Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) Projeto: Controle Social e Debate Público: Observatório do Pré-sal, a Petrobras e a Vale no Rio de Janeiro Apoio: Revenue Watch Institute Limites e Potencialidades de Controle Social no Processo de Licenciamento Ambiental – os casos do Comperj (Petrobras) e da TK-CSA (Vale/Thyssenkrupp). Setembro/2011 ii IBASE PROJETO: CONTROLE SOCIAL E DEBATE PÚBLICO: OBSERVATÓRIO DO PRÉSAL, A PETROBRAS E A VALE NO RIO DE JANEIRO APOIO: REVENUE WATCH INSTITUTE Relatório: Limites e potencialidades de controle social no processo de licenciamento ambiental – os casos do Comperj, da Petrobras, e da TK-CSA, da Vale/Thyssenkrupp. Índice 1 – Justificativa - pág.1 2 – Caracterização da região afetada – pág. 6 2.1 – População – pág. 11 2.2 – PIB, ocupação, renda e tipologia socioespacial – pág.12 3 – Licenciamento(s) Ambiental(is) do Comperj – pág. 19 3.1 – O EIA e a escolha da localização do COMPERJ – pág. 21 3.2 – O RIMA e a questão dos recursos hídricos – pág. 26 3.3 - Audiências Públicas: quando os questionamentos viram “perguntas” – pág. 28 3.4 – A LP e suas condicionantes – pág. 28 3.5 – Projeto Básico Ambiental (PBA) do COMPERJ e a pressão para inclusão de medidas de apoio à pesca artesanal – pág. 32 3.6 – Licença(s) de Instalação (LI) do COMPERJ – pág. 33 3.7 – A atuação do Ministério Público (MP) – pág. 34 3.8 – Avaliação Ambiental Estratégica (AAE): sinergias do Comperj e outros empreendimentos da Petrobras na Baía de Guanabara – pág. 36 3.9 – Licenciamento do Sistema de Dutos e Terminais do Comperj – pág. 39 3.10 – Licenciamento da Estrada Principal de Acesso ao Comperj – pág. 41 3.11 – Licenciamento da Via especial para transporte de cargas pesadas do COMPERJ – pág. 43 iii 3.12 - Dragagem das áreas dos terminais aquaviários de Ilha Comprida e Ilha Redonda – pág. 45 3.13 – Licenciamento da Implantação do Emissário Terrestre e Submarino do COMPERJ – pág. 47 3.14 – O acompanhamento no legislativo: outras audiências públicas – pág. 50 4 – Licenciamento(s) Ambiental (is) da Companhia Siderúrgica do Atlântico – pág. 50 4.1 – EIA/RIMA da Usina Siderúrgica – pág. 54 4.2 – Estudo de Análise de Risco – pág. 59 4.3 – EIA do Terminal Portuário – pág. 60 4.4 – Audiências Públicas – pág. 60 4.5 – PBA – pág. 61 4.6 – Utilização de recursos compensatórios – pág. 62 4.7 – LI da Usina Siderúriga – pág. 63 4.8 – MP e Judiciário – pág. 63 4.9 – A atuação do poder legislativo estadual: comissão especial da Alerj – pág. 64 5 – Conclusões: licenciamento ambiental e controle social – pag. 66 6 – Bibiografia – pág. 73 Anexo 1 – O Licenciamento Ambiental no Brasil – pág. 76 iv 1 IBASE PROJETO: CONTROLE SOCIAL E DEBATE PÚBLICO: OBSERVATÓRIO DO PRÉSAL, A PETROBRAS E A VALE NO RIO DE JANEIRO APOIO: REVENUE WATCH INSTITUTE Pesquisadora: Natália Gaspar Relatório: Limites e potencialidades de controle social no processo de licenciamento ambiental – os casos do Comperj (Petrobras) e da TK-CSA (Vale/Thyssenkrupp). 1 – Justificativa No final do século XX, sob a mundialização do capitalismo neoliberal e a forte demanda por minérios de novos gigantes do crescimento econômico, como China e Índia, os setores de petróleo e mineração foram projetados a níveis históricos, seja devido à alta nos preços relacionada ao crescimento da demanda, ou pelo surgimento de novos empreendimentos e fusões. Este crescimento está associado a um acelerado processo de concentração de capitais, com a criação de novos conglomerados empresariais, surgidos das compras ou fusões entre diferentes companhias, de atuação cada vez mais transnacional. Uma característica peculiar deste novo ciclo da mineração é a emergência de conglomerados transnacionais originários de países “em desenvolvimento”, particularmente nos casos do Brasil, da Índia e da China e, em menor medida, da África do Sul. Neste contexto, empresas de origem brasileira passam a atuar cada vez mais em países da África e da América Latina (Seoane, Taddei & Algranati 2011). O atual modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil, sustentado pela expansão da exportação de commodities, tem como um de seus pilares o crescimento, a concentração de capitais e a atuação transnacional das grandes indústrias extrativas. Ao mesmo tempo, esta estratégia se encontra alinhada, ou mesmo justificada, pelas políticas de combate à pobreza e pela idéia de “progresso”. Com a descoberta das enormes reservas de petróleo do Pré-Sal, o Brasil passou a ocupar, também, uma posição de destaque no mercado energético latino-americano, tendendo a Petrobras a se tornar não apenas um importante processador, mas também um gigante exportador de petróleo. No ano de 2010, a Petrobras teve lucro de R$ 35,189 bilhões, um aumento de 17,1% frente aos R$ 30,051 bilhões apurados em 2009. O valor é recorde para uma empresa brasileira. O recorde anterior, também da Petrobras, foi registrado em 2008, quando a estatal lucrou R$ 32,9 bilhões. Ao mesmo tempo, a transnacional brasileira Vale se tornou a maior produtora mundial de minério de ferro. A Vale é a segunda maior empresa do Brasil, atrás apenas da Petrobras. “No ano passado (2010), teve lucro líquido de R$ 30,4 bilhões (que podem ser comparados aos R$ 35,9 bilhões da Petrobras, ou a média de cerca de R$ 10 2 bilhões das três grandes empresas do setor financeiro que vem a seguir, na ordem, o Banco do Brasil, o Itaú e o Bradesco) e patrimônio líquido de R$ 116,3 bilhões (comparados aos R$ 310,2 bilhões da Petrobras). Entre as 10 maiores empresas, apresentava uma rentabilidade (medida em lucro líquido sobre patrimônio líquido) de 26,2%, só superada pela Ambev (de bebidas, com 31%). A Vale domina os setores de mineração e logística e tem investimentos importantes em vários outros setores de processamento, como siderurgia e alumínio, além de fertilizantes. É uma empresa também hoje bastante diversificada a nível internacional, especialmente em regiões como África e América Latina. No setor de mineração, é a empresa com uma das maiores parcelas da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que arrecadou, em 2010, um total superior a R$ 1 bilhão de reais.” (Mineiro 2011) Os papéis desempenhados por duas grandes empresas nacionais – Petrobras e Vale entrelaçam-se nas estratégias do governo brasileiro para o setor mineral, que pretende aumentar os investimentos em siderurgia, refino de petróleo e a geração de empregos, diante da expectativa de que o consumo de aço aumente puxado pelos investimentos no pré-sal, infraestrutura, construções e expansão da produção de carros. Neste contexto, o estado do Rio de Janeiro se destaca como alvo de uma série de significativos investimentos, e ainda como sede de duas das maiores empresas extrativas brasileiras, a Petrobras e a Vale. Desde 2006, com PIB de 275 bilhões, sua economia é a segunda maior do país, em termos de produto interno bruto, tendo correspondido a 11,6% da produção nacional naquele ano. O estado é o maior produtor de petróleo e gás natural do país. O Plano Estratégico 2007-2010, elaborado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, identifica como tendências consolidadas e invariantes no estado a “manutenção da concentração sociodemográfica da RMRJ [Região Metropolitana do Rio de Janeiro] sobre as demais regiões” e o “desenvolvimento da indústria ancorado nos setores de petróleo, químico, metal-mecânico e naval”. Anualmente, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) elabora uma pesquisa junto aos investidores públicos e privados sobre as intenções de investimentos no estado. A última edição da pesquisa, publicada em 2010 e referente aos projetos anunciados até o mês de julho de 2009, compila valor de investimentos da ordem de R$ 126 bilhões em mais de 100 projetos. Consideramos que a pesquisa procura corresponder e informar a visão empreendedorista industrial da instituição que a promove, refletindo seus interesses. O estudo da Firjan identifica 4 “eixos de desenvolvimento” no estado. De acordo com este estudo, o eixo Sepetiba se constitui pela competitividade logística da região, a partir da combinação de portos, rodovias e indústrias. Dos 8 projetos de portos propostos em 2008, 5 foram autorizados, e está prevista também a instalação de 2 estaleiros, um deles da Marinha Militar do Brasil. É nesta região que foi instalada a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), que se configura como o maior investimento privado em realização no país. Trata-se de uma joint venture na qual o grupo alemão Thyssemkrupp é majoritário e a Vale detém 27% do capital. Está prevista também a construção de um centro logístico da Companhia Siderúrgica 3 Nacional (CSN). Com a descoberta do pré-sal, cresce a importância da região de Sepetiba pela sua proximidade com a Bacia de Santos e existe a perspectiva de instalação de uma base de apoio à exploração dos campos de petróleo na baía. O eixo leste está apoiado na construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), pela Petrobras, - uma refinaria de padrão internacional, capaz de refinar petróleo pesado da Bacia de Campos e gerar subprodutos com alto valor agregado. O desenvolvimento que pode ser induzido na região não se limita a indústria de fabricação de materiais de plástico. Há perspectiva de um amplo espectro de investimentos no setor de serviços de apoio, além de oportunidades no setor terciário e na construção civil. A participação do Ibase no debate e na produção de informações sobre a indústria extrativa mineral e o fortalecimento de mecanismos de controle social sobre sua atuação está inserido em uma perspectiva de crítica ao modelo hegemônico. Atuamos e queremos contribuir para criar as condições de possibilidade de uma sociedade pós-extrativista: que não esteja organizada em torno da mercantilização absoluta dos recursos naturais e de seu consumo excessivo. Diversas iniciativas institucionais se relacionam a esse debate: I. criação pelo Ibase de um modelo de Balanço Social para as empresas, cobrando transparência; II. a atuação do Ibase como uma das organizações envolvidas, desde o início, no processo do Fórum Social Mundial; III. o Diálogo dos Povos, projeto em atuação desde 2004, que promove a conexão entre movimentos sociais da América Latina e do Sul da África a respeito de temas concernentes ao atual modelo de desenvolvimento e à crise civilizatória1; IV. como parte na coordenação da “Plataforma BNDES”, o Ibase vem, desde 2007, debatendo o financiamento público deste modelo de desenvolvimento2. Em meio a estas iniciativas, o website Observatório do Pré-Sal e da Indústria Extrativa Mineral constitui ferramenta de articulação entre organizações, visibilidade às lutas dos atingidos por grandes empreendimentos do setor e informação e qualificação do debate público. Através do website Observatório do Pré-sal e da Indústria Extrativa Mineral, objetivamos conferir visibilidade aos impactos sociais e ambientais da indústria extrativa mineral e de suas cadeias produtivas, com vistas a trazer estas questões para o debate mais amplo da sociedade sobre o modelo de desenvolvimento do país, permitindo a sua ponderação também pelas populações urbanas e não diretamente atingidas por estes impactos. Simultaneamente, alimentando e sendo alimentado pelo website, o trabalho de acompanhamento e monitoramento da atuação de dois grandes empreendimentos no estado do Rio de Janeiro – o COMPERJ e a TK-CSA – e, através deles, das duas grandes empresas brasileiras (Petrobras e Vale) que os financiam e estruturam3, sua 1 http://www.dialogode lospueblos.org/ 2 http://www.plataformabndes.org.br/ 3 No caso do COMPERJ, a Petrobras conta com a participação de sócios como BNDES e grupo Ultra. Na siderúrgica TKCSA, a Vale tem participação de 27%. 4 forma de operar, sua relação com o poder público e com seus próprios funcionários, bem como o questionamento ao próprio modelo por trás desses megaempreendimentos, configura um ponto de partida extremamente proveitoso para abordar as questões estratégicas referentes ao atual modelo de desenvolvimento hegemônico. Nesse sentido, a articulação de elementos visando o desenvolvimento de uma práxis de monitoramento e controle social é a tática que elegemos. Já existem mobilizações contra a TKCSA por parte de moradores das áreas atingidas e ONGs, com participação ativa de parlamentares ligados ao Rio de Janeiro4. Aconteceram várias audiências públicas em que foram relatados maus tratos a funcionários, perseguição a pescadores da região, aumento dos problemas respiratórios em idosos e crianças e violência contra os que se opõem aos avanços da companhia. No caso do COMPERJ, também há mobilização dos pescadores e moradores da região5, que acusam o empreendimento de inviabilizar a pesca – apenas um dos violentos impactos socioambientais inerentes a um empreendimento de tamanho porte, e que, por conta do desnível das forças envolvidas e dos diferentes interesses que se apresentam (comunidades do entorno dos empreendimentos, sindicatos, Petrobras, BNDES), são pouco discutidos pela sociedade. Assim sendo, com estes objetivos, o recorte estratégico para os estudos de caso adotou como ponto de partida os processos de licenciamento ambiental destes empreendimentos. O processo de licenciamento ambiental tem se constituído em um espaço legítimo de disputas em torno do uso dos recursos naturais e da concepção mesma de desenvolvimento, durante o qual podem ser articuladas alianças entre sujeitos sociais interessados em diversos níveis, mas cujos resultados ainda costumam ser fortemente influenciados pelas relações de poder entre as partes envolvidas. Ao mesmo tempo em que a institucionalização do processo de licenciamento ambiental é o resultado de lutas no sentido de estabelecer o controle social sobre a implantação de grandes empreendimentos industriais, o espaço destinado à “participação da sociedade” dentro deste processo, de acordo com Bronz (2011), tende a “domesticar” os conflitos, através da imposição da racionalidade empresarial e governamental sobre as temporalidades dos conflitos sociais. Por outro lado, a mobilização da sociedade junto ao Ministério Público (MP), nos últimos anos, tornou-se um dos principais meios de pressão social em procedimentos 4 Entre outros, participam: ADUFF, ADUFRJ, ANDES, Assembléia Popular, Associação dos Aquicultores e Pescadores da Pedra de Guaratiba, Associação dos Pescadores do Canto do Rio, CMP, Comitê Popular de Mulheres, Conselho Popular, Consulta Popular, Fórum de Meio Ambiente dos Trabalhadores, Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), mandatos do Dep. Est. Marcelo Freixo, do Dep. Fed. Chico Alencar e do Ver. Eliomar Coelho, MNLM, MTD, MST, NEURB, Núcleo de Lutas Urbanas/PSOL, Núcleo Socialista de Campo Grande, PCB, PSOL, SEPE/RJ, Sindipetro/RJ. 5 Ver por exemplo o blog http://falacomunidadedocomperj.blogspot.com/ “Fala comunidade do Comperj” - 5 de licenciamento ambiental. Este tem sido o único órgão representativo dos interesses da sociedade capaz de paralisar o licenciamento e as obras. Recentemente, as perspectivas de controle social sobre o processo de licenciamento têm-se ampliado a partir da mobilização do poder legislativo, através da formação de comissões especiais e da realização de “audiências públicas”, geralmente nos casos em que são flagrantes não só os efeitos nocivos do empreendimento ao meio ambiente e à população, mas também em que é posta em dúvida a capacidade dos órgãos competentes em fazer valer a legislação e garantir a prevalência do bem comum. O caso a implantação da Companhia Siderúrgica do Atlântico na Baía de Sepetiba, no estado do Rio de Janeiro, é paradigmático neste sentido, embora o Comperj também seja objeto de comissão especial na Alerj. Os estudos de caso aportam elementos para pensar as potencialidades e limitações da participação social no processo de licenciamento ambiental e as possibilidades de controle social mais efetivo sobre a implantação de grandes empreendimentos dos setores de petróleo e mineração. Ademais, foi negociado entre a Petrobras e o Ibase o projeto “A Cidadania e a Sustentabilidade Socioambiental na Área de Influência do Comperj”, que pretende monitorar e ampliar as condições de exercício da cidadania na região de influência do empreendimento, composta por 14 municípios, em forte consonância com os objetivos do presente projeto e constituindo uma perspectiva de continuidade no acompanhamento do empreendimento da Petrobras. Cabe, ainda, antecipar uma das conclusões deste trabalho para expor um dos objetivos deste relatório. Ambos os empreendimentos em estudo estão sendo licenciados na esfera estadual – inicialmente, pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA) e, a partir de 2009, pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA)6. A falta de transparência e informação sobre os diversos processos de licenciamento ambiental relacionados à implantação destes empreendimentos, a dificuldade para acessar estudos, relatórios, licenças, termos de referência e demais documentos, que deveriam ser disponibilizados para a sociedade de maneira sistematizada e de fácil compreensão, constituem, por si só, elementos reveladores das limitações ao exercício do controle social e da cidadania. Assim sendo, um dos objetivos primeiros deste trabalho é disponibilizar aos atingidos pelos empreendimentos e a suas organizações de apoio, aos trabalhadores destas empresas, seus sindicatos e associações, aos movimentos sociais e à sociedade em geral, o resultado deste esforço de pesquisa e sistematização dos diferentes documentos produzidos no âmbito do licenciamento do Comperj e da CSA, dentro das limitações de tempo e recursos disponíveis, para que possam ser apropriados por 6 O Instituto Estadual do Ambiente (INEA) foi criado em 2009, reunindo três órgãos ambientais estaduais existentes anteriormente: Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA), Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA) e Fundação Instituto Estadual de Florestas (IEF). 6 estes grupos e revertidos em ferramentas de controle social e debate sobre os rumos do desenvolvimento.7 2 – Caracterização da região afetada O Comperj e a CSA constituem elementos importantes das políticas de desenvolvimento pensadas para o estado do Rio, como vimos. Os dois empreendimentos têm repercussões socioambientais nas duas baías do estado, a de Guanabara e a de Sepetiba, respectivamente, e serão beneficiados pela construção do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, rodovia que conectará o Comperj ao Porto de Itaguaí, situado na Baía de Sepetiba. Fonte: Concremat EIA 2007 No entorno da Baía de Guanabara, localizam-se diversos municípios de alta densidade demográfica e desenvolvimento industrial, constituindo o segundo pólo industrial do país, com mais de 7.000 indústrias. Os municípios do Rio de Janeiro, São Gonçalo, Duque de Caxias (onde está situada a Refinaria REDUC, da Petrobras), Magé, Niterói e Itaboraí (onde está sendo instalado o COMPERJ), juntos, abrigam mais de 8 milhões de habitantes. Uma observação rápida permite supor que as indústrias são responsáveis pelo lançamento de quantidades expressivas de poluentes 7 Grande parte da bibliografia e dos documentos consultados se encontra disponível no site WWW.observatoriodopresal.com.br 7 na Baía de Guanabara e nos rios das bacias contribuintes, que também recebem diariamente quantidade expressiva de esgoto doméstico sem tratamento. Após o término da 2ª Guerra Mundial, intensificou-se a ocupação nas áreas próximas ao Rio de Janeiro e a região que hoje constitui a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) se tornou alvo da proliferação de loteamentos e especulações de terra. As vias adjacentes às ferrovias foram se tornando extensos eixos de acesso aos bairros, processo acentuado com a diminuição da eficiência do transporte ferroviário e o crescimento progressivo do transporte rodoviário. Este processo de ocupação determinou as diretrizes da estruturação da área urbana da Região Metropolitana do Rio a partir da segunda metade do século XX, consistindo de corredores rodoferroviários de disposição radiada em direção ao centro do Rio de Janeiro. Mais tarde, quando foram implantadas as rodovias de acesso ao rio – Av. Brasil (BR-101), Av. Washington Luís (BR-040) e Via Dutra (BR-116) – dispostas perimetralmente à área induzida – consolidou-se os principais eixos viários da Região Metropolitana, ampliando-se assim os transportes de massa e a circulação da população entre o centro do Rio de Janeiro e a área do entorno. O grande fluxo de migrantes, principalmente de nordestinos, após a década de 50 do século XX, em direção ao Rio de Janeiro, na busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho promovidas pela industrialização, acarretou na ocupação da periferia, já que o Rio de Janeiro não apresentou capacidade suficiente nem tampouco planejamento para absorver esse contingente populacional. Além disso, o alto custo da moradia, imposto pelo mercado imobiliário, excluiu a população de baixa renda, restando a ela procurar as áreas periféricas localizadas mais próximas ao Rio de Janeiro, transformando as mesmas em cidades dormitórios. A acelerada urbanização experimentada pelo país, com a desmobilização de uma política agrícola no período da ditadura militar, aliada à inauguração da ponte sobre a baía de Guanabara em 1974, ligando o Rio de Janeiro a Niterói, passou a exercer uma crescente pressão demográfica sobre muitas áreas de produção, resultando numa diminuição drástica de área plantada, ocupada por loteamentos urbanos. A transição da economia agrícola para uma economia centrada na urbe provocou uma expansão urbana rápida e desordenada em Itaboraí e região. Já no entorno da Baía de Sepetiba, onde está implantada a CSA, existem importantes ecossistemas ainda preservados de Mata Atlântica, restingas e manguezais, principalmente em Guaratiba e no município de Magaratiba, enquanto que o distrito de Santa Cruz e o município de Itaguaí constituem o pólo aglutinador dos empreendimentos industriais na região. A atividade industrial na Zona Oeste do Rio e em Itaguaí, que conformam o entorno da baía, teve início nos anos 60, com a implantação dos distritos industriais de Campo Grande e Santa Cruz e da fábrica de zinco e cádmio Companhia Mercantil e Industrial Ingá, situada na Ilha da Madeira, pertencente ao município de Itaguaí. Desde a década de 1970, quando foi construída a rodovia Rio-Santos, o planejamento público destina a esta região uma vocação industrial, reservando importante parte de seu território para uma futura ocupação por unidades industriais. Neste período, foram instaladas, no 8 município de Itaguaí, a Nucleobrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), empresa estatal de alta tecnologia, destinada à produção de reatores nucleares e peças metalúrgicas de alta precisão, além da Fundição Técnica Sulamericana (peças para a indústria naval), e da Usina Itaguaí (transformação de materiais não-ferrosos: cobre, bronze, chumbo, alumínio). Em 1982, foi implantado o Porto de Itaguaí. Em Santa Cruz, estão localizados os três importantes distritos industriais de Santa Cruz, Paciência e Palmares, onde se encontram em pleno funcionamento a Casa da Moeda do Brasil, Cosigua (Grupo Gerdau), Valesul, White Martins, Glasurit, Continac, Latasa, Michelin, entre outros. Atualmente, a zona oeste do Rio de Janeiro é a área que apresenta o maior índice de industrialização da cidade, “devido, principalmente, às iniciativas governamentais de isenção de impostos e vantagens geradas pela disponibilidade de terras mais baratas, da localização estratégica e da mão-de-obra barata.” (Nacif 2010: 109) No município de Mangaratiba, também situado no entorno da Baía de Sepetiba, o aumento da ocupação do território está vinculado à implantação da rodovia Rio-Santos (BR-101), a partir de 1974, com a ocupação das áreas litorâneas, por segmentos de classe média oriundos do município do Rio de Janeiro e área do entorno. Na década de 80, acentuou-se a vocação turística de Mangaratiba, com o adensamento das áreas residenciais de veraneio, a construção de alguns hotéis (inclusive dois na categoria cinco estrelas e um quatro estrelas) e a implantação de grandes condomínios fechados com infra-estrutura de lazer náutico. O Observatório das Metrólopes (IPPUR/UFRJ) elaborou uma análise de vetor de crecimento das zonas urbanas, que resultou em um mapa onde há sobreposição dos dados referentes aos anos de 1975 e 2000, apresentado a seguir. 9 Uso e ocupação do solo, 1975 e 2001 Fonte: Observatório das Metrópoles – IPPUR/UFRJ Foram identificados os seguintes eixos de crescimento urbano: Eixo Rio de Janeiro/Baixada Fluminense • Mancha contínua e de alta densidade ao logo do leito ferroviário do ramal de Japeri, que atravessa grande parte dos municípios em estudo, apresentando um pequeno trecho descontínuo entre Engenheiro Pedreira e o centro de Japeri. • Mancha que apresenta alguma descontinuidade localizada, de baixa densidade ao longo da Serra de Madureira, que tem como ponto de origem a sede municipal de Nova Iguaçu e no outro extremo o distrito de Sepetiba em Itaguaí; Eixo Rio de Janeiro/ São Paulo • Mancha contínua e de alta densidade, que se desenvolve ao longo do leito ferroviário que atravessa a Zona Oeste, tendo como origem a zona central do Rio de Janeiro e finalização a estação de Santa Cruz (bairro sede da 10 siderúrgica CSA), onde tem início gleba de propriedade pública que vai até a sede municipal de Itaguaí; • Núcleos urbanos isolados, que ocorrem como ilhas no meio de áreas desocupadas, se constituindo nas sedes municipais e distritais de Itaguaí, Seropédica, Queimados, Japeri, Cabuçu e a sede da Região Administrativa de Guaratiba, Paracambi, Mangaratiba e Paulo de Frontin. E, ainda, as aglomerações de menores dimensões, também isoladas entre si: Campo Lindo e Águas Lindas em Itaguaí e Seropédica e Parque Guandu, Jardim Marajoara e Parque Cesário em Queimados, Cabuçu e Km32 em Nova Iguaçu. Observe-se que alguns destes núcleos, como Campo Lindo e Águas Lindas, constituem-se em antigos loteamentos de grandes dimensões que consolidaram sua ocupação. Eixo Baixada Fluminense/ Região Serrana • Mancha contínua e de alta densidade ao logo do da rodovia Washington Luís, (BR-040), iniciada no município do Rio de Janeiro, passando pelo município de Duque de Caxias, Magé apresentando uma cornubação neste trecho, seguindo em direção a região serrana, ao município de Petrópolis. No estudo de impacto ambiental elaborado para subsidiar o licenciamento do Comperj (de suas instalações no sítio principal no município de Itaboraí), a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) figura como Área de Influência Indireta (AII), sujeita a “impactos indiretos” do empreendimento. No entanto, atenção especial é conferida, no diagnóstico e nas medidas mitigadoras e compensatórias, aos 11 municípios que inicialmente constituíram o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense (CONLESTE) – Itaboraí, São Gonçalo, Niterói, Maricá, Tanguá, Rio Bonito, Silva Jardim, Casimiro de Abreu, Cachoeiras de Macacu, Guapimirim e Magé – tratados no estudo como Área de Abrangência Regional (como será visto). Atualmente, o CONLESTE engloba mais três municípios admitidos depois de sua fundação – Teresópolis, Nova Friburgo e Saquarema – que passaram a ser beneficiados com medidas socioambientais da Petrobras, como, por exemplo, a Agenda 21 do Comperj. Estes 14 municípios são também aqueles contemplados pelo projeto do Ibase InCid – Indicadores da Cidadania na Região do Comperj, que está sendo realizado em convênio com a Petrobras. Nos estudos que subsidiaram os licenciamentos da Usina Siderúgica CSA e do Terminal Portuário Centro Atlântico, é conferida atenção especial às regiões administrativas de Santa Cruz (composta pelos bairros de Santa Cruz, Paciência e Sepetiba) e Guaratiba (bairros de Guaratiba, Pedra de Guaratiba e Barra de Guaratiba), pertencentes ao município do Rio de Janeiro, e aos municípios de Itaguaí, Seropédica8 e Mangaratiba9. 8 Desmembrado de Itaguaí em 1996. 11 Assim sendo, contemplaremos na análise de dados populacionais os 14 municípios da atual área de influência do Comperj, e ainda os dois municípios e as duas regiões administrativas do município do Rio de Janeiro considerados como área de influência direta da CSA. 2.1 – População Entre 2000 e 2010, a população do Estado do Rio de Janeiro cresceu 11,10%, ou, em termos absolutos, um acréscimo de 1.597.820 habitantes. Fonte: Elaboração pelo consultor Leonardo Carvalho, no âmbito do projeto InCid – Indicadores da Cidadania na Região do Comperj (Ibase). As área de influência de ambos os empreendimentos em estudo apresentaram crescimento percentual maior do que o estado, destacando-se a área de influência da CSA, com 22,36%. Destacam-se pelo maior crescimento populacional, em termos aboslutos, os municípios de Maricá, Saquarema, Itaboraí e Teresópolis, na área de influência do Comperj, e de Itaguaí e a RA Santa Cruz, na área da CSA. Os municípios de Casimiro de Abreu, na área do Comperj, e de Mangaratiba, na área da CSA, apresentaram significativo crescimento populacional percentual, mas cuja expressividade deve ser relativizada devido ao seu pequeno porte populacional. Área 9 População 2000 População 2010 Variação (%) Embora a Área de Influência Indireta (AII) da siderúrgica contenha mais 11 municípios, a saber: Paty do Alferes, Engenheiro Paulo de Frontin, Paracambi, Miguel Pereira, Japeri, Nova Iguaçu, Queimados, Duque de Caxias, Belford Roxo, Nilópolis e Rio de Janeiro. 12 Estado do Rio de Janeiro 14.392.109 15.989.929 11,10% Total área de influência do Comperj 2390232 2728878 14,20% São Gonçalo 891.119 999.728 12,20% Niterói 459.450 487.562 6,10% Magé 205.830 227.322 10,40% Itaboraí 187.480 218.008 16,30% Nova Friburgo 173.414 182.082 5,00% Teresópolis 138.084 163.746 18,60% Maricá 76.740 127.461 66,10% Saquarema 52.459 74.234 41,50% Rio Bonito 49.688 55.551 11,80% Cachoeiras de Macacu 48.543 54.273 11,80% Guapimirim 37.953 51.483 35,60% Casimiro de Abreu 22.151 35.347 59,60% Tanguá 26.057 30.732 17,90% Silva Jardim 21.264 21.349 0,40% Total área de influência da CSA 584.658 715381 22,36 Itaguaí 82.003 109.091 Seropédica 65 260 78.186 Mangaratiba 24.901 36.456 33,03 19,81 46,40 Região Administrativa de Santa Cruz 311 289 368.534 18,31 Região Administrativa de Guaratiba 101 205 123.114 21,65 Fonte: Élaboração pelo consultor Leonardo Carvalho, no âmbito do projeto InCid – Indicadores da Cidadania na Região do Comperj (Ibase), complementados com dados sobre a área de influência da CSA. 2.2 – PIB, ocupação, renda e diferenciação socioespacial A análise mais recente sobre o PIB do estado do Rio de Janeiro e de seus municípios foi elaborada pela Fundação Ceperj e avalia a variação dos PIBs municipais entre 2004 e 2008. O estudo identificou que, nos últimos anos, vem se confirmando um processo de desconcentração espacial da atividade produtiva da Região Metropolitana. A RMRJ vem perdendo participação para as demais regiões do estado (exceto a serrana), em virtude da atividade de extração de petróleo e gás - nas Regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas (Bacia de Campos) – e da atividade automobilística, na Médio Paraíba. Assim, a RMRJ continuou a ter participação preponderante no PIB do estado, porém declinante, com 70,5% em 2007 e 67,8% em 2008. 13 “Em relação ao desempenho municipal em 2008, cinco municípios destacaram-se na liderança das participações no PIB do estado e concentraram 68,1% da economia fluminense, contra 69,1% em 2007: Rio de Janeiro (47,2% em 2007 e 45,1% em 2008); Duque de Caxias (9,5% e 9,4%); Campos dos Goytacazes (7,0% e 8,5%); Niterói (3,0% e 2,7%); e Nova Iguaçu (2,3% e 2,4%). O Município de São Gonçalo, no quinto lugar em 2007, com 2,5%, perdeu essa posição para Nova Iguaçu em 2008. A participação do interior, confirmando sua trajetória de ascensão, passou de 52,8% para 54,9%, registrando acréscimo de 2,1 p.p.” (Fundação Ceperj 2010). A análise do PIB por setor da economia revela destaque para o município de Teresópolis, com maior participação no ranking da Agropecuária em 2008 (8,8%), e para a significativa participação do município do Rio de Janeiro (3,9%). A atividade que mais influenciou a performance deste setor foi “Outros Produtos da Lavoura Temporária, Horticultura, Viveiro e Serviços relacionados”. Os cinco municípios com maiores participações no ranking industrial em 2008 foram: Campos dos Goytacazes (26,6%); Rio de Janeiro (15,6%); Duque de Caxias (13,9%); Rio das Ostras (5,9%); e Cabo Frio (5,3%). As principais atividades que influenciaram o comportamento das indústrias dentre os maiores municípios foram: extração de petróleo e gás natural e refino do petróleo. Mantendo os mesmos postos desde 2005, os cinco municípios com maiores participações no ranking dos Serviços em 2008: foram Rio de Janeiro (52,7%); Duque de Caxias (8,0%); Niterói (3,6%); São Gonçalo (3,4%); e Nova Iguaçu (3,4%). A maior variação negativo de postos ficou com Rio Bonito, que cedeu 5 posições. 14 Fonte: Fundação Ceperj 2010 O estudo do Observatório das Metrópoles fornece análise informações georeferenciadas sobre ocupação e tipologia socioespacial, baseadas, contudo, em dados do anos de 2000.São analisados, para a metrópole do Rio de Janeiro, três indicadores que permitem traçar um quadro geral do mercado de trabalho no ano de 2000, assim como seu rebatimento na divisão social do espaço metropolitano. Um primeiro indicador do grau de instabilidade do trabalho é a taxa de desocupados, ou seja, o percentual de pessoas acima de 14 anos que estavam desocupadas e procurando trabalho no mês de aplicação do censo: eram 17,2% da PEA (População Economicamente Ativa) metropolitana nessa situação. Se a taxa média evidencia uma elevada precariedade, a análise intraurbana exibe a significativa variação da participação dos desocupados nas diferentes áreas da metrópole. Nas trinta e quatro áreas mais elitizadas, que representam 8% do total e estão localizadas na capital e em Niterói, a taxa de desocupados não ultrapassava 10% da PEA. No outro extremo, estavam 32% das áreas, a maioria localizada na periferia (tanto no município pólo quanto nos demais) e dezesseis, em favelas na capital, onde mais de 20% dos trabalhadores estavam, em 2000, sem ocupação e procurando trabalho. No município de Nova Iguaçu, numa área distante do centro, esse percentual chegava a 32,5%. Vale mencionar que um conjunto de áreas na zona suburbana do Rio de Janeiro, assim como algumas áreas centrais de municípios periféricos como Nova Iguaçu, Itaboraí, Caxias e Maricá apresentaram um percentual de desocupados abaixo da média metropolitana: entre 10% e 14%. Percentual de desocupados procurando trabalho – RMRJ - 2000 Fonte: Observatório das Metrópoles 15 Entrando, no universo das pessoas ocupadas em 2000, que representavam 82% da PEA metropolitana, é possível examinar, através da distribuição das categorias sócioocupacionais na estrutura social, o peso do trabalho precário frente ao mercado como um todo. Predominam na estrutura sócio-ocupacional da metrópole do Rio de Janeiro os trabalhadores manuais da indústria, do comércio e dos serviços, que, somados, representam cerca de 60% dos ocupados. As ocupações médias também aparecem com um peso relevante – 28% -, restando para as ocupações superiores de profissionais e dirigentes uma participação de 10%. Com relação ao volume de pessoas em atividade, as cinco maiores classes de trabalhadores na RMRJ são os trabalhadores manuais ocupados na indústria (destaque para operários da construção), no comércio e serviço especializado, no comércio e serviço não especializado, os trabalhadores domésticos e as ocupações médias de escritório. Duas delas, o trabalhador doméstico e o operário da construção, apresentam um nível de precarização mais elevado do que as demais, as quais agregam situações diversificadas quanto ao grau de formalização e o nível de rendimento. Entre os trabalhadores domésticos, 65% não possuem carteira assinada e, entre os operários da construção, 75% são conta própria ou empregados sem carteira. Essa distribuição, entretanto, sofre grandes alterações na micro-escala. A distribuição territorial dos tipos (foram definidos 8 tipos de áreas por tipo de ocupação) evidenciava, em 2000, a forte hierarquia sócio-espacial na metrópole do Rio de Janeiro. Se os dirigentes e profissionais representavam, na média metropolitana, 10% dos ocupados, nas áreas de tipo superior (apenas sete áreas localizadas na zona sul, na Barra e em Icaraí) esse percentual era de 42% e, nas de tipo superior médio (32 áreas nas zonas sul e norte do Rio, em Niterói e uma em Nova Iguaçu), 33%. Nesses dois tipos de área, os trabalhadores não especializados representavam 10% dos moradores ocupados, com destaque para as domésticas, com 6%, cuja presença é explicada, em parte, pelo fato de residirem no domicílio onde trabalham. À medida que nos afastamos desse “núcleo superior”, o perfil social das áreas vai descendo na escala hierárquica, alcançando o nível mais baixo nas fronteiras do território metropolitano, onde está localizada grande parte das áreas do tipo “popular inferior”. Como veremos adiante, encontramos esse tipo também em áreas de favela, próximas ao núcleo metropolitano. Caracterizam-se como áreas de tipo médio no interior de regiões periféricas de perfil tipicamente popular e operário o centro de Campo Grande, na zona oeste da capital, o centro de Maricá e o centro de Itaboraí. O tipo mais característico encontrado nas favelas analisadas foi o denominado de “popular operário”, também encontrado de forma predominante nos municípios periféricos de Belford Roxo, São Gonçalo, Duque de Caxias e Mesquita. O perfil ocupacional “popular inferior” foi encontrado na periferia mais distante da metrópole, em municípios como Japeri, Queimados, Itaboraí e Tanguá. Por fim, vale mencionar a existência, nas fronteiras metropolitanas, de áreas com uma participação ainda significativa das ocupações agrícolas, as quais classificamos de “popular agrícola”. Em média, os trabalhadores agrícolas representavam, no início da presente década, 10% dos ocupados, chegando, na Vila Inhomirim em Magé, a 13,5%. 16 Tipologia sócio-espacial – RMRJ - 2000 Fonte: Observatório das Metrópoles 17 O diferencial no percentual de pobres (renda familiar per capita até meio salário mínimo) entre as áreas acompanha, numa visão geral, a hierarquia sócio-espacial vista anteriormente. As áreas com maior proporção de pobres – em torno de 30% da população residente – estavam localizadas nas áreas periféricas mais distantes do centro e em determinadas favelas suburbanas e periféricas na capital. Vale mencionar que a média metropolitana era 13,7%. Na periferia, os municípios de Japeri, Seropédica, Belford Roxo e Itaboraí podem ser definidos como “bolsões de pobreza” na medida em que quase a totalidade dos seus respectivos territórios apresentava um percentual de 30%. Verificou-se, ainda, um número significativo de áreas na mesma situação, em Caxias e Nova Iguaçu. 18 Percentual de pessoas com renda familiar per capita até ½ salário mínimo – RMRJ - 2000 Fonte: Observatório das Metrópoles 3 – Licenciamento(s) Ambiental(is) do Comperj Em março de 2006, foi anunciada pela Petrobras a instalação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ – nos municípios de Itaboraí e São Gonçalo. Trata-se de um investimento de cerca de 8,4 bilhões – o maior atualmente em andamento no Brasil – e prevê que sejam instaladas, em Itaboraí, uma Unidade de Produção de Petroquímicos Básicos (UPB) e as Unidades de Petroquímicos Associados (UPAs), bem como a Central de Utilidades (Util), enquanto que São Gonçalo abrigará a Central de Escoamento de Produtos Líquidos (CEPL) e o Centro de Integração, destinado à implementação de programas de capacitação profissional. Ou seja, é constituído por uma unidade de refino de 1ª geração e um conjunto de unidades de 2ª geração que funcionarão de forma integrada, diferentemente do que é encontrado hoje nos demais pólos petroquímicos nacionais. De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (2008: 7), a UPB refinará até 150 mil barris de petróleo pesado produzido na Bacia de Campos e produzirá eteno, benzeno, p-xileno e propeno. Cerca de 40% da produção da UPB será comercializada diretamente. Nas unidades de 2ª geração, está prevista a transformação de parte desses insumos petroquímicos em resinas termoplásticas: polipropileno, polietileno e poli tereftalato de etila – PET. A Central de Utilidades, por sua vez, será responsável 19 pelo fornecimento de água, vapor e energia elétrica necessários para a operação do COMPERJ. A planta produtiva do COMPERJ será erguida nos municípios de Itaboraí (UPB e UPAs) e São Gonçalo (CEPL), ambos localizados na Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro. Para a escolha destes dois municípios, contribuíram o posicionamento logístico (a proximidade com o Porto de Itaguaí, dos terminais de Angra dos Reis, das Ilhas d´Água e Redonda e do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro) e a proximidade com o mercado – demandantes de produtos de 2ª geração, além das sinergias com a REDUC – Refinaria de Duque de Caxias, também da Petrobras, e com as plantas da Rio Polímeros, Suzano e CENPES – Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras. A obtenção das licenças ambientais que autorizam a construção e o funcionamento de um investimento do porte do Comperj comporta, na verdade, vários processos de licenciamento ambiental – o empreendimento sofre fracionamentos e cada uma das partes é sujeita a um processo de licenciamento específico10. Estes vários processos, parcialmente ou em seu conjunto, vêm sendo alvo de críticas enunciadas ou visibilizadas através de trabalhos acadêmicos de diferentes disciplinas, como Geografia (Moysés 2010), Sociologia (Giuliani 2008 “a” e “b”) e Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (Botelho 2009). De uma maneira geral, as críticas podem ser organizadas em três eixos: impactos sobre o meio ambiente, especialmente em unidades de conservação; impactos sobre comunidades; lacunas de transparência em diferentes etapas do licenciamento ambiental. O Comperj e suas diferentes partes constituintes vêm sendo licenciados pelos órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro – inicialmente, pela FEEMA, e, em seguida, pelo INEA. A LI n° FE014032 11, concedida pela FEEMA e pela CECA em 28 de março de 2008, esteve válida até 28 de março de 2011. Autoriza a implantação da infraestrutura de urbanização do Comperj, que contempla as obras de terraplenagem, drenagem, anel viário, subestação da linha de transmissão de 138 kV, canteiro de obras referente a esta etapa, prédio de fiscalização, Centro Integrado de Segurança e Centro de Informação. Em 2009, foram concedidas mais duas LIs: para “infraestrutura de urbanização do Comperj”, contemplando a instalação de 6 canteiros de obras para a construção da unidade petroquímica básica e do apoio industrial e administrativo, válida até julho/2012; e para a construção propriamente dita dos mesmos, válida até abril de 2013. 10 11 Ver ANEXO 1 – O Licenciamento Ambiental no Brasil http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2051 20 Em 2010, foram concedidas mais duas LIs aos canteiros de obras do Comperj: a primeira, válida até junho de 2012, contempla a instalação de 13 canteiros de obras para a construção da unidade petroquímica básica e o apoio industrial e administrativo; a segunda, contemplando a instalação de mais 12 canteiros de obras para as mesmas finalidades, é válida até maio de 201212. 3.1 – O EIA e a escolha da localização do COMPERJ O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Comperj foi elaborado pela empresa de consultoria Concremat Engenharia (2007), no âmbito do processo de licenciamento FEEMA E-07/204.068/0613. O EIA se refere às instalações industriais do COMPERJ no sítio principal em Itaboraí, objeto do processo do licenciamento supracitado. As demais obras necessárias ao funcionamento do complexo, mas localizadas fora do sítio principal em Itaboraí, e que fazem parte do investimento global associado ao empreendimento, serão licenciadas à parte, e recebem a denominação de “infraestrutura externa associada” – que, de forma sucinta, inclui: (i) ampliação do terminal de Campos Elíseos e dutos entre Campos Elíseos e o COMPERJ; (ii) base de líquidos em São Gonçalo, dutos entre o COMPERJ e esta base, dutos entre a base e ilhas Comprida e Redonda e instalações nestas Ilhas; (iii) adutora para suprimento de água bruta, duto de efluentes salinos e emissário marítimo; (iv) ramal ferroviário, (v) acesso rodoviário entre a rodovia BR-493 e o COMPERJ; e (vi) linhas de transmissão e sub-estações de energia elétrica. 12 Não foi possível acessar o texto integral das licenças, apenas a sua situação e validade. Acesso ao Portal de Licenciamento do INEA em 28 de julho de 2011. 13 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2026 21 Comperj e “infraestrutura externa associada” Fonte: EIA 2007. Petrobras/Concremat Engenharia. Como foi visto na sessão anterior, a lei estabelece que o EIA apresente as “alternativas locacionais” do empreendimento. A parte do estudo dedicada a esta análise é bem reduzida, e apresenta sucintamente argumentos para a escolha da alternativa Itaboraí em detrimento das possibilidades de localização em Itaguaí – descartada por conta da bacia aérea já saturada pelas empresas instaladas ou em instalação - ou Campos dos Goytacazes – descartada porque o COMPERJ produziria impactos negativos sobre os melhores cultivos de cana-de-açúcar, o que contrastaria com o plano de extensão e reativação do álcool-etanol na região; haveria, também, custos logísticos muito altos, devido à necessidade da implantação de um terminal portuário e à distância em relação aos grandes centros consumidores (Concremat 2007: cap. 2, pág.24-27). 22 COMPERJ – Alternativas Locacionais Avaliadas Fonte: EIA 2007 – Concremat/Petrobras. Giuliani chama a atenção para o fato de que, embora, do ponto de vista empresarial, as razões da escolha de Itaboraí sejam as mais "racionais" - a localização naquela área colocará o COMPERJ em posição logística muito favorável: disponibilidade de terrenos baratos, proximidade dos maiores centros urbanos, de terminais portuários, de aeroportos, de refinarias e pólos gás-químicos, disponibilidade de uma vasta malha rodoviária e, sobretudo, imediato acesso ao futuro anel rodoviário Itaguaí-Niteroi – do ponto de vista da política ambiental do Estado do Rio de Janeiro, “esta localização foi considerada absolutamente imprópria, seja pelo Conselho Gestor da Apa de Guapimirím, seja pelo Conselho Gestor do Mosaico das Unidades de Conservação da Mata Atlântica Central Fluminense” (2008b: 11). Segundo o seu Plano de Manejo (MMA 2001 apud Giuliani 2008), a APA de Guapimirim (que teve a Estação Ecológica da Guanabara instituída em seu interior em 2006) protege os derradeiros manguezais do recôncavo da baía, assegura a manutenção das condições naturais de trechos da baía de Guanabara e a sobrevivência de uma população humana (sobretudo pescadores e caranguejeiros) que mantém características tradicionais no convívio com o ambiente. 23 A localização do Comperj no município de Itaboraí também foi questionada em manifestação técnica elaborada por grupo de trabalho composto por técnicos dos órgãos ambientais federais - IBAMA e ICMBio (2008 apud Moysés 2010: 54)-, pelos seguintes motivos: - pelos quesitos proximidade com a matéria prima e dinamização da economia, utilizados no EIA para favorecer a escolha de Itaboraí, de acordo com a manifestação dos técnicos federais, deveriam favorecer a alternativa Campos-Travessão, devido à proximidade com a Bacia de Campos e pela região Norte Fluminense ser mais pobre do que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro; - o EIA se refere a “restrições geotécnicas” das alternativas Itaguaí e Campos dos Goytacazes que não são especificadas; - um dos motivos para o descarte da alternativa Campos dos Goytacazes é a proximidade com os cultivos de cana-de-açúcar, revelando a priorização da manutenção destes cultivos sobre a necessidade de conservação da vegetação de preservação permanente da APA de Guapimirim; - metodologia empregada no EIA para definir o ponto central do Comperj, a partir do qual são definidas a Área Diretamente Afetada (ADA) e a Área de Influência Direta (AID) está equivocada, dada a magnitude do empreendimento (4.529,8 ha). O Estado do Rio de Janeiro é tratado no EIA do COMPERJ como Área de Influência Estratégica (AIE). “O caráter estratégico do COMPERJ para o Estado do Rio de Janeiro, deriva justamente da necessidade de maximizar a internalização dos efeitos positivos diretos, indiretos e induzidos do COMPERJ sobre a produção, a renda e o emprego no Estado.”(EIA 4.1-2) Foi definida como Área de Abrangência Regional (AAR) a região do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense – CONLESTE, que inclui municípios do leste Metropolitano e municípios não metropolitanos como Cachoeiras de Macacu, pertencente à Região Serrana, além de Casimiro de Abreu e Silva Jardim, da região das Baixadas Litorâneas, contemplada com corte socioeconômico específico no diagnóstico do “meio antrópico” do EIA, pela proximidade ao empreendimento e pela existência de “organização intermunicipal considerada como possível suporte às ações coordenadas de aproveitamento das oportunidades e prevenção dos efeitos indesejáveis do COMPERJ”. Foi realizado levantamento direto da situação e das perspectivas nas Prefeituras de 11 municípios (que à época compunham o Conleste): Magé, Guapimirim, Cachoeiras de Macacu, Silva Jardim, Casimiro de Abreu, Itaboraí, Tanguá, Rio Bonito, São Gonçalo, Niterói e Maricá. 24 Área de Abrangência Regional (AAR) - CONLESTE Fonte: EIA 2007. Petrobras/Concremat Engenharia. De acordo com o site Fórum Comperj, os municípios que compõem a área de influência do Comperj criaram o CONLESTE “com o objetivo de definir estratégia e atuação conjuntas diante dos possíveis impactos sociais decorrentes da implantação do megaprojeto de investimento do Complexo”14. O olhar crítico de Yana Moysés aponta que, com a criação do consórcio, os próprios municípios assumiram responsabilidades por impactos, como a pressão sobre as áreas urbanas e urbanizáveis, e ainda estão sendo cobrados pelos gestores envolvidos na implantação do Comperj (2010: 64). Os 17 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro são considerados como Área de Influência Indireta (AII) neste EIA, enquanto que a Área de Influência Direta (AID) foi definida a partir de simulações da “dispersão atmosférica dos poluentes primários regulados”, contemplando os municípios cortados pelo raio de 20 km do centro de gravidade do sítio do COMPERJ (São Gonçalo, Tanguá, Rio Bonito, Itaboraí e Magé). O EIA define, ainda, como Área Diretamente Afetada (ADA), um raio de cerca de 10 km do centro de gravidade do COMPERJ, que compreende uma parte da região formada pelos municípios de Itaboraí, Guapimirim, Cachoeiras de Macacu e Tanguá. Foi ainda definida como Área de Influência Indireta para o meio biofísico a região hidrográfica da Baía de Guanabara. 14 http://www.forumcomperj.com.br/conteudo.asp?idPublicacao=5&j=5 25 Área de Influência Indireta (AII) – Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara O Capítulo 4.4 do EIA, “Meio Antrópico”, traz estudos socioeconômicos com diferentes tipos de dados para as áreas de diferentes abrangências, especificadas acima. Para o estado do Rio (AIE), são apresentados dados demográficos (densidade, situação de domicílio, taxa de crescimento populacional, etc.), econômicos (PIB, PEA/PO, massa salarial por setor econômico) e de infraestrutura (transporte e energia). A RMRJ (AII) é analisada segundo dados demográficos, econômicos, de “qualidade de vida” (IDH), habitação, saneamento, educação, infraestrutura. Os 11 municípios do Conleste – à época -(AAR) recebem tratamento especial no estudo, com dados mais detalhados por município, informações históricas, sobre o sistema de saúde, o patrimônio arqueológico, as organizações sociais. 3.2 – O RIMA e a questão dos recursos hídricos O relatório apresenta de forma sucinta o empreendimento e seus objetivos - o Comperj é apresentado como a "renovação econômica e ambiental para o Estado do Rio", e são destacadas as ações do empreendedor, algumas delas em parceria com os governos locais e estadual, tais como geração de empregos e capacitação, apoio ao CONLESTE (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento da Região Norte Fluminense), o projeto "Corredor Ecológico" e o "Programa de remanejamento e monitoramento da população deslocada pela desapropriação". 26 O RIMA apresenta, como principais impactos socioeconômicos do empreendimento (pp.100-103), mudanças no uso e ocupação do solo; pressão demográfica; aumento dos índices de comportamento anti-social; aumento da ocupação irregular de áreas urbanas/acentuação de carências sociais; aumento do tráfego local e regional; dinamização temporária das atividades de comércio e serviços em Itaboraí; aumento da arrecadação tributária; aumento dos níveis de emprego e renda na Área de Influência Direta, Conleste, Região Metropolitana do Rio de Janeiro e Estado do Rio de Janeiro. Yana Moysés (2010: 62) sintetiza as críticas do grupo de trabalho integrado por técnicos dos órgãos ambientais federais e estaduais às alternativas de captação de água apresentadas pelo RIMA: - o rio Paraíba do Sul demandaria bombeamento extraordinário para transpor a Serra dos Órgãos; - o Guandu se encontra saturado por abastecer a RMRJ; - a construção de barragem no rio Guapiaçu afetaria sensivelmente as unidades de conservação a jusante. Em 5 de maio de 2011, o jornal O Globo noticiava a construção de barragem no rio Guapiaçu para abastecimento do Comperj, revelando a opção pelo impacto sobre as áreas protegidas15, diante das demais alternativas expostas até então. O surgimento de uma alternativa melhor foi anunciada pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante audiência pública realizada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), no dia 30 de maio subsequente, pela “Comissão Especial para Discutir e Construir a Interlocução com os Municípios que Sofrem a Influência do Comperj junto à Petrobras”. A exposição de Minc teve início com a explicação de que a água para abastecer o Comperj não pressionará rios e lagos da região, pois será utilizada água de esgoto tratada.16 Eloise Botelho, em Dissertação de Mestrado sobre conflitos na gestão do Parque Estadual da Serra dos Três Picos, afirma que, “ao reverter a análise dos impactos negativos em positivos, o RIMA desconsidera o problema crônico da questão hídrica regional e passa a responsabilidade de gestão dos recursos hídricos, que é estatal, ao COMPERJ. Além disso, não é possível garantir que a empresa responsável pelo empreendimento irá de fato atender às carências regionais de abastecimento e saneamento. (...) Ainda de acordo com o RIMA (2007), o consumo de água pelo empreendimento não disputará com as necessidades regionais para o uso público e agropecuário, pois o COMPERJ oferecerá os excedentes para os municípios que já sofrem com a deficiência de abastecimento hídrico na região” (2009:113). 15 16 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=440 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=1368 27 Como compensação pelos diversos impactos previstos, o RIMA apresenta a efetivação do Corredor Ecológico Sambê – Santa Fé, que conecta a APA de Guapimirim ao Parque Estadual da Serra dos Três Picos. O empreendedor se responsabiliza por plantar 4 milhões de mudas nativas ao longo dos rios Caceribu e Macacu, para recompor a mata ciliar e a vegetação de transição de manguezal para a floresta atlântica (Concremat, 2007). 3.3 - Audiências Públicas: quando os questionamentos viram “perguntas” As audiências públicas promovidas pelo empreendedor (Petrobras e a consultora Concremat Engenharia) ocorreram em 2008, após a divulgação do RIMA, contando sempre com a presença de representantes do órgão licenciador (FEEMA) e autoridades municipais. Estas audiências têm início com a execução do hino nacional e a apresentação de vídeos institucionais apresentando o empreendimento, que enfatizam a perspectiva do desenvolvimento e da geração de empregos. Ocorre sempre uma exposição do representante da FEEMA com relação às exigências do licenciamento ambiental e ao seu atendimento pelo empreendedor, sob a forma de programas e compensações. A “mesa”, então, seleciona “perguntas” do público para serem respondidas e administra o tempo da fala dos integrantes do público que reivindicam a palavra. De uma maneira geral, questionamentos sobre as conseqüências socioambientais negativas do empreendimento são respondidas pelos representantes do COMPERJ com afirmações de que “os riscos ambientais e sociais previstos estão de acordo com padrões nacionais e internacionais de geração de efeitos adversos sobre o meio natural”, sendo estes passíveis de controle e compensação17. A efetividade da criação do Corredor Ecológico Sambê – Santa Fé, conectando a APA de Guapimirim ao Parque Estadual da Serra dos Três Picos com o plantio de 4 milhões de mudas nativas ao longo dos rios Caceribu e Macacu, para recompor a mata ciliar e a vegetação de transição de manguezal para a floresta atlântica (RIMA COMPERJ, 2007), foi questionada na audiência por representantes de ONG ambientalista de Teresópolis e por professor do Instituto de Geociências da UFRJ e integrante de ong ambientalista que atua na Baía de Guanabara (apud Moyses 2010: 63), ressaltando o impacto do Comperj sobre unidades de conservação. 3.4 – A LP e suas condicionantes A Licença Prévia n° FE013990 18, que aprova a localização e a concepção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) foi concedida pela Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) e pela Fundação Estadual de Engenharia do 17 Veja transcrição de Audiência Pública realizada no município de São Gonçalo (RJ) em 2008 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2233 18 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2048 28 Meio Ambiente (FEEMA) em 26 de março de 2008 e sua validade terminou em 26 de março de 2010. Entre as “Condições de Validade” estabelecidas pelo órgão licenciador, destacamos: 6.15 – Projeto de instalação de um Centro de Controle Operacional (CCO), que inclua, no mínimo, um programa de atendimento a acidentes e defeitos mecânicos e/ou elétricos, destacando os equipamentos para o pronto atendimento; 6.16 – Plano Logístico de Transporte, contemplando o transporte de material e pessoal e medidas para a minimização dos impactos a serem gerados no tráfego; 6.20 – Projeções populacionais e análises de um cenário ano a ano constante nas complementações do EIA, para mitigação dos impactos decorrentes do crescimento populacional da Área Diretamente Afetada (ADA); 7.7 – Projeto de rede de monitoramento automático da qualidade do ar e meteorologia para a região, incluindo a medição contínua do perfil térmico vertical; 7.8 – Proposta de plano de gestão da qualidade do ar na região de influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro; 7.9 – Programa de conservação e proteção das águas subterrâneas, contemplando o uso sustentável, medidas de controle de poluição e manutenção de seu equilíbrio físico-químico e biológico; (…) 30.1 – Fica obrigada a empresa Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A. a implantar a restauração e a manutenção das faixas marginais de proteção das sub-bacias hidrográficas do Caceribu e Macacu, a montante do empreendimento e até suas nascentes, de acordo com Termo de Referência a ser apresentando pelo órgão licenciador e pelo IBAMA/Instituto Chico Mendes; 30.2 – Uma vez tomadas as medidas administrativas aplicáveis pelo Estado ou União implicando restrições para o uso da área de transição entre o empreendimento e a APA Guapimirim, delimitada pelos rios Caceribu e Macacu, caberá à empresa Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A. a incorporação deste terreno, seguida da restauração e manutenção integral de suas características naturais, de modo a evitar processos de ocupação desordenada e assegurar a manutenção dos processos hidrológicos. A incorporação da área, bem como a restauração, deve ser concluída antes da emissão da Licença de Operação do empreendimento; ” Mais de um ano após a publicação da LP, em julho de 2009, conforme previsto na condição de validade 30.1 da licença (acima), foi emitido um Termo de Referência (TR)19, elaborado por grupo de trabalho constituído por 6 integrantes do órgão 19 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2237 29 licenciador estadual – neste momento, o INEA (Instituto Estadual do Ambiente) -; 2 representantes do ICMBio/Esec Baía de Guanabara e um representante do ICMBio/APA Guapimirim; e 3 representantes do IBAMA. O TR determina a elaboração de um diagnóstico com 3 componentes: em escala de paisagem, diagnostico de campo e fundiário. Preconiza a adoção de medidas para: “fomento à adequação das propriedades rurais” ao projeto de recuperação das matas ciliares; preparação, plantio, monitoramento e manutenção das árvores plantadas e estabelece prazos para a sua realização. A 15 de dezembro de 2009, o TR foi apresentado a representantes de diferentes unidades de conservação, em reunião ordinária do Mosaico de Unidades de Conservação da Mata Atlântica Central Fluminense20 pelo representante da Estação Ecológica Baía de Guanabara ICMBio/Esec Baía de Guanabara que integrou o grupo de trabalho responsável por sua elaboração. Quando foi mencionado que a área do polígono prioritário para reflorestamento entre os rios Caceribu e Macacu havia sido decretada pelo governo do Estado como “área de interesse público com possibilidade de desapropriações”, o representante da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) El Nagual questionou a ausência de participação dos proprietários rurais no processo decisório. O expositor respondeu que a “preservação de APPs e Reservas Legais é lei, mas que será sempre buscada a inclusão e participação de todos.” Também em antendimento às condições de validade estabelecidas pela LP (condição 6.16), foi elaborado pela Petrobras/Comperj o Plano Logístico de Transporte da Estrada de Acesso ao Comperj21. Foi emitida uma notificação pela FEEMA (órgão licenciador), solicitando “a não utilização de material proveniente das obras de terraplanagem do Comperj para a implantação da estrada”. A estrada principal de acesso ao Comperj estará localizada no distrito de Itambí, município de Itaboraí. Este empreendimento se resume na construção de uma via de ligação entre o Complexo Petroquímico e a BR-493, incluindo execução de serviços de terraplenagem, pavimentação, construção de sistemas de drenagem, recuperação ambiental de faixas marginais e obras de arte corrente, tais como ponte sobre cursos d’água e viaduto sobre linha férrea 20 http://www.jornaldomeioambiente.com.br/Unidades-de-Conservacao/ata-da-reuniao-ordinaria-domosaico-de-unidades-de-conservacao-da-mata-atlantica-central-fluminense.html 21 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=156 30 O plano propõe “medidas mitigadoras” para os impactos da construção da estrada: 1. Deslocar os picos de tráfego ocasionados pelo transporte de materiais de forma a não confrontarem com as datas de maior movimentação das estradas; 2. Replanejar os trabalhos de transporte de materiais de forma a “diluir” os volumes transportados em prazos maiores ao longo do período de obra, reduzindo a intensidade do tráfego, observando que para tal, é necessário que esta solução esteja dentro dos limites técnicos viáveis para a construção da rodovia sem afetar o cronograma da construção; 3. Estocagem no próprio canteiro de materiais como areia e argila, deslocando as atividades decorrentes dos serviços de transporte para fases mais preliminares de construção e assim reduzir o tráfego nas datas subseqüentes. 31 3.5 – Projeto Básico Ambiental (PBA) do COMPERJ e a pressão para inclusão de medidas de apoio à pesca artesanal O processo do licenciamento ambiental prevê a elaboração do Projeto Básico Ambiental de atendimento às condicionantes estabelecidas pela LP. Os Programas Socioambientais associados ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), empreendimento da Petrobras, elaborados pela empresa de consultoria Concremat Engenharia (2008)22, podem ser agrupados em quatro grandes blocos. São eles: a) programas voltados para o atendimento de conformidades para as autorizações necessárias para que se dê início à construção do empreendimento; b) programas visando o controle e a minimização de impactos decorrentes de ações da construção do empreendimento; c) programas de monitoramento das condições ambientais que possam vir a ser alteradas pelo empreendimento; e d) programas voltados para a inserção regional socialmente responsável do empreendimento. Estes programas se encontram organizados no diagrama abaixo: 22 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2056 32 Após a apresentação do PBA pelo empreendedor, o IEF (Fundação Instituto Estadual de Florestas, extinto com a criação do INEA) analisou as medidas propostas e recomendou o acréscimo de algumas obrigações e condicionantes ao PBA. Trata-se dos planos escritos em fonte roxa no diagrama acima, marcados com a nota “programas a serem implantados em fases posteriores do licenciamento ambiental do Comperj”. Foram acrescentados, sob recomendação do IEF: E ainda: - Programa de Monitoramento da Mastofauna marinha - Programa de Monitoramento Ambiental do Ecossistema Marinho da Baía de Guanabara 3.6 – Licença(s) de Instalação (LI) do COMPERJ Ao contrário da Licença Prévia (LP), que se referia a todas as intervenções do Comperj dentro do sítio principal em Itaboraí (RJ), as Licenças de Instalação se referem a frações das obras realizadas no local. Todas se apóiam no EIA/RIMA e no PBA elaborados pela Concremat Engenharia e analisados anteriormente. A LI n° FE014032 23, concedida pela FEEMA e pela CECA em 28 de março de 2008, esteve válida até 28 de março de 2011. Autoriza a implantação da infraestrutura de urbanização do Comperj, que contempla as obras de terraplenagem, drenagem, anel viário, subestação da linha de transmissão de 138 kV, canteiro de obras referente a 23 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2051 33 esta etapa, prédio de fiscalização, Centro Integrado de Segurança e Centro de Informação. Entre as “Condições de Validade Específicas”, destacamos: 34 – Apresentar à FEEMA relatórios semestrais com os resultados preliminares do programa de monitoramento dos maguezais, devendo incluir no monitoramento dos sedimentos os parâmetros coprostanol e colesterol; 40 – Monitorar semanalmente os rios Caceribu e Macacu, a montante e a jusante do empreendimento; 41 – Monitorar o nível de água e a qualidade das águas subterrâneas durante todo o período das obras – mínimo de 18 meses – , incluindo os seguintes parâmetros: níquel, vanádio, boro, cobalto, estanho, lítio e fosfatos; 44 – Complementar o programa de monitoramento epidemiológico, incluindo: correlação dos impactos gerados pelo empreendimento com os possíveis incrementos e/ou decréscimo de doenças pré-existentes e as novas advindas da implantação e operação do COMPERJ; 46 – Apresentar novo plano de monitoramento da evolução demográfica e das demandas de serviços públicos na região do COMPERJ, que contemple os seguintes aspectos, considerando a natalidade, mortalidade por causas, nupcialidade e a mobilidade espacial da população; 55 – Não realizar queima de qualquer material ao ar livre;” Durante a vigência da LI, o empreendedor deve cumprir com as medidas condicionantes determinadas com o objetivo de prevenir ou remediar impactos sociais e ambientais que possam ocorrer durante a fase de construção da obra. O órgão ambiental realizará o monitoramento das condicionantes determinadas na concessão da licença. Esta licença, vencida, consta atualmente no site do INEA como concedida para a “infraestrutura de urbanização do COMPERJ”, contemplando terraplenagem, drenagem, anel viário, subestação da linha de transmissão de 138kv, canteiro de obras referente a esta etapa, prédio de fiscalização, centro integrado de segurança e centro de informação, e classificada como situação “em renovação”. Nesta mesma situação encontra-se outra licença expedida pela FEEMA ao Comperj em 2008, para a linha de transmissão de 138 kv, entre Magé e Porto das Caixas. 3.7 – A atuação do Ministério Público (MP) Frequentemente, nos casos em que ocorre a participação da sociedade civil organizada nas discussões sobre a implantação de projetos industriais, intensificam-se as ações do Ministério Público nos procedimentos do licenciamento ambiental. 34 A mobilização da sociedade junto ao Ministério Público, nos últimos anos, se tornou um dos principais meios de pressão social em procedimentos de licenciamento ambiental. Este tem sido o único órgão representativo dos interesses da sociedade capaz de paralisar o licenciamento e as obras. No caso do Comperj, o Ministério Público Federal (MPF) passou a acompanhar o processo de licenciamento ambiental logo em seu princípio, a partir de 2006, através de inquérito civil. De acordo com Yana Moysés (2010: 66-68), a Ação Civil Pública n° 1.30.003.000055/2006-7 aponta uma série de irregularidades: - Evidente alinhamento entre órgão estadual licenciador e a Petrobras, pois havia recomendação do MPF de que o EIA/RIMA fosse analisado com integração dos órgãos federais, mas os técnicos federais foram minoria no grupo de trabalho que efetuou esta análise, não podendo fazer valer suas apreciações; - A distância de três dias entre a autorização do IBAMA para que a FEEMA prosseguisse com o licenciamento, a emissão da LP pela FEEMA, a apresentação dos documentos exigidos pela Petrobras e a concessão da LI: “Não se pretende aqui afirmar que seria impossível à Petrobras vislumbrar – em razão da experiência por ela acumulada – projetos e documentos que poderiam eventualmente exigidos para concessão LI em comento. Causa estranheza, no entanto, que ela tenha entregue, exatamente todos os projetos e documentos elencados como condição de Licença de Instalação (...) antes mesmo de o próprio parecer técnico que lastreou a concessão da Licença Prévia. É dizer: ainda não havia a FEEMA se manifestado (ou havia?), mas já tinha a PETROBRAS conhecimento das mesmas.” (p.47 apud Moysés 2010: 67). - Não inclusão do sistema de adução de água, caracterizando partição do licenciamento do empreendimento, uma vez que a implantação de um depende do outro, aplicando-se o mesmo questionamento a outras frações do empreendimento. “O licenciamento de parte (principal) do Complexo petroquímico, anterior e isoladamente, além de ocultar a lesividade do conjunto, e obstar a intervenção e análise do órgão protetor das unidades de conservação federais em todo o processo terá, inevitavelmente, o efeito nefasto de induzir a concessão de licença para as demais obras (...) uma vez implantadas as principais instalações do COMPERJ, e não sendo estas suficientes à operação do empreendimento concebido pela Petrobras, tornar-se-á absolutamente necessária a aprovação das obras complementares. Estará o órgão licenciador, assim, refém das circunstâncias então criadas” (idem) 35 Diante do conjunto de questionamentos apresentados pelo MP e pela sociedade, a Petrobras financiou a realização de um estudo denominado Avaliação Ambiental Estratégica, que leva em conta a integração entre a totalidade do COMPERJ e outros dois empreendimentos da Petrobras na região. 3.8 – Avaliação Ambiental Estratégica (AAE): sinergias do Comperj e outros empreendimentos da Petrobras na Baía de Guanabara Elaborada pelo Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente do Programa de Planejamento Energético (PPE/LIMA) da COPPE, UFRJ, com financiamento da Petrobras, a AAE do Programa de Investimentos da Petrobras abrange 23 municípios: os dezenove que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro ― Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João do Meriti, Mesquita, Nilópolis, Japeri, Queimados, Seropédica, Paracambi, Magé, Guapimirim, São Gonçalo, Maricá, Tanguá, Itaguaí e Itaboraí ―, mais os quatro municípios ― Rio Bonito, Cachoeira de Macacu, Casimiro de Abreu e Silva Jardim ― que estão fora da RMRJ, mas que fazem parte do conjunto de 11 municípios que originalmente constituíram o CONLESTE (considerado como Área de Abrangência Regional – AAR – no EIA do Comperj. Todos esses municípios estão, de alguma forma, relacionados às áreas diretamente afetadas envolvendo os empreendimentos PLANGAS24, GNL e COMPERJ, a serem implantados na área de abrangência da Baía de Guanabara, podendo sofrer influências diversas em função da sua implantação. 24 O Plano Antecipado da Produção de Gás (PLANGAS) promoverá o escoamento do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) produzido no Terminal de Cabiúnas (TECAB) e na Refinaria Duque de Caxias (REDUC), pertencentes à Petrobras. É um plano de antecipação da produção de gás, desenvolvido pela PETROBRAS em parceria com o Governo Federal, criado pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, devido à situação atual instável em que se encontra o setor de gás nacional, com o objetivo de diminuir os riscos associados ao fornecimento de gás da Bolívia. 36 Fonte: AAE PROGRAMA DE LIMA/PPE/COPPE/UFRJ - 2009. INVESTIMENTOS DA PETROBRAS – A AAE é apresentada como uma iniciativa da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), “motivada pelos empreendimentos programados para o Estado do Rio de Janeiro”, e tem por finalidade “subsidiar a definição de alternativas sustentáveis de desenvolvimento, compatíveis com a legislação ambiental e com as expectativas dos diferentes agentes envolvidos” (p.1). O estudo apresenta um marco referencial, um quadro de referência estratégico (contexto social, legal e institucional), um diagnóstico estratégico (caracterização da região para constituir uma Linha de Base), e uma avaliação ambiental dos cenários, que “apresenta a identificação e avaliação qualitativa das ameaças (impactos estratégicos negativos), das oportunidades (impactos estratégicos positivos), dos riscos ambientais, da cumulatividade e da sinergia relacionadas aos processos estratégicos” na grande região “impactada” pelos três conjuntos de empreendimentos, levando em conta três possíveis cenários futuros. “Incorpora, ainda, as diretrizes para subsidiar a tomada de decisão, com base nos impactos identificados”. De uma maneira geral, a análise aponta as “fragilidades” e “potenciais” da região, propondo algumas medidas por parte do empreendedor - a maior parte delas já constantes nas condicionantes do licenciamento e nos programas propostos para atendê-las em estudos e documentos anteriores – e apregoando a necessidade de efetividade das políticas públicas já existentes e mais medidas por parte do poder público. Ou seja, a análise procura delimitar o escopo das medidas de mitigação e 37 compensação de responsabilidade da empresa, atribuindo a responsabilidade de lidar com os demais “impactos” ao poder público, fazendo-lhe, inclusive, uma série de recomendações, como transparece nos trechos destacados. Por exemplo, com relação à deficiência de mão de obra capacitada no local, o estudo atribui ao empreendedor a responsabilidade pela contratação e capacitação. No entanto, quando se trata da pressão sobre os serviços básicos na região, a responsabilidade é atribuída ao poder público, com expressas recomendações de “redimensionar e adequar a rede hospitalar pública para fazer face ao fluxo de população” e demandas por “políticas e recursos adicionais das autoridades governamentais do setor”. Assim, um programa de capacitação de micro e pequenas empresas, promovido pela Petrobras, teria como objetivo internalizar regionalmente os benefícios dos empreendimentos e dinamizar as economias municipais. Contudo, mesmo considerando os investimentos previstos no PAC para ampliação da oferta de serviços básicos, reduzindo dessa forma a pressão sobre a infraestrutura, a AAE aponta como “fundamental a ampliação da cobertura desses serviços de modo a garantir a qualidade ambiental dos municípios integrantes da área estratégica”. “Verifica-se que, nos três municípios apontados como em situação crítica – Itaboraí, Japeri e Maricá – os investimentos previstos referem-se, basicamente, ao abastecimento de água, não sendo contemplados projetos do componente esgotamento sanitário e de resíduos sólidos urbanos, constituindo-se em fragilidades ambientais e sociais nos referidos municípios, podendo representar importantes fatores de degradação da qualidade de vida das populações residentes. Haverá necessidade de redimensionar e adequar a rede hospitalar pública para fazer face ao fluxo de população, implicando no aumento da demanda e da pressão sobre os serviços de saúde, em especial entre os municípios considerados críticos quanto à cobertura dos Programas, demandando políticas e recursos adicionais das autoridades governamentais do setor. É o caso dos municípios de Maricá, com crescimento populacional estimado de 60% e cobertura de 28,5% da população; de Guapimirim, onde se projeta um crescimento de 39,5% e apenas 29% da população é atendida. Inclui-se, ainda, em função de não se registrar a existência desses Programas, o município de Japeri, onde se projeta um crescimento populacional de, aproximadamente, 23% no período. Em uma posição ainda insatisfatória situam-se os municípios de Magé e Belford Roxo, onde se estima um crescimento, entre de 30% e 21%, registrando-se atendimento de 41% e 31% da população, respectivamente. Pelos mesmos motivos, em função do alto dinamismo populacional, pode-se prever um agravamento dessa situação nos municípios de Itaboraí, Nova Iguaçu, Magé e Casimiro de Abreu, onde se registram taxas de internações que variam entre 43 a 25 por mil”. Da mesma maneira, são feitas recomendações de políticas públicas para fazer face à pressão demográfica e ao déficit habitacional: “O comportamento demográfico esperado com a implantação dos empreendimentos demandará o 38 equacionamento do problema habitacional, mediante o aumento do estoque de domicílios existentes como na melhoria das moradias precárias, mesmo considerando os investimentos do PAC em habitação. Assim, deve ser revista e ampliada a política habitacional em curso voltada para a população de baixa renda, priorizando os municípios em situação mais crítica”. 3.9 – Licenciamento do Sistema de Dutos e Terminais do Comperj Dando continuidade à estratégia de fracionar o licenciamento ambiental, o sistema de dutos e terminais foi objeto de novo licenciamento, com elaboração de novos estudos e concessão de novas licenças. O Estudo de Impacto Ambiental25 (EIA) referente ao Sistema de Dutos e Terminais que efetuarão o transporte e armazenamento de produtos líquidos entre o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ, oTerminal de Campos Elíseos (TECAM) e o Terminal Aquaviário da Ilha Comprida (TAIC), situado na Baía de Guanabara, além do gasoduto que interligará o sistema de gasodutos Cabiúnas – REDUC (GASDUC) ao COMPERJ foi elaborado pela BOURSCHEID foi elaborado pela empresa de consutoria Bourscheid Engenharia e Meio Ambiente S.A. (2009), no âmbito do processo de licenciamento ambiental FEEMA DZ041.R13 (CECA/CN nº 3.663, de 28/08/97), segundo determinações da Instrução Técnica DECON ] 13/2008. Os dutos poderão ser implantados em dois traçados diferentes, denominados no estudo de Diretrizes Norte e Sul. O empreendimento, considerando-se as duas Diretrizes básicas (Norte e Sul), atravessa os territórios de sete municípios: São Gonçalo, Itaboraí, Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Magé, Duque de Caxias e Rio de Janeiro (Baía de Guanabara e área insular – Ilha Comprida). Optou-se, no EIA, pela divisão do mesmo em cinco segmentos distintos: 1º) Tancagem de petróleo no Terminal de Campos Elíseos (TECAM); 2º) Terminal Aquaviário da Ilha Comprida (TAIC); 3º) Dutos submarinos, que ligarão o TAIC aos dutos terrestres; 4º) Dutos terrestres, que ligarão os dutos submarinos até os terminais terrestres; 5º) Terminal de São Gonçalo e Base de Bombeamento junto ao COMPERJ, correspondente à base de bombeamento de petroquímicos a ser implantada. Para cada um destes segmentos, foi definida uma área de influência. 25 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2001 39 Fonte: EIA - Bourscheid 2009 Foram definidos, como Área de Influência Indireta (AII) dos dutos terrestres, um conjunto de 6 municípios: São Gonçalo, Itaboraí, Cachoeiras do Macacu, Guapimirim, Magé e Duque de Caxias, por onde os mesmos irão passar. Como AII das tancagens no TECAM, determinou-se apenas o município de Duque de Caxias. Quanto aos Terminais, as AIIs são específicas para cada uma: para o Terminal de São Gonçalo a AII é o município de São Gonçalo; para a base de bombeamento no COMPERJ, a AII consiste do município de Itaboraí e, para a base de bombeamento do TECAM, a AII é o município de Duque de Caxias. 40 O sétimo capítulo do terceiro volume apresenta a avaliação dos impactos do empreendimento. Destacamos: VIII. Supressão da vegetação de manguezal XV. Alteração da qualidade da água continental XVII. Impacto sobre a qualidade das águas subterrâneas XXI. Aceleração do processo de erosão dos solos XXII. Desvalorização do recurso solo para atividades agrárias XXIII. Emissão de poluentes atmosféricos XXIV. Emissão de ruído XXXI. Interferências na infra-estrutura urbana e qualidade de vida da população XXXIII. Desapropriações e deslocamento de populações XXXIV. Impacto das atividades de construção sobre a atividade de pesca e coleta artesanal XXXVII. Interferências na navegação em algumas áreas da Baía de Guanabara O RIMA apresenta o sistema de dutos e terminais como a ligação do Comperj com os mercados interno e externo, e justifica a sua implementação pela necessidade de refinar o petróleo da Bacia de Campos. Apresenta 3 mapas das alternativas locacionais do sistema de dutos. Apresenta, ainda, uma síntese de dados socioeconômicos sobre a região, identifica a presença de um território quilombola em Magé e de três corredores ecológicos. As audiências públicas deste processo de licenciamento estão em curso, já tendo sido realizadas em Guapimirim, Magé e Cachoeiras de Macacu. 3.10 – Licenciamento da Estrada Principal de Acesso ao Comperj Para orientar elaboração do EIA/RIMA da estrada principal, a FEEMA emitiu uma instrução técnica (n° 5/2008), na qual destacamos o que o órgão determina que seja levado em consideração na análise dos impactos: a) Alterações na qualidade das águas superficiais e subterrâneas que drenam para as bacias hidrográficas das áreas cortadas pela rodovia, e alterações no escoamento natural do terreno, com a possível criação de áreas sujeitas a inundações e o assoreamento de rios e canais; 41 b) Alteração na qualidade do ar nas bacias aéreas da área de influência direta e indireta da Rodovia, destacando as alterações nos níveis atuais de emissões de gases de efeito estufa; c) Níveis de ruído; d) Alteração da paisagem; e) Alteração na flora e fauna; f) Nas Unidades de Conservação; g) Alterações na forma de ocupação e uso do solo (distribuição das atividades, densidade, sistema viário, dentre outros); h) Nas comunidades a serem removidas/reassentadas; i) No tráfego das Rodovias e vias de acessos que serão interligadas a Rodovia projetada; j) Riscos de acidentes provenientes da construção e operação empreendimento, considerando o transporte de resíduos tóxicos e perigosos. do Elaborado pela empresa de consultoria Concremat Engenharia (2008), contratada pela Petrobras, o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresenta uma síntese do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), realizado com o objetivo de licenciar o estabelecimento de interligação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ) com a rede rodoviária existente, através da construção de uma estrada de serviço. A Estrada Principal de Acesso terá uma extensão de 7,8 km com pista dupla, iluminação e urbanização. O projeto prevê a ligação com a BR 493 , drenagem, terraplanagem e pavimentação e recuperação ambiental de suas faixas marginais. A Área de Influência Direta (AID), "potencialmente sujeita aos impactos diretos do empreendimento", foi definida no Decreto n° 97/2007 da Prefeitura Municipal de Itaboraí, para desapropriação. A Área de Influência Indireta (AII) foi constituída por uma faixa com extensão de 2,5 km de cada lado do eixo da estrada mais a AID. A análise divide os impactos das fases de planejamento, construção e operação, entre os quais destacamos "interferências com unidades de conservação", "aumento do tráfego", "transtornos nas comunidades vizinhas" e "alteração da qualidade do ar". As audiências públicas aconteceram ao final de 2010, nos municípios de São Gonçalo e Itaboraí. A Licença de Instalação (LI) desta estrada já foi concedida em março de 2011, é válida até março de 2014 e contempla as obras de implantação da estrada. 42 3.11 – Licenciamento da Via especial para transporte de cargas pesadas do COMPERJ. Para orientar a elaboração do EIA/RIMA, a FEEMA emitiu a Instrução Técnica n° 3/2009. Os estudo e o relatório foram elaborados pela empresa de consultoria Planave (2009)26 com o objetivo de licenciar a construção de "píer e via especial de acesso para o transporte dos grandes equipamentos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ)". As áreas de influência direta (AID) e indireta (AII) da construção desta via, que contempla um trecho terrestre e outro aquático, foram definidas segundo os efeitos sobre os meios “antrópico” e “físico e biótico”. Foram assim definidas “Meio Antrópico” AII: O limite dos municípios de São Gonçalo e Itaboraí e sua projeção sobre a Baía da Guanabara até a altura do Canal de Navegação. AID: O limite da área a ser dragada; a linha costeira a partir do centro da Praia da Beira, na extensão de 1,5km, incluindo a Praia da Luz (ao sul), a Praia da Beira, a Ponta de Itaoca, a Praia de São Gabriel (ao norte), a Ilha de Itaoquinha e as ilhotas próximas; e o corredor de 1.000 metros de largura em torno da via terrestre. “Meios Físico e Biótico” AII: Unidades de Conservação ESEC da Guanabara e APA de Guapimirim, projeção dos municípios de São Gonçalo e Itaboraí sobre a Baía da Guanabara até a altura do Canal de Navegação, o corredor de 500 metros de largura em torno do Canal de Navegação até a área marinha de botafora, o círculo de raio de 3,5 km em torno da área marinha de botafora e o corredor de 10 quilômetros de largura em torno da via terrestre. AID: O círculo de raio de 2 km em torno da área marinha de bota-fora do material a ser dragado, o corredormarítimo de raio de 300metros ao longo do Canal de Navegação e de 1km ao longo da área a ser dragada, além o corredor de 1.000metros de largura em torno da via terrestre. 26 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2180 43 Fonte: EIA – Planave 2009 Entre os impactos analisados, destacamos: - riscos de derramamento de combustíveis e lubrificantes no canteiros de obras; - interferências com o tráfego local; - pressão adicional sobre os serviços públicos de saúde; - indução a processos erosivos; - desapropriação de terras, lotes urbanos e benfeitorias; e - seccionamento de áreas urbanas. 44 3.12 - Dragagem das áreas dos terminais aquaviários de Ilha Comprida e Ilha Redonda Elaborado pela empresa de consultoria Mineral Engenharia (2008), contratada pela Petrobras. O empreendimento refere-se à dragagem das áreas dos Terminais Aquaviários das Ilhas Comprida e Redonda para adequar suas bacias de evolução e canal de acesso para a manobra e atracação de navios. Faz parte desse empreendimento o correto transporte e descarte de sedimento dragado em local apropriado. Embora o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)27 não mencione o COMPERJ, é sabido que os terminais aquaviários das ilhas Comprida e Redonda serão utilizados, também, pelo complexo, embora não somente por ele. No EIA elaborado para licenciar as instalações do sítio principal do COMPERJ, no município de Itaboraí (RJ), figura entre a "infraestrutura externa associada", a ser licenciada à parte, a "base de líquidos em São Gonçalo, dutos entre o COMPERJ e esta base, dutos entre a base e ilhas Comprida e Redonda e instalações nestas Ilhas". De acordo com o relatório, “a construção do Terminal Aquaviário da Ilha Comprida (TAIC) e melhorias no Terminal da Ilha Redonda (TAIR) é um dos projetos integrantes do PLANGAS (Plano Antecipado da Produção de Gás) e promoverá o escoamento do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) produzido no Terminal de Cabiúnas (TECAB) e na Refinaria Duque de Caxias (REDUC), pertencentes à Petrobras” (p.4). O PLANGAS é um plano de antecipação da produção de gás, desenvolvido pela PETROBRAS em parceria com o Governo Federal. Esse plano foi criado pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, devido à situação atual instável em que se encontra o setor de gás nacional, com o objetivo de diminuir os riscos associados ao fornecimento de gás da Bolívia. Trata-se de um esforço nacional para antecipar projetos de produção de gás natural visando o aumento da sua capacidade de escoamento de GLP na região sudeste do Brasil28. Os Terminais Aquaviários das Ilhas Comprida – TAIC e Redonda (TAIR) estão localizados no interior da Baía de Guanabara entre a Ilha do Governador e São Gonçalo. O Canal de acesso possui cerca de 100 m de comprimento por 150m de largura. O Conjunto do canal e bacia TAIC-TAIR possui uma área aproximada de 184mil m2. A Área do Bota-Fora (BF-2) do material dragado está localizada aproximadamente a 8 km da entrada da barra da Baía de Guanabara, entre as ilhas Rasa e do Pai. 27 28 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=2183 http://www.jornaldomeioambiente.com.br/Baia-de-Guanabara/projetos-ambientais-com-saude-eseguranca-no-trabalho.html 45 “Área de Influência Indireta (AII): Para os Meios Físico e Biótico corresponde ao círculo com raio de 5 km ao redor das áreas de dragagem e bota-fora, acrescidas das plumas de sedimentos. Para o Meio Socioeconômico são os municípios atingidos pelo raio de 5 km (Rio de Janeiro, São Gonçalo e Niterói) a partir da área a ser dragada e do bota-fora, além das plumas de dispersão de sedimentos; toda a Baia de Guanabara e demais municípios que possuem entidades vinculadas a atividade pesqueira (Duque de Caxias, Magé, Itaboraí e Guapimirim). Área de Influência Direta (AID): Para os Meios Físico e Biótico são a áreas de dragagem e bota-fora, acrescidas das áreas de círculo de raio de 400m aos seus redores e das plumas de sedimentos. Para o Meio Socioeconômico corresponde a área de dragagem, acrescida de uma zona de segurança de 500m ao seu redor; a rota marítima entre as áreas de dragagem; a área de bota-fora acrescida da área de círculo de raio de 400m ao redor e as plumas de dispersão de sedimentos. Área Diretamente Afetada (ADA): Corresponde à área onde haverá intervenção efetiva do empreendimento, ou seja, é as áreas que serão dragadas e a área de botafora. (p.13)” De acordo com o relatório, "foram identificados 14 impactos que poderão ocorrer durante a dragagem, dos quais três são positivos e estão relacionados ao meio socioeconômico. Dos 11 impactos negativos, todos são reversíveis por ações de controle ambiental e pela adoção das medidas previstas de segurança" (p.39). Entre estes, destacamos: - Interferência sobre a atividade pesqueira e o uso do espaço marítimo. - Interferência sobre o tráfego de embarcações. - Alterações na qualidade das águas. - Geração de ruídos e alteração na qualidade do ar. 46 Fonte: RIMA – Mineral Engenharia 2008 3.13 – Licenciamento da Implantação do Emissário Terrestre e Submarino do COMPERJ O EIA/RIMA29 foi elaborado pela empresa de consultoria CEPEMAR (2010), contratada pela Petrobras. O emissário tem por objetivo transportar o efluente tratado das unidades industriais do COMPERJ, em Itaboraí, até o mar, onde sofrerá ação de diluição e dispersão. Para isto, foram estudadas duas alternativas de lançamento do efluente: Itaipuaçu (alternativa Maricá) e São Gonçalo (alternativa Baía de Guanabara). A atividade 29 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=393 47 consiste em construir uma tubulação (emissário), que ficará enterrada, tanto no trecho terrestre quanto no trecho marinho. Fonte: EIA – Cepemar 2010 A alternativa Maricá propõe que o emissário percorra 40 quilômetros em ambiente terrestre e 2 quilômetros em ambiente marinho, enquanto a alternativa Baía de Guanabara propõe que o emissário tenha 30 quilômetros em ambiente terrestre e 10 quilômetros em ambiente marinho. Ao final da implantação do emissário restará apenas uma faixa de 20 metros de largura em torno da tubulação enterrada. Essa faixa poderá retornar à sua utilização original ou será recomposta com um gramado. A operação do emissário considerada “simples” e não ocorrerá lançamento contínuo do efluente. O sistema proposto é o de batelada, ou seja: o efluente será lançado por um certo período de tempo (2 horas) e em seguida ocorrerá uma acumulação de efluente para lançamento posterior (5 horas de acumulação). A operação por batelada só é possível porque no interior do COMPERJ haverá um tanque de armazenamento, com capacidade para 4 mil metros cúbicos. A função dele é acumular o efluente até sua capacidade, o que leva, no mínimo, cinco horas, quando todas as unidades do COMPERJ estiverem em funcionamento. Para garantir a segurança da operação do emissário, serão colocados medidores de vazão e pressão na saída do tanque e próximo à costa. Apesar do emissário ser projetado para suportar grandes pressões, caso o valor medido se eleve muito, as bombas serão desligadas automaticamente e o fluxo do efluente interrompido para garantia da segurança de todos. (p.15) 48 Para a Área de Influência Direta, ficou estabelecida, em terra, uma faixa de 500 metros para cada lado do traçado do emissário, durante sua construção. Já durante a operação, essa área fica reduzida à faixa de trabalho de 20 metros de largura, onde ocorrerá manutenção. Já em ambiente marinho, foi determinada a Área de Influência Direta por meio do estabelecimento de uma faixa de 500 metros para cada lado da diretriz do emissário a partir da linha de costa. Essa área será necessariamente utilizada pelas embarcações responsáveis pela instalação do emissário. No que diz respeito à Área de Influência Indireta, para os meios físico e biótico em ambiente terrestre, foi estabelecida uma faixa de 2 quilômetros para cada lado do emissário. Para o ambiente marinho, a alternativa Maricá tem como limites a Pedra do Elefante (oeste) e 4 quilômetros a leste da diretriz do emissário, estendendo-se 4 quilômetros dentro do mar. No que diz respeito à alternativa Baía de Guanabara, fica estabelecida toda a Baía como Área de Influência Indireta. Em relação ao meio socioeconômico, considerou-se a alteração do cotidiano das comunidades próximas ao traçado do emissário. Foram avaliados especialmente o trânsito dos trabalhadores e veículos, a presença visível das obras e o estabelecimento da faixa de trabalho, que restringe o acesso dos moradores. Dessa forma, ficou estabelecida uma faixa de 500 metros de cada lado do emissário como Área de Influência Direta para o meio socioeconômico. Em ambiente marinho, foi considerada a atividade pesqueira como principal aspecto. Dessa forma é importante considerar a restrição à navegação em um raio de 500 metros ao redor da balsa de lançamento dos dutos, impedindo tanto a atividade de pesca como a passagem dos pescadores. Portanto, fica estabelecida no mar uma faixa de 500 metros para cada lado do emissário, a partir da linha de costa até o ponto de lançamento do efluente. Para a determinação da Área de Influência Indireta para o meio socioeconômico, atribui-se a abrangência dos municípios cortados por cada alternativa do emissário. Portanto, para a alternativa Baía de Guanabara, são abrangidos os municípios de Itaboraí e São Gonçalo, e, para a alternativa Maricá, os municípios de Itaboraí e Maricá. (p.32) Trecho da análise de impacto: “A interferência no cotidiano, especialmente nas áreas mais populosas é mais signifcativa. Haverá aumento do tráfego local, dos riscos de acidentes e da demanda de infraestrutura viária durante a implantação, situação que se extinguirá após o fim da implantação e se estenderá durante a operação. Para diminuir esse impacto, a entrega de materiais e insumos de obra, o transporte de máquinas e equipamentos de terraplenagem e o transporte de resíduos deverá ser realizado fora do horário de pico do tráfego e distribuído ao longo do dia e do 49 cronograma da obra. Essas medidas deverão ser absorvidas pelo Plano de Transporte de Pessoal já em desenvolvimento pela implementação do COMPERJ. Outras medidas a serem tomadas são: sinalizar os locais de maior fuxo de veículos, exigir certificação dos motoristas e adotar recomendações legais e rotineiras em relação à segurança do trabalho e ao manuseio e transporte de produtos.”(p.44) “Na alternativa Baía de Guanabara, o impacto ocorreria nas comunidades de pescadores da Ilha de Itaóca. O elevado número de embarcações operando no litoral da Praia de Beira e na Praia de São Gabriel terá impacto visual, acarretará riscos à navegação dos pescadores artesanais, e delimitará uma zona de exclusão de captura dos pescadores artesanais.” (p.47) 3.14 – O acompanhamento no legislativo: outras audiências públicas A implantação do Comperj vem sendo objeto de criação de diferentes comissões especiais pelo poder legisltativo. Na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), foi instituída uma “Comissão Especial para Discutir e Construir a Interlocução com os Municípios que Sofrem a Influência do Comperj junto à Petrobras”, que realizou audiência em 30 de maio de 201130. Nesta audiência, houve longa explanação do secretário de estado do meio ambiente Carlos Minc sobre as compensações ambientais negociadas com o empreendedor. A audiência também foi palco de questionamento, por parte de diferentes organizações sociais, dos impactos ambientais sobre a Baía de Guanabara, dos impactos da instalação dos dutos, da falta de participação democrática durante do processo de elaboração da Agenda 21 e de exclusão dos pescadores das discussões durante o licenciamento. Na Câmara de Vereadores de São Gonçalo, foi realizada audiência pública sobre os impactos do Comperj sobre a mobilidade urbana no município31. Surgiram questionamentos por parte de moradores dos bairros de Itaóca e Largo da Idéia a respeito dos impactos sobre seus locais de moradia. Foram criticados, também, os efeitos não só do Comperj, mas de outros empreendimentos da Petrobras, sobre as condições de vida e trabalho dos pescadores da Baía de Guanabara. 4 – Licenciamento(s) Ambiental (is) da Companhia Siderúrgica do Atlântico Segundo o Dossiê de Impactos e Violações da Vale no Mundo32, as instalações da Vale na região da Baía de Sepetiba compreendem a Vale Sul, a estrada de ferro MRS Logística, o terminal de minério da Ilha da Guaíba – MBR e um terminal portuário no porto de Itaguaí. 30 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=1368 31 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=1426 32 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=152 50 A Vale Sul, situada no bairro de Santa Cruz, é uma usina que produz 100 mil toneladas de alumínio por ano. Possui terminal portuário próprio, em operação desde 1982. Em janeiro de 2010, a Vale vendeu os ativos de alumínio da Vale Sul para a Alumínio Nordeste, devido à queda nos preços do alumínio e aumento dos custos logísticos. A estrada de ferro MRS Logística transporta diariamente minério de ferro de Belo Horizonte para o terminal de minério da Guaíba, em Mangaratiba, e para o Porto de Itaguaí. Privatizada em 1996, atualmente, 10,96% desta ferrovia pertence à Vale, sendo que 32,93% pertence à MBR, também controlada indiretamente pela Vale33. No Porto de Itaguaí, a Vale possui um terminal portuário com capacidade de exportação de 25 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano. O terminal de minério da Guaíba, no município de Mangaratiba, foi implantado na década de 70. A Companhia Siderúrgica do Atlântico – ou TK–CSA é, portanto, o mais novo empreendimento da Vale nessa região, em sociedade com o ThyssenKrupp. A Usina Siderúrgica da CSA (Usina) é formada pelas instalações principais e auxiliares, a saber, Usina Termelétrica, Fábrica de Oxigênio, Unidade de Produção de Cimento e Pátio de Preparação de Escórias. O projeto também incluiu a construção de ramal ferroviário, dentro do terreno do empreendimento e a implantação do Terminal Portuário Centro Atlântico, na Baía de Sepetiba, com obras de dragagem marítima. O processo de licenciamento ambiental da TK-CSA se encontra próximo à fase final, pois a licença de instalação para a usina siderúrgica já foi emitida, com validade até setembro de 2012, restando o cumprimento de condicionantes pelo empreendedor, que antecede a emissão da licença de operação, considerada “definitiva”. As diferentes etapas percorridas até agora foram permeadas de questionamentos e denúncias por parte dos grupos de atingidos, de organizações da sociedade civil, de instituições de ensino e pesquisa, do Ministério Público e de comissão especial da Alerj. Como mencionado no vídeo Desenvolvimento a Ferro e Fogo34, produzido pelo Ibase, a TK-CSA já sofreu auto de infração pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), teve as obras interditadas pelo Ministério Público do Trabalho, o que resultou na assinatura pela empresa de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)35, é objeto de diversas 33 Em 2006, a Vale adquiriu 100% das ações da Caemi, que detinha 85% das ações da MBR (Minerações Brasileiras Reunidas) – empresa sediada em Nova Lima (MG). Com essa aquisição, a Vale, que já detinha 5% da MBR, passa a ser detentora de 90% das suas ações. 34 35 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=957 O Termo de Ajustamento de Conduta está previsto na Lei 7347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 51 ações civil públicas36, de um inquérito no Ministério Público Federal (MPF), e já foi multada mais de uma vez por crimes ambientais, antes mesmo de receber a Licença de Operação (LO). O projeto do Complexo Siderúrgico CSA pode ser dividido nas seguintes obras: 1 – Dragagem da Baía de Sepetiba; 2 – Aterro do Terreno em que será construída a Usina; 3 – Terminal Portuário; e 4 – Usina Siderúrgica. O Licenciamento para a obtenção da Licença Prévia para todo o Complexo foi dividido em dois processos, a partir de uma solicitação específica da FEEMA. A FEEMA solicitou que os itens de 1 a 3 fossem avaliados em um único processo de Licenciamento e, conseqüentemente, analisados em um EIA independente do EIA da Usina Siderúrgica. A viabilidade da Usina Siderúrgica da CSA está diretamente relacionada à obtenção da Licença Prévia do Estudo de Impacto Ambiental, que avalia as obras 1, 2 e 3, associadas ao Complexo, e que foi elaborado pela Ecologus Engenharia Consultiva LTDA. O fracionamento é apresentado no EIA como um ônus para a empresa, que “assume o risco do investimento na elaboração dos estudos e definições de projeto, sem garantias prévias da obtenção da Licença Prévia e de Instalação que permitirão a preparação do terreno para a construção da Usina. A FEEMA receberá os estudos na mesma semana, o que permitirá a avaliação dos mesmos em paralelo, por dois grupos independentes que farão a análise integrada dos dois EIA’s. A comunidade também terá a oportunidade de discutir os dois projetos em um mesmo processo de Audiência Pública”. Na etapa de implantação, não são apresentadas as obras de terraplenagem, devido ao fato destas serem objeto de licenciamento ambiental específico em outro Estudo de Impacto Ambiental. O empreendedor prevê a possibilidade de uma ampliação da capacidade de produção da usina na Fase, 2 cujo licenciamento ambiental deverá ser realizado num processo específico por ocasião de sua implantação. Em 2008, foram emitidas duas Licenças de Operação (LO)37: - para o terminal portuário, válida até outubro de 2013, contemplando as seguintes atividades: “OPERAR TERMINAL PORTUÁRIO, CONTEMPLANDO UM PÍER COM DOIS BERÇOS DE ATRACAÇÃO, DOIS GUINDASTES PARA DESEMBARQUE DE 36 Em 1985, foi criada a lei da ação civil pública, que dá direito a que associações privadas, ONGs e Ministério Público entrem com ações na Justiça contra as fontes que causem danos ao meio ambiente. 37 Consulta ao Portal de Licenciamento do INEA em 12 de setembro de 2011. http://200.20.53.7/Ineaportal/LicencasConcedidas.aspx?ID=B487E1E4-10EC-47DA-AD63-3576F472859B 52 CARVÃO, TRÊS GUINDASTES PAR CARREGAMENTO DE PLACAS AÇO E COQUE, BACIA DE EVOLUÇÃO COM CERCA DE 18 METROS DE PROFUNDIDADE, PONTE DE ACESSO, CORREIAS TRANSPORTADORAS DE CARVÃO, DUAS SUBESTAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA E PRÉDIO ADMINISTRATIVO” - para o pátio de estocagem de carvão, válida até novembro de 2013, contemplando as seguintes atividades: “REALIZAR AS ATIVIDADES DE DESCARREGAMENTO, ESTOCAGEM E CARREGAMENTO DE CARVÃO E COQUE, EM ÁREA DE 175.000 M²” Em 2009, foram concedidas duas Licenças de Instalação (LI): - para a linha de transmissão de 138 kv, margeando o canal de São Francisco, em Santa Cruz, válida até janeiro de 2013, e que contempla as seguintes atividades: “PARA A IMPLANTAÇÃO DE 5,9 KM DE LINHA DE TRANSMISSÃO EM 500KV, EM CIRCUITO DUPLO COM 21 TORRES, EM COMPLEMENTAÇÃO A LINHA JÁ EXISTENTE, COM SUPRESSÃO DE UMA ÁREA DE 0,31 HECTARES DE VEGETAÇÃO” - para a usina siderúrgica em Santa Cruz, válida até setembro de 2012, contemplando as seguintes atividades: “PARA REALIZAR AS OBRAS DE IMPLANTAÇÃO DE USINA SIDERÚRGICA INTEGRADA, PARA FABRICAÇÃO DE PLACAS DE AÇO, E DAS UNIDADES AUXILIARES – FÁBRICA DE CIMENTO, USINA TERMELÉTRICA, PLANTA DE BLENDAGEM, PLANTA DE BENEFICIAMENTO DE ESCÓRIA DE ACIARIA E OFICINAS DE APOIO” Em 2010, o INEA concedeu à CSA mais três licenças: - Licença de Operação (LO) para a linha de transmissão de 138 kv, válida até o ano de 2021, contemplando as seguintes atividades: “PARA OPERAR INSERÇÃO COMPLEMENTAR DE LINHA DE TRANSMISSÃO EM 500 KV, COM 5,9 KM DE EXTENSÃO, COM CONEXÃO DA SUBESTAÇÃO SE ZONA OESTE À CENTRAL GERADORA TÉRMICA DO ATLÂNTICO” - Licença de Instalação (LI) para a dragagem, válida até outubro de 2013, contemplando as seguintes atividades: “PARA REALIZAR DRAGAGEM DE MANUTENÇÃO DO CANAL DE ACESSO E BACIA DE EVOLUÇÃO DO TERMINAL PORTUÁRIO, DE APROXIMADAMENTE 780.000,00 M³” - Licença Ambiental Simplificada (LAS), para implantar e operar ponto de abastecimento de veículos e equipamentos com combustíveis líquidos, válida até julho de 2015. Durante o processo de licenciamento, o INEA emitiu 3 (três) autos de infração, como conseqüência das emissões de partículas da TKCSA, como exposto na resposta da própria empresa ao Ibase, em atendimento a perguntas enviadas por email: “Em 27 de agosto de 2010, o INEA emitiu um auto de infração determinando a suspensão parcial das atividades da usina, cessando a produção de ferro-gusa. Então 53 TKCSA apresentou sua defesa, que foi aceita pelo INEA, em 20 setembro de 2010. Em 21 de outubro de 2010, o INEA emitiu a notificação #COFISNOT/00016934, informando a TKCSA que o Auto de infração mencionado foi cancelado. Em 26 de agosto de 2010, o INEA emitiu Auto de infração #COFISEAI/00133908, por alegada poluição do ar e incômodo a terceiros causados pela TKCSA, impondo uma multa de R$ 1,8 milhões. Em 22 de setembro de 2010, a TKCSA apresentou sua defesa. Em dezembro de 2010, o INEA decidiu reduzir a multa imposta ao valor de R$ 1.211.000,00. Em 23 de dezembro de 2010, a TKCSA apresentou outro recurso e agora aguarda uma decisão. Em 10 de janeiro de 2011, o INEA emitiu um Auto de infração #COFISEAI/00134558, por alegada poluição do ar e incômodo causados pela TKCSA em 25 e 26 de dezembro, impondo uma multa de R$ 2.000.000,00. Em 26 de janeiro de 2011, a TKCSA apresentou sua defesa e agora está aguardando uma decisão.” 4.1 – EIA/RIMA da Usina Siderúrgica O Estudo de Impacto Ambiental (EIA)38 foi elaborado pela empresa de consultoria ERM (2005) e se refere ao projeto da Usina da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). A Usina Siderúrgica da CSA (Usina) é formada pelas instalações principais e auxiliares, a saber, Usina Termelétrica, Fábrica de Oxigênio, Unidade de Produção de Cimento e Pátio de Preparação de Escórias. Também é considerado neste projeto a construção de ramal ferroviário, dentro do terreno onde se pretende instalar o empreendimento. “O empreendimento corresponde a uma usina siderúrgica para a produção de 4 milhões e 850 mil toneladas de placas de aço para exportação, destinadas aos mercados europeu e norte americano. A referida produção de placas de aço da usina siderúrgica corresponderá à Fase 1 do empreendimento, que constituiu o objeto do primeiro processo de licenciamento ambiental. O empreendimento deverá contar com a implantação de uma infra-estrutura relativa à linha de energia elétrica, ramal ferroviário, acesso rodoviário, adutora de água para a etapa de implantação, ramal de gás natural cujos projetos e responsabilidades de implantação serão das concessionárias destes serviços”. O EIA não apresenta outras alternativas de localização para o empreendimento, apenas justifica a escolha locacional realizada e analisa a hipótese de não realização do empreendimento: 38 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=674 54 “Como a produção da CSA será 100% voltada ao mercado externo, principalmente EUA e Europa, a localização na baía de Sepetiba será de importância estratégica em termos logísticos e de menor impacto ambiental devido a não ocorrência de ecossistemas frágeis. Além disso, em relação à utilização de combustíveis adotou-se o abastecimento externo de gás natural, o que proporciona a queima “mais limpa” nas operações de aquecimento dos regeneradores dos Alto-Fornos e no pre-aquecimento das panelas de aço, na Aciaria e dos distribuidores, no Lingotamento Contínuo. As demais Unidades de Produção e os Sistemas & Redes de Energia e Utilidades, os equipamentos e instalações especificados para o controle da poluição permitem o pleno atendimento aos limites de emissões atmosféricas e de lançamento de efluentes estabelecidos pela legislação brasileira. (...) Finalmente, devido ao pioneirismo na siderurgia brasileira, aponta-se a previsão da instalação de unidade de fabricação de “material cimentício”, obtido a partir do processamento da escória granulada de alto-forno. Esta configuração permite que não sejam formadas pilhas de escória granulada em pátios e ao longo de estradas externas observadas em Usinas siderúrgicas, que implicam em estoques de dezenas de milhões de toneladas de depósitos de elevado risco de impactos para os corpos d’água adjacentes (assoreamento e alteração de pH da água). Portanto, a hipótese de não-realização do Empreendimento, sob um ponto de vista de consumo de recursos naturais / reservas de minério de ferro – capital natural, corresponde à hipótese de não realizar a oportunidade de conferir um valor significativamente maior para uma parcela do capital natural que já está sendo consumido, equivalente a cerca de 6,70 milhões de toneladas anuais. A Área de Influência Direta (AID) inclui os territórios dos municípios de Seropédica, Itaguaí e Mangaratiba, mais as Regiões Administrativas de Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz, pertencentes ao município do Rio de Janeiro. A Área de Influência Indireta (AII) contém a AID e mais os municípios de Paty do Alferes, Engenheiro Paulo de Frontin, Paracambi, Miguel Pereira, Japeri, Nova Iguaçu, Queimados, Duque de Caxias, Belford Roxo, Nilópolis e Rio de Janeiro.39 39 É interessante notar um erro grosseiro na definição da AII do meio socioeconômico, onde os municípios de Miguel Pereira, Japeri, Paracambi, Queimados e Nova Iguaçu são considerados Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro. (ERM 2005: VII- 381) 55 Áreas de Influência Direta e Indireta (AII) Fonte: EIA ERM 2005. 56 O diagnóstico socioambiental detalhado contempla somente a AID. Uso do solo na AID Para a identificação e avaliação dos impactos ambientais, foram adotados os critérios metodológicos apresentados no procedimento “Diretrizes e Critérios Gerais Técnicos para a Avaliação de Impactos Ambientais”40, do Departamento de Gestão Ambiental e Territorial da Companhia Vale do Rio Doce – DIAT / CVRD – que “estabelece as diretrizes e os critérios técnicos gerais associados à avaliação de impactos ambientais de quaisquer empreendimentos CVRD, como forma de propiciar a minimização das diferenças de consistência técnica entre os diferentes estudos ambientais que subsidiam os processos de licenciamento ambiental na empresa”. Na análise de impactos, destacamos: “- Os impactos de Alteração da Qualidade do Ar são aqueles que apresentam magnitude mais significativa quando associados à etapa de operação do empreendimento. Entretanto, o estudo de modelagem realizado demonstrou que, considerando as emissões da futura usina siderúrgica, os padrões de qualidade do ar [permitidos pela legislação brasileira] não são ultrapassados. - Alteração dos Níveis de Ruído na Área Residencial - Alteração da Qualidade a Água 40 Procedimento no PRO-00025-DIAT 57 - Contaminação do Aqüífero Raso - Alteração da Quantidade da Água - Afugentamento da Fauna Silvestre - Proliferação de Vetores – “É comum nos bota-foras e em aterros a presença de roedores, animais peçonhentos (aranhas e escorpiões) e insetos transmissores de endemias perigosas.” - Danos à Vegetação de Manguezais - Modificação na Estrutura (abundância e composição Comunidades de Algas e Invertebrados de Manguezais de espécies) das - Modificação na Estrutura (abundância e composição de espécies) das Comunidades Aquáticas” - Aumento de Fluxo Migratório - Pressão sobre a Infraestrutura - Conflitos de Interesse - Geração de Expectativas - Incômodos à População – “Na etapa de operação da Usina, a ocorrência de incômodos à população estará associada a duas tarefas distintas: ao “Transporte de Mão-de-Obra Contratada, Equipamentos e Insumos” e ao “Transporte Ferroviário de Insumos e Matérias Primas”. Não são mencionados os “incômodos” relacionados à poluição atmosférica, principal queixa dos moradores do entorno do empreendimento. - Alterações das relações comunitárias na área de entorno - Incremento da ocupação irregular - Sobrecarga nas Vias de Acesso O EIA apresenta destacadamente os impactos considerados positivos, a maior parte deles sem reflexo da AID: -Geração de Empregos Diretos - Difusão de Conhecimento e Aprendizado - O impacto em análise será altamente condicionado às estratégias de relacionamento com os atores envolvidos, que tenham sido implementadas a partir da etapa de implantação do empreendimento e que deverão ser mantidas e intensificadas durante a etapa de operação. Tais estratégias deverão enfatizar a adoção de posturas comportamentais pró-ativas e abordagens de boa interação com a base sócio-cultural predominante, sobretudo na AID, visando estabelecer laços de confiança, como pré-requisitos para 58 assegurar a aprendizado”. ocorrência deste impacto de “difusão de conhecimento e - Aquecimento do Mercado Imobiliário - Aumento do Poder Aquisitivo - Aumento de Padrão de Consumo - Dinamização da Economia - Estímulo ao Empreendedorismo - Melhoria de Orçamento Fiscal - Arrecadação de Contribuições Previdenciárias - Contribuição para a Balança Comercial O estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) foram objeto de críticas da Fundação Oswaldo Cruz41, e do Ministério Público Estadual42 (a partir de solicitação da prefeitura do município de Mangaratiba). O Parecer Técnico sobre o Relatório de Impacto Ambiental da Usina da Companhia Siderúrgica do Atlântico, elaborado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ 2009), critica o fracionamento do licenciamento, com conseqüente minimização da cumulatividade dos impactos, ressalta elementos de saúde pública e ambiental não analisados pelo RIMA e apresenta indícios de prática de duplo padrão pela empresa [utilizar padrões menos rígidos do que os que seriam aceitos em seu país de origem]. 4.2 – Estudo de Análise de Risco O Estudo de Análise de Riscos (EAR) da Usina Siderúrgica da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) é parte integrante dos estudos ambientais que subsidiam o processo de licenciamento ambiental, conforme estabelecido na Instrução Técnica no da FEEMA (Processo no E-07/200.751/05). Os produtos químicos perigosos (inflamáveis, tóxicos ou explosivos) envolvidos nos processos descritos no Capítulo III do EIA do empreendimento são caracterizados quanto às suas propriedades físico-químicas e toxicológicas, visando assim fornecer as informações necessárias para a simulação dos cenários acidentais associados às instalações das quais fazem parte. 41 Parecer Técnico sobre o Relatório de Impacto Ambiental da Usina da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). Autores: Marcelo Firpo Porto e Bruno Milanez. 42 Parecer Técnico inicialmente presente no processo MPRJ 2005.001.52122.00 Folha 008, e posteriormente apensando no processo MPF PRRJ 1.30.012.000035/2006-19, folha 69 apud Viegas 2007:53. 59 4.3 – EIA do Terminal Portuário O EIA43 se refere à “implantação do Terminal Portuário Centro Atlântico, na baía de Sepetiba, incluindo as obras de dragagem marítima e de preparação do terreno para implantação da futura usina siderúrgica da Companhia Siderúrgica do Atlântico – CSA”. Foi elaborado pela empresa Ecologus Engenharia Consultiva Ltda. (2005). Na fase inicial do projeto, a elaboração do EIA foi subsidiada “por avaliações ambientais preliminares, realizadas pelo Instituto Vale do Rio Doce e pelas empresas ERM Brasil e Concremat”. O EIA destaca, como principais impactos sobre o meio socioeconômico: - geração de empregos; - fortalecimento do potencial portuário e industrial da região; - melhoria do orçamento fiscal e da arrecadação previdenciária; - dinamização da economia; - relocação de acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); - geração de expectativas negativas com relação à atividade pesqueira; - exclusão de área para atividade da pesca; - sobrecarga de vias de trânsito terrestre e marítimo; - aumento do fluxo migratório para a região; - pressão sobre a infraestrutura de serviços; - incremento de ocupação irregular; - eliminação de postos de trabalho e oportunidades de negócio [ao fim das obras]; - risco de alteração/destruição de sítios arqueológicos. A Área de Influência Direta (AID) se situa no espaço marítimo, na “área correspondente à bacia de evolução, canal de acesso, o CDF e o Terminal Portuário” (2005: 4 1-3). A Área de Influência Indireta (AII) é constituída pelas regiões administrativas de Santa Cruz e Guaratiba, no município de Rio de Janeiro, e pelos municípios de Itaguaí e Mangaratiba. 4.4 – Audiências Públicas A CSA realizou três audiências públicas durante o seu licenciamento. Todas aconteceram na mesma semana do mês de maio de 2006, a partir das 17:30, em três 43 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=429 60 diferentes locais: Santa Cruz (bairro do Rio de Janeiro) e nos municípios de Itaguaí e Mangaratiba. Nestas audiências, estavam em discussão tanto a usina siderúrgica quanto o terminal portuário, objetos de dois EIA/RIMAs diferentes. Foram acompanhadas pelos pesquisadores Nunez Viegas (2007) e Zborowski (2008), cujas dissertações de mestrado constituem fontes para este trabalho. A mesa foi composta por representantes das empresas ERM e Ecologus, responsáveis pelos estudos de impacto ambiental da siderúrgica e do porto, pelo Subsecretário da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE-RJ). Viegas indica que as audiências tinham início com uma apresentação do projeto do empreendimento, que durava não menos do que três horas. Em seguida, era feita, em cerca de uma hora, a apresentação do parecer da FEEMA. Seguia-se um intervalo no qual era servido um lanche para, em seguida, serem enunciadas as “perguntas” do público (pré-selecionadas pelos consultores durante o lanche). As audiências públicas também foram objeto de questionamento de um documento de denúncia, elaborado por entidades da sociedade civil (Colônia de Pescadores Z-14 de Pedra de Guaratiba, Associação dos Barqueiros de Itacuruçá (ABIT) e Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá (ONG GDASI), e encaminhado a 2ª Regional do Ministério Público Federal (MPF). Acusava-se a empresa de ter estrategicamente realizado audiências de longa duração, em locais onde o transporte público encerrava antes do término das audiências, com o intuito de esvaziá-las; e de ter direcionado as perguntas que colocariam a empresa em situação difícil para o final das audiências (Viegas 2007: 45-50). De acordo com Zborowski, as críticas às audiências públicas também foram objeto de ofícios, enviados pelo Fórum de Meio Ambiente da Baía de Sepetiba à FEEMA e ao Ministério Público Estadual, dias após a sua realização. Somando-se aos questionamentos presentes no documento de denúncia mencionado anteriormente, os ofícios denunciavam irregularidades como a ausência de representantes do Ministério Público e do IBAMA; censura à leitura de parecer técnico elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE) do MP, solicitada pelo público; e o fato de que, na última audiência, realizada no município de Mangaratiba, foi anunciado que as atas seriam disponibilizadas 10 dias após o evento, justamente o prazo concedido pelo órgão licenciador para o envio de pareceres, críticas e sugestões por parte da sociedade (2008: 141-142). 4.5 – PBA O Projeto Básico Ambiental da CSA44, elaborado pela empresa de consultoria ERM, em 2006, apresenta os seguintes programas ambientais: - Programa de Monitoramento das Emissões Atmosféricas e da Qualidade do Ar; - Monitoramento de Efluentes e Qualidade da Água; 44 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=1746 61 - Meio biótico – Medidas de Proteção à Fauna (Programa de Manejo); - Programa de Compensação por Supressão de Vegetação (Programa de Gestão de Interferências em Faixa Marginal); - Gestão de Resíduos; - Plano Ambiental de Construção; - Monitoramento de Ruído; - Plano de Gestão de Transportes; - Programa de Comunicação; - Programa de Contratação e Desmobilização da Mão de Obra. 4.6 – Utilização de recursos compensatórios Uma parte dos recursos provenientes da compensação ambiental da CSA contribuiu para o início da operação, em caráter experimental, do Fundo da Mata Atlântica do Rio de Janeiro (FMA/RJ). O fundo recebeu um aporte de R$ 3,1 milhões para execução de um plano de trabalho aprovado pela Câmara de Compensação Ambiental do estado do Rio de Janeiro (CCA/RJ). Esses recursos financiaram 6 iniciativas, envolvendo ações para reforço operacional da unidade de Coordenação das Compensações Ambientais (UCC); apoio ao programa estadual de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs); estruturação do Núcleo de Regularização Fundiária; demarcação dos limites do Parque Estadual da Serra da Concórdia; revitalização da subsede do Núcleo Piraquara do Parque Estadual da Pedra Branca; e o projeto de implementação de guaritas e pórticos de acessos ao Parque Estadual da Serra dos Três Picos. (Funbio 2009: 23) O FMA é um mecanismo financeiro privado criado para viabilizar o uso da compensação ambiental no Rio de Janeiro. Em “ junho de 2009, o Governo do estado lançou, oficialmente, o fundo da Mata Atlântica do estado do Rio de Janeiro (FMA/RJ), cuja missão é contribuir para fortalecer o sistema de UCs estaduais, focando prioritariamente na preservação e ampliação de áreas florestais e marinhas protegidas”. O que ocorre no caso do FMA é a transferência da gestão financeira do recurso compensatório por parte da empresa empreendedora a uma segunda instituição, “credenciada pela SEA-RJ, com respaldo da Câmara de Compensação Ambiental (CCA)”. 62 4.7 – LI da Usina Siderúrgica A Licença de Instalação (LI)45 concedida pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) à TK-CSA é válida até 28 de setembro de 2012 e permite realizar as obras de implantação da Usina Siderúrgica Integrada, mediante o cumprimento de 58 “condições de validade”. Entre elas, “realizar o monitoramento da qualidade do ar e dos parâmetros meteorológicos na área de influência do empreendimento(…)” (16) e realizar um “plano de monitoramento do solo e da água subterrânea, abrangendo toda a área do empreendimento, com periodicidade semestral de amostragem(…)” (20.5). A condição de número 50 consiste em “priorizar os fornecedores locais e a contratação de mão-de-obra local através de programas de desenvolvimento e balcão de empregos das Secretarias Municipais, apresentando trimestralmente, ao INEA, relatórios de acompanhamento”. Outra condição imposta pelo INEA é a de “não realizar queima de material ao ar livre”. 4.8 – MP e Judiciário A mobilização da sociedade junto ao Ministério Público – MP, nos últimos anos, se tornou um dos principais meios de pressão social em procedimentos de licenciamento ambiental. Este tem sido o único órgão representativo dos interesses da sociedade capaz de paralisar o licenciamento e as obras (Bronz 2011: 120). No caso da CSA, houve também recurso ao poder judiciário, à Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, antes mesmo das audiências públicas, em março de 2006, quando a associação de pescadores da Ilha da Madeira (APLIM) enviou Ação Civil Pública contestando a técnica de dragagem e bota-fora prevista no EIA/RIMA (Viegas 2007: 47). O estudo e o relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) foram objeto de críticas do Ministério Público Estadual46 (a partir de solicitação da prefeitura do município de Mangaratiba), através de parecer elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE). Como visto em item anterior, foram acionados o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal por organizações da sociedade civil que apontaram irregularidades na realização das audiências públicas. Além disso, a CSA teve as obras interditadas pelo Ministério Público do Trabalho, após uma inspeção às instalações, realizada conjuntamente pelo Ministério do Público Trabalho e pelo Ministério do Trabalho do Rio de Janeiro, em maio de 2008, o que resultou na assinatura pela empresa de um Termo de Ajustamento de Conduta 45 46 http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=402 Parecer Técnico inicialmente presente no processo MPRJ 2005.001.52122.00 Folha 008, e posteriormente apensando no processo MPF PRRJ 1.30.012.000035/2006-19, folha 69 apud Viegas 2007:53. 63 (TAC)47. De acordo com o artigo Chuva de Prata, em agosto do mesmo ano, o MPT retornou, pois haviam sido identificados 120 chineses trabalhando nas obras sem contrato de trabalho. O resultado foi uma ação civil pública que ainda tramita na Justiça48. Ainda de acordo com o artigo, após o início da operação da CSA, com emissão de fuligem prateada que vem prejudicando a saúde dos moradores do entorno da companhia, “o Ministério Público Estadual instaurou um procedimento para apurar a responsabilidade e o Inea multou a TKCSA em R$ 1,8 milhão (valor que foi reduzido para R$ 1,3 milhão) não apenas pela poluição, mas também por ter omitido dos órgãos ambientais os problemas que vinha apresentando. (...) Outra consequência da contaminação foi a denúncia da empresa, de seu diretor de projetos e de seu gerente ambiental numa ação penal pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) por crimes ambientais, incluindo causar poluição que possa resultar em prejuízos à saúde e apresentar estudo ambiental enganoso.” (Milanez et al 2011) 4.9 – A atuação do poder legislativo estadual: comissão especial da Alerj O envolvimento do poder legislativo estadual ocorreu antes mesmo da emissão da Licença de Instalação pela Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e da entrada em operação da siderúrgica. Em março de 2009, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) realizou audiência pública, presidida pelo deputado Marcelo Freixo, durante a qual foram abordados os problemas que a implantação da fábrica vinha acarretando para os pescadores e para a população até então: suspeita de relação conjunta com milícias da região; impedimento do direito de ir e vir dos pescadores; irregularidades e falta de transparência no processo de licenciamento ambiental; cooptação de autoridades públicas; violação dos direitos dos trabalhadores; destruição ambiental na Baía de Sepetiba e desmatamento de extensa área de manguezais. Desta ação, resultou a inclusão de um pescador no Programa Nacional de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, em virtude das ameaças sofridas por ele durante a luta contra os impactos da siderúrgica sobre os meios de vida dos pescadores da Baía de Sepetiba. A entrada em operação da fábrica, em meados de 2010, intensificou a mobilização da população atingida pelos impactos negativos, antes denunciados principalmente por 47 O Termo de Ajustamento de Conduta está previsto na Lei 7347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 48 7 Almeida, C., “Procuradoria entra com ação contra CSA”, Rio de Janeiro, O Globo, 13 de agosto de 2008 8 Pinheiro, A., “Trabalhadores sem salário e com uma refeição por dia”, Rio de Janeiro, O Dia, 13 de agos to de 2009 apud Milanez et AL 2011. Disponível em http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=908. 64 pescadores, ambientalistas e por diferentes instituições em defesa dos direitos dos trabalhadores. Os moradores vizinhos à CSA, residentes no bairro de Santa Cruz, passaram a ser diariamente atingidos pela emissão de uma poeira prateada que invade as residências e áreas de lazer, e é associada ao agravamento de problemas respiratórios, dermatológicos e oftalmológicos na região. Diante da continuidade do funcionamento da siderúrgica, apesar dos cada dia mais numerosos e contundentes questionamentos por parte de organizações da sociedade civil, pesquisadores e instituições, foi instituída uma comissão especial na Alerj com o intuito de apurar possíveis irregularidades no processo de licenciamento ambiental da TK-CSA. Ao longo das três audiências públicas realizadas na Alerj no âmbito do trabalho desta comissão especial, foram trazidos à tona questionamentos aos pressupostos embutidos no processo mesmo de licenciamento ambiental e à atuação e aos discursos dos órgãos públicos, especialmente o governo do estado e o INEA, durante este processo. Merece destaque, primeiramente, a disputa em torno da definição da poluição atmosférica como incidentes isolados (discurso da empresa e do INEA) ou como rotineira (discurso dos moradores do entorno)49. Na terceira audiência realizada pela comissão, o depoimento do Sr. Ozéas, morador da região há cerca de 60 anos, comoveu os presentes ao relatar os transtornos da convivência diária com a poluição e os seus efeitos sobre a saúde50. Ainda sobre a poeira prateada emitida pela fábrica, os eventos na Alerj constituíram oportunidade para que pesquisadores da Fiocruz e da UERJ expusessem sua desconfiança com relação à composição da poeira alegada pela empresa (somente grafite) e ao argumento de que esta poeira seria inofensiva à saúde, além de solicitarem ao INEA disponibilização ao público de uma análise crítica dos dados das estações de monitoramento do ar implantadas na região. Diante destes questionamentos, o órgão ambiental permanece afirmando que as emissões se encontram dentro dos padrões estabelecidos como toleráveis por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e se compromete a entregar os documentos solicitados. O agravamento das enchentes também é atribuído pelos atingidos ao desvio do Canal de São Fernando, supostamente realizado pela empresa. Esta questão ganhou visibilidade com o depoimento do presidente da colônia agrícola de Santa Cruz, gravemente afetada por alagamento que acarretou a destruição de toda a sua produção ao final de 2010. O levantamento desta questão deu margem a uma disputa 49 Incursões da equipe do Ibase ao bairro de Santa Cruz, por ocasião de estudo de caso, e que resultaram na produção do vídeo Desenvolvimento a Ferro e Fogo, permitiram constatar que não só a emissão de fuligem, mas também transtornos causados pela passagem de um trem carregado de minério e com os vagões descobertos, inclusive durante a noite, e o agravamento das enchentes a partir do desvio do Canal de São Fernando, realizado pela empresa, são enfrentados quotidianamente pela população. 50 Ver Relato de Audiência Pública na Alerj com presença do Inea: [link] 65 não só pela definição dos responsáveis pelo impacto (segundo a empresa, o desvio do canal havia sido realizado pela prefeitura no final dos anos 90), como também pela própria veracidade do mesmo, pois a CSA alega tratar-se de uma área alagadiça por natureza, repassando para o estado a responsabilidade por ter incentivado a ocupação habitacional da área. Na linguagem do licenciamento, os problemas que antecedem a instalação do novo empreendimento costumam ser denominados de passivos, e constituem um “trunfo” para que o empreendedor negocie limites às exigências ambientais, entre o que pode ser voluntariamente realizado pelas empresas e entre o que será considerado como de responsabilidade do Estado (Bronz 2011: 103). Na Baía de Sepetiba, a presença de dejetos químicos da falida Ingá Mercantil constitui argumento para eximir de responsabilidades os novos empreendimentos. Este critério foi fortemente questionado por um dos deputados que integram a comissão, uma vez que a população está submetida aos impactos sobre a região, independente de seus autores, e que os “passivos” eram amplamente conhecidos antes da decisão de localizar ali o empreendimento. Ainda durante as audiências, os procedimentos de negociação com grupos de atingidos, realizados pela empresa fora dos eventos formais do licenciamento, que algumas vezes resultaram em “acordos” com determinadas associações locais, e que são denominados pela empresa como “diálogo social”, foram classificados pelos pesquisadores como procedimentos de “constrangimento” da população local. Finalmente, diante do silêncio do INEA, principalmente com relação aos impactos da empresa sobre a saúde da população, e da assinatura de um decreto pelo governador do estado autorizando a entrada em funcionamento do segundo alto-forno da siderúrgica, mesmo apesar de acordo com o MPE que previa o seu funcionamento somente após os resultados da realização de uma auditoria independente, foi questionada a “vulnerabilidade institucional” do governo do Rio e do seu órgão ambiental durante o processo de licenciamento da TK-CSA. 5 – Conclusões: licenciamento ambiental e controle social A falta de transparência e informação sobre os diversos processos de licenciamento ambiental relacionados à implantação do Comperj e da CSA, a dificuldade para acessar estudos, relatórios, licenças, termos de referência e demais documentos, que deveriam ser disponibilizados para a sociedade de maneira sistematizada e de fácil compreensão, constituem, por si só, elementos reveladores das limitações ao exercício do controle social e da cidadania. Outra limitação neste sentido é a falta de informação sobre o funcionamento do processo de licenciamento, suas etapas e critérios51. 51 O ANEXO 1 deste relatório pretende constituir uma contribuição para esclarecimento sobre o funcionamento do processo de licenciamento ambiental no Brasil, vislumbrando-se a sua posterior publicação. 66 O que é disponibilizado ao público em geral, nas audiências públicas e através do RIMA, é um conjunto de tabelas, gráficos, mapas e discursos sobre promessas de desenvolvimento e emprego, que não transmitem de forma clara e objetiva as conseqüências da implantação destes empreendimentos sobre a qualidade de vida e o meio ambiente da região afetada, tampouco sobre as atividades e condições de trabalho e subsistência de grupos que dependem diretamente dos recursos naturais, como pescadores e agricultores. Cabe aqui trazer algumas das conclusões da pesquisadora Debora Bronz que, em sua tese de doutorado, acompanhou 5 casos de licenciamento ambiental (não identificados), em diferentes etapas. Ela observou que as circunstâncias de participação pública dispostas no processo de licenciamento são instâncias consultivas e não decisórias e se estruturam a partir da ritualização das etapas formais do licenciamento. Após a concessão da Licença Prévia (LP) e a realização das audiências públicas, os espaços de “participação” formalizados nos procedimentos de licenciamento se tornam bastante restritos. Além disso, nas audiências públicas, as questões sensíveis são assim consideradas por tocarem em aspectos do empreendimento ainda mal resolvidos ou conflituosos. Neste caso, é a audiência quem pauta os assuntos, visto que existem métodos e procedimentos para sistematizar e hierarquizar as perguntas, as falas e as palavras proferidas pelos participantes dos encontros e reuniões promovidos pelas empresas no período de licenciamento ambiental (2011:143)52. São três os efeitos esperados, segundo a visão empresarial, como resultados da adaptação das tecnologias gerenciais de stakeholders nos processos de licenciamento ambiental regulados pelo Estado brasileiro: (i) a “domesticação” dos conflitos entre empresas e grupos de interesse; (ii) a “estandardização” do conflito nos rituais e procedimentos administrativos e; (iii) a redução, em caso de resistência ao empreendimento, e a potencialização, em caso de explícito apoio, da “interferência” dos atores estratégicos e grupos de interesse nas decisões sobre a concessão das licenças ambientais. Não é de se ignorar o fato de que se gasta muito mais dinheiro com consultoria do que, propriamente, com as medidas de compensação destinadas aos atores e às comunidades em forma de “projetos”. (Bronz 2011: 308) 52 “Os ensaios da equipe [de consultores e empreendedores] para a atuação nas audiências públicas são especialmente cuidadosos. É o momento de revisão das falas e das apresentações de PowerPoint. Presenciei uma série destes e pude observar como se reproduz um mesmo tipo de dinâmica. Costumam participar todos os membros das equipes mobilizados para o licenciamento: consultores, advogados, especialistas e funcionários de distintos departamentos da empresa. Primeiro, os representantes oficiais ensaiam as apresentações. Depois, se iniciam as simulações da participação do público. Os demais participantes, aqueles que não têm uma fala no roteiro, desempenham papéis que estereotipam coletividades e dinâmicas sociais: comunidades de realocados, pescadores, ambientalistas, militantes, engenheiros, políticos etc. Os estereótipos são observados no modo de expressar e no conteúdo das questões. Não é incomum agregarem sotaques, linguajares locais e erros de português. (Bronz 2011) 67 Além disso, Bronz observa que o Projeto Básico do empreendimento – ou seja, o projeto de engenharia e o detalhamento das medidas de mitigação e compensação – só é exigido após a realização das audiências públicas, circunscrevendo as decisões aos acordos entre empreendedores e membros da gestão governamental. Nas audiências públicas, portanto, os empreendimentos ainda não são apresentados de modo detalhado, assim como as medidas de controle e mitigação sugeridas pelos consultores responsáveis pelo EIA. Assim sendo, fica demonstrado que o espaço previamente designado para a “participação da sociedade” no processo de licenciamento apresenta inúmeras limitações ao exercício do controle social sobre a implantação de grandes empreendimentos. Todavia, a validade das licenças ambientais é condicionada pelo cumprimento de uma série de medidas mitigadoras, do pagamento das compensações, dentro de um prazo estipulado. Logo, há perspectivas de ampliação do controle da sociedade sobre a o processo de licenciamento ambiental, desde que haja pressão social pelo acesso a informações sobre os prazos e condições de validade de cada uma das licenças concedidas, e as condições de validade por elas estabelecidas, sobre os termos de referência que norteiam a elaboração dos estudos e relatórios de impacto ambiental, bem como aos próprios estudos e relatórios na sua totalidade, aos planos e programas previstos nos PBAs e ao destino dos recursos para compensação e mitigação53. No caso do Comperj, a principal Licença de Instalação se encontra vencida e consta no Portal de Licenciamento do INEA como “em renovação”. É um momento oportuno para que organizações e movimentos sociais observem e pressionem para que sejam cumpridas medidas condicionantes, tais como: “34 – Apresentar à FEEMA relatórios semestrais com os resultados preliminares do programa de monitoramento dos maguezais, devendo incluir no monitoramento dos sedimentos os parâmetros coprostanol e colesterol; 40 – Monitorar semanalmente os rios Caceribu e Macacu, a montante e a jusante do empreendimento; 41 – Monitorar o nível de água e a qualidade das águas subterrâneas durante todo o período das obras – mínimo de 18 meses – , incluindo os seguintes parâmetros: níquel, vanádio, boro, cobalto, estanho, lítio e fosfatos; 53 Cabem críticas ao Portal do Licenciamento do Inea, onde há informações claras e organizadas para o empreendedor que deseja solicitar licenças e procedimentos. Para o público que busca se informar sobre os empreendimentos, a primeira dificuldade advém do fracionamento dos mesmos, o que dificulta a localização de todas os processos envolvidos. A busca por estudos e relatórios, bem como licenças, datas e atas de audiências públicas não é realizada pelo nome do empreendimento, mas pelo CNPJ do empreendedor ou número do processo. Além disso, não há um acervo que disponibilize a totalidade dos documentos, ou pelo menos dos estudos. 68 44 – Complementar o programa de monitoramento epidemiológico, incluindo: correlação dos impactos gerados pelo empreendimento com os possíveis incrementos e/ou decréscimo de doenças pré-existentes e as novas advindas da implantação e operação do COMPERJ; 46 – Apresentar novo plano de monitoramento da evolução demográfica e das demandas de serviços públicos na região do COMPERJ, que contemple os seguintes aspectos, considerando a natalidade, mortalidade por causas, nupcialidade e a mobilidade espacial da população;” Cabe, também, verificar o cumprimento de condicionante estabelecida pela Licença Prévia, em 2008, mas detalhada somente em meados de 2009 por um Termo de Referência, que trata da área de transição entre o Comperj e a APA de Guapimirim, e prevê a elaboração de um diagnóstico com 3 componentes: em escala de paisagem, diagnostico de campo e fundiário. Preconiza a adoção de medidas para: “fomento à adequação das propriedades rurais” ao projeto de recuperação das matas ciliares; preparação, plantio, monitoramento e manutenção das árvores plantadas. Está previsto que “a incorporação da área [pela Petrobras], bem como a restauração, deve ser concluída antes da emissão da Licença de Operação do empreendimento”. É necessário, ainda, acessar, em sua totalidade, documentos como os estudos de impacto ambiental da estrada principal de acesso ao Comperj, da via especial para cargas pesadas e do emissário terrestre e submarino. E é indispensável o acompanhamento sistemático da emissão de licenças pelo INEA. No caso da CSA, a Licença de Instalação da Usina Siderúrgica é válida até setembro de 2012. A emissão da Licença de Operação vem sendo adiada pela expressiva resistência da sociedade civil, das organizações de impactados, de instituições de pesquisa, do Ministério Público e do poder legislativo estadual. Entre as condicionantes estabelecidas por esta licença, apesar de bastante inespecíficas e pouco expressivas diante dos impactos que vêm sendo constatados, cabe destacar a possibilidade de cobrar do empreendedor e do órgão ambiental informações sobre a realização de “monitoramento da qualidade do ar e dos parâmetros meteorológicos na área de influência do empreendimento(…)” (16) e de um “plano de monitoramento do solo e da água subterrânea, abrangendo toda a área do empreendimento, com periodicidade semestral de amostragem(…)” (20.5). E, ainda, a condição de número 50, que consiste em “priorizar os fornecedores locais e a contratação de mão-de-obra local através de programas de desenvolvimento e balcão de empregos das Secretarias Municipais, apresentando trimestralmente, ao INEA, relatórios de acompanhamento”. Outra condição imposta pelo INEA é a de “não realizar queima de material ao ar livre”. A condição 19.1 exige a apresentação de um estudo de dispersão de poluentes atmosféricos provenientes de todas as unidades operacionais da usina, bem como das pilhas de estocagem, em conformidade com a tecnologia adotada. Durante as audiências públicas realizadas pela Comissão Especial da Alerj, pesquisadores 69 também expressaram a necessidade de que os relatórios sobre a qualidade do ar contenham análises dos dados numéricos e tradução destes dados em termos de conseqüências sobre a saúde da população atingida, e não somente informações brutas sobre a quantidade de emissões. É preciso ressaltar, ainda, a dificuldade da própria comissão parlamentar em obter estes relatórios solicitados ao INEA, o que ocasionou atraso e impedimentos ao trabalho dos deputados. São passíveis de acompanhamento e pressão pela sociedade, também, o pagamento das multas pelo empreendedor, estabelecidas pelos autos de infração emitidos pelo INEA em agosto de 2010 e janeiro de 2011, por poluição do ar e incômodos causados. O empreendedor alega ter apresentado recursos em sua defesa e estar aguardando decisão do órgão ambiental. É necessário, também, acompanhar a aplicação de recursos de compensação ambiental da siderúrgica destinados ao Fundo da Mata Atlântica do Estado do Rio de Janeiro (FMA), um mecanismo financeiro privado criado para viabilizar o uso da compensação ambiental no Rio de Janeiro. Esses recursos financiaram 6 iniciativas, envolvendo ações para reforço operacional da unidade de Coordenação das Compensações Ambientais (UCC); apoio ao programa estadual de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs); estruturação do Núcleo de Regularização Fundiária; demarcação dos limites do Parque Estadual da Serra da Concórdia; revitalização da subsede do Núcleo Piraquara do Parque Estadual da Pedra Branca; e o projeto de implementação de guaritas e pórticos de acessos ao Parque Estadual da Serra dos Três Picos. Finalmente, é preciso pressionar pelo justo desfecho da ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, e da denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual que resultou em ação penal contra a empresa, seu diretor de projetos e seu gerente ambiental por crimes ambientais, incluindo “causar poluição que possa resultar em prejuízos à saúde e apresentar estudo ambiental enganoso”. Para além de destacar a necessidade de pressão para obter transparência e informação, e de acompanhamento de ações civil e penais por parte da sociedade, cabe na reflexão proposta por este estudo pôr em questão não só a metodologia de elaboração dos estudos e relatórios, destinados a identificar, mensurar e analisar “impactos” sociais e ambientais dos empreendimentos, mas também o paradigma no qual se sustentam. Quanto à metodologia, o fracionamento dos empreendimentos para fins de licenciamento foi fortemente criticado, como vimos ao longo deste trabalho, tanto por pesquisadores acadêmicos de diferentes disciplinas quanto por organizações de atingidos e da sociedade civil e por representantes do Ministério Público. Em primeiro lugar, vale salientar que cada EIA/RIMA identifica impactos referentes àquela atividade específica que está sendo licenciada. Por exemplo, o EIA do Sistema de Dutos e Terminais do Comperj trata, somente, das conseqüências da implantação dos dutos - sobre a pesca, a qualidade de vida da 70 população, o meio ambiente, etc, - dos municípios atravessados pelos mesmos (impactos que já não são poucos). Pensemos, no entanto, na situação do município de São Gonçalo, o segundo mais populoso do estado (perdendo apenas para a capital), com elevada porcentagem da população abaixo da linha de pobreza e caracterizado predominantemente pela ocupação de tipo “popular operário” e “popular inferior” (segundo o Obervatório das Metrópoles) – “impactado” pela implantação do Comperj em Itaboraí, pelos sistema de dutos de terminais do Comperj, pela estrada principal de acesso e pela via de acesso de cargas pesadas ao Comperj, pela dragagem para os terminais das Ilhas Comprida e Redonda e pelo emissário de efluentes do Comperj. A Avaliação Ambiental Estratégica reforça o compromisso da Petrobras com o centro de capacitação de mão de obra com 30 mil vagas, que formará trabalhadores não só para o Comperj, mas para as demais indústrias e serviços que venham a se instalar na região em função do complexo. No entanto, toda a responsabilidade para arcar com a pressão sobre a ocupação do território e sobre a infraestrutura de serviços básicos e de transporte, bem como a segurança pública, é atribuída ao poder público, mesmo levando em conta que os investimentos e políticas públicas previstos para a região são insuficientes. E mesmo levando em conta que a Petrobras se apresenta como uma empresa pública e que tem entre seus sócios o BNDES. Outro elemento crítico na metodologia dos estudos de impacto ambiental é o conjunto de critérios, explícitos ou não, de definição da “área de influência” dos empreendimentos. A legislação exige que seja definida uma área de influência. Contudo, os estudos não trazem definições de uma área impactada, mas sim diversas definições de áreas impactadas, que recebem diferentes classificações segundo o nível de impacto (direta, indireta, de abrangência regional, etc) e segundo o “meio” – físico, biótico ou socioeconômicos. Além disso, é possível supor que os critérios para a negociação da “entrada” ou não de municípios na área de influência – que, segundo sua classificação, será mais ou menos contemplada pelos programas de mitigação e compensação de impactos – não são somente técnicos, mas também políticos, como permitem supor as negociações para a criação do Conleste, a sua inclusão no EIA/RIMA do Comperj como Área de Abrangência Regional (AAR), a sua seleção para programas, obrigatórios ou não, de compensação social, como a Agenda 21 Comperj54, e as negociações para inclusão de novos municípios no consórcio. No caso da CSA, a Área de Influência Indireta (AII) é constituída por municípios da RMRJ, como Japeri e Engenheiro Paulo de Frontin, e da região do Vale do Paraíba, como Miguel Pereira e Paty do Alferes, que sequer foram contemplados com a realização de audiências públicas ou com medidas mitigadoras. Sobre o paradigma no qual se sustentam as análises de impacto, segundo a análise de Bronz, as definições sobre as medidas compensatórias costumam ser 54 Na prática do licenciamento ambiental, embora não regulada por lei, observa-se a adoção de medidas de compensação social, acordadas diretamente com os órgãos licenciadores, com os governos estaduais, federal e com as comunidades classificadas como afetadas. A Agenda 21 se enquadra nesta classificação, bem como o Programa de Comunicação e Educação Ambiental – PROCEA – desenvolvido pela TK-CSA envolvendo professores e funcionários de 14 escolas públicas situadas na sua Área de Influência Direta (AID). Estas iniciativas ficaram fora do escopo deste trabalho. 71 apresentadas com base em argumentos substanciados por cálculos supostamente capazes de atribuir uma razão matemática entre as perdas sociais e ambientais e os ganhos econômicos. Mas a compensação foge ao controle dos cálculos matemáticos e adentra o campo das representações dos diferentes atores do licenciamento sobre os impactos. Os efeitos ambientais e sociais dos empreendimentos são mensurados por meio da adoção dos métodos de avaliações de impactos. Há uma crença, ou, ao menos, um discurso sobre a crença, por parte dos consultores e empreendedores, de que elas apresentam soluções para delimitar claramente qual o nexo causal entre os efeitos diretamente produzidos pelo empreendimento, entre os efeitos que são indiretamente produzidos por ele, ou entre os problemas ambientais e sociais que antecedem a sua presença e são por ele potencializados (Bronz 2011: 102). Ou seja, há um pressuposto de que todo e qualquer “impacto” é mitigável ou compensável. Todavia, como vêm argumentando diferentes grupos e correntes que questionam o modelo de desenvolvimento baseado na exploração crescente e inconseqüente da natureza e do trabalho humano, há perdas que são irreparáveis – como a identidade de populações tradicionais e o bem viver da população em geral e que tornam premente o debate mais amplo pela sociedade não somente sobre a construção de um novas formas de organização da sociedade centradas em um paradigma de justiça social e ambiental, mas também pela construção de caminhos de transição que permitam o debate sobre a validade e a real necessidade de cada um dos “empreendimentos” que vão sendo planejados e implementados. Há, ainda, um terceiro conjunto de questões levantadas por este trabalho e pelo conjunto de organizações sociais e populações atingidas por estes dois empreendimentos no estado do Rio de Janeiro. Trata-se dos fortes indícios de alinhamento entre diferentes esferas do poder público com os interesses das empresas, queimando etapas do processo de licenciamento ambiental, negligenciando o cumprimento da legislação e até mesmo a autoridade de órgãos ambientais federais, do poder judiciário e do Ministério Público. 72 6 - Bibliografia: • Accelrad, Henri. Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. • Bourscheid Engenharia e Meio Ambiente S.A./Petrobras (2009). Estudo de Impacto Ambiental (EIA) Sistema de Dutos e Terminais do Comperj. • Bourscheid Engenharia e Meio Ambiente S.A./Petrobras (2009).Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) Sistema de Dutos e Terminais do Comperj. • Bronz, Deborah. Empreendimentos e empreendedores: formas de gestão, classificações e conflitos a partir do licenciamento ambiental, Brasil, século XXI. Tese de Doutorado, 2011. 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Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. Instituto de Psicologia. Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH). Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). • Zborowski, Marina Barbosa; Loureiro, Carlos Frederico Bernardo. Conflitos Ambientais na Baía de Sepetiba: o caso dos pescadores artesanais frente ao processo de implantação do complexo siderúrgico da Companhia Siderúrgica do Atlântico – Thyssenkrupp CSA. IV Encontro Nacional da Anppas. Brasília, 2008. 75 ANEXO O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL A. Formação histórica do processo de licenciamento ambiental Os critérios federais para o licenciamento ambiental, como vigora hoje, foram melhor definidos em 1997, através da Resolução CONAMA n° 237, que regulamenta a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA)55. A formação histórica desse processo, de acordo com Leite Lopes, remonta a 1981, ainda no regime militar (governo Figueiredo), quando foi sancionada a lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), promulgando um arcabouço institucional federal, com a secretaria de meio ambiente ligada à presidência da República (a SEMA), com um Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA). Em 1985, foi criada a lei da ação civil pública, que dá direito a que associações privadas, ONGs e Ministério Público entrem com ações na Justiça contra as fontes que causem danos ao meio ambiente. Foram sendo criados fundos públicos de multas e compensações e formulados preceitos jurídicos sobre os novos “direitos difusos”. Ao mesmo tempo, ainda segundo Leite Lopes, a experiência dos movimentos sociais brasileiros surgidos no processo de luta contra o regime autoritário propiciou a busca por políticas públicas favorecendo uma maior participação popular e a Constituição de 1988 estimula tais práticas. Em 1986, o Conama institui uma política nacional de avaliação de impactos ambientais, exigindo estudos e audiências públicas para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras. Os EIA/RIMA foram introduzidos na mecânica do licenciamento, com toda a classificação das atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental. Em 1988, a promulgação da nova Constituição, com um importante capítulo sobre meio ambiente, reforçando as leis de 1981 e 1985, veio a coroar esse processo de construção de uma institucionalidade ambiental (Leite Lopes: 2004, 22-23). Em 1997, como mencionado acima, foi regulamentada a PNMA e, em 1998, uma lei dispõe sobre crimes ambientais e prevê fortes penalidades56. Essa produção de leis e normas e essa construção institucional continuam ao longo do tempo. B. Como funciona o licenciamento ambiental hoje 55 56 http://www.ibama.gov.br/licenciamento/modulos/arquivo.php?cod_arqweb=con237-97 http://www.ibama.gov.br/licenciamento/modulos/arquivo.php?cod_arqweb=lei9605 76 Em sua tese, Deborah Bronz apresenta uma boa síntese dos termos e atos que conformam o procedimento do licenciamento ambiental, que implica na emissão, pelo órgão ambiental (que pode ser estadual – no estado do Rio, o INEA - ou federal – IBAMA), de três tipos de licença para os empreendimentos: prévia (LP), de instalação (LI) e de operação (LO) (2011: 34-35). Termo de Referência. Para a obtenção da licença prévia de um empreendimento, o interessado deverá procurar o órgão ambiental competente ainda na fase preliminar de planejamento do projeto. Inicialmente, o órgão ambiental definirá, com a participação do empreendedor, os documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do processo de licenciamento (TCU, 2007:21). No processo de licenciamento ambiental, a elaboração do EIA (Estudo de Impacto Ambiental57) antecede a emissão da Licença Prévia (LP) e a realização das Audiências Públicas. Os Estudos de Impacto Ambiental, segundo a Resolução n°1, de 23 de janeiro de 1986, do CONAMA, devem obedecer às seguintes diretrizes gerais: (1) contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; (2) identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; (3) definir os limites da área de influência do projeto; (4) considerar os planos e programas governamentais postos em implantação e operação na área de influência do projeto e sua compatibilidade. A realização do EIA depende do desenvolvimento das seguintes atividades: (1) diagnóstico ambiental que caracteriza a situação da área de influência do projeto antes de sua implantação, considerados os meios físico, biológico e socioeconômico; (2) análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes; (3) definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, avaliada a eficiência de cada uma destas; (4) elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos. 57 Seguindo as definições legais, impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais. A área de influência corresponde à área sujeita aos impactos da atividade potencialmente poluidora. 77 O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) reflete as conclusões do Estudo de Impacto Ambiental – EIA. A legislação prevê que as informações devem ser traduzidas em linguagem acessível ao público, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, “de modo que se possam entender claramente as conseqüências ambientais das atividades e suas alternativas, comparando as vantagens e desvantagens de cada uma” (CONAMA n° 1/86). A etapa subseqüente à elaboração do EIA é seu encaminhamento ao órgão ambiental competente que irá avaliá-lo. Este pode solicitar esclarecimentos e complementações do estudo. A definição da necessidade de audiência pública, no caso concreto, é tomada: a) a critério do órgão ambiental; b) por solicitação de entidade civil; c) por solicitação do Ministério Público; ou d) por abaixo-assinado de pelo menos 50 cidadãos. De qualquer forma, o órgão ambiental deve abrir prazo de 45 dias para a solicitação de audiência pública, a partir da data do recebimento do RIMA. No caso de haver solicitação na forma do regimento e do órgão ambiental negar a realização, a licença prévia concedida será considerada nula (TCU, 2007:24). A realização de audiências públicas, abertas à participação de qualquer cidadão interessado, tem por objetivo assegurar o cumprimento do princípio democrático previsto na constituição (idem:16). A audiência pública é, pois, um ato administrativo consultivo, no qual a “sociedade civil” tem a oportunidade de expressar suas opiniões, críticas e sugestões ao projeto. As circunstâncias de participação pública dispostas são instâncias consultivas e não decisórias. As discussões vivenciadas na audiência pública são registradas em ata e anexadas ao processo de licenciamento ambiental, de modo a subsidiar as decisões do órgão ambiental, que detém o poder decisório de conceder ou não a licença à empresa empreendedora. Após a realização da audiência pública, o órgão ambiental pode solicitar mais esclarecimentos e complementações, em decorrência das questões debatidas no evento. Nas últimas etapas do processo de licenciamento, cabe ao órgão licenciador emitir o parecer técnico e jurídico, deferindo ou indeferindo o pedido de licença. Licença Prévia (LP): A LP deve ser solicitada na fase preliminar do planejamento da atividade. A licença atesta a viabilidade ambiental do empreendimento, aprova sua localização e concepção e define as medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos negativos do projeto. “Sua finalidade é definir as condições com as quais o projeto torna-se compatível com a preservação do meio ambiente que afetará” (TCU, 2007:17). É 78 também um compromisso assumido pelo empreendedor de que seguirá o projeto de acordo com os requisitos determinados pelo órgão ambiental. O cumprimento das medidas é condição para a solicitação e obtenção da licença seguinte (LI). As medidas acordadas com o órgão condicionam a continuidade do procedimento administrativo e são apresentadas no verso da licença ambiental. O Projeto Básico de um empreendimento deve ser elaborado após a emissão da Licença Prévia (LP). Deve possibilitar a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução. O “adequado tratamento da questão ambiental no projeto básico”, segundo consta na Cartilha do Licenciamento Ambiental (TCU, 2007), significa “adotar, na sua elaboração, a localização e as soluções técnicas aprovadas na LP e incluir as medidas mitigadoras e compensatórias definidas como condicionantes na licença”. As medidas são apresentadas no Projeto Básico na forma de planos, programas e projetos. A lei exige das empresas a apresentação de relatórios parciais contendo informações produzidas no “controle” dos impactos. A compensação é diferente. Na prática, se refere aos investimentos da empresa nos territórios, numa operação que procura substituir ou reparar os efeitos negativos dos empreendimentos que não são mitigáveis, ou controláveis – entre eles, “a perda da biodiversidade e de áreas representativas do patrimônio cultural, histórico e arqueológico” (TCU, 2007:42). O que não se pode mitigar, se compensa. A escolha de unidades de conservação a serem beneficiadas será definida pelo órgão ambiental licenciador, considerando as propostas apresentadas no EIA-RIMA e pelo empreendedor, podendo, inclusive, ser contemplada a criação de novas unidades de conservação. Na prática do licenciamento ambiental, embora não regulada por lei, observa-se a adoção de medidas de compensação social, acordadas diretamente com os órgãos licenciadores, com os governos estaduais, federal e com as comunidades classificadas como afetadas, que costumam ser incluídas nos “Termos de Compromisso” firmados antes da emissão da Licença de Instalação (LI). Licença de Instalação Essa licença dá validade à estratégia proposta para o trato das questões ambientais durante a fase de construção. Ao conceder a LI, o órgão gestor de meio ambiente terá: • • • • autorizado o empreendedor a iniciar as obras; concordado com as especificações constantes dos planos, programas e projetos ambientais, seus detalhamentos e respectivos cronogramas de implementação; verificado o atendimento das condicionantes determinadas na licença prévia; estabelecido medidas de controle ambiental, com vistas a garantir que a fase de implantação do empreendimento obedecerá aos padrões de qualidade 79 ambiental estabelecidos em lei ou regulamentos; fixado as condicionantes da licença de instalação (medidas mitigadoras e/ou compensatórias). O prazo de validade da licença de instalação será, no mínimo, igual ao estabelecido pelo cronograma do empreendimento ou atividade, não podendo ser superior a seis anos. Atendimento às condicionantes Durante a vigência da LI, o empreendedor deve cumprir com as medidas condicionantes determinadas com o objetivo de prevenir ou remediar impactos sociais e ambientais que possam ocorrer durante a fase de construção da obra. O órgão ambiental realizará o monitoramento das condicionantes determinadas na concessão da licença. O acompanhamento é feito ao longo do processo de instalação e será determinado conforme cada empreendimento. Em geral, o controle se faz a partir da consolidação de relatórios periódicos, elaborados pelos consultores envolvidos nos planos, programas e projetos, encaminhados ao órgão ambiental licenciador. O cumprimento das condicionantes é indispensável para solicitar e obter a licença de operação. Licença de Operação A LO autoriza o empreendedor a iniciar suas atividades produtivas. Tem por finalidade aprovar a forma proposta de “convívio do empreendimento com o meio ambiente” (TCU, 2007:19) e estabelecer condicionantes para a continuidade da operação. Sua concessão é por tempo finito. A licença não tem caráter definitivo e, portanto, sujeita o empreendedor à renovação, com condicionantes supervenientes. O prazo de validade da licença de operação deverá considerar os planos de controle ambiental e será, em regra, de, no mínimo, quatro anos e, no máximo, dez anos. Cada ente da federação determinará, dentro desse limite, seus prazos. Etapas do Licenciamento Ambiental 80 Fonte: Bronz 2011: 35. 81 ANEXO 2 APRESENTAÇÃO SOBRE O LICENCIAMENTO AMBIENTAL DO COMPERJ PARA GRUPO DE REFERÊNCIA TÉCNICO-CIENTÍFICO DO PROJETO InCid – INDICADORES DA CIDADANIA NA REGIÃO DO COMPÉRJ