Entrevista sobre o Programa 2010 Ficha de Identificação Nome: Bruno Miguel Barrocas de Jesus Empresa: Agência Portuguesa de Imagens Cargo/Função: Coordenador Programa: 2010 Questões 1. Qualidade - Na sua opinião, o que pode ser considerado qualidade em televisão em referência às magazines de carácter cultural, social e/ou científico? Saber criar, saber fazer e saber inovar. Para mim, são características que deveriam estar presentes neste tipo de programas e em quem os faz. Qualidade é saber fazer televisão adaptada à respectiva época. Apesar de à partida parecerem ser programas para minorias, esse não é o pensamento mais correcto. Há que saber arriscar e alterar na altura certa, sejam estilos sejam alinhamentos. Há que ir ao encontro do que os telespectadores querem ver, não para lhes dar o que querem ver, mas para educar-lhes o gosto. Se queremos mudar o mundo, com pequenas ou grandes alterações, o mundo tem de saber que nós existimos. - Considera que a A:2, actual RTP 2, emite uma programação de qualidade? Se sim, por quê? Até certo ponto, é verdade que a programação da RTP 2 pauta-se pela qualidade. Os programas que emite são, na sua generalidade, bons, quer os nacionais, quer os internacionais, seja a ficção, seja a informação. Neste campo da qualidade, há produtoras externas que dão cartas. Já outras, não se percebe bem como têm presença na RTP 2. E este é, precisamente, um dos factores que faz decrescer a qualidade da programação. Para além de tudo isto, creio que a RTP 2 deve adaptar-se mais à contemporaneidade e às novas formas de se fazer televisão. Por vezes ligamos o televisor na RTP 2 e deparamo-nos com autênticas surpresas pela positiva. Noutras ocasiões, parecemos ainda agarrados aos anos 80 e 90. - A produção do programa 2010 tem por base parâmetros de qualidade? Se sim, poderia explicar brevemente quais são eles? O 2010 rege-se, de facto, por parâmetros de qualidade. Nas áreas que o tema aborda, ciência, tecnologia e inovação, as fronteiras entre a informação/divulgação e a publicidade podem confundir-se. Deste modo, existe muito cuidado na selecção dos temas, investigação aprofundada para se perceber tudo o que está envolvido num determinado tema, em terreno ou na redacção não há qualquer membro que ceda a pressões, há uma clara aposta no texto jornalístico e na estética sonora e visual e uma constante preocupação pela harmonia de cada alinhamento, de cada programa. - Considera que o 2010 consegue cumprir com a qualidade que se espera de um programa de uma estação de serviço público? Se sim, por quê? Miraculosamente, consegue cumprir essa qualidade. Sendo o magazine porventura mais antigo da televisão portuguesa, uma proeza, apresenta ainda um outro “mérito” que é o facto de nunca ter sido pago pela RTP e de estar há três anos sem patrocinador. Ora, tudo isto para se chegar à conclusão de que é uma pequena produtora de audiovisuais que está a fazer, às suas custas, o serviço público nacional em ciência, tecnologia e inovação. - Indique 3 atributos considerados relevantes no que diz respeito à qualidade de um programa de televisão: Exigência, singularidade e autonomia. 2. Temas - Como são seleccionados e tratados os temas a serem abordados no programa? Diariamente chegam à redacção do 2010 dezenas de temas de reportagem. Muitas delas não têm qualquer valor-notícia, as restantes apresentam os critérios máximos (no 2010 trabalha-se com critérios máximos e não mínimos) para serem alvo de abordagem no programa. Depois, há os temas de reportagem seleccionados pelo coordenador do programa, de entre as várias fontes que existem actualmente, ou em contacto com cientistas, engenheiros, investigadores, universitários, etc., ou, ainda, tendo em atenção a actualidade. Os jornalistas também fazem por si próprios selecção de temas. A equipa técnica também é livre de sugerir temas. Para além disso, claro que em televisão não há reportagens sem imagens que a possam ilustrar. Por fim, temos muita atenção ao que os telespectadores nos vão dizendo e às sugestões que nos fazem chegar. Tudo isto é analisado pelo coordenador, que selecciona o que deve ou não entrar no programa. - A equipa de produção tem algum tipo de preocupação em contribuir para gerar a reflexão e, consequentemente, o debate de ideias quando da escolha e abordagem dos temas? Estas questões são pensadas quando da escolha dos temas e das reportagens, ou é apenas uma consideração teórica que não se efectiva na prática? Se assim não fosse, de certeza que telespectadores e comunidade científica, tecnológica e inovadora não telefonavam nem enviavam tantos e-mails para a redacção do 2010. Sentimos, de facto, que cada programa mexe com quem o vê. No último ano, o 2010 duplicou as suas audiências. E numa RTP 2, convenhamos que não é nada fácil. 3. Informação - Quais os critérios utilizados na selecção e na preparação das reportagens? A selecção das reportagens provém da selecção dos temas, a que já aludi no Grupo 2. Em cada alinhamento analisam-se que reportagens devem entrar e de que forma. A preparação das reportagens é feita ao mais ínfimo pormenor. O jornalista investiga o assunto ao detalhe. São assim as reportagens do 2010. Os repórteres de imagem e os jornalistas conversam sobre as reportagens que vão fazer. Quando chegam ao terreno, o trabalho já vai facilitado. Depois, é só conceber o “filme”, garantir que não faltam imagens e que dali tem obrigatoriamente de sair um trabalho jornalístico de elevada qualidade. O editor faz uso de toda a sua criatividade para tornar a reportagem dinâmica e apelativa. O pós-produtor áudio sonoriza-a de acordo com os vários ritmos da peça. - Quais as principais estratégias de comunicação que são utilizadas para facilitar a transmissão de mensagens muitas vezes com conteúdos complexos? Não são propriamente estratégias de comunicação, prefiro falar em cuidados e alguma experiência. Afinal, já são 11 anos a andar por cá! Diria que a principal estratégia, se assim se pode chamar, é que no 2010 o trabalho jornalístico só está completo quando tudo é claramente perceptível para todos. A linguagem televisiva já ajuda a simplicar a complexidade e o conhecimento que a equipa tem acerca dos temas e termos é a pedra-de-toque. 4. Público O 2010 pretende ser um programa informativo e educativo no que diz respeito à produção do conhecimento por meio da investigação científica. - A que público se destina o 2010 e de que forma se procura conquistálo? O 2010 hoje em dia tem obrigatoriamente de se destinar a todas as pessoas. Já não é só o programa dos cientistas, dos investigadores, dos engenheiros, dos apaixonados pelas novas tecnologias, dos médicos, dos universitários, etc.. É um programa de todos e para todos. Procura conquistar o público com a qualidade do programa na sua globalidade, o texto, o som e as imagens apresentam cuidados que, arrisco-me a dizer, muito pouco se vê já hoje na televisão portuguesa. Igualmente se conquista o público alterando com alguma frequência a estrutura do programa, criando expectativa, surpresa, dando-lhe voz, tornando-os telespectadores e cidadãos activos e participativos. É um programa de ciência, tecnologia e inovação generalista tratado em toda a especificidade que o compõe do primeiro ao último minuto. - Como o programa poderá contribuir para a consciencialização do público? Quais mecanismos são utilizados para atingir este fim? - Sendo um programa voltado para o desenvolvimento da tecnologia e para o futuro, quais os mecanismos que são usados para combater a info-exclusão? De que forma se procura um público que não seja somente composto por especialistas? O truque está, sobretudo, na forma como o conteúdo é tratado. Depois, as imagens e o som são “condimentados” de forma a marcarem essa perceptibilidade. O 2010 é produzido e realizado de modo a toda a gente perceber do que lá se fala, desde o prémio Nobel ao mais comum dos cidadãos. - O programa promove, de alguma forma, a participação do público? Sem dúvida. Através de e-mail, das sugestões que enviam, até da sua presença no programa, do debate que suscita e, muito em breve, do site e de muitas outras surpresas que se avizinham para breve e que, porque se aproxima o aniversário dos 11 anos, não posso ainda revelar. 5. Formato O 2010 destaca-se como o mais antigo magazine de ciência e tecnologia da televisão portuguesa. - Qual é a intenção da equipa de produção na elaboração do formato deste programa, assim como na sua manutenção? Primeiramente, apenas tecnologia. Quatro anos depois, ciência e tecnologia. Há cerca de um ano, ciência, tecnologia e inovação. Não paramos. Seguimos continuamente em direcção ao futuro. Quando ele chega, nós já lá queremos estar. E, através de nós, os telespectadores. Quando este programa teve o seu início era único e, hoje, passados 11 anos, continua a ser único. Vão existindo programas efémeros (isto não é uma crítica, é uma constatação de que os programas só sobrevivem enquanto há patrocinadores ou são pagos) e programas que abordam temas parecidos. Nós andamos cá há 11 anos, tornámo-nos numa referência. Se fôssemos embora… uma parte do país ficaria seriamente chateada! 6. Sucesso do programa - O 2010 é emitido há 11 anos, a que se deve o sucesso do programa junto do público e dos patrocinadores? Acredita que está relacionado com o facto de ser uma produção de qualidade? Sem dúvida que a qualidade é o principal factor a marcar o nosso sucesso. É um estilo de se fazer televisão que não é muito comum, mas que, ao mesmo tempo, é visionário. O público agradece-nos. Os patrocinadores… é difícil perceber. Se o programa fosse emitido num outro canal de certo que não iriam faltar. Na RTP 2, não conseguimos ter um único. Talvez seja necessário a RTP 2 repensar a estratégia de visibilidade que oferece aos patrocinadores dos programas que emite. 7. Serviço público - Na sua opinião, como a RTP2 poderia agir para alcançar maiores parcelas do público? Porque, sendo um canal de serviço público, seria interessante se conseguisse contribuir ainda mais para democratizar o conhecimento. Como? Percebendo de uma vez por todas que é essa a sua missão. Segmentar não quer dizer diminuir, mas sim atingir estrategicamente.