A Intervenção Militar Ofensiva e o seu Paradoxo
INTRODUÇÃO
O conceito de “guerra” tende atualmente a
assumir novas vertentes, vendo-se assiduamente
na mesma uma justificativa global, ou pelo
menos, a existência de uma aceitação mais
permeável. Para que isto suceda, há um conjunto
de premissas que são utilizadas por forma a
estabelecerem uma ordem de ideias, tanto no
poder político-social como no meio económico
local e global, sendo previamente utilizados os
media e “blogs” de internet para fabrico e
influência de opinião entre a comunidade
jornalística e política.
DIFERENCIAÇÃO DE INTERVENÇÃO MILITAR
“OFENSIVA” E “DEFENSIVA”
Existem variadas formas de intervenção militar,
mas, para este artigo, serão generalizadas a duas:
Intervenção militar defensiva
Intervenção militar ofensiva
A intervenção militar defensiva, pode ser
descrita como aquela usada no âmbito das Nações
Unidas (NU), por forças próprias criadas para
serem utilizadas de acordo com planos de ação
determinados pelo Conselho de Segurança (CS) e
após o desenrolar de todo um conjunto de
medidas pacíficas prévias sem o recurso à força.
É geralmente aplicada em situações de autodefesa (com limites codificados na lei
internacional e com uso proporcional à ameaça),
de manutenção de paz (peacekeeping) ou de uso
efetivo da força para manter essa paz
(enforcement).
Sobre este tipo de intervenção há muito a dizer,
pois as linhas que medeiam e delimitam as
diversas situações nem sempre são revestidas de
absoluta clareza moral, social ou política, mas
estão fora do âmbito que este artigo pretende.
É de salientar que, existindo organismos de
decisão da legitimidade sobre a intervenção
militar, relativamente a quando e por quem, não
garante por si só um resultado final consensual,
mas constitui um quadro de confrontação violenta
menos provável.
A intervenção militar ofensiva é aquela que é
despoletada com uso de pressão ou força efetiva
contra qualquer nação, grupo militar, social,
político, religioso ou económico e cujos objetivos
são de variada ordem, nomeadamente:
1. O controlo tático ou estratégico de
determinada região, com o subsequente
acesso a mercados, matérias-primas, rotas,
posições estratégicas, etc;
2. Expansão da área de influência políticomilitar;
3. Testes de novos tipos de armamentos e a
sua consequente venda a outros mercados;
4. Demonstrações de força intimidatória
destinadas a uma terceira entidade.
Todos estes aspetos encontram-se intimamente
interligados e são percursores entre si. Para
muitos observadores, este tipo de intervenção tem
vindo a ser denominada de imperialismo e é
sempre precedida de medidas a induzir a
justificação dessa mesma intervenção, tornandoa, assíduas vezes, numa “guerra humanitária”,
constituindo-se como um paradoxo.
O fim do colonialismo, de uma forma geral, não
se deu primariamente pelas lutas dos colonizados,
mas sim, pela mudança de atitude dos países
colonizadores, que demorou algumas décadas até
ao seu pico, passando pela abolição da
escravatura e a consequente universalização do
conceito “humano”, até que se verificou a
descolonização propriamente dita num curto
espaço de tempo. Podem apontar-se variadas
causas, mas uma delas é certamente a premissa de
que um controlo direto de uma vasta área de
território distante através da força militar tinha
deixado de ser vantajoso em termos das vertentes
económica e moral.
O discurso ético e argumentativo surge, e
acentua-se durante os anos da guerra fria, como
adjuvante, justificador e persuasor acerca de um
Pág 1 de 5
A Intervenção Militar Ofensiva e o seu Paradoxo
valor de crenças, relativamente às quais
influencia ou impõe o que é correto ou não.
Por norma, os indivíduos e grupos utilizam a
razão prática com a finalidade de influenciar e
alterar o comportamento de outros. Existem
diversas formas de argumento (baseado em regras
e associativo); diversos meta-argumentos (o que é
real e o que é bom); o conteúdo dos argumentos
pode ser prático e, ou, instrumentalizado; ético;
baseado em identidades (processo identificativo)
ou científico.
O padrão a aplicar é usualmente de índole críticoconstrutiva, em que os valores de crenças e
culturais são moldados para formar o “conteúdo”
e “contexto” do argumento e são, em regra,
normativamente explícitos, procurando quase
sempre fundamentar ou refazer uma política local
ou global.
É de referir que o discurso ético é geralmente
baseado numa divisão estrita entre a intervenção
comunicativa e a violência. A intervenção
humanitária violenta viola os princípios do
discurso ético e é por isso que este deve ser
aplicado para decidir quando o recurso à força
pode ou deve ser utilizado.
Um dos perigos inerentes ao discurso ético é este
ser usado por grupos ou estados mais poderosos
como uma arma seletiva contra os mais fracos,
aplicando indistintamente a justificação de
“guerra humanitária”, em que um mal
imediatamente menor prefere sobre um mal
posterior maior.
Certos autores são da opinião que os interesses
maioritariamente económicos levaram a que a
penetração das intervenções militares ofensivas
ocupassem um papel mais intenso e extenso do
que o levado a cabo nas antigas colonizações, e
com um retorno igualmente mais substancial.
Com isto surge assim uma nova forma de
colonialismo: O imperialismo, onde o ativismo se
sobrepõe à relutância.
Nesse âmbito, a intervenção indireta de interesses
económico-políticos
suportados
por
pressão/intervenção militar revelou os seguintes
aspetos:
• Superação em força e número em relação
ao colonialismo;
• Encontra-se mais de acordo com o nível
moral
aceitável
mundialmente
–
advocação das intervenções militares
humanitárias;
• Trabalho do discurso ético de acordo com
os objetivos a concretizar.
Até mais recentemente estas ações foram mais ou
menos bem sucedidas no aspeto político, com
ganhos substanciais para os agentes económicos
envolvidos, que são na maioria das vezes e como
foi referido, os catalisadores do processo da
intervenção.
No entanto e como todo este o processo é sempre
dúbio e ausente de verdades absolutas, mesmo
sendo construídas, verifica-se um ponto de
viragem na atualidade, em que os custos inerentes
à intervenção militar ofensiva crescem
desmesuradamente face aos ganhos obtidos, e
desgastando o discurso ético e argumentativo
inicialmente utilizado, em virtude do tempo que
demora essa mesma intervenção, sem lograr os
resultados inicialmente previstos.
Verifica-se que as Instituições e discursos
tipicamente relacionados no âmbito da jurisdição
doméstica dos estados estão a tornar-se cada vez
mais um lugar comum através do globo e no
contexto intervencionista. Uma alegação ou
constatação de ameaça de segurança doméstica
(nacional), pode levar rapidamente a uma
intervenção em escala noutro ponto do globo.
O contexto socialmente constituído do uso da
força, associado à real capacidade militar latente
para intervir, produz uma nova tendência de
reconstituição dos propósitos e significados dos
padrões de intervenção. Esses padrões,
originários em esforços regulativos e normas a
partir de expetativas coletivas, influenciam novos
padrões subsequentes, ou seja, novas intervenções
vão moldando novos contextos e modos de
intervir, retroalimentando-se entre si dentro do
palco da ordem internacional e do balanço de
poderes.
Esta ordem internacional é, muitas vezes,
moralmente vista e interpretada de ângulos
distintos com o decorrer do tempo e com a
alteração política de sistemas. A natureza e o
caráter do uso da força podem tornar-se assim
ambíguo.
De facto, entidades e normas influenciam o modo
como os interesses são definidos, como a
capacidade de intervenção é moldada e como o
discurso ético é trabalhado, repercutindo-se assim
Pág 2 de 5
A Intervenção Militar Ofensiva e o seu Paradoxo
no presente estado atual. Este estado poderá ser
resumido a duas caraterísticas:
• O Multilateralismo (a forma institucional
de coordenação das relações entre três ou
mais estados, com base em princípios de
conduta generalizados);
• Relutância geral no uso da força.
Em simultâneo, os regimes democrático-liberais
emergiram como delineadores da estabilidade
internacional.
PARADOXOS
Um dos paradoxos que começa a surgir com o
intervencionismo militar ofensivo é o aumento do
processo de identificação com as “vítimas”. As
ações de ajuda humanitária posterior aos
conflitos, associada às reportagens dos media,
tornam mais vasta a visão dos “grupos” que
merecem ser “salvos”. E esta visão de
“humanidade” pressupõe uma dicotomia, que a
teoria
e
prática
do
racismo
latente
fundamentalmente
contradiz. Diversos
autores apontam o
facto de que, após
determinados grupos
sociais ou éticos
serem identificados e
olhados
como
“humanos”,
um
processo subsequente
de
igualdade
é
iniciado.
No entanto, importa
sublinhar
que
o
processo não é assim
simples e direto. A
existência
contemporânea está
incutida de xenofobia
estereotipada e baseada em diferenças culturais,
raciais, religiosas, étnicas, sócio-económicas
(entre outras) e que dificultam o processo de
identificação.
Outro paradoxo é, naturalmente, a “guerra
humanitária” em si mesma que, em casos mais
recentes, em pouco ou nada colmatou os
problemas reais existentes das populações
afetadas, antes pelo contrário, muitas vezes
agudizou-os.
O terceiro paradoxo está relacionado com o
poderio militar, mais concretamente com a
preponderância de poder. Atualmente presenciase uma situação de ausência de equilíbrio na
balança do poder internacional. Este facto remove
credibilidade às garantias prestadas por parte da
potência preponderante às potências menores e
também, às ameaças com que estas menores
possam tentar persuadir à primeira.
No caso em que a potência preponderante resolva
assumir uma estratégia mais expansiva dos seus
interesses, um maior número de potências
menores munir-se-á de armamento químico ou
nuclear, dissuadindo assim externamente o que
internamente não travou a primeira potência.
Refira-se por curiosidade os restantes dois
paradoxos da preponderância de poder:
• A potência dominante necessita do
multilateralismo
e
cooperação
internacional para conseguir os seus
objetivos no plano internacional, de modo
a não se tornar uma comunidade isolada;
• A dualidade do papel “egoísta” de um
poder preponderante como grande
potência e o seu papel “altruísta” como
garantia de paz e estabilidade do sistema.
Anthony Lang, no seu livro “Agency and Ethics”
refere que a “norma-chave” motivacional é o
colonialismo, que orbita em torno do sentimento
pré-concebido de responsabilidade. Além de
mostrar como as intervenções são frequentemente
caracterizadas pela força bruta diluída em
moralidade, A. Lang sugere que os problemas das
intervenções sofrem um aumento provocado pelo
denominado “excesso de políticas normativas”.
Segundo este autor, as intervenções militares
falham em maior número do que as bem
sucedidas devido a uma má estratégia, existindo
leituras e interpretações erradas no que concerne
ao balanço de poder e à natureza do regime onde
essa ação militar ocorre. As falhas surgem devido
Pág 3 de 5
A Intervenção Militar Ofensiva e o seu Paradoxo
a conflitos entre agentes políticos que encetam
visões normativas divergentes das aplicadas na
ordem doméstica ou internacional.
Continuando com o raciocínio de Lang, para além
dos diversos interesses, existe também uma
vertente que enfoca uma componente normativa
explícita, reunindo juízos éticos e uma teoria
nominativa para uma ordem mundial “mais
democrática”. O ato da intervenção militar
manifesta assim uma auto-revelação agonística1
do estado.
No âmbito da política internacional, existem
quase sempre conflitos incessantes e por vezes
inevitáveis, não diretamente relacionados com a
sobrevivência
de
estado,
mas
mais
frequentemente por cada estado utilizar o seu
“propósito nacional” a fim de assegurar uma
posição predominante pela respetiva política
externa.
Este “propósito nacional”, assim denominado por
Hans Morgenthau, como sendo o conjunto de
conteúdos normativos de estado, deriva da sua
história,
permitindo
a
expressão
de
comprometimentos ideológicos e ideais éticos.
Estes ideais (como por exemplo: “mercados
livres”, “democracia”, etc) e a rigidez com que os
mesmos por vezes são objeto, produzem efeitos
perniciosos quando combinados com a ação
agonística1 competitiva inter-estados.
Lang afirma também que os estados assumem a
sua identidade ao revelarem a sua história política
e propósitos ao tentarem impor um sistema
político a uma determinada comunidade ou
estado envolvidos numa crise humanitária. Mas a
competição agonística1 entre estados minam estes
propósitos, pois que os aliados competitivos ou
estados-alvo resistem à imposição de um
determinado agente de estado. Como exemplo,
influenciou a decisão Anglo-Francesa em apoiar
Israel na invasão do Egipto em 1956, que ficou
conhecida pela guerra do Suez2, impedindo deste
modo que o processo tramitasse via NU, o que
teria permitido uma cooperação aberta com Israel,
não tendo assim acontecido, contribuiu para a
falência política da intervenção.
O mesmo autor afirma ainda que é de
conhecimento que as potências com conceitos
expansionistas empregam narrativas moralistas
universais adaptadas à sua própria identidade e
propósitos político-militares. No caso referido do
canal do Suez, os interesses citados foram
predominantemente de cariz colonialista e não de
preocupação moral e bem-estar pelas populações
autóctones.
A imagem que um determinado estado tem de si
próprio é produzida pela história (trans)nacional,
pelas respetivas posições geopolíticas e pelas
interpretações contextualizadas de ambas. Todos
estes fatores interagem reciprocamente.
Na nossa evolução como espécie, a ética e moral
têm
sido
inequivocamente
construídas,
estruturando uma consciência coletiva mais
desperta, no entanto, os interesses de variada
ordem ainda não se coadunam com essa
consciência, estando dualizada e procurando uma
justificação mais humana e elaborada para os atos
com repercussões menos dignas.
“Mostra-te conciliador, enquanto caminhardes
juntos…” Mateus 5.25
_______________________________
1
Lang
aponta
a
“norma
colonialista”
que
Agonístico – Comportamento de luta. Diz
respeito ao comportamento direcionado às
interações de disputa. Este tipo de intervenção
não envolve obrigatoriamente agressão real,
podendo ser realizado através de comportamentos
ritualizados. Fonte: Wikipédia.
Pág 4 de 5
A Intervenção Militar Ofensiva e o seu Paradoxo
2
A Guerra do Suez, também conhecida como
Segunda Guerra Israelo-Árabe ou Crise de Suez,
teve início em outubro de 1956, quando Israel,
com o apoio da França e Reino Unido, que
utilizavam o canal para ter acesso ao comércio
oriental, declarou guerra ao Egipto. O Egipto,
numa atitude unilateral de combate ao
colonialismo Anglo-francês, tinha nacionalizado
o canal de Suez e fechado o porto de Eilat, o que
ameaçava os projetos de Israel de irrigação do
deserto do Negev e cortava o seu único contato
com o mar Vermelho no golfo de Aqaba.
Em contrapartida, Israel conquistou a península
do Sinai e controlou o Golfo de Aqaba, reabrindo
o porto de Eilat.
No desenrolar do conflito, os egípcios foram
derrotados, mas os Estados Unidos da América e
a União Soviética interferiram e em 1959
obrigaram os três países a retirarem-se dos
territórios ocupados sob a supervisão das tropas
das Nações Unidas.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Suez
Bibliografia:
•
•
•
•
•
Neta Crawford – Argument and Change;
Martha Finnemore – The purpose of
intervention;
Anthony Lang – Agency and Ethics;
Joseph S. Nye – The paradox of American
power: Why the world's only superpower
can't go alone;
Bruce Cronin – The paradox of
hegemony:
America's
ambiguous
relationship with the United Nations
Este artigo foi escrito seguindo as normas do
novo acordo ortográfico.
Primeiro-Sargento SGE
Desidério Ferreira
Pág 5 de 5
Download

A Intervenção Militar Ofensiva e o seu Paradoxo