutores, se construam no espaço da interação, pergunta-se como e se isso ocorreu nesta sala de aula, posto que, “a língua não é só um instrumento, nem um ser dado, mas um trabalho humano, um produto histórico-social”? 67 Ter apresentado os folhetos, ter lido uma ou duas histórias e ter discorrido sobre a literatura de cordel, segundo esse entendimento, é suficiente para que os alunos se habilitem na escrita. Mas não é o que acontece naquela sala de aula: os alunos não conseguem escrever o texto pedido. A língua(gem) é materialização do discurso e este é entendido como “ [...] palavra em movimento, prática de linguagem... a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho geral, constitutivo do homem e da sua história” (ORLANDI, 2007, p.15). A língua, para a AD, não é vista tão só como instrumento de informação em que os elementos da comunicação podem definir a mensagem: Na realidade, a língua não é só um código entre outros, não há essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa sequência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e não estão separados de forma estanque. Além disso, ao invés de mensagem, o que propomos é justamente pensar aí o discurso. Desse modo, diremos que não se trata da transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação. (ORLANDI, 2007, p.21) Não há discurso sem sujeito e sujeito sem ideologia e é no discurso que se pode observar a relação entre linguagem e ideologia. Segundo Orlandi (2007, p. 46), “a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer”, logo, fica evidente a relação intrínseca entre sujeito e sentido. Ou seja, para a AD o sujeito não é físico e nem o lugar em que ele está, mas as imagens que ele representa permitem que ele passe de lugares para posições. Sendo assim, o sujeito do discurso constrói seu enunciado partindo de sua posição social e discursiva O discurso não se resume àquilo que é dito em dado momento, mas se estende em suas relações com o que já foi dito antes, com o que não foi dito, com a posição social e histórica dos sujeitos. Na AD, não há a transparência da linguagem, pois não há um sentido único, mas as várias interpretações. E é justamente essa concepção de linguagem que está ligada à constituição do sujeito. Henry, ao analisar os fundamentos da “análise automática do discurso” de Pêcheux, afirma que: 68 A linguagem (ou o jogo, ou a ordem do signo, ou o discurso) não é entendida como uma origem, ou como algo que encobre uma verdade existente independentemente dela própria, mas sim como exterior a qualquer falante, o que define precisamente a posição do sujeito, de todo sujeito possível. Mas isto define o sujeito como posição, e não como uma coisa em si mesma, como uma substância. (HENRY, [1969] 2010, p.30) Nesta pesquisa, entende-se que os sujeitos ocupam posições, são professores do Ensino Fundamental que possuem um discurso acadêmico e o aluno é o interlocutor, sujeito para quem se diz o que se tem a dizer a partir, também, de sua posição sóciohistórica. Dessa maneira, não fazem parte apenas da situação empírica da interação verbal, mas, também, do imaginário histórico-social de si mesmo, enquanto sujeito, do interlocutor e do objeto do discurso. Orlandi discorre sobre isso quando diz que: As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e a historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura sócio-histórica. Temos assim a imagem da posição sujeito locutor (quem sou eu para lhe falar assim?) mas também da posição sujeito interlocutor (quem sou eu para lhe falar assim?), e também a do objeto do discurso (do que estou lhe falando, do que ele me fala?). É pois todo um jogo imaginário que preside a troca de palavras. (ORLANDI, 2007. p.40) E, nesse jogo, não se pode excluir o contexto situacional em que os enunciados são produzidos: a família, a escola, a igreja, a política, a rua etc. No caso da escola, já que essa pesquisa se realiza na sala de aula, não se pode esquecer que o discurso pedagógico é aquele que sempre predomina, pois é legitimado e o professor encontra-se numa posição hierarquicamente privilegiada. Para se falar em discurso pedagógico, doravante DP, é importante destacar as considerações de Pêcheux ([1975] 1997, p.218) em torno à Pedagogia. Para este autor não existe uma pedagogia pura, ou seja, aquela que expõe e transmite conhecimento, livre de qualquer pressuposto, e, também, não existe uma prática pedagógica de um sujeito que reflete acerca do processo educativo nas suas dimensões sociais, filosóficas e instrumentais, pois o que existe são sujeitos de diferentes práticas. Para Pêcheux ([1975] 1997, p.219), no DP não existe na fala do sujeito-professor algo original, que surge naquele momento, embora ele se coloque como origem do seu dizer e, segundo Pêcheux (idem), isso compreende o “efeito Munchhausen” no domínio 69 da “apropriação subjetiva dos conhecimentos”1. Essa ilusão subjetiva se dá pelo fato de a ideologia “mascarar” o “caráter material do sentido das palavras”. Sendo assim, o sentido dependerá constitutivamente do “todo complexo das formações ideológicas” e das posições de classes ocupadas pelos sujeitos discursivos. Pêcheux (([1975] 1997, p.160-161) especifica essa dependência por meio de duas teses: 1) Consiste em colocar que o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma preposição, etc., não existe “em si mesmo”, mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). 2) Toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao “todo complexo com dominante” das formações discursivas, intricado no complexo das formações ideológicas. Logo, os sujeitos ocupam posições determinadas nos espaços históricos ideológicos que permitem o movimento dos sentidos, os gestos de interpretação. Sendo assim, a AD visa fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles intervêm no real do sentido. A AD não estaciona na interpretação, trabalha sem limites seus mecanismos, como parte do processo de significação, pois “há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender” (ORLANDI, 2007, p. 26). Como se vê, “os sentidos não estão só nas palavras, nos textos, mas nas relações com a exterioridade...Os dizeres são efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz” (ORLANDI, 2007, p.30). Sendo assim, na AD os sentidos são produzidos na relação eu/tu através da língua que remete a uma ideologia e, segundo Orlandi (2007, p.42), “o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas”. Isso quer dizer que não há sentido estabelecido, mas, sim, construído quando há interação entre sujeitos. Assim, 1 Segundo Maldidier (2003, p.49), Pêcheux dá essa denominação pelo fato de ter lido “História e aventura do barão de Munchhausen que se levantava no ar puxando-se a si mesmo pelos cabelos” e é por isso que o “efeito Munchhausen” é o efeito-sujeito, a ilusão subjetiva. 70 quando se fala em DP, se fala na relação sujeito-professor e sujeito-aluno que são sujeitos ideológicos. A ideia de formação discursiva está interligada com a de formação ideológica que de acordo com Pêcheux (1997, p.166), “constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em conflito umas com as outras”. Ou seja, as formações discursivas determinarão o que pode e deve ser dito de acordo com as formações ideológicas numa dada conjuntura. Orlandi (2007, p.43, 44, 45), baseando-se nessa definição, propõe dois pontos para sua melhor compreensão: 1) O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido. Logo, as palavras não têm um sentido nelas mesmas, pois derivam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as formações ideológicas. Tudo que dizemos tem um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras, mas na discursividade, isto é, na maneira comono discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se nele. 2) É pela referência à formação discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras iguais podem significar diferentemente porque se inscrevem em formações discursivas diferentes... Todos esses usos se dão em condições de produção diferentes e podem ser referidos a diferentes formações discursivas. E é através desse mecanismo que se encontram no imaginário da sociedade – valores, crenças, hábitos e rituais que são compartilhados em todas as sociedades e em todos os tempos através de suas formações discursivas. Orlandi (2007) afirma que o discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra para ter um 71 sentido.O DP só pode ser dito pelo professor pois ele está inscrito numa formação discursiva que o autoriza a assumi-lo. Mas, como se dá o DP e como é classificado? Segundo Orlandi (2006, pp. 1516), há três tipos de discurso em funcionamento: 1 – Discurso Lúdico – é aquele em que o seu objeto se mantém presente enquanto tal, ou seja, enquanto objeto, coisa e o interlocutores se expõem a essa presença, resultando disso de polissemia aberta. 2 – Discurso Polêmico – mantém a presença do seu objeto, sendo que os participantes não se expõem, mas ao contrário procuram dominar o seu referente, dando-lhe uma direção, indicando perspectivas particularizantes pelas quais se o olha e se o diz, o que resulta na polissemia controlada (o exagero é a injúria). 3 – Discurso Autoritário – o referente está “ausente”, oculto pelo dizer; não há realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta na polissemia contida (o exagero é a ordem no sentido em que se diz “isso é uma ordem”, em que o sujeito passa a instrumento de comando).Esse discurso recusa outra forma de ser que não a linguagem. Orlandi (2007, p. 87) chama atenção para o fato de que essa proposta obedece ao princípio discursivo de categorização interna do próprio discurso: “a relação entre os sujeitos, a relação com os sentidos, a relação com o referente discursivo”. Ela ainda destaca que: É importante dizer que as denominações lúdico, autoritário, polêmico não devem levar a pensar que se está julgando os sujeitos desses discursos; não é um juízo de valor, é uma descrição do funcionamento discursivo em relação a suas determinações histórico-sociais e ideológicas. Não se deve assim tomar, por exemplo, o lúdico no sentido do brinquedo mas do jogo de linguagem (polissemia) e não se deve tampouco tomar pejorativamente o autoritário como um traço de caráter do locutor, uma questão moralista, mas uma questão do fato simbólico (a injunção à paráfrase). (ORLANDI, 2007, p.87) A partir das caracterizações acima, Orlandi (2006) vai demonstrar como o DP está inserido no discurso autoritário, o qual se caracteriza por, praticamente, não apresentar a polissemia. Logo, o funcionamento desse discurso conduz a um discurso alheio a questionamentos, pois há apenas um agente exclusivo. Orlandi (2006, p. 16-17) mostra como acontece o funcionamento do DP através do seguinte esquema: QUEM imagem do professor (A) 72 ENSINA O QUÊ inculca imagem do referente - Metalinguagem (Ciência/Fato) (R) PARA QUEM imagem do aluno (B) ONDE escola – Aparelho ideológico (X) Servindo-se das formações imaginárias de Pêcheux, Orlandi afirma que no DP “A ensina R a B em X”, pois existe um jogo interlocutivo, em que há um emissor, agente exclusivo do dizer, que é o professor. Este ensina (inculca) a Ciência/Fato (objeto/referente) para o ouvinte, que é o aluno. A imagem do aluno, neste jogo, é aquela de quem não sabe e, por isso, deve apenas ouvir por meio da escola (aparelho ideológico). Não há uma inter-relação entre locutores, pois existe apenas um emissor que “sabe” e, portanto, é autorizado a ensinar. Nesse funcionamento, tudo o que é dito pelo professor se converte em conhecimento legítimo, pois ele é o único que está autorizado, institucionalmente, a transmitir o conhecimento ao aluno. O professor é institucional e idealmente aquele que possui o saber e está na escola para ensinar, o aluno é aquele que não sabe e está na escola para aprender. O que o professor diz se converte em conhecimento, o que autoriza o aluno, a partir de seu contato com o professor, no espaço escolar, na aquisição da metalinguagem, a dizer que sabe: a isso se chama escolarização. (ORLANDI, 2006, p.31) Os sujeitos, ao ocuparem as posições de professor e de aluno, são determinados por essas representações que fixam dois papeis distintos que são a autoridade e a tutela: “Desenvolvem-se aí tipos de comportamentos que podem variar desde o autoritarismo mais exarcebado ao paternalismo mais doce” (ORLANDI, 2006, p. 31). E, conforme Orlandi (2006), entre a imagem ideal do aluno (o que não sabe) e a imagem ideal do professor (o que tem a posse do saber que é legitimado pela esfera do sistema de ensino) há uma distância preenchida pela ideologia. Logo, os sentidos são produzidos na relação professor/aluno, mediada pela língua que é marcada ideologicamente e que demonstra as posições hierarquicamente diferentes e a relação de forças que há entre elas. O exemplo da professora PE3 — a escrita de uma história de Cordel — que já foi colocado anteriormente, mais uma vez é aqui evocado, posto que retrata bem essa 73 situação. Ao impor aos alunos a produção/escrita de um cordel levando em consideração que ela já havia dado esse assunto e, por esse motivo, eles deveriam escrever, impõe um saber e uma condição que de fato vão gerar um silenciamento dos alunos, significando a não produção do texto, o silenciamento dos sentidos. Orlandi (2007) afirma que no discurso autoritário há a contenção da polissemia e apenas o locutor é o agente do dizer. Logo, quando há o discurso autoritário na sala de aula, os sujeitos/alunos deixam de se manifestar e participar do processo de formação crítica e reflexiva e foi isso que aconteceu no exemplo da professora PE3 quando impôs aos alunos a escrita de um cordel. Quando há o predomínio do DP, não há a aprendizagem por interação. Mas, como acontece a aprendizagem por interação na perspectiva da Análise do Discurso? Segundo Almeida (2004), ela acontece da necessidade de interpretação intrínseca à linguagem e da possibilidade de transformação do sentido e do sujeito e, segundo ela, citando Orlandi, isso se dá a partir da criação de “condições para que o aluno trabalhe sua relação com suas filiações de sentido, com a memória do dizer” (ORLANDI,1998, apud ALMEIDA, 2004, p. 51). Então, faz-se necessário entender que interagir com o outro requer compreender que “[...] as coisas a saber são sempre tomadas em redes de memória nas quais os sujeitos se inscrevem filiando-se ao que os identifica” (ORLANDI, 1998, apud ALMEIDA, 2004, p.50). Isso não acontece na situação de sala de EP3, referida anteriormente. As imagens de que se serve a professora, em relação ao seu aluno e sobre o objeto de que tratam, a elaboração de um texto escrito, em sua solicitação de feitura de um texto de cordel, certamente não são aquelas que podem ser pensadas a partir de um entendimento de língua(gem) tal como se tem na Análise do discurso: a língua como materialização de discursos, produzidos na prática social, envolvendo interlocutores sujeitos desses discursos, sujeitos que “tiram” seus dizeres das formações discursivas onde se ancoram: que dizeres podem ter esses alunos para escreverem uma narrativa de Cordel? Que condições foram oferecidas para que o aluno trabalhe a relação com suas filiações de sentido, com a memória do dizer? 2.2.1 Memória e sua relação com a discursividade na escola A questão da memória e a ideia de seu funcionamento no discurso estão presentes na teoria da AD. Observa-se que segundo Pêcheux e Fuchs ([1975], 2010b), as relações parafrásticas se estabelecem entre diferentes expressões que se retomam 74 uma às outras, que se repetem. Portanto, tem-se a ideia de memória como repetição. Em AD a ‘repetição’ vai conduzir à “matriz de sentido”: Queremos dizer que, para nós, a produção do sentido é estritamente indissociável da relação de paráfrase entre sequências tais que a família parafrástica destas sequências constitui o que se poderia chamar a “matriz do sentido”. Isto equivale a dizer que é a partir da relação no interior desta família que se constitui o efeito de sentido, assim como a relação a um referente que implique este efeito. (PÊCHEUX e e FUCHS ([1975], 2010b p. 169) E, ao situar como se dá o mecanismo de tal matriz, pode-se levar à questão de “repetibilidade” de certos sentidos e, consequentemente, ao que pode e deve ser dito no interior de uma Formação Discursiva (FD). No entanto, essa repetição não é apenas a repetição de palavra, por palavra, embora isso também ocorra, mas uma repetição que proporcione uma “re-significação”, ou seja, por meio de um outro sentido que não está aparente, mas que se encontra armazenado na memória. Normalmente, no espaço da sala de aula, o discurso é homogeneizado pelo fato de não se permitir abarcar outros discursos e, dessa maneira, a repetição dos mesmos sentidos acaba impedindo a circulação de outros dizeres, que poderiam trazer outros sentidos capazes de envolver os sujeitos numa outra visão do processo ensino/aprendizagem. Não se pode buscar o sentido em uma única matriz de sentido no interior de uma FD, pois, conforme Orlandi (2007, p.42), “as palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas “tiram” seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem”. Sendo assim, pode-se concluir que as FDs não são rígidas, pois permitem que sentidos de outras FDs transitem livremente entre elas. Retornando a questão da repetição, Almeida (2004), ao falar sobre autoria ou instância de formulação do discurso, afirma que o autor não pode evitar a repetição, pois sem ela o seu enunciado não faria sentido. Orlandi (2007, p.54) propõe três possibilidades de repetição: A repetição empírica – (mnemônico) que é a do efeito papagaio, só repete; A repetição formal – (técnica) que é um outro modo de dizer o mesmo; 75 A repetição histórica – que é a que desloca, a que permite o movimento porque historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos, trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido. É justamente no movimento entre esses três tipos de repetição que, segundo Orlandi (1998), se dariam as possibilidades de sentidos na escola. Segundo a autora: [...] na repetição histórica teríamos um aluno com um real trabalho da memória: ele inscreveria assim o dizer em seu saber discursivo o que lhe permitiria não só repetir, mas ao fazê-lo, produzir deslizamentos, efeitos de deriva no que diz. Por isso haveria aí sempre a possibilidade de serem produzidos outros dizeres a partir daqueles. Esse seria o “ideal” da aprendizagem: levar o aluno a passar da repetição empírica à histórica, com passagem obrigatória pela formal já que para que haja sentido é preciso que a língua se inscreva na história. (ORLANDI, 1998, apud ALMEI- DA, 2004, p.51) Há um episódio ocorrido na aula (26/10/2009) da professora PE1, do 6º ano, que retrata essa questão. A professora colocou no quadro as seguintes orações: 1 – Os negros foram escravizados 2 – Os negros viviam nas senzalas 3 – Os negros se revoltaram com a escravidão e planejaram fugir das senzalas 4 – Os negros trabalhavam nas lavouras de cana de açúcar 5 – Sofriam com os castigos 6 – Foram libertados pela princesa Isabel, pressionada pelos países que já tinham libertado os escravos 7 – Vieram ‘forçados’ da África e eram transportados em navios negreiros 8 – que conseguiram fugir e formavam os quilombos 9 – sofrem preconceitos até hoje 10 – o maior quilombo do Brasil foi o de Palmares, organizado por Zumbi 11 – Os negros ficavam acorrentados e eram chicoteados. A seguir, a professora fala para turma: “Hoje nós vamos escrever um texto que será colocado no mural da escola na Semana da Consciência Negra. Nessa semana haverá um dia em que acontecerá a Feira do Conhecimento aqui na escola. Essa turma trabalhará com a história dos negros quando chegaram ao Brasil e como aconteceu a sua libertação. Vocês já fizeram a pesquisa sobre isso no laboratório de informática e isso vai ajudar no texto. Escrevi essas frases no quadro para que a gente escreva o nosso texto.O valor do trabalho é 76 de três pontos para todas as matérias. Gostaria também que vocês, em casa, fizessem frases sobre a princesa Isabel, o que ela fez para libertar os escravos. Vocês sabem que não foi só a princesa Isabel que ajudou os negros a se libertarem. Havia um movimento liderado por Zumbi, um negro fugitivo, que criou o Quilombo dos Palmares. Todos os negros que fugiam iam para lá. Zumbi se tornou um grande líder e o Quilombo se tornou uma comunidade muito grande. Zumbi ganhou muitas batalhas, pois os portugueses queriam destruir o Quilombo. Mas no dia 20 de novembro de 1695, Zumbi foi morto e o Quilombo destruído. Zumbi pagou com a sua própria vida a libertação dos escravos. Depois de sua morte os movimentos contra a escravidão cresceu até que a princesa Isabel assinou a lei contra a escravidão. Vocês sabiam que os negros lá na África eram livres? Alguns eram reis, rainhas, príncipes e princesas e viviam muito bem lá. Mas o homem europeu resolveu apanhá-los e transformá-los em escravos aqui no Brasil.” (PE1, 26/10/2009) Em seguida, a professora PE1 pede para que a turma sugira quais são os números de ordem das frases que farão parte dos parágrafos e os alunos respondem e a professora coloca no quadro: 1 – Antes de chegar ao Brasil 2 – Durante a escravidão no Brasil 3 – Incômodo com a escravidão 4 – Liberdade - 1,2 e 3 - 4,5,e 6 - 7,8 e 9 - 10 e 11 A seguir, a professora inicia um jogo de perguntas e respostas: Professora – Como era o Brasil antes da chegada dos colonizadores? Artur – Era a coisa mais linda do mundo. Carlos – Era como uma floresta. Jamile – Tinha muita coisa que não tem mais hoje; Professora – E quando os portugueses chegaram, o Brasil mudou? Maria – Os portugueses levaram o nosso ouro e mataram muitos índios. Professora – E o que mais? Natália – Eles trouxeram muitos escravos da África. Camila – Os portugueses maltrataram os escravos e os escravos eram fortes. Professora – E como foi que os escravos se libertaram? Maria – Foi por causa da princesa Isabel. Professora – E por que a princesa Isabel resolveu libertar os escravos? Mateus – Porque ela queria fama. Jamile – Porque ela não gostava da escravidão. Antonio – Porque ela podia libertar eles. 77 No diálogo acima, as respostas dos alunos estão inseridas em FDs que trazem a Memória Discursiva alicerçada nos três tipos de repetições. Podem-se classificar as respostas dos alunos, seus discursos, da seguinte maneira: 1.– Repetição empírica e formal Eles trouxeram muitos escravos da África. Os portugueses maltrataram os escravos e os escravos eram fortes. Foi por causa da princesa Isabel. Era a coisa mais linda do mundo. Era como uma floresta. Tinha muita coisa que não tem mais hoje. Os portugueses levaram o nosso ouro e mataram muitos índios. Nessas respostas, os discursos construídos repetem os discursos dos historiadores que estão nos livros didáticos e nas aulas de História. Os primeiros dizeres se explicam como pura repetição; os últimos apresentam algum dizer um tanto diferenciado, mas ainda presos ao mesmo. Portanto, não há nada além daquilo que já se conhece, daquilo que já foi dito pelo discurso histórico. 2 – Repetição histórica – a que desloca e permite o movimento Porque ela queria fama. Porque ela não gostava da escravidão. Porque ela podia libertar eles. Nessas respostas constata-se que os sujeitos/alunos rompem com o que já foi estabelecido e deslocam suas respostas num movimento constante entre a ideologia e a memória, aparecendo assim o deslize, o equívoco. Essas colocações são perfeitas para demonstrar como acontecem os equívocos. Percebe-se que o diálogo transcorria de maneira muito natural e as respostas que eram trazidas confirmavam o que está na memória discursiva – é encontrado nos registros históricos – até que isso é quebrado quando alguns alunos respondem o que não está na história, mas o que a princesa Isabel representa para eles. 78 Essa reflexão também permite ao analista entender o porquê de o aluno, em sala de aula, normalmente ser levado a fazer o que o professor pede para ele fazer (paráfrase), sem deixar espaço para o inusitado, o diferente, o equívoco (a polissemia) e, assim, acaba produzindo/repetindo o que é determinado pelo professor. Ainda sobre a situação descrita nessa sala de aula, é interessante trazer o que Orlandi (2007) fala sobre processos parafrásticos e processos polissêmicos. Segundo ela, todo o funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre esses dois processos. E ela explica isso da seguinte maneira: Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco. (ORLANDI, 2007, p.36) Segundo Brandão (2004), a FD é composta por paráfrases que retomam os enunciados num esforço constante de fechamento de fronteiras, de delimitação discursiva e, por outro lado, a polissemia rompe com as fronteiras, embaralha os limites entre as diferentes formações discursivas e instaura a pluralidade, a multiplicidade de sentidos. Os conceitos de “produtividade” e “criatividade”, dados por Orlandi (2007), ajudam a entender como se dá a construção de uma FD. Para ela, a produtividade mantém o homem num retorno constante ao mesmo espaço dizível: produz a variedade do mesmo, reiteração de processos já cristalizados. A criatividade, por sua vez, implica na ruptura do processo de produção da linguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a história e com a língua. Em relação à sala de aula, quando o professor determina o que os alunos irão escrever, o que se vê com mais frequência é a noção da produtividade e não da criatividade, pois os textos, normalmente, seguem um determinado padrão e o aluno não pode redirecionar a outro. Essas reflexões ajudam o analista a compreender que o aluno em sala de aula é subordinado a fazer sempre o mesmo, não lhe sendo permitido trabalhar com a “criatividade”, no sentido já colocado, e isso interfere na sua formação de sujeito. 79 Segundo Orlandi (2007), a linguagem é uma prática, não no sentido de efetuar atos, mas porque pratica sentido, intervém no real. Para Análise do Discurso, o texto não pode estar relacionado apenas a uma forma, um padrão determinado, mas, a sua produção deve levar em consideração os aspectos histórico, social e ideológico. Segundo Geraldi (1993), construir sentidos no processo interlocutivo demanda o uso de recursos expressivos, pois isso leva o outro a um processo de compreensão. Logo, dependerá do professor definir o modo como o aluno produzirá seu texto, pois produzir texto é mais do que produzir um conjunto de palavras, de frases escritas seguindo regras predeterminadas. E, em relação a isso, Beth Brait (2008) coloca muito bem o que vem a ser um texto na perspectiva da noção de criatividade. Segundo ela: O texto não é um objeto autônomo, nem como texto e nem como gênero textual . É um objeto múltiplo, um objeto que envolve sujeitos múltiplos e que, para a produção de sentidos e efeitos de sentido, exige que esses sujeitos assumam determinados lugares discursivos e façam circular diferentes discursos a partir desses lugares. O sujeito da recepção – o leitor, o destinatário – tanto quanto o sujeito da produção é necessariamente um participante ativo da esfera discursiva em que o texto acontece. Quer ele se dê conta disso ou não.(BRAIT, 2008, p.18) Sendo assim, deve-se considerar que o texto não é uma produção automática em que formando algumas sentenças e parágrafos e aplicando algumas regras ele se realiza. Há muito mais que isso, pois é preciso integrar múltiplos elementos a ele como coletar, selecionar, avaliar, analisar, sintetizar e tirar conclusões para depois ordenar e relacionar os vários elementos que entram na construção do texto e que geram enunciados concretos e relações de sentido. Ele, o texto, não é também um produto unívoco, original, pois outras vozes podem ser encontradas nele com filiações diferentes, por isso é um processo dialógico que acontece numa esfera discursiva. Pêcheux (1997), ao falar sobre a tese de Spinoza sobre a ideologia religiosa, reconhece a heterogeneidade da ideologia e reformula o conceito de FD. E traz uma nova visão sobre o relacionamento entre o discurso e a ideologia: A partir desse texto de 1977, Pêcheux abandona a ideia de formação discursiva como um bloco homogêneo relacionado a uma ideologia dominante e passa a trabalhar com a ideia de que uma ideologia é não idêntica a si mesma, em referência à categoria spinosista de contradição. Tratase, a partir de então, de colocar a questão da presença da heteroge- 80 neidade no próprio interior da ideologia dominada. (GREGOLIN, 2007, p.135-136) Então, ele irá trabalhar a questão da FD e a sua dependência ao “todo complexo com dominante”: Uma FD não é um espaço estrutural fechado, pois é constitutivamente “invadida” por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outra FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais (por exemplo sob a forma de “preconstruídos” e de “discursos transversos”). (PÊCHEUX, [1983] 2010a, p. 310) Portanto, o pré-construído, segundo Pêcheux ([1975] 1997, p.164), “é o semprejá-lá” da interpelação ideológica que fornece-impõe a “realidade” e seu “sentido” sob a forma da universalidade. Segundo Possenti (2003), o que está em questão aí é a posição segundo a qual os sujeitos falam a partir do já dito – e isso é exatamente o que o interdiscurso lhes põe à disposição e/ou lhe impõe. Pêcheux (2010b, p. 162) vai chamar de interdiscurso “todo complexo com dominante” das formações discursivas, esclarecendo que também ele é submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação que caracteriza o complexo das Formações ideológicas: Diremos que o próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal, objetividade material essa que reside no fato de que “algo fala” (ça parle) sempre “antes, em outro lugar e independentemente”, isto é, sob a dominação do complexo das formações ideológicas.(PÊCHEUX,[1975] 1997, p, 162) Logo, pode-se dizer que no interdiscurso todos os dizeres estão acoplados e, consequentemente, todos os sentidos também, pois não há apenas um, já que o interdiscurso é “aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente, é a memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível” (ORLANDI, 2007, p.31). Segundo Pêcheux ([1975]1997), a objetividade material do interdiscurso reside no fato de que algo fala sempre antes sob a dominação do complexo de formações ideológicas. Sendo assim, o dizível já está no exterior do sujeito, ele já existe, é o já-dito e isso significa que “essa relação existe entre o interdiscurso e o intradiscurso. Ou, em 81 outras palavras, entre a constituição do sentido e sua formulação” conforme Orlandi, (2007, p.32). Para esta autora: A constituição – o que estamos chamando de interdiscurso – representada como um eixo vertical onde teríamos todos os dizeres já ditos – e esquecidos – em uma estratificação de enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível. E teríamos o eixo horizontal – o intradiscurso – que seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas. (ORLANDI, 2007, p. 32-33) Pode-se trazer aqui um outro exemplo de atividade em sala de aula que consideramos como mal sucedido, em função talvez dessas questões que aqui estamos abordando. Nestas atividades procedia-se ao estudo da linguagem no que diz respeito à interpretação e à produção de textos, em uma sala de 7º ano, da professora PE3 (em 24/11/2009). Ela escreveu no quadro o seguinte texto: PÁSSAROS LIBERTOS PALAVRAS SÃO PÁSSAROS, VOARAM! NÃO NOS PERTENCEM MAIS. Helena Kolody Em seguida, a professora pediu para que os alunos lessem silenciosamente o texto; logo depois, ela perguntou se alguém queria falar sobre ele. Todos ficaram calados e ela colocou no quadro as seguintes perguntas: 1) Helena Kolody diz que as palavras são como pássaros. Explique o que pode haver de semelhante entre ambos. 2) As palavras”não nos pertencem mais”. a) Quando as palavras deixam de nos pertencer? 3) Segundo o poema, cada palavra dita ou escrita cria asas e voa para longe daquele que a libertou (disse/escreveu). Por isso, precisamos ter cuidado com as palavras. a) Que palavras você gostaria de libertar para que voasse no mundo? b) Que palavras você não liberaria para que o mundo não as conhecesse? c) Qual a mensagem do texto de Helena Kolody? 82 A seguir, ela falou: Eu quero que vocês façam pelo menos duas questões na aula. Vou dar quinze minutos e logo depois a gente corrige. (PE3, 24/11/2009) Após os quinze minutos, a professora perguntou: Vocês já responderam as questões? Então, digam lá, o que vocês responderam? (PE3, 24/11/2009) A turma permaneceu calada e ela insistiu mais uma vez e como não conseguiu a resposta, ela mesma respondeu: Assim como os pássaros ficam presos e se libertam, as palavras ficam presas e também se libertam. (PE3, 24/11/2009) Como se pode observar, a professora, ao trazer o texto para os alunos, direciona analisá-lo apenas como instrumento de informação, de decodificação. Quer dizer, sua concepção de língua está ancorada numa FD que reconhece a língua apenas como código e, por isso, precisa ser decodificado por um receptor. Apesar de as questões estarem relacionadas com o texto, a professora não conseguiu levar a turma a pensar nas metáforas que são trazidas nele. Embora a professora tenha aberto espaço para que os alunos respondessem às questões que ela colocou sobre o texto, mais uma vez os alunos silenciaram-se. O que os alunos poderiam dizer sobre o assunto que é abordado no texto? Por que eles não conseguiram interpretar o texto? Como se pode observar, a professora deixa de lado a especificidade do poema que implicaria nas imagens que são trazidas nele, e espera que as questões sejam suficientes para fazer o aluno se posicionar de maneira eficaz diante no texto. No entanto, segundo Orlandi (2005, p.89), “o texto é lugar de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. Sendo assim, ele é trabalho de interpretação”. Logo, se o aluno não teve condição de se colocar diante do texto, de ouvir outras leituras, de construir um espaço de interação que lhe possibilitasse construir sentidos, como responder as questões sobre o texto? Para AD, o texto “é um objeto linguístico-histórico” (ORLANDI, 2005, p.86) e por esse motivo se dá o acontecimento entre os sujeitos e os sentidos. E como isso não aconteceu, os alunos relutaram em responder e se sentiram bloqueados já que não sabiam o que dizer. 83 Observa-se, nesse capítulo, que através da AD é possível reconhecer nos discursos dos professores os sentidos que dão aos conceitos de língua, linguagem oral, linguagem escrita e como suas FDs irão influenciar no processo de ensinoaprendizagem da Língua Portuguesa. 3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 3.1 CONHECENDO OS SUJEITOS E SEUS ESPAÇOS Essa pesquisa foi realizada em cinco escolas da Rede pública de Ensino, que fazem parte de um Complexo Escolar da cidade de Salvador. A escolha das escolas se deu, primeiramente, por apresentar características que se pretendia, pois estavam situadas em bairros populosos, eram representativas do ensino público de Salvador e ficavam perto da residência da pesquisadora, o que tornou mais fácil o acompanhamento das aulas. Em relação à escolha das turmas, o objetivo era trabalhar com o 6º até o 9º ano para fazer um estudo mais detalhado sobre a produção escrita em sala de aula. Num total foram escolhidas seis turmas que ficaram distribuídas da seguinte maneira: Escola número 1 – E1 . 1 turma do 6º ano Escola número 2 – E2 . 1 turma do 7º ano Escola número 3 – E3 . 1 turma do 7º ano Escola número 4 – E4 . 1 turma do 8º ano Escola número 5 – E5 . 2 turmas: 1 do 8º ano e 1 do 9º ano Na escola 5 foram visitadas uma turma do 8º ano e uma turma do 9º ano do fundamental e havia uma só professora; para as demais escolas, a relação é 1 turma X 1 professora. No conjunto, foram consultadas 5 (cinco) professoras em 6 (seis) turmas do ensino fundamental. O contato com os sujeitos — professores e diretores — durante a pesquisa aconteceu de forma harmoniosa e respeitosa, já que eles em momento algum se negaram 84 a receber a pesquisadora em suas salas de aula e a responder os questionários aplicados, de modo geral. Apenas uma das professoras não se submeteu a responder o segundo questionário, embora a pesquisadora tenha procurado, de várias maneiras, fazer o questionário chegar até ela. Por essa razão temos dados de quatro questionários e não cinco, como esperávamos. Uma outra professora não permitiu que suas aulas fossem gravadas e, por esse motivo, foram analisadas as transcrições das aulas de apenas quatro professoras. Houve o cuidado de proteger a identidade das professoras, para uma melhor isenção e neutralidade na análise e, também, a identidade dos alunos no momento dos diálogos em sala de aula. O perfil das professoras é diversificado e o que as aproxima é o fato de serem professoras da mesma disciplina e pertencerem à Rede Pública de Ensino. Apresentam características diversas: A professora PE1 tem 31 anos, graduação e mestrado em Letras e trabalha na Rede Pública de Ensino há 8 anos. Ela dá aula para o 6º ano. A professora PE2 tem 43 anos, graduação em Letras Vernáculas e trabalha na Rede Pública de Ensino há 16 anos. Sua turma é a do 7º ano. A professora PE3 tem 44 anos, graduação em Pedagogia, especialização em Planejamento Educacional e está fazendo o curso de Letras na modalidade EAD. Trabalha na Rede Pública de Ensino há 18 anos. Ela também dá aula para o 7º ano. A professora PE4 tem 60 anos, graduação em Letras Vernáculas e especialização em Psicopedagogia Escolar e Clínica. Trabalha na Rede Pública de Ensino há 28 anos. Atualmente ensina para a turma do 8º ano. A professora PE5 tem 51 anos, curso superior com especialização e trabalha na Rede Pública de Ensino há 22 anos. Ela dá aula para duas turmas: uma do 8º ano e outra do 9º ano. Como já foi dito na introdução, nessa etapa da pesquisa buscou-se, a partir da Análise do Discurso, levantar nos dizeres dos sujeitos a constituição dos sentidos e dos efeitos de sentidos por meio das significações materializadas nas respostas dadas aos questionários aplicados às professoras. 85 3.2 OS QUESTIONÁRIOS: ANÁLISE DASRESPOSTAS DOS SUJEITOS O primeiro questionário foi aplicado no início da pesquisa, correspondendo mais ou menos à terceira unidade escolar e contém a questão abaixo: Como se pode levar o aluno a escrever bem e o que significa escrever bem? O segundo questionário foi aplicado no final do ano letivo e possui três questões: 1) Qual a sua avaliação sobre o desempenho de seus alunos (os que participaram da pesquisa) em relação à escrita em sala de aula no ano de 2009? 2) Em algum momento, durante o ano de 2009, ao corrigir um texto produzido pelo seu aluno, foi permitido que ele reescrevesse o seu texto? Se isso aconteceu, o que você percebeu com a reescritura do texto? Caso isso não tenha ocorrido, quais foram os motivos que não permitiram essa reescritura? 3) Em relação ao resultado final da disciplina, todos os alunos foram aprovados? Caso tenha tido alguma reprovação, a escrita desse aluno teve influência nesse processo? Justifique. Esses questionários foram respondidos por escrito e devolvidos num prazo de mais ou menos quinze dias. Para orientar a análise, no tratamento aos dados, isto é, as respostas dadas nos questionários, procurou-se observar como se davam as compreensões das seguintes categorias lingüísticas e culturais: As concepções de língua e linguagem que se apresentam nesses dizeres. As concepções de língua escrita e língua oral que daí se podem extrair. A compreensão do que seja um bom texto escrito para o sujeitoprofessor. Os critérios considerados no ensino/aprendizagem do texto escrito. Além disso, foram trazidos também a este capítulo os discursos dos PCNs relacionados a essas questões para serem confrontados com as respostas dos questionários, de modo a se apreender melhor de que posições falam essas professoras. 86 3.2.1 O primeiro questionário Como se pode levar o aluno a escrever bem e o que significa escrever bem? As respostas foram variadas e, ao responderem, as professoras dividiram a questão em duas partes. A primeira parte aborda a questão de como levar o aluno a escrever bem. Para três professoras, escrever bem está relacionado diretamente à leitura. Segundo elas: A habilidade de escrever pressupõe a de ler. Não há receita, mas essas habilidades andam juntas o tempo todo. [...] os jovens estão deixando de ler e escrever, simplesmente porque não sabem ler e escrever. (PE1, 6ª. SÉRIE- 2009) O caminho que o professor pode indicar, ou melhor, iniciar para que o escreva bem, penso que seja através da leitura associada à produção textual. (PE2, 7ª. SÉRIE - 2009) Fazendo com que ele leia muito vários tipos de textos (TIPOLOGIA), para que ele possa ter uma leitura crítica do mundo. Fazendo uma discussão dos assuntos lidos, possibilitando a escrita, para que ele possa ter uma visão crítica do assunto discutido e possa escrever com embasamento. (PE5, 8ª e 9ª SÉRIES 2009) Nesses dizeres fica evidenciado que, se o aluno lê, automaticamente sabe escrever. Logo, é a leitura que o capacitará a escrever bem, pois é o instrumento que o direcionará a essa atividade. Nas três respostas que obtivemos encontramos a leitura como condição essencial para escrever bem. Quando as professoras dizem que a leitura é essencial para a escrita do aluno, elas repercutem um discurso que já está ecoando em muitos lugares e seus efeitos de sentido reforçam que quem lê, naturalmente, escreve melhor. De certo modo há a cristalização do sentido de leitura como prática que possibilitará o aluno a ter um desempenho desejado na escrita e, assim, o que se ouve são discursos que reforçam essa questão. E, nesse sentido, os enunciados das professoras estão inseridos numa memória discursiva que, segundo Orlandi pode ser tomada como interdiscurso, “aquilo que fala antes em outro lugar independentemente”. Há um saber discursivo — no caso, a leitura é fundamental para a escrita — que retorna aí “sob a forma do pré-construído” 87 (ORLANDI, 2007, p.31). Nesse caso, um dizer que vem, também, dos PCNs, possivelmente. Outras duas professoras responderam focalizando outros aspectos, além da leitura. A professora PE3, do 7º ano, respondeu da seguinte forma: Acredito que o incentivo por parte de nós professores seja de vital importância para esse processo, pois um dos primeiros passos é mostrá-los que são capazes. Claro que isso não ocorre de maneira rápida, porque tratase de um processo no qual os alunos vão desenvolvendo habilidades até atingir tal momento. Percebo que a leitura é um desses caminhos para que o aluno adquira habilidade de escrever bem. Quando o aluno lê este encontra mais facilidade de escrever...Produzir um texto não é algo tão simples, pois ele precisa ter algo de significativo para quem escreve. Escrever por escrever não funciona, pois o aluno precisa perceber porque está escrevendo. (PE3, 7ª. série 2009) (Grifos nossos) Nesses dizeres, percebe-se que outras questões relacionadas ao objetivo de “como levar o aluno a escrever bem” aí foram incluídas. Logo no início de sua fala, a professora reconhece que a leitura está relacionada à pratica de escrita, a qual é “a um processo e que não ocorre de maneira rápida”. A professora PE3, do 7º ano, admite que a leitura faz parte desse processo (de produção escrita). E, nesse sentido, sua postura é a mesma das professoras anteriores que revelam que é a leitura que conduzirá o aluno a escrever bem. A FD na qual se ancora este sujeito discursivo é atravessada por uma memória discursiva que repete um já-dito — a leitura ajudando na escrita. Mas deve-se observar também, na formulação lingüístico-discursiva deste sujeito, o aparecimento de um outro entendimento: a escrita como processo. E neste caso este sujeito já rompe com alguns dizeres anteriores, que afiançam a escrita pelo tão só hábito de ler e neste ato, se apossar também das estruturas da língua escrita. Para esta professora aparece a escrita como resultante de um processo, de uma prática que se faz e se refaz, a todo momento. Em seguida, a professora afirma que “escrever não é tão simples, pois precisa ter algo de significativo para quem escreve e escrever por escrever não funciona”. A professora fala a partir de uma FD que compreende a interlocução, a interação verbal como constitutiva da linguagem e esse discurso repete, com outras palavras, o que alguns teóricos como Bakhtin ([1929] 2006) e Geraldi (1993) há muito vêm falando sobre o processo de produção de texto. Para AD, a interação verbal é própria da língua. Esta não pode ser concebida fora de sua situação de uso, pois é na prática linguística que a língua faz sentido 88 “enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história” (ORLANDI, 2007, p. 15). A última fala sobre esta questão é da professora PE4, do 8º ano, que diz o seguinte: Oportunizar o acesso a material escrito, estimulando a prática da leitura, porque quem lê tem mais facilidade para escrever bem. Incentivar o hábito de conhecer as estruturas de textos diversos, de manter-se atualizado com os acontecimentos do mundo e reconhecer a função social da leitura e escrita. Trabalhar sempre com textos que circulem na mídia e que despertem a atenção dos alunos. É dever do mediador auxiliar o aluno a desenvolver competências para o uso da língua nas mais diversas situações sociais. Desenvolver habilidades necessárias para ouvir e respeitar a fala do outro nos debates e discussões, favorecendo de forma sistemática tanto a retroação das atividades como a discussão e antecipação das mesmas. É importante promover interesse pelas próprias produções e pelas dos outros colegas, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pela escrita e leitura. (PE4, 8ª. série 2009) A professora PE4 compactua com as outras professoras a mesma ideia da importância da leitura para a escrita, mas sua fala se diferencia das demais pelo fato de afirmar que [se deve] “Oportunizar o material escrito [...] trabalhar sempre com textos que circulem na mídia e que despertem a atenção dos alunos [...].” Ela se aprofunda na questão da leitura, sugere o acesso a textos diversos, gêneros os mais variados e atenta para a função social da língua(gem). A PE4 diz que se deve “incentivar o hábito de conhecer as estruturas de textos diversos”, e essa questão está diretamente ligada aos gêneros discursivos que, segundo Bakhtin (1997), constituem os quadros obrigatórios de qualquer produção verbal, pois são “(re)configurações das práticas de linguagem” (NASCIMENTO, 2009, p. 9). Ao trazer essa questão, a professora fala a partir de uma FD que reconhece as bases teóricas acerca dos gêneros discursivos e sua importância ao se trabalhar em sala de aula, no sentido de levar o aluno a reconhecer os textos como uma prática social em que os discursos circulam e geram sentidos em seus leitores. E a professora complementa esse entendimento quando diz que “é preciso desenvolver competência para o uso da língua nas mais diversas situações sociais.” 89 Dando continuidade à resposta, a professora PE4 finaliza a questão de “levar o aluno a escrever bem” tocando diretamente na prática da própria escrita, no sentido de levar o aluno a se apropriar dessa prática. Para ela, “é importante promover interesse pelas próprias produções e pelas dos outros colegas, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pela escrita e pela leitura”. Esse interesse tanto pelo texto próprio como pelo do colega está contido numa perspectiva que vê o texto inserido num processo de construção de sentidos que permite aos interlocutores compartilhar suas produções e a desenvolver o gosto pela escrita e pela leitura numa prática social contínua. O discurso da professora permite entender que ao produzir um texto, o aluno deve reconhecer a língua como interação verbal que possibilitará a ele um aprendizado que não se baseia em gestos mecânicos e artificiais de manuseio da língua, mas em reflexão que gera: [...] a construção criativa de situações interlocutivas no interior das quais necessariamente emergem a leitura de mundo, as diferentes formas linguísticas de, aproximando-se do mundo, expressar sobre ele uma compreensão materializada num texto oral e escrito. (GERALDI,1996, p.66). É importante destacar que a professora PE4 desenvolve em seu discurso uma concepção de linguagem como forma de interação e reconhece o espaço da interlocução como sendo constitutivo do sujeito e dos sentidos. Em todos esses dizeres aqui trazidos é possível reconhecer-se a presença do texto oficial sobre o ensino da escola fundamental no Brasil, os PCNs. São várias as passagens que se podem extrair deste Documento que vão ecoar as palavras das professoras entrevistadas, quanto aos aspectos de aprendizado da língua materna e da língua materna escrita. Veja-se o que dizem os PCNs sobre a leitura e sua importância para a escrita: Segundo os PCNs: P. 28/29 O trabalho com a leitura tem como finalidade a formação de leitores competentes e, consequentemente, a formação de escritores, pois a possibilidade de produzir textos eficazes tem sua origem na prática de leitura, es paço de construção de intertextualidade e fonte de referências modelizadoras. A leitura, por um lado, nos fornece a matériaprima para a escrita: o que escrever. Por outro, contribui para a constituição de modelos:como escrever. (BRASIL, 2000, p.53). 90 Segundo este texto dos PCNs a leitura vai colaborar para a escrita tanto no aspecto do conteúdo (o que escrever), como no aspecto da forma (como escrever). Ainda que não se perceba, nos dizeres das professoras, o modo como exatamente a leitura viabiliza a escrita, são estes aspectos que elas trazem em suas falas: a leitura ajuda na construção do texto escrito. Também se podem encontrar no referido Documento, passagens como as que se seguem, que traduzem a necessidade de maior leitura nas escolas para o manuseio, a prática e a familiaridade do aluno com o material escrito e da existência de bibliotecas: A escola deve dispor de uma biblioteca em que sejam colocados à disposição dos alunos, inclusive para empréstimo,textos de gêneros variados, materiais de consulta nas diversas áreas do conhecimento, almanaques, revistas, entre outros...É desejável que as salas de aula disponham de um acervo de livros e de outros materiais de leitura. (BRASIL, 1998, p. 71-72) Também o entendimento da língua enquanto espaço de interlocução entre sujeitos, de interação verbal; ou de uma prática social, estão contidos nesses ensinamentos dos PCNs, Documento que, por sua vez, se baseia em estudos dos mesmos estudiosos que aqui trazemos e que lidam com esses novos entendimentos de língua e linguagem, trazidos não só pela linguística tradicional mas, sobretudo, disciplinas a ela relacionadas e outros campos de estudo da linguagem mais recentes e que buscam seus respaldos em abordagens que consideram a enunciação, o uso, o social e a história na consideração do fato linguístico-discursivo: Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. (BRASIL, 1998, p.23).. O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, são condições de possibilidade de plena participação social. (BRASIL, 1998, p.19). Percebe-se claramente nas formulações linguístico-discursivas das professoras, nas respostas dadas, que estes entendimentos sobre a língua(gem), a língua escrita e conceitos a ela relacionados são presentes, o que nos autoriza a dizer que essas professoras falam, umas mais outras menos, a partir de FDs que compreendem o estudo 91 da linguagem sob estes viéses que ora se apresentam e que são preconizados e recomendados pelos PCNs. Entretanto, se fazemos o confronto entre estes dizeres e os sentidos apreendidos, em nosso gesto de interpretação, das próprias práticas das professoras em sala de aula, de que podemos falar um pouco a partir dos registros feitos (como já abordado no capítulo anterior), vamos perceber que não são bem as mesmas as significações ali percebidas, através das práticas rotineiras de sala de aula no trato com a linguagem, das atividades oferecidas e realizadas (e das não realizadas, que neste caso têm valor positivo) no ensino aprendizagem do texto escrito, dos discursos proferidos ao tempo dos momentos expositivos nessas aulas. Para ilustrar um pouco deste confronto, traremos aqui a descrição de algumas atividades e as trataremos observando as temáticas que foram desenvolvidas nas questões feitas às professoras e por elas respondidas, por exemplo, a importância da leitura para a construção do texto escrito. Apesar da ênfase dada, pelas professoras, à leitura como sério coadjuvante na construção do texto escrito, não houve, em nossos registros de acompanhamento, uma regularidade da atividade de leitura nas diferentes salas visitadas: algumas professoras, com efeito, propõem, sim, atividades mais rotineiras de leitura; isso porém não acontece, do mesmo modo, em todas as salas. De modo geral, pode-se dizer que apenas as professoras PE2 e PE4 abriram maior espaço, em suas aulas, para essa atividade. As professoras PE1 e PE3 restringiram-se apenas à leitura de textos que seriam trabalhados em sala de aula; e a professora PE5 em nenhum momento apresentou qualquer texto para ser lido em sala de aula ou para ser trabalhado em casa; e em suas aulas não demonstrava qualquer afeição à leitura. A professora PE2, do 7º ano, nos dá um exemplo que consideramos bem sucedido de atividade de escrita. E esse trabalho se iniciou, efetivamente, com o trabalho de leitura de Literatura de Cordel, numa atividade já referida em capitulo anterior. De fato, PE2 trouxe para a sala de aula muitos exemplares de textos em cordel, e os alunos puderam estar diante do texto, lê-lo e desse modo conhecer e entender melhor essa Literatura e o gênero textual a que pertence. Após essa atividade em torno da Literatura de Cordel, a professora solicitou a seus alunos a redação de um texto de Cordel, e sugeriu a temática de Natal. O que temos em seguida são textos produzidos por esses alunos, todos com temática natalina, escritos em forma de versos, com rimas como a literatura de cordel. 92 1 Feliz Natal O Natal está chegando É a Época dos presente De enfeitar árvores e casas Com estrelas cadentes Que quando passam no céu Deixa muita gente contende Crianças esperam Papai Noel Anciosas, fizeram cartinhas Querendo ganhar um presente legal E pra todas eu desejo um Beijo e um Feliz Natal 2 Ano Novo O Ano Novo ta chegando Chegando para arrasar Com muitos fogos se estourando Muito presente vou ganhar E no meu final de semana Vou me divertir e me alegrar Ano novo se passando na ilha É muita diversão, Que esteja todos em paz. E fora de confusão, Pois no meu Natal e Ano Novo Tem muita diversão Feliz Ano Novo! 3 O Natal Quando o natal chega, eu logo fico contente com minha família e amigos eu logo abro os dentes, fico sorrindo sem parar pós a minha alegria não acaba e nunca acabará. O Natal é muito legal ganho presentes, familia reunida, com pisca-pisca e árvore de Natal é por isso que o Natal é especial FIM 93 4 Natal O natal já vem chegando rapidinho se aproximando papai Noel traz presentes e come biscoito com leite quente. A noite família reunida passa estrela cadente mas um pedido pra vida o sino toca e tem a ceia mas um natal acabando e os anjos nos abençoando. Esses textos seguem bem a atividade proposta pela professora. Pelo que se observou, os alunos não tiveram maiores dificuldade em escrevê-los e isso está possivelmente relacionado ao modo como a professora conduziu essa atividade. Em primeiro lugar, ela colocou no quadro uma lista de várias palavras relacionadas ao natal e ao ano novo. Em seguida, apresentou um cordel, retirado da internet, com a temática do natal e selecionou alguns alunos para lê-lo e essa situação permitiu ao aluno relembrar as aulas anteriores em que a professora já tinha trabalhado esse assunto. Mais adiante, ao passar a atividade, a professora relembrou que o cordel é uma narrativa escrita em versos e que possui rimas e que elas são muito importantes na construção desse texto. Além disso, a formatação da atividade na folha sugere o gênero que foi pedido, pois há uma linha não cortada, em que deverá ser colocado o título e mais abaixo as linhas cortadas onde deverão ser colocados os versos. Nos textos, vê-se a preocupação do aluno em construir rima e em redigir um texto com o ritmo do Cordel, dentro da temática do Natal. São, em sua maioria , textos descritivos e narrativos, com porções de reflexão sobre a festa natalina. Como se pode constatar, esses textos seguem perfeitamente o modelo de gênero que está sendo pedido, o Cordel. Com esta mesma temática do estudo do Cordel, podemos abordar agora um exemplo que consideramos como um exemplo mal sucedido de ensino-aprendizagem de texto escrito valendo-se da leitura, ou, melhor dizendo, valendo-se de uma pouca leitura realizada. Vamos expor aqui algumas das razões do mal sucedido. Após o pedido da professora, PE3 – também 7º ano, para redigir o texto de Cordel, a turma demonstra não saber como fazê-lo e diz que não consegue escrever. A professora insiste para que os alunos escrevam, alegando que esse assunto foi dado anteriormente. Pelo que se observou em suas aulas 94 anteriores, quando o assunto dado foi o estudo da literatura de Cordel, a professora trouxe algumas definições de Literatura de Cordel retiradas do livro didático e do dicionário, apresentou um texto em cordel e analisou algumas palavras do texto que, segundo ela, estavam relacionadas com a linguagem popular. Essa foi a aula a partir da qual a professora pediu a tarefa de escrever um texto de Cordel. Tampouco discutiu nem mostrou como se dá o processo da escrita, objetivo de sua próxima atividade/tarefa. A professora age como se o conhecimento da construção do texto escrito estive pressuposto, e os alunos já tivessem o seu domínio, como um produto uno e acabado. Como colocado anteriormente, a professora tão somente desenhou no quadro algumas linhas a sugerir os versos e apresentou os temas: saúde, futebol, esporte, família, mulher, cidade, educação. Trouxemos aqui alguns textos produzidos por estes alunos nesta aula: 1 Esporte vou contar para voces uma verdadeira historia de uma moça chamada Ana que pegou gripe suina Se recuperou e hoje ela joga muita bola. O sonho de Ana era ser jogadora mas por causa de um descuido dela pegou uma gripe nada boa. O problema era que ela não ligou a coisa foi piorando, é rapidamente ela desmaiou A sorte de Ana foi que os familiares rapidamente correrão para o pronto socorro. é chegando la cuidarão muito bem dela é em alguns meses ela se recuperou é na realidade O sonho dela se realizou ela Hoje é uma grande Jogadora de bola, é nunca mas ela se descuidou 95 2 Museu Eu vou te contar uma história Que com Dany aconteceu Era ela e a irmã que foram Assaltadas no museu. Depois elas foram ver uma amiga Seu nome era Larissa E elas contaram tudo que aconteceu Larissa falou: vocês nos Vão mais naquele museu E nem lá elas apareceram. 3 Amor Vou te contar um historia De uma menina que já Gostava de amar. Ela amava muito suas Amigas, seus familiares e Não penssava em namorar... Mas em um certo dia Quando ela fo a praia Ela viu um menino e O disse Você é Lindo O menino falou você qué é. Eles trocaram MSN, ORKUT e telefone No dia seguinte ele ligou para Ela para eles saírem e começaram a Namorar A mãe dela deu o maior apoio 4 Os olhares de Maria Não sei se é amor mas queima no peito, arde na alma e esquenta o coração Amor a primeira vista? Não! Vivo sonhando em me casar será que esse dia há de cegar 96 Sonho dia e noite Com o meu príncipe encantado Maria! Maria! Maria! minha mãe volta a chamar Um dia sonhei que me casaria acordei alucinada! tenho que da um “basta”! O Pedro da padaria já me olha diferente acho que me ama ou é coisa da minha mente? Ele tem um olhar que me faz sonhar e muitos e muitos dias á susoirar há Pedro, há Pedro seus lábios... Me faz te... desejar! Eu te amo por inteiro seus olhos, teus labios seu rosto, teu corpo simplesmente me fascina teu olhar Depois de olhares catas, bilhetes mensagens até em fim ficamos a namorar uns oito anos de namoro fomos a casar, nasceu Julía e Paulo que hoje não para de brincar Se compararmos estas produções com a produção dos alunos apresentada anteriormente, ou seja, os alunos da professora PE2, também do 7º ano, observaremos mais imediatamente que, principalmente, do ponto de vista da forma, da estrutura do texto poético, no caso, o Cordel, eles se distanciam: nestes últimos não há muita preocupação com a escrita ordenada em versos, não há a busca da escrita com rimas, 97 como se observa nos textos anteriores. E pelo fato de não seguirem os temas propostos pela professora, a liberdade na escolha do tema faz também haver uma variação maior nesses textos últimos: há aí narrativas em forma de poesia com versificação livre; há textos poéticos em que predomina a função expressiva da linguagem; há comentários etc. Não se vê uma maior aderência ao texto do Cordel solicitado. Isso nos faz pender para o entendimento de que esta atividade, de fato, foi mal-sucedida, posto que não conseguiu o seu objetivo, nem mesmo naquilo que é o mais fixo, a estrutura formal do texto de cordel. O que se obteve desta atividade, em verdade, vem de aprendizados já adquiridos na trajetória desses alunos. São seus aprendizados anteriores. Não houve um ganho efetivo que aí se somou. Esses textos revelam que esses alunos quase nada entenderam sobre Literatura de Cordel, o que não aconteceu com os alunos da professora PE2 que demonstraram em seus textos um melhor entendimento da estrutura do Cordel e de sua especificidade. Vamos ficar somente com estes exemplos de escrita dos alunos, por enquanto. Deveremos voltar a outras após fazermos a análise das respostas das professoras à segunda parte da questão. A segunda parte da questão: o que significa escrever bem? Essa questão não foi respondida pela professora PE5, mas as outras professoras responderam. A professora PE1 colocou a resposta da seguinte maneira: A organização das ideias e a correção gramatical contribuem para o escrever bem. E isso a escola pode e deve ensinar. Mas antes precisa alfabetizar, formar leitores e despertar o gosto pela escrita. (PE1 6ª. série, 2009) Esses dizeres remetem a uma FD que reconhece o valor do texto a partir de sua adequação às normas da Gramática Tradicional a qual se fundamenta numa prática ideológica que reconhece uma cultura letrada baseada no padrão culto da língua. No ensino tradicional da língua, a escrita alcança um certo grau de importância e se torna “superior” em relação à fala e, por esse motivo, qualquer desvio na produção do texto escrito é rejeitado. 98 O discurso da professora reconhece a língua como código, como mero instrumento de comunicação que atende a objetivos acadêmicos e não mostra nenhuma aproximação com o sentido sócio-histórico que abarca o entendimento da língua em seu uso concreto. A professora PE1 coloca também que “a escola pode e deve ensinar” “a organização das ideias e a correção gramatical”. Sua FD está voltada a uma visão restrita da língua que a considera um sistema de regras linguísticas de que o sujeito se apropria conforme suas necessidades comunicativas. Portanto, nesse sentido, a professora PE1 não leva em conta a perspectiva discursiva da língua que pressupõe seus aspectos histórico, social e ideológico. Segundo Orlandi (2005), para AD a língua não se reduz ao jogo significante abstrato, pois para a língua se significar precisa estar inscrita na história. Nesse sentido, a língua além de ser meio de comunicação é, principalmente, produto do trabalho de homens que estão envolvidos num processo de interação social. Na leitura devem ser estudados os diferentes gestos de interpretação possíveis na materialidade do texto e que só acontecem no momento em que as palavras produzem efeitos na relação entre os sujeitos e os sentidos. Para a professora PE2: Escrever bem é escrever de maneira clara, coesa e coerente, empregando argumentos que sustentem as ideias que o autor do texto defende, e sabendo utilizar o gênero textual de acordo com a situação social que o contexto pede. (PE2, 7ª. série 2009). A resposta da professora PE2 sustenta a ideia da necessidade do estudo do gênero em sala de aula, além da obediência às propriedades de um texto bem feito segundo a Linguística Textual, entre outras abordagens: a coerência, a coesão, a argumentação para dar sustentação ao dito. São conteúdos coerentes também com os ensinamentos de Bakhtin (1997, p. 303) que afirma que “os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas)” Segundo a professora PE3: Escrever bem é saber transmitir com clareza sua mensagem, uma ideia precisa e que principalmente o outro entenda o que está sendo transmitido. Um texto que apresenta coerência a mensagem fica clara e não apresenta dúvida, ou até mesmo interrogações. (PE3,2009). 99 A resposta da professora PE3 enfatiza, de modo semelhante à sua colega PE2, os aspectos textuais de coerência, clareza e precisão. Seu entendimento permite compreender a interação verbal também como a transmissão de uma mensagem ao interlocutor que, de posse do mesmo sistema ou código lingüístico, apreende o que lhe é dito. Neste sentido, PE3 sintoniza mais com um entendimento de língua como código, como comunicação, em que os interlocutores tomam parte de modo muito passivo naquela interação que ali acontece. Não há aí a remissão ao uso ou à situação em que ocorre o evento linguístico, isto é, a consideração da enunciação. Nesse sentido, a língua não é vista como interação verbal, como espaço de interlocução, de constituição de sentidos e sujeitos. A escrita parece ser um simples exercício escolar a ser implementado (embora não se diga como). Para professora PE4, tem-se: Pesquisas mostram que os alunos que têm a liberdade de escrever, confrontar seus erros e acertos, expressar suas opiniões, sem ser criticados, podendo usar a escrita como meio de comunicação entre os interlocutores, de forma clara, com ideias adequadas, reescrevendo sempre que for necessário os seus textos, possivelmente terão coerência, coesão, clareza, objetividade, mínimo de erros e estarão escrevendo bem. (PE4, 2009) O discurso da professora está ancorado numa FD que reconhece a língua(gem) realizada e inscrita num contexto histórico-social e é concebida por meio de um processo interacional entre sujeitos que usam a língua nas suas mais variadas maneiras de se comunicar, com o objetivo de expressar seus pensamentos, dar informações, praticar alguma ação com/sobre o outro. Esse discurso enfatiza que a linguagem se realiza por sujeitos que interagem a partir de seus lugares sociais os quais são estabelecidos pela sociedade e, por isso, o discurso da professora PE4 direciona para uma produção textual escrita que deve ser realizada como uma atividade de reflexão individual e coletiva. A professora demonstra que seu objetivo primeiro, em relação à produção escrita de seus alunos se dá, inicialmente, na consideração do acontecimento da construção do texto. A seguir, a professora afirma que por meio da reescrita, o quanto for necessário, o texto alcançará “coerência, coesão, clareza, objetividade, mínimo de erros e estarão escrevendo bem.” Nestes dizeres fica evidenciado que para escrever e, escrever bem, é necessário uma prática, quer dizer, escrever até alcançar o objetivo de um texto “ideal”. 100 A prática aqui mencionada inclui o expediente de retorno á escrita ou a reescritura do texto até atingir um texto “ideal”. Isto é, pensado como ideal. Surge aqui algo de novo em relação aos outros dizeres estudados. Voltaremos à questão mais adiante. Revendo o quadro das respostas obtidas, dos quatro dizeres que aqui foram trazidos como resposta à segunda parte da pergunta feita, podemos já estabelecer algumas diferenças entre essas professoras no que diz respeito a seus entendimentos sobre o que seja língua, linguagem e língua escrita, por um lado; e por outro, o que seja o ensino de língua materna e como ele deve acontecer. Como anteriormente, a alusão aos PCNs é prevista também aqui e, do mesmo modo, são várias as passagens daquele Documento que podem fundamentar os dizeres dessas professoras, ou de quase todos. Senão vejamos: Pode-se dizer que, apesar de ainda imperar no tecido social uma atitude “corretiva” e preconceituosa em relação às formas não canônicas de expressão linguística, as propostas de transformação do ensino de Língua Portuguesa consolidaram-se em práticas de ensino em que tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada é o uso da linguagem. Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita. (BRASIL, 1998, p. 18). De fato, até o momento ainda não foi flagrado nos nossos dizeres estudados, remissões a este tipo de comportamento e de ensino-aprendizagem tão difundido entre nós, qual seja o de corrigir as formas da língua não compatíveis com o seu padrão culto por acaso proferidas por nossos alunos em sala de aula; ou constituindo seus textos escritos. Até o momento o que se vê, nestas formulações discursivas, são recursos às práticas do aluno, as quais devem partir do “[...] uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita”. De um modo geral, há uma certa sintonia entre estes vários dizeres aqui abordados. Os discursos que aí se podem depreender apontam todos eles, mais ou menos, para os mesmos sentidos. Mas, não totalmente; ou seja, há elementos iguais e há elementos diferentes nesses discursos. Não acontece, então, aqui uma identidade total, oriunda de uma FD fechada, una; há alguns distanciamentos entre essas posições, o que nos autoriza a dizer que as professoras buscam no interdiscurso de suas formações discursivas aquilo que podem e devem dizer sobre a questão da língua escrita e de seu aprendizado. 101 Em relação ao último ponto comentado (a última parte da questão do primeiro questionário), por exemplo, pode-se já estabelecer um ponto de ruptura. Este é o ponto de distanciamento entre PE4 e as outras professoras. Em seus dizeres, rompendo com os dizeres anteriores, a professora PE4 introduz a noção de reescritura do texto, como importante na produção do texto escrito. Dir-se-ia que aqui há uma ruptura na fala mais usual encontrada entre os professores de Língua Materna, especialmente relativa ao ensino-aprendizagem de construção de textos em língua escrita: a possibilidade de fazer e refazer o texto, considerando que “reescrevendo sempre que for necessário os seus textos, possivelmente terão coerência, coesão, clareza, objetividade, mínimo de erros e estarão escrevendo bem” (PE4, 2009). Admitir este olhar sobre o processo de ensinoaprendizagem do texto escrito significa compartilhar conhecimentos presentes não só nos PCNs mas em tantos outros autores aqui trazidos, como por exemplo, Possenti (2005) que afirma que a escola precisa trabalhar alguns pontos básicos em relação a levar o aluno a escrever bem e, dentre tantos, está a “prática de escrita constante, várias vezes ao dia, todos os dias: narrativas, comentários, resumos, paródias, paráfrase, diário, cartas, bilhetes etc” (POSSENTI, 2005, p. 23). Passemos agora às respostas das professoras ao segundo questionário e suas três questões. 3.2.2 O segundo questionário: outras questões Este questionário foi aplicado no final do ano letivo e a professora PE2 não o respondeu. Ele visa reconhecer, pelas materialidades discursivas aí colocadas, quais os sentidos que são levantados em relação: À prática de reescritura em sala de aula. À avaliação do desempenho do aluno em relação à escrita durante o ano. À influência da escrita na aprovação ou reprovação do aluno. A primeira questão constante deste questionário é a seguinte: Qual a sua avaliação sobre o desempenho de seus alunos (os que participaram da pesquisa) em relação à escrita em sala de aula no ano de 2009? As respostas foram as seguintes: 102 A avaliação é um processo. No início do ano detectei que os alunos escreviam de forma ilegível, trocavam letras (f por v, b por p) e continuei diagnosticando e buscando estratégias para melhorar as aulas. Após ver dicas de colegas alfabetizadores, fiz uma reunião com a turma para uma autoavaliação. Planejamos as atividades de leitura e escrita para cada unidade e o resultado final foi muito bom. (PE1, 6ª. série 2009) A princípio acredito que todos tenham condições de se desenvolverem, claro que respeitando suas particularidades. A turma em análise trata-se de estudantes que na sua maioria são repetentes por duas ou três vezes na série e apresentam muita dificuldades na leitura e consequentemente na escrita. Em relação à escrita estão avançando, pois no início do trabalho tinham resistência em escrever e no decorrer do ano letivo não percebia mais esse aspecto. Já os outros continuam avançando e acredito que seja fundamental para eles mais leituras e mais incentivo para que continuem produzindo texto. (PE3, 7ª.série 2009) Foi satisfatório. A escrita fluiu bastante e o aluno adquiriu um poder de argumentação na reestruturação dos seus textos. (PE4, 8ª. série 2009) Os alunos apresentaram um baixo nível em relação à escrita. Tinham dificuldade em se expressar, porém com o passar das aulas e o treinamento constante eles melhoraram muito. Se não saíram excelentes produtores, pelo menos conseguiram expor suas ideias com clareza. (PE5, 8 e 9ª séries 2009) Como no questionário anterior, as respostas também foram variadas e, neste sentido, outras questões são trazidas. Em primeiro lugar, pode-se perceber que para as professoras PE1, PE3 e PE5, no início do ano letivo, seus alunos apresentaram dificuldades em produzir textos em sala de aula e, segundo elas, essas dificuldades estavam diretamente relacionadas a: PE1 – Erros ortográficos PE3 – Dificuldades na leitura PE5 – Dificuldades em se expressar A professora PE1 afirma ter detectado, no início do ano letivo, que seus alunos escreviam de forma ilegível e trocavam letras. A partir daí, ela buscou resolver essa questão pedindo orientação aos seus amigos alfabetizadores. O discurso da professora reflete um saber da língua que preconiza que para alguém escrever bem é preciso dominar bem a questão ortográfica, escrever corretamente – e isso significa que domina 103 a ortografia, que domina o idioma e, consequentemente, a norma de prestígio. Quando se diz que o aluno sabe escrever, a ideia é de que ele domina bem a ortografia. Segundo Possenti: Na linha de valorização de certos índices, a ortografia funciona como um distintivo: quem conhece passa por sabido, quem não a conhece, por incapaz (não apenas ignorante, mas incapaz). Por isso, nas escolas, insiste-se tanto na ortografia, especialmente nos primeiros anos de escola. Parece que pouco importa que se leia ou se escreva relativamente pouco. O importante é que um aluno não tenha problemas ortográficos. Alunos são reprovados aos milhares com base na ortografia que praticam. (POSSENTI, 2005, p.7-8) A formulação discursiva da professora PE1 se enquadra perfeitamente nessas reflexões de Possenti. O saber da ortografia é prioritário. No entanto, o entendimento que circula no meio educacional, principalmente após a elaboração dos PCNs, revela que esse discurso foi redirecionado. Ou seja, houve uma transformação que possibilitou uma reinterpretação na forma institucionalizada de alfabetizar. Os PCNs (2000) dizem que em relação à área de Língua Portuguesa, no ensino tradicional, havia dois estágios: o primeiro seria o que já se chamou de “primeiras letras”, hoje alfabetização, e o segundo, aí sim, o estudo da língua propriamente dita (BRASIL, 2000, p.33). Após a reinterpretação, o que os PCNs chamam de “revisão metodológica” (BRASIL, 2000, p.33), foi dito que esses dois estágios “podem e devem ocorrer de forma simultânea. Um diz respeito à aprendizagem de um conhecimento de natureza notacional: a escrita alfabética; o outro se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever” (Brasil, 2000, p.33). Apesar de reconhecer o processo da escrita alfabética, os PCNs (2000) afirmam que isso não garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita. Segundo os PCNs: Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situações de comunicação em que os tornem necessários. Fora da escola escrevem-se textos dirigidos a interlocutores de fato. Todo texto pertence a um determinado gênero, com uma forma própria, que se pode apreender. (BRASIL, 2000, p.34) Então, pelo que se pode observar, os PCNs destacam que ensinar a escrever não se reduz ao processo da escrita alfabética, mas está diretamente relacionado ao fato de 104 levar para sala de aula textos verdadeiros, quer dizer, textos que fazem parte da prática de uso da linguagem da cada sujeito e para isso os PCNs enfatizam a importância do gênero discursivo. Retornando à resposta da professora PE1, verifica-se que sua posição em relação ao desempenho de seus alunos na escrita destaca apenas o fato de escreverem corretamente, do ponto de vista ortográfico e, mais uma vez, ela destaca a importância da leitura. Como se pode observar, seu discurso está atrelado a uma FD que se baseia no ensino tradicional e não reconhece as novas formas que os PCNs trazem para redirecionar esse ensino. Sua fala traz à tona uma questão antiga, mas que ainda predomina nas aulas de Língua Portuguesa em nossas escolas, que são as dicotomias de avaliação e correção da língua: língua “correta” e “errada”, “oficial” e “não-oficial”, “autorizada” e “não-autorizada”. Essas dicotomias estão ajustadas a uma escola que por sua vez está ancorada numa ideologia de prestígio da norma culta da língua. Esse entendimento contribui para que o aluno não se aproprie da linguagem enquanto possibilidade de todas as suas variações quer sejam culturais, históricas e regionais. Para Possenti (2005), há razões de natureza variada e mais complexa a se impor no enfrentamento a esses “erros” dos alunos2. Segundo Possenti (2005, p.6), “quase nunca os erros são sintomas de burrice, desinteresse ou problemas de ordem médica, mas efeitos da variedade da representação escrita”. Logo, parte desses problemas advém das variedades linguísticas faladas e que se “refletem de alguma forma na escrita” (POSSENTI, 2005, p.6). Essa questão é muito relevante, pois, normalmente, quando um texto é corrigido, a primeira coisa que o professor faz questão de ressaltar (com caneta vermelha) é a grafia errada. É como se o aluno fosse proibido de ter esse tipo de erro já que ele está em determinada série, o que demonstra que tal erro é inadmissível. No entanto, não é bem assim que acontece, pois, como já foi abordado acima, o aluno tem uma vivência linguística em que predomina a oralidade, e ele precisa se aproximar mais da estrutura do texto escrito. Retornando à questão sobre o desempenho de seus alunos em relação à escrita, a professora PE3 diz que apesar de seus alunos serem repetentes duas ou três vezes, ainda 2 São os seguintes: 1º A falta de uniformidade na correspondência entre som e letra (j ou g;; ss ou ç etc.); 2º A diferença de pronúncia de certos segmentos (troca de e por i; o por u; l por u; u por l; l por r; r por l); 3º Variação mais ou menos significativa entre forma dicionarizada e a regional (eucaliptal e calipal ou calipar; choupo ou chope); 4º A questão da separação ou não de certas partículas (porventura/de repente; em cima/embaixo; a partir/apesar etc.). (POSSENTI, 2005, p. 16) 105 apresentam muitas dificuldades na leitura e, consequentemente, na escrita. Segundo este saber, a leitura é que pode levar a uma boa escrita, ficando implícito que um texto para ser considerado perfeito deve seguir modelos de textos “clássicos”, de autores consagrados e que seguem a um determinado gênero. A professora PE5, por sua vez, admite que seus alunos “apresentam um baixo nível em relação à escrita” e isso acontece porque eles “tinham dificuldades em se expressar”. Acontece aqui, mais uma vez, como já acontecera anteriormente, nas aulas das professoras PE1 e PE3, uma contradição entre o discurso praticado também pela professora PE5 e sua prática pedagógica cotidiana nas escolas: as professoras estão munidas de um conhecimento teórico mais sintonizado com as últimas reflexões e pesquisas em torno de linguagem, modalidades de língua e ensino/aprendizagem de língua materna; entretanto esse saber ainda se encontra configurado como conhecimento não efetivamente incorporado. As práticas em torno ao ensino e aprendizagem da língua materna não se fazem efetivamente tendo tais conceitos como fundamento. É o que se pode perceber pela constatação de um distanciamento entre os posicionamentos discursivos nestes dizeres trazidos nos questionários e a interpretação das práticas cotidianas aqui registradas. Voltando ao segundo questionário, a segunda questão é a seguinte: Em algum momento, durante o ano de 2009, ao corrigir um texto produzido pelo seu aluno, foi permitido que ele reescrevesse o seu texto? Se isso aconteceu, o que você percebeu com a reescritura do texto? Caso isso não tenha ocorrido, quais foram os motivos que não permitiram essa reescritura? Abaixo, seguem as respostas das professoras: Toda atividade de produção textual sempre foi seguida pela reescritura. Antes de pedir que reescrevessem o texto, cada aluno era convidado individualmente para a correção do seu texto e em seguida o aluno reescrevia o texto. A primeira impressão dos alunos era de choque, porque nunca tinham tido oportunidade de corrigir o texto inteiro com o professor. Os alunos tinham mais prazer em reescrever o texto, após entender a necessidade da tarefa. (PE1, 2009) Em relação à reescrita do texto alguns alunos fizeram a reescrita na íntegra, principalmente os alunos que apresentam um nível melhor de apren- 106 dizagem. Na sua grande maioria os alunos reescreveram o texto como foi corrigido, porém vale ressaltar que apresentaram ainda sim, alguns erros. Nesse mesmo grupo estão aqueles que em outro momento de produção textual cometeram os mesmos erros e que pareciam totalmente alheios as suas produções que foram corrigidas anteriormente. (PE3, 2009) Sim, porque é dessa forma que a escrita flui. A reescritura é importante porque permite que o aluno reveja o seu discurso, a organização do seu pensamento, a empregabilidade das regras gramaticais e ortográfica. (PE4, 2009) Sim, eles fizeram reescrita. Quando ocorreu a reescrita percebi que melhoraram o texto, pois podiam perceber os erros destacados. No próximo trabalho já evoluíam mais e tinham mais cuidado com a ortografia. (PE5, 2009) Todas as respostas apontam para a realização da atividade de reescritura como importante para a produção escrita e informam que os alunos realizaram as atividades de reescritura. De modo geral, os discursos flagrados nestas materialidades linguístico- discursivas apontam para a importância da reescritura na confecção do texto escrito e indicam a realização das atividades de reescritura em suas salas de aula. Para a professora PE4 a reescritura é vista, nas formulações, como o momento de reorganizar o pensamento, rever o discurso, e fazer a correção das formas gramaticais. Para as demais professoras, a reescritura é vista como a correção dos erros ortográficos; ou então se menciona reescritura sem precisar exatamente o que isso significa. Excetuando-se, em certa medida, a fala de PE4, não há nessas passagens uma abertura para a compreensão de reescritura como o fazer do texto escrito repetidamente para que se tenha maior naturalidade no processo de construção da escrita, no domínio de suas estruturas, não tão iguais às estruturas da linguagem coloquial/oral que o aluno pratica normalmente. O discurso da professora PE1 se apóia numa formação discursiva que legitima uma prática que contribui para o desenvolvimento individual do aluno em relação à escrita. Pelo que se pode perceber, antes de o aluno reescrever seu texto, é convidado para estar diante da professora e, com ela, averiguar seus erros e corrigi-los. O fato de a professora “convidar” o aluno leva a um entendimento de ser a docente avessa a uma visão estereotipada de simplesmente corrigir o texto e devolvê-lo para que o aluno possa copiar o que foi corrigido. Segundo esses dizeres, espera-se uma prática pedagógica interativa, em que o sujeito/aluno não é visto como mais um na sala de aula; ao 107 contrário, ele é único e, por essa razão, precisa ser chamado individualmente. E que este contacto mais próximo junto ao aluno permitirá uma recuperação mais atenta e detalhada do texto escrito pelo estudante. Entretanto, nas análises das práticas por nós vivenciadas nas salas de aula destas professoras, vamos constatar pouca compatibilidade entre os dizeres produzidos nos questionários, que estamos analisando, e a forma como as aulas eram conduzidas por elas, na realização dos seus ensinamentos e das atividades. Cabe dizer que essa relação de pouca compatibilidade se apresenta mais forte em algumas professoras, menos expressiva em outras docentes visitadas. Há uma aula da professora PE1, a qual mostraremos a título de ilustração, na qual ela explica que a turma participará de um amigo secreto e que haverá um cartão a ser feito com a professora de arte. O texto para ser colocado no cartão será redigido então naquele momento. Ela ainda explica que a mensagem do cartão será direcionada aos colegas da turma e às professoras presentes. Ela define algumas regras para a produção do texto e coloca no quadro: 1 – Só vamos falar de coisas boas 2 – Não escrever o nome da pessoa. Colocar sempre MEU AMIGO SECRETO 3 – Fazer uma retrospectiva do ano. A professora PE1 estabelece o número de linhas (5 a 10 linhas no máximo) e pede para os alunos escreverem num rascunho. Mais tarde ela avisa que quem for terminando o texto, é para levá-lo para ser corrigido. Os alunos escrevem e levam até a professora para que ela faça a correção e então eles possam fazer a reescritura. E a correção se faz pela colocação da palavra escrita nas laterais do texto, aqui transcritas entre parênteses após a palavra: Texto 1 Amiga secreta Oi amiga (Amiga), eu gosto muito de você mais (mas) você não liga para mim sabe, mes (para mim. Eu ) gosto de você, por você (porque você) é uma Amiga de verdade, fala coisa (coisas) que eu gosto e muito de você (gosto. Gosto) muito de você. 108 Texto 2 Meu Amigo secreto você é uma pessoa muito alegre, extrovertida e brincalhona pelo que eu vejo nos teus olhos. continui cendo a pessoa doce e amavel que você é. Que (que) você teha (tenha) um bom natal(,) junto com a sua familia (família) (,) que você para (pare) para refleti (refletir) (,) pensa (pensar) em você para voutar (voltar) uma pessoa renovada (.) O que se percebe nos textos acima, é que sua reescritura está voltada principalmente para a correção ortográfica do texto, e ainda assim, no segundo texto, a professora não fez a correção total. Mais uma vez fica nítido que PE1 desenvolve uma prática de ensino-aprendizagem da língua materna muito orientada, ainda, pela força do sistema formal da norma culta da língua e da ortografia. Este não é absolutamente o sentido de reescritura pensado por Possenti (2005), por exemplo, ou o que dizem os PCNs, em inúmeras passagens aqui já abordadas. A professora PE3 enfatiza que “na sua grande maioria os alunos reescreveram o texto como foi corrigido, porém vale ressaltar que apresentaram ainda sim, alguns erros” (PE3, 2009). Verifica-se nesse discurso que a professora considera a reescritura como meio apenas para o aluno perceber seus erros relacionados às unidades básicas da língua – as letras, as sílabas ou as palavras – e quase nada difere dos rascunhos. Que reescritura é essa pensada, então por nossas professoras? Ou, pelo menos, por algumas das professoras? A atividade de PE1 acima é uma atividade não de reescritura mas de correção do texto do aluno, no que diz respeito às suas falhas ortográficas. E um ou outro aspecto de pontuação. Na reescritura, segundo Passareli (2004, p.94) “o aluno examina os aspectos voltados a: adequação ao que a língua escrita convenciona, exatidão quanto ao significado, e, tendo em pauta o leitor, acessibilidade e aceitabilidade”. Portanto, reescrever não é apenas corrigir os erros ortográficos, mas possibilitar ao aluno outras oportunidades de escrever seu texto: modificando algumas partes; inserindo novas ideias; retirando alguns parágrafos; revendo o conteúdo quanto à sua coerência; examinando a capacidade de aceitação pelo leitor etc. A professora PE4, ao responder sobre o processo de reescritura de seus alunos, afirma que “a reescritura é importante porque permite que o aluno reveja o seu discurso, 109 a organização do seu pensamento, a empregabilidade das regras gramaticais e ortográficas” (PE4, 2009). A reescritura, aí, permite um diálogo entre o sujeito/aluno e o próprio texto para uma maior visibilidade dos equívocos em relação aos aspectos linguísticos e discursivos do texto. Além disso, a reescritura leva o aluno a compreender a escrita como conjunto de práticas que está inserido nas mais variadas ordens através de seus gêneros. O entendimento de PE4, por suas respostas no questionário, aproximase ao que Possenti (2005) e Passarelli (2004) dizem quanto ao processo de reescritura. Para esses autores, a reescritura do texto, quantas vezes forem necessárias, possibilita ao aluno condições de se deparar com o texto, avaliá-lo e proceder aos ajustes necessários para o seu processo final. É importante ressaltar que no período das aulas assistidas da professora PE4, seus alunos (8º Ano) não efetuaram o processo de reescritura; entretanto, não se pode afirmar que não tenham feito em um outro momento. Pois, como ela mesma afirmou anteriormente, “essa turma está comigo desde o 6º ano e, se Deus quiser, continuará comigo no 9º ano” (PE4, 2009). Pelo que se observa, seus alunos conseguem elaborar bem um texto escrito e isso, presume-se, não acontece de um dia para o outro. Em algum momento de sua vida escolar, eles tiveram uma prática que permitiu a eles, hoje, produzirem textos tais como: Texto 1 Lugar de criança É nos parques Não na colheita Lugar de criança É na grama A rolar A olhar as estrelas Da navalha da colheita Traz o pranto Do amor de uma mãe Traz candura No sol quente da plantação Esperança que perdura Coração pequeno mal amado que flores e buquês de esperança Já 100 vezes ás colocou ao teu lado Oh pai que salva esse mundo Salva as crianças Desse mundo 110 Dessa tristesa Dai a beleza Limpa a alma Limpa o mundo Texto 2 Trabalho infantil – proibido e ignorado No país em que vivemos as crianças estão expostas ao trabalho infantil, porque muitos pais não podem pagar uma creche e a renda familiar é pouca ou inesistente. Elas são obrigadas a trabalhar muito e ganhar pouco, mas lutam para conseguirem algum dinheiro para que seus pais possam comprar o almoço pouco, mais que vai ajudar a matar a fome deles. Como exemplo, estão aqui na cidade, os moradores das ruas de Salvador, que reciclam materiais para ganharem um trocado, para alimentarem a si e a seus familiares, para conseguirem sobreviver. Texto 3 O ECA tem uma lei proibindo que as crianças trabalhem, mas na minha opinião tem que proibir mesmo porque lugar de criança e adolescente é na escola. Aonde moro tem meninos trabalhando nas oficinas mais as vezes tem necessidades em casa e tem que trabalhar para se alimentar, e alimentar os demais. Criança tem que estar na escola tem o direito de ter um Ensino, uma aprendizagem melhor. E espero que isso mude. Esses textos foram escritos num momento de prova e não havia espaço para rascunho. Os alunos do 8º ano produziram seus textos numa única vez e o resultado foi muito bom, pelo que podemos observar. Apenas o texto 1 foge do tipo de texto que a professora pediu, mas não deixa de trazer em seu conteúdo a opinião do eu poético. Não podemos afirmar o quanto a prática da reescritura tem influência na produção desses textos, mas pode-se dizer, sim, que esta turma tem uma relação melhor fundamentada 111 com a língua escrita, e que seus alunos produzem textos escritos de melhor qualidade, sobretudo quando comparados com outros textos de outros alunos aqui trazidos, mesmo os que estão no mesmo nível serial. A professora PE5 diz que seus alunos “fizeram reescrita. Quando ocorreu a reescrita percebi que melhoraram o texto, pois podiam perceber os erros destacados. No próximo trabalho já evoluíam mais e tinham mais cuidado com a ortografia” (PE5, 2005). Os alunos do 8º ano, da professora PE5, em nenhum momento produziram sequer um texto em sala de aula. Em relação à sua outra turma, a do 9º ano, o que se viu no período em que foram assistidas as aulas, foi a solicitação de redação de um texto como tarefa de casa. Os alunos deveriam fazer uma pesquisa, na internet, sobre o Samba, e fazer um texto. A aula aconteceu no dia 18/11/2009 e logo no início a professora avisa que a turma irá escrever um texto sobre a origem do samba. Ela coloca no quadro: PRODUÇÃO DE TEXTO A ORIGEM DO SAMBA. Mínimo 15 linhas Ela lembra a turma que eles já fizeram a pesquisa na internet e que ela também já falou sobre esse assunto nas aulas anteriores e que agora eles vão escrever um texto sobre esse assunto. Alguns alunos afirmam que ainda não fizeram a pesquisa e a professora avisa que quem não fez a pesquisa irá ficar sem nota. Os alunos ficam chateados e começam a desarrumar a sala, passam a brincar e param de escrever. De repente, inicia-se um “diálogo”: Carla – A minha casa não tem samba, só tem rock. Professora – Vocês não vão fazer não? Carla – Ninguém se interessa aqui não, professora. Bruna – Eu entendo sobre Sepultura, Pitty, Michel Jackson. Eu não sei samba. Os alunos ficam inseguros para fazer o texto e dizem que não sabem nada de samba. A professora lembra que na aula passada ela falou sobre esse assunto e que agora eles precisam escrever porque vale nota para a 4ª unidade. Uma aluna diz que já está passada e que não vai escrever. Os alunos passam a conversar entre si para saber se 112 alguém tem anotado alguma coisa da aula passada e a professora senta e começa a preencher o diário, faz a chamada, mesmo com a turma conversando. Alguns alunos iniciam o texto e depois de um tempo: Manoela – Pró, eu já fiz! O que é MPB? Professora – Música Popular Brasileira. A seguir há um contratempo na sala de aula e a vice-diretora aparece e tenta resolver a questão. A aula termina e os alunos avisam que irão fazer o texto em casa e que entregarão na próxima aula. Não houve mais aula, mas a pesquisadora encontrou-se com a professora e conseguiu tirar cópias dos textos dos alunos. Na semana seguinte, dois alunos encontraram a pesquisadora e ela lhes perguntou se tinham feito a prova da IV Unidade. Os alunos informaram que não houve prova e que a professora aproveitou os textos que eles fizeram sobre o samba para dar a nota da prova. Eles disseram que estavam com os textos e perguntaram se ela os queria, ela disse que sim e perguntou se poderia tirar uma cópia. Na mesma hora cada um entregou seu texto e disseram que ela poderia ficar com eles. Abaixo estão alguns textos dos alunos e algumas cópias tiradas das redações dos alunos fornecidas pela professora: Texto I “Produção de texto” MPB surgiu ainda no período colonial brasileiro, apartir da mistura de vários estilos. Entre os séculos XVI e XVIII, misturou-se em nossa terra, as cantigas populares, os sons de origem africanas, fanfarras militares, músicas religiossas e músicas eruditas européias. O lundu e a modinha. O lundu, de origem africana, possuía um forte caráter sensual e uma batida rítmica dançante. Já a modinha, de origem portuguesa, trazia a melancolia e falava de amor numa batida calma e erudita. Nesta época, no cenário rap destacam-se: Gabriel o Pensador, O Rappa, Planet Hemp, Racionais Mcs e Pavilhão 9. O século XXI começa com o sucesso de grupos de rock com temáticas voltadas para o público adolescente. São exemplos: Clarlie Brown Jr. Skank, Detonautas e CPM22. 113 Texto II “Produção de texto” O samba começou a tomar forma com a participação, principalmente de mulatos e negros ex-escravos. Com o crescimento e popularização do rádio nas décadas de 1920 e 1930 a música popular brasileira cresce ainda mais. Nesta época inicial da brasileira, destacam-se os seguintes cantores e compositores: Ary Barroso, Lamartine Babo (criador de O teu cabelo não nega), Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues e Noel Rosa. Surgem também os grandes intérpretes da música popular brasileira: Carmem Miranda, Mauro Reis e Francisco Alves. A música popular brasileira (MPB) é um gênero musical brasileira Texto III “A origem do “Samba” O samba teria surgio por inspiração de um ritimo africanocom a diversidadcultural mesmo dentro da raça negra no Brazil. era bastante notavel porque os senhores de escravos escolhiam aletoriamente seus indivíduos, e isso tamto fez separarem tipos africanos afins, pertencentes a uma mesma tribo. O samba de roda também é muito semelhante como o jongo. Samba de roda é uma variante musical mais primitiva do samba, originário do estado brasileiro da Bahia, provavelmente no seculo XIX. O samba de roda é um estilo musical Tradicional afro-brasileiro, associado a uma dança que por sua vez está associado à capoeira. É tocado por um conjunto de pandeiro, atabaque, birimbau, viola e chocalho, acompanhado principalmente por canto e palmas. Texto IV O Samba Não deixe o samba morrer Não deixe o samba acabar O mrro foi feito de samba De samba pra a gente sambar. Antes de medespedir Deixo ao sambista 114 Mais novo o meu pedido Final: Não deixe o Samba Morrer... A música “Não Deixe o Samba Morrer”. é muito linda, pois fala do nosso Brasil de como o samba é importante para todos. A letra é uma maravilha e quem a escuta gosta de cara. Isso é o que O Brasil gosta: O SAMBA! Texto V Produção de texto O samba teria surgido por inspiração de um ritimo africano, teria sido formado a partir de referências de diversos ritmos tribais africanos. Exemplo: samba-reggae = é um gênero musical nascido no estado nordestino da Bahia, que em alguns anos atrás as pessoas considerava MPB ou Pagode Baiano. Nasceu da difusão do Samba Comum ou do Partido Alto que é o estilo dos grandes mêstres do samba. O samba-reggae apresenta dois tambores, um pandeiro, um atabaque, uma guitarra ou viola eletrônica no lugar do cavaquinho, com forte influências di Merengue e do Olodum. Para a professora PE5 seus alunos têm condições de escrever um texto sobre o “Samba” porque esse assunto foi falado por ela nas aulas anteriores e os alunos fizeram uma pesquisa sobre esse assunto na internet. Ou seja, eles possuem informações suficientes sobre o samba para colocarem em seus textos. Nesse sentido, a FD discursiva da professora se baseia numa ideia de que a língua, por ser um código linguístico, propicia aos seus usuários condições para elaborarem qualquer texto a partir do conhecimento e do domínio que têm de sua estrutura linguística aplicado ao assunto que eles conhecem. No entanto, não é bem assim que acontece e isso é constatado no momento em que os alunos vão escrever seus textos e não conseguem. Os alunos pedem para escrever 115 outro estilo musical, como o rock, pois eles conhecem muito bem, mas não podem fazer isso, pois o texto pedido é sobre o samba. Segundo Marcuschi (2001, p. 43), “os sentidos e as respectivas formas de organização linguística dos textos se dão no uso da língua como atividade situada. Isto se dá na mesma medida, tanto no caso da fala como da escrita”. Nesse sentido, a língua não é um produto unilateral e passivo que proporciona ao seu usuário práticas descontextualizadas, pois seu trabalho envolve um processo interativo que permite ao sujeito enxergar a língua como objeto social e que seu significado se dá a partir de seu uso concreto. Então, quando a escrita não possui relevância para o sujeito, nesse caso, os alunos, sua prática não considera a linguagem como prática social. Assim, nas aulas da professora PE5, mesmo tendo ela dito que a reescritura aconteceu e que seus alunos evoluíram mais na escrita por causa desse processo, na verdade não pudemos comprovar essas atividades. A terceira questão é: Em relação ao resultado final da disciplina, todos os alunos foram aprovados? Caso tenha tido alguma reprovação, a escrita desse aluno teve influência nesse processo? Justifique. Nem todos os alunos foram aprovados,justamente por conta desse processo. Esses alunos não conseguiram melhorar o seu desempenho em relação as habilidades de leitura e escrita. (PE1, 2009) Alguns alunos foram aprovados por mérito e um outro grupo foi aprovado pelo Conselho de Classe. Enquanto professora conheço as dificuldades desses alunos em relação à escrita, mas acredito que a reprovação não seria o caminho, pois já são alunos fora da faixa etária e totalmente desmotivados para cursar mais uma vez a 6ª série. (PE3, 2009) Não. Alguns ficaram retidos porque eram alunos faltosos. A falta influenciou bastante no desempenho e no processo de ensino aprendizagem. (PE4, 2009) Sim. Todos foram aprovados, muito embora a dificuldade fosse grande na escrita, eles conseguiram superar. (PE5, 2009) Em todas as respostas observa-se o valor e a importância dados à competência da escrita e o seu peso na avaliação e na promoção destes alunos em sua trajetória escolar. Segundo as professoras os “... alunos não conseguiram melhorar o seu 116 desempenho em relação ás habilidades de leitura e escrita”; “... conheço as dificuldades desses alunos em relação á escrita...” ou “Todos foram aprovados, muito embora a dificuldade fosse grande na escrita eles conseguiram superar”. Se não houve reprovação atribuída a essa dificuldade, como parece ser o caso nos dizeres das professoras PE3 e PE5, as professoras apontam essa dificuldade e a colocam sim, como um elemento possível de inibição e de proibição efetiva de promoção de uma série para outra. Ou seja, a escrita é um objetivo a cumprir no processo de ensino-aprendizagem da língua materna e o insucesso no domínio desta modalidade de língua pode levar o aluno a ficar retido em uma série escolar. Entretanto, vale observar que ainda que as professoras apontem para as dificuldades de seus alunos no que diz respeito à escrita, eles são promovidos, em sua maioria, tendo somente a PE1 declarado que alguns de seus alunos foram reprovados por esta razão. Há algo então que precisa ficar mais claro neste quadro que aqui se desenha. De um lado, estamos com professores que se posicionam de modo geral apontando para o insucesso de seus alunos no desempenho da língua escrita; apesar disso, esses alunos logram promoção escolar; de outro, a consideração de que o domínio da modalidade de língua escrita, a construção do texto escrito, é um dos objetivos da escola, sem o qual não se pode considerar uma boa escolaridade (nesse sentido, a promoção desses alunos é certamente uma forma enganadora de se encarar o problema e que só pode levar ao prejuízo da escola, de modo geral, do aluno e da sociedade); por fim, ainda, temos as produções escritas dos alunos que aqui foram mostradas, apresentando, certamente, muitos exemplares com problemas em sua construção, mas também textos com acertos e até com criatividade. Em nosso entender, há, em um primeiro olhar, um entendimento pouco claro sobre o que seja efetivamente um bom texto: alguns dos exemplos aqui trazidos mostraram pouco domínio de ortografia, sem dúvida, assim como pouco conhecimento do uso da pontuação e outros aspectos normativos; mas são textos com domínio de fluência da língua, claro, considerando-se o nível de aprendizado em que se encontram esses alunos. Este domínio do que estamos chamando aqui de fluência, aparece, às nossas professoras sujeitos desta pesquisa, completamente opaco, sem visibilidade. As professoras não vêem e não consideram estes produtos.Vejam-se aqui alguns desses textos e o que nos causa, de início, estranheza 117 Texto 1 Sara de Almeida Fiais, tenho 16 anos nome da minha Gildete de Almeida Novais minha infância foi muito alegre e divertida super legal minha família e normal de vez emquando tem suas discusões gosto de sair pra shoes e festas não gosto de arrumar a casa a minha maior alegria é ser quem eu sou hoje minha vida de adolescente bastante alegre meu maior sonho é ser alguém na vida e ser indepedente. Se fizermos tão somente o ajuste em torno a questões ortográficas e de pontuação neste texto, veremos que ele já vai apresentar um outro visual, este denotando, ao contrário do que acontece inicialmente, um certo ar de aceitabilidade do texto. Vejamos: Texto I Sara de Almeida fiais, tenho 16 anos, o nome de minha mãe é Gildete de Almeida Novais. Minha infância foi muito alegre e divertida, super legal. Minha família é normal, de vez em quando tem suas discussões. Gosto de sair para shows e festas; não gosto de arrumar a casa. A minha maior alegria é ser quem eu sou, hoje minha vida de adolescente é bastante alegre; meu maior sonho é ser alguém na vida e ser independente. Texto II Segunda chance Eu acho que a formiga má, teve uma atitude muito ruim, mas que a cigarra tem que aprender que a vida não é só descanso nem só trabalho porque tem hora para tudo na vida. Já a formiga boa, deu uma segunda chance para a cigarra. E as duas a formiga e a cigarra aprenderam uma com a outra. Texto III Temos que ser solidários Não temos que ser egoístas pois todos merecem uma segunda chance a formiga foi má com a cigarra isso não foi legal. Texto IV “Eu acho que se todo mundo pensasse em tratar as pessoas como a formiga tratou a cigarra quando ela mas precisava o mundo tava melhor, porque todo mundo merece uma segunda chance, agora a pessoa tem que saber retribuir depois” 118 Em todos esses textos acima aparece claro o pouco ajuste à questão da pontuação, basicamente. Outros aspectos não são tão numerosos, a exemplo de escrever MAS quando se tem na verdade um advérbio de intensidade MAIS: “...como a formiga tratou a cigarra quando ela mas precisava...”. Por outro lado, apresentam excelentes comentários sobre uma fábula, aliás sobre a conhecida fábula A Cigarra e a Formiga, nos quais se podem notar os enfáticos posicionamentos éticos dos sujeitos do discurso. Texto V Os Negros Os negros eram ascravos (escravos) do zumbi mas os negros Arão (erão) alentes (valentes) Eles (eles) aram (eram) Trabalhadores (trabalhadores) nas (mas) oles (eles) gostava e (de) rabahar (trabahar) Para (para) u (o) zumbi. Os negros &oram (foram) zalvos (salvos) pela princesa (princêsa) isabel mas os negros Erão (erão) ciolentos (violentados) tentavam escahar o (do) zumbi Mas o (a) Priseca isabel souta e tirou ales (eles) ee (de) pa (la) e os negros foram salvos pela prinsesa isabel C= 0,0 G= 0,2 O= 0,2 Não entendeu nada da História. Zumbi foi um grande líder negro e não um coronel. Este é, talvez, dos textos aqui apresentados, o que mais estranheza pode causar: são muitas as questões de desvios de ortografia ai presentes. Mas não há apenas isso. Infelizmente a professora, embora leia o que o aluno escreveu, a ponto de fazer comentário sobre o equívoco do garoto em relação á verdadeira história de Zumbi e dos negros escravos, não pôde dar ao aluno a oportunidade de fazer os ajustes necessários para que o texto fosse considerado como aceitável, corrigindo a ortografia,a pontuação. Mas, mais do que isso, o que se observa nesta produção é a sua textualidade: há aí uma história contada dos negros, que não coincide com a história de Zumbi, mas essa história tem início, meio e final. Há um texto narrativo. Claro que quando se faz esse comentário não se está afirmando que isso é o suficiente e o que basta. Mas certamente 119 pode-se ver aí o início de um texto e este gesto do aluno merece ser revisto e trabalhado. Isso porém se torna completamente obliterado ao olhar da professora, que só consegue enxergar os destacáveis problemas de ortografia, os quais, rigorosamente falando, não são questões de linguagem. Esse texto foi avaliado e recebeu, a julgar das anotações feitas pela professora na prova, 0,4 de nota. 120 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa pesquisa, buscou-se apreender como se dá o acontecimento da produção de texto escrito em sala de aula. Para tanto, foram analisados os discursos de cinco professoras que lecionam no Ensino Fundamental II, do 6° ao 9° ano, através das respostas de dois questionários e das transcrições de algumas de suas aulas. As escolas em que as professoras lecionam pertencem à rede pública de ensino da cidade de Salvador. A fundamentação teórica que conduziu essa pesquisa foi a Análise do Discurso de linha pêcheutiana na qual a língua e os sentidos são entendidos como acontecimento entre os sujeitos, pois ela trabalha a relação língua-discurso-ideologia. Nesse sentido, essa teoria possibilitou estabelecer uma análise dos discursos das professoras em relação ao que elas entendem por língua(gem), língua oral, língua escrita, texto, mediante o exame de dois tipos de dados: o primeiro se constitui das respostas às questões propostas nos dois questionários aplicados, um ao início da coleta de material (que corresponde mais ou menos a outubro, do ano 2009) e outro ao final daquele ano letivo e corrente de 2009, em novembro/dezembro. O outro trabalho com a linguagem se deu a partir da análise das atividades, práticas desenvolvidas em sala de aula, a respeito especificamente do estudo da língua materna, sobretudo nas atividades de escrita; e das falas das professoras na exposição dos conteúdos, no desenvolvimento das atividades, em sua abordagem de modo geral ao ensino/aprendizagem da língua materna, em coleta de material a que demos o nome de Diário de Bordo. Como expusemos, no capítulo anterior, os dados analisados permitem reconhecer uma certa contradição entre o conhecimento teórico em torno à língua(gem), incorporado por esses sujeitos, as professoras, quando se põem a discorrer sobre o assunto, de um lado; e suas posturas, suas falas sobre a língua(gem) e os processos de construção da língua, quando estão em sala de aula. Os PCNs, parece, têm ajudado na reformulação deste entendimento do que sejam a língua(gem), língua escrita, língua oral, texto e também na reformulação de uma metodologia de ensino mais ajustada a esses entendimentos em torno ao comportamento linguístico dos falantes, na escola. Porém, a julgar do que a pesquisa conseguiu apurar, essa compreensão ainda não favorece uma boa articulação entre a teoria e a prática, de modo harmonioso e rico, que leve decisivamente o aluno a crescer em termos de produção linguística na escola, mediante suas atividades, posturas, senso crítico em torno á questão. 121 De modo geral, as posições de onde falam as professoras sobre os conceitos de língua(gem), língua escrita, produção do texto escrito, metodologia do ensinoaprendizagem das questões de língua materna se remetem a formações discursivas muito parecidas, nas quais a compreensão desses temas se dá de forma muito próxima ao que preconizam os PCNs, os quais, por sua vez, se fundamentam em reflexões mais modernas em torno à língua, deixando-a mais aproximada das condições de enunciação, que leva em conta seus interlocutores usuários, um tempo e um local, e também as funções; tudo isso sem apagar o papel da língua enquanto um sistema de sinais linguísticos, dotado de redes de conexões sintagmáticas e paradigmáticas. Na análise desses dizeres, observou-se a manutenção do mesmo, que grosso modo se refere à questão da importância da língua entendida como interação verbal, como interlocução entre sujeitos falantes. E também da função da linguagem e da necessidade de se estudar os gêneros textuais em sala de aula. Um outro aspecto sobre o qual houve entendimento quase unânime foi quanto a necessidade da leitura para a atividade de escrever textos: as cinco professoras se puseram a favor desta prática, sendo que uma delas falou expressamente que a exposição do aluno ao texto escrito, nos seus variados gêneros, vai capacitá-lo melhor a escrever. Neste sentido, pode-se dizer que o discurso das professoras, compreendido nas formulações linguístico-discursivas das respostas aos questionários, é muito próximo; entretanto, ocorrem poucas rupturas quanto à explicitação mesmo desta compreensão, como falamos oportunamente. Por outro lado, na prática de sala, ainda que não seja de modo muito marcado, pode-se reconhecer duas posturas de ensino, em relação ao conjunto das professoras cujas aulas foram registradas. A primeira dessas posições, aventamos que seja constituída pelas professoras PE1, PE3 e PE5, que atuam em turmas de 6º. 7º. 8º. e 9º. anos, do Ensino Fundamental. São docentes que, por suas posturas em sala de aula na oferta de atividades, na compreensão dessas atividades parecem se encontrar ancoradas em uma FD que ainda se atêm a uma concepção de língua entendida como um sistema código, do qual participam seus usuários, a língua sendo vista muito mais como um instrumento a partir do qual os nossos pensamentos vão ser apresentados. As atividades propostas se acomodam mais em um ensino tradicional baseado numa concepção de linguagem como expressão do pensamento que, segundo Geraldi (2002), segue as regras que são colocadas pela Gramática Normativa. Suas práticas são afetadas por um juízo de valor e 122 seus objetivos estão voltados para uma “expressão correta” da língua, que depende da competência do aluno em relação ao uso correto da gramática normativa. Os interesses dessas professoras estão relacionados principalmente aos aspectos notacionais e não aos discursivos, pois não reconhecem o texto como discurso que é “efeito de sentidos entre locutores – é ideologicamente marcado, logo regulável, submetido à história, não brotando magicamente de uma essência de um sujeito” (ORLANDI, 2003, p.16). O que se observou nos discursos dessas professoras, principalmente, é que a língua tem um fim em si mesmo, se apresenta desvinculada do seu uso e seu ensino não se preocupa com a inserção dos elementos da situação na consideração do evento linguístico. Nesse sentido, em seus discursos há predomínio de uma concepção de língua que sugere o prestígio da língua escrita baseada nas normas da Gramática Normativa. Segundo Geraldi (2010, p. 98), “o texto é produto de um trabalho de escrita que não se faz seguindo regras predeterminadas”; ao contrário, é produto de uma atividade desenvolvida por um sujeito que se coloca a partir de seu discurso materializado em seu texto. No caso das aulas dessas professoras, o que se percebe é um trabalho com o texto entendido como um produto em si, desvinculado de suas condições de produção; as professoras PE1, PE3 e PE5 não reconhecem a constituição do sujeito na linguagem, os alunos como sujeitos de um discurso, o texto como materialização de um discurso e a escrita como objeto social que leva em conta um significado funcional trazido pelo seu uso. Embora as professoras PE1, PE3 e PE5 afirmem que “A organização das ideias e a correção gramatical contribuem para o escrever bem. E isso a escola pode e deve ensinar”; “Toda atividade de produção textual sempre foi seguida pela reescritura..” “Em relação à reescrita do texto alguns alunos fizeram a reescrita na íntegra”. “Sim, eles fizeram reescrita. Quando ocorreu a reescrita percebi que melhoraram o texto, pois podiam perceber os erros destacados. No próximo trabalho já evoluíam mais e tinham mais cuidado com a ortografia”, os textos que vamos apresentar abaixo parecem contradizer essas palavras, tal é a quantidade de desvios de ortografia e gramaticais nele encontrados, atestando que mesmo nestes aspectos que são mais visados pelas professoras não há um crescimento esperado: 123 Texto 1 (PE1, 6º ano) é bom agente ver porque agente para de Ter Preconceito e comessa a dá valor aquilo que agente despresamos que zombamos os negros São Apenas Pobres coitados que Foram escravizados Pelos brancos e Pelos próprios negros e quando eles obedecia os brancos eles eram chicoteados até saí sangue e ele comia pão com água e eles numca conceguia bota sopa na coher. Texto 2 (7º ano) Joaquim dormiu e sonhou que tinha ganhado um carro Bem Bonito e ele ficou muito contente com este carro, e com este carro ele saiu para um Shopp de Salvador e no Estacionou o seu carro novo e não saia de perto dele, qualque pessoa que passase e olha-se ficava com a cara feia mas ele toda hora que estava perto do carro ele tocava para ver se e verdade sentia uma coisa muito dura era porque ele estava no chão. A í apareceu o primo dele e ele falou: primo o o meu caro novo que que eu ti de carona a claro que eu quero que sim o seu carro novo e Boonito. Meso um dia eu quero tem um carro dessi como foi que você ganhou eu não sei estava uma carta na mesa dezendo que o carro com a placa JTL 1390 era meu e a chave estava na caventa domeu quarto e ai eu foi lá e pegei e vi passea depois que ele contou ele acordou e foi no logar e lá não esta a chave e nem a carta e ele foi dormir de novo. Texto 3 (9° ano) “A origem do “Samba” O samba teria surgio por inspiração de um ritimo africanocom a diversidadcultural mesmo dentro da raça negra no Brazil. era bastante notavel porque os senhores de escravos escolhiam aletoriamente seus indivíduos, e isso tamto fez separarem tipos africanos afins, pertencentes a uma mesma tribo. O samba de roda também é muito semelhante como o jongo. Samba de roda é uma variante musical mais primitiva do samba, originário do estado brasileiro da Bahia, provavelmente no seculo XIX. O samba de roda é um estilo musical Tradicional afro-brasileiro, associado a uma dança que por sua vez está associado à capoeira. É tocado por um conjunto de pandeiro, atabaque, birimbau, viola e chocalho, acompanhado 124 principalmente por canto e palmas. Texto 4 (9ºano) O Samba Não deixe o samba morrer Não deixe o samba acabar O mrro foi feito de samba De samba pra a gente sambar. Antes de medespedir Deixo ao sambista Mais novo o meu pedido Final: Não deixe o Samba Morrer... A música “Não Deixe o Samba Morrer”. é muito linda, pois fala do nosso Brasil de como o samba é importante para todos. A letra é uma maravilha e quem a escuta gosta de cara. Esses textos permitem efetivamente pensar que os ensinamentos propostos pelas professoras (PE1, PE3 e PE5) não são condizentes com o que elas propõem como tarefa da escola. Como fato, temos a dizer que a leitura, um elemento invocado muitas vezes como impulsionador da escrita, aparece pouco em suas práticas: não houve momento de leitura nas aulas registradas de PE1, PE3 e PE5; não houve atividades de reescritura nas aulas de PE3 e PE5; não houve registro de produção de escritura nas aulas de PE5. Os textos do 9º ano aqui trazidos foram realizados após pesquisa sobre o samba, na internet e foram redigidos em casa. Em uma de suas respostas aos questionários, a professora PE1 afirma que “[...] os jovens estão sendo empurrados série acima sem terem sido adequadamente alfabetizados” (PE1, 2009). No entanto, o que se constatou, nesta pesquisa pela observação das aulas, no final do ano, é que o aluno não conseguiu superar essas dificuldades trazidas pela “alfabetização” e isso é confirmado nesses textos que foram escritos na prova da IV Unidade. Fica claro que os alunos não possuem uma prática do uso da língua escrita e que seus textos apresentam erros nas estruturas sintáticas, adequação no uso do conectivo, desestruturação nos parágrafos. No entanto, os textos possuem textualidade e isso se dá justamente porque a língua é uma prática e seu uso constante se dá na sociedade. Logo, 125 os alunos colocaram de maneira compreensível a ideia que tinham, por exemplo, da história do povo africano quando vieram para o Brasil. A avaliação centra-se apenas em procedimentos que têm como base a gramática normativa e não considera que a escrita tem uma função social e por isso é importante aproximá-la das atividades humanas dentro e fora da escola. Passarelli (2004) citando Spinillo e Roazzi afirma que “a escola precisa considerar a escrita como um objeto cultural que cumpre funções sociais, resgatando para dentro do contexto escolar a funcionalidade que a escrita tem historicamente e no cotidiano de nossa sociedade” (SPINILLO e ROAZZI apud PASSARELLI, 2004, p. 36). A segunda postura reconhecida nessa pesquisa, considerando-se o desempenho das professoras PE2 e PE4 em sala de aula, se marca por um modo menos tradicional de abordar o ensino da língua, sim, e também por um maior comprometimento com as concepções de linguagem, escrita e oralidade descritas pela lingüística e seus derivados campos de estudo. Em suas aulas, os alunos puderam debater e dialogar um assunto ou uma ideia; estiveram diante dos mais variados textos; escreveram a partir de seus registros e de suas memórias. Suas práticas revelaram discursos e uma prática mais modernos da língua e que só trouxeram benefícios para os seus alunos. Isso pode ser refletido nos textos abaixo (alunos da professora PE2 e PE4): Texto 1 (7º ano) Segunda Chance Eu acho que a formiga má, teve uma atitude muito ruim, mas que a cigarra tem que aprender que a vida não é só descanso nem só trabalho porque tem hora pra tudo na vida. Já a formiga boa, deu uma segunda, chance para a cigarra. E as duas a formiga e a cigarra aprenderam uma com a outra. Texto 2 (7º ano) “Eu acho que se todo mundo penssasse em tratar as pessoas como a formiga tratou a cigarra quando ela mas precisava o mundo tava melhor, porque todo mundo merece uma segunda chanse, agora a pessoa tem que saber retribuir depois” 126 Texto 3 (7º ano) Natal Natal é uma festa, Muita gente gosta pão e vinho Nunca fica de fora, Alegria e esperança Nunca faltará, Natal é alegre e uma estrela cadente, Sino, árvore e papai Noel Sempre é a tradição da gente. Texto 4 (8º ano) Trabalho infantil – proibido e ignorado No país em que vivemos as crianças estão expostas ao trabalho infantil, porque muitos pais não podem pagar uma creche e a renda familiar é pouca ou inesistente. Elas são obrigadas a trabalhar muito e ganhar pouco, mas lutam para conseguirem algum dinheiro para que seus pais possam comprar o almoço pouco, mais que vai ajudar a matar a fome deles. Como exemplo, estão aqui na cidade, os moradores das ruas de Salvador, que reciclam materiais para ganharem um trocado, para alimentarem a si e a seus familiares, para conseguirem sobreviver. Texto 5 (8º ano) Infância perdida Existem pessoas que tem que colocar seus filhos para trabalhar por não ter condições de colocar seus filhos em creches e escolas e elas tem que trabalhar. O estatuto da criança e do adolescente proíbe o trabalho infantil, mas são poucas as escolas publicas de qualidade talvez se o governo investisse mais na educação não haveria trabalho infantil. É importante dizer que esses textos foram escritos no período da IV Unidade, portanto, culminância de um período escolar. Os textos dos alunos estão bem escritos e 127 compatíveis com o 7º ano e o 8º ano. Verifica-se que realmente esses alunos têm uma prática de escrita, pois seus textos têm um propósito definido, dirigem-se a um leitor (que não precisa ser a professora especificamente), tem uma finalidade e por tudo isso exercem uma função social. Essa pesquisa possibilitou entender um pouco a respeito das dificuldades de escrita por alunos do ensino fundamental II da escola oficial brasileira, baiana, propaladas pela mídia, pela sociedade e pelos próprios professores, agentes do processo de ensino e aprendizado. Dentre o que pudemos aprender, se confirma, sem dúvida, a compreensão da força que se impõe, neste cenário, das questões referentes às concepções de língua e linguagem introjetadas por nossos docentes e que estão na base das atividades propostas, dos discursos produzidos em sala de aula, da relação estabelecida com a língua e seu fazer, tanto por parte do professor como do aluno, em decorrência. Parece haver, na escola, uma mudança nos paradigmas do ensino e aprendizagem, mas essa mudança é lenta, vagarosa. Mas é uma mudança que necessita ser implementada, diante inclusive do quadro do alunado que temos, hoje, em salas de aulas de escolas brasileiras, agora visitadas por alunos cujos pais, em sua maioria, não tiveram também a oportunidade de conhecer a escola. Portanto, que têm um saber e uma prática sobre a língua e a linguagem que não são aquelas que a escola reconhece. A escola, por outro lado, de certo modo modificada com práticas mais diferenciadas de ensino e aprendizagem, tais como a necessidade da leitura para subsidiar a escrita; o papel da reescritura como um elemento a ser levado em consideração nos processos de escritura; a incorporação de novos olhares sobre o que seja a língua e como ela se processa no seio da sociedade, tudo isso certamente vem se impondo e, é possível pensar-se que, pode levar a caminhos mais promissores para o ensino aprendizagem da língua materna, quer em sua modalidade escrita quer oral. Entretanto, há uma outra face que perdura com vigor, aquela de um ensino mais tradicional, menos atento às modificações e s novas formas de se pensar a linguagem; um ensino mais pautado na língua pensada tão somente enquanto instrumento para expressão do pensamento, como uma ferramenta de que se dispõe para o revestimento do pensamento tão somente; e distante de concepções mais modernas que vêm a língua(gem) a partir da sua função na sociedade, da sua natureza enquanto constitutiva do sujeito e ao mesmo tempo dos sentidos com os quais nos movimentamos em nossas sociedades. E essa diferença, certamente, conduz também a produtos diferenciados. 128 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria José P.M.de. Discursos da ciência e da escola: ideologia e leituras possíveis. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da linguagem. Ed. 12ª. Hucitec: São Paulo, 2006. ______________ Estética da Criação Verbal. Ed. 2ª. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRAIT, Beth. 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Geral Adilson Citelli, Lígia Chiappini) 133 ANEXO 134 Anexo 1 – Questionários I e II e as Respostas 135 136 137 138 139 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 151 152 153 154 155 156 157 ANEXO 2 – PRODUÇÕES DOS ALUNOS DA PROFESSORA PE1 158 159 ANEXO 3 – PRODUÇÕES DOS ALUNOS DA PROFESSORA PE2 160 161 162 163 164 165 ANEXO 4 – PRODUÇÕES DOS ALUNOS DA PROFESSORA PE3 166 167 168 169 170 171 ANEXO 5 – PRODUÇÕES DOS ALUNOS DA PROFESSORA PE4 172 173 ANEXO 6 – PRODUÇÕES DOS ALUNOS DA PROFESSORA PE5 174 175 176