A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR: CURRÍCULO INTEGRADO, SABERES ARTICULADOS, PROJETOS EM PARCERIA MIRANDA, Joseval dos Reis1, - UNEB e UnB [email protected] Eixo temático: Cultura, Currículo e Saberes. Resumo O presente artigo decorre da nossa experiência educativa que teve como objetivo geral compreender como o currículo da formação inicial dos pedagogos buscou promover o princípio da interdisciplinaridade. Foram os seguintes interlocutores da experiência: professores e estudantes que vivenciaram no processo de formação nas práticas interdisciplinares. A metodologia desta investigação privilegiou a abordagem qualitativa, por meio e questionários abertos e análise documental. O diálogo entre as referências teóricas como Apple (2006), Bernstein (1996, 1998), Fazenda (2005, 2008), Goodson (2005), Sacristán (2000), Santomé (1998) e Silva (2005) com os achados da nossa experiência educativa pautou-se, em compreender o conceito de interdisciplinaridade, currículo interdisciplinar e práticas interdisciplinares. Os resultados da experiência apontaram para alguns aspectos que foram reconhecidos nesta prática como: todos os envolvidos na experiência concordam sobre a importância da prática interdisciplinar, reconhecem a fragilidade do processo de construção desta prática, mas salientam o amadurecimento que a mesma proporcionou a todos e mencionam que por meio desta vivência no processo de formação tornou-se mais significativo para estudantes e professores. Enfim, consideramos que este trabalho não está fechado. A nossa expectativa é que as ponderações provoquem novas reflexões com vistas ao aperfeiçoamento de práticas e vivências interdisciplinares. Palavras-chave: Interdisciplinaridade. Currículo interdisciplinar. Práticas interdisciplinares. Introdução 1 Doutorando do PPG em Educação da Universidade de Brasília – UnB e professor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB - Campus XVII – Bom Jesus da Lapa – Bahia. 1797 O presente texto tem por objetivo discutir, refletir e socializar as nossas experiências e vivências educativas com base no currículo do curso de pedagogia que busca como uma das suas diretrizes promover a interdisciplinaridade entre as várias áreas que o compõe. Inicialmente o texto apresenta uma contextualização da temática e o porquê de assumirmos uma postura e prática interdisciplinar. Logo em seguida tecemos algumas reflexões sobre os elos entro o currículo e a prática interdisciplinar com base nos estudos sobre o currículo integrado ou coleção tendo como referência alguns autores que trazem suas contribuições neste campo. Prosseguindo, apresentamos as nossas considerações sobre o fazer interdisciplinar e os seus pressupostos. Por fim, apresentamos algumas considerações sobre nossa experiência interdisciplinar, tendo por base os depoimentos dos professores e estudantes envolvidos nesta vivência colhidos por meio de questionário aberto e também pela análise do projeto do curso de Pedagogia. Desse modo, a partir das discussões e reflexões aqui tecidas com os autores e autoras que debatem acerca da interdisciplinaridade, este texto procura trazer contribuições, comentários e reflexões sobre o fazer interdisciplinar em educação. Contextualizando a temática Vivemos atualmente sob o signo de uma sociedade informatizada, em rede, digital, seja qualquer denominação que usemos mostra o quanto à metamorfose social está presente nos dias atuais. Em pleno século XXI trazemos heranças do século passado onde com todas as guerras existentes, com a acentuada divisão de classe, produção de bombas e outros aspectos, contemplamos hoje avanços significativos em campos como a internacionalização da economia, a expansão dos sistemas de comunicação, avanços da microeletrônica, avanços na Ciência como a expectativa de vida e muitas outras coisas. O século XXI já se faz presente e traz consigo o abalo das certezas, das verdades e das crenças monoreferenciais atreladas a interesses etnocêntricos. A sociedade em rápida e efervescente transformação urge por avanços significativos em todos os seus campos quer sejam eles culturais, econômicos, políticos, sociais, educacionais e outros. Novas configurações nascem como novas guerras pautadas na lógica terrorista, a expectativa de vida é ampliada, entretanto não existem políticas que efetivamente produzam significações na velhice, o conhecimento e a forma cartesiana de produzir conhecimento é questionado e novas formas são aceitas criadas e recriadas. 1798 Torna-se evidente diante de tantos questionamentos, inquietações o quando o paradigma cartesiano que encontra respaldo na lógica positivista tornou-se pequeno demais para conter todas as possibilidades de compreensão da complexidade humana. Para autores como Capra (paradigma sistêmico), Morin (complexidade), Santos (paradigma emergente) e autores que pesquisam e acreditam no paradigma holístico, estes tem em comum a visão de totalidade e o desejo de buscar a superação da fragmentação e da reprodução para a produção do conhecimento com autonomia, criatividade, criticidade e espírito investigativo. Como mencionamos antes em todos os campos tivemos a influência positivista que prevalecia no século XX e no campo educacional não poderia ser diferente. Ainda hoje, em pleno século XXI, possuímos resquícios de um modelo educacional que separa matériamente, prevalece a divisão do conhecimento, fragmentação teoria – prática, práticas pedagógicas reducionistas, formação de professores de forma aligeirada, aceitação de verdades absolutas e outros aspectos. Enfim, a crise atinge a escola e a sua organização do trabalho pedagógico por meio da reprodução do conhecimento. Nesse sentido a escola e também a universidade como elementos deste cenário social precisam romper com as amarras do modelo educacional que não possibilita o pleno desenvolvimento do ser humano. Aqui entendemos e acreditamos que este novo ser humano onde a escola e a universidade por meio do seu papel social da formação contribuam para que este sujeito possa exercer o papel de ator social reflexivo e crítico fazendo parte das relações sociais por ele tecida compreendendo-se como ser único e múltiplo (unitasmultiplex). Pensar nestas possibilidades implica uma mudança de concepção, crenças e posturas do professor, estudantes como também da própria organização do trabalho pedagógico como um todo. É preciso que cada um dos envolvidos no processo educativo exerça o seu papel com o devido protagonismo da sua função. E na organização do trabalho pedagógico precisamos superar os limites impostos dos modelos taylorista e fordista que conseguiram reforçar os sistemas piramidais e as hierarquias de autoridade onde no campo educacional presenciamos suas influências por meio da acentuada divisão social do trabalho, a submissão, práticas pedagógicas quem impediam a reflexão crítica, conteúdos desarticulados e fora do contexto, compartimentalização do saber, hierarquias e isolamento entre as áreas de conhecimento e outros aspectos. Desse modo, pensar em uma organização do trabalho pedagógico que possibilite a vivência e o diálogo entre as várias áreas de conhecimento perpassa no cerne da questão em 1799 compreendermos qual concepção de currículo que os atores sociais que vivenciarão o trabalho pedagógico possuem, pois o currículo é uma construção dos atores que o constituem, ele expressa uma identidade (SILVA, 2005). Buscar construir uma forma de relação dialógica e dialética entre as várias áreas que compõe o currículo tanto da escola como da universidade implica a todos nós compreendermos o currículo como um artefato social, uma produção histórica observando o tempo e espaço no qual o mesmo está inserido (SILVA, 2005). Torna-se assim inevitável na sociedade atual que se diz ser da aprendizagem uma concepção e prática de um currículo grade, fragmentado, coleção (BERNSTEIN, 1988, 1996). É preciso conceber o currículo que cada vez mais ganha destaque no debate educacional como um campo de lutas, tensões, contradições, pode e outros aspectos (APPLE, 2006), pois as novas relações tanto de tempo e de espaços de aprendizagens se configuram novas relações com o saber instituindo um processo híbrido. O currículo e a prática interdisciplinar: encontrando os elos A nossa reflexão, então, buscará demarcar inicialmente alguns conceitos teóricos no campo do currículo, trazendo para o centro dos nossos debates alguns autores que estudam a temática e as suas contribuições acerca do tema. Segundo Goodson (2005), Sacristán (2000), a palavra currículo provém do vocábulo latino Scurrere, correr, referindo-se a uma pista de corrida, atletismo. A aplicação dessa definição ou significado na educação passou a denotar uma seqüência articulada de estudos, percurso a ser seguido, daí o fato de muitas vezes o concebermos simplesmente como relação em seqüência de conteúdos ou assuntos, programa a ser trabalhado. Como um conceito que vem sendo alterado através dos tempos, torna-se indispensável buscarmos um pouco dessa historicização acerca do termo currículo, pois este não se reduz simplesmente à dimensão educativa da instituição escolar, por isso levou-se em conta a intencionalidade de cada contexto no qual ele se manifestava e se manifesta. A teoria curricular pode ser analisada sob dois prismas principais: as concepções tradicionais ou conservadoras e a concepção crítica. Esta última já admite alguns estudos, ou ramificações mais avançados correspondendo a uma concepção pós-crítica, segundo Silva (2005). Tanto a vertente tradicional ou conservadora quanto a crítica ou a terceira vertente, as pós-críticas, como pontua Silva (Ibid.), todas com origem nos Estados Unidos ou na Inglaterra, influenciaram e influenciam ainda este campo aqui no Brasil. 1800 Vale salientar que neste trabalho não teceremos maiores considerações sobre a história do currículo, pois já encontramos autores como Silva, Moreira, e outros que com muita competência já trazem este percurso. Explicitamos apenas estas questões para percebemos o quanto a concepção tradicional de currículo manifesta-se ainda por meio das suas relações. Buscarmos compreender as acepções da palavra currículo, para podermos constatar quanto o mesmo expressa visões, crenças e interesses, pois este se constitui por meio de um processo que envolve pessoas e procedimentos. Esse processo, pela sua própria natureza do desenvolvimento curricular não pode ser negligenciado que é caracterizado tanto pelo processo interpessoal (vários autores) quanto pelo processo político (tomada de decisões) (PACHECO, 2005). Repensar o currículo e a sua expressividade em uma sociedade das aprendizagens significa, acima de tudo, repensar alguns pressupostos que norteiam a sociedade da informação, do conhecimento e das aprendizagens. Nesse contexto, impõe-se romper com a concepção do currículo isolado, descontextualizado, fragmentado que não propicia a construção e a compressão de nexos que permitam a sua estruturação com base na realidade (SANTOMÉ, 1998). Construir ou buscar uma atitude que rompa ou saia dessa perspectiva de currículo fragmentado, do tipo coleção (BERNSTEIN, 1988) implica não somente um desejo, mas uma vontade política que vá além do discurso, redimensionando velhos paradigmas ou concepções eu muitas vezes estão arraigados em nossa formação, acreditando no novo, porque na construção de uma proposta curricular não podemos negligenciar que “[...] é preciso levar em consideração que existem diferentes classes de conhecimento e que cada uma delas é reflexo de determinados propósitos, perspectivas, experiências e valores humanos” (SANTOMÉ, 1988, p.100). A concepção apresentada e defendida por Santomé (Ibid.) traz no seu âmago vantagens como: uma intervenção educativa mais aberta, dialógica, que propicia o exercício do protagonismo, tanto no ato de aprender como no ato de ensinar, uma maior abertura do canal de comunicação entre os atores sociais que constroem o cenário curricular, maior possibilidade de trabalho, análise e interpretação dos conteúdos culturais. Corroborando essa idéia, Bernstein (1988) salienta que o currículo do tipo coleção se expressa por meio de uma relação fechada, conteúdos claramente delimitados e separados entre si. Nessa formatação este tipo de currículo implica uma hierarquia, existe uma forma 1801 poderosa de controle, a relação educativa tende a ser hierarquizada e ritualizada, sendo dessa forma um currículo rígido, pois “a ordem provém de sua natureza hierárquica e das relações de autoridade, da ordenação sistemática dos conteúdos separados, de um controle de exame relativamente objetivo e explícito”. (Ibid., p. 79). Entretanto, o autor propõe como forma de superação o currículo integrado, que possui uma relação aberta entre si. Para Bernstein (1988) integração dos conteúdos se relaciona a uma idéia, os diferentes conteúdos são partes de um todo e cada função dessa parte é explicar este todo não havendo nenhuma redução da autonomia do conteúdo. Na proposta do currículo integrado, quando acontece a interação “[...] há uma troca e um equilíbrio na relação pedagógica” (Ibid., p. 96). Concebida dessa forma a idéia de integração, a tensão entre o currículo coleção e o integrado não é simplesmente uma questão do que se ensina. Essa tensão procede de diferentes formas de poder e controle que permeiam a sociedade. Trata-se também de um “[...] conflito entre as diferentes concepções de ordem moral e social” (Ibid., p.77). O autor destaca alguns pontos nessa construção de um currículo integrado que subsidia o nosso referencial analítico: a) Deve haver algo de consenso com respeito à idéia integradora em si, para que esta funcione; b) A idéia deve ser explícita; c) A natureza entre a vinculação e a idéia e os diversos conteúdos deve ser desenvolvida sistemática e coerentemente; d) Há de se estabelecer um consenso de alunos e professores para desenvolver um controle sensível para a tarefa global; e) É de fundamental importância desenvolver um critério de avaliação muito claro (IBID., p.79). Nesse sentido estabelecido as devidas considerações sobre o porquê da construção de um currículo integrado, interdisciplinar, cabem-nos buscarmos um maior entendimento sobre o trabalho interdisciplinar. Neste sentido para Japiassu (1975), O trabalho interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar uma ponte para religar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo preciso de assegurar a cada ma seus caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos (JAPIASSU, 1975, p.75). 1802 Assim de acordo com Fazenda (2005) o trabalho interdisciplinar não se ensina, nem se aprende, ou seja, vivencia-se, constrói-se, pois o que caracteriza um trabalho interdisciplinar é a busca, a pesquisa e a ousadia em romper os limites das fronteiras estabelecidas entre as várias áreas de conhecimento, entretanto, respeitado cada área onde na construção interdisciplinar estes campos de conhecimentos não se anulam, nem somem, contudo estabelecem um diálogo dialético respeitado a especificidade do estatuto epistemológico de cada área do saber. A experiência interdisciplinar: do prescrito ao vivido A nossa experiência tem por base o currículo do curso de Pedagogia da UNEB, do campus XVII1 que na sua proposta pedagógica tem por base na sua estrutura curricular dentre os vários princípios o da interdisciplinaridade. O referido documento do curso pontua a interdisciplinaridade como um fator inerente ao desenvolvimento da proposta de formação do pedagogo bem como possibilitar por meio do componente Pesquisa e Prática Pedagógica e Pesquisa e Estágio a integração e a articulação entre os demais componentes curriculares. Neste sentido a proposta do curso salienta também a necessidade do rompimento com os “feudos” das áreas de conhecimento buscando estabelecer as relações fronteiriças entres os campos de conhecimento buscando proporcionar uma formação com vista à totalidade do fenômeno educativo. Salientamos que o referido estudo aqui apresentado foi desenvolvido e acompanhado do segundo ao oitavo semestre em uma das turmas do curso Pedagogia. Durante esta caminhada podemos perceber os avanços e equívocos por nós cometidos na tentativa de buscar construir uma atitude interdisciplinar, onde por meio das opiniões e respostas dadas pelos professores e estudantes em cada período fomos buscar melhorar o nosso fazer interdisciplinar. A cada atividade que realizávamos durante e ao final procedíamos ao processo de avaliação ouvindo tanto estudantes e professores2. No final da atividades entregávamos alguns questionários com questões abertas para que todos os envolvidos na atividade interdisciplinar do semestre pudessem avaliar e deixar registrado as suas opiniões, sugestões e críticas. 1 Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XVII localizado na cidade de Bom Jesus da Lapa – Bahia. Os nomes mencionados no texto tanto dos professores quanto dos estudantes são nomes fictícios para que a verdadeira identidade dos mesmos fosse preservada. 2 1803 Durante o período de acompanhamento da turma de Pedagogia pelos vários semestres do curso foi trabalhando com aproximadamente trinta professores e vinte e oito estudantes nesta convivência interdisciplinar. Encontramos barreiras como assinala Fazenda (2005) desde as pessoais, institucionais, materiais e outras que aos poucos e com o nosso amadurecimento para a proposta interdisciplinar foram sendo superadas ou redimensionadas. Também encontramos posturas de profissionais que não acreditam nesta proposta e só participavam da atividade por que era obrigatória no currículo do curso. Como uma de nossas inquietações era buscar o aperfeiçoamento das nossas atividades interdisciplinares buscávamos sempre avaliar quais os seus pontos fortes e “fracos” na realização da mesma. Os docentes apontaram nas suas respostas como pontos fortes a conciliação dos conceitos e promoção de avanços como a produção de novos conhecimentos, respostas aos problemas provocados pela excessiva compartimentalização do conhecimento, instaurar um intercambio entre pesquisadores de diferentes áreas do saber sobre o mesmo objeto, a possibilidade e abertura para o diálogo entre as várias áreas do saber, maior flexibilidade, organização e criatividade nas atividades desenvolvidas. Como pontos “fracos” apontados pelos professores tivemos: a falta de atividades e vivências no campo da pesquisa, a condições precárias da biblioteca e do laboratório de informática, falta de salas específicas para as atividades de orientação aos estudantes, o número elevado de estudantes por turma, a própria atuação estudantil onde não exerciam o protagonismo nas suas produções acadêmicas. Outras vozes que não poderíamos deixar de mencionar são dos estudantes que também vivenciaram todo o processo de atividades interdisciplinares no curso de formação. Eles pontuam com pontos fortes: a possibilidade de construir um conhecimento mais holístico, o envolvimento dos estudantes na maioria das atividades, a construção de um planejamento em conjunto, estabelecimento de parcerias entre estudantes e professores. Os pontos “fracos” sinalizados foram: a articulação do diálogo entre as várias áreas, a precária formação de professores para trabalhar de forma interdisciplinar, falta de empenho por parte de alguns estudantes e professores, a falta de vivência nesta postura interdisciplinar, falta de materiais de apoio como biblioteca e laboratórios. Um aspecto que não poderíamos deixar de destacar nesta nossa análise que o currículo prescrito do curso de Pedagogia estava estruturado em torno de eixos onde no primeiro e segundo semestre tinha a temática educação e sociedade; no terceiro a pedagogia e docência; no quarto a pedagogia e gestão; no quinto diversificação da formação do pedagogo; no sexto 1804 docência e gestão em espaços formais; no sétimo docência e gestão em espaços não formais e no oitavo gestão educacional. A partir destas temáticas os professores que faziam parte do semestre e de acordo com o componente curricular que ministrava iriam propor atividades dentro da temática já estabelecida no documento. De acordo com Fazenda (2005) o projeto interdisciplinar nasce espontaneamente, no suceder diário e não imposto a partir de uma proposição ou prescrição do currículo, pois o fazer interdisciplinar parte de uma construção coletiva em prol de um novo conhecimento despojado dos conceitos pré-concebidos e arraigados no consciente. É importante salientar que durante a nossa experiência interdisciplinar percebemos momentos em que houve uma verdadeira integração entre professores e estudantes, onde cada um exercia o seu papel de ator social vivenciando uma situação e ação educativa mais produtiva, criativa e crítica. Entretanto tivemos situações onde os próprios professores não se envolviam na atividade. Neste sentido compreendemos, [...] a interdisciplinaridade por um movimento ininterrupto, criando ou recriando outros pontos para a discussão. (...) Não há interdisciplinaridade se na há intenção consciente, clara e objetiva por parte daqueles que a praticam. (...) A apreensão da atitude interdisciplinar garante, para aqueles que a praticam, um grau elevado de maturidade. Isso ocorre devido ao exercício de uma certa forma de encarar e pensar os acontecimentos (FERREIRA, 2005, p. 34-35). Outro aspecto essencial na nossa análise nesta vivência diz respeito à formatação do currículo do curso. Saímos de uma lógica curricular onde as disciplinas estavam organizadas de forma linear, hierárquicas e com pré-requisitos, cada uma na sua gaveta ou caixinha e fomos para uma lógica onde as mesmas aparecem com uma nova formatação sendo agrupadas em círculos pressupondo uma relação entre aquelas que compõem o semestre e sendo agora denominadas de componentes curriculares. Entendemos que mudar somente a forma ou a nomenclatura não produz avanços significativos. Claro que as denominações carregam uma carga semântica forte, contudo construir uma prática interdisciplinar não será pela obrigação de trabalharmos desta forma ou simplesmente mudar o desenho como as disciplinas se apresentam, pois uma atitude interdisciplinar é uma, 1805 Atitude diante das alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do proporia saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e com as pessoas neles envolvidas, atitude, pois de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade, mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim de vida (FAZENDA, 2008, p.82). Buscamos também neste estudo sobre a nossa experiência interdisciplinar buscar compreender como os professores analisaram a vivência interdisciplinar destacando possíveis entraves para a execução da mesmo. Todos foram unânimes ao referir-se sobre a organização que a universidade possui no sistema multicampia dificultando o encontro, dialogo e reuniões entre os docente. Nesse sentido a fala de um docente ilustra a situação. A estrutura multicampi da UNEB e a itinerância docente, como fruto dessa multicampia unebiana, que impedia alguns dos nossos encontros para o planejamento da atividade interdisciplinar, embora trabalhássemos, eu e o meu colega, coordenador da atividade, nos mesmos dias da semana. Destaco ainda a forma como está organizada a universidade brasileira, onde muitos professores e pesquisadores possuem múltiplas atividades ou exigências contratuais para o desempenho das atividades acadêmicas como, por exemplo, aquelas relacionadas à docência (de graduação e pós-graduação), à orientação de alunos em seus trabalhos acadêmicos, ao desenvolvimento de outras pesquisas (geralmente no campo disciplinar e de forma individual ou em pequenos grupos) (João, Professor). Com relação às falas dos estudantes no que diz respeito aos entraves destacamos: A falta de qualidade nos cursos de formação de professores que não tiveram esta experiência interdisciplinar e agora tem que cumprir com o que o currículo diz. Falta de oportunidade para pensarem coletivamente a educação e a proposta interdisciplinar, pois muitos docentes não se encontram para planejarem por estar um docente no início da semana e outro no final de semana. (Maria, estudante). Assim, também buscamos dos interlocutores envolvidos a sua visão sobre quais as possibilidades que tanto os professores como os estudantes veem para o trabalho interdisciplinar. Por meio dos docentes foi citado buscar um maior envolvimento de todos os envolvidos, implementar mais a pesquisa na vivência acadêmica, maior atividade de planejamento e encontros pedagógicos, grupos de estudos ou reuniões pedagógicas para 1806 discussão e aprofundamento da temática e buscar por meio da formação continuada maior conhecimento teórico e metodológico no tocante as questões da interdisciplinaridade. Com relação ainda sobre as possibilidades os estudantes explicitaram que é preciso maior envolvimento de todos, maiores explicações sobre os projetos a serem desenvolvidos, que as temáticas dos projetos emanem do grupo e não venha já decidida de cima para baixo, que o projeto a cada semestre fosse reavaliado e que fosse dada continuidade e não iniciado um novo projeto a cada semestre. Reflexões finais A nossa experiência com a atividade interdisciplinar possibilita-nos algumas reflexões acerca deste processo vivenciado por nós professores e estudantes como em primeiro lugar a grande maioria concorda sobre a importância de se estabelecer uma relação de diálogo dialética entre as áreas de conhecimento superando os ranços da fragmentação. Em segundo lugar todos os envolvidos reconhecem a fragilidade na vivência estabelecida, contudo estão abertos a novas experiências e ao crescimento em grupo, por meio da parceria em prol da construção de conhecimentos mais significativos para todos os envolvidos no processo de ensino e de aprendizagens. Em terceiro lugar a reflexão crítica sobre as experiências construídas possibilitaram um maior amadurecimento para o grupo que para muitos dos professores não tiveram a vivência interdisciplinar no processo de formação e para muitos dos estudantes do curso de Pedagogia não estavam acostumados a serem protagonista da sua própria aprendizagem. Em quinto lugar cabe-nos destacar que a experiência da prática interdisciplinar no currículo do curso de Pedagogia mostrou as possibilidades de um processo de formação com mais sentido e significado para todos, efetuando mudança de atitudes tanto nos docentes como nos discentes. Por fim, a nossa expectativa é que as ponderações aqui iniciadas e apresentadas sejam provocantes e provocadoras de novas reflexões com vistas ao aperfeiçoamento das práticas interdisciplinares, pois é uma temática que poderá trazer, em discussões futuras, um novo olhar, uma nova face do mesmo problema ou uma nova abordagem a partir de contextos e experiências de outros interlocutores. REFERÊNCIAS 1807 APPLE, M. W. Ideologia e currículo. 3.ed.Trad. Vinicius Figueira. Porto Alegre: Artmed, 2006. BERNSTEIN, Basil. A Estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. BERNSTEIN, Basil. Clases, códigos y control – hacia uma teoria de lãs transmisiones educativas. Trad. Rafael Feito Alonso. Madrid-Espanha: AKAL, 1988. FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: definição, projeto, pesquisa. In: FAZENDA, Ivani C. Arantes (org.). Práticas interdisciplinares na escola. 10. ed. 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