Publicado no Livro: Arbitragem Interna e Internacional: Questões de Doutrina e da
Prática – Ano 2003
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A Convenção Arbitral em Estatutos e Contratos Sociais1
Daniela Bessone Barbosa Moreira
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1.
Algumas observações introdutórias
Curiosamente, a composição de conflitos societários por arbitragem é questão a um só
tempo antiga e nova no direito brasileiro2.
Antiga, porque a Constituição do Império, de 1824, já contemplava essa possibilidade. O
Código Comercial, de 1850, chegava a impor a arbitragem para a solução de litígios
entre sócios, como os relativos à liquidação da sociedade e à partilha do acervo. Ao lado
da arbitragem compulsória, havia, ainda, a facultativa, para quaisquer outros conflitos
societários, como aqueles entre sócios e a própria sociedade.
Mas em meados do séc. XIX, a arbitragem compulsória seria afastada do nosso
ordenamento jurídico e a facultativa bastante enfraquecida, com a transformação da
cláusula compromissória em verdadeiro acordo de cavalheiros3. Desde então, sua
adoção no âmbito societário caiu em franco desuso e a doutrina esqueceu-se
completamente do problema4.
1
Texto, com alterações e atualizações, da exposição feita no seminário “Arbitragem na prática segundo a
experiência dos escritórios Jones, Day, Reavis & Pogue e Lobo & Ibeas”.
2
Carmen Tiburcio faz uma boa síntese da evolução histórica da arbitragem no Brasil no artigo “A arbitragem
no direito brasileiro: histórico e Lei n° 9.307/96” in Revista de Processo 104/78.
3
O art. 9° do Decreto n° 3.900, de 26.06.1867, gol pearia de morte a execução específica da cláusula arbitral:
“A cláusula de compromisso, sem a nomeação de árbitros, ou relativa a questões eventuais, não vale senão
como promessa, e fica dependente para sua perfeição e execução de novo e especial acordo das partes, não
só sobre os requisitos do art. 8°, senão também sob re as declarações do art. 10.” (i.e., nome e domicilio dos
árbitros; o objeto da contestação; o prazo em que os árbitros devem proferir sua decisão; etc.).
4
É curioso notar que, desde a sua versão original, a Lei 6.404/76 contempla, no § 2° do art. 129, uma hipótese
de arbitragem – para solucionar o impasse resultante de empate na votação de uma assembléia geral: “No
2
Com intervalo de mais de um século, o tema agora ressurge com cores verdadeiramente
novas, a suscitar, como se verá, várias perplexidades.
São muitas as vantagens da composição de conflitos societários na via arbitral.
Controvérsias dessa natureza envolvem, em geral, aspectos extremamente técnicos,
cuja adequada apreciação requer conhecimentos específicos sobre economia e
finanças, além de vivência da dinâmica do mercado, questões com as quais o Poder
Judiciário está pouco familiarizado.
Por outro lado, sob a verdadeira avalanche de processos rotineiros, há compreensível
tendência a postergar-se o exame daqueles que demandam estudo mais aprofundado
de áreas do direito pouco freqüentes no dia-a-dia forense. Quando o inconveniente não
é justamente o oposto: liminares de conseqüências graves para a sociedade concedidas
sem a perfeita compreensão de suas repercussões e do problema em debate.
Importante, também, é o fato de que no juízo estatal apenas as partes estão realmente
sujeitas a prazos, ao passo que na arbitragem poderão estabelecer a data limite para
que os árbitros profiram sua decisão – e quando não o fizerem, tal prazo será de seis
meses (art. 23 da LArb.) –, com o que o procedimento arbitral, sobretudo o interno, tende
a ser bem mais célere do que qualquer ação judicial.
A arbitragem traz, ainda, a imensa vantagem do sigilo, tão caro às sociedades: o
mercado, suscetível como é a movimentos especulativos, pode punir severamente a
sociedade que se veja envolvida em litígio público, por mais etéreas que sejam as
chances de êxito dos acionistas demandantes. E tem tudo para ser menos traumática do
que a solução dos conflitos pelo juízo estatal, em vista da acentuada especialização dos
debates, que desestimula argumentações emocionais e pouco técnicas.
Não é preciso dizer muito: o juízo estatal é demorado demais, é formal demais, é público
demais e nem sempre é aparelhado o suficiente para processar e julgar causas
societárias com a agilidade indispensável a que o regular curso dos negócios e a posição
da sociedade no mercado não sofram impacto maior do que o estritamente necessário.
Em claro reconhecimento dessa circunstância, o legislador vem de inserir na Lei das
S.A. previsão segundo a qual “o estatuto da sociedade pode estabelecer que as
caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a
assembléia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se
permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao
Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia.” Não há registro, todavia, de que essa arbitragem tenha
sido, na prática, utilizada.
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3
divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e
os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos
em que especificar” (art. 109, § 3°) 5.
As inegáveis vantagens da via arbitral em matéria societária não atenuam, contudo, as
dificuldades – e não são poucas ! – relacionadas à adoção da convenção de arbitragem
em estatutos e contratos sociais. Estas reflexões têm o objetivo de suscitar algumas
delas.
2.
Poderão ou deverão?
A primeira dúvida surge logo da dicção do § 3° do a rt. 109: qual terá sido a intenção do
legislador ao autorizar previsão estatutária de que as divergências sociais “poderão ser
solucionadas mediante arbitragem”? Será a instauração do procedimento arbitral sempre
facultativa (como sugere o emprego do verbo poder) para a sociedade e para quaisquer
acionistas?
Tal interpretação literal da norma conduziria à sua inutilidade. Seria, ademais,
incompatível com a execução específica da cláusula compromissória, finalmente
(re)acolhida por nosso ordenamento jurídico com a Lei n° 9.307/96. Convenção arbitral
estatutária que se limite a facultar a instauração do procedimento arbitral é o que havia
entre nós antes da Lei de Arbitragem: um acordo de cavalheiros. E não seria preciso
alterar o art. 109 da Lei das S.A. para autorizar a adoção de um acordo de cavalheiros
societário.
Parece-nos que a mens legis foi a de reafirmar que é possível inserir cláusula
compromissória, suscetível de ser coativamente observada, em estatutos sociais. Aliás,
mesmo antes da reforma da Lei das S.A., a doutrina já admitia com naturalidade a
convenção arbitral em contratos de sociedade: em 1988, comentando genericamente a
validade de cláusulas compromissórias, Carlos Alberto Carmona (co-autor do anteprojeto
que resultou na Lei de Arbitragem) notava que “Para a validade da cláusula, basta que
as partes mencionem as relações jurídicas por ela abarcadas, ou seja, é suficiente
reportar-se a determinado contrato, às relações societárias relativas aos integrantes
de determinada empresa, a certos serviços, sem maior preocupação em especificar os
litígios que poderão decorrer do relacionamento contratual.”6
5
Reforma da Lei n° 10.303/2001.
6
in “Arbitragem e Processo – Um Comentário à Lei n° 9. 307/96”, Malheiros Ed., SP, 1998, pág. 82. Sem grifos
no original.
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4
Com isso, lemos a expressão “poderão ser solucionadas mediante arbitragem” como
“deverão ser solucionadas mediante arbitragem” ou, simplesmente, “serão solucionadas
mediante arbitragem”, de tal modo que o juízo arbitral seja o único competente para
dirimir os conflitos que venham a surgir no âmbito da sociedade, desde que assim
preveja o estatuto.
3.
O alcance subjetivo da cláusula compromissória
Questão tormentosa é a que diz respeito ao alcance subjetivo da convenção arbitral:
estarão todos os acionistas, indistintamente, sujeitos à sua eficácia ou a disposição
alcançará apenas alguns acionistas e, neste caso, quais deles?
Entre nós, salvo engano, apenas dois autores já se detiveram especificamente sobre o
problema, tendo chegado, com sólidos fundamentos, a conclusões diametralmente
opostas: Pedro Batista Martins, também co-autor do anteprojeto que deu origem à Lei de
Arbitragem7, e o eminente comercialista Modesto Carvalhosa8.
Comecemos pelas sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Se de seus atos
constitutivos, sempre assinados por todos os sócios, constar cláusula compromissória,
não há dúvida de que, surgindo litígio a respeito de direitos patrimoniais disponíveis,
nenhum dos sócios fundadores poderá furtar-se ao juízo arbitral. O mesmo se dará,
naturalmente, com as sociedades por quotas que a tenham inserido em seu contrato
social por deliberação unânime dos sócios.
O problema assume outro perfil se a convenção de arbitragem vier a ser incorporada ao
contrato social por iniciativa do sócio controlador. Será ela eficaz em relação ao
minoritário, que não tenha tomado parte do processo decisório ou, pior, se tenha oposto
formalmente à sua adoção? E quanto ao sócio novo?
A matéria, já delicada, como se vê, para as sociedades por quotas de responsabilidade
limitada, ganha contornos ainda mais dramáticos no tocante às sociedade anônimas,
que podem ter ações sem direito a voto e nas quais a qualidade de acionista
freqüentemente decorre da aquisição dos títulos em bolsa. Como a dinâmica do
mercado não é compatível com manifestações formais de cada novo acionista no
sentido de aderir à convenção arbitral, a resposta negativa importaria, como facilmente
se percebe, em cláusula compromissória de âmbito limitado: a ela estariam vinculados a
sociedade e o acionista controlador, mas não o universo de acionistas em cujas mãos
estão pulverizadas as ações da companhia.
7
“A Arbitragem nas Sociedades de Responsabilidade Limitada” in “Reflexões sobre a arbitragem in memoriam
do Desembargador Claudio Vianna de Lima”, ed. LTR, SP, 2002, pág. 117.
8
“A Nova Lei das S.A.”, em co-autoria com Nelson Eizirik, Saraiva, SP, 2002, capítulo 3.11.
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5
3.1
A posição que advoga a sujeição de todo e qualquer sócio à convenção de
arbitragem
A posição que defende eficácia mais extensiva da cláusula compromissória,
representada por Pedro Batista Martins, sustenta que será ela sempre oponível ao sócio
dissidente, o que decorreria da combinação de várias circunstâncias.
A primeira delas, a de que o contrato de sociedade materializa a conjunção de esforços
para a persecução do interesse comum, do interesse social. No contrato de sociedade
não há bilateralidade de posições ou reciprocidade de obrigações entre partes, mas
objeto comum a todos os sócios: o sucesso do empreendimento. Sua tônica é a
uniformidade de propósitos e a união de esforços no sentido de alcançá-los. Com isso, o
interesse da sociedade, coletivo, abrangente, deve prevalecer sobre os interesses
pontuais, individuais, de seus acionistas.
Por outro lado, a alteração do contrato social para o fim de incorporar convenção de
arbitragem não pode ser considerada, em si mesma, ato lesivo aos interesses de
qualquer acionista em particular. Ao contrário, sua adoção teria por fim fazer com que a
sociedade passe a beneficiar-se das muitas vantagens da composição técnica, célere,
desburocratizada e sigilosa dos litígios, em prol da coletividade.
Finalmente, como as sociedades são governadas pelo princípio do voto majoritário, a
vontade da maioria passa a confundir-se com o próprio interesse social (desde que,
naturalmente, o exercício do controle não seja abusivo), razão pela qual a minoria a ela
deve sujeitar-se.
3.2.
A posição que advoga a sujeição de apenas determinados sócios à convenção de
arbitragem
Segundo a posição oposta, formulada por Modesta Carvalhosa, estariam sujeitos à
convenção de arbitragem exclusivamente os acionistas que a ela se tenham vinculado
de modo expresso, uma vez que a manifesta declaração de vontade formal das partes
envolvidas no litígio seria pressuposto de validade e eficácia da sentença arbitral. Todos
os demais acionistas estariam completamente a salvo do seu alcance (exceto quando
eles próprios tomem a iniciativa de instaurar o procedimento).
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6
Argumenta, basicamente, com o preceito do art. 5°, inciso XXXV da Constituição Federal
– “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” – e
com outros dois dispositivos de natureza infraconstitucional:
=
o § 2° do art. 4° da própria Lei de Arbitragem, q ue regula a eficácia de cláusula
compromissória aposta em contratos de adesão, em cujos termos “Nos contratos de
adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de
instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por
escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente
para esta cláusula”; e
=
o § 2° do art. 109 da Lei das S.A., segundo a qua l “Os meios, processos ou ações
que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos
pelo estatuto ou pela assembléia geral.”
Para o autor, este último preceito teria natureza cogente, com o que “a supressão da
instância judicial e sua substituição pelo juízo arbitral estatutário deve ser considerada
como uma faculdade para os acionistas e uma obrigação contratual para a sociedade.”
(...) “Não se impõe, portanto, erga omnes, a cláusula estatutária instituidora da
arbitragem. Ela não vincula os acionistas que não tenham inequívoca, livre e
expressamente aderido, nos termos do § 2° do art. 4 ° da Lei n° 9.307 .”9
Manifesta, ainda, a opinião de que como “o juízo arbitral advém de renúncia a direito
essencial do pactuante, trata-se de pacto personalíssimo inquestionavelmente declarado
em seu aspecto formal, e que não se transmite por sucessão ou cessão à pessoa do
sucessor ou cessionário.”10
3.3
Exame das duas posições
Não obstante o peso dos argumentos e da autoridade de Pedro Batista Martins e de
Modesto Carvalhosa, discordamos de algumas das premissas de que partem, o que
acaba por conduzir-nos a conclusões um pouco diferentes.
9
op. cit. pág. 189/190.
10
op. cit., pág. 180.
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7
3.3.1. Autonomia da vontade e arbitragem compulsória
Tal como acolhido no Brasil, o instituto da arbitragem tem explicação e fundamento
necessários no princípio da autonomia da vontade. Exatamente por reconhecer às
partes contratantes a liberdade de afastar a cognição do juízo estatal dos conflitos que
possam surgir no âmbito do contrato, o Supremo Tribunal Federal não identificou
incompatibilidade entre o art. 7° da LArb. com a ga rantia contida no art. 5°, XXXV da
Constituição.
No voto que proferiu no julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira n°
5.206-7, proveniente da Espanha, o Ministro Marco Aurélio deixa essa circunstância a
salvo de qualquer dúvida: “vejo na garantia constitucional do inciso XXXV do art. 5° a
consagração da liberdade. Por isso, não posso proceder a uma leitura que a afaste, e
o estarei fazendo se caminhar, na contramão da prática internacional, para a declaração
de inconstitucionalidade relativamente aos preceitos invocados. (...) Não vejo conflito no
cotejo da Lei n° 9.307/96 (Lei de Arbitragem) com a Lei Maior da nossa República. Vejo
a harmonia, a homenagem a esse Diploma Básico, no que a Lei de Arbitragem
consagra o princípio da manifestação da vontade (...).”11
É na mesma linha o voto do Ministro Ilmar Galvão: “Não se cuida, entretanto, de ato por
meio do qual alguém declara haver renunciado, de forma absoluta, a todo direito de
ação, a partir de determinado momento, o que seria inadmissível, mas de simples
cláusula contratual em que as partes vinculadas a determinada avença, que tenha por
objeto direito patrimonial de natureza disponível, deliberam, de livre e espontânea
vontade, que toda dúvida que o contrato vier a suscitar será ... resolvida,
necessariamente, por terceiro de sua confiança, cuja decisão será obrigatoriamente por
elas acatada.”12
De fato, a arbitragem deita raízes no exercício da liberdade de contratar. Não parece
haver espaço para a arbitragem compulsória ou necessária, seja por imposição legal,
seja em virtude de qualquer outro fator externo ao contratante.
Por essa razão, mesmo sendo sensível aos argumentos em sentido contrário,
especialmente no que toca à supremacia do interesse social, coletivo, sobre o interesse
pontual e específico do acionista, não vemos como se possa opor a cláusula
compromissória ao acionista dissidente, assim entendido aquele que tenha manifestado
11
Sem grifos no original.
12
Sem grifos no original.
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8
expressamente discordância quanto à sua inclusão no contrato social ou no estatuto da
companhia. Mesmo quando possa ele retirar-se da sociedade, sua permanência não
parece suficiente para caracterizar aceitação das novas regras do jogo, quando tenha
manifestado vontade em sentido contrário.
Mas que posição adotar no tocante aos acionistas que deixem de comparecer a
assembléia, regularmente convocada, com adequada publicidade, em que se aprove a
convenção de arbitragem? Ou àqueles que, tendo comparecido a tal assembléia,
permaneçam em silêncio? Ou, ainda, aos novos sócios, que ingressem em sociedade
cujo contrato ou estatuto social contenha cláusula compromissória?
3.3.2
A natureza da cláusula compromissória e a manifestação da vontade de vincularse
A parte da doutrina para a qual a eficácia da convenção arbitral se opera apenas entre
os acionistas que a ela se tenham vinculado de modo expresso sustenta que, por
representar renúncia a uma garantia constitucional, a exteriorização da vontade no
sentido de vincular-se à cláusula compromissória somente se poderia dar de modo
expresso, em declaração escrita e arquivada na sede social, quando se tratar de
sociedade anônima13.
A esse respeito, é preciso dizer que nem todos identificam na vinculação ao pacto
arbitral verdadeira renúncia a garantia constitucional. José Eduardo Carreira Alvim
observa que “Tanto não se trata de renúncia ou de uma revogação da jurisdição que não
pode ser declarada de ofício pelo juiz (ope legis), dependendo, necessariamente, de
alegação da parte (ope exceptionis). Ademais, se de renúncia ou de revogação se
tratasse, não poderiam as partes recuperá-la, caso a arbitragem não chegasse a bom
termo, pois não se readquire aquilo a que se renuncia ou revoga.” Na opinião do autor,
trata-se, na verdade, de negócio jurídico processual 14.
Ademais, o entendimento comentado parece querer extrair da norma constitucional mais
do que ela realmente contém.
A regra constitucional está claramente dirigida ao legislador: é a lei é que não pode
excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O constituinte quis
proteger-nos da instituição de tribunais de exceção, freqüentes nos regimes pouco
13
Modesto Carvalhosa, op. cit., pág. 198.
14
“Tratado Geral da Arbitragem”, Ed. Mandamentos, BH, 2000, pág. 144/145.
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9
democráticos, como ressalta o voto da Ministra Ellen Gracie no Agravo Regimental da
Sentença Estrangeira n° 5.206-7: “A leitura que faço da garantia enfocada no art. 5°,
XXXV, é de que a inserção da cláusula assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso
ordenamento constitucional, tem origem e se explica pela necessidade de precatarem-se
os direitos dos cidadãos contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes
autoritários. A arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula
sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais, contra
atos dos poderes públicos. Por isso mesmo é, ineludivelmente, o legislador o
destinatário da norma.15
Tem-se, portanto, que a lei não pode afastar a cognição do juízo estatal, mas o estatuto
social pode! Isso pela simples razão de que à autoridade da lei estamos todos indistinta
e inexoravelmente sujeitos, sem possibilidade de escolha ou de escape. Mas ao estatuto
de uma sociedade sujeita-se quem quer, já que a condição de acionista não é imposta a
ninguém.
Não discutimos ser indispensável a anuência voluntária à cláusula compromissória. Mas
a forma de manifestar tal anuência, lá isto é com a parte, com o sócio (desde que se
parta da premissa, a que nos filiamos, de que a regra dirigida aos contratos de adesão
não é aplicável aos contratos de sociedade, como se verá mais adiante).
Pedro Batista Martins observa, com razão, que existem vários meios e modos válidos de
manifestar vontade, o que, aliás, já estava refletido no art. 1.079 do Código Civil de 1916
(“a manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que
seja expressa”), ao qual corresponde, embora com abrangência maior, o art. 111 do
novo Código Civil: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o
autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.
Não é demais observar que a Lei de Arbitragem, salvo quanto aos contratos de adesão,
não dispõe sobre a forma da manifestação de vontade de vincular-se à cláusula
compromissória. Exige, apenas, que a própria cláusula compromissória seja
convencionada por escrito, requisito evidentemente preenchido com sua inserção no
contrato ou no estatuto social.
Com isso, o silêncio em uma deliberação assemblear, regularmente convocada, com
adequada publicidade, na qual se aprove a inserção da cláusula compromissória no
estatuto da companhia, poderá refletir concordância.
15
Sem grifos no original.
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10
O mesmo se dará com o ato de adquirir ações de uma companhia cujo estatuto
contenha, claramente, a convenção de arbitragem. Afinal, quem adquire ações está,
ainda que por presunção, perfeitamente ciente de todos os termos e condições
estatutários, dos quais não pode, posteriormente, pretender furtar-se.
Afinal, ninguém é obrigado a adquirir ações de uma determinada companhia. O que não
parece defensável é que o investidor possa ter à sua disposição o melhor dos mundos:
ingressar no quadro social em vista das expectativas de rentabilidade que o investimento
lhe inspira e, simultaneamente, insurgir-se contra esta ou aquela disposição estatutária
lícita, apenas por não lhe ser conveniente. E não pode haver dúvida de que a cláusula
compromissória é, em si mesma, disposição estatutária lícita.
É verdade que em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal considerou
inadmissível, em função de sua excepcionalidade, “a convenção de arbitragem tácita,
implícita e remissiva”16. É preciso levar em conta, contudo, a moldura fática em que a
afirmativa foi feita. Naquele caso não se tratou das especificidades da convenção de
arbitragem para dirimir conflitos societários, mas de contrato internacional de compra e
venda (de algodão), que não fora assinado pela parte que se opôs à homologação da
sentença arbitral e que, ademais, não continha qualquer convenção de arbitragem, como
consigna a ementa do acórdão: “Contrato de compra e venda não assinado pela parte
compradora e cujos termos não induzem à conclusão de que houve pactuação de
cláusula compromissória, ausentes ainda quaisquer outros documentos escritos nesse
sentido. Falta de prova quanto à manifesta declaração autônoma de vontade da
requerida de renunciar à jurisdição estatal em favor da particular.”17
Sabe-se que o contexto de fato muitas vezes determina a ênfase dada a um ou outro
aspecto do direito examinado (razão pela qual a identidade das situações de fato é
exigida para a comprovação de divergência). Não é de se afastar, assim, a possibilidade
de o Supremo Tribunal Federal vir a adotar entendimento diferente no tocante à
16
Sentença Estrangeira Contestada n° 6.753, Plexus Cotton Limited x Santana Têxtil S.A., Rel. Min. Maurício
Corrêa; acórdão publicado no DJ de 04/10/2002.
17
Do voto do Min. Maurício Corrêa extrai-se a seguinte passagem: “11. De plano, oportuno registrar que não
paira a menor dúvida de que ambos os contratos não foram assinados pela empresa compradora, ora
requerida. (...) A própria sentença, aliás, atesta que os contratos foram ‘assinados somente pelos
Vendedores’ (fls. 86)”. “12.
Ainda assim, da análise desses contratos constata-se a inexistência
específica de cláusula compromissória. (...) Todas as suas cláusulas, sem exceção, tratam de questões
comerciais apenas, não se referindo, em momento algum, quer expressamente quer de forma remissiva, à
eleição de um juízo arbitral. A cláusula quarta invocada pelo requerente não existe, e o aditivo contratual
mencionado não consta dos autos.” “29. Constata-se, assim, que a requerida jamais aceitou, ainda que
tacitamente, a competência do juízo arbitral para resolver o litígio oriundo do contrato comercial em que foi
parte compradora”. Sem grifos no original.
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11
subordinação do novo sócio à convenção arbitral inserta com clareza no estatuto da
companhia da qual resolveu, livremente, tornar-se acionista, ou do sócio que tenha
deixado de comparecer a assembléia em que tenha sido aprovada a convenção arbitral.
3.3.3 Contratos de sociedade e contratos de adesão
Sustenta-se, ainda, que a regra da Lei de Arbitragem dirigida aos contratos de adesão
seria aplicável às sociedades, em especial no tocante à admissão de novos sócios.
Não cremos, porém, que este seja realmente o caso. O § 2° do art. 4° da Lei n° 9.307/96
parece ter endereço certo e claro: os contratos de massa, que regulam, em geral,
relações de consumo, nos quais a parte aderente é quase sempre hipossuficiente e
muitas vezes não se pode furtar à contratação (como no caso dos serviços públicos
essenciais ou dos contratos bancários). São contratos bilaterais e sinalagmáticos – a
prestação de uma das partes tem como correspondente direto a prestação da outra.
Sendo suas cláusulas ditadas unilateralmente por uma das partes, e em vista da
oposição de interesses que os caracteriza, são eles interpretados sempre em benefício
da parte aderente, cujos interesses o legislador julgou necessário proteger, de forma
ainda mais acentuada, com essa disposição relativa ao pacto arbitral.
Tudo isso passa longe do contrato de sociedade, caracterizado pela convergência, não
pela divergência de interesses, e no qual, a rigor, não se pode falar de parte
hipossuficiente.
Na versão que afinal prevaleceu, o § 2° do art. 4° da LArb. acabou ficando bastante
semelhante ao art. 1.341 do Código Civil italiano, que condiciona a eficácia de certas
cláusulas, apelidadas pela doutrina de vessatorie (vexatórias, na tradução literal), quando
apostas em contratos de adesão, a que a parte aderente manifeste sua anuência por
escrito, em documento separado, ou à margem do documento original18. E entre as
disposições sujeitas a tal regra está, justamente, a cláusula compromissória. Parece útil,
assim, conhecer a experiência italiana a respeito do problema.
18
“1341. Condizioni generali di contratto. Le condizioni generali di contratto predisposte da uno dei contraenti
sono efficaci nei confronti dell’atro, se al momento della conclusione del contratto questi le ha conosciute o
avrebbe dovuto conoscerle usando l’ordinaria diligenza. In ogni caso non hanno effetto, se non sono
specificamente approvate per iscritto, le condizioni che stabiliscono, a favore di colui che le ha
predisposte, (...), clausule compromissorie (c.p.c. 808) o deroghe alla competenza dell’autorità
giudiziaria”.
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12
Até onde nos foi possível verificar, já está mais do que consolidado na Corte de
Cassação, cuja competência equivale à do nosso Superior Tribunal de Justiça, o
entendimento de que a regra do art. 1.341 do Código Civil não se aplica aos contratos de
sociedade.19
O fundamento central – que não é infenso a críticas por parte da doutrina italiana, mas
tem prevalecido amplamente na jurisprudência – é justamente o de que no contrato de
sociedade há convergência de interesses econômicos, dirigidos a um fim comum, ao
contrário do que ocorre nos contratos bilaterais, nos quais o propósito dos contratantes é
diverso e cada um obtém a finalidade pretendida mediante a prestação do outro. Nos
contratos de sociedade, considerados contratos de colaboração, a prestação de um
sócio não é destinada a satisfazer os interesses dos demais, mas os esforços de todos
convergem e constituem os instrumentos necessários a que seja atingido o objetivo
social20.
A Corte de Cassação tem também entendido que a posição de paridade entre os sócios
afasta a proteção conferida pela lei ao contratante fraco, e que tal paridade subsiste não
apenas entre os sócios fundadores, mas também entre estes e aqueles que ao longo do
tempo venham a ingressar no quadro social21.
19
Emilio Vito Napoli observa que “Il problema dell’applicabilità della normativa ai raporti societari ha interessato
la giurisprudenza sotto il profilo della necessità di approvazione specifica delle clausule onerose [art. 1341,
comma 2°, c.c.]. Generalmente la disciplina delle c ondizioni generali di contratto non è apparsa applicabile ai
raporti societari. Si è affermato che manca nei rapporti societari la contraposizione iniziale di interessi dei
contraenti.” in “Le condizioni generali di contrato nella giurisprudenza”, a cura di Massimo Bianca, Milão,
Giuffrè Editore, vol. II, pág. 32.
20
“Alla base del contrato sociale vi è ‘una convergenza di interessi economici paralleli diretti ad uno scopo
comune. Mentre nei contratti di scambio lo scopo perseguito da ciascun contraente è diverso e ciascuno
raggiunge le finalità, cui mira, mediante la prestazione dell’altro, nella società, inquadrabile nello schema dei
contratti di collaborazione, si ha una comunanza di scopo, perché tutti i contraenti mirano a conseguire un
guadagno: la prestazione di un socio non è destinata a soddisfare gli interessi degli altri, ma sono i
conferimenti di tutti che constituiscono gli strumenti per il raggiungimento del lucro che va ripartito tra i soci’.
[Cass., 11 ottobre 1960, n. 2640, in Foro pad., 1961, I, c. 826, con notta di Auletta G., il quale rileva che tale
argomento ‘confonde la comunione di scopo colla identità di interessi tra soci, non considerando che la
coincidenza si verifica solo relativamente allo interesse sociale collettivo (realizzazione dell’utile), mentre nella
vita della società entrano pure in gioco interessi sociali individuali ed interessi extrasociali’].” apud Emilio Vito
Napoli, op. cit., pág. 32.
21
“La parità di posizione dei soci, comune ai vari tipi di società di capitali e tipica della società cooperativa, rende
ancora inapplicabile la normativa anche sotto il profilo della figura di um contraente debole contrapposta a
quella di um contraente in posizione di preminenza sul mercato. Non si prospetta quindi la necessità di tutela
del contraente meno provveduto per assicurare il funzionamento effettivo del meccanismo di formazione del
contratto [Cass., 11 ottobre 1960, cit.; v. anche App. Brescia, 24 febbraio 1965, in Giust. civ., 1965, I, p. 2127,
con nota di Giannatasio); Cass., 19 giugno 1972, n. 1951, relativamente al contrato di consorzio]” / “Si aferma
che in materia di società la posizione di parità fra i soci sussiste non solo fra i soci fondatori al momento della
costituzione della società, ma anche fra questi e quelli che vi abbiano aderito successivamente nel corso dello
svolgimento del rapporto sociale, avendosi anche in tale ipotesi una comunanza di interessi, tesa al
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13
Afirma-se, ainda, que o contrato de sociedade tem natureza de contrato aberto, oponível
a todos os que pretendam ingressar em determinado corpo social, filiando-se a regras já
estabelecidas.22 Nessas condições, o esquema ao qual possam aderir novos sócios não
teria sido predisposto para servir a uma série infinita de instrumentos, como nos
contratos de massa, nem sua particular rigidez pode revelar o intento do proponente de
regular de modo uniforme determinados relacionamentos contratuais. Não configuram,
por isso, contratos de adesão.23
A jurisprudência italiana encontrou, em nossa opinião, a melhor solução para o
problema: não é razoável que o sócio, no tocante às suas relações com a sociedade e
com os demais sócios, goze dos favores concedidos ao contratante hipossuficiente, em
confronto com os interesses de partes muito mais poderosas e/ou no âmbito de
contratos a cuja celebração não se pode furtar (a menos que disposto a viver sem
energia elétrica, água canalizada ou conta bancária).
Realmente não parece adequado considerar minoritários como hipossuficientes em
relação à sociedade e ao sócio majoritário. É preciso lembrar que minoritários serão
sempre investidores, com grau mínimo de sofisticação e informação, os quais dispõem
de meios, modos e recursos para inteirar-se perfeitamente do barco em que estão
entrando. E o barco já está lá, tripulado por todos os outros sócios, nas condições que o
novo acionista não deve (nem pode) desconhecer.
Por outro lado, a circunstância de acionistas minoritários poderem encontrar-se, de
quando em vez, em posição de antagonismo com majoritários não descaracteriza o fim
social comum. É exatamente por existir essa possibilidade que se fala da via arbitral
para dirimir conflitos entre acionistas. Mas as divergências entre os acionistas não elidem
o objetivo comum em que todos se encontram – ou, idealmente, deveriam encontrar-se –
proseguimento di finalità comuni [Cass., 3 febbraio 1968, n. 353, cit.].” apud Emilio Vito Napoli, op. cit., pág.
32/33.
22
“L’accedere di nuovi soci ad una società già costituita è una ipotesi di adesione ad un contratto cosiddetto
aperto, prevista dall`art. 1332 c.c., che regola il meccanismo formale dell`adesione di una pluralità di soggetti
secondo le regole stabilite per la formazione del contratto originario [Cass., 11 ottobre 1960, n. 2640, cit.;
App. Brescia, 24 febbraio 1965, cit. e Cass., 3 febbraio 1968, n. 353, cit.].” apud Emilio Vito Napoli, op. cit.,
pág. 33.
23
“Una ulteriore argomentazione si trae dalla circostanza che lo schema, cui possono aderire nuovi soci, non è
stato predisposto per servire ad una serie indefinita di contratti, né la particolare rigidità di esso può rivelare
l`intento del proponente di regolare in modo uniforme determinati rapporti contrattuali, essendo questo
elemento nel contratto di società riconducibile ad altri fattori. Non può pertanto tale schema configurare um
contratto di adesione [Cass., 3 febbraio 1968, n. 353, cit.; Cass., 24 ottobre 1968, n. 3487; Cass., 19
dicembre 1969, n. 4011, in Mon. trib., 1970, p. 764].” apud Emilio Vito Napoli, op. cit., pág. 33.
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engajados: o de criar as melhores condições a que a sociedade tenha sucesso. E a
composição técnica, célere, desburocratizada e sigilosa dos litígios, na medida em que
tais litígios afetem a sociedade, é uma de tais condições.
3.3.4. § 2° vs § 3° do art. 109 da Lei das S.A.
O terceiro argumento de que se vale essa parte da doutrina é o de que a regra do § 2°
do art. 109 da Lei das S.A. – “Os meios, processos ou ações que a lei confere ao
acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela
assembléia geral” – teria precedência sobre aquela contida no parágrafo seguinte do
mesmo artigo, que faculta a adoção de cláusula compromissória estatutária.
Não vemos dicotomia assim tão radical entre os dois dispositivos. Afinal, a arbitragem
será, sem dúvida, um dos meios conferidos ao acionista para assegurar os seus direitos.
Vale lembrar que o árbitro é juiz de fato e de direito (diz o art. 18 da LArb.). Sua rigorosa
imparcialidade e eqüidistância em relação às partes é a regra, exatamente como ocorre
com os magistrados no juízo estatal (cf. art. 21, § 2°), podendo a suspeição e o
impedimento dos árbitros ser requeridos pela parte que se considerar prejudicada (na
forma prevista no art. 20). Além dos princípios da igualdade das partes, da
imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento, o procedimento arbitral está
sujeito, como não poderia deixar de ser, ao princípio constitucional do contraditório e da
ampla defesa (como explicitado no art. 21, § 2°), c uja inobservância constitui uma das
causas de nulidade da sentença arbitral (cf. art. 32, VIII). Como nota o Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira24, a Lei de Arbitragem cuidou “até mesmo da postura ética dos
árbitros, equiparando-os para efeitos da legislação penal, aos funcionários públicos, a
ensejar o enquadramento dos mesmos na tipologia criminal em ocorrendo deslizes de
comportamento”.
Mas, além disso, as normas confrontadas têm igual hierarquia: encontram-se não
apenas na mesma lei, como no mesmo artigo.
Uma hipótese análoga, de cunho constitucional, pode bem ilustrar o raciocínio: O caput
do art. 5° da Constituição assegura aos estrangeiro s residentes no Brasil tratamento
isonômico ao dispensado aos brasileiros. Mas a própria Carta prevê algumas atividades
econômicas privativas de brasileiros natos ou naturalizados, como a propriedade de
empresa jornalística e de radiodifusão (cf. art. 222, caput). Os estrangeiros não fazem
jus a tratamento idêntico ao dispensado aos brasileiros? Fazem. Salvo no tocante às
exceções previstas na própria Constituição. O ordenamento jurídico está repleto de
casos do gênero.
24
in “A arbitragem no sistema jurídico brasileiro”, RT, vol. 735, pág. 46.
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15
O mesmo se dá com os §§ 2° e 3° do art. 109 da Lei das S.A.: o estatuto e a assembléia
não podem privar os acionistas dos meios, processos ou ações que a lei lhes confere
para assegurar os seus direitos; mas essa regra comporta um temperamento: o estatuto
pode estabelecer que as divergências sociais sejam solucionadas mediante arbitragem.
3.3.5 Transmissão da convenção de arbitragem por sucessão ou cessão
Finalmente, o quarto argumento, de que a convenção arbitral teria natureza
personalíssima, em virtude da qual seria intransmissível por sucessão ou cessão, não
encontra eco na doutrina amplamente predominante.
Obrigações personalíssimas são as intransmissíveis a sucessores ou cessionários, em
razão do caráter intuitu personae que as distingue. São convencionadas em vista de
característica específica ou condição própria de uma das partes, ou de ambas, de tal
sorte que o contratante original não se desonera até que venha a adimplir a obrigação
pessoalmente. Tais características particulares do(s) contratante(s) têm dimensão de
fator determinante da vontade de obrigar-se: “A” somente celebra o contrato porque o faz
com “B”. É o que ocorre nas obrigações de fazer com previsão de execução pessoal,
como o caso de famoso pintor, contratado para executar um retrato: não seria razoável
que o contratante estivesse obrigado a concordar com a realização da pintura por
herdeiro do artista, ainda que muito talentoso! É também a hipótese do contrato de
mandato, no qual se presume a existência de relação especial de confiança,
intransferível a sucessores e cessionários (ressalvada, naturalmente, a hipótese de
substabelecimento prevista no instrumento).
Com facilidade se percebe que a cláusula compromissória não se enquadra nesse perfil.
Para a adoção do pacto arbitral são perfeitamente irrelevantes quaisquer características
ou qualificações especiais das partes: o fator que a motiva é de outra natureza,
puramente objetiva. Não se supõe que “A” somente tenha anuído com o pacto arbitral
em vista das características subjetivas especialíssimas de “B”. O desejo de submeter
divergências à arbitragem não é influenciado pela identidade da parte contra a qual se
litigará, mas pelas vantagens do procedimento arbitral como método de composição de
litígios em comparação com a jurisdição estatal.
Carlos Alberto da Mota Pinto aponta a cláusula compromissória como uma das
disposições em relação às quais a cessão de contrato opera todos os seus efeitos:
“Todos esses esquemas preservam a identidade da relação transmitida, ao contrário do
que sucederia com uma renovação do crédito, da dívida, ou com uma renovação do
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16
contrato. A relação contratual é a mesma, antes e após a mudança dos seus titulares,
ocorrida num certo estágio do seu desenvolvimento. Essa idéia de sucessão na
relação contratual tem importância prática, por exemplo, no respeitante à
subsistência das garantias e dos acessórios dos créditos e dos débitos (...), às
cláusulas de escolha de certo tribunal ou de árbitros contidos no contrato cedido,
aos meios de defesa do cessionário ou em face dele (...)”.25
É de se observar, ainda, que a autonomia da convenção de arbitragem limita-se ao fato
de que permanece válida, ainda que nulo o contrato. Como adverte Carreira Alvim, “No
que tange à exigência de expressa aceitação pelo terceiro da cláusula compromissória,
deve-se considerá-la absorvida pela relação (per relationem) decorrente da aceitação do
contrato pelo mesmo. Neste caso, a cláusula compromissória entra em linha de conta,
não como um negócio jurídico independente do contrato a que acede, senão como uma
cláusula no sentido próprio ou parte de uma complexa regulamentação contratual. A
cláusula compromissória se aplica aos compromitentes, e, conseqüentemente, a quem
assume a posição de um deles, em razão da cessão do contrato, importando na
transferência, pelo cedente ao cessionário, dos direitos e obrigações contratuais no seu
complexo unitário”.26
Como exemplo, tipicamente societário, de que a cláusula compromissória se transmite
ao cessionário, pode-se referir o fenômeno da sucessão resultante da incorporação.
Como se sabe, a sociedade incorporadora sucede à incorporada em todos os seus
direitos e obrigações, inclusive contratuais (art. 227, caput da Lei das S.A.). Seria
aceitável que a cláusula compromissória inserta em contrato originalmente celebrado
pela sociedade incorporada não se transmitisse, com o restante do contrato, à sociedade
incorporadora? Parece claro que não.
Idêntico raciocínio se aplica à aquisição de participação acionária. O adquirente de ações
deve conhecer o estatuto social da companhia em que decidiu investir. A compra das
ações importará na assunção dos direitos e obrigações dos demais sócios, nos termos
do estatuto. O pacto arbitral, nesse ponto, não difere das outras regras ali contidas.
Assim como não poderá o novo acionista pretender insurgir-se contra quaisquer outras
disposições estatutárias, a pretexto de desconhecê-las ou de com elas não concordar,
não poderá furtar-se à convenção de arbitragem.
25
in “Cessão de Contrato”, SP, Saraiva, 1985, págs. 438-439.
26
op. cit., pág. 238.
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17
3.6
Questão polêmica
É preciso reconhecer, contudo, que a questão é realmente muito polêmica. Certamente
haverá os que sustentarão, com grande autoridade e argumentos de peso, que o
afastamento da cognição do juízo estatal não se poderá dar de modo tácito, por se tratar,
sim, de renúncia a uma garantia constitucional; que os acionistas ausentes à assembléia
e os que nela tiverem permanecido em silêncio não estavam mesmo obrigados a
manifestar sua intenção de não vinculação à cláusula compromissória; que os
investidores de mercado podem ser considerados hipossuficientes e, ainda com maior
razão, não se sujeitam ao seu alcance.
A prevalecer este entendimento, a eficácia da convenção arbitral ficará, de fato,
condicionada à manifestação expressa do acionista no sentido de vincular-se.
4.
Alcance objetivo da cláusula compromissória
Talvez ainda mais complexa do que a determinação do alcance subjetivo da convenção
de arbitragem seja a definição de seus limites objetivos: saber o que pode e o que não
pode ser objeto de sentença arbitral válida e eficaz.
4.1.
Direitos “políticos”
Nos termos do art. 1° da LArb., somente litígios ve rsando sobre direitos patrimoniais e,
assim mesmo, patrimoniais disponíveis podem ser dirimidos na via arbitral.
O § 3° do art. 109 da Lei das S.A., por sua vez, pe rmite que o estatuto eleja a arbitragem
para a solução de conflitos entre os acionistas ou entre estes e a sociedade, “nos termos
em que especificar.” Nada diz quanto à limitação da arbitragem a direitos patrimoniais.
Surge daí uma primeira indagação: poderá o estatuto regular a composição na via
arbitral de conflitos de natureza política, como o direito de eleger membro do Conselho
Fiscal, por exemplo?
Não pode haver dúvida de que o legislador quis preservar a cognição do juízo estatal no
tocante aos litígios relativos ao direito de família, ao estado das pessoas, ao direito de
sucessões, ao direito penal, dentre outros indisponíveis. A rigor, a Lei de Arbitragem
parece ter usado a expressão direitos patrimoniais com fins quase didáticos, para que o
intérprete perceba com maior clareza o que deve entender por direitos disponíveis.
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18
Em todo caso, os direitos políticos dos acionistas possuem claro fundo patrimonial.
Quem quer eleger um membro do Conselho Fiscal não está preocupado com o exercício
de sua cidadania, mas com ter voz ativa no que toca às contas e à administração da
companhia.
De outro modo, seria inadmissível cláusula compromissória em acordo de acionistas
regulando o exercício de direito de voto, o que, salvo engano, ninguém sustenta.
4.2.
A questão das nulidades
Questão em voga na doutrina diz respeito às nulidades. Por força de expressa
disposição do Código Civil, não é permitido ao juiz suprir a nulidade, nem mesmo a
requerimento das partes (art. 146 do CC de 1916; art. 168 do novo CC). Pode-se daí
inferir que a nulidade tornaria automaticamente indisponível o direito em debate,
afastando a arbitragem? Parece-nos que não.
Para saber se uma certa questão é ou não arbitrável, deve-se, antes de mais nada,
verificar se existe, de fato, cláusula compromissória e se esta é, em si mesma e
independentemente da natureza do litígio, válida e eficaz. Ultrapassada essa etapa, é
preciso saber se do ato nasceu a relação jurídica e, em caso afirmativo, se o direito, em
tese, daí resultante é disponível – no sentido de que seu titular possa dele abrir mão se
assim o desejar – ou, ao contrário, indisponível (caso, como visto, das disputas relativas
a direito de família, ao estado das pessoas, ao direito das sucessões, ao direito penal,
etc.). Sendo disponível o direito – como são, em regra, os direitos de cunho patrimonial
– o litígio será arbitrável.
A partir daí, o árbitro atuará como juiz de fato e de direito que é: constatando a nulidade
de uma certa disposição contratual (que não a cláusula compromissória, evidentemente),
ou do contrato por inteiro, pode e deve afirmar a nulidade, para o fim de dirimir a questão
que lhe foi submetida.
Um exemplo concreto: sabe-se que os diploma de regência do Plano Real cominam de
nulidade qualquer disposição contratual que fixe periodicidade de correção monetária
inferior a um ano. Na presença de semelhante previsão, inserta em contrato regido por
tais diplomas, o devedor pode recusar-se a pagar atualizações mensais ou bimestrais,
sem que ao credor reste outra alternativa senão a de conformar-se – sendo nula a
cláusula, não é passível de execução forçada. Mas suponha-se que o devedor, ao
contrário, esteja perfeitamente satisfeito com os reajustes mensais ou bimestrais a que
se obrigou e deseje efetuá-los, para felicidade do credor. Trata-se ou não de um direito
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19
disponível? Quem poderá obrigar o devedor a não efetuar tais pagamentos? Embora
tenha essa possibilidade, pode dela abrir mão. Uma questão do tipo seria, sem dúvida,
passível de conhecimento pelo juízo arbitral.
Examinando o problema sob a ótica da aplicação do Direito Antitruste no juízo arbitral,
Pedro Paulo Salles Cristofaro e Rafael de Moura Rangel Ney chegam à mesma
conclusão: “o fato de, no processo lógico de formação da decisão em uma arbitragem,
ser necessário examinar a eventual nulidade de disposições contratuais – ou mesmo de
um contrato como um todo – não afasta a “disponibilidade” dos direitos em controvérsia,
nem impede o prosseguimento do Juízo Arbitral. Qualquer entendimento diverso
representaria inaceitável restrição à arbitragem, capaz de praticamente inviabilizar o
instituto. Veja-se que, a todo momento, pode ser o árbitro confrontado com leis cogentes,
incidentes sobre o conflito, obrigando-o a aplicar tais normas às situações concretas. É
assim, por exemplo, quando está diante de uma estipulação prevendo correção
monetária dentro de determinada periodicidade. Leis monetárias são cogentes,
imperativas, e nem por isso deve o árbitro interromper o processo e remeter às partes à
justiça estatal, apenas para constatar o óbvio.” 27
É útil fazer um paralelo com a conciliação no juízo estatal. Jamais se entendeu que
diante de alegação de nulidade – de certa disposição contratual, por exemplo –, estejam
as partes impedidas de celebrar acordo: no processo civil, a alegação de nulidade nunca
impediu a transação. Não vemos razão para que se adote entendimento diverso no
tocante à arbitrabilidade de disputas.
A própria Lei de Arbitragem dá a saída para o problema. Se a nulidade do contrato não
contamina a cláusula compromissória, cabendo ao árbitro decidir as questões acerca da
existência, validade e eficácia do contrato que a contenha (art. 8° da LArb.), é sinal de
que o legislador considerou passível de arbitramento disputas sobre a nulidade do
contrato.
4.3.
Normas organizativas da sociedade e reflexos para os demais acionistas
Finalmente, o assunto mais delicado: poderá ser dirimida pela via arbitral controvérsia
sobre questões que afetem todos os acionistas indistintamente, ainda que de forma
reflexa, como a anulação de deliberação assemblear ou de disposição estatutária?
A esse respeito, vale a pena lançar mão, mais uma vez, da experiência estrangeira. O
Superior Tribunal Federal alemão (Bundesgerichtshof) ao que parece já consolidou o
27
“Aplicação do Direito Antitruste no Juízo Arbitral” (seção IV), publicado neste volume.
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20
entendimento de que em apenas duas situações básicas admite-se arbitragem para
compor disputas a respeito da validade de deliberações assembleares: quando a
sociedade possuir apenas dois sócios ou quando todos os acionistas concordarem em
sujeitar-se à sentença arbitral, venham ou não a integrar o procedimento. Não basta,
assim, que todos estejam vinculados à cláusula compromissória para que a sentença
arbitral possa atingí-los: é preciso que a arbitragem verse sobre direitos disponíveis da
parte, o que entende não ser o caso de deliberações assembleares, que alcançam o
universo dos acionistas28.
O quadro é semelhante na Itália (embora talvez por pouco tempo). Em virtude da regra
do art. 806 do CPC italiano, que, como a nossa lei, restringe a arbitragem aos conflitos
que envolvam direitos em relação aos quais as partes possam transigir, a arbitragem
vem sendo admitida apenas para questões que se atenham aos interesses individuais
dos sócios, não sendo possível dirimir pela via arbitral aquelas concernentes ao
funcionamento da sociedade ou que envolvam a tutela de interesses coletivos dos
sócios, questões estas subtraídas da autonomia das partes. Este filtro exclui da
competência arbitral, entre outras, disputas relativas à veracidade do balanço e à
responsabilidade do acionista controlador nos casos que se fundem na violação de
normas que visem ao interesse da sociedade. 29
Uma curiosidade: no mesmo momento em que fazíamos a nossa recente reforma da Lei
das S.A., em outubro de 2001, era editada na Itália a Legge Delega 366, destinada a
viabilizar reforma substancial da disciplina das sociedades comerciais. A norma autoriza
o Poder Executivo a editar decretos legislativos com esse fim, os quais poderão não
apenas alterar sensivelmente regras de processo civil, como prever a inserção de
cláusula compromissória nos estatutos das sociedades comerciais para a composição de
litígios acerca de direitos que não possam constituir objeto de transação, justamente
para afastar, em matéria societária, a regra geral em sentido contrário contida no art. 806
do CPC italiano. Mas, neste caso, a sentença arbitral italiana será sempre impugnável
por violação à lei.
Como, entre nós, ainda não se cogita de norma semelhante, as questões em relação às
quais os sócios não possam transigir, por envolverem direitos de terceiros – os demais
acionistas – estejam ou não tais terceiros vinculados à cláusula compromissória,
realmente ficariam, segundo tal perspectiva, excluídas do âmbito da arbitragem.
28
Hilmar Raeschke-Kessler, “Arbitrability of Disputes Concerning Resolutions of a Limited Liability Company
(GmbH)”, in Bulletin Association Suisse de l’Arbitrage, vol. 3, 1996, pg. 355.
29
Píer Luigi Morara, “Appunti per uma comunicazione sull’art. 12 della legge 3 ottobre 2001, n. 366” in [www.
federcoop-ra.it].
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21
Mas este é apenas mais um dos tantos aspectos controvertidos do tema. De fato, podese argumentar que o pleito do acionista demandante será sempre dirigido à própria
sociedade e não aos demais acionistas, ainda que estes possam sofrer, reflexamente, as
conseqüências da decisão. Se em lugar de instaurar um procedimento arbitral, o
acionista demandante ingressar em juízo para obter a anulação de uma deliberação
assemblear, do pólo passivo da ação deverá figurar apenas a sociedade e não os
demais acionistas (eventualmente beneficiários da deliberação anulanda). Raciocínio
análogo se aplica aos co-legitimados a propor a ação: têm estes a possibilidade de
ingressar em juízo como litisconsortes, mas este seria um caso típico de litisconsórcio
facultativo, embora unitário: não é preciso que os demais acionistas integrem o pólo ativo
para que a sentença judicial surta todos os seus efeitos em relação à sociedade,
inclusive os efeitos que atinjam tais acionistas reflexamente.
Nessa perspectiva, talvez seja realmente possível dirimir por arbitragem os conflitos
relativos às normas organizativas da sociedade e outros que possam atingir
reflexamente o universo dos acionistas, como os concernentes à deliberação sobre
dividendos.
São exemplos de pretensões indiscutivelmente passíveis de conhecimento na via
arbitral a cobrança de dividendos declarados e não pagos pela sociedade, discussões
sobre direito de recesso e aquelas nas quais se pretenda o ressarcimento de danos
sofridos pelo minoritário em virtude do exercício abusivo do controle.
5.
A Câmara de Arbitragem do Mercado
As inegáveis vantagens da resolução de conflitos societários na via arbitral levaram a
BOVESPA a adotá-la para o Novo Mercado, segmento especial de listagem integrado
apenas por empresas que se comprometam, voluntariamente, com a adoção de certas
práticas de administração mais rígidas e transparentes do que as exigidas da
generalidade das sociedades, com o fim de melhorar a qualidade das informações
prestadas e ampliar, de modo geral, os direitos dos acionistas. Em outras palavras,
tornar a companhia mais segura e atraente para o investidor.
E uma dessas regras é a solução obrigatória de conflitos no âmbito da sociedade pela
Câmara de Arbitragem do Mercado30.
30
É bom exemplo de cláusula compromissória estatutária que remete a composição de controvérsias à Câmara
de Arbitragem do Mercado aquela adotada pela Petrobras: “Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem,
obedecidas as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que
envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a
aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas
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22
A arbitragem – e, em especial, aquela conduzida por órgão altamente especializado,
organizado e administrado pela BOVESPA – é considerada, assim, um fator adicional de
segurança e tranqüilidade que se concede ao investidor. Tudo com o intuito, que, aliás,
norteou a recente reforma da Lei das S.A., de dar maior conforto ao acionista minoritário
e, em conseqüência, aquecer o mercado de ações.
Segundo o regulamento do Novo Mercado, a via arbitral é obrigatória para conflitos que
venham a surgir entre a BOVESPA, a companhia, o acionista controlador, os
administradores e os membros de seu conselho fiscal.
Por sua vez, o regulamento da própria Câmara de Arbitragem do Mercado confirma essa
obrigatoriedade e confere aos demais acionistas a possibilidade de também filiarem-se,
mediante a assinatura de um Termo de Anuência.
Nota-se, assim, que é facultativa a vinculação do investidor ao regulamento da Câmara
de Arbitragem do Mercado, ao contrário do que ocorre com o acionista controlador e com
a própria sociedade. Mas a adesão do investidor não é específica para essa ou aquela
companhia: uma vez firmado o Termo de Anuência, permanecerá ele sujeito ao
regulamento para todas as sociedades listadas no Novo Mercado em que vier a investir.
É perfeitamente compreensível que essa tenha sido a opção adotada pelo regulamento
do Novo Mercado: com ela se afasta qualquer possível dúvida quanto a quem está, ou
não, realmente vinculado pela cláusula compromissória estatutária. É preciso levar em
conta que a preocupação que deu origem à criação do Novo Mercado foi a de assegurar
maior segurança ao acionista minoritário. Sob tal enfoque, o importante é que o acionista
minoritário tenha certeza de que poderá, querendo, recorrer à arbitragem para dirimir
seus conflitos com o acionista controlador, com os administradores da sociedade e com
ela própria. A mão inversa – isto é, assegurar à sociedade e ao acionista controlador
que as disputas com os minoritários seriam dirimidas obrigatoriamente por arbitragem –
tinha, portanto, menor relevo.
O fundamental é reconhecer que a via arbitral está sendo identificada pelo mercado
como um fator de atração do acionista minoritário, como um reforço de sua posição na
esfera social.
pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários,
bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas
constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade
mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por
objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos
regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso”.
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23
Convém lembrar que a Câmara de Arbitragem do Mercado não tem seu âmbito de
atuação limitado às companhias integrantes do Novo Mercado e demais segmentos
especiais de listagem da BOVESPA: qualquer sociedade, inclusive por quotas de
responsabilidade limitada, que deseje submeter à Câmara de Arbitragem do Mercado a
condução de procedimento arbitral em matéria societária poderá fazê-lo livremente.
6.
Conclusão
A matéria suscita, como se vê, e talvez ainda suscite por longo tempo, muitas dúvidas.
Esta exposição não tem, nem de longe, a pretensão de esgotá-las ou de oferecer
respostas conclusivas. Muito ao contrário, a preocupação que a motivou foi a de pinçar
os pontos mais controversos, justamente para instigar o debate.
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DAN - A Convenção Arbitral em Estatutos e Contratos Sociais (timbre)