Planejamento e gestão de cursos de graduação e o posicionamento docente: o caso do curso de administração numa universidade pública no Rio de Janeiro Rodrigo Carlos Marques Pereira UFF [email protected] Aloisio Jorge de Jesus Monteiro UFRRJ [email protected] Francisco Antonio Ferreira Avila UFRRJ [email protected] RESUMO Este trabalho tem o objetivo de descrever a relação do posicionamento docente nas questões pedagógicas do planejamento e gestão dos cursos de graduação, sob o ponto de vista da relação com o projeto político-pedagógico. Foi feita uma investigação bibliográfica sobre a necessidade do planejamento em educação, o projeto político-pedagógico como subsídio deste processo e a identidade do docente de ensino superior. Além disso, foi realizado um estudo de caso num curso de graduação em administração de uma universidade pública do Estado do Rio de Janeiro, em que foram aplicados questionários ao corpo docente do curso, com questões referentes ao posicionamento do docente em relação à responsabilidade e contribuição no planejamento do curso. Através da pesquisa realizada foi possível comprovar que os docentes sabem de suas responsabilidades como profissionais da educação, mas que a prática fica comprometida pela falta de formação pedagógica. Palavras-chave: Planejamento. Administração. Formação docente. 1. INTRODUÇÃO Em nosso cotidiano atual, num ambiente de mudanças rápidas, a importância do planejamento é crucial, pois as atividades do dia-a-dia exigem uma metodologia que permita evidenciar a tentativa solução para um determinado problema. Entretanto, espera-se que esta solução seja desdobrada em ações concretas e que para isso, deve-se pensar o planejamento como um processo que intervenção na realidade para mudar o futuro, tanto nas questões pessoais, quanto nas profissionais, inclusive durante a sua formação. Neste contexto, a educação cumpre o seu papel, através das instituições de ensino superior, que não somente se preocupam com a missão de transmissão de conhecimentos técnico-científicos, imprescindíveis para o desempenho dos profissionais em formação frente às atividades do mercado de trabalho, mas também propiciando a reflexão dos valores sociais, por meio de seus cursos de graduação e pós-graduação. Ao falar especificamente dos cursos de graduação, dados do INEP/MEC indicam que os alunos matriculados nos cursos de administração representam cerca de 15% do total de matrículas em todo o país, conforme apresentação na Pesquisa Nacional sobre o Perfil do Administrador (2006), realizada pelo Conselho Federal de Administração (CFA). Por se tratar de um curso com uma representatividade expressiva, faz-se necessária uma reflexão da formação de profissionais em administração, quanto ao planejamento e gestão dos cursos que têm esta missão. Entretanto, a dificuldade em compreender a necessidade de um processo de planejamento e torná-lo realidade ainda existe e deve ser levada em consideração, principalmente num curso em que a maioria do seu corpo docente não possui formação pedagógica específica para a discussão desses pontos. Por estas razões, o objetivo geral deste trabalho consiste em descrever a relação do posicionamento docente nas questões pedagógicas do planejamento e gestão dos cursos de graduação, sob o ponto de vista da relação com o projeto político-pedagógico (PPP) através do caso do curso de administração de uma universidade pública do Rio de Janeiro, cujos sujeitos da pesquisa são os participantes do seu corpo docente. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Neste primeiro momento, a pesquisa bibliográfica se faz necessária, pois ela “(...) abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao estudo e com a finalidade de colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi dito sobre determinado assunto” (LAKATOS e MARCONI, 2005). Por este motivo, nesta seção do trabalho foi realizada uma investigação bibliográfica sobre a necessidade do planejamento em educação, o projeto político-pedagógico como subsídio deste processo e a identidade do docente de ensino superior, com o objetivo de evidenciar as relações entre esses aspectos e fundamentar o material referente à coleta de dados. 2.1 A NECESSIDADE DO PLANEJAMENTO EM EDUCAÇÃO Historicamente, a atividade de planejamento é uma necessidade constante na vida dos seres humanos, principalmente pelo fato de ser uma motivação intrínseca em transformar a realidade que as cercam. Aliada a esta primeira idéia, verifica-se que a necessidade do planejamento é essência do ser humano, conforme a colocação de Gandin (2001): [...] a pessoa humana condenada, por sua racionalidade, a realizar algum tipo de planejamento, está sempre ensaiando processos de transformar suas idéias em realidade. Embora não o faça de maneira consciente e eficaz, a pessoa humana possui uma estrutura básica que a leva a divisar o futuro, a analisar a realidade a propor ações e atitudes para transformá-la. Esta colocação mostra que as pessoas, num modo geral, têm um ímpeto de colocar as suas idéias em prática através de meios, organizados de acordo com a sua vontade e conhecimento, sem uma metodologia ou instrumento que possa efetivamente ajude a realizar este objetivo. Mas isso, à primeira vista, não é uma barreira; o importante é que a vontade e o desejo de transformação estejam presentes para que a mudança seja impulsionada. Entretanto, não basta que haja pessoas com boa vontade e desejosas de mudança; “a utilização de conceitos, modelos, técnicas e instrumentos cientificamente fundamentados e adaptados ao que se vai planejar tem trazido resultados evidentes e compensadores.” (GANDIN, 2001). Por esse motivo, a estrutura básica ora mencionada possa ser adaptada e convenientemente utilizada nas mais diversas situações do nosso cotidiano. Esta preocupação futurista do planejamento é fomentada pelo contraste da realidade a ser modificada e a realidade ideal, cuja análise representa subsídio para colocar em prática as metodologias e ações propostas. Conforme Chiavenato (2004), deve-se orientar a situação em contraposição aos objetivos desejados e verificar onde se está e o que precisa ser feito. Em educação, essa postura de diagnóstico e análise da realidade representa o elemento imprescindível para uma intervenção participativa, pois todos os envolvidos têm a possibilidade de demonstrar sua percepção e discuti-la para que se proponham objetivos alcançáveis ações concretas (GANDIN, 2000). Com características já descritas anteriormente, verifica-se que a preocupação com o futuro, a análise da realidade e a proposição de ações possibilita caracterizar o planejamento como elemento essencial da gestão, e que pode ser aplicável a qualquer atividade, considerado até como manifestação de instrumento de desenvolvimento econômico, cuja exigência se dá inclusive na gestão educacional (ZAINKO, 2000). Verifica-se aqui a abrangência do processo de planejamento, que deve reunir um conjunto de metodologias para que o processo educacional possa unir esforços para que não desempenhe o seu papel apenas na esfera do conhecimento, mas que seja um elemento capaz de mobilização política e de incentivo à participação. E como o referido autor ressalta a chegada do planejamento na área de educação, fazse necessária a utilização das palavras de Gil (2005) no conceito de planejamento na área de educação ou planejamento educacional, que “poderia ser definido como o processo sistematizado, mediante o qual se pode conferir maior eficiência às atividades educacionais para, em determinado prazo, alcançar o conjunto de metas estabelecidas”. Conforme as idéias apresentadas anteriormente, o planejamento é entendido como uma sistemática que possui entradas, o seu processamento e saídas, e fica evidente a determinação de metas e prazos para que o planejado seja efetivamente o executado, ou ainda, a teoria seja prática no cotidiano. Entretanto, estas metas e prazos, assim como a definição das atividades a serem analisadas no processo educacional, devem ser apontados pelos responsáveis diretos e indiretos para a consecução das idéias. Com base nessa abrangência de decisões, Freire (2002) ressalta da necessidade do planejamento sinalizar para a comunidade escolar como um todo a sua responsabilidade nesse contexto: Todo o planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem que responder às marcas e aos valores dessa sociedade. Só assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. Às vezes, preservando determinadas formas de cultura. Outras, interferindo no processo histórico, instrumentalmente. De qualquer modo, para ser autêntico, é necessário ao processo educativo que se ponha em relação de organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica. Se atualmente a educação está do jeito que está, conforme palavras da população, cabe a esses mesmos elementos a responsabilidade de se incluir na tarefa de participar do processo de planejamento. Neste caso, pode-se pensar até na possibilidade da não adequação do tipo de planejamento que fora abordado naquela ação educacional. Ao falar de educação, Gandin e Gandin (1999) abordam duas linhas de planejamento muito freqüentes e que podem influenciar no sucesso da organização da prática em educação: o processo de planejamento foi organizado para resultados diferentes do que se proclama e o processo de planejamento não é adequado. Desse modo, temos dois problemas clássicos. O primeiro se refere à eficácia, pois o planejamento não seria capaz de produzir ou alcançar os resultados ora discutidos, mesmo que tivesse um modelo cujos meios funcionassem; enquanto no segundo caso, a ênfase não fora na eficiência, os meios não foram suficientes para que se chegasse ao objetivo de forma mais conveniente. Para evitar esta problemática, pode-se até pensar na participação da maioria dos envolvidos como iniciativa, ou talvez, como necessidade de se “tocar” o processo, pois conforme Baffi (2002), a preocupação com a melhoria da qualidade da educação levantou a necessidade de descentralização e democratização da gestão escolar e, consequentemente, a participação configura-se como um conceito de suma importância para as atividades. Infere-se ainda das palavras da autora que a revisão da estrutura de poder e a democratização do processo são essenciais para que haja a possibilidade de participar. Podese até arriscar que, neste contexto, as pessoas estão ávidas por mudanças, até querem participar, mas não sabem como. Por isso, a reflexão, a organização e gestão do planejamento é papel do gestor do processo de planejamento é relevante. (GIL, 2005). Fica claro nas palavras deste autor que a atitude reflexiva e de planejamento são essenciais no cotidiano das pessoas, para que o futuro seja mais tranqüilo com as novas situações e para que a interpretação da realidade seja um direcionador da prática. Esta idéia nos remete à questão do planejamento educacional, em que o educador, seja docente, gestor, supervisor, orientador, entre outros, deva ser um elemento que propicie essas características para que o processo “flua” de forma mais organizada, cujo desempenho dependerá de como o planejamento fora trabalhado. 2.2 O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO COMO SUBSÍDIO DO PLANEJAMENTO Aliada à percepção da importância do planejamento no âmbito da instituição escolar, nesta seção será discorrido de forma mais detalhada e fundamentada teoricamente o projeto político-pedagógico com os principais autores. Conforme Bueno (1991), projeto significa “plano, intento, empreendimento; esboço; plano geral de edificação”. Ainda no sentido etimológico da palavra, projeto vem do latim projectu, particípio do verbo projicere, que significa lançar para diante. Com estas idéias iniciais, podemos verificar que o projeto tem a intenção de ser um esboço para algo a ser construído, e que se constitui num plano que é feito de acordo com as idéias do planejamento. Esta intenção é reforçada pela idéia de lançar para diante, de transformar em algo possível, mas que depende de planejamento para superar o processo de mudança e enfrentar as adversidades (GADOTTI, 1994 apud VEIGA, 2004). As instituições escolares o utilizam para construir suas vidas, para direcionar suas atividades, pois “trabalham com o que se chama sua ‘filosofia’, [...], que se denomina projeto pedagógico, ou, com mais força, projeto político-pedagógico (PPP)” (GANDIN; GANDIN, 1999). Neste contexto, as idéias de Veiga (2004) são utilizadas para conceituar e esclarecer a relação dos elementos político e pedagógico no projeto. Segundo esta concepção, a instituição de ensino é vista como um dos elementos de atendimento à demanda da população, que possui intenção de transformar a pessoa para atuar no tipo de sociedade desejada. Mas, este compromisso deve ser efetivado através de ações específicas, relacionadas à instituição. Percebe-se que a indissociabilidade desses conceitos no PPP é inevitável, pois representa um processo permanente de reflexão e discussão das limitações da instituição escolar, com o objetivo de formação pessoal e profissional do estudante. Numa perspectiva dentro da universidade, Pimenta e Anastasiou (2005) vêem o PPP os valores políticos e pedagógicos na formação superior profissional de forma integrada, pois “o pedagógico discute o ensinar e o apreender num processo de formação, de construção da cidadania, e não apenas para de preparação técnica para uma ocupação temporal”. E o elemento político como “fins e valores referentes ao papel da universidade na análise crítica e transformação social”. Neste ensejo, o curso de graduação tem o objetivo de dar o suporte necessário ao profissional que é formado para aquele tipo de sociedade e assim reproduzir ou tentar transformar os princípios nela valorizado. Esta preocupação é ressaltada também no curso de administração, que tem uma ligação muito estreita com o mercado. O PPP não deve ser um plano ou documento para ser arquivado e, sim, vivenciado por representar um momento primordial do planejamento para diagnosticar, julgar e viabilizar a prática de acordo com uma proposta concreta (GANDIN; GANDIN, 1996; PIMENTA; ANASTASIOU, 2005). Ressalta-se ainda com as palavras de Gandin e Gandin (1999) a razão apenas documental da construção do PPP como exigência de instâncias organizacionais educacionais superiores, em que “as ferramentas (para transformar idéias em ação) usadas pelas escolas sempre tiveram um enfoque legal, e até legalista”. Estes autores ainda fazem a indicação de horizonte em que o PPP pode alcançar como uma (re)construção no âmbito das escolas e, principalmente, na formação superior profissional. Pode-se pensar na “devolução” à sociedade de pessoas com uma formação de acordo com os seus ideais e que podem participar do processo de mudança, pois o projeto político visa os “resultados finais a serem alcançados, tipo de sociedade, hierarquia de valores, enquanto o projeto pedagógico propicia a intermediação entre a utopia e a realidade, como a instituição vai contribuir para estes resultados” (GANDIN; GANDIN, 1999). No âmbito do ensino superior, essa discussão tem respaldo na própria exigência do sistema legal. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) responsabiliza os docentes da construção coletiva do projeto institucional, recuperando as raízes da instituição que é a universidade, embora falte o embasamento teórico-pedagógico em sua maioria, que pode ser suprido com o compromisso em contribuir no direcionamento de suas práticas em função da formação do estudante. Apesar desta limitação, a instituição escolar deve encarar o planejamento de uma maneira mais abrangente como intervenção na construção de um mundo melhor, e ao mesmo tempo de forma específica, para que o planejamento possa atingir a esfera cotidiana, mais próxima dos envolvidos com o projeto político-pedagógico, conforme Gandin (2000). Esta concepção deve estar coerente com as finalidades perseguidas pela escola no processo de desenvolvimento da sociedade e os educadores devem ter clareza em relação aos objetivos delineados pela instituição. Por conta disso, o projeto político-pedagógico deve representar um instrumento que consiga direcionar suas ações para o alcance da proposta. E por fim, deve-se deixar de lado a impressão documental do PPP para algo a proporcionar uma nova realidade e ter resultado no dia-a-dia: [...] o planejamento não se extingue com a elaboração de documentos correspondentes. A efetivação do planejamento implica considerar como interdependentes as partes que constituem o conjunto sistêmico e também garantir o fornecimento de feedback ao longo do processo (GIL, 2005). E a realidade em qualquer curso na instância escolar, inclusive o de graduação numa IES, é o planejamento curricular, um dos elementos básicos a serem apontados na construção do projeto político-pedagógico. 2.3 A IDENTIDADE DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR E REFLEXOS NO PLANEJAMENTO Esta seção tem o objetivo de traçar algumas características do professor universitário, com o intuito de mostrar como a sua formação pedagógica e a forma de como é inserido neste segmento educacional reflete na questão do planejamento. Isto se faz necessário para que se possa delinear de que maneira a proposta participativa poderá ser trabalhada neste segmento profissional de origem tão controvertida. Neste ensejo, pode-se dizer que o papel docente é imprescindível nas atividades de planejamento, visto que ele representa um “elemento de ligação” entre o ser educando e os conteúdos, cuja organização pressupõe discussão, reflexão e contribuição na formação pessoal e profissional do estudante. Entretanto, esta postura depende da boa vontade e da forma com que este docente vê a abrangência do trabalho realizado por ele e como ele percebe a mudança. Por este motivo, antes de tratar especificamente da identidade docente no ensino superior, far-se-á uma apresentação do comportamento do profissional de educação frente às possibilidades de mudança. Conforme Gandin (1994), pode-se caracterizar as pessoas que trabalham em educação como critérios o modo como percebem a situação e a prática que nela realizam, de três formas: os extremos conservadores, os extremos revolucionários e os perceptíveis à mudança, de acordo com a relação entre a realidade existente e desejada, conforme a Figura 1: Realidade existente Realidade existente Realidade existente Realidade desejada Realidade desejada Realidade desejada Extremos conservadores Extremos revolucionários Ávidos por mudança Figura 1. Caracterização das pessoas que trabalham em educação Fonte: Gandin (1994) Para Gandin (1994), estes tipos de pessoas em educação apresentam as seguintes características, de forma geral: • Os extremos conservadores não se dão conta na incoerência entre o que se diz e o que se faz, acreditam em soluções no planejamento em nível operacional de forma parcial, não têm propostas globais e nem sonham que poderiam existir e por isso se apavoram com as mudanças; • Já os extremos revolucionários se dão conta da situação, mas por comodismo, interesse, boa vontade ou convicção, desejam que tudo fique como está e realizam um planejamento no nível operacional eficaz; chegam à questão político-social porque vê globalidade no médio prazo e muitos arriscam tentativas de alterar as estruturas básicas da sociedade; • Os ávidos por mudança se dão conta da prática reprodutiva e querem mudar, possuem o discernimento necessário que a realidade existente se choca com a realidade desejada e que se deve trabalhar no hiato entre elas; se preocupam com o nível político-social porque se preocupam com a questão de mudança na sociedade. De acordo com esta classificação, as pessoas devem verificar em que nível estão inseridas e perceber o seu papel no contexto mais abrangente da idéia e finalidade de educação, pois “ enquanto reflexo, retrata e reproduz a sociedade; mas também projeta a sociedade que se quer.” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). E neste contexto cabe ressaltar, de forma enfática, o papel do docente nesta concepção mais ampla de sua importância na educação. Gandin (1999) ressalta a interface entre o papel da instituição escolar e o docente, respaldados pela legislação educacional, em que “a nova Lei de Diretrizes e Bases de educação nacional diz que entre as ‘incumbências’ de todas as escolas está a de ‘elaborar e executar sua proposta pedagógica’. E que os professores devem ‘participar’ da elaboração desta proposta”. Além disso, o projeto político-pedagógico do estabelecimento de ensino deve estar coerente com a referida lei e que o docente deve direcionar o seu plano de trabalho. (TACHIZAWA e ANDRADE, 2002). Entretanto, no ensino superior se encontra uma série de particularidades, pois o professor tem esta importante incumbência, mas tende a não ser dotado de habilidades para levar o processo a cabo. Por conta da falta de uma qualificação pedagógica inicial na sua grande maioria, os docentes esbarram com um dilema ao adentrar nesta esfera de ensino, que tende a ser resolvida com a preocupação crescente com a educação continuada nas instituições. Inicialmente, se utiliza as palavras de Gil (2005) para caracterizar de forma geral o perfil do docente que atua no ensino superior: A preparação do professor universitário ainda é bastante precária. Seguramente, a maioria dos professores brasileiros que lecionam em estabelecimentos de ensino superior não passou por qualquer processo sistemático de formação pedagógica. E ainda mostra certo vigor a crença de que o fundamental para o exercício do magistério nesse nível é o domínio adequado da disciplina que o professor se propõe a lecionar. Diferente dos professores do ensino fundamental e médio que passam por um processo de formação grande e consistente, o docente do ensino superior apresenta uma formação deficiente e a própria LDB não constitui para que se altere essa situação, pois no art. 65 é estabelecido que “A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá a prática de ensino de, no mínimo, trezentas e sessenta horas”. Esta falta de formação é justificada pelo fato de que o docente neste nível seja um profissional de excelência na área em que é especialista, proveniente dos cursos de pósgraduação stricto sensu. Este profissional encontra sérias dificuldades em sala de aula na maioria dos casos, pois não foram apresentados de maneira “formal” os conhecimentos básicos na área de ensino-aprendizagem, pois a mesma legislação, no seu art. 66 diz que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente, em programas de mestrado e doutorado”. Além disso, Pimenta e Anastasiou (2005) ampliam a idéia de que “os pesquisadores dos vários campos do conhecimento e os profissionais de várias áreas adentram o campo da docência do ensino superior como decorrência natural dessas atividades e por razões e interesses variados”. Por conta dessas limitações, o docente vê o desempenho desarticulado das funções e do objetivo do ensino superior. As referidas autoras ainda ressaltam que atualmente não há uma imposição de um cabedal de informações como um “manual”, característico do momento jesuítico inicial. Por este motivo, hoje a sua ação é muito mais calcada no senso comum de como ensinar. No caso do curso de graduação em Administração pode-se perceber este reflexo. Segundo a Pesquisa Nacional sobre o administrador realizada pelo CFA em 2006, o perfil do professor de administração pode ser resumido nas características abaixo, de acordo com a maioria da amostra: • • • É graduado em Administração; Egresso de universidades particulares; Formado entre 1990 e 1999; • • • • • • • Concluiu programa de Mestrado; Possui projeto de Doutorado para os próximos cinco anos; Trabalha em apenas uma IES; Leciona em cursos de Administração há menos de cinco anos; Leciona duas disciplinas; Tem carga horária semanal de 12 horas; Realiza trabalhos de consultoria como atividade paralela. Dentre essas características, a que chama bastante atenção é a formação acadêmica em Administração, representada por 77% da população amostral em 2006, que significa que os estudantes se encontram num processo de formação com profissionais dentro da sua categoria, diferente de outras formações com caráter mais geral. Ao mesmo tempo, é preocupante, pois o administrador não tem conhecimentos pedagógicos em sua formação para o desempenho da função docente, que, em princípio, é oferecida pela pós-graduação em nível strictu sensu. Cabe lembrar que a pesquisa não revela nenhuma informação a respeito de qualquer formação complementar que habilite este profissional nas atividades de docência no ensino superior. Entretanto, apesar das limitações e dificuldades, o docente deve participar como um profissional crítico e que pode contribuir na formação dos profissionais, além da exigência de competência no contexto de sua disciplina numa perspectiva curricular mais ampla. Por este motivo, mesmo sem conhecimentos específicos da área didático-pedagógica, deve se envolver no processo de construção e assim melhorar o seu desempenho como docente, pois “a própria construção do projeto pedagógico institucional coletivo, se realizada nos critérios científicos, poderá ser propiciadora de um processo de construção coletiva de grande valia para crescente profissionalização do docente (PIMENTA;ANASTASIOU, 2005). Entretanto, já se pode pensar num redirecionamento do trabalho com as limitações apresentadas, anteriormente, por duas razões: as instituições no investimento na formação continuada em suas atividades e os docentes na busca de aperfeiçoar a sua prática. O investimento na profissionalização continuada nas instituições é importante pois representa a aquisição de conhecimentos específicos da área pedagógica, além da reflexão sistemática acerca da própria prática, conforme as idéias de Pimenta e Anastasiou (2005). E, finalmente Gil (2005) destaca que “é grande o número de professores universitários que reconhecem a necessidade de conhecimentos e habilidades pedagógicas para o desempenho adequado da função docente.”, decorrente do aumento do envolvimento nestas questões proporcionadas pela participação na construção de uma sociedade mais democrática e autônoma. 3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Para conseguir alcançar o objetivo proposto deste trabalho, foi realizado um estudo de caso, pois “possibilita a penetração em uma realidade social, não conseguida plenamente por um levantamento amostral e avaliação exclusivamente quantitativa” (MARTINS, 2006). Por este motivo, o caso a ser estudado sob esta perspectiva foi o curso de graduação em administração numa instituição de ensino superior pública do estado do Rio de Janeiro, nos aspectos relacionados às questões pedagógicas e o relacionamento com o corpo docente. Nesta instituição, foi realizada uma pesquisa de campo, que segundo Vergara (2006) “é a investigação empírica realizada no local onde ocorre o fenômeno ou que dispõe de elementos para explicá-lo”. Esta investigação foi realizada junto aos docentes do curso de graduação em administração. Quanto à coleta de dados, a técnica de coleta de dados escolhida foi o questionário, que “geralmente os questionários cumprem pelo menos duas funções: descrever as características e medir determinadas variáveis de um grupo social” (RICHARDSON, 1999). Neste caso, se utilizou esta técnica para verificar a percepção, em linhas gerais, dos conceitos de planejamento e participação em relação às atividades do curso de graduação em administração da IES em questão. Apesar de não ser um instrumento comum em pesquisas orientadas por estudo de caso (MARTINS, 2006), esta técnica foi utilizada por conta de tempo e dificuldade em encontrar os participantes docentes para uma possível entrevista. No questionário constavam três perguntas fechadas, com opções previamente escolhidas, referentes ao posicionamento do docente em relação à responsabilidade e contribuição no planejamento do curso. Entretanto os participantes da pesquisa tinham espaço em cada uma das questões para colocar suas observações adicionais em relação ao questionamento realizado. A coleta de dados e análise das questões foi realizada no mês de julho de 2007. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE CASO A universidade em questão abriga o curso de graduação em administração desde a década de 70, período em que houve uma expansão das atividades no ensino superior, propiciado pelas reforma universitária de 68 e que satisfez a demanda da população nesta esfera de ensino. O curso em questão representa o maior curso desta universidade em número de alunos, considerando outros campi que oferecem o mesmo curso. O foco desta investigação se deu no curso oferecido no campus principal, por ter sido o ponto de partida nos outros lugares. 4.2. CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES Em relação aos participantes que responderam ao questionário referente a esta investigação, 17 (dezessete) docentes contribuíram com a pesquisa, representando cerca de 47% do total do corpo docente do curso em estudo. De acordo com o vínculo institucional, 88% dos participantes são do quadro efetivo do magistério superior e os demais representam os dois docentes colaboradores no Departamento de Administração, 59% deles lecionam em outros cursos da universidade em questão. Dos participantes, 13 (treze) são graduados em administração, representando 76%. Desses treze, oito são egressos do curso da universidade estudada. Sobre a titulação, todos os participantes possuem pós-graduação stricto sensu, sendo 65% mestres e 35% doutores. Para confirmar as percepções do pesquisador em relação ao tempo de serviço, 53% dos docentes possuem até 15 anos de atividades no magistério, enquanto o restante possui mais de 15. 4.3 RESULTADOS Na primeira questão, foi perguntado aos participantes sobre os participantes no planejamento do curso, tomando o PPP como referência. 42% dos participantes mencionaram um planejamento conjunto da interface entre docente, discente e instituição como um todo. Os resultados da sistematização são apresentados na Tabela 1. Resalta-se que 23% dos participantes responsabilizam a instituição de ensino como um todo na definição e 35% para o corpo docente. Não se verifica a menção da sociedade na participação deste processo por parte dos participantes. Apesar de ser uma responsabilidade interna do planejamento do curso, este deve contemplar aspectos internos, relativos ao curso, a políticas institucionais, ao corpo discente, assim como aspectos externos, como a sociedade para a qual está sendo formando o estudante (VEIGA, 2004). No caso de administração, o curso tem uma estreita ligação com o mercado (ANDRADE e AMBONI, 2002; BERTERO, 2006). Tabela 1. Participantes no planejamento através do PPP Participantes Freqüência absoluta A responsabilidade do PPP no planejamento é de... Relação conjunta docente-discente 7 Corpo docente 6 Instituição 4 Total 17 Freqüência relativa 42% 35% 23% 100% Num segundo momento, foi perguntado se o docente acredita que a construção do PPP vai contribuir para a mudança de qualidade na formação em Administração, a resposta foi unânime, conforme a distribuição das observações na Tabela 2. Foi observado que todo o corpo docente, como profissional de educação, acredita que o planejamento pode contribuir e muito para o desenvolvimento do curso; este elemento reforça a incumbência dada aos professores de ser sujeito ativo do processo de planejamento do curso. Tabela 2. Percepção da contribuição do PPP na qualidade do curso Observações O Sr.(a) acredita que a construção do PPP vai contribuir para a mudança de qualidade na formação em Administração? Sim Não Total Freqüência absoluta Freqüência relativa 100 0 17 100% 0% 100% Ainda para esta questão, são interessantes os comentários feitos pelos participantes, em que são destacados a resistência por parte de alguns, conforme o docente 1: “(...)apesar dos conservadores”, o posicionamento estratégico institucional ressaltado nas palavras do docente 8, quando diz que “o PPP é capaz de mudar a qualificação na formação em administração, mas desde que associado a um efetivo posicionamento estratégico da IES que o aloja. Do contrário, será apenas um formalismo” (grifo nosso) e o relacionamento com as mudanças ambientais que refletem no planejamento do curso, pois “(...) ele é capaz de reconhecer/transformar mudanças ambientais em ações efetivas na melhoria da grade/conteúdo do curso”, segundo o docente 8. Num terceiro momento, na construção do PPP não basta apenas ter conhecimento de sua importância e os reflexos na qualidade da formação, mas contribuir de forma prática na construção do projeto. Além disso, o docente deve participar de uma forma efetiva, conforme Gandin e Gandin (2005). A tabela 3 apresenta as respostas dos docentes, com a evidência de a maioria estar contribuindo com o curso e até se pode inferir que o curso é construído com metade das contribuições feita pelos docentes. Deve-se lembrar que a “cara” do curso, ou seja, o direcionamento de suas práticas pedagógicas e organização interna dependem da atividade de seu corpo docente, seus interesses e suas perspectivas. Tabela 3. Contribuição do docente no planejamento Observações O Sr.(a) propôs ou está contribuindo para a construção de um novo PPP do curso? Sim Não Total Freqüência absoluta Freqüência relativa 9 8 17 53% 47% 100% Dos que não estão contribuindo, alguns são taxativos em afirmar que não têm interesse em contribuir, como a fala do docente 16: “Não tenho interesse em contribuir” e outros que só souberam do projeto e da possibilidade de que poderiam contribuir quando responderam o questionário desta pesquisa, conforme, por exemplo, as palavras do docente 5: “(...) mas gostarei muitíssimo de contribuir, nos limites de minhas possibilidades” e do docente 9: “Pois não tinha conhecimento, gostaria de saber sobre o projeto para poder até colaborar”. Uma observação que é interessante em relação à contribuição. Apesar do docente 1 responder a questão com uma resposta positiva, pode-se perceber nas entrelinhas da sua resposta “Já existe um grupo de trabalho” uma delegação de responsabilidade do projeto para o grupo ao qual ele se referiu a outrem. 5. CONCLUSÃO Ficou claro neste trabalho que o planejamento é extremamente necessário para que qualquer atividade consiga acontecer de forma organizada e sistemática, e que a educação não foge à regra, pois ela tem o papel primordial na esperança de dias melhores, com pessoas melhores, numa sociedade melhor. Mas para que isto aconteça, deve-se pensar e repensar na formação profissional dos ingressantes dos cursos superiores, principalmente os cursos de administração, que têm uma ligação direta com a sociedade. Estes cursos que possuem profissionais em seu corpo docente com um embasamento não satisfatório nas questões referentes ao planejamento do curso. O problema pode ser até na formação, em que os sistemas educacionais devem providenciar a sua ocorrência, entretanto a incumbência da realização da proposta pedagógica por parte dos docentes deve ser lembrada sempre e colocada em prática. Em suma, este trabalho procurou demonstrar que os docentes estão conscientes de sua responsabilidade frente ao planejamento dos cursos, que isso contribui significativamente na qualidade dos cursos em questão, mas que a sua implementação prática deve ser levada em consideração na gestão dos mesmos. 6. REFERÊNCIAS ANDRADE, R.O.B.; AMBONI, N. Projeto pedagógico para cursos de Administração. São Paulo: Makron Books, 2002. BAFFI, M.A.T. O planejamento em educação: revisando conceitos para mudar concepções e práticas. In: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco, Petropólis, 2002. Disponível em:<http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/fundam02.htm>. Acesso em: 11 mar. 2006. BERTERO, C.O. Ensino e pesquisa em Administração. São Paulo: Thomson Learning, 2006. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. BUENO, F.S. Minidicionário da língua portuguesa. 5.ed. São Paulo: Lisa, 1991. CHIAVENATO, I. Administração nos novos tempos. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO. Pesquisa Nacional: Perfil, Formação, Atuação e Oportunidades de Trabalho do Administrador. Brasília: CFA, 2006. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GADOTTI, M. Pensamento pedagógico brasileiro. 7.ed. São Paulo:Ática, 2000. GANDIN, D.; GANDIN, L.A. Temas para um projeto político pedagógico. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. GANDIN, D. Posição do planejamento participativo entre as ferramentas de intervenção na realidade. Currículo sem Fronteira, v.1, n. 1, jan./jun., 2001, pp. 81-95. ______. Escola e transformação social. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2000. ______. A prática do planejamento participativo. 11.ed. Petrópolis: Vozes: 1994. GIL, A.C. Metodologia do ensino superior. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2005. LAKATOS, E.M.; MARCONI, M.A. Fundamentos da metodologia científica. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2005; MARTINS, G.A. Estudo de caso: uma estratégia de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2006. PIMENTA, S.G.; ANASTASIOU, L.G.C. Docência no ensino superior. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2005. RICHARDSON, R.J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. TACHIZAWA, T.; ANDRADE, R.O.B. Gestão de instituições de ensino. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. VEIGA, I.P.A. (org.) Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 17.ed. São Paulo: Papirus, 2004. VERGARA, S.C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2006. ZAINKO, M.A.S. O planejamento como instrumento de gestão educacional: uma análise histórico-filosófica. Em Aberto, Brasília, n. 72, p.125-140, fev./jun. 2000.